Creative Macau com exposições em dose dupla

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma escultura feita pelo público e concebida por Geralde Estadieu e uma mostra da cerâmica de Kristina Mar são as exposições que a Creative Macau propõe a partir de hoje. O caractere de pessoa – 人 - vai ser produzido com peças impressão em 3D e a ceramista vai mostrar a imperfeição.

Geralde Estadieu é o autor da exposição interactiva que estará aberta à apreciação e participação do público a partir de hoje na Creative Macau. A ideia é a construção do caractere 人(ren), que significa pessoa, com peças impressas em 3D. “Uma ideia que junta o criador e o público num projecto comum”, explicou o autor ao HM.

“A ideia de produzir este caractere numa escultura de grande dimensão e totalmente feita com peças impressas ‘in loco’ partiu de uma iniciativa de Maio do ano passado também aqui em Macau. Foi a primeira vez que o público foi convidado a ver o processo de produção e a Creative acabou por me convidar a fazer um projecto”, referiu Geralde Estadieu.

Chegar à ideia de pessoa não foi complicado. O autor queria, acima de tudo, “uma coisa simples e directamente relacionada com a cultura chinesa”. Por outro lado, é um caractere que, pela sua forma, pode facilmente ser associado ao Homem e entendido pela maioria das pessoas de Macau. “Pode ser reconhecido por chineses e por outras comunidades que também vivem cá. A própria forma remete para o ser humano, o que ajuda muito e faz com que as pessoas se identifiquem.”

O objectivo era ainda aliar a criatividade que está implicada num processo de produção artística à tecnologia, e o 人 expressa isso mesmo: “a relação entre humanos e produção de ponta”.

Paralelamente à unicidade de cada ser humano, cada peça será única na forma e no tamanho. “Outra característica para conferir o caractér único de cada um é a possibilidade que o público vai ter de, se quiser, personalizar as peças com que vai construir o caractere. Estamos a gerar um padrão em que cada peça é única, assim como cada humano o é. Como tal, cada pessoa que participar, pode decorar a peça como bem entender”, explicou o artista e criador ao HM.

A apresentação começa com peças previamente impressas, mas a ideia é manter o produção enquanto a escultura ganha forma. A instalação estará em construção até o próximo dia 30, sendo que o autor prevê que a forma final seja concluída no Natal.

O regresso da imperfeição

A exposição de Kristina Mar vai decorrer em simultâneo na Creative Macau. Para a directora da organização, Lúcia Lemos, faz sentido ter estes trabalhos ao mesmo tempo. “Ambas são construções e ambas têm um cariz artesanal” disse ao HM.

“Tanto na escultura em 3D como nas peças da Kristina Mar, os trabalhos partem do nada e é possível perceber, de formas diferentes, a sua construção”, sendo que, apesar de as peças de cerâmica não serem produzidas ao vivo, o seu carácter artesanal está presente”, concretizou a directora.

Kristina Mar é ainda destacada por Lúcia Lemos pela sua insistência na mostra da imperfeição. “O trabalho dela deixa visíveis as falhas, as quebras, as imperfeições, para que a própria peça possa respirar porque a artista quer que a cerâmica fale por si.”

 

15 Dez 2016

Literatura | Carlos Morais José convidado para o Correntes d’Escritas

É inédito: em 2017, o mais importante festival literário de Portugal vai contar com um autor do território. “O Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja” é o bilhete que leva Carlos Morais José até à Póvoa do Varzim. O escritor quer que, com ele, sigam todos os outros que não são devidamente reconhecidos

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi com surpresa que Carlos Morais José recebeu o convite: o autor vai participar na edição de 2017 do festival literário Correntes d’Escritas, um evento que se realiza na Póvoa do Varzim e que conta, ano após ano, com os principais nomes da literatura em português.

“Estou surpreendido porque não é habitual Macau ser considerado como ponto literário da lusofonia. Por outro lado, sinto-me muito honrado com o convite, na medida em que este é o mais importante festival literário de Portugal, com extensões ao Brasil e aos países de língua castelhana”, explica. Pela importância do evento, Morais José espera poder “representar bem a RAEM, mostrando que por aqui existe um forte movimento cultural lusófono, cujas raízes mergulham numa relação secular entre duas grandes civilizações: a chinesa e a portuguesa”.

Porque vive em Macau há 26 anos, o autor fala numa “escrita de exílio”, que é agora reconhecida, o que o deixa “muito satisfeito”. “Mais por Macau do que por mim”, diz. “Esta cidade é, em si mesma e na sua mitologia literária, praticamente inesgotável e há ainda muito por descobrir e explorar.”

Quanto à importância que poderá ter a participação no festival da Póvoa do Varzim, Carlos Morais José confessa-se “algo eufórico” com o facto de, pela primeira vez, um autor de Macau ser convidado a participar.

“Espero levar comigo a literatura lusófona de Macau e farei um esforço no sentido do seu reconhecimento. Escritores como Alberto Estima de Oliveira, Henrique de Senna Fernandes, Luís Gonzaga Gomes, Deolinda da Conceição, Fernando Sales Lopes, Manuel Afonso Costa, Fernanda Dias, António Conceição Júnior, Yao Feng, entre outros, sem nunca esquecer Camilo Pessanha, precisam de ser referenciados e divulgados no espaço lusófono, impondo a RAEM como um lugar extremo da lusofonia onde vivificam de forma singular as letras em português”, explica.

O escritor não deixa de salientar que “é espantoso que em Macau subsista uma tradição muito própria de escrita que, fugindo ao mero exotismo, tenha um lugar na universalidade da nossa língua”. Por isso, pretende que a participação no Correntes d’Escritas consiga contribuir para a divulgação do território “como um espaço longínquo onde o português acaba e o nada começa”.

“Se Pequim pretende fazer desta terra uma ponte para a lusofonia, será sobretudo através da cultura que a nossa comunidade poderá desempenhar um papel útil a esta região”, defende. “A minha escrita, apesar de compulsiva e individual, gostaria de ser uma chave para abrir portas até hoje fechadas, e espero que o foco sobre o meu trabalho seja suficiente para iluminar as obras de outros autores locais que escrevem em português e mesmo a de alguns autores chineses locais, cuja obra se encontra imbuída de características únicas, no contexto da Grande China”. É que, entende, “Macau precisa de ser conhecido no mundo lusófono, além dos casinos e do exotismo bacoco”.

O encanto da ficção

O convite para a participação no Correntes d’Escritas surge depois de ter sido lançado em Lisboa o livro “O Arquivo das Confissões – Bernardo Vasques e a Inveja”, uma obra que foi apresentada esta semana em Macau. É um texto que foge ao que têm sido as incursões literárias de Carlos Morais José.

“Estou surpreendido pela aceitação que o livro está a ter, mas o facto de ser uma novela ajuda muito, pelos vistos, à sua divulgação e aceitação – muito mais do que a poesia ou outras formas literárias, geralmente consideradas mais elitistas e destinadas a um público muito específico”, observa.

“A minha obra é diversificada mas, até agora, não incluía este tipo de ficção. Por isso, de certo modo, não me espanta que a prosa ficcionada tenha mais aceitação do que o resto. As pessoas adoram ouvir histórias porque as fazem sair do seu próprio mundo e entrar num outro reino.” Mas não é só isto: “Parece-me que a minha novela também interroga o leitor de uma forma extrema, na medida em que apresenta um personagem cheio de defeitos e malícias, ou seja, como todos nós. Só uma estrutura moral muito forte nos afasta do Mal e, mesmo assim, crescem dúvidas. Assumem a forma de ervas daninhas na nossa mente mas, ao mesmo tempo e pelo contrário, são essas mesmas dúvidas que instituem a riqueza dos indivíduos e a sua capacidade questionadora e criativa”.

Carlos Morais José é licenciado em Antropologia e vive em Macau desde 1990. É director do Hoje Macau e proprietário da editora Livros do Meio. A 18.a edição do Correntes d’Escritas acontece entre 21 e 25 de Fevereiro de 2017.

15 Dez 2016

Extensão do Douro Filme Festival acontece hoje no Consulado

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]contece hoje no auditório do consulado-geral em Macau a extensão do Douro Filme Festival, um festival de cinema mudo em Portugal que, pela primeira vez, chega ao Oriente, com o apoio da Casa de Portugal em Macau (CPM). Criado há dez anos, no Porto, o festival traz este ano um conjunto de películas no feminino, filmadas por 11 realizadoras com películas de super oito milímetros. Os filmes serão acompanhados pela música de Miguel Andrade e Paulo Pereira.

A vinda do festival a Macau pela primeira vez visa celebrar os 120 anos do cinema português, na pessoa de Aurélio da Paz dos Reis, e recordar a realizadora portuguesa Noémia Delgado, que faleceu este ano.

Para Cristiano Pereira, actor e um dos responsáveis pelo projecto, o Douro Filme Festival é um “festival com características únicas”, sendo “único em Portugal e um dos poucos exemplos no mundo”. “Os filmes são todos rodados em película, temos o apoio da Kodak, e são todos rodados com o equipamento de uma nova produtora do Porto, a OPPIA (Oporto Picture Academy). É talvez o festival em todo o mundo que é projectado em película.”

Cristiano Pereira confirmou ainda ao HM que a ideia é estabelecer um curso de filmes feitos com estas películas e criar um festival com base nas películas realizadas pelos alunos.

“Queremos trazer um curso de cinema em películas de super 8mm, que inclui um curso completo, cinematografia, revelação dos filmes e rodagem, e um festival local. Estamos em Macau neste momento a trabalhar nessa possibilidade, através da amabilidade da CPM e consulado. A ideia é que, no âmbito desse curso os filmes realizados possam levar a um festival local”, apontou.

A vinda a Macau pretende ainda ser uma ponte para o mundo lusófono. “É nossa ambição levar o festival aos países lusófonos, e também apresentaremos este projecto à CPLP”, rematou Cristiano Pereira. O festival decorre apenas hoje, a partir das 19h.

 

Filmes em exibição

“O Amor eterno não é um mito urbano”, de Isabel Venceslau

“A cabeça no ar ou O ar na cabeça”, de Mariana Figueroa [Menção honrosa]

“Memória, substantivo feminino”, de Luísa Sequeira [Menção honrosa]

“Super 75”, de Patrícia Vieira Campos (Pat) [1º Prémio]

“Ariadne e o Minotauro”, de Filipa Gomes

“sem título”, de Amarante Abramovici

“Bailarina amparada”, de Ana Tinoco

“Entranhas”, de Patrícia Nogueira

“Confia que o tempo também devolve”, de Marina Zincovitch Botelho

“Autumn”, de Mervi Junkkonen [Menção honrosa]

“Tons”, de Diana Oliveira

“Aurélia, mulher artista” e “Urbión”, ambos de Cristiano Costa Pereira e “PortoPorto”, de Sério Fenandes

15 Dez 2016

The Winter e São Jorge sagraram-se os grandes vencedores

O argentino “The Winter” venceu na categoria de Melhor Filme porque tudo nele foi belo, através das coisas simples. Depois de Veneza, Nuno Lopes voltou a vencer na categoria de Melhor Actor, com o filme “São Jorge”, que ganhou também na categoria Melhor Realizador

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]iziam as regras do Festival Internacional de Cinema de Macau que um filme não poderia vencer dois prémios, mas o júri não teve escolha. Se “The Winter” (O Inverno), do argentino Emiliano Torres, venceu apenas na categoria principal, como Melhor Filme, o português São Jorge arrecadou dois prémios: o de Melhor Actor (Nuno Lopes) e Melhor Director (Marco Martins). “Sisterhood”, de Tracy Choi, ganhou a estatueta de Melhor Actriz (Jenifer Yu), para além de ter ganho o prémio do público.

“O meu único pedido para os meus colegas do júri foi para verem os filmes com emoções, com o coração”, disse Shekar Kapur após a cerimónia de entrega dos prémios. ”Se alguém fez um trabalho brilhante num filme porque não premiar? Por isso decidimos quebrar as regras”, disse ainda.

O júri falou de “The Winter” como sendo uma bela película onde o minimalismo consegue contar as maiores histórias. “Achei o “The Winter” lindíssimo, os actores incríveis. O filme foi muito completo, bem interpretado, com boa fotografia, com uma história forte. Tive muitas reacções em relação a ele”, disse Giovanna Fulvi, membro do júri.

Emiliano Torres referiu estar sem palavras. “Ganhar um prémio já seria bom, mas ganhar o prémio principal é espectacular. Esperamos que este prémio possa trazer o nosso filme para a Ásia.”

Com excepção de “Sisterhood”, filme local, não houve estatuetas para produções asiáticas. Mas, para Shekar Kapur não há mal nenhum nisso. “Não havia regulamentos que diziam que deveríamos prestar atenção aos filmes asiáticos. São filmes e é isso que é bom no cinema, trespassa geografias e conta histórias sobre nós.”

O risco

“São Jorge” aborda a vida de um pugilista que sem opção arranja emprego numa empresa de cobranças difíceis numa altura em que Portugal vive os constrangimentos de uma crise. Nuno Lopes vê o seu trabalho de actor reconhecido mais uma vez, após vencer em Veneza o prémio na secção “Horizontes”. Apesar de ausente, o actor português deixou uma mensagem via skype a agradecer a distinção: “Tenho pena de não estar presente e é uma honra poder receber este prémio. Quero agradecer ao meu amigo e ao melhor realizador com quem se pode trabalhar” disse referindo-se a Marco Martins.

Marco Martins falou do risco que foi fazer “São Jorge”. “Quando comecei a escrever o guião todos me diziam que era perigoso fazer um filme sobre o presente, porque não temos perspectiva. Concordo com isso, mas para nós era um momento importante, em que muitas pessoas perderam trabalhos e apoios sociais. Assumi o risco, e nunca tinha feito um filme de cariz social.”

O realizador deixou no ar a hipótese de um dia filmar em Macau, mas referiu que filma sobretudo lugares que lhe são próximos. “Escolho sempre temas que me são próximos, fiz muitos documentários na Índia ou no Japão, e Macau gerou em nós um grande fascínio.”

“Elon, não acredita na morte” , a produção brasileira que conta com a realização de Ricardo Alves Júnior ganhou o prémio para a melhor contribuição técnica. Ao HM, o realizador manifestou a sua alegria não só pelo reconhecimento mas por ser um prémio que valoriza a equipa. “Estamos muito satisfeitos com este reconhecimento internacional, e mais do que um prémio individual, este é uma condecoração colectiva que tem em conta o trabalho de todos”, referiu ontem.

Lembrar Muller

Marco Muller foi lembrado por Ricardo Alves Júnior, realizador de “Elon não acredita na morte”. “Para a gente o festival foi importante porque teve a figura do Marco Muller, foi isso que nos levou a fazer a estreia internacional do filme aqui. É importante estar aqui a receber o prémio numa selecção feita por uma figura tão importante do cinema.”

A falta de público em muitos dos filmes foi também notada pelo realizador brasileiro. “(Marco Muller) conseguiu levantar um grande evento, que correu muito bem. O mais importante no festival são os filmes e o público e esperamos que no próximo ano consigamos trazer mais gente para ver os filmes, algo que nos fez muita falta.”

Prémios

  • Melhor Filme – “The Winter”, Argentina
  • Melhor Realizador – Marco Martins – São Jorge – Portugal
  • Melhor Actor – Nuno Lopes – São Jorge – Portugal
  • Melhor Actriz – Lindsay Marshal – Trespass against us – UK
  • Melhor Jovem Actriz – Jeniffer Yu – “Sisterhood” – Macau
  • Melhor Argumento – Amy Jump e Ben Wheatley – “Free Fight” – UK
  • Melhor Contribuição Técnica – “Elon não acredita na morte” – Brasil
  • Prémio do Júri– “Trespass against us” – UK
  • Prémio do Público – “Sisterhood” – Macau
14 Dez 2016

Shekhar Kapur, presidente do júri do MIFFA: “Festival tem todas as características para se solidificar”

 

 

Shekhar Kapur é o cineasta indiano que assumiu a presidência do júri da principal competição na primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau (MIFFA). Foi contabilista, mas a necessidade de fazer alguma coisa que o divertisse deu-lhe outro rumo à vida. Vive agora entre a Índia e Hollywood, tem no currículo filmes de renome e vê o festival de Macau com um forte potencial de projecção além-fronteiras

 

Como é que apareceu o cinema na sua vida?

Comecei por ser contabilista. Mas percebi que precisava de saber qualquer coisa que me desse algum significado pessoal. Não quero dizer que ser contabilista é uma profissão má, mas acho que que faz muita diferença quando trabalhamos e nos estamos a divertir ao mesmo tempo. Também não quer dizer que enquanto nos divertimos não estejamos a fazer coisas sérias. Quando o trabalho não tem este aspecto lúdico, penso que as pessoas vão envelhecendo, mas num sentido negativo. O meu primeiro movimento para longe da contabilidade em direcção ao cinema foi provocado pela tentativa de olhar para alguma coisa que me fizesse sentir que estaria a brincar também, a divertir-me. É difícil encontrar pessoas em trabalhos muito sérios que se divirtam. Na maioria dos trabalhos as pessoas estão, muitas vezes, a pensar no que vai acontecer a seguir, no que vão fazer a seguir e quem vai fazer o quê, e eu queria fazer alguma coisa em que me sentisse tão apaixonado e completo que nesse momento não pensaria em mais nada. Foi aí soube que tinha de deixar a contabilidade e ir para uma área artística. Foi o cinema.

O filme que o catapulta para a fama foi “Bandit Queen”. Um sucesso em Cannes que acabou por levá-lo para outros destinos e para as grandes produções. Que diferenças temos no seu trabalho antes e depois de “Bandit Queen”?

Há alguns filmes que se destacam porque a sensação é a de que nunca vamos fazer uma coisa tão boa como aquela. Bom ou mau, não se pode dizer. Há muitas pessoas que dizem que “Elisabeth” é melhor que “Bandit Queen” e há quem diga o contrário. Mas, para mim, o “Bandit Queen”, feito naquela altura, foi muito mais intenso.

Porquê?

Porque foi uma autodescoberta. Foi um filme acerca da dominação sobre as mulheres. Apesar de ter essa atitude, senti que era também responsável pela minha ignorância e por não lutar contra isso. Transformou-se numa experiência de redenção. De certa forma, estava zangado comigo e fui fazer um filme acerca da minha zanga. Tentei redimir-me enquanto homem. Como é que alguma coisa pode ser mais pessoal que isto? Como é que qualquer grande produção que se seguiu, nomeadamente em Hollywood, pode ser tão profunda quanto isso? É um daqueles filmes que me assusta e que me põe a questionar se alguma vez conseguirei regressar àquele ponto. Para regressar tenho de me tornar inocente outra vez.

Já perdeu a inocência?

Não, ainda tenho alguma. Mas porque os filmes são cada vez mais caros, somos apanhados no nosso próprio sucesso e depois tornamo-nos prisioneiros. De alguma forma, o fracasso traz-nos liberdade. Se estamos no topo de uma montanha, deixamos de ter oxigénio. Por isso precisamos de descer para respirar. É preciso ter-mos um intervalo para isso mesmo, respirar.

Quando precisa de se reencontrar, como faz agora?

Vou para um ashram e passeio com pessoas que têm uma perspectiva da vida muito maior do que a minha. Encontro-me com vários amigos e acabamos por tentar discutir as questões mais fundamentais da vida. Não há nada melhor do que isso.

Em “Queen Elisabeth” trabalhou, por exemplo, com a Cate Blanchet e contou com várias nomeações e prémios entre os Óscares e os Bafta. Como foi passar para uma produção desta envergadura?

Para mim, o “Bandit Quenn” também foi uma grande produção. No fundo, o tamanho da produção não interessa. O importante é a intimidade que se consegue com o que fazemos. Penso que umas das grandes razões para o sucesso de “Elisabeth” foi a relação entre a equipa que estava ali a trabalhar. Fizemos questão de trabalhar de forma a tornar o filme muito íntimo. Fiquei surpreendido porque até aí nunca tinha feito um filme com mais de 800 mil dólares. Disseram-me que orçamento era de 24 milhões de dólares e eu fiquei sem saber o que fazer com o dinheiro. No primeiro dia de filmagens, já no local, verifiquei que chegavam autocarros, carros e roulottes quando tínhamos pedido que aquele espaço ficasse sem ninguém. Pensei que alguma coisa tivesse corrido mal e que os turistas estivessem a chegar. Acabei por perguntar quem eram aquelas pessoas e responderem-me que era a equipa a chegar. Nunca tinha visto uma coisa assim. Nunca tinha, sequer, tido um trailer para nenhum dos meus filmes, ou um serviço de catering. Lembro-me de estar ali a tirar fotografias, fascinado. Havia uma diferença nesta produção mas, uma vez dita a palavra ‘acção’, é sempre igual: é um momento mágico e esquecemos tudo à volta.

Trabalhou, em “Bombay Dreams”, com Andrew Lloyd Weber, conhecido pelos musicais. Foi um retorno à música que também caracteriza o cinema indiano, no qual começou?

É uma história engraçada. Quando nos conhecemos, ele convidou-me a fazer uma adaptação para o cinema de “O Fantasma da Ópera”. Falámos durante algum tempo e percebi que não podia fazê-lo. Apesar de já ter feito musicais, não sabia como fazer uma coisa em que não acreditasse na própria acção. Mas tornámo-nos amigos. Um dia falei-lhe de “Bombay Dreams”. Noutra altura, estávamos num jantar com outros amigos e acabei por falar nesse projecto. De repente apercebi-me que o Andrew Lloyd me estava a pontapear debaixo da mesa. Queria ser ele a fazer esse filme comigo. Aprendi muito com ele. Um musical é realmente como Bollywood: a história tem de ser muito simples porque a complexidade reside na música. Aprendi isso com ele. Depois achei que deveria existir outro compositor. Falei-lhe de Allah-Rakha Rahman. Quando contactei o Rahman, recusou com receio de ser rejeitado no mundo ocidental. Acabou por aceitar participar. Desde aí já ganhou dois Óscares. (risos)

O que é que está a preparar neste momento?

Estou a filmar uma série acerca da juventude de William Shakespeare. É a minha primeira experiência para televisão. Neste trabalho fiz uma espécie de “trabalho ultrajante”. As pessoas podem mesmo vir a perguntar: isto é Shakespeare? Percebi que Shakespeare, no fundo, escrevia para uma audiência um pouco idêntica à de Bollywood em que as pessoas pobres expressam o que sentem e o seu individualismo muito melhor e de uma forma muito mais forte e mais apaixonada. Os ricos, por exemplo, podem apresentar um bom carro e marcam uma posição, mas os pobres só se têm a si mesmos. É daí que vem também o punk. E no momento em que percebi que Shakespeare, à sua maneira, escrevia “para” o povo das ruas, soube o que tinha de fazer.

Além do cinema, tem investido na protecção ambiental, nomeadamente na protecção da água. O que é que o motivou a ter este papel activo?

Às vezes somos confrontados com equívocos. Lembro-me, quando era criança, que o meu tio tinha uma quinta e que eu e os meus amigos íamos para lá no Verão, e ficávamos debaixo dos tubos da água a refrescarmo-nos. Nunca pensámos que a água podia ser um recurso que podia gostar. De repente, apercebi-me que a água podia acabar. A minha geração criou o problema por não saber da verdade. Agora também quero fazer um filme que será sobre a água. Penso que quero mostrar a realidade às novas gerações para que não cometam o mesmo erro, o do desperdício de um bem precioso e que pode ser esgotável. As consequências podem ser catastróficas. Quando falam que podemos vir a ter uma crise de água, a minha resposta é que já temos esta crise há mais de 20 anos e nem a vemos. As pessoas que podiam fazer a diferença na preservação da água têm torneiras que nunca vão deixar de correr e nem sabem que uma grande parte da população nem torneiras tem. Também mudámos o princípio fundamental da água. A água sempre foi um recurso comunitário e nós transformamos num recurso pessoal.

Como foi o visionamento e discussão dos filmes que estiveram em competição?

Os filmes que entraram em competição, foram, e tenho de o admitir, muito bons. Entre os membros do júri discutimos muito. Falávamos muito uns com os outros porque cada um lutava de alguma forma pelo seu filme favorito. A discussão era sempre à volta dos destaques do que cada um tinha em especial e que marcavam os membros do júri. Uma sensação importante foi a de que, cada membro, tinha sido afectado pelos filmes que estava a ver e a classificar. E isso é o mais importante.

Que balanço faz desta primeira edição do MIFFA?

Vim a Macau há 30 anos e nessa altura não havia nada. Agora, o que posso constatar é que existem mais infra-estruturas aqui para a realização de um festival desta dimensão do que em muitos pelos quais já passei. Talvez Macau precise de mais salas de cinema. A sala do Galaxy, os outros casinos podiam sentir-se encorajados a fazer mais. Macau também é uma cidade pequena, com pouco trânsito e, por isso, tem potencial para se tornar um grande festival. Este primeiro ano foi muito bom. Penso também que a próxima fase da cultura, também em termos cinematográficos, é esta onda de interesse pelo que se faz na Ásia. Neste contexto, o aparecimento de um festival novo nesta região tem todo o potencial. As pessoas podem dizer que em Macau não há muita gente para assistir a este tipo e iniciativas. Quando comecei com o festival de Goa, dizia-se o mesmo, e tínhamos os mesmos problemas: em Goa há muito turismo e as pessoas não vivem lá. Mas agora, anos depois, os bilhetes esgotam, as salas estão cheias, as pessoas vão de todo o lado.

É uma questão de tempo também?

Sim, e também é uma questão do que é oferecido. Nestes festivais cria-se uma comunidade durante uma semana. As grandes vantagens de Macau já existem: a intenção existe, as infra-estruturas estão lá, o festival já começou e é na Ásia. Tem todas as características para se solidificar.

 

14 Dez 2016

Eric Fok | Exposição recorda passado de Nam Van

 

Depois de “Paradise 20”, Erik Fong inaugura hoje o seu novo projecto. “Tempos de Mudança” é um conjunto de oito desenhos que ilustram a história do porto que um dia existiu em Nam Van

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] artista plástico de Macau Eric Fok volta a pegar em imagens do passado para que a memória não se perca. Desta feita, resultou “Tempos de Mudança”, o projecto que dá nome e conteúdo à exposição que é hoje inaugurada na Galeria do IFT, nas margens do Lago Nam Van. Os oito trabalhos que integram a colecção utilizam o desenho para mostrar a história da zona onde estão exibidos.

A opção por recordar o passado do lago que, um dia, foi baía e porto é explicada ao HM por Eric Fok como sendo a forma de manter as representações históricas que têm vindo a marcar o seu trabalho e alertar para a importância da história dos lugares de hoje. “Sendo a exposição na zona de Nam Van, onde fica situada a galeria, esta pode ser uma forma de fazer recordar ao público a história daquele local que, por vezes, parece estar esquecida”, observa.

“No passado, Nam Van era um porto muito importante, e marca o ponto de chegada do missionário italiano, Matteo Ricci. Aqui, o tema principal é mostrar, a partir da história e da sua representação, Macau e as mudanças que o território tem sofrido”, reitera o artista.

Do real ao imaginário

Através do desenho, Eric Fok sai agora de um conceito mais realista para dar lugar à representação da imaginação. “Apesar de serem trabalhos que reflectem a história de Macau, ao contrário dos projectos que tenho desenvolvido e que se caracterizam por uma representação aproximada da realidade, neste permiti-me deixar espaço para a imaginação”, explicou ao HM.

Eric Fok realça ainda a imaginação do público e o seu papel na interactividade com os trabalhos que podem ser vistos. “É um conjunto de desenhos que, além de darem lugar ao meu imaginário, têm espaço para que os espectadores possam pensar no que se passou naqueles lugares e situações históricas”.

Também a marcar a diferença com os trabalhos anteriores é o recurso a alguns elementos religiosos. Para o artista, “o passado, as memórias e a religião podem juntar-se e em ‘Tempos de Mudança’ e a escolha recaiu em apontamentos que abordam Adão e Eva”.

Eric Fok nasceu em Macau e licenciou-se em Artes Visuais pelo Instituto Politécnico de Macau. “As suas obras são caracterizadas por um trabalho meticuloso que integra mapas antigos e novas construções criadas com recurso à caneta técnica. O resultado é uma combinação entre tradição e modernidade”, lê-se na biografia do artista.

Alguns dos seus trabalhos já foram exibidos na Bologna Illustration Exhibition – Bologna Children’s Book Fair (2013), no Art Nova100 of China, na Art Revolution Taipei (2014). Erik Fok foi ainda o vencedor do segundo Prémio Fundação Oriente Artes Plásticas. Há obras suas na colecção do Governo, do Instituto Cultural, da Fundação Oriente e também em colecções privadas em Las Vegas, Itália, Reino Unido, Singapura, Macau e Hong Kong. A exposição é inaugurada hoje às 18h e conta com entrada livre.

 

14 Dez 2016

Cinema | Ivo M. Ferreira revela detalhes sobre novo filme, “Hotel Império”

Foi ontem apresentado à comunicação social o novo projecto de Ivo Ferreira, “Hotel Império”. O filme é um mosaico multicultural, falado em quatro línguas, que vive do confronto entre o passado e o futuro

[dropcap style≠’circle’]“É[/dropcap] uma grande alegria poder mostrar a minha Macau.” As palavras são do realizador Ivo Ferreira, durante a conferência de imprensa que apresentou ao mundo o filme que começará a ser rodado depois do ano novo chinês. As estrelas principais da nova película do realizador são Margarida Vila-Nova e Rhydian Vaughan, actor de Taiwan.

O filme fará uma dissecção do que é viver em Macau, da intemporalidade e mutação constante de uma cidade que não pára de se reinventar, por vezes depressa de mais para a apreensão dos sentidos. É neste limbo de circunstâncias que se desenrola a acção. Na esquizofrenia do caos dos bairros tradicionais onde se estende roupa em fios de electricidade, e o aspecto ultra-modernista da Macau dos néons, dos enormes casinos e hotéis. “Vivi no Porto Interior, onde tudo é frágil e sólido ao mesmo tempo, gosto muito deste tipo de contradições”, adianta o cineasta radicado em Macau.

O filme gira em torno de Maria, interpretada por Margarida Vila-Nova, que “ainda anda à procura da personagem”. Maria vive embrulhada em paradoxos e questões identitárias, tal como a cidade onde cresceu. Portuguesa e criada por uma madrasta que fala cantonês, não se sente portuguesa, nem chinesa, nem de Macau. Vive perdida, “não sabe muito bem o que fazer, cresceu mas ainda é uma rapariga”, tenta explicar a actriz. Pelo que foi dado a apreender, é uma personagem que se encontra num limbo emocional. Canta o fado no Casino Flutuante e, quando se prepara para resvalar para o mundo da prostituição, conhece Chu, um irmão que desconhece e com quem cria uma relação complexa. No centro da acção dramática entre os irmãos está uma atracção a roçar o incesto, a herança do Hotel Império e todo o tecido social que alberga.

Ambições altas

O filme será rodado em português, inglês, mandarim e cantonês, algo que não assusta o produtor Luís Urbano, que realça o aspecto mais atmosférico da obra, que será pouco palavrosa. Também o set será poliglota. “Acho que nos vamos divertir muito nestes 36 dias de rodagem”, revela a produtora Isabel Soares, interrompida pelo realizador: “66 dias”. Isabel pede, em jeito de piada, para o cineasta não abusar e o produtor Luís Urbano remata que nesse aspecto “não há negociações”. A familiaridade salta a olhos vistos, e essa é uma atmosfera que Ivo pretende trazer para o set, um feeling “caseiro, mas profissional”.

Segundo Luís Urbano, o homem da produtora Som e Fúria, o filme estará pronto no final de 2017, a tempo de estrear e competir “em festivais de classe A”. O produtor admite que tem grandes ambições para esta película.

Em termos comerciais, Lin Nan, co-produtor chinês da Titan Films International, considera as perspectivas comerciais deste filme “muito interessantes no mercado chinês”. Para tal contribui o facto de ser “falado em cantonês, uma vez que a zona do Cantão é uma das regiões mais aliciantes em termos de bilheteira em toda a China”.

No que toca à distribuição, o co-produtor chinês alerta para o detalhe de este “não ser um filme comercial, portanto, primeiro será dada atenção a canais mais direccionados para o cinema de autor”. Mas, “olhando para o progresso que estamos a ter, não me surpreende nada que cheguemos à distribuição mais mainstream”, revela Lin Nan.

No fundo, este projecto de Ivo Ferreira será uma belíssima caldeirada multicultural, uma tapeçaria complexa. Em todos os aspectos: elenco, financiamento, produção e mesmo em termos narrativos. Um filme nascido num contexto de assimetria, de paradoxo, de mundos diferentes que chocam, mas que se completam numa harmonia estranha. Um pouco à imagem da cidade onde será rodado.

14 Dez 2016

TIMC | “Actos de Design Não-Identificados” hoje na Casa Garden

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] festival This is My City mostra hoje à tarde, na Casa Garden, um conjunto de oito curtas-metragens sobre o que de melhor se faz em Shenzen em termos de design. O projecto “Actos de Design Não-Identificados” foi apresentado o ano passado na Bienal de Arquitectura e Urbanismo de Shenzen e serviu de preparação para a abertura de uma galeria do Museu Victoria & Albert na segunda metade do próximo ano, no Museu de Design de Shekou, em Shenzen. O projecto nasceu de uma colaboração entre o museu e a China Merchants Shekou (CMSK) para apoiar o estabelecimento de uma nova plataforma virada para o design, intitulada Design Society, com abertura em Shenzen em 2017.

Ao HM, Luísa Mengoni, ex-curadora de Arte Chinesa no Museu Victoria & Albert, falou um pouco do projecto. “O que vamos ver hoje é o resultado de uma pesquisa e entrevistas feitas em Shenzen, as quais visaram captar a essência e a natureza destes projectos. Para além de um trabalho de pesquisa feito em estúdios de design, visitamos fábricas e workshops. Tentamos mostrar um pouco mais do que é feito em Shenzen para além do que conhecemos.”

Estreitar laços

Com uma ligação óbvia a Hong Kong, devido à proximidade geográfica, a ideia é que se possam estabelecer laços também com Macau na área do design. “Estou muito satisfeita com o convite que nos foi endereçado pela organização do TIMC. Para nós é uma boa oportunidade para começar algum tipo de colaboração com Macau e talvez desenvolver cooperações futuras. Uma das coisas que realmente queremos fazer em Shenzen é tornar o Delta do Rio das Pérolas uma rede de ligação com instituições relevantes em termos de design, criatividade e inovação. Sem dúvida que há uma oportunidade de colaboração com Macau.”

Convidada a comentar o mercado dos designers locais, Luísa Mengoni considera que é fundamental estabelecer mais laços com Hong Kong e o continente. “A primeira vez que vim para Shenzen em 2012, participei numa exposição que recebeu designers de Macau e Hong Kong. A minha ideia do que se faz em Macau é que é crucial estabelecer uma rede de ligações mais profunda. É muito importante encorajar a criatividade e a inovação, o ambiente digital tem vindo a tornar-se muito proeminente. Estabelecer um diálogo é a melhor maneira de fazer isso acontecer.”

“Há vários desenvolvimentos em termos de design nestas regiões e é importante ter em conta os contextos históricos”, disse ainda Luísa Mengoni.

A galeria do Museu Victoria & Albert será dedicada aos projectos de design que têm sido feitos ao longo dos séculos XX e XXI, sendo também uma plataforma de formação de profissionais nesta área.

13 Dez 2016

Estreia | Primeira edição de festival de cinema dedicado à dança

A primeira edição do “Rollout Dance Filme Fest” está prestes a começar, um festival de cinema todo ele dedicado à arte da dança. O HM falou com Erik Kwong, organizador da iniciativa, que deu a conhecer a ideia, o objectivo e a satisfação pela adesão internacional dos filmes que estarão em competição

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “Rollout Dance Film Fest” é o festival dedicado ao cinema que aborda a arte de dançar e que arranca com a sua primeira edição a partir de sexta-feira.

“A ideia deste tipo de festivais, com temas mais circunscritos, já fervilha na Europa e mesmo no Brasil mas na Ásia ainda não é comum” explicou Erik Kwong, organizador da iniciativa, ao HM. Apesar de não ser frequente no continente asiático, Erik Kuong é “experiente” neste género de eventos. “Já fazia uma série de actividades e projecções que envolviam cinema e dança, mas em Hong Kong”, explicou, sendo que a ideia de trazer um festival mais coeso e consistente a Macau sempre foi algo que teve em mente.

Por outro lado, dada a sua ligação às artes, e sendo também júri dos filmes que estarão em competição, Erik Kuong considera que a ideia de fazer o festival no território é também uma “forma de mostrar a curadoria local de uma forma mais internacional”.

A paixão pela dança vem essencialmente enquanto forma de expressão. O desafio passa por mostrar uma arte através da outra, aliando o movimento da performance às imagens do cinema. “É dar uso à linguagem do corpo através da linguagem da imagem filmada”, referiu.

Relativamente ao números de aderentes na secção de competição, o responsável não podia estar mais satisfeito. “A organização recebeu cerca de 150 filmes vindos de 35 países. Foi muito bom e ficámos muito surpreendidos. Temos também um júri internacional constituído por seis elementos: um da Austrália, um do Brasil, um de Singapura, um de Hong Kong, um elemento que apesar de ser também de Hong Kong, vive em Macau e eu”.

O contentamento é igualmente manifestado no que respeita ao mérito artístico das películas a serem exibidas. “A qualidade dos filmes que recebemos foi muito além das nossas expectativas”, expressou ao HM.

Fim-de-semana em movimento

O evento tem um prelúdio. A ideia é cativar o interesse e a curiosidade do público local. Para o efeito teve lugar, ontem, a projecção de “Dress to see”, um filme do realizador local Tomas Tse. “A intenção é começar com o que se faz no território anfitrião”, explicou Erik Kuong.

Oficialmente, o “Rollout Dance Film Fest” tem início sexta-feira com o filme de abertura. A escolha incidiu em “Mr Gaga”, o documentário que retrata a vida e o trabalho do coreógrafo israelita Ohad Naharin. No dia de arranque haverá também uma presença local com uma projecção extra, desta feita de “Wanderland”, um filme realizado por Cloe Lao.

O sábado vai ser preenchido com a exibição dos 60 filmes que passaram a selecção inicial e que abrangem o cinema e a dança vindos de todo o mundo.

O filme vencedor receberá 1000 dólares americanos. Segundo Erik Kwong, “apesar de não ser uma quantia muito avultada, representa uma ajuda para a promoção do filme, essencialmente no estrangeiro.” Além do prémio do júri, o festival conta ainda com a atribuição de uma distinção para um filme escolhido pelo público.

Por último, “no domingo vamos ter secções dedicadas à Europa, ao Brasil e contamos com um documentário de HK. Tentamos que o programa seja acessível a todos para cativar as audiências. Queremos chegar ao público em geral”.

De Macau, concorreram um total de seis filmes que estão seleccionados e “esta pode ser uma forma de cativar mais a produção local não só na dança, mas também no cinema associado a esta forma de arte”, explicou Erik Kwong.

Para o organizador esta pretende ser a primeira edição de muitas: “Queremos no futuro encomendar trabalhos para que possam participar e integrar, queremos ser um Festival Internacional”.

13 Dez 2016

“São Jorge” vendido para distribuição no mercado chinês

Ainda em Veneza, aquando da estreia, o filme “São Jorge” de Marco Martins ficou com o destino ditado com a venda para distribuição comercial no mercado da China. Para o realizador, a passagem para o mercado asiático não deixa de ser positiva, apesar de ainda não saber o que esperar

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme português “São Jorge” foi vendido para distribuição comercial na China, devendo seguir-se “provavelmente” França, afirmou ontem o realizador Marco Martins, em Macau, onde a longa-metragem fez a sua estreia asiática.

“São Jorge”, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor na secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza em Setembro, é um dos 12 filmes da categoria de competição do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau, que decorre até terça-feira.

A exibição do filme – que conta a história de um pugilista desempregado que trabalha em cobranças de dívidas para sobreviver – teve lugar ontem à noite, na Torre de Macau, mas a venda para distribuição comercial para China foi concretizada em Veneza, indicou o realizador em conferência de imprensa.

“O facto de ter sido vendido para distribuição na China deixou-me muito contente e curioso sobre a percepção que o filme teria aqui”, afirmou, quando questionado sobre as expectativas relativamente ao público chinês.

Apesar de “São Jorge” estar focado num “período específico” da história portuguesa, Marco Martins considera que a longa-metragem percorre uma narrativa universal.

“Quando faço um filme tento que seja absolutamente universal e perceptível por qualquer cultura, faixa etária, que seja absolutamente universal independentemente do país em que seja visto e, nesse sentido, acho que o filme fala de sentimentos que são universais. Há um pano de fundo que é a crise – sim –, mas depois é a história de um pai que tenta manter a sua família junta”, realçou.

Obra do acaso

Marco Martins descreveu ainda a génese do filme, contando que foi um pouco por “acaso” que entrou no submundo dos cobradores de dívidas, porque a ideia original era fazer um filme sobre um pugilista amador.

A surpresa chegou quando começou a fazer a pesquisa nos ginásios de boxe – onde “pensava que ia encontrar o cliché habitual dos que trabalham em empresas de segurança ou em discotecas ou em estabelecimentos prisionais”, e acabou por encontrar uma série de boxers que trabalhavam em empresas de cobranças – umas legais e outras legais.

“A partir do momento em que percebi qual era o trabalho que faziam, isso tornou-se mais importante que o boxe em si e foi ganhando um peso na história bastante grande”, relatou Marco Martins, explicando que face às dificuldades, por serem “empresas e esquemas muito fechados”, a pesquisa sobre esse mundo das cobranças difíceis foi feita nas entrevistas com os pugilistas que explicavam o processo.

Neste âmbito, descreveu também a intensa preparação do actor Nuno Lopes para vestir a pele do protagonista: a física, ao longo de cerca de um ano e meio, e ao nível da própria personagem e do acento específico da margem sul de Lisboa, por exemplo.

A inclusão de elementos de documentário – com conversas sobre a situação política e social em Portugal – também foi “ganhando importância”, dado que inicialmente o guião era “muito clássico”, explicou o cineasta. “Essas conversas eram mais interessantes do que estava originalmente no guião e, portanto, houve a vontade de trazer esse lado mais documental para o filme.

“Todas aquelas pessoas que vivem nos bairros – alguns dos cobradores, alguns dos devedores – são pessoas com quem as quais me fui cruzando ao longo da pesquisa”, pelo que surgem “pequenos excertos de grandes diálogos” dessas pessoas que Marco Martins foi levando para o filme, fazendo com que elenco tivesse cada vez mais actores não-profissionais.

“Um aspecto também interessante foi que a ideia era fazer um filme social sobre a crise, quase como um filme mosaico sobre aquele período da ‘troika’ em Portugal, mas quando o universo das cobranças entrou de repente assustei-me porque tinha um filme de género na mão – era de facto, quase um policial negro”, relata, indicando que esse “cruzamento de géneros” ou “híbrido” lhe despertou o interesse para trabalhar “esses dois materiais muito distintos entre si”.

Além disso, “São Jorge” foi uma estreia para Marco Martins por ser o seu primeiro filme em digital, o que marcou uma “grande mudança” na linguagem: “Fizemos uma série de testes e o que nos pareceu mais interessante foi esta ideia de um filme passado de noite”, algo, “de facto, fantástico”.

12 Dez 2016

João Botelho, realizador: “Quando se constroem muros, é preciso pontes que os destruam”

“A Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto é o título e tema do próximo filme de João Botelho. O realizador português esteve em Macau a apresentar o projecto no “Crouching Tigers Project Lab”, secção do Festival Internacional de Cinema que reúne cineastas e a indústria para levar os filmes, que ainda são ideias, ao grande ecrã. Para João Botelho, esta é uma oportunidade de dar o cinema português ao conhecimento asiático

[dropcap]E[/dropcap]stá na secção “Crouching Tigers Project Lab” a apresentar o seu novo projecto, “ A Peregrinação” baseado na obra de Fernão Mendes Pinto. Porquê esta escolha?
Gosto de adaptar livros. Comecei quando fiz os “Tempos difíceis” do Dickens numa adaptação portuguesa. Depois comecei a fazer coisas que considero importantes na cultura portuguesa e penso estarem pouco divulgadas. Adaptei, do Frei Luís de Sousa, o “Quem és tu?” e “A corte do norte” da Agustina Bessa Luís, que é uma escritora que admiro. Fiz “O desassossego” do Pessoa e “Os Maias” do Eça. Acho que agora é a altura de fazer uma coisa que os portugueses se vão esquecendo e que é ter orgulho em alguns dos grandes momentos portugueses. O Fernão Mendes Pinto representa um deles. Foi uma pessoa desprezada durante muito tempo e de repente descobre-se que ele tinha muito mais verdades do que aquilo que se pensava. Naquela altura, os portugueses queriam epopeias que revelassem a grandeza e Fernão Mendes Pinto foi uma pessoa que apenas relatou, e muito bem, os anos que esteve na Ásia. Por outro lado, as contradições do ser humano estão todas na sua obra. Outro aspecto importante é que estamos numa altura em que está tudo a construir muros e o Fernão Mendes Pinto, através das civilizações que vai conhecendo e com quem se vai relacionando, dá um bom exemplo do que é a coexistência pacífica entre os povos. Numa altura em que se constroem muros, é preciso pontes que os destruam. Ele só começou a escrever o livro passados oito anos de regressar a Portugal. Ninguém lhe ligava. Não foi muito bem reconhecido em Portugal. A única pessoa que o reconheceu foi o Filipe II de Espanha. Nem foi em Portugal. Mas era alguém que conhecia, na altura, como ninguém, o oriente. Outra coisa curiosa acerca do Mendes Pinto, é que considerava que, quando os portugueses se portassem mal, deveriam ser castigados por isso.

Um sentido de justiça?
Sim, ele achava que toda a acção tem uma paga.

Este filme é um filme de aventuras e o cinema que faz é conhecido pelo seu lado mais contemplativo. Como é que junta a acção da aventura com este aspecto contemplador?
Tem de ser com muito cuidado. Por exemplo, este filme também é um musical. Adoro o “Por este rio acima” do Fausto, e achei que uma das coisas magníficas que se podem fazer no cinema é, quando há uma acção com crueldade, por exemplo, podemos parar os actores e pô-los a cantar a própria acção. Por exemplo, há uma grande tempestade e em vez de fazer a cena toda (até porque é muito cara), a cena pára a determinada altura e os actores, agarrados aos mastros, cantam a tempestade, cantam o naufrágio. É um filme que tem um bocado de acção, um bocado de contemplação e de narração também.

É um filme também narrado?
O herói deste filme é a grande escrita do Fernão Mendes Pinto e vamos ter uma voz off a narrar o próprio filme, a dele. Uma das coisas que estamos a trabalhar aqui, e que tem sido uma sugestão que agrada à indústria, é de a de que a voz do narrador seja uma voz do país em que está a ser distribuído. Por exemplo, na China será chinesa, no Japão, japonesa, no Brasil, o português brasileiro, na Malásia, o malaio. Mas, para ser fiel, porque o narrador é o Fernão Mendes Pinto que é português, quando estas situações acontecerem, muda-se o pronome, o eu passa a ser ele.

A linguagem também unifica…
Sim, nesta mistura cultural é um meio de unificar, aliás o cinema pode sempre unificar porque no cinema podemos fazer tudo. Não há uma regra para o cinema.

Como é que está a correr a apresentação do projecto nesta secção?
Aqui as pessoas parecem estar muito interessadas neste projecto. Esta secção está muito bem pensada e organizada. De repente houve uma data de produtores, distribuidores e agentes que estão aqui. Vêm da china, de Hong Kong, Malásia, Coreia. São sobretudo asiáticos. Apareceu um grande produtor da China continental que tem uma sucursal em Hong Kong e também tem estúdios em Los Angeles. Segundo eles, quando também lhes perguntamos no que é que estão interessados, a resposta é que estão interessados em tudo. Apareceu-nos outra pessoa, um miúdo fantástico da Coreia que faz efeitos especiais, que se ofereceu para tratar da pós produção deste filme. Nesse caso, ficam os direitos para a Coreia. É uma troca e é muito boa porque vamos precisar disso. Outro representante da indústria de Hong Kong queria comprar-nos os direitos para fazer um filme de animação. Não aceitei. Quero fazer o filme mas posso ceder os direitos daqui a dois anos para o projecto de animação.

O mercado asiático está interessado?
Sim e pela primeira vez. Este pode ser um meio dos filmes, principalmente portugueses, atingirem outros mercados. Eles gostaram muito desta história e pareceram muito interessados. Pode não dar em nada mas acho que vai dar.

O Martin Scorsese acabou de fazer um filme acerca dos Jesuítas no Japão, a peregrinação é também uma abordagem do oriente. Considera que há um interesse crescente e visível pela abordagem da Ásia no cinema ocidental?
Sim, há. Este é o próximo império. Os impérios são como as pessoas: nascem, crescem e morrem. Nós também o fomos. Agora é a China. A Europa estagnou, os Estados Unidos estão com problemas gravíssimos e a China tem tempo. Para a China, mil anos não é nada, eles têm tempo para esta uma ocupação lenta.

Filmou na China, com que impressão ficou?
Foi uma impressão de uma certa violência, ou seja, de vez em quando é preciso fechar os olhos a alguma coisa para poder ver a beleza de coisa inacreditáveis. É uma cultura de massa mas por outro lado tem orgulho e dimensão deste novo império.

Quando é que prevê a estreia de “A Peregrinação”?
Vou filmar de Abril a Julho e espero que lá para Novembro do ano que vem possa estrear.

12 Dez 2016

João Rui Guerra da Mata: “A cultura tem de estar focada no futuro”

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]oão Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues co-realizam “270, San Ma Lo”. O filme, que ainda só é uma ideia, tem como pano de fundo o Hotel Central de Macau e está a ser apresentado no “Crouching Tigers Project Lab”. O HM falou com Guerra da Mata que considera a possibilidade de comunicação entre a arte e a indústria uma oportunidade “fantástica”

A dupla de realizadores João Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues estiveram em Macau para apresentar à indústria cinematográfica o novo projecto “270, San Ma Lo”, para o qual obtiveram ontem um financiamento de 20 mil dólares, atribuídos pela Fox International Productions.

O projecto “Crouching Tigers Project Lab”. Sem querer adiantar ainda muito acerca do filme, Guerra da Mata admite que é uma ideia já com alguns anos. “Partiu de uma carta-branca para participarmos num festival que acabou por não avançar”, explicou ao HM.

No entanto, fazer uma história a partir do Hotel Central de Macau, cuja morada corresponde ao nome da película, não ficou esquecida. “Mas a ideia de fazermos um filme que tivesse este hotel como ponto de partida era um projecto que queríamos mesmo fazer. É um lugar com uma história extraordinária, na altura era o prédio mais alto do chamado império português e nós sempre achámos que o facto daquele hotel ser um ninho de espiões era fantástico”.

“O filme não é o Hotel mas o que se lá passa”, referiu. “Este filme tem muito a  ver com o período da guerra do Pacífico que, na minha opinião, não é muito conhecido em Portugal. É um período que nos interessa muito”, mencionou enquanto desvendou um pouco mais do que poderá aparecer no grande ecrã: “o filme começa na actualidade e depois, sem revelar muito, vamos encontrar Macau e personagens de cá nesse período em que o território foi um importantíssimo centro geopolítico e tinha militares das várias tendências políticas mundiais”. A importância em abordar Macau no contexto da guerra reside no facto de ser “um assunto que ninguém sabe ou, quando muito, é do conhecimento de um grupo muito reduzido em Macau”. O desconhecimento abrange, na opinião do realizador, os países asiáticos: “por outro lado, tenho visto nos encontros que se estão a fazer aqui que é uma história que ninguém conhece”.

Para o mundo

João Guerra da Mata considera a ideia do Festival Internacional de Cinema que está a decorrer “absolutamente extraordinária” porque podia ser uma forma de divulgação de cinematografias de países com menos visibilidade em território chinês e asiático.

A secção em que está a participar, o Crouching Tiger Project Lab, é no entender do cineasta, “uma ideia absolutamente maravilhosa”. “Esta coisa de existir uma secção que selecciona uma série de projectos entre os muitos que foram enviados, e permitir que o autor possa ter uma conversa, durante alguns minutos, em que se apresenta o projecto de modo a que possa haver possibilidades de produção, financiamento e distribuição é uma coisa muito boa”, explicou.  Por outro lado, “o cinema português tem co-produções que já existem num registo imediato, como a França ou a Alemanha e esta iniciativa permite a possibilidade de associação a países asiáticos. Macau podia servir de ponte entre o mundo e o mercado chinês.”

A ideia para o filme está a ser bem recebida, apesar de se encontrar ainda numa fase muito embrionária. “Nas reuniões que tenho tido apercebi-me que já há aqui filmes muito desenvolvidos, o que não é o nosso caso, mas as pessoas mostram-se interessadas”.

De relevo, é a comunicação entre a arte e a indústria e, para Guerra da Mata, “o que é mais interessante é que o cinema enquanto arte, aqui tem o contacto que precisa de ter com a indústria. O cinema é uma arte, mas também é uma indústria”.

Guerra da Mata passou a infância no território e tem-no “sempre muito presente”. Não sendo uma presença “nostálgica”, classifica a sua atracção por Macau como “quase física”. “No entanto tenho pena que não haja um pensamento relacionado com cultura”, admitiu ao HM.

“A cultura não é só o passado, antes pelo contrário, tem de estar focada no futuro e, por causa disso mesmo, custa-me muito ver as coisas serem todas destruídas, porque qualquer dia é tarde demais”, explicou. Para o cineasta, “Macau, culturalmente, é única no mundo por ser um lugar de fusão e influencia mútua pelo que gostava que a cultura luso chinesa não fosse vista como um complemento aos casinos. Gostava que fosse mais dinâmica.”

12 Dez 2016

Obra de Vhils no jardim do Consulado homenageia Camilo Pessanha

“Visível, Invisível” encheu os jardins do Consulado-Geral de Portugal em Macau, na passada sexta-feira. A obra é um retrato que celebra a vida e obra do poeta Camilo Pessanha

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi com um atraso de quase uma hora que começou a cerimónia de inauguração do primeiro trabalho na RAEM de Alexandre Farto, mais conhecido como Vhils, circunstância que não retirou emotividade ao evento que aconteceu nos jardins do Consulado-Geral de Portugal em Macau.

FOTO: Carmo Correia/LUSA

A obra é um mural com um retrato que homenageia o poeta Camilo Pessanha, no ano do 90º aniversário da sua morte. A efeméride coincide com os 15 anos da fundação da Casa de Portugal em Macau (CPM). De acordo com Amélia António, presidente da CPM, este momento foi “o culminar de um sonho acalentado durante muitos meses”. Amélia António salientou que o mural do artista de rua “é um marco no trabalho e divulgação dos artistas e da cultura portuguesa”, e que ganha particular relevo local por retratar uma figura literária profundamente relacionada com o território.

A mesma felicidade foi partilhada pelo cônsul-geral, que mostrou satisfação por concretizar “o sonho de ter a primeira obra de Vhils na RAEM”, a quem tratou como um “amigo do peito”. Numa altura de intenso investimento chinês em território português, Vítor Sereno destacou a característica lusa de “construir verdadeiras pontes de afecto” com outros povos, em particular através da cultura.

No final do discurso, o diplomata reforçou esse ponto de união que a arte consegue alcançar. “Através do génio de Vhils, e da imortalidade de Pessanha, estamos a celebrar Portugal a 10 mil quilómetros de distância, e a estreitar laços entre os amigos da RAEM e da República Popular da China.” Foram as palavras proferidas antes de retirar o véu e relevar o mural de Vhils a todos os que assistiram à cerimónia.

FOTO: Carmo Correia/LUSA

Dar que falar

O nome da peça, “Visível, Invisível”, de acordo com o artista, estabelece a ligação da obra com o ideário local, “torna a história, que muitas vezes está invisível, visível, sem julgamentos”. A ideia é através da exposição artística gerar discussão em torno da pessoa retratada e da sua obra, avançou Vhils à agência Lusa.

Depois de um intenso trabalho de pesquisa, Alexandre Farto resolveu fazer o retrato de Camilo Pessanha devido à obra e relevância que o poeta tem para a história de Macau. As palavras do poeta, que quis ser enterrado em Macau, eternizam a sua obra e vida que, agora, terá na inspiração de Vhils um reforço. O pano caiu, e o público aplaudiu o mural, que nas palavras de Vítor Sereno, “aqui está para ser usufruído por toda a população de Macau”.

12 Dez 2016

Literatura | Rota das Letras acontece entre 4 e 19 de Março

Só lá para meados do próximo mês é que o programa completo é divulgado, mas a organização do evento decidiu já deixar algumas pistas do que vai ser a sexta edição. O Rota das Letras vem aí, com vontade de trazer mais autores internacionais a Macau

[dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]runo Vieira do Amaral é um autor português. Clara Law é uma realizadora nascida em Macau a viver na Austrália. Philippe Graton é fotógrafo, escritor e autor de banda-desenhada, herdeiro de uma obra que colocou Macau no mundo da BD. Graeme Burnet é escocês e esteve quase a ganhar o Booker deste ano. Nas duas primeiras semanas de Março, vão passar por cá – fazem parte da lista de convidados do Rota das Letras, o festival literário de Macau.

À sexta edição, o formato é para manter, explica ao HM Hélder Beja, director de programação do evento. O festival continua a ter várias dimensões: em torno da literatura, elemento principal, concentram-se outras manifestações artísticas. Vai haver cinema, artes plásticas e música.

“Haverá com certeza uma aposta forte num dos segmentos que é revelado aqui nesta pequena breve apresentação do festival: a banda desenhada, os comics”, explica Hélder Beja. “Pela primeira vez, o festival vai explorar esse campo e anunciará, nos próximos tempos, mais alguns convidados nessa área.” O nome revelado por ora é Philippe Graton.

O fotógrafo e escritor belga é filho de Jean Graton, criador da série de BD Michel Vaillant, da qual faz parte o icónico álbum “Rendez-vous à Macao”. Há quatro anos, Philippe Graton decidiu ressuscitar Michel Vaillant, retomar as aventuras deste piloto de automóveis inventado pelo pai e continuar a série. Vaillant celebra 60 anos em 2017 – na presença em Macau, Graton vai falar do seu trabalho e inaugurar uma exposição. Quem por lá passar vai poder ver as provas originais do álbum “Rendez-vous à Macao”, um trabalho de 1963.

O melhor dos primeiros

De Portugal chega Bruno Vieira do Amaral, um autor que é, para o director de programação do Rota das Letras, aquele que tem o melhor primeiro romance de todos os escritores que se estrearam na literatura portuguesa nos últimos sete ou oito anos.

“‘As Primeiras Coisas’ é um livro especial porque não é uma narrativa de grande fôlego, são curtas narrativas que, todas juntas, criam um todo. É como se fossem contos que fazem parte todos da mesma história. Passa-se na margem sul de Lisboa, de onde ele é natural. É um livro escrito de uma forma muito peculiar”, explica Hélder Beja.

Sobre Bruno Vieira do Amaral, o responsável pelas escolhas do Rota das Letras diz que “é um escritor imensamente bem-humorado na melhor tradição de alguns dos nossos melhores escritores, como Eça de Queirós, que sabem olhar para a realidade e subvertê-la de uma forma muito rara, com uma linguagem muito contemporânea e com histórias dos nossos dias”.

Todos os caminhos foram dar, de certa maneira, a Bruno Vieira do Amaral, um autor com as características que o Rota das Letras procurava. “Publicou este livro pela Quetzal com Francisco José Viegas, que já foi convidado do festival, também por isso não nos é de todo estranho. Trabalha há muitos anos na revista Ler, com Francisco José Viegas”, prossegue Hélder Beja.

Com o romance “As Primeiras Coisas”, o escritor de 38 anos venceu, no ano passado, o Prémio Literário José Saramago. A obra valeu-lhe também o Prémio Fernando Namora 2013 e o Prémio PEN Narrativa do mesmo ano. “Recebeu tudo o que podia receber, ao ponto de ter deixado de trabalhar numa editora para se dedicar a tempo inteiro à escrita”, assinala o director de programação do festival de Macau.

Vieira do Amaral foi ainda uma das dez novas vozes da literatura europeia pela Literature Across Frontiers. “Curiosamente, é uma instituição cuja directora também já esteve em Macau, no ano passado. Todas estas ligações faziam sentido”, afirma. “Provavelmente até pode ser que tentemos trazer mais alguém que seja seleccionado para este programa das novas vozes da literatura europeia através da Literature Across Frontiers, com quem gostaríamos de continuar a trabalhar, já que o fizemos no ano passado para trazer um autor do País de Gales e um autor espanhol, e há a possibilidade de voltarmos a tentar fazer isso.”

Da Escócia e do passado

Ainda em relação a escritores, o Rota das Letras de 2017 vai contar com a presença do autor escocês Graeme Burnet, que chega ao festival através de uma parceria com a Universidade de Macau. Burnet foi um dos finalistas do Prémio Man Booker 2016, com o livro “His Bloody Project: Documents relating to the case of Roderick Macrae”. A obra, que conta a história de um jovem de 17 anos que comete um triplo homicídio, foi a mais vendida de entre todas as finalistas do Booker, nota a organização. Antes, com “The Disappearance of Adèle Bedeau”, o escritor venceu o Scottish Book Trust New Writer Award em 2013.

Hélder Beja adianta que, na componente literária do festival, o evento vai trazer a Macau escritores de países lusófonos e da China Continental, e cada vez mais autores internacionais. “É uma aposta clara, estamos também a trabalhar para tentar ter alguns autores do Sudeste Asiático. Tive oportunidade de ir agora à conferência em Cantão da Asia Pacific Writers & Translators, onde conheci muitos escritores também dessa região do mundo, porque trabalham muito não só com os escritores australianos e neozelandeses, mas também com escritores do Sudeste Asiático. Haverá novidades nesse campo e também será um novo passo do festival em relação ao passado”, explica.

“Depois, teremos autores de língua espanhola, de língua inglesa, de língua francesa. Estamos agora a trabalhar muito arduamente para tentar fechar o programa o mais rapidamente. É sempre complexo, mas o conceito será semelhante.”

Em 2017 há ainda um regresso a Camilo Pessanha. “Provavelmente no início de Janeiro anunciaremos mais algumas novidades sobre o que pensamos fazer. Não será à escala do ano passado, porque entretanto não faria sentido, mas achamos importante voltar a assinalar e também porque houve coisas que quisemos fazer no ano passado e não pudemos, pessoas que quisemos trazer, pelo que vamos aproveitar e trazê-las agora”, conta Hélder Beja.

As outras telas

Quanto ao cinema, está já anunciada a participação da cineasta Clara Law. “Não será a única atracção ao nível do cinema no festival. Estamos também a trabalhar noutras direcções e algumas delas já bastante avançadas.”

“Nascida em Macau e radicada desde os anos 1990 na Austrália, Clara Law regressa ao território para mostrar algumas das suas obras. Autora de filmes como ‘Autumn Moon’, vencedor do Leopardo de Ouro no Festival de Cinema de Locarno em 1992; e de ‘Temptations of a Monk’ (1993), ‘Floating Life’ (1996) e ‘The Goddess of 1967’ (2000), igualmente aplaudidos e premiados no circuito internacional, Clara Law fez também uma incursão pelo documentário com ‘Letters To Ali’ (2004), história de um jovem refugiado afegão que procura asilo na Austrália”, resume a organização.

Quase 50 anos depois deixar Macau, Clara Law esteve recentemente no território a filmar parte do seu novo filme, “Drifting Petals”, parcialmente passado na cidade.

“Também teremos artes plásticas neste festival. Quanto aos concertos, a música continuará a fazer parte. Estamos também a tentar perceber em que moldes. No ano passado, não fizemos os concertos de grande dimensão no Venetian, mas fizemos concertos também com uma grande dimensão no Centro Cultural de Macau. Estamos agora a tentar tomar uma decisão até ao final do ano e perceber qual será a escala da presença musical no festival”, explica o director de programação.

O público que falta

Para Hélder Beja, o Rota das Letras deverá manter a dimensão que atingiu na última edição – “uma edição comemorativa, especial”, a dos cinco anos de existência. “Fizemos o festival crescer para os 15 dias e este ano não vamos sair daí. A escala será exactamente a mesma. Acho que o festival não precisa de crescer mais do que já cresceu”, defende.

Quanto ao público que se quer chamar para o evento, o responsável assume que, “claramente, é preciso continuar a apostar muito junto das comunidades locais chinesas”, mas também diz que “não é esse o público que falta captar”. “Já conseguimos esse público, mas queremos muito mais do que aquilo que já temos. Isso passa muito por fazer mais parcerias com entidades locais, por estar mais presente nos meios de comunicação de língua chinesa, o que não é nada fácil, mas é preciso continuar esse caminho.”

Hélder Beja assinala, no entanto, que há um segmento da população local que ainda tem uma participação tímida no festival: a comunidade anglófona. “Tivemos algumas pessoas no ano passado mas, para a escala que sabemos que a comunidade tem aqui, não foi relevante. Estamos a tentar perceber porquê: se é porque a informação não chega ou se é porque, de facto, é uma comunidade muito especial, porque sabemos que é muito ligada ao ramo da hotelaria, que poderá não ter, à partida, grande interesse por este tipo de actividade cultural. Mas não podemos ter esse preconceito, não queremos tê-lo e vamos fazer um esforço para tentar captar essa franja da sociedade de Macau”, vinca.

O Festival Literário de Macau voltará a ter por base o edifício do Antigo Tribunal.

9 Dez 2016

MIFFA | Shekhar Kapur considera o cinema asiático “dos melhores do mundo”

Teve início ontem a primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. A abertura foi marcada pela conferência de imprensa com o júri da secção de competição. À comunicação social falaram essencialmente das diferenças e particularidades do cinema asiático

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] cinema asiático é mais melodramático, é místico”. A ideia foi deixada ontem pelo presidente do júri do festival internacional de cinema de Macau (MIFFA, na sigla em inglês), Shekhar Kapur. “Às vezes tento explicar aos meus amigos em Hollywood que, o que eles entendem por melodrama, nós (na Ásia) chamamos de misticismo”, explicou na conferência de imprensa que marcou a abertura do festival. Para o cineasta indiano, que tem desenvolvido carreira em Hollywood, a forma como a vida é encarada na Ásia também é diferente da do mundo ocidental. “Penso que aqui aceitamos a ideia que o nascer, o morrer, a traição, o ter filhos, etc, são um conjunto de temas místicos pelos quais temos de passar e acho que é a isto que o ocidente chama de melodrama”, salientou.

Se há traço unificador no cinema asiático, será esta ligação mística, e que abrange não só o cinema, mas é ainda comum à própria cultura. “Aqui temos uma grande ligação ao misticismo e não temos medo disso. Eles chamam-lhe melodrama e nós misticismo”, reiterou.

Já para Giovanna Fulvi, membro do júri e que tem no currículo a programação do Festival de Cinema de Toronto, “comparado com o cinema ocidental, o cinema asiático tem a capacidade de contra uma história através das imagens em que os guiões não são tão importantes como são no ocidente.”

A ideia é partilhada por Kapur que considera que “no ocidente as pessoas esperam que o guião seja o filme, e isso nunca deveria acontecer”.

Outra questão de relevo entre as diferenças do cinema asiático e o ocidental, para o cineasta indiano, é que “na Ásia um filme não tem de ter sempre uma história completa”. Muitas vezes o filme faz mais questões do que dá respostas”, disse.

Desejo versus destino

O cinema ocidental é, muitas vezes, sobre desejo e o asiático é mais acerca do destino, considerou. “Há, claro, diferenças entre a forma de contar histórias japonesa e indiana, mas ainda assim, são mais próximas entre si do que com o cinema ocidental”, explicou, referindo-se aos traços comuns entre tanta diversidade no continente asiático.

Ainda em contraponto com o ocidente, nomeadamente com Hollywood, onde Kapur tem estado mais presente, o cineasta considera que “agora há uma tendência para que os filmes sejam menos melodramáticos. O objectivo é que os filmes sejam uma experiência agradável para o público”. No entanto é com esta tendência que quem quer contar histórias está a distanciar-se das grandes produções feitas com orçamentos elevados e a dirigir-se para produções com custos mais baixos e que venham a ser distribuídas pela televisão.

“É por isso que vemos cada vez mais bons filmes nas plataformas OTT – distribuição de conteúdos de áudio e vídeo através da Internet”.

O cinema asiático está a caminho do ocidente e “o MIFFA já é um passo importante nesse sentido” salientou Kapur.

A primeira edição do MIFFA começou ontem e acaba no próximo dia 13. Fazem parte do júri da secção de competição Shekhar Kapur, Giovanna Fulvi, Stanley Kwan, Jung Woo Sung e Makiko Watanabe.

Um coreógrafo no cinema

Foi ontem exibido “Polina, danser sa vie” de Valerie Muller e Angelin Preljocai . O filme que marcou a abertura do festival Internacional de Cinema de Macau é também a primeira aventura cinematográfica do coreógrafo Angelin Preljocai. Para o agora realizador, “foi muito interessante realizar um filme especialmente em conjunto com Valérie Muller”. O facto de ter a vida associada à dança e agora integrar a realização cinematográfica, não é de estranhar. “Penso que fazer um filme é, tradicionalmente, um acto que inclui música e dança, podemos ver o Fred Astaire por exemplo”, ilustrou. Mas o mais importante, é a ligação óbvia que se sente entre a música e o cinema: “dança é movimento e na minha opinião o cinema também. São ambos movimento e ritmo”.

A bailarina do facebook

Anastasia Shevtsova, dá corpo a “Polina”. A actriz russa estreou-se no grande ecrã com este filme porque a “encontraram no facebook”. Bailarina da Mariinsky Theater, foi convidada através da rede social a participar nos castings para “Polina”. Foram três selecções na Rússia e uma em França. Conseguiu o papel, aprendeu francês e movimentou-se, pela primeira vez, na dança contemporânea. Se a personagem do filme, desde pequena, sentia que a dança ia além do clássico, a actriz descobriu isso mesmo com as rodagens de “Polina”. “Foi uma óptima experiência enquanto actriz e também enquanto bailarina. Tenho formação clássica e não estava habituada à dança contemporânea”, disse em conferência de imprensa. Aprendeu ao longo das filmagens e tal como a personagem, agora prefere a dança contemporânea. “Com este filme também se abriu qualquer coisa nova dentro de mim e espero que resulte”, afirmou.   

9 Dez 2016

Livro | Obra de Luís Cunha analisa tecno-nacionalismo da China

Pequim coopera, mas Pequim compete. A China tem tentado recuperar os anos perdidos e afirmar-se como uma potência também ao nível tecnológico. O facto deu um livro, apresentado em Macau

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]uís Cunha, investigador, há muito que estuda a ascensão geopolítica da China. Já escreveu sobre a política externa de Pequim, a questão de Taiwan, a entrada do país na Primeira Guerra Mundial. “Há um denominador comum a estes todos livros: a tentativa de reflexão sobre este processo de ascensão geopolítica da China”, explica ao HM.

“China’s Techno-Nationalism in the Global Era – Strategic Implications for Europe”, o livro que apresenta hoje no auditório do Consulado-Geral de Portugal em Macau, segue o mesmo alinhamento, ao ser “uma tentativa de despertar para a nova era” que o país atravessa.

O tecno-nacionalismo não é um palavrão que tenha sido inventado por Pequim. Mas quando se fala da China, há todo um contexto que faz com que tenha características próprias. “O tecno-nacionalismo já foi adoptado por outros países, noutras circunstâncias. No caso da China, é diferente”, sublinha o investigador do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa.

O passado mais distante

A diferença tem que ver, desde logo, com o passado particular do país: o nacionalismo reflecte o facto de “a China ter sido ocupada por várias potências estrangeiras ao longo da sua história”, explica Luís Cunha. “Todo este processo de desenvolvimento e de ascensão da China tem quer ver a procura de uma certa reposição de justiça histórica”.

Por outro lado, continua o investigador, “a China sempre foi muito frágil ao nível do desenvolvimento das ciências, da educação e da tecnologia”. Luís Cunha recorda que, durante muito tempo, as pessoas não tinham sequer consciência de que “a pólvora, a impressão e a bússola tinham sido invenções chinesas”. O confucionismo teve um peso neste quadro, ao fazer com que “a ciência não tivesse um desenvolvimento muito significativo”.

Mas o panorama mudou com o século XXI. “A China quer realmente dar o grande salto em frente na área tecnológica e está a fazê-lo, de uma forma fortíssima”, refere. O livro que é hoje apresentado, numa iniciativa do Instituto Internacional de Macau, destaca precisamente este desígnio chinês. “É uma nova página que se abre no desenvolvimento da China, com uma aposta muito forte na inovação,” com o patrocínio de Pequim.

A obra está centrada na cooperação entre a China e a Europa, e nem todos os exemplos são histórias com um final feliz, como é o caso do Galileu, um programa que a China abandonou para fazer um ao nível nacional. “Há uma forte cooperação, mas também uma grande competição entre as duas partes”, sintetiza. A apresentação da obra de Luís Cunha começa às 18h30.

7 Dez 2016

Lai Sio Kit, artista plástico: “Macau precisa de pessoas que gostem de arte”

Lai Sio Kit inaugura hoje “O tempo corre”, uma exposição que reúne cerca de 4500 pequenas peças. São em formato de azulejo e retratam a passagem do tempo nos painéis que, um dia, fizeram parte dos terraços de Macau. O artista falou ao HM do projecto, da opção por ficar em Macau depois da formação na Academia de Pequim e das portas que se abriram quando, em 2012, foi o vencedor do prémio de Artes Plásticas da Fundação Oriente

 

Como é que “O tempo corre” apareceu?

Comecei este tópico há alguns anos. É, acima de tudo, acerca da cidade de Macau vista de uma forma abstracta. A ideia veio dos azulejos que ainda se encontram em muitos dos terraços de Macau. Nestes espaços, temos o chão coberto por padrões, principalmente nos edifícios mais antigos. Já há cerca de cinco ou seis anos que exploro estes edifícios e os processos de envelhecimento que atravessam ao longo do tempo. Em especial, estou atento à degradação dos azulejos e às transformações que sofrem na cor e textura com a passagem do tempo e para esta exposição fiz painéis em grande escala.

Em que sentido este trabalho espelha a cidade de Macau?

Porque Macau é uma cidade que, além das transformações, conserva ainda espaços antigos e é aí que podemos encontrar a verdadeira cidade e os traços da sua história. Por exemplo, os azulejos, pequenos e quadrados, são parte da história de Macau. Os padrões que formam marcam épocas específicas do território. Mas a coisa mais importante que realmente quero mostrar, e que está logo no nome da exposição, é a passagem do tempo e como se reflecte no território. É com o tempo que desaparecem características e que aparecem outras.

O projecto é constituído por cerca de nove mil peças…

Eu fiz realmente nove mil mas, como não há espaço suficiente nestas paredes (da sala de exposições da Casa Garden) para todas, acabei por trazer para cá cerca de metade. A intenção é cobrir as paredes destas salas com os painéis de modo a transportar as pessoas para dentro de um outro espaço. Acabei por adaptar o que tinha feito às características do local e escolhi os painéis que mais se adaptariam aqui.

Demorou quanto tempo a produzir este projecto?

Mais de um ano. Usei placas e óleo. O óleo pareceu-me o meio mais adequado. Além de gostar especialmente de trabalhar com óleo, é uma técnica com características próprias, nos brilhos ou texturas, que vão ao encontro do que quero transmitir, nomeadamente da mudança de estados.

Ganhou o prémio de artes plásticas da Fundação Oriente em 2012. Em que é que isso contribuiu para que mais portas se abrissem enquanto artista?

Foi uma distinção que me permitiu sair de Macau e, mais concretamente, ir para a Europa. Fui para Lisboa onde encontrei outros artistas com quem pude trocar ideias. Aprendi muito com essa experiência.

Em que sentido?

Em Macau a vida é muito rápida. As pessoas andam sempre muito ocupadas e sem tempo para nada. Há uma espécie de stress no ar. Já em Portugal, tive uma experiência completamente diferente. As pessoas são mais relaxadas. Senti calma. Penso que essa forma de estar, a que senti em Portugal, é muito melhor para quem queira trabalhar a criar. Foi muito bom ter sentido isso.

Estudou na Academia de Belas Artes de Pequim, onde também fez o mestrado. Porquê o regresso a Macau e sair de um grande centro?

Porque os meus pais já são idosos. Estive oito anos em Pequim, e senti que tinha de vir para estar próximo deles e poder cuidar deles. Por outro lado, a arte pode ser feita em qualquer lugar. Outra vantagem de Macau é, precisamente, estar longe de um grande centro. Enquanto artista sinto que quando estamos um pouco mais afastados dos grandes centros ganhamos mais liberdade para criar. Aqui não preciso de me preocupar com a minha família porque estou perto dela e não tenho de me preocupar com tendências artísticas porque estou longe dos centros que as criam. Tenho muito mais liberdade.

Este projecto, que já vem de há algum tempo, vai continuar ou tem projectos novos?

Vou continuar com este. É uma ideia que pode ser sempre desenvolvida de formas diferentes. Mesmo no que toca a exposições, é muito versátil porque tratando-se de padrões e trabalhos acerca de padrões pode ser mudada consoante o espaço ou o contexto. Mas tenho outra ideia para começar a trabalhar. Ao longo dos últimos anos, e com as viagens que tenho feito, fui a muitas florestas. Por isso, depois desta ideia que aborda a cidade, quero abordar a floresta. Vou continuar a utilizar a pintura, mas quero explorar o que conseguir dentro dela. É pintura, mas não será só isso, será uma exploração do que é que a pintura pode ser.

Como é ser artista em Macau?

É muito difícil. Macau precisa de pessoas que gostem, se interessem e conheçam arte. As pessoas estão sempre demasiado ocupadas e não se preocupam com isso. Uma das grandes diferenças que encontro, comparando com a Europa, por exemplo, é que lá as pessoas, de alguma forma, têm sempre algum contacto com expressões artísticas e sabem sempre alguma coisa. Em Macau quando alguém pensa em ser artista ou fazer coisas criativas, a mentalidade ainda é de que é uma perda de tempo.

7 Dez 2016

Livro | João Botas investiga a vida de Manuel da Silva Mendes

O jornalista e vice-presidente da Casa de Macau em Portugal, João Botas, passou por cá para apresentar o livro “Wartime Macau – Under the Japanese Shadow”. Ao HM, falou do novo trabalho que tem em mãos e em que aborda a vida de Manuel da Silva Mendes, figura da história local que, considera, tem sido “menosprezada”

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om fortes ligações a Macau, onde nasceu e viveu até ir para a universidade em Portugal, João Botas está a preparar mais um livro sobre a história de Macau. O jornalista, que tem dedicado os últimos anos à exploração do passado local, vai dedicar a próxima obra a Manuel da Silva Mendes que, considera, é uma figura histórica cuja importância tem sido menosprezada. “A certos níveis, e é possível perceber nos livros, comparando com Camilo Pessanha, [Manuel da Silva Mendes] é muito mais significativo”, referiu ao HM.

A ideia de abordar a história de Manuel da Silva Mendes tem já alguns anos. “Em 2013, a última vez que cá estive, vim fazer pesquisas relacionadas com a história da vida de uma personalidade, para mim marcante, do primeiro quartel do século XX em Macau. É Manuel da Silva Mendes, que viveu entre 1867 e 1931”, explicou.

Com o andar da pesquisa, Silva Mendes foi-se revelando enquanto “personagem curiosa: chegou cá em 1901 e era uma pessoa discreta, formada em advocacia em Coimbra”. Já em Portugal, o advogado tinha sido o primeiro autor de um livro acerca do socialismo e do anarquismo. “A partir de certa altura, sentiu-se desintegrado: a monarquia não mudava e, ao mesmo tempo que defendia um certo anarquismo, não era um homem de ir à luta de forma muito prática. De repente, teve a oportunidade de ter um exílio para clarificar as ideias e vir para Macau. Concorreu para professor do liceu e ganhou” o lugar. De professor do ensino secundário passou a advogado, um percurso que era comum a muitos “bacharéis que, na altura, chegavam a Macau”, explica João Botas.

O primeiro sinólogo português

A relevância para Macau deste homem de início de século XX é, para o investigador, óbvia. “É um homem que, a partir de certa altura, embrenhou-se na cultura chinesa, no gosto e na ânsia de querer aprender e apreender a cultura chinesa, aos mais variados níveis.”

De entre as preferências de Silva Mendes estavam as manifestações artísticas e a filosofia, nas quais “se embrenha de tal forma que se torna um sinólogo de forma praticamente autodidacta e tão exigente para com ele próprio que não há ninguém que o tenha rebatido naquilo que ele foi escrevendo”.

Paralelamente, foi um homem que viveu os problemas do território e “ajudou a fundar alguns dos jornais de Macau, escreve centenas e centenas de artigos ao longo dos 30 anos que aqui viveu, e escreveu também os primeiros livros sobre cultura e filosofia chinesa”.

A vida política também não passaria indiferente ao advogado, e “há quem diga que foi presidente do Leal Senado”, sendo que João Botas refere que, da sua investigação, acredita que possa ter exercido o cargo mas apenas de forma interina.

Manuel da Silva Mendes não é o único vulto que João Botas considera “esquecido” na história de Macau. Ao HM referiu exemplos que mereciam mais destaque. “José Neves Catela é também um homem do início do século XX que veio para Macau. Era da marinha mercante e aqui transformou-se em fotógrafo e agente turístico, tendo trabalhado nos serviços de turismo. Tem umas fotografias brilhantes da década de 20, 30 e 40”, ilustrou o jornalista.

Uma história ímpar

Acerca da colaboração no livro “Wartime Macau – Under the Japanese Shadow”, uma obra que junta, em inglês, trabalhos de João Botas, Roy Eric Xavier e Stuart Braga, com a coordenação e edição de Geoffrey C. Gunn, João Botas conta que a ideia surgiu na sequência do livro que lançou em 2012: “Macau 1937-1945, os Anos da Guerra”.

“Na sequência disso, Geoffrey Gunn, que está em Nagasaki, desafiou-me a dar um pequeno contributo para uma edição da Hong Kong University Press.” O capítulo de que é autor “versa sobre as consequências económicas do território fruto da invasão japonesa na China, primeiro, em 1937, e depois quando a Segunda Guerra Mundial se alastra à Ásia”.

“Em Dezembro de 1941, o Japão fez o ataque a Pearl Harbour, os Estados Unidos entraram na guerra. Poucos dias depois, o Japão tinha as tropas às portas de Hong Kong e começa a invasão daquele território, que é consumada a 24 de Dezembro desse ano. A partir dessa altura, as coisas aqui mudam radicalmente”, contextualiza.

Apesar de Macau não ter sido invadido pelos japoneses, as consequências foram inevitáveis. “O anel de tropas japonesas à volta de Macau impôs um bloqueio económico total, por via marítima e também por via terrestre. Isso fez com que, por via do grande fluxo de refugiados, a população tenha quase triplicado – não há números muito fidedignos em termos oficiais –, mas terá passado de 200 mil antes da guerra para mais de 600 mil”, recordou João Botas.

6 Dez 2016

Sound & Image Challenge | Festival de curtas-metragens arranca hoje

 

O festival Sound & Image Challenge começa hoje e vai até ao dia 11. Este ano foram nomeados 33 filmes para competição e oito videoclips musicais

 

[dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap]s expectativas são boas, naturalmente.” As palavras são de Lúcia Lemos, directora do festival e coordenadora do Centro para as Indústrias Criativas (CIC). A cerimónia de inauguração será hoje, pelas 19 horas, no histórico Teatro Dom Pedro V, com o concerto do grupo New Music Hong Kong Ensemble, que interpretará a peça “Aeolian Scriptures”.

Além do concerto, as festividades contarão com o discurso do presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, entidade que, em parceria com o CIC coordena o festival, e serão apresentados os trailers dos filmes em competição. O certame decorre no Teatro Dom Pedro V de 6 a 9 de Dezembro, e na Cinemateca Paixão nos dias 10 e 11.

Amanhã, o calendário arranca em grande com a mostra do filme de Leonor Teles “Balada de um batráquio”, que venceu o Urso de Ouro de 2016 para a melhor curta-metragem do Festival de Cinema de Berlim. Em seguida, o ecrã será tomado por filmes das Filipinas, Tailândia, Singapura e China. O festival, que começou como um concurso, actualmente perfila-se como uma mostra internacional com “ambição de crescimento ao nível mundial, apesar de ser um evento organizado com poucos fundos”, confessa Lúcia Lemos.

A coordenadora acrescenta que nunca teve a intenção de tornar o festival em algo comercial, que desse avultados prémios aos vencedores, mas que proporcionasse o encontro entre diversas formas de abordar a curta-metragem. Outro dos objectivos é dar aos realizadores a possibilidade de trocarem experiências e contactarem com produtores e distribuidores.

Este ano estarão em concurso 33 filmes na competição Shorts, em contraste com os 25 do ano passado. Na secção Volume entram no concurso oito videoclips de música. Os vencedores serão anunciados no dia 9, pelas 19 horas, assim como as menções honrosas.

Inspirar a comunidade

Lúcia Lemos realça o “orgulho de ver a qualidade dos trabalhos a melhorar”, facto que considera não ser alheio ao facto de os realizadores locais participarem na análise e selecção dos filmes a concurso. “Eles percebem de cinema e têm a responsabilidade de participar na elaboração da shortlist de filmes seleccionados”, explica. É um processo que revela confiança nos criadores locais.

Outro dos objectivos do festival é dar inspiração à comunidade artística de Macau, que continua a fazer trabalhos muito ligados à cidade. Lúcia tem testemunhado o aumento da qualidade cinematográfica, algo que a enche de orgulho. “À medida que o festival vai crescendo, a qualidade dos filmes que são realizados cá cresce em paralelo”, conta a coordenadora do festival. Um crescimento simbiótico que só pode valorizar a oferta cultural de Macau.

6 Dez 2016

This is My City: Documentário, curta-metragem e um Instameet na segunda semana

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rranca hoje a segunda semana do festival This is my city, com o capítulo da série documental “No trilho dos naturalistas” dedicado a Angola. O filme é baseado na longa história de expedições botânicas ao país africano por parte de naturalistas da Universidade de Coimbra, uma tradição que remonta ao século XVIII.

Realizado pelo cineasta lisboeta André Godinho, este trilho leva-nos numa viagem pela biodiversidade de Angola, os ecossistemas tropicais e a forma como são influenciados pelos seres humanos. O projecto será apresentado ao público de Macau por António Carmo Gouveia, director do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra e coordenador da série documental, e por Alexandra Cook, especialista em botânica da Universidade de Hong Kong. O evento tem início marcado para as 18 horas de hoje na Casa Garden.

Na sexta-feira, as atenções viram-se para o cinema, mais propriamente para o formato mais conciso da sétima arte: a curta-metragem. Este capítulo do festival acontecerá no pátio do Albergue SCM a partir das 18 horas. A curadoria será de Maxim Bessmertny, o realizador local de origem russa que se estreou na edição de 2013 com o filme “The tricycle thief”. A curta foi apresentada no Festival Internacional de Filme de Toronto e arrebatou o Prémio de Ouro do Programa Kodak de Bolsas de Estudo de 2015. Maxim irá conduzir uma masterclass sobre curtas-metragens e apresentará um ciclo de filmes de sua curadoria. Este evento voltará à abordagem do conceito PechaKucha, “mostrar e contar”, o que aconteceu pela primeira vez em 2013. A ideia será apresentar vinte imagens que serão discutidas em vinte segundos cada.

Macau no Instagram

A fechar a segunda semana de festival haverá uma colisão entre o mundo virtual e o real, com um encontro da comunidade que partilha fotos no Instagram. O rendez-vous será no próximo sábado, dia 10, às 12 horas, no Macau Design Center, e terminará às 18 horas.

Na ementa está um passeio pela cidade, curado para fotógrafos, com o intuito de proporcionar um itinerário urbanístico apetecível às lentes. O Instameet deste ano terá uma página no Instagram, assim como hashtags próprios para a ocasião, de forma a fazer a ponte entre os participantes e a cidade.

6 Dez 2016

James Wong é o nome escolhido para representar Macau na Bienal de Veneza

O multifacetado artista James Wong será o representante de Macau na próxima Bienal de Veneza, que abrirá a 13 de Maio de 2017. O anúncio oficial é feito hoje, ao meio-dia, no auditório do Museu de Arte de Macau

[dropcap style≠’circle’]“C[/dropcap]laro que estou muito feliz, mas também preocupado com este interessante desafio”, confessa James Wong, o artista de Macau que marcará presença na 57.ª Bienal de Veneza. Esta será a primeira vez que expõe num local que desconhece, “tanto no tamanho do espaço, como na natureza do edifício”. Assim sendo, James abordará a especial exposição de uma forma experimentalista, porque “o palco é conceptualmente muito orientado para obras tridimensionais”. Estas circunstâncias favorecem a exposição de esculturas e pinturas, duas formas de expressão artística que James privilegiará na sua apresentação. Também haverá uma instalação, mas algo simples, estável, que não represente muito risco devido aos constrangimentos circunstanciais.

O artista tem dirigido algumas das instituições artísticas de referência em Macau, como o Centro de Pesquisa de Gravuras de Macau, foi também curador no Museu Luís de Camões, entre outros. Mas considera-se, acima de tudo, um amante das artes.

O padrinho

Mais de um quarto de século a dar aulas de arte valeu-lhe a alcunha entre os alunos de “o padrinho do ensino artístico”, algo que diverte o professor, que continua a criar todos os dias. Dividido entre o ensino e a criação artística, James não se considera um artista muito prolífero, “tendo em conta o contexto de Macau, onde muitos artistas têm exposições quatro vezes por ano”. Portanto, “se me perguntar que tipo de artista eu sou, devo ser um preguiçoso”, graceja.

Quanto à inspiração, Wong diz não saber de onde vem, preocupando-se principalmente com a rejeição de qualquer fórmula que restrinja a sua criatividade. Mas não nega que existem origens e uma base para o arranque dos seus trabalhos. “Gosto muito do conteúdo cultural japonês e chinês, sobretudo a estética da caligrafia, as cores e estruturas dos quadros antigos, e o feeling que se esconde por trás”. Estas são as fundações principais das suas esculturas, gravuras, pinturas a óleo, ilustrações e desenhos, que têm sido expostas em Portugal, Japão, Bélgica, Hong Kong, e um pouco por todo o mundo.

Ganhou vários prémios, “o que não é nada de especial”, de acordo com o artista. Porém, a exposição na Bienal tem um peso forte, “é o realizar de um sonho de qualquer artista”. Apesar da felicidade que sente, partilhada pelos seus alunos, e que sabe que os seus pais também sentiriam, Wong já está preocupado com a forma como irá preparar esta tarefa, mas está certo de que será “uma saborosa jornada e que correrá bem.

A horas de ser oficializado como o representante de Macau em Veneza, Wong encontra-se entre a elação e a dimensão do trabalho que o espera. Acha que os seus “amigos mais próximos ainda não tomaram consciência da dimensão do que se está a passar”. No entanto, James Wong não lhes irá adiantar nenhuma explicação porque prefere “que vejam através dos jornais”. O HM faz-lhe a vontade.

5 Dez 2016

Exposição “Alma”, de Omar Camilo, inaugura amanhã na Casa Garden

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] já amanhã, dia 6, que inaugura na Casa Garden uma exposição do artista Omar Camilo, que nasceu em Havana, Cuba, mas que fez de Cabo Verde a sua casa. A iniciativa parte da Associação para a Divulgação da Cultura Cabo-verdeana, com o apoio da Fundação Oriente e Fundação Macau. Até ao dia 12 deste mês o público poderá ver e conhecer um total de 34 obras de Omar Camilo.

O nome da exposição, “Alma”, visa transmitir “a essência, aquilo que perdura além da matéria e a busca dessa essência – nas expressões de que ela se reveste nas pessoas, nos espaços e nas relações entre ambos, mas também na essência do próprio exercício artístico”. Para além disso, esta iniciativa da associação cabo-verdiana visa mostrar “o carácter multifacetado de Omar Camilo”, onde a pintura “exibe uma vertente mais alternativa do artista, experimentando diversas texturas e técnicas, onde são notórias, a nível temático, as suas influências latino-americanas, africanas e europeias”.

Outros caminhos

Omar Camilo tem feito ainda trabalhos na área do cinema e fotografia. Na capital cubana estudou direcção de cinema no Instituto Superior de Arte de Cuba, onde realizou vários festivais tendo tanbém feito outros eventos internacionais em cidades como Tóquio, Paris, Barcelona ou Nova Iorque. Só em 2002 se apaixonou por Cabo Verde onde deu várias formações de cinema, tendo ficado a residir na cidade de Praia.

Omar Camilo é ainda fotógrafo freelancer, tendo sido fotógrafo oficial da Agência Lusa entre 2006 e 2011 e também consultor do Escritório das Nações Unidas em Cabo Verde.

O trabalho na pintura ganhou outro destaque quando criou, há dois anos, a galeria Om Art Camilo, tendo já realizado cerca de 30 exposições individuais em Cabo Verde e também Portugal. A associação afirma, em comunicado, que pretende, com a exposição deste artista, “partilhar com todas as comunidades de Macau expressões de vivência social cultural e artística de Cabo Verde, também ela marcada por forte multiculturalidade, de que Omar Camilo é exemplo”.

5 Dez 2016

Desfile | Macau celebra passagem de administração

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau começou ontem a celebrar o 17.º aniversário da passagem de administração de Portugal para a China com uma parada em que se reivindica uma “cidade latina”, onde o português é língua oficial e “ponte” para outros mundos.

“A língua portuguesa também é uma chave para abrir o mundo latino. Por isso, aproveitamos esta vantagem para abrir a porta, para abrir a plataforma, o intercâmbio entre a China, Macau e os países latinos”, disse à agência Lusa o presidente do Instituto Cultural de Macau, Ung Vai Meng.

A ideia da parada é também “promover Macau” e a sua cultura, através dos milhares de pessoas que atrai o desfile, em que participaram 60 grupos locais, de Hong Kong, da China, de Taiwan e de diversos países e territórios de latinos, acrescentou.

O “desfile por Macau, cidade latina” realiza-se desde 2011, dentro das celebrações da criação da Região Administrativa Especial de Macau, integrada na China, a 20 de Dezembro de 1999, quando o território deixou de ser administrado por Portugal.

Dança tuga

Este ano, o Ballet Afro Tuga representou Portugal, naquela que foi a estreia no estrangeiro deste grupo, segundo disse à agência Lusa o director artístico, Hugo Menezes, que fez um balanço muito positivo desta passagem por Macau, realçando “a boa onda” do desfile e “a curiosidade” do público.

O Ballet Afro Tuga, que existe desde 2011, levou até Macau 15 pessoas para esta parada, mas o espectáculo que costuma apresentar integra 40 elementos.

Este grupo junta artistas que residem em Portugal que tocam e dançam percussões e ritmos tradicionais afro-mandigas, oriundos da região que abrange Guiné, Mali, Burkina Faso, Libéria, Senegal, Gâmbia e Costa do Marfim.

As histórias do “Clássico das Montanhas e dos Mares” – “um popular clássico da antiguidade chinesa que regista a geografia do mundo antigo, descreve divindades e animais grotescos e narra mitos bizarros, considerado a ‘enciclopédia’ mais antiga da China” – foram o pano de fundo da parada deste ano.

O cortejo partiu, como habitualmente, das Ruínas de São Paulo, o ex-libris de Macau, com destino à praça do Tap Seac, um local amplo com calçada à portuguesa e edifícios históricos.

Este ano houve, contudo, uma nova rota, com alguns grupos a partirem do Largo do Senado.

Entre os grupos participantes, houve representantes de Espanha, França, Itália, Brasil ou Uruguai, além de Portugal.

O desfile custou 15 milhões de patacas, menos um milhão de patacas  do que no ano passado.

Segundo Ung Vai Meng, a organização estima que este ano a assistência representou mais 20% do que no ano passado, quando foi calculada em 100 mil pessoas.

5 Dez 2016

Armando Teixeira, vocalista dos Balla: “Sou muito inspirado pela música oriental”

Já os Balla existiam há seis anos quando Armando Teixeira percebeu a paixão de tocar ao vivo. Músico e produtor em vários projectos, o vocalista dos Balla actua hoje no Largo do Pagode do Bazar ao lado de Rui Reininho, no âmbito do festival This is My City. Armando Teixeira fala da liberdade criativa que a banda lhe traz e da inspiração que Macau lhe dá

[dropcap]O[/dropcap] que é que os Balla vêm mostrar a Macau?
No último disco [Arqueologia] já tínhamos participações de músicos de Hong Kong, Japão e Filipinas. Esta aproximação ao Oriente já vem do último disco e era algo que queríamos muito, perceber como é a cultura de Macau e a ligação de Portugal à China, conhecer o ambiente. Depois desta participação de músicos do Oriente, fazia todo o sentido vir cá tocar. Tenho pena que eles não possam estar presentes também [músicos de Hong Kong]. Temos essa vontade de mostrar o nosso trabalho a um sítio que nos deu tanto no último trabalho e que nos inspirou bastante. Queríamos perceber também porque é que Macau inspira tanto os músicos portugueses. Os Heróis do Mar têm um disco chamado Macau, os GNR fizeram 35 anos e nas memórias está presente a vinda deles a Macau, em 1990. Há sempre um grande fascínio pelo Oriente: desde Camilo Pessanha até agora, tem vindo a inspirar os artistas portugueses. É isso que queremos perceber, o que é que muda nos músicos portugueses quando vêm cá e porque é que se inspiram em Macau.

Macau é hoje mais chinês do que português. É uma inspiração que continua, mesmo para os músicos portugueses contemporâneos, os novos grupos?
Falo por mim. Sou muito inspirado pela música oriental e um sítio onde a cultura portuguesa coexiste com a cultura chinesa vai sempre necessariamente inspirar-me para fazermos música. Quando se chega a Macau ainda se sente a presença de Portugal, ainda que de maneira discreta. Ficamos com uma ideia de como terá sido a presença portuguesa e fica-se com a vontade de se conhecer mais. Acho que vai inspirar sempre porque é o Oriente que nos faz sentido, que nos diz respeito.

Os Balla começaram em 2000. Que balanço faz destes 16 anos, depois da participação em diferentes projectos?
Os Balla nunca foi uma coisa que levasse a sério, pelo menos com a periodicidade que eu queria. Sempre tive muitas produções, muitos outros projectos, as coisas nunca foram tão rápidas como aquilo que gostaria. Os Balla têm seis álbuns em 16 anos, não é uma média extraordinária.

Poderiam ter mais.
Sim, fiz muitas coisas pelo meio. Lembro-me que desde 2006 só consegui fazer um disco em 2010, tive muitas coisas para fazer e não consegui fazer um disco. Agora tenho dado mais atenção à banda e as coisas são mais periódicas. Tive muitos projectos, os Bizarra Locomotiva e os Da Waesel, os mais visíveis, mas procurava um projecto com o qual pudesse evoluir, mudar e envelhecer também. E os Balla foram isso: é o projecto que procurei e que quis sempre que pudesse evoluir conforme me apetecia. Poderia ir mudando, para mais electrónico ou mais acústico. Os Balla não têm limites, nem eu sei como será o próximo álbum, e é uma coisa que me agrada bastante.

Não é um grupo que se encaixe apenas na electrónica ou na pop.
A pop tem canções e quero que os Balla continuem a fazer canções. Vai sempre situar-se na pop por ter uma estrutura de canção. Há muita experimentação também e quero que continue a existir. É nos Balla que desenvolvo mais a minha veia de composição de canções. Nos outros projectos que tenho são coisas mais experimentais, com mais electrónica, que continuo a gostar bastante. Não me imaginava com os Da Weasel com 50 anos. Não dava para mudar, para ser outra coisa que não aquilo. Com os Bizarra Locomotiva também não podia crescer. Os Balla são uma banda que posso ir alterando e mesmo os músicos vão mudando.

É um projecto que lhe dá flexibilidade enquanto músico.
Completamente. É um projecto onde faço o que quero e que vai evoluindo como quero.

Apesar do começo em 2000, o arranque a sério fez-se em 2006, com o lançamento de um single na Antena 3.
Aí foi o terceiro álbum. Em seis anos foi o terceiro álbum que fiz. Nessa altura lançava dois a três álbuns por ano, com as outras coisas que fazia. De facto, em 2006 é que tivemos mais visibilidade e foi na altura em que tive mais vontade de cantar ao vivo. Até aí não tínhamos feito muitos concertos e eu não fazia questão de tocar ao vivo.

Porquê?
Gostava mais da parte do estúdio. Nessa altura foi quando descobri o prazer de tocar ao vivo, uma coisa que ainda não tinha percebido.

Já gravaram com Rui Reininho. Como foi essa experiência?
A primeira vez que gravei com ele foi há 12 anos e também participei num espectáculo que fez, quando fez 50 anos, chamado “Ecoponto”. Cruzámo-nos mas sempre tive uma admiração muito grande pelo trabalho do Rui, e ele também teve pelo meu trabalho. Foi uma coisa importante na altura e daí para cá já fizemos dois discos. Produzi e compus alguns temas para um disco dele a solo. Somos amigos e vamos continuar a fazer sempre coisas em conjunto.

O que é que os Balla trouxeram de novo à música portuguesa?
Os Balla trazem à música portuguesa a liberdade de fazer canções e o modo diferente de fazer canções. Se, no início, eram canções feitas com samples, uma coisa que não existia, quis criar canções com estruturas clássicas. Isso foi mudando, o sample perdeu algum interesse para mim como compositor, comecei a fazer o que sempre fiz, ligado à electrónica, e procurei incorporar cada vez mais elementos de música electrónica. Foi isso que me motivou no meu último disco e que me motiva para fazer canções.

Não faz mesmo ideia do que vai gravar a seguir?
A seguir vou fazer um disco da filarmónica do sítio onde vivo, os Olivais. Existe uma colectividade que tem uma banda filarmónica muito completa e sempre gostei muito dos metais. Dá para perceber pela música que faço. É uma ideia, mas acho que as coisas vão acontecer. Fará mais sentido ir buscar as minhas canções e que se enquadram mais nesse tipo de linguagem.

As sonoridades da música chinesa clássica poderiam inspirá-lo?
Inspiram-me bastante, talvez para um projecto que tenho com um contrabaixista, onde temos alguma liberdade. Tanto da minha parte, como da dele há a influência da música oriental, da ópera chinesa, que inspira bastante a música experimental.

2 Dez 2016