Andreia Sofia Silva EventosExposição | “Descobrir Manuel Vicente” chega ao Brasil É já no próximo sábado que inaugura, no Rio de Janeiro, a exposição “Descobrir Manuel Vicente”. A iniciativa parte da Docomomo Macau e, para Rui Leão, servirá não só para mostrar a obra do arquitecto, como estabelecer também um paralelismo entre Macau e a cidade brasileira [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ois anos depois de ter estado patente no Centro de Design de Macau, a exposição “Descobrir Manuel Vicente” prepara-se para chegar ao Rio de Janeiro. A inauguração acontece no próximo sábado, sendo uma iniciativa da Docomomo Macau em parceria com o Instituto de Arquitectos do Brasil. Ao HM, o arquitecto Rui Leão, que preside à Docomomo Macau, explicou como surgiu a possibilidade de levar esta exposição à cidade carioca. “Vem na sequência da promoção que fizemos da exposição através do catálogo, e houve bastante interesse por parte do instituto e também da faculdade de arquitectura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.” Para Rui Leão, Macau e Rio de Janeiro acabam por ser “sítios que têm bastantes afinidades culturais”. “Há um interesse especial na arquitectura que se faz entre um lado e outro. Uma das nossas premissas ao fazer uma exposição era tentar fazer uma comunicação da obra de Manuel Vicente até mais longe.” Sem projectos para levar “Descobrir Manuel Vicente” a outros países, a exposição poderá ser também mostrada ao público brasileiro nas cidades de São Paulo e Salvador da Baía. “Estamos com grandes expectativas que haja uma recepção forte e um grande interesse”, adiantou o presidente da Docomomo Macau. “Queremos, dessa maneira, fortalecer a relação entre os arquitectos de Macau e do Brasil”. Diferentes mas iguais A exposição que a Docomomo Macau leva para o Brasil não será exactamente igual à que esteve patente no território, até porque, segundo Rui Leão, há obras de Manuel Vicente que têm uma maior ligação com Macau. “Há partes que foram reduzidas porque só faziam sentido no contexto de Macau. Foi feita uma selecção mais reduzida do espólio”, explicou o arquitecto, que referiu também a tentativa de comparar a arquitectura de Macau e do Rio de Janeiro. “Houve um aumento do conteúdo [da exposição] porque, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, desenvolvemos um estudo comparativo entre as duas cidades. Isso vai ser apresentado na abertura da exposição.” Rui Leão garantiu que as semelhanças entre os dois territórios prendem-se com a ligação ao mar, por exemplo. “São cidades diferentes mas feitas de coisas tão parecidas. Há uma relação com o mar, uma forma de estar e de organizar o espaço em função da água e das colinas. Há muitas semelhanças e pontos comuns, como a utilização de aterros. A configuração é que pode ser diferente.” Ainda assim, o arquitecto, que é também membro do Conselho do Planeamento Urbanístico, referiu que na cidade do Rio de Janeiro existem “instrumentos de planeamento e de salvaguarda de património mais desenvolvidos face a Macau, infelizmente”. “Aqui ainda não há esses instrumentos que permitam a preservação e o desenvolvimento”, frisou. No contexto da exposição, será ainda realizada uma mesa redonda, “que será importante porque, de alguma maneira, vai permitir discutir as abordagens que há na arquitectura e as diferenças, o que está por detrás delas”, concluiu Rui Leão.
Andreia Sofia Silva Eventos“Colour / Shape / Love” | Exposição de Joaquim Franco inaugurada esta sexta-feira [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hama-se “Colour / Shape / Love” e é a nova exposição de Joaquim Franco com apoio da AFA – Art for All Society. A mostra de trabalhos do pintor português radicado em Macau é inaugurada esta sexta-feira no edifício Macau Art Garden. “As pessoas podem esperar uma série de novos trabalhos que tenho vindo a desenvolver de há uns anos para cá. Na realidade, estes trabalhos são todos do final do ano passado e princípios deste ano. São coisas novas, que ainda não foram vistas cá em Macau. Acho que o público pode esperar coisas interessantes”, disse Joaquim Franco ao HM. A escolha do nome da exposição acabou por partir de James Chu, presidente da AFA e curador da mostra. “Ele escolheu este nome porque, na realidade, o meu trabalho está muito ligado com a cor. Falo muito do amor e da paz, e é essa a primeira leitura dos meus trabalhos.” Encuentros – Pintura de Joaquim Franco Joaquim Franco assume não querer transmitir uma mensagem específica com os seus quadros, pois prefere que as pessoas “façam a sua viagem”. Contudo, se há uma mensagem a passar aos outros, é a de necessidade de maior compreensão. “Cada pessoa deve ter a sua liberdade. Mas, no catálogo da exposição coloquei uma frase de um antigo professor meu, o Rui Mário Gonçalves, em que ele dizia ‘ver é compreender. Compreender é ver. Dar a ver é instaurar a compreensão entre os homens’. Se tenho alguma veleidade em passar alguma mensagem é esta: instaurar a compreensão entre os homens.” Há, inclusivamente, um quadro intitulado “Who you think you are”, que transmite esta ideia. “Nos tempos que correm assistimos todos os dias a atentados e a violência, penso que a sociedade tem uma crise humana muito grande. Se tivesse uma mensagem a passar, seria de paz e amor”, apontou o artista. O apoio AFA Joaquim Franco já expôs os seus trabalhos em parceria com a AFA em diversas exposições colectivas, mas esta é a primeira vez que expõe a título individual. “Colour / Shape / Love” é, de certa forma, o resultado de um apoio que o artista obteve da AFA, que lhe cedeu um novo estúdio para trabalhar. “Há dois ou três anos, tive de fechar o meu atelier porque a renda era impossível de manter. Não vendemos quadros todos os dias, não temos trabalho, porque na realidade não nos dão trabalho, e o Governo não dá trabalho aos artistas. James Chu soube que não tinha estúdio e ligou-me a perguntar se não queria ficar com este estúdio aqui no Art Garden”, contou o artista. Apesar de ter uma exposição individual no horizonte, depois de ter exposto recentemente em Idanha-a-Nova, Portugal, Joaquim Franco não se mostra optimista em relação ao panorama artístico local. “Em Macau não se vende, pura e simplesmente. Simplesmente vêm quatro ou cinco pessoas à inauguração e depois não aparecem pessoas. Não vêm para ver, quanto mais para comprar. A questão económica pesa”, concluiu.
Hoje Macau EventosIraniano vence World Press Cartoon [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]lireza Pakdel, do Irão, venceu o Grande Prémio do World Press Cartoon 2017, com uma imagem sobre o drama dos refugiados, anunciou a organização na cerimónia de entrega dos prémios nas Caldas da Rainha. O desenho do cartoonista foi publicado num jornal iraniano em Agosto de 2016, ano em que venceu o Grande Prémio Troféu Zélio de Ouro do 43º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, no Brasil. O “equilíbrio entre a qualidade do desenho, a pertinência do tema e a forma como foi abordado” no cartoon, que retrata o afogamento de refugiados, valeu, segundo o director do salão, António Antunes, “o consenso do júri” na atribuição do prémio entregue, no sábado, no Centro Cultural e de Congressos (CCC) das Caldas da Rainha. Além do 1.º lugar atribuído a Alireza Pakdel, na categoria de Cartoon Editorial, o 2.º lugar foi atribuído a Kountouris (da Grécia) e o 3.º ao francês Cost. Na categoria de Desenho de Humor, o vendedor foi Toshow, da Sérvia, tendo os segundo e terceiro prémios sido atribuídos a Swen, da Suíça, e a Bonil, do Equador, respectivamente. Dois brasileiros, Fernandes e Baptistão, conquistaram, respectivamente, o 1.º e 2.º prémios na categoria de Caricatura, que atribuiu o 3.º lugar a Gio, da Itália. Os trabalhos vencedores foram seleccionados por um júri internacional de cartoonistas, que reuniu nas Caldas da Rainha em Abril, e que integrou, além do director do salão, o português António Antunes, Ross Thomson, da Grã-Bretanha, Hermenegildo Sábat, do Uruguai, Angel Boligán, do México, e Zoran Petrovic, da Alemanha. Os cartoons premiados integram uma exposição de 267 caricaturas, cartoons editoriais e desenhos de humor que retratam, através do olhar dos cartoonistas, os mais emblemáticos momentos do último ano. Representação de peso A mostra, inaugurada, no sábado, também no CCC, tem representados 168 jornais e revistas de 51 países, cujos cartoons podem ser apreciados entre domingo e o dia 10 de Agosto, com entradas livres. A entrega dos prémios foi antecedida pelo lançamento de três novos “figurões”, uma colecção de figuras de Bordalo, desenhadas pelo cartoonista António e produzidas e pintadas à mão na Fábrica Bordalo Pinheiro. Amália, Mick Jagger e Fernando Pessoa foram as figuras lançadas, aumentado para oito as peças idealizadas por António que havia já desenhado as figuras de Eusébio, Papa Francisco, Angela Merkel, Barack Obama e Mário Soares.
João Luz EventosMúsica | Concerto “à capela” abrilhanta cartaz do Le French May em Hong Kong “The Gradual of Eleanor of Brittany & Philippe Hersant: La Chanson de Guillaume” é um concerto que traz um coro de vozes angelicais ao território vizinho. O espectáculo estará a cargo do grupo Ensemble De Caelis que interpreta música do compositor Phileppe Hersant [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o próximo dia 22 de Junho, pelas 20h, as cinco vozes que compõem a Ensemble De Caleis vão encher a Igreja de Saint Andrew, em Hong Kong, num concerto integrante do cartaz do festival Le French May. O espectáculo é um tributo a duas grandes figuras históricas do cristianismo do período medieval: Eleanor de Aquitânia e Eleanor de Britânia. O repertório começa com o coro da missa pela vigília da assunção, seguida pela “Chanson de Guillaume d’Aquitaine”, da autoria do compositor Philippe Hersant. A seguir, a performance da Ensemble De Caelis segue para peças originalmente cantadas nas abadias da Ordem de Fontevrault, em Inglaterra, com o conjunto de vozes a dar uma roupagem contemporânea às composições medievais. A Ensemble De Caelis nasceu da paixão pelo canto “à capela” da directora artística, e mezzo-soprano, Laurence Brisset, que busca através da música a união entre a actualidade e a Idade Média. O grupo tenta capturar a beleza das sonoridades sacras com um repertório de onde emerge o espírito e a originalidade musical do século XI, assim como do princípio do Renascimento. O De Caelis Assemble conta ainda com as vozes das sopranos Estelle Nadau e Eugénie de Mey, com a mezzo-soprano Caroline Tarrit e a contralto Marie-George Monet. Aula com a mestre O grupo de canto à capela interpreta obras do francês, nascido em Roma, Philippe Hersant. O compositor estudou com André Jolivet no Conservatório de Paris, onde ganhou um prémio de composição musical, que seria o primeiro de muitos. Além do concerto na Igreja de Saint Andrew, a directora artística do Ensemble De Caelis irá conduzir uma masterclass onde irá partilhar a sua experiência musical e técnicas de canto. Laurence Brisset começou por estudar cravo no Conservatório de Lille antes de dedicar a sua vida ao canto. A masterclass terá lugar na Universidade Baptista de Hong Kong, no próximo dia 23 de Junho, às 15h, com entrada gratuita.
Andreia Sofia Silva EventosAna Maria Pessanha, pintora: “O mar é um pouco uma obsessão” Um convite para falar das suas obras foi suficiente para Ana Maria Pessanha começar a falar de si própria, num acto quase instintivo. Numa visita guiada, a pintora explica a sua forte ligação ao mar, a paixão pelos tons verdes e azuis, e a relação com determinados quadros. A exposição “O Mar” está na Casa Garden até finais de Agosto Comecemos por este verso de Fernando Pessoa: “Olhando o mar, sonho sem ter de quê. Nada no mar, salvo o ser mar, se vê”. A poesia de Pessoa inspirou-a? Não tanto assim. Procuro associar sempre a pintura com a literacia, e percorri escritores que fundamentassem o meu trabalho, como Pessoa e Sophia de Mello Breyner, para suportar um pouco a palavra com a imagem. Mas não foi Pessoa que me inspirou. O mar está muito presente na literatura portuguesa. Que mar é este que vemos aqui nos seus quadros? É muito pessoal. Sou descendente de madeirenses. A minha mãe, quando casou e veio viver para Portugal, ia todos os anos à Madeira. E desde miúda que viajava em barcos. Quanto tempo demorava essa viagem? Dois dias. Uma miúda de três anos num barco… O mar ficou muito no meu inconsciente, de tal maneira que é o meu tema preferido. É um pouco uma obsessão. Tenho dificuldade em estar longe do mar. Já estive duas vezes no estrangeiro, nos Estados Unidos e na Alemanha, uma estadia de 12 anos, e fazia-me falta estar perto do mar. Procurava os rios. Mas faltava o cheiro, o ritmo do mar. O ruído. [Cabo Girão] Esta é uma vista impressionante que há na Madeira, e que é mais impressionante porque tem uma espécie de miradouro com vidro. Quando me inspirei para fazer este quadro, o miradouro ainda não existia. Este quadro está relacionado com as minhas origens. [Splash Out] Este quadro é uma onda a rebentar. Representa algo para si? A minha pintura tem as raízes, mas não é uma pintura subjectiva, é visual. Passo muito tempo em Tróia, e fico muito sossegada a ver o mar e a esquematizá-lo. Então digamos que este quadro é uma fotografia esquematizada de uma onda. Usa muito os azuis e os verdes, bem como os amarelos. Já pensou pintar o mar numa outra cor? Ou gosta de pintar o mar como ele é? Também uso outras tonalidades. Mas esta é, de facto, a minha paleta de cores preferida. Tenho todos os tubos das tintas guardados em gavetas, e as minhas filhas dizem-me que me vão tirar as gavetas dos azuis e dos verdes. Para ver se eu tenho prazer a pintar noutras cores. Mas eu comecei a minha formação artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde estas cores estavam muito presentes. Trabalhei muito com essas cores, mesmo tendo estado alguns anos sem pintar. A minha paleta era azuis, verdes e cinzentos azulados. Pensei até que tinha perdido a mão nessa altura, mas as minhas filhas insistiram para eu pintar de novo. Peguei na paleta e essas mesmas cores vieram de novo. Por que esteve esse tempo sem pintar? Estive na Alemanha e dediquei-me muito a educar os meus filhos. Nunca se consegue realizar pintura com alguma qualidade se não tivermos, pelo menos, cinco horas por dia com as telas. Não tinha tempo. Preparei tudo para elas serem boas alunas. Quando finalmente pegou nos pincéis, voltou tudo. Não me tinha esquecido de nada. Neste momento não só ensino pintura a futuras professoras e educadoras [é coordenadora do mestrado na Escola Superior de Educação Almeida Garrett], como dou lições particulares. Quando me colocam dúvidas, eu resolvo a dúvida no momento. Não me esqueci. A pintura é uma coisa muito interessante, porque mexe muito connosco, e com a memória. Comecei a pintar com 18 anos e nessa altura a memória retém tudo. Consegue ensinar o que aprendeu e o que foi percepcionando? Costumo dizer que não se ensina nada a ninguém se as pessoas tiverem mais de 40 anos. É mais complicado ensinar, as pessoas têm muitos estereótipos, querem pintar como Picasso e Van Gogh. A primeira coisa que digo às pessoas quando chegam ao meu atelier é: “Agora vamos ficar loucos”. Fazemos experiências. [Sombras] Esta pintura é feita muito da manipulação da tela, e só a partir de certa altura é que comecei a usar trinchas e pincéis. [Texturas] Aqui fiz uma fusão de líquidos que não são mexidos. Este é algum mar em especial? É um fragmento da onda, fiz um close up. E fiz aqui estas experiências com os líquidos que não se misturam. Diz nas aulas “vamos ficar loucos”. Pinta-se a desorganização, mas a pintura tem também esse lado mais organizado. Tem, e um lado racional. Se a pintura não estiver bem, mais vale colocar a tela no lavatório e começar de novo. Há muitas telas que não ficaram bem e não vieram para esta exposição. Não se pode pensar que o pintor fez todas as telas que estão expostas. Fez mais. Quando pinto uma tela levo-a para minha casa e olho para ela durante dois meses. Se não me fartar dela, está pronta para ser exposta. Quem mais tem direito a esse olhar crítico? As minhas filhas. As mesmas que lhe queriam tirar as tintas. Elas também são da área das artes, são designers. Não fiz nada para seguirem esse campo, a não ser ter-lhes comprado bons materiais de pintura. Elas têm uma crítica de arte distanciada, e por isso ajudam-me. [O Mar] Este quadro já esteve para ser comprado várias vezes, e eu não deixo. É o seu preferido? É. Acho que criei amizade em demasia com este quadro. Quando começo a pintar, digo para mim própria se o quadro é meu ou se é para uma exposição, e com este não devo ter dito isso. Há obras com as quais se cria uma relação afectiva. Aqui tem quadros com cores vivas. Foi quando as minhas filhas me disseram que iam roubar-me os pincéis. E eu disse: “Se calhar sou capaz de pintar sem azul e verde”. [Vinho Veritas] Gosta destas telas tanto como gosta das outras? Não é bem isso. Esta, por exemplo, tem uma realização muito bonita. É aplicação de folha de ouro numa tela de linho. Gosto muito, mas se lhe disser o que me dá prazer, é descobrir os tons de azul e de verde. Fiquei surpreendida no momento, mas não é tão lúdico. E acho que as pessoas, para pintarem, têm de saber dominar a técnica, a composição, e ter prazer no que estão a fazer. Para mim, pintar a sofrer não serve. A pintura é vista como uma terapia. Mas isso é sempre, seja uma pintura com dor ou com prazer. A Paula Rêgo, por exemplo, não sei se ela sofre quando pinta, mas ela de facto pinta coisas mais dramáticas. Deve ter prazer, porque trabalha muitíssimo bem o pastel. A Ana Maria pinta mais a paz, a serenidade? A minha contestação social, digamos assim, não está associada à pintura, mas sim à participação na educação e na comunidade. Fiz sempre muito trabalho de voluntariado com crianças e ensino. Qual a relação da sua obra com o trabalho de Henri Matisse? Tenho uma admiração por ele. Tem um posicionamento social talvez parecido com o meu, porque ele dizia que a pintura devia ser para dar júbilo às pessoas. Terei prazer se as pessoas vierem aqui e passarem um bom momento. Criei alguma afinidade com Henri Matisse, mas a exposição minha que mais esteve associada ao pintor foi a que fiz há três anos. Essa era muito à base de papel e recortes, mas a temática era o mar. A de Matisse era as plantas. Hoje é mais difícil ser pintora do que quando começou? Não acho. Pertenço a uma geração que fez a sua formação na Faculdade de Belas-Artes do Porto onde António Barreto era um jovem assistente, anos antes de vir para Macau. Mulheres dessa geração que tentaram mostrar a sua pintura, não existem. Existem pintoras que deixaram Portugal, como Paula Rêgo e Vieira da Silva. Em Portugal era complicado, porque para vendermos um quadro tínhamos de vender aspectos afectivos ao cliente. Tínhamos de conceder determinadas atenções, o que não agradava à maior parte das pessoas. Ser artista mulher hoje é mais fácil, a sociedade está mais preparada. Aqui em Macau, graças ao contributo de António Barreto, vejo que as pessoas que vêem ver a minha exposição percebem o que estão a ver e o que estão a comprar. E isso é interessante, não é por acaso. Houve uma educação.
Hoje Macau EventosCultura | Ministro português destaca papel de Macau [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s pontes culturais entre Portugal e China são muito antigas, mas a literatura, sobretudo a contemporânea, é fundamental para estreitar essas relações e proporcionar um maior conhecimento humano mútuo, destacou o ministro português da Cultura, Luís Castro Mendes. “São muito antigas as pontes culturais entre Portugal e China, graças, em muito, ao papel que Macau desempenha. Macau é um lugar privilegiado de cruzamento entre Portugal e China, entre o Ocidente e o Oriente”, lembrou Luís Castro Mendes, no encerramento do 1.º Fórum Literário Portugal-China, que se realizou esta semana em Lisboa. O ministro destacou o património cultural da literatura clássica e sublinhou que a literatura chinesa contemporânea constitui um território de descobrimento. “É para começar a colmatar e a combater esta carência que se fez este fórum. Espero que tenha contribuído para estreitar relações e espero que tais pontes nos aproximem cada vez mais uns dos outros”, disse. O fórum reuniu escritores portugueses e chineses, que debateram os temas da literatura, sociedade e inclusão. “Podemos aprender muito uns com os outros nas áreas científicas, tecnológicas, mas há uma coisa muito importante que a literatura traz: é a compreensão do humano. Compreendemo-nos melhor uns aos outros como seres humanos através do conhecimento mútuo das nossas literaturas”, afirmou. Os caminhos deles O debate abriu com a escritora portuguesa Dulce Maria Cardoso que, como foi destacado no início do fórum pela presidente da Associação Chinesa de Escritores, Tie Ning, “não está publicada na China, mas vai ser”. Para a autora de “O Retorno”, “a melhor maneira de contar a verdade é inventar a melhor mentira que a sirva” e uma história ficcionada bem contada é mais real, porque perdura no tempo e pertence a mais gente, do que a própria realidade efémera. Para José Luís Peixoto, no centro da literatura está a natureza humana e é isso que torna os livros universais e compreensíveis em qualquer lugar do mundo, independentemente do tempo, do espaço, da história e da cultura a que está ligado cada escritor. “Por isso, um livro é compreensível aqui e do outro lado do mundo, porque partilhamos valores e ideias”, afirmou. Gonçalo M. Tavares disse que a escrita é um trabalho solitário e que o trabalho do escritor é aproximar-se e afastar-se dos acontecimentos, para ter vários olhares. Na opinião do autor, um escritor tem de ter uma visão do passado e do futuro, e ilustrou a ideia com uma personagem “que era tão vesga que, à quarta-feira, olhava ao mesmo tempo para o domingo passado e para o domingo seguinte”. O escritor Zhan Wei, vice-presidente da Associação Chinesa de Escritores, centrou a sua atenção na Internet e na forma como esta põe em risco o individualismo e a apreciação da arte. “As pessoas vão afastar-se por não estarem habituadas a ter paciência. A era da Internet é rápida, barulhenta, as pessoas perdem a paciência para o que não é assim”, afirmou. Chi Zijian considerou que a literatura, como criação individual, não se pode separar da sociedade e defendeu que um escritor deve conseguir integrar-se na sociedade para observar e exteriorizar-se, para conseguir dar vida à história que quer contar. Su Tong, o mais conhecido em Portugal dos autores chineses que participaram no fórum, recorreu a um conto do escritor norte-americano John Cheever – “The Enormous Radio” – para afirmar que toda a história reflecte alguma coisa do escritor e da sociedade. O conto narra a história de um casal que conseguia ouvir numa estação do seu rádio as conversas dos vizinhos, acabando essas vivências por se refletir nas suas próprias vidas. “É como se fosse o escritor a fazer a imitação de algo invisível. Temos de nos tornar invisíveis e entrar no rádio gigante ou tornarmo-nos o próprio rádio, para escutar a pulsação da sociedade”.
Sofia Margarida Mota EventosRodrigo de Matos, cartoonista: “Coloco-me na linha de fogo” Rodrigo de Matos é um dos cinco cartoonistas do território no “Barcelona X Macao Art of Illustration”. Para o criador de crónicas ilustradas, rir da tragédia é importante. O cartoon é fundamental enquanto alerta para os problemas da actualidade Tem formação em jornalismo, área em que trabalhou, mas está agora exclusivamente dedicado ao cartoon e à ilustração. Como é que esta passagem aconteceu? É preciso perceber que não sou um ilustrador puro. Sou um cartoonista editorial. O cartoon editorial, ao contrário do que muita gente pensa, não é um tipo de ilustração. É um trabalho diferente que usa outra linguagem. A ilustração ocupa, numa publicação, um lugar especifico e que é, como o próprio nome indica, o de ilustrar e embelezar textos. Já o cartoon editorial é mais do que isso: é uma espécie de crónica de opinião, escrita numa linguagem muito própria. A minha formação em jornalismo, bem como a experiência que tive depois da formação enquanto repórter, foram muito importantes. É por isso que posso dizer que tenho um conhecimento, teórico e prático, de como é produzida a informação. Penso que sei filtrar melhor o que são os acontecimentos da actualidade, o que está por detrás de determinadas situações e as suas implicações. Isso também é uma parte fundamental do meu trabalho enquanto cartoonista. O meu cartoon é, antes de mais, um trabalho de selecção do que é importante na actualidade e do que tem potencial humorístico também. Além disso, tenho de acrescentar a ilustração propriamente dita. Em suma, o meu trabalho implica o trabalho jornalístico e editorial em que é seleccionado o que é importante e em que analiso as notícias, tenho o trabalho de criar uma piada à volta disso e depois o de conseguir transmitir a ideia com a linguagem da informação. Acabou por fazer um curso em Madrid específico nesta área. Sim, na ESDP de Madrid aprende-se a trabalhar com uma diversidade grande de meios analógicos e tradicionais da pintura. Foi também ali que aprendi a produzir vários tipos diferentes de ilustração para ser publicada, desde ilustração infantil a desenho realista de cenas históricas e de animais como aqueles que vemos, por exemplo, numa enciclopédia. Foi um curso muito importante porque foi muito prático e foi onde aprendi o que me faltava: ter um traço mais profissional. Foto: Sofia Margarida Mota Já chegou ao seu traço? Sim, penso que sim, mas noto evolução a cada ano que passa. A graça de tudo isto também é esta evolução para que não esteja a fazer sempre a mesma coisa. Nos últimos anos fiz um esforço de conversão ao digital total. Já no final do curso, em Madrid, demos umas bases de utilização do Photoshop para o tratamento de desenhos feitos em papel. Quando comecei a trabalhar profissionalmente com cartoons, todo o meu trabalho era feito sobre papel, com canetas e lápis: primeiro era o esboço com lápis, depois com lápis azul e depois com uma caneta especial. Era um processo que envolvia três folhas de papel que depois digitalizava e coloria. Actualmente, já há uns tablets muito bons em que desenhamos sobre o ecrã e que são muito semelhantes ao papel. A tecnologia também já evoluiu tanto que a sensibilidade destas canetas digitais está muito próxima, se não mesmo melhor, do que as canetas tradicionais. Esta evolução tem sido muito positiva porque vejo que o meu trabalho não perde nada quando feito digitalmente, sendo que até pode ganhar. Recebeu, em 2014, o Grand Prix do Festival Press Cartoon Europe, na Bélgica. Em que é que este reconhecimento internacional projectou os seus desenhos? É difícil avaliar até que ponto isso aconteceu, mas penso que terá acontecido. Um prémio desses é uma coisa que valoriza muito qualquer currículo. Quais são as suas referências editoriais? Sou, desde sempre, um grande apreciador daquilo a que se pode chamar da escola norte-americana de cartoons. Os trabalhos que são publicados na imprensa de referência dos Estados Unidos da América têm uma linguagem e um humor típico que me influenciam muito. Como é que poderia caracterizar essa linguagem? É um pouco redundante falar em humor inteligente porque penso que todo o humor tem de ser inteligente. O humor implica uma actividade cerebral que leva à compreensão da piada. Os americanos são muito influenciados por uma escola associada à stand-up comedy de qualidade. É um humor mordaz e sarcástico e que não explica a piada, não dá tudo ao leitor. O que os cartoonistas americanos fazem, e que eu também procuro fazer à minha maneira, é contar uma história dando só um pequeno momento, aquele momento chave que é suficiente para perceber tudo o que se quer contar. Muitas vezes os cartoons pegam em situações trágicas da realidade. A estas situações junta o humor. Como é que lida com esta ligação? Ainda hoje, sempre que faço um cartoon acerca de um determinado tema mais triste, como um ataque terrorista com vítimas mortais, há sempre alguém que diz que o meu trabalho é de mau gosto. Penso que é uma questão muito cultural. Ainda achamos que o riso ofende, que o riso é uma coisa feia, proibida e má. Temos uma visão muito negativa do humor que, penso, nos é transmitida pela nossa cultura judaico-cristã. É um erro que pode ter tendência a ser corrigido nas próximas gerações, se o mundo evoluir numa direcção interessante. As pessoas têm tendência em confundir o tema da piada com o alvo da piada. Quando faço um cartoon acerca de um acontecimento com mortes, ou sobre uma doença que está a matar crianças, o que pretendo não é ridicularizar as vítimas, não é humilhar quem sofre. A intenção do cartoon é chamar a atenção para o que está mal. Quanto mais grave a situação é, mais pede um cartoon. O que se pretende, quando se faz este tipo de trabalho, é que as pessoas se indignem com o que está mal. O cartoon aponta o dedo aos paradoxos da condição humana. Se isso pode provocar o riso, é para que nos possamos também rir de nós. A nossa cultura, especialmente quando se fala de morte, tem um preconceito enorme. A morte é um grande tabu, é intocável. Não se pode falar dela, não se pode brincar mas, na realidade, a morte faz parte da vida, é a sua parte final. Quando um trabalho meu tem esse tipo de reparo, quando é considerado uma coisa de mau gosto só porque aborda o tema da morte ou do sofrimento das pessoas, procuro não me deixar perturbar. A verdade é que o meu trabalho é sempre susceptível de críticas. Coloco-me na linha de fogo. Um cartoonista, faça o que fizer, seja qual for o tema, vai ofender sempre alguém. Mas nem sempre a pessoa que se sente ofendida tem razão. Cresci a ouvir que não devia brincar com coisas sérias e nunca concordei com isso. Até hoje tenho tentado provar o contrário: as coisas sérias são coisas com as quais devemos brincar e que devemos abordar de todas as formas. Que temáticas mais gosta de abordar? Gosto precisamente das que são mais problemáticas porque representam um desafio maior. É arranjar uma piada no drama. Há sempre um lado irónico nas coisas. Uma situação trágica em que há várias mortes sem razão é uma coisa muito difícil. Mas são também estas situações que encerram em si uma ironia e um paradoxo muito grande. Estas características estão inerentes ao actual momento da nossa civilização. Somos tão avançados, somos capazes de realizações tecnológicas incríveis e, ao mesmo tempo, ainda aqui andamos a matar-nos por causa de homens invisíveis. Veio para Macau em 2009. Como é que esta vinda para o Oriente influenciou o seu trabalho? Macau apareceu na minha vida por acaso. Estava em Lisboa, tinha a colaboração com o jornal Expresso e vim cá visitar um amigo. Com a oportunidade de trabalhar aqui fiquei dividido. Acabei por optar por ficar em Macau precisamente por achar que teria um potencial de conhecimento maior se aqui ficasse. Pensei também em aprender a língua chinesa, um projecto que ainda não consegui concretizar. Ao tentar perceber uma cultura tão diferente da nossa, acabamos por ficar sempre mais ricos e por perceber melhor o próprio ser humano.
Hoje Macau EventosExposição conta história da travessia marítima no território [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] exposição “Viagens de Outros Tempos” é uma mostra que faz a retrospectiva das ligações marítimas entre Macau e as Ilhas. Em meados do século XX, a península de Macau e as ilhas da Taipa e Coloane estavam separadas por mar, sendo as lanchas um importante meio de transporte entres estes pontos do território. De acordo com o Instituto Cultural, “em dias de mau tempo, vários residentes e turistas experimentaram os atrasos e suspensões temporárias do serviço, mas tais inconvenientes não impediam as pessoas de as usar”. Com o passar do tempo, este tipo de transporte tornou-se desnecessário, tendo o serviço de travessia marítima sido interrompido após a conclusão da Estrada do Istmo e da Ponte Nobre de Carvalho. “Viagens de Outros Tempos” apresenta pela primeira vez várias colecções ao público, incluindo documentos originais tais como o “Registo de Carga da Companhia de Transporte Marítimo de Passageiros Un Fat que Ligava Macau a Coloane” e o “Contrato de Locação de Lanchas a Motor”. A exposição integra ainda fotografias, bilhetes, jornais e publicações comemorativas relativas às lanchas que faziam a travessia entre Macau e as Ilhas. Faz também parte desta mostra pioneira a apresentação de “A Evolução da Topografia de Macau”. Feita através de um ecrã, a iniciativa explora as linhas costeiras do território e as rotas das lanchas de diferentes épocas. Outros horizontes Paralelamente são exibidos vídeos de entrevistas a residentes que recordam as viagens que fizeram. Porque o tempo não pára e a tecnologia pode ser aliada da história, o espaço de exposição tem reservada a possibilidade de experimentar um passeio de lancha virtual em 3D, baseado no modelo da “Kuong Kong”. Por outro lado, o evento tem ambições académicas. Tendo uma componente de conhecimento em que são reflectidas as transformações sociais que se deram no território durante o período abordado, a ideia da organização é “disponibilizar material para futuros estudos sobre tráfego marítimo. “Viagens de Outros Tempos” está patente ao público até 5 de Outubro, na Casa de Nostalgia das Casas da Taipa.
João Luz EventosCinema | Iñárritu usa realidade virtual para retratar horrores de migração Depois de arrebatar Hollywood, o realizador mexicano Alejandro Iñárritu aventura-se no campo da realidade virtual. “Carne y Arena” é uma experiência em que o espectador submerge na realidade dramática da fronteira entre o México e os Estados Unidos [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]uito mais do que um filme, “Carne y Arena” é uma experiência de vida, uma alucinação de um mundo que, infelizmente, não é uma fantasia. O projecto de realidade virtual de Alejandro Iñárritu, o realizador que ganhou o Óscar de melhor realizador com “Birdman” e “The Revenant”, é inaugurado hoje na Fundação Prada em Milão, onde fica em exibição até 15 de Janeiro. Além disso, o projecto faz parte da selecção oficial do Festival de Cannes que se começa a debruçar sobre este tipo de media. O realizador mexicano volta a esticar os limites do conceito de cinema com “Carne y Arena”, um filme com cerca de sete minutos, filmado por Emmanuel Lubezki, que leva o espectador à zona fronteiriça que separa os Estados Unidos do México. A experiência submersível e intensa permite uma visibilidade de 360 graus baseada nos relatos de emigrantes e refugiados que tentam chegar a solo norte-americano vindos do México ou da América Central. A experiência é um mergulho angustiante nas vidas de quem procura atravessar uma fronteira clandestinamente. Primeiro, o “espectador” é convidado a tirar os sapatos e as meias antes de entrar num local do tamanho de um campo de ténis coberto de areia. Assim que é colocado o capacete de realidade virtual, a vastidão árida do deserto do Arizona engole o “espectador”, que se vê entre figuras andrajosas e assustadas. De repente, surge um helicóptero e dois jipes e a acção é dominada por agentes fronteiriços, fortemente armados, que prendem toda a gente. Arte de intervenção A experiência é vívida, ajudada pela capacidade do software de traçar o posicionamento do “espectador” e o seu campo de visão. Desta forma, os polícias berram na cara do espectador, que não chega a ser um personagem, apesar de estar dentro do filme. Apesar da forte componente social que tem estado na agenda política, Alejandro Iñárritu considera que é redutor caracterizar “Carne Y Arena” como um manifesto anti-Trump. O realizador, em declarações ao The Art Newspaper, explica que “as pessoas estão completamente dessensibilizadas” para as histórias de desespero dos emigrantes e refugiados. “Lemos notícias horríveis, quase todos os dias, sobre mais um barco que se afundou no Mediterrâneo, com centenas de pessoas que a bordo, e esquecemos. Este projecto tenta transmitir algo que acho que perdemos a habilidade para sentir”, explica Iñárritu. A tecnologia transporta o “espectador” para um lugar onde sentir é inevitável, enquanto se vê rodeado de homens, mulheres e crianças aterradas, com cães a ladrar e pânico auditivo debitado pelo capacete de realidade virtual. “Há um momento em que perdes um pouco a tua identidade e a capacidade para racionalizar o que estás a viver”, conta o realizador ao The Art Newspaper. “Começas a reagir com o coração, as tuas emoções, sem o cérebro e é isso que me interessa”, acrescenta o realizador. Uma das intenções do projecto é humanizar o desespero dos emigrantes oriundos do México e de outros países da América Latina, a quem Donald Trump chamou de “más pessoas e violadores”. Apesar de “Arena y Carne” coincidir com a actualidade da política norte-americana, o realizador espera que essa não seja a leitura dos espectadores. “Tornámos grande um homem tão pequeno, horrendo e embaraçoso”, comenta Iñárritu, acrescentando que começou “a pensar no projecto há quatro anos quando Trump era apenas um palhaço na televisão”. O realizador acha que é necessário olhar para os problemas com profundidade e ver as razões que levam as pessoas a deixarem os seus países. “Carne y Arena” não é cinema, de acordo com o Iñárritu, mas uma nova forma de arte com capacidade para abalar o mundo. A realidade virtual é um meio com capacidade para aumentar as possibilidades de expressão dos artistas que conseguirem domar a tecnologia que, até agora, tem sido mais usada para videojogos e pornografia. Nesse aspecto, o realizador considera que o cinema perdeu a capacidade para impressionar audiências. “Há cem anos, era incrivelmente relevante e conseguia abalar as pessoas, mas penso que perdemos a inocência nesse aspecto”, comenta o cineasta ao The Art Newspaper.
Andreia Sofia Silva EventosMúsica | Poema de Adé cantado no novo disco de Felipe Fontenelle Há dez anos sem gravar um álbum de originais, o músico brasileiro Felipe Fontenelle regressou às gravações com “M de Memória”. Lançado em Portugal e já disponível em Macau, é um trabalho intimamente ligado ao território, ao ponto de ter uma música em patuá, com poesia de Adé [dropcap style≠’circle’]“M[/dropcap] de Memória” não é apenas um regresso ao passado de Felipe Fontenelle e das vivências pessoais que teve no seu país de origem, o Brasil. É também um regresso ao passado por conseguir relembrar o dialecto de patuá, já esquecido por muitos. O segundo disco de originais do músico da Casa de Portugal em Macau, lançado ao fim de dez anos, é o reflexo dos quatro anos e meio da estadia de Felipe Fontenelle a Oriente. Em entrevista, o músico fala deste novo trabalho discográfico, recentemente lançado em Portugal. “Este trabalho tem a ‘Música de Encantar’, um poema do Adé [José dos Santos Ferreira]. Achei engraçado por ser um dialecto quase extinto e, depois, foi uma experiência cantar numa língua diferente”, explicou o músico. Felipe resolveu aventurar-se numa língua completamente nova, tendo contado com a ajuda de Miguel de Senna Fernandes, director da companhia teatral Dóci Papiaçám di Macau. “Deu-me umas dicas de como se fala o patuá. Não tinha muitas referências e tive de ter ajuda para que a dicção fosse a melhor possível”, apontou. De resto, este trabalho está cheio de nomes bem conhecidos e experientes da música portuguesa e brasileira. Felipe Fontenelle trabalhou com os produtores de Chico Buarque e do fadista António Zambujo (que produziu todo o disco), e não esqueceu a poesia de Fernando Pessoa. “É um disco que surgiu nos últimos dois anos, com as últimas composições que fiz em Macau. Tem vários poemas de Fernando Pessoa e outros poetas que escolhi, que fizeram letras específicas para eu poder compor as músicas. É um retrato da minha fase de composição aqui em Macau”, referiu. A história do primeiro single Apesar de “M de Memória” ser a canção que dá nome ao disco, o músico radicado no território optou por escolher outra música para a apresentação do novo trabalho. “Deus também Sorri” é, portanto, o single de lançamento, e a sua produção implicou uma viagem entre Portugal e o Brasil. “Fiz esta música com um poeta português que conheci, António Ladeira. Já conhecia o trabalho dele através da cantora de jazz Stacey Kent. Ele já tinha feito três poemas para ela musicar, gostou muito da minha voz, e então escreveu dois poemas. Achei que essa era a música mais forte do disco.” Esse single acabou por levar outros arranjos. “Na verdade extraí do disco esta música e pedi a outro produtor, Luís Cláudio Ramos [que trabalha há 40 anos com Chico Buarque], para fazer um arranjo diferente. Este tema foi gravado no Rio de Janeiro.” “M de Memória” tem como “base principal a voz e o violão”, assegura Felipe Fontenelle, que fala ainda da canção “Esmeralda” como aquela que mais o faz lembrar da sua infância. “Fiz uma música em homenagem à minha avó, Esmeralda, que fala da minha infância no Brasil e de como eram passadas as minhas tardes e fins-de-semana na casa dela, e as coisas que aprendi com ela. Essa talvez seja a música que tem mais esse carácter de lembrança da infância.” Disco infantil a caminho Em dez anos, Felipe Fontenelle passou a ter mais tempo para compor novas músicas. “M de Memória” é o espelho dessa nova fase da sua vida. “Macau ajudou-me a desbloquear bastante em termos de composição. Passei uma fase em que, em Portugal, tinha muitos trabalhos diferentes e não tinha espaço na cabeça para fazer coisas. Foi interessante o processo desde que cheguei a Macau, porque passei a ter um ritmo mais calmo de vida, que me permitiu começar a fazer músicas para mim e para o projecto Sunny Side Up.” O facto de ter mais tempo livre tem levado Felipe Fontenelle para vários mundos da composição musical. Depois de ter lançado o álbum “Tributo a Macau”, a banda que mantém com Tomás Ramos de Deus e Miguel Andrade, prepara-se para apresentar, já no próximo fim-de-semana, o quarto disco de originais. Trata-se de um álbum com músicas infantis, que será apresentado em concerto no Centro Cultural de Macau.
Sofia Margarida Mota EventosBruno Gaspar, responsável pelo Cinantrop Film Fest: “O cinema não é uma coisa morta por cá” Bruno Gaspar está a dar a volta ao mundo com a Lusofonia na bagagem. É o mentor do festival de cinema etnográfico Cinantrop que decorre em Portugal. Nesta edição, o evento dá destaque a Macau e à China. O território é, desde o ano passado, o seu “quartel-general” enquanto percorre a Ásia. O Cinantrop Film Fest é um festival exclusivamente dedicado ao cinema etnográfico. Como é que nasceu? O Cinantrop Film Fest nasceu em 2013. É um projecto pessoal criado com a intenção de unir os povos. A ideia é preservar e divulgar o património material e imaterial. O projecto começou na Alta Estremadura, em Portugal. Apesar de ter nascido em Paris, foi ali que cresci. Por outro lado, a ideia apareceu quando, ainda miúdo, assisti a umas projecções dedicadas ao realizador António Campos, um cineasta independente com contributos fundamentais quando se fala em cinema etnográfico. A partir daí, fiquei com um interesse muito grande pelo seu trabalho. É também em homenagem a António Campos que o prémio vencedor do Cinantrop tem o mesmo nome. O festival decorre em cinco museus da Alta Estremadura. O objectivo é que haja filmes em simultâneo em vários sítios durante uma semana e, desta forma, levar o cinema a quem muitas vezes não tem acesso a ele. Se calhar seria mais fácil fazer outro tipo e festival, de ficção ou de cinema de animação. São áreas com as quais as pessoas estão mais familiarizadas e de consumo mais fácil. Mas quero apostar nesta linha e é para continuar. Além das projecções nos museus da região centro de Portugal, o festival já tem também projecções em Lisboa e estou ainda a preparar um DVD com os filmes premiados nas várias edições. Não tem sido fácil porque muitas vezes tenho de ser eu a custear as despesas. Ainda relativamente ao legado de António Campos e dada a sua importância no cinema etnográfico, faz parte dos planos do festival trazer sua obra a Macau. Estou a tentar fazer os contactos para isso. Não tem sido fácil trabalhar com entidades públicas. Uma outra dificuldade que tenho sentido, é a de atingir um dos grandes objectivos do Cinantrop: a digitalização das películas deste realizador que, de alguma forma, é o responsável pela existência do festival. Esta digitalização tem dois objectivos: manter a obra viva porque o original em película tende a degradar-se com o tempo, e poder levar o seu trabalho a vários sítios. Gostava de a trazer também a Macau. Espero que com isso possa despertar o interesse pela temáticas do festival, e pela identidade dos povos. Porquê a opção por dedicar a presente edição do festival a Macau e ao Continente? Decidi incluir Macau e China nesta edição porque estou a tentar criar uma rede lusófona, de cariz cultural e falada em português entre todos os continentes. Um vez que estou em Macau e a par da minha outra actividade, em que estou a dar a volta ao mundo e sou cronista de viagens, Macau parece-me o ponto mais importante quando se fala de Lusofonia na Ásia. Tem a relação histórica que tem com Portugal e é para mim uma pedra angular de divulgação e de descoberta do mundo lusófono. Macau é também o meu quartel general que me permite chegar a outros países na Ásia. Como agora estou neste projecto de uma longa viagem de volta ao mundo, trago comigo uma mala em que tenho poesia de escritores de língua portuguesa que quero ver traduzidas para chinês mas tenho também os filmes que passam no Cinantrop. A viagem está a ser uma oportunidade de os divulgar. Já mostrei os filmes em aldeias que nunca viram Portugal, o Brasil ou S. Tomé e Príncipe. Já consegui ter apresentações no Japão, na Malásia e nas Filipinas. Estive recentemente na China, na Universidade Internacional de Xangai e espero continuar a conseguir passar pela universidades chinesas onde se aprende a língua portuguesa para criar uma troca de conhecimento linguístico e não só. Como é que conheceu o cinema feito por cá? Comecei a pesquisar. Fui batendo a várias portas e estando atento aos festivais que vão decorrendo no território. Depois acabei por me ir cruzando com realizadores de cá, sobretudo portugueses. O cinema feito em Macau surpreendeu-me. Porquê? Há capital humano com qualidade para poder desenvolver o cinema e Macau só tem mesmo é de continuar o caminho que está a seguir. O cinema não é uma coisa morta por cá e é bom que seja tratado como uma bandeira de atracção e de desenvolvimento do território. Como é que seleccionou os filmes que vão ser apresentados? Quais os critérios? A selecção, por uma questão de barreira linguística, deu prioridade ao trabalho já feito sob orientação portuguesa. Para isso recorri não só à Casa de Portugal mas a realizadores que falam português e que já têm trabalho feito. Não nos podemos esquecer que estamos muito longe de Portugal. Existem diferenças culturais que, considero, são também a vertente mais bonita e mais rica do que é apresentado. Nesta primeira fase de aproximação também decidi que a selecção de filmes deveria ser consequência de um olhar de alguém que não é nem Chinês nem de Macau, de alguém que olha para as tradições de cá como algo novo e que quer mostrar esse tipo de olhar. É esta novidade que é mostrada depois em Portugal. Como é que acha que estes filmes vão ser recebidos? Penso que vão ser muito bem recebidos. Tenho consciência que o Cinantropo é um projecto que está a ganhar público. É um projecto contínuo e transversal. Não envolve apenas as projecções de cinema. Tenho tentado envolver escolas e a chegar a um público mais novo. Tento também ter vários realizadores, motivar aqueles que normalmente estão mais virados para a ficção para tentarem abordar o documentário. Peço-lhes para pegarem nas câmaras e irem buscar histórias e costumes da realidade, especificamente de uma realidade mais etnográfica e antropológica. Este desafio tem começado a dar frutos e há cada vez mais público sensibilizado para esta temática. Mas o mais importante é o que o Cinantrop passe a representar um legado cultural para futuras gerações. Também aqui, Macau ocupa um lugar fulcral e, no que respeita à Lusofonia, reúne todas as condições e características para ser um centro nevrálgico neste projecto. O território pode ser visto como uma espécie de capital do cinema etnográfico da Ásia. A programação do festival integra também uma série de trabalhos de João Pimenta que está em Pequim. Porquê esta escolha? O trabalho do João Pimenta foi uma descoberta fruto da pesquisa que fui fazendo. Aqui já se funde o trabalho do jornalista com o trabalho do filme na sua dimensão documental tendo em conta interesses e conteúdos etnográficos. É uma parte da programação que está mais virada para o Continente e que considero fundamental no sentido de desmistificar uma série de preconceitos relativos a este país. Quero também ajudar a fazer compreender esta China actual. Há ainda algum preconceito por parte do ocidente em relação à China e muita gente ainda pensa que se trata de um país subdesenvolvido.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteFilipe Dores, artista plástico: “Não há espaço para criar em Macau” “Nocturno” é a exposição de aguarelas de Filipe Dores que vai ser inaugurada no próximo dia 6, na galeria do Albergue SCM. A iniciativa insere-se nas comemorações de “Junho, Mês de Portugal” que acolhe o artista local já distinguido no Reino Unido. Para Filipe Dores, Macau tem talentos, mas falta motivação para ir além-fronteiras [dropcap]O[/dropcap] que é que podemos ver em “Nocturno”? A exposição é constituída por 30 quadros. São obras sobre ruas silenciosas de Macau e, por isso, representam um contraste com o ambiente diurno do território, em que os espaços estão cheios de gente. As pessoas que virem os meus quadros vão sentir o seu espaço nocturno. Podem entrar dentro dos quadros e sentir que andam naquelas ruas. Como é que foram escolhidas estas ruas? Não escolhi ruas novas, apesar de ser difícil encontrar ruas antigas. Desde pequeno que as ruas se têm vindo a transformar. Quando quero espaços que sempre conheci como são agora, tento ir buscar informação a documentos e fotografias antigas. Pinto-os como penso que eram antes. A aguarela é a técnica que mais usa no seu trabalho. Porquê esta escolha? Comecei a usar aguarela no exame de acesso ao Instituto Politécnico de Macau. O exame durava três horas e se utilizasse outras técnicas seria difícil de o fazer. A aguarela era um bom material. Com o tempo comecei a pintar mais e continuei a usar a técnica, até hoje. Gosto de trabalhar com aguarela porque é um material muito honesto, porque é transparente. Não mente. Cada camada é transparente, não há tinta branca, não se pode corrigir, pode ver-se tudo. As suas imagens parecem fotografias. Têm uma luz muito real. Começo o trabalho com um plano de frente, como nos trabalhos de arquitectura. É uma influência do meu avô materno, que fazia maquetes de edifícios. Gosto dos planos que fui criando e continuei com essa abordagem. Na apresentação do seu trabalho, a curadoria salienta o facto de as obras serem vazias de pessoas. Porquê esta opção? Para quem cria uma pintura, esse acto é uma forma de comunicação consigo mesmo. O artista pergunta-se o que quer pintar, como o quer fazer e que tema pretende abordar. A escolha de ruas vazias é uma forma de comunicar mais facilmente comigo. Outro aspecto que a curadoria comenta é a relação que tenta dar a conhecer entre ambiente e realidade. Como é que concretiza esta opinião? Não é fácil de explicar. Para mim, a realidade tem mais que ver com o sujeito, com quem sente e o que se sente. O que é sentido é real, é um fenómeno interno das pessoas. O ambiente, por seu lado, é o que existe, já está fixo e é exterior. Quero que as ruas que pinto transmitam aquilo que tenho como realidade e que façam sentir alguma coisa em que exista uma comunicação interna. Já foi distinguido no estrangeiro, antes mesmo de ser conhecido, como é actualmente, em Macau. Em que é que estes prémios contribuíram para a projecção do seu trabalho? Claro que os concursos estrangeiros são muito importantes. É muito difícil entrar neste tipo de competições. Percebi também o porquê da dificuldade logo da primeira vez que participei e fui a Londres ver os trabalhos seleccionados: eram todos muito bons. Eram excelentes artistas oriundos de todo o mundo. Mas acho que os criadores locais têm todas as capacidades para chegar a este patamar. No entanto, infelizmente, a maior parte dos criadores de Macau não tem motivação para o fazer. Porque é que isso acontece? Em primeiro lugar, a falta de participação em concursos internacionais tem que ver com motivos económicos. Quando concorremos mandamos primeiro os trabalhos em formato digital. Até aí tudo bem, mas caso sejamos seleccionados, como aconteceu comigo, pedem que sejam enviadas as obras. Faz parte deste momento de selecção a avaliação da obra física. No meu caso, quando soube que fui seleccionado fiquei muito satisfeito mas, minutos depois, quando me apercebi que tinha de enviar os quadros, fiquei receoso. Não é só a viagem de ida das obras. Depois temos de voltar a trazer as obras para casa. O transporte de um quadro não é barato. No primeiro ano em que participei, uma das obras seleccionadas media, com moldura, mais de 1,60 metros. Acabei por ser premiado, o que foi bom. Os artistas pensam que fica muito caro concorrer a este tipo de iniciativas, mas penso que o que deveriam ponderar é que estes gastos são um investimento que fazem neles próprios. Os criadores de Macau ainda não têm noção disso. O que vemos é que o máximo que conseguem é uma exposição no território e acabam por nem pensar ir mais longe do que isso. Acha que os artistas de Macau têm talento para avançar? Sim. Há muitos artistas com qualidade. No entanto, existem outras dificuldades que têm de enfrentar. Uma delas é a língua. Muitas vezes é necessário o domínio do inglês, pelo menos. No meu caso, este é um aspecto que não me preocupa porque acho que o que vai comunicar verdadeiramente é o meu trabalho. Há também aqueles artistas que acham que não vale a pena tentar. Podia ser dado algum apoio para que os artistas locais pudessem ter mais acesso a estes concursos internacionais? Sim. No segundo ano que concorri a um concurso no Reino Unido, tive um subsídio do Instituto Cultural de 20 mil patacas. Este ano não tive. No entanto, apesar da ajuda, penso que este montante não cobre as despesas, porque estar em Inglaterra também fica muito caro. O que pensa fazer depois de “Nocturno”? Tenho estado com alguns trabalhos na área do design para ganhar experiência. Estou também a pensar em novos projectos e quero fazer uma instalação. Neste momento estou a definir o conceito. Para trabalhar com instalações é necessário ter um suporte económico, pelo que estou a ver formas de o conseguir. Quais são as maiores dificuldades que os artistas locais enfrentam? As rendas das casas e dos espaços. As pessoas não têm lugar para criar. Há 20 anos, por exemplo, era possível ter um estúdio ou um espaço grande num edifício industrial. Agora, com os preços que se praticam, é impossível. Não há espaço para criar em Macau. Por outro lado, e no que respeita à educação, penso que os responsáveis deveriam concentrar-se na formação de artistas locais. As escolas, por exemplo, são capazes de gastar 500 mil patacas para mudar de computadores que vão estar actualizados apenas por cinco anos, mas não disponibilizam 30 mil patacas para comprar um forno de cerâmica que dura mais de 30. Esta mensagem de priorizar a tecnologia sobre a arte vai ser percebida pelos alunos que vão acabar por seguir o exemplo: dar menos importância à arte. Qual é o papel da cultura e da arte na sociedade? A arte é tudo. Em todas as circunstâncias as pessoas usam arte e a criação. Por exemplo, para nos vestirmos é necessário que alguém crie os modelos: é necessária a arte. Todas as sociedades têm de ter uma noção de beleza, o que é muito importante. Se isso não acontecer, as pessoas acabam por fazer apenas cópias. Acabaria por ser tudo igual.
Sofia Margarida Mota EventosPeggy Chan | Artista plástica: “Macau cresce com demasiada velocidade” Abre amanhã ao público a exposição “Cem Espécies – Obras de Peggy Chan”, no Museu de Arte de Macau. A mostra leva-nos numa interacção entre pessoas, a sua manifestação no espaço e a natureza em asfixia. Em discurso directo ao HM, Peggy Chan levanta uma ponta do véu da nova exposição O que é o público pode ver em “Cem Espécies”? Pode ver três séries de trabalhos gráficos, assim como um estúdio que montei na galeria. A primeira série é centrada em torno de “Bobo”, o urso preto, que vive no Parque Erlogyan com os seus amigos. Este animal faz parte do meu imaginário infantil enquanto crescia em Macau. A segunda série é focada na imagem de uma espécie de ecossistema, o mangal. Enquanto a terceira série se centra na ideia de uma floresta de mangal. O que pretende dizer com esta exposição? Quero que as pessoas prestem mais atenção ao meio ambiente, algo que é fundamental para a nossa existência. Especialmente em Macau, uma cidade que cresce com demasiada velocidade. Por que quis recrear na galeria um estúdio experimental? Durante a exposição vou estar, “in loco”, a fazer alguma pesquisa para trabalhos futuros, assim como a produzir peças novas. Além disso, também quero experimentar a interacção com o público enquanto crio. Tenta explorar a relação entre humanos e a natureza. Porquê o interesse neste tópico? Durante a pesquisa que fiz para um documentário sobre ecologia em Macau, cruzei-me com variadíssimos estudos e relatórios sobre o assunto. Ver como o meio ambiente tem evoluído no território é uma experiência, como observar a evolução de uma ilha artificial. Como vê essa relação entre humano e natureza? Esta relação… Entristece-me tanto. É um relacionamento que serviu apenas para extinguir a pureza natural de Macau. Visitei os pântanos e zonas ecologicamente protegidas onde vi, e senti, o confronto entre o desenvolvimento urbano e a protecção ecológica. Na obra que expõe agora trabalhou com cianótipos. Por que escolheu trabalhar com esta técnica? O cianótipo é um processo antigo de impressão de fotografia e tem sido o meu veículo criativo preferido nos trabalhos mais recentes. É um método que, no processo criativo, depende totalmente da luz solar. O cianótipo traz um grau de incerteza natural aos trabalhos que, de certa forma, simboliza a maneira como a nossa vida flui através dos ambientes em constante mudança. Além disso, gosto da tonalidade azul que o processo dá à impressão e que permite fazer camadas de imagens muito bonitas.
Hoje Macau EventosMAM recebe “Cem Espécies – Obras de Peggy Chan” [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Museu de Arte de Macau (MAM) organiza, sob a alçada do Instituto Cultural, uma exposição de Peggy Chan, artista local com uma paixão pelo cianótipo, um processo antigo de impressão fotográfica. A inauguração de “Cem Espécies – Obras de Peggy Chan” é amanhã e estará aberta ao público até 13 de Agosto. O espaço da exposição foi concebido com a ideia de reproduzir o “estúdio experimental” da artista. Os visitantes são convidados a observar os diversos tipos de materiais e imagens artificiais que buscam explorar a relação entre o ser humano e a natureza. O fio condutor das criações de Peggy Chan patentes nesta mostra é a ideia do impacto da sociedade moderna no meio ambiente. Os danos ecológicos que provocamos espelham-se em estruturas caóticas e na disfuncionalidade de ecossistemas inteiros. Esta acção do Homem tem como consequência a extinção de várias espécies e, inclusivamente, coloca o próprio ser humano em risco. Estes são os pontos de partida para o trabalho da artista, que através do cianótipo, um ancestral processo de impressão fotográfica baseado no tempo de exposição à luz, captura a relação entre o indivíduo, a cidade e a natureza. O resultado é uma sobreposição de conceitos através de colagens paradoxais e da visão muito peculiar da artista. Filtros do dia As obras reflectem as observações indirectas e perceptivas de eco-fenómenos do quotidiano. A exposição espelha a realidade filtrada pela visão de Peggy Chan, na tentativa de perceber se existem regras que governem a relação entre espécies, ambiente e a evolução estranha que se perspectiva. Peggy Chan nasceu em Macau e licenciou-se em Belas Artes no Instituto Real de Tecnologia de Melbourne com a especialidade de pintura. Experimentou diversos meios tais como a pintura, fotografia, vídeo e instalação, até se apaixonar pelo cianótipo, que está no cerne da exposição que inaugura esta quinta-feira. “Cem Espécies – Obras de Peggy Chan”, estará patente ao público no MAM e tem entrada livre.
Hoje Macau EventosIlha de Hengqin | Armazém do Boi acolhe exposição de fotografia A terceira edição da exposição de fotografias que retratam o desenvolvimento da Ilha de Hengqin começa este sábado. Os trabalhos, da autoria de sete fotógrafos de Macau, estarão expostos no Armazém do Boi até 16 de Julho [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s investimentos anunciados na vizinha Ilha de Hengqin, também conhecida como Ilha da Montanha, têm levado a profundas transformações no pequeno território do continente e nas vidas que o povoam. Sete fotógrafos de Macau deram seguimento a um trabalho de recolha de imagens que retratam estas transformações, iniciado em 2011. A terceira edição da exposição “Following The Changes in Hengqin’ 2011-2014-2017” é inaugurada já este sábado no Armazém do Boi, estando patente até ao dia 16 de Julho. Tudo começou em 2011, quando Frank Lei Ioi Fan, o mentor do projecto, fez o primeiro trabalho sobre as pequenas aldeias que, aos poucos, vão sendo sugadas pelas torres de betão e pelo desenvolvimento económico. Esse projecto teve como título “The Disappearing Neighbouring Villages – Rediscovery of Hengqin Island Photographic Exhibition”. Em 2015, houve uma sequela, com o nome “Below Laobeishan: Hengqin Today Photos and Videos Creative Exhibition”. Segundo um comunicado do Armazém do Boi, Frank Lei e os restantes fotógrafos têm procurado retratar o constante e rápido desenvolvimento da Ilha de Hengqin, “documentando as mudanças drásticas que afectaram a sociedade e a vida das pessoas desde que o Governo Central lançou o Plano Geral de Desenvolvimento de Hengqin, em 2009”. A nova edição da exposição que agora se inicia “conta a história de Hengqin através da perspectiva de sete fotógrafos”, contando também com uma selecção de alguns trabalhos já exibidos entre 2011 e 2014. O Armazém do Boi vai também compilar e publicar a obra “The once dusty land – Images of Hengqin: 2011-2014-2017”, enquanto documento visual periódico. A exposição tem entrada livre e conta com apoio da Fundação Macau.
Sofia Margarida Mota Entrevista EventosSílvia Patrício, artista plástica: “Prefiro ir buscar as imagens às palavras” Está em Macau à procura de referências para o seu novo projecto. Sílvia Patrício criou as imagens oficiais da canonização de Jacinta e Francisco. A artista plástica falou ao HM do seu percurso, da sua independência e do que espera levar do território [dropcap]C[/dropcap]omo é que começou a carreira na pintura? Gostava de desenhar e fui estudar Artes Plásticas para as Caldas da Rainha. Naquela altura pensei no curso como uma forma de dar aulas de uma matéria de que gostava. De certa forma, era uma segurança. Quando terminei o curso já tinha uma loja de objectos produzidos por mim. Mas só comecei a pintar quando terminei o curso. A escola era mais virada para a produção de, por exemplo, instalações. Aliás, na altura até optei pela área da escultura, não tanto por ser das minhas favoritas, mas sim porque era uma oportunidade de ter acesso a máquinas de explorar técnicas que, de outra forma, seria mais difícil. Deu aulas numa fase inicial da carreira. Acha que é possível ensinar aquilo a que se chama ‘talento’? Sim. Acho que qualquer arte é primordial e deve ser ensinada desde muito cedo. Independentemente da forma de arte, é uma forma de desenvolver a criatividade. Há uma grande lacuna neste campo que se manifesta na desvalorização de um ensino real das artes desde criança. Infelizmente, as pessoas são educadas com a frase “não tem jeito para o desenho, não pode seguir uma carreira artística”. Mas, para mim, qualquer pessoa, desde que seja acompanhada, pode criar. Apesar de gostar de ter dado aulas, o que realmente gostava era de desenhar e de pintar. Acabei por deixar tudo, a loja e as aulas, e dedicar-me completamente à pintura. Foi quando produziu as obras que integraram o projecto “Essa Paixão Proibida”, inspirado em “O Crime do Padre Amaro”? Sim. O projecto ainda foi realizado a fazer outras coisas, mas com a sua venda percebi que a pintura podia ser sustentável. Como é que apareceu a ideia de pegar neste romance de Eça de Queirós? Estava a ler o livro e, como vivo em Leiria, ao passear pelas ruas, fui descobrindo que muitos dos edifícios por onde passava serviram de cenário ao romance. Fui-me vendo nos próprios espaços. Acabei por pedir autorização para visitar e fotografar. “Essa Paixão Proibida” passa pelo lado físico, que existe e que tem estes elementos reais do contexto do livro, e por um lado fantasioso em que está a minha visão do que leio e em que dou uma cara a personagens que existem de forma apenas escrita. Como é recriar um romance nas telas? Estamos a falar de um escritor que também é muito descritivo. Funcionou como uma ajuda, de alguma forma? Ajudou muito. É claro que temos de criar sobre o que lemos mas, por exemplo, um rosto se for descrito como sendo redondo, tendo lábios finos, etc., tento seguir esses traços. Mas usa modelos reais? Sim. Vou à procura de pessoas que façam parte da minha vida e que, de alguma forma, correspondam aos traços que idealizo. Também procuro pessoas desconhecidas, mas tento sempre ir ter com as que conheço porque gosto de as incluir no meu trabalho. Acho que é um processo interessante. A instalação é agora o formato que caracteriza grande parte do que faz. Porquê? Na altura de “Essa Paixão Proibida” fiz um quadro referente à tecedeira de anjos. Chamava-se assim à mulher que fazia desaparecer as crianças indesejadas. A personagem está a tecer num tear e do tapete saem crianças com asas. Acompanhei a tela com esculturas em que esses “anjos” são uma espécie de continuação tridimensional da própria pintura. Ao projecto juntei um trabalho de sonoplastia feito pelo António Cova. O público tinha desta forma um meio para ouvir um outro trabalho que continha os trechos que inspiraram cada tela. Acabei por conseguir ter algum sucesso e dar-me a conhecer. A colecção foi vendida na totalidade a um coleccionador privado, o que me permitiu continuar a trabalhar apenas na área da pintura e artes plásticas. Depois, acabei por perceber que a junção de vários meios e a sua conjugação completa os próprios trabalhos. Dá-lhes outras vidas. FOTO: Ricardo Graça / Jornal de Leiria É a autora das imagens oficiais da canonização dos pastorinhos que foram vistas no mundo inteiro. Como é que este trabalho apareceu e como está a ser encarado? O convite surgiu na sequência de outro convite. O Museu de Leiria tinha-me convidado para fazer um quadro para a sua colecção e, numa das reuniões, conheci o director do Santuário, Marco Daniel. Ele teve acesso ao meu trabalho, mostrou-se interessado e disse que gostaria de ver como seriam os pastorinhos através do meu olhar. Tratava-se de um trabalho iconográfico e o que fiz foi tentar dar vida àqueles seres que conhecia apenas de fotografias. O meu objectivo não era só chegar a um retrato dos pastorinhos, era conseguir captar o que eles tinham por dentro. Queria também que quem os visse sentisse que as obras eram mais do que um retrato. Os rostos são carregados, são de vidas que não foram fáceis. Juntei depois alguns símbolos que me foram pedidos e para o efeito criei uma auréola. Fazia sentido tratando-se de uma canonização. Acabou por ser uma forma de me dar a conhecer a uma população mais vasta, visto as imagens terem corrido o mundo. Não trabalha normalmente com galerias e muitas vezes são elas que projectam os artistas. Foi uma opção em que insiste. Porquê? Acho que é importante termos liberdade. É fundamental poder escolher os temas em que vou trabalhar. O que tenho sentido é que, sem estar a generalizar, muitas galerias vêm o artista como uma espécie de operário. Se antigamente as galerias podiam ter uma paixão pelos trabalhos ou pelos artistas que escolhiam e davam uma ajuda, sinto que na actualidade uma obra é um mero objecto comercial que valoriza e desvaloriza conforme, muitas vezes, a corrente do momento. Posso vender menos e não ser tão conhecida mas, até agora, esta independência foi a situação que me pareceu melhor para o que quero fazer. Não consigo ter o mesmo acesso e projecção que um artista de uma galeria. Em termos de projectos, os meus também são muito morosos. Antes deste projecto ligado à religião, produziu “Humanário”, em que também pegou na Bíblia. Alguma razão em particular? Já tinha pensado em fazer um projecto baseado nesse livro. Não o escolhi por motivos religiosos, mas por ser um livro, acima de tudo, sobre os Homens. Comecei a trabalhar e, na mesma altura, a minha mãe adoeceu subitamente e acabou por morrer. Pus em causa se deveria continuar com o projecto. Acabei por continuar e o próprio trabalho talvez tenha acabado por mudar um pouco. Quando se sabe que alguém vai desaparecer da nossa vida, penso que, mesmo inconscientemente, tentamos criar uma ponte com a parte que vai embora e que não se vê. Vai buscar inspiração aos livros, acabámos de falar de dois. Porquê? Apesar de gostar muito de cinema, por exemplo, prefiro sempre ir buscar as minhas imagens às palavras. Os filmes acabam por condicionar o nosso imaginário, já nos dão uma imagem. É muito mais complicado estar a criar uma coisa visível sobre outra também visível. É muito interessante agarrar nas palavras e delas ir para outra coisa, para uma coisa física, seja uma pintura ou um objecto. É a primeira vez na Ásia e está cá também para preparar novos trabalhos. Como está a correr este encontro? Macau é um sítio muito particular. Ainda é cedo para falar porque estou cá há pouco tempo. Uma coisa que pode ser banal, mas que me impressionou: se olharmos para os edifícios, cada varanda tem a sua decoração. São todas diferentes. A estrutura é a mesma, mas umas são de vidro, outras de pedra, outras de metal e madeira. Nunca tinha imaginado um prédio com as varandas todas diferentes. Isto faz-me pensar que aqui as pessoas têm um universo único que se transmite, por exemplo, nestas coisas. Sinto também que anda tudo a olhar muito para dentro de si e quando olham para fora é para o telemóvel. Entretanto, espero levar daqui elementos para um projecto futuro em que pretendo juntar os mundos que conheço. Neste momento estou a pesquisar, a absorver, por exemplo, padrões e estruturas. Gostava que o resultado do que ando a ver e sentir pudesse cá vir em forma de projecto. Sem cair no lugar-comum, gostava de desenvolver uma ligação entre Portugal e China no geral. O seu trabalho já foi várias vezes comparado com o de Paula Rego. Já ouvi isso muitas vezes. De certa forma entendo o paralelismo. Trabalhamos um pouco acerca dos mesmos universos em que existe a pessoa associada a elementos fantasiosos. Por outro lado, a dimensão também é idêntica, é em escala real. A Paula Rego também trabalhou “O Crime do Padre Amaro”, mas de uma forma muito diferente. Ela debruçou-se sobre a temática do aborto e eu fui pelo lado da paixão proibida. De alguma forma, até foi uma honra ter tido essa comparação. No entanto, actualmente penso que, quem conhecer o meu trabalho, já não fará essa afirmação. A mudança tem sido natural e inconsciente. Aos poucos vou entrando noutros universos e vou descobrindo outras coisas.
Hoje Macau EventosLisboa acolhe o primeiro Fórum Literário Portugal-China [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Fórum Literário Portugal-China, cujo programa inclui debates no Centro Científico e Cultural de Macau e uma passagem pela Feira do Livro de Lisboa, acontece no âmbito do memorando de entendimento assinado em 2015, entre Portugal e a China, de apoio mútuo à edição e promoção da literatura dos dois países. Em Lisboa estarão seis personalidades chinesas ligadas ao livro, entre as quais o escritor Su Tong, finalista do Man Booker International Prize em 2011, Tie Ning, romancista e presidente da Associação Chinesa de Escritores, e os autores Chi Zhijian e Zhang Wei. A eles juntam-se ainda três autores portugueses: José Luís Peixoto, Dulce Maria Cardoso e Gonçalo M. Tavares. De acordo com a Direcção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, o memorando assinado em 2015 em Pequim prevê “o apoio à divulgação recíproca da literatura chinesa e portuguesa, seja através do apoio à tradução de obras literárias, seja através da participação de autores no outro país”. O fórum em Lisboa incluirá ainda um encontro dos autores chineses com editores portugueses.
Hoje Macau EventosTeatro | Companhia portuguesa colabora com escolas da RAEM a convite do IPOR [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rranca na próxima segunda-feira uma série de apresentações do projecto “As Raposas”. O espectáculo nasceu da simbiose entre a companhia portuguesa “Cabeça no Ar e Pés na Terra” e escolas de Macau, a convite do IPOR. O projecto partiu da dramatização dos textos em português das “Fábulas de La Fontaine” e começou em Novembro do ano passado, quando se iniciou nas escolas e turmas participantes a leitura e exploração didáctica da obra do francês Jean de La Fontaine. Como a personagem central da narrativa é uma raposa, o nome do projecto estava mesmo à mão de semear, daí “As Raposas”. A elaboração dos figurinos que os actores da companhia de teatro vão usar na apresentação da peça teve um processo original. Primeiro, as crianças envolvidas no projecto desenharam as personagens da história e enviaram esses esboços para a companhia. A partir da imaginação das crianças os figurinos foram construídos. A peça terá como base uma selecção de textos de “O Corvo e a Raposa”, “A Raposa e as Uvas”, “A Raposa e a Cegonha”, “O Galo e a Raposa”, “O Gato e a Raposa” e “O Lobo e a Raposa”. O espectáculo une a cenografia em que os alunos participaram à representação em palco dos actores da “Cabeça no Ar e Pés na Terra”. As apresentações começam na Escola Portuguesa de Macau na segunda-feira, na Escola Luso-Chinesa da Flora na quarta-feira, no Jardim D. José da Costa Nunes na quinta-feira e na Escola Oficial Zheng Guanying na sexta-feira. Além disso, haverá ainda uma sessão aberta na quarta-feira, às 17h30, no Café Oriente do IPOR.
Andreia Sofia Silva EventosProjecto @NossaLíngua | Documentário sobre português filmado em Macau O projecto online “@Nossa Língua” já vai na segunda edição e tem como objectivo a gravação de um documentário sobre o idioma de Camões em Macau. Já foi iniciada uma campanha de recolha de fundos, bem como contactos com entidades locais. [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]rimeiro foram as imagens no Instagram, agora as imagens reais, em formato documentário. O projecto online “@Nossa Língua” visa abordar a forma como a língua portuguesa é falada e transmitida em vários países. Em Macau, o documentário que será gravado não esquecerá o patuá. Ao HM, os directores do projecto “@Nossa Língua”, Luciane Araújo e Júlio Silveira, falam da iniciativa que requer, para já, apoio financeiro para que possa ser realidade. “Estamos em contacto com autoridades, fundações, institutos e outras organizações [de Macau]”, disseram. “A Direcção dos Serviços de Turismo de Macau sinalizou um apoio para o alojamento, mas ainda estamos a aguardar resposta”, acrescentaram. A Fundação Oriente foi outra das entidades que já foi contactada, embora ainda não haja uma resposta em concreto. Foi também contactado o Instituto Camões ou a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre outras instituições. “Acreditamos que o projecto @NossaLíngua seja a concretização da missão dessas organizações: o estreitamento da cooperação entre os povos lusófonos”, apontaram os mentores da iniciativa. Há dois anos, o “@NossaLíngua” dava os primeiros passos através da publicação de fotografias na rede social Instagram. Estas deveriam mostrar a forma como a língua portuguesa é manifestada nos vários países ou regiões onde é língua oficial. Em cada um desses lugares, existia um representante a coordenar a iniciativa, que foi transformada em livro. A próxima etapa é a gravação de um documentário, sendo que esse projecto já foi feito em Cabo Verde, Portugal e Brasil. “O filme foi seleccionado e exibido no Festival de Cannes 2016, na Mostra Short Film Corner, e teve exibições em Cabo Verde e Brasil”, explicaram Luciane e Júlio. Vamos conversar Para pensar o documentário que será realizado em Macau, Luciane Araújo e Júlio Silveira partiram de duas perguntas. “Nós efectivamente falamos a mesma língua? Se falamos a mesma língua, por que não conversamos?”, revelaram. “Na tentativa de responder a essas perguntas, mostramos como o idioma português é visto ou vivido em cada lugar; falamos sobre as línguas que derivam do idioma, como o patuá de Macau e o crioulo de Cabo Verde, além de investigarmos as influências culturais e políticas entre os países lusófonos. Mostramos ainda como cada país vê o outro e como entende a lusofonia”, referiram. Nos documentários já realizados, participam escritores como Mia Couto, José Luís Peixoto, Germano Almeida e Ondjaki. Há também “professores e gente da rua”. “Também tentamos mostrar o que nos faz parecidos e o que cada lugar tem de único.” Os mentores do “@NossaLíngua” afirmam já ter conseguido obter um terço do orçamento necessário. “Esperamos que o público de Macau possa ter conhecimento desse projecto através desse material. Todos podem participar e ainda ganhar brindes.” Os interessados podem fazer a sua contribuição através de uma plataforma de crowdfunding. Para Luciane Araújo e Júlio Silveira, esta iniciativa está apenas no começo. “@NossaLíngua é na verdade um movimento: viemos descobrindo e estreitando amizades em nove países diferentes. O primeiro episódio nos uniu mais ainda (especialmente Cabo Verde e Brasil) e a continuação se impõe. Não podemos deixar as amizades para trás: é muito rico o potencial de intercâmbio cultural, económico e de afecto entre os povos”, concluíram.
Isabel Castro EventosLivro “Olhares Amendoados”, de Óscar Gomes da Silva: Da memória que não foge Encontrou na escrita a forma de dar a volta ao texto dos anos. Para não esquecer, para que outros também não esqueçam, Óscar Gomes da Silva, antigo residente de Macau, escreveu um livro que transporta o leitor para outros dias do território [dropcap style≠’circle’]“U[/dropcap]m mar de juncos oprime as águas do rio, que sofre com a sua pequenez. De vários feitios e tamanhos, as embarcações amarram-se umas às outras. Mulheres cozinham arroz ou lavam roupa. Homens arrumam o convés, secam peixe e armazenam mercadorias. Crianças choram e brincam.” Quando Óscar Gomes da Silva chegou a Macau, em 1978, o território ainda era um sítio de barcos, pescadores, mulheres e crianças no rio. Da sua segunda vida na cidade, as recordações são outras, mais próximas do “império que chegou ao fim”. As memórias das passagens por esta Ásia estão agora reunidas em livro, um conjunto de apontamentos a que deu o nome “Olhares Amendoados – Reminiscências do Extremo Oriente”. “Não me considero escritor, mas gosto de escrever”, conta Óscar Gomes da Silva. “É uma forma de ocupar o tempo e de exercitar a mente. Depois de ter publicado em 1993 ‘Civilizações e Especiarias’, um trabalho sobre o antigo Estado Português da Índia, iniciei um conjunto de crónicas sobre Macau e o Extremo Oriente com base nas minhas observações e vivências.” O autor diz que hesitou em avançar para a publicação, mas acabou por considerar que “deveria dá-las a conhecer aos eventuais leitores”. Os anos da diferença Gomes da Silva nasceu em Goa, onde viveu até ir para Portugal estudar na então Escola do Exército. Licenciado em Ciências Militares, esteve na Índia, em Moçambique, Angola e em Macau. Aqui viveu, pela primeira vez, de Janeiro de 1978 a Setembro de 1980. Com o posto de Major, tinha o cargo de Chefe do Estado-Maior das Forças de Segurança de Macau. Voltou em 1993, já coronel na Reserva. Foi director executivo de uma empresa de segurança durante um ano. Entre 1994 e 1997, foi secretário-geral do Gabinete Coordenador de Segurança. Poucos anos depois do regresso a Portugal, foi viver para o Brasil. “Conheci diversos países ao longo da minha vida. Mas os anos que vivi em Macau foram de um enorme enriquecimento cultural, de uma experiência notável e aprendizagem singular, quer em termos profissionais, quer do ponto de vista sociológico, bem como de relações com as comunidades macaense e chinesa”, afirma. Depois de 1997, Óscar Gomes da Silva não voltou a Macau, por questões de saúde que o têm impedido de fazer viagens longas. “Olhares Amendoados” é, também por isso, um livro que parte de recordações. “É como um álbum de memórias, reflexões e ensinamentos, onde a ficção se funde com a realidade e a história”, resume. “Olhares Amendoados – Reminiscências do Extremo Oriente” é uma publicação da Chiado Editora.
João Luz EventosEdição do InspirARTE com mais de 350 eventos [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o Verão à porta chega mais um InspirARTE, que começa no final de Junho e decorre até Agosto. O evento organizado pelo Centro Cultural de Macau (CCM), sob a égide do Instituto Cultural, tem este ano mais de 350 eventos para incutir o gosto pelas artes em bebés, miúdos e adultos. O festival, pensado para toda a família, oferece um cartaz com espectáculos, projecções e workshops, estando nas previsões do CCM uma afluência superior a 15 mil espectadores. O InspirARTE tem uma programação com artistas vindos dos quatro cantos do mundo, com o propósito de estimular a criatividade de pequenos e graúdos. Haverá cinema de animação, marionetas, palhaços, pintura facial, expressão corporal, aulas de canto, sessões de fotografia teatral. Os workshops são outro lado forte da programação, com particular realce para as aulas técnicas de artes performativas, fotografia teatral e construção de adereços. Um dos destaques do cartaz é o espectáculo “Chuva”, da companhia australiana Drop Bear Theatre, concebido para bebés. O espectáculo tem como objectivo introduzir uma atmosfera calma e hipnótica através da performance de dois actores acompanhados por uma violoncelista. Além da parte de actuação, os espectadores são imersos numa instalação que cria um mundo mágico para bebés. “Chuva” estará em cena entre 28 de Junho e 2 de Julho. Outro dos destaques do cartaz é a performance da companhia Bunk Puppets, que leva ao palco do CCM “Galáxia Veloz”. O espectáculo gira em torno de um artista a solo que pega em objectos como velhas caixas, palhinhas, bolas de ténis ou raquetes de ping pong e lhes dá outra vida. A performance segue as aventuras dos irmãos Sam e Junior numa viagem interestelar através do teatro de sombras. O espectáculo estará em cena entre 28 e 31 de Julho. Também vai haver lugar para a sétima arte no cartaz do InspirArte deste ano, com particular destaque para uma série de oito filmes internacionais escolhidos a dedo para o público mais jovem. Os bilhetes para todos os espectáculos do “InspirARTE no Verão” vão ser postos à venda a partir de amanhã nas bilheteiras do CCM e nos balcões da Rede Bilheteira de Macau.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteCultura | Programa de “Junho, Mês de Portugal” está completo São mais de 20 as actividades que marcam a segunda edição de “Junho, mês de Portugal”. O programa composto por teatro, música, exposições, cinema e gastronomia foi ontem apresentado. Pretende-se solidificar a iniciativa que arrancou no ano passado Alexandre “Vhils” Farto [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi ontem apresentado o programa completo de “Junho, Mês de Portugal”, que decorre entre o próximo dia 31 de Maio e 2 de Julho. A iniciativa, que teve início no ano passado, parece ter vindo para ficar. O cônsul-geral de Portugal, Vítor Sereno, foi claro: “Se no ano passado foi uma tentativa, uma espécie de experimentação, este ano é a afirmação”. De acordo com o diplomata, o evento que dedica um mês a Portugal vai muito além das celebrações do 10 de Junho, sendo que a ideia é “reforçar os contributos de matriz portuguesa para a afirmação de Macau como um centro irradiador de cultura em plena consonância com os objectivos locais”, referiu. Além da presença dos nomes já anteriormente divulgados – a exposição do português Alexandre Farto nos Estaleiros Navais, que abre as hostes deste ano, o músico local João Caetano e a conversa com o jornalista e escritor Joaquim Furtado –, a presidente da Casa de Portugal, Amélia António, salientou o lançamento do CD infantil, “Castelos no Ar”. O evento, que tem lugar no dia 9 do próximo mês no Centro Cultural de Macau, “é um trabalho colectivo feito com os colaboradores da Casa de Portugal”, começou por explicar Amélia António. Trata-se de um CD que inclui textos de poetas portugueses consagrados que se mostraram adequados para uma população mais nova. “Os poemas foram tratados e musicados, e é mais um passo para se levar às gerações mais novas o português e a sua poesia de uma maneira mais fácil e aliciante”, explicou a presidente da Casa de Portugal. A apresentação do disco vai contar com a participação de várias crianças. O teatro também aparece em destaque nesta segunda edição de “Junho, Mês de Portugal”. No entanto, não se tratará de uma peça convencional. O Teatro D. Pedro V vai ter em palco, a 4 de Junho, “No Precipício Era o Verbo”. São quatro pessoas: um actor (André Gago), um músico (Carlos Barreto), um filósofo (António Caeiro) e um poeta (José Anjos). A ideia é apresentar uma troca de pensamentos em público. “Da sua poesia e dos seus pensamentos vai surgir um espectáculo muito particular”, explicou Ana Paula Cleto, da Fundação Oriente. Exposições para todos As artes plásticas também estão em destaque. A iniciativa abre com uma exposição individual de Vhils, nome artístico de Alexandre Farto, mas durante o mês serão inauguradas mais quatro mostras. O cartoonista que também trabalha em Macau, Rodrigo de Matos, vai ter as suas críticas desenhadas no Consulado Geral. As aguarelas de Filipe Miguel das Dores formam “Nocturno” e vão estar expostas no Albergue SCM. A galeria principal da Casa Garden acolhe “O Mar”, de Ana Pessanha, e a residência oficial do cônsul-geral de Portugal vai acolher uma exposição colectiva de gravura. No Clube Militar, as paredes vão ser dedicadas aos artistas portugueses Alfredo Luz, Cruzeiro Seixas e João Paulo. A iniciativa integra ainda um programa paralelo do Clube Militar, o “Pontos de Encontro”. “É um projecto cultural constituído por três exposições que se realizam ao longo do ano. Esta, coincidente com o 10 de Junho, é dedicada aos artistas portugueses”, explicou Manuel Geraldes. Também no Clube Militar, o mês de Junho é o tempo dedicado a mais uma semana gastronómica. Este ano, a iniciativa conta com a presença do chef José Júlio Vintém e de Catarina Álvares, considerados referências da gastronomia alentejana. Ao “Junho, Mês de Portugal” também se junta, mais uma vez, a Livraria Portuguesa. “A ideia, este ano, é a de, em vez de termos alguns livros na cave com descontos especiais, fazermos a festa do livro que vai abranger toda a livraria, ou seja, todos os produtos vão ter um desconto de 20 por cento”, explicou o responsável pelo espaço, Ricardo Pinto. O cinema não foi esquecido e a Cinemateca Paixão vai, com o apoio do Festival Indie Lisboa, acolher uma série de projecções dedicadas ao cinema português. “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu” de João Botelho, “Macabre” de Jerónimo Rocha e João Miguel Real, e “Pedro” de André Santos e Marco Leão foram alguns dos nomes avançados ontem para o cartaz. Todas as actividades são gratuitas e os bilhetes podem ser levantados a partir de hoje na Casa de Portugal. O BNU é o patrocinador oficial e, de acordo com Vítor Sereno, contribuiu com cerca de 70 mil patacas para a segunda edição de “Junho, Mês de Portugal”. O orçamento desta segunda edição, tendo em conta o que foi gasto no ano passado, deverá seguir os mesmos valores: um milhão de patacas. Vítor Sereno espera a participação de um total de cinco mil pessoas, incluindo as que se deslocam à recepção oficial que se realiza todos os anos na residência consular.
Andreia Sofia Silva EventosFotografia | Tang Kuok Hou e as paisagens artificiais A obra de Tang Kuok Hou não é novidade nos meandros artísticos de Macau, onde já participou em diversas exposições. O fotógrafo trabalha essencialmente com paisagens artificiais, que visam revelar um significado que a realidade não mostra. Em Setembro, vai expor no café do Instituto de Formação Turística, junto ao lago Nam Van [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rtificialismo, imaginação, sentimentos. Todas estas palavras cabem nas fotografias de Tang Kuok Hou. O fotógrafo tem neste momento algumas imagens expostas no café Terra, mas já está a preparar uma nova exposição para Setembro, que estará patente no café do Instituto de Formação Turística, localizado junto ao lago Nam Van. Ao HM, o fotógrafo levanta a ponta do véu daquilo que o público poderá ver. “Será uma exposição que varia entre a arquitectura e a fotografia a preto e branco”, apontou. Não sendo um fotógrafo que retrata a crueza do dia-a-dia, o trabalho de Tang Kuok Hou não deixa de mostrar a realidade que nos rodeia, mas de uma outra forma. “O trabalho que faço em fotografia é difícil de descrever”, assume. “Sou licenciado em Sociologia e o meu trabalho tem em conta o que sinto em relação às circunstâncias sociais. O meu projecto principal é acerca das paisagens artificiais.” O artista entende que as suas fotografias capturam, essencialmente, “a relação entre objectos e a paisagem”, embora considere que o que realmente fazem é “a procura da relação entre a sociedade e o ser humano”. “Como é que as pessoas criam os edifícios, os espaços. Como é que isto é feito de forma artificial e não de uma forma natural. Ou seja, a conexão entre os humanos e a natureza”, acrescenta. Artificialismo local Questionado sobre as paisagens artificiais que povoam territórios como Macau ou Hong Kong, Tang Kuok Hou fala da forma como esse artificialismo afecta as populações. “Os espaços artificiais são um dos principais indicadores de como vivemos na nossa sociedade e de como orientamos o desenvolvimento de uma geração futura. A questão dos espaços artificiais levanta também o problema de como preparamos as próximas gerações.” Em Macau, o fotógrafo considera que “existe um padrão entre paisagens artificiais e naturais”. “Não podemos estabelecer estas duas áreas como se fossem a preto e branco ou estanques e separadas, nem podemos pensar nesta dicotomia como uma divisão entre o que é bom e o que não é. Num espaço natural, por exemplo, não vamos encontrar forma de desenvolver uma sociedade”, considerou. “No entanto, quando falamos de espaços artificiais, podemos ter mais elementos para dar à sociedade e que alimentam o seu desenvolvimento. Acabam por ser ligar à nossa vida. O equilíbrio entre elementos naturais e artificiais tem sido o foco de muitos dos meus projectos”, referiu o artista. Se até agora Tang Kuok Hou tem focado o seu trabalho em Macau, o artista começa a sentir que está na hora de sair. “No passado estava mais concentrado na sociedade local, mas agora estou virado para um contexto mais asiático, especialmente para Hong Kong e Taiwan. Estou também interessado no Japão. Penso que neste país há cidades com formas interessantes de se protegerem. Conseguem o seu desenvolvimento de uma forma original. Macau é muito pequeno e por isso penso que devo ir para outros lados para desenvolver os meus projectos”, diz. De Taiwan para Macau Tang Kuok Hou chegou a estudar Design de Arquitectura em Taiwan durante dois anos, mas não foi esse o caminho que seguiu. De regresso à sua terra natal, o fotógrafo optou por se licenciar em Sociologia. A escolha do curso acabou por influenciar a obra que tem hoje. “Consegui juntar diferentes pontos de vista e formular diferentes opiniões que aparecem agora no meu trabalho.” Apesar das várias exposições que já teve, Tang Kuok Hou fala das dificuldades de fazer fotografia a tempo inteiro. “Actualmente, o Governo não tem uma política de apoio aos jovens artistas para poderem desenvolver os seus projectos. Acabamos por ter de encontrar outros empregos e fontes de rendimento para podermos fazer os nossos projectos pessoais. Não acontece só na fotografia, mas sim um pouco em todas as áreas artísticas. Aqui é muito difícil tornarmo-nos artistas profissionais”, remata.
Sofia Margarida Mota EventosManuel Molarinho, músico: “Queria um projecto em que pudesse crescer” Manuel Molarinho também é “O Manipulador”. O “one man band” português está em Macau para um concerto no próximo sábado na Live Music Association. O artista falou ao HM do seu percurso e das motivações que o levaram a criar o “Um ao Molhe”, festival itinerante de Inverno, dedicado aos colegas que tocam sozinhos em palco Como é que começou o seu trajecto na música? O início foi por gosto. Comecei por aprender umas coisas básicas de guitarra com um amigo e depois tive conhecimento de uma banda que estava à procura de um baixista. Nunca tinha pegado naquele instrumento, mas avancei. Acabei por ganhar um gosto muito especial por tocar. Foi no início dos anos 90 e desde aí que nunca mais parei. O formato “one man band” acabou por ser a sua opção? Porquê? Até 2010, fui tendo uma série de bandas dedicadas, principalmente, ao rock alternativo. No entanto, com o tempo, as bandas iam acabando. Quando achava que estávamos numa fase interessante, num momento em que já tínhamos alcançado um processo de maturação e em que podíamos continuar a evoluir para coisas engraçadas, chegávamos ao fim. Até que me fartei dessa situação. Continuo a criar bandas novas e gosto de começar novos projectos, mas desinteressa-me ter só isso. Queria ter um projecto em que pudesse crescer e maturar. Com um projecto a solo, poderia fazê-lo. A partir daí, fui explorando sons que me interessavam para esta ideia. O único instrumento que realmente toco continua a ser o baixo e utilizo a voz com uma série de pedais e uma loop station. Tenho utilizado o baixo como o instrumento total, ou seja, simultaneamente um instrumento de percussão, mas também um meio que me permite criar ambientes e texturas. Por outro lado, o baixo permite fazer sons parecidos ao da guitarra. Com isso faço as minhas composições. É “O Manipulador” e está pela primeira vez na Ásia. Como é que está a sentir este lado do mundo? A experiência está a ser óptima. No entanto, ainda está a meio e normalmente gosto de tirar conclusões e fazer reflexões no final das viagens. Mas já tenho algumas referências. Tenho estado em duas cidades muito movimentadas, Macau e Hong Kong. Uma coisa que me surpreende é a forma como se lida com o caos que, aparentemente, é muito mais tranquila do que aquilo a que estou habituado. Se calhar é por não conhecer, por não falar a língua e não perceber o que se diz. Mas aqui há uma relação mais casual com o caos. O facto de serem duas cidades com arquitectura em altura também me impressionou muito. Acabei por gostar mais do que inicialmente acharia. É muito imponente. Em Macau, por exemplo, o que mais me impressiona nem é a parte espampanante associada aos casinos, apesar de não ser indiferente ao fenómeno. Por outro lado, há a língua que não entendo mas que, foneticamente, é muito diferente da nossa e muito inspiradora. Acabo por ir buscar inspiração a este ritmo, às melodias das conversas, à forma como as pessoas falam e que acaba por ser estranhamente melodiosa. Muitas vezes apanho autocarros aleatoriamente para ver a paisagem, para tentar conhecer uma realidade mais comum e também para ouvir as pessoas a falar. Vai levar daqui material para trabalhar? Com certeza. Mesmo que não quisesse, isso acabaria por acontecer. Quando estou a fazer música tento despir-me o mais que posso, e trazer aquilo que acaba por ser o fruto da minha vida e das minhas experiências. Esta passagem pelo Oriente vai entrar, com certeza. Como é que correu o concerto em Hong Kong na semana passada? Que diferenças encontrou neste público? Foi um concerto muito diferente daquele que vou fazer aqui em Macau. À Live Music Association vou trazer uma coisa minha e que está muito preparada. É um concerto de “O Manipulador”. Em Hong Kong integrei uma tarde em que participavam várias bandas. Ia ter apenas meia hora para tocar e o concerto não foi tão preparado. No fundo, já que cá estou, queria também tocar na região vizinha e arrisquei mesmo sem preparação. Foi bom. Não estava muita gente, até porque era um domingo à tarde, mas senti que as pessoas gostaram. Era também uma experiência que queria muito ter e gostei, mas não se pode dizer que tenha tirado uma conclusão muito absoluta do que terá sido uma reacção. Foi interessante estar num bar em que não percebia quase nada do que o público estava a dizer e para quem eu era totalmente desconhecido. Permitiu-me também conhecer aquela zona de Hong Kong que não é tão rica, mas em que se vê um pouco mais da vida das pessoas. O que vamos ver em Macau? Não defino listas de temas para os concertos. Sei sempre que vou tocar coisas do meu segundo e terceiro álbuns. Vou também trazer músicas do disco que ainda está para vir. Não tem nome, mas poderá sair no início do próximo ano e, quem sabe, trago um pouco de improviso. Gosto de sentir o público e a forma como isso acontece acaba por determinar para que lado tendo a tocar, se vou para uma coisa mais ritmada, mais introspectiva ou mais experimental. Será sempre dentro daquilo que toco, ou seja, entre o alternativo e o experimental. Quero mostrar um pouco do que está para trás, um pouco do que está para a frente, e improvisar um pouco. O seu último álbum é em cassete. Porquê este formato? A primeira banda em que toquei era uma banda punk. Ia muito a concertos e usava-se muito este formato. Depois tem a questão analógica da fita, do seu som e das interferências. Claro que o vinil é melhor nesse aspecto, mas também é muito mais caro de se fazer e, quando se pretendem produzir cerca de 100 cópias, acaba por fazer mais sentido a cassete. A cassete tem ainda uma particularidade de que gosto muito: penso num disco como um todo, e não música a música. De certa forma, este formato obriga o ouvinte a ouvir do início ao fim ou, pelo menos, dá mais trabalho se quiser andar à procura de temas. Do ponto de vista estético, e tal como o vinil, é um objecto que fica sempre bem na prateleira. Fica sempre melhor do que o CD. Claro que a qualidade de som da cassete não é tão boa como a dos outros suportes, mas penso que em certas coisas funciona bastante bem. Está à frente do projecto “Um ao Molhe”, um festival de Inverno que tem um cartaz composto unicamente por “one man band”. Como é que apareceu esta ideia? Foi bastante simples. Na altura, fundei o festival com o também músico Pedro Pestana. Percebemos que já tínhamos os dois a mesma ideia, ou seja, gostamos muito de tocar e também gostamos muito de tocar sozinhos em palco, mas só em palco. A parte das viagens, dos “sound checks”, de estarmos sozinhos fora do concerto entediava-nos um bocadinho. Gostávamos de partilhar. Foi assim que surgiu a ideia de criar um festival itinerante de “one man bands”, com a ideia romântica de ter cinco músicos num carro que vão para um sítio, saem dois, entram outros dois e seguem para outro destino e por aí fora. É uma espécie de festival ambulante que anda a saltar de cidade em cidade, em que o lema é “sozinhos só em palco”. Tem corrido muito bem. Acabámos agora a terceira edição. No primeiro ano decorreu durante quatro meses, mas agora estamos nos três meses de duração e que ocupam o Inverno. Por outro lado, também coincide com as datas em que temos menos concertos agendados. Já organizámos mais de 500 concertos e trabalhámos com mais de 100 músicos. Fomos a Espanha, França e à Madeira. Tem corrido muito melhor do que estávamos à espera. É ainda bom para mim porque me abre portas para os meus concertos. Mas o mais importante é o “Um ao Molhe” ser a minha contribuição para os outros músicos. Vejo projectos que são menos conhecidos do grande público que têm uma qualidade incrível, e que quero dar a conhecer e promover. A cena musical portuguesa neste momento está com uma qualidade muito boa.