André Namora Ai Portugal VozesA TAP voa baixinho Um comandante da aviação comercial disse-me um dia que o mais perigoso no voo de uma aeronave era quando a mesma voava baixo, porque ao mínimo poço de ar podia acontecer a tragédia. Tragédia é o que tem acontecido na companhia nacional TAP. Os diversos governos e os administradores da TAP têm-se servido da companhia aérea de bandeira nacional de uma forma que mais parece o jogo do monopólio. A TAP vende, compra, perde, ganha e faz bluff. A TAP já esteve à beira da falência e a dada altura passou a uma empresa público-privada. Entraram pelo gabinete da administração dois “cómicos”, o Barraqueiro e o Neeleman. Este último, antes de o Governo decidir-se pela nacionalização e acabar com esta dupla, decidiu vender os aviões boeing e comprar airbus, mas com uma facturação que lhe proporcionou cerca de 400 milhões de euros e com esse dinheiro pagou a sua propriedade no novo estatuto público-privado. A TAP dava para tudo, mas o prejuízo era constante. Quando o Governo decidiu nacionalizar a empresa tudo começou mal. Com a treta de que a companhia estava numa situação de bancarrota, o ministro Pedro Nuno Santos e o seu comparsa das Finanças introduziram 3,2 mil milhões de euros na companhia, dinheiro dos portugueses, com a lamúria de que era dinheiro para recuperar a empresa e que esse dinheiro haveria de ser recuperado. Tudo balelas. O mesmo ministro com a tutela da TAP, que apenas em pequenino deve ter brincado com um aviãozinho, nomeou uma senhora francesa para CEO da TAP, como se não existisse em Portugal um cidadão competente para o cargo. Mesmo com a francesa Christine Ourmières-Widener a TAP continuou a voar baixinho. Como vogal da administração tinha uma amiga da esposa de Fernando Medina – ex-presidente da Câmara de Lisboa e actual ministro das Finanças – Alexandra Reis, a qual começou a discordar da CEO francesa. Bem, nem imaginam o que a partir daí tem dado que falar. Alexandra Reis sai da TAP para a Nav Portugal, empresa do mesmo ramo aeronáutico e da mesma tutela, recebendo uma escandalosa indemnização de meio milhão de euros. A mesma Alexandra Reis, assim que Fernando Medina tomou posse do cargo de ministro das Finanças, nomeou a amiga da sua esposa para secretária de Estado do Tesouro. Nem chegou a aquecer a cadeira do gabinete governamental. A bronca dos 500 mil euros de indemnização rebentou na comunicação social e Alexandra Reis pediu a demissão e agora um relatório da Inspecção Geral de Finanças indica que a indemnização de Alexandra Reis foi ilegal e que deve devolver o dinheiro ao Estado. No entretanto, o ministro Pedro Nuno Santos e o seu secretário de Estado, Hugo Mendes, meteram os pés pelas mãos e primeiro disseram que nada sabiam sobre Alexandra Reis na TAP, depois foi o secretário de Estado que anunciou ter recebido uma mensagem sobre o assunto e que nada disse ao ministro e por fim o ministro demitiu-se dizendo que, afinal, tinha tido conhecimento do sucedido. Uma vergonha, disse o povo e revoltou-se nos programas de rádio onde o público pode opinar. Mas, a TAP sempre a voar baixinho, ainda na semana passada esteve nas bocas do mundo. Agora, o Governo quer privatizar novamente a empresa e vendê-la totalmente. Há ministros que não concordam com a venda total do património. A Lufthansa parece ser a grande interessada e quase o único grupo de aviação com poder financeiro para se chegar à frente. E a telenovela TAP não irá terminar tão cedo. O Governo tem actualmente como ministro a tutelar a TAP, um fulano, João Galamba, que não tem nível intelectual e técnico para ser assessor de um secretário de Estado, quanto mais, ministro das Infraestruturas. O homem não sabe o que faz nem o que diz. Os jornalistas perguntaram-lhe sobre se era verdade que a CEO francesa tinha sido demitida. O ministro respondeu que a senhora sairia da TAP dentro de dias e nomeou o presidente da SATA, dos Açores, para CEO da TAP. Tudo muito em cima do joelho e sem pensar que a senhora francesa não se chama Alexandra Reis porque já anunciou que vai para tribunal entendendo que o despedimento é sem justa causa. E pelas contas feitas por um fiscalista meu amigo, a senhora Christine irá receber mais de dois milhões de euros como indemnização. Isto é a TAP que já despediu mais de dois mil trabalhadores e tem administradores e directores a ganhar salários estrondosos e inimagináveis. É a TAP que deixa passageiros sem receber o dinheiro dos bilhetes quando cancela voos. É a TAP que tem mais aeronaves estacionadas do que a voar. É a TAP que vê pilotos-comandantes constantemente a saírem para outras companhias aéreas. É a TAP que agora irá ter uma nova administração bem paga e sem saber por quanto tempo. Na Comissão Europeia sempre que aparece por Bruxelas um ministro português logo lhe perguntam o que se passa na TAP. É uma vergonha. Voar baixinho é realmente a parte mais perigosa do voo…
Amélia Vieira VozesCorpo a Corpo Crescemos a espaços de coisas que nem lembramos, somos da cadeia um elo projetado à amplificação. Enquanto isso, as dores do crescimento quase ofuscam o prazer da expansão que deve ser acompanhado do sonho da vitória contra a morte insolente, presente em todos os caminhos- e esses seres tão frágeis diante tudo – de todas as adversidades, parecem sair vitoriosos quando dobram os seus cabos. Temos um corpo guiado por forças tais, que na emboscada de um outro, revolve toda a soberania sonhada só para transitar para ele, sua cúspide revelada. Porém, a virgindade renova-se como a Lua, e ser mulher, altera esta noção de fusão latente, pois que semeia em fundos vales uma intrepidez que não pode ser adaptada a nenhuma circunstância. Para um japonês, a melhor porcelana fabrica-se nas paragens onde as condições de vida são mais duras, já o coração é difícil de fazer arder em brasas acesas, e todo o hedonismo cai por terra se nos esforçarmos na reabilitação das fontes essenciais. Talvez nem seja necessário nenhum prazer entorpecedor e vinculado aos veios das comemorações mercantis, que o corpo do desejo é uma impermeável película que atrai o desespero para os confins de uma busca a que chamamos conquista. No corpo encontraremos as reservas de sombras e deslumbres que se aglomeram como ressonância do que somos. A terra então se abriu, «fendida pelo amor», onde dizem para aí que o seu centro parou. Que centro sabemos nós ser esse, vasto manto ebulitivo da sua natureza?! Vamos até onde podemos ir por explosão ou implosão, no entanto, somos mais orgânicos no acto explosivo, que a paixão dos corpos provoca choques magnéticos que se dissipam na atmosfera, onde só por ela é possível embater para que se alinhem como fabricantes de energia viva, já os do prazer, não saberão reproduzir o rastilho dessa força transfigurável, nem saberão reconhecer a viagem entre correntes contrárias que levam a um certo estado de clarividência. Delfos, esse umbigo, falava e muito embora pudesse assustar, aterrorizando, falava de poesia. Continuamos a levantar questões no corpo que nos acolhe, mesmo quando estamos certos que cumprimos uma maldição. Enterrados em lamas saem braços de mulheres com unhas pintadas – é a guerra – por instantes parece-nos que foram expelidas para a superfície da crosta exposta aos ventos, ao sol e às neves, mas não; foram empurradas para um fundo à superfície- corpo de terra- e ficamos magoados com a fina camada que separa os mortos dos vivos, que o abstrato encanto de mergulhar no Hades nos dava distância e gravidade. Ter visto os nossos corpos a partir dos recursos de transmissão tecnológica em transe mortuário foi um estrondo ainda imperceptível que nos levou à perspectiva da Terra oca. Os hiatos que criámos davam bem para atravessar desertos de tecido cerebral onde grandes ligações ficaram desfeitas. Por ora as nossas mais elaboradas estruturas belicistas recriam o cenário terráqueo de uma guerra das estrelas, mas não anda longe a luta corpo a corpo, que das estratégias não sobrará muito mais que terra desfeita, e nesse abraço mortífero quem sabe se não penetraremos de novo no núcleo parado, que mais que tempo anulado, é rasura para qualquer memória futura?! O que nos acossa agora? Canibalismo. Ainda hoje aterrou no aeroporto de Lisboa um homem com pedaços de carne do ser que subtraiu à vida.- Nós já chegámos aqui! E saber isso é como entrar nos abismos mas de olhos abertos. Quem não sente, é como quem não vê, e por isso, felizes os cegos que entrarão no reino dos céus. Essa brandura é tudo o que gostaria de resgatar antes dos altares do mundo serem extintos por força inferior que fora inscrita como alto desígnio. Entretecidas por personagens modernas e antigas irrompem sem fronteiras nem contornos – corpo de texto – a descida e a metamorfose dos nossos corpos dados à combustão de uma sagrada desdita, e dos Triunfos, a Rosa obscena da trituração. Este é um índice remissivo de um livro que nunca escreverei «Disseste o que queríamos que fosse dito», que as odes confessionais perderam o seu tempo na emaranhada insanidade dos disfarces.
Carlos Coutinho VozesMar terminal NUNCA imaginei tão depravado um pequeno mar interior como o Mediterrâneo que até no nome é enganador. Alega encontrar-se no meio da Terra e nem sequer está no meio do mais pequeno dos continentes como tais considerados, a Europa das sucessivas guerras imperiais. E muito menos a meio do Hemisfério Norte que tem serras e neves pelas costas e serras e areais escaldantes pela frente. Também é verosímil dizer que esta Europa do Sul tem como contraponto setentrional os países do Báltico e do Mar do Norte, onde a brutalidade nunca teve limites, nascida da coabitação com ursos e lobos e da infinitude dos gelos que produziram víquingues na Dinamarca, na Noruega e na Suécia, bem como lares cavilosos para os saxões e os anglos que exploraram a Grã-Bretanha, ao sucederem ao Império Romano. Foram, aliás, esses lapões e aparentados que, fundindo-se com hordas famintas vindas da Ásia mais próxima e do Norte da Índia, se converteram em normandos e foram constituir nacionalidades zaragateiras em ambos os lados do Canal, deixando as traseiras para os celtas sobrantes e os godos cristianizados que vieram até Cascais. O que agora importa, no entanto, são aqueles rochedos aguçados que se aninham junto às praias da Calábria e não tiveram a mínima hesitação em estraçalhar o casco de velho barco de madeira que trazia dentro, apertadas como sardinhas em lata, cerca de 200 pessoas. O naufrágio aconteceu na madrugada de domingo. Até à manhã de ontem, pelo menos 80 pessoas tinham sido resgatadas, ou chegaram à praia de Steccato di Cutro pelos seus próprios meios, e as autoridades já tinham recolhido 64 cadáveres, incluindo os de 11 crianças e de um bebé. A confirmarem-se as estimativas sobre o total de passageiros da embarcação despedaçada, o número de mortos poderá ultrapassar uma centena, mas esse número ainda não é conhecido. Nem sei se alguma vez será, porque, para o país que fez de Giorgia Meloni primeira-ministra, não se deve gastar muitos cabedais com uns chatos que fugiam da fome e das perseguições nos respetivos países – Paquistão, Afeganistão, Irão e Somália. Refugiados destes já a Itália tem que chegue, não é Ventura? Para quê aceitar mais? À tarde ANDAM por aí milhões e milhões de terráqueos a jurar que Voltaire dissera certo dia: “Posso não concordar com o que dizeis, mas defenderei até à morte o vosso direito a dizê-lo.” Ninguém imagina quantos trampolineiros, cartomantes, demagogos e branqueadores da História logo bateram palmas e quantos o citam sempre que dá jeito, nos parlamentos, nos comícios e nos debates televisivos, ainda hoje, do PS ao Chega, passando pelo PSD e pela IL. Na sua carta a Cideville, datada de 28 de janeiro de 1754, o grande filósofo do Iluminismo, que viria a sentir-se arrasado pelo terramoto de Lisboa em 1755, foi: “Este mundo é um grande naufrágio. Salve-se quem puder.” Precisámos de chegar ao século XXI para que, numa das suas imprescindíveis crónicas no “Ipsilon”, Ana Cristina Leonardo viesse pôr os pontos nos is, recordando que foi Eveliyn Beatrice Hall, ao tentar resumir o essencial do pensamento voltairiano, inventou e escreveu a tal frase que criador do Pangloss nunca disse nem pôs por escrito em lado algum. Daí que continue a fazer carreira aquele mantra democrático e cristão que atribui aos famintos africanos e asiáticos todas as culpas de virem morrer afogados no Mediterrâneo e, até, que o economista austríaco Joseph Schumpeter tivesse rejubilado com a sua descoberta da “destruição criativa do capitalismo”. Assim, ai de quem venha pôr em dúvida a falsa autoria da famosa frase posta na pena de Voltaire ou, mais perigoso ainda, vir alguém mostrar como o europeu, primeiro cruzado e, depois, colonialista, passou os últimos séculos a invadir, conquistar, pilhar, escravizar e até de seres humanos fazer mercadoria, justificando-se com a alegação de que muitos outros faziam o mesmo. Nada melhor do que citar também uma ave apocalítica igualmente citada pelo poeta nobelizado T. S. Eliot: “Ide, ide, ide, disse o pássaro: a espécie humana Não pode suportar muita realidade.”
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesQue critérios presidem ao Programa Talentos de Topo? Nos últimos anos, Hong Kong viveu uma onda de emigração, sendo que, na sua maioria, as pessoas que saíram tinham recursos financeiros e competências profissionais. A longo prazo, a cidade pode vir a sofrer de “escassez de talentos”. Para solucionar este problema, o Governo de Hong Kong lançou o Programa “Talentos de Topo” para atrair estrangeiros qualificados que possam promover o desenvolvimento da região. Como não é necessário apresentar registo criminal no momento da candidatura, uma pessoa muito conhecida na área da medicina, que já tinha cumprido pena de prisão, veio para Hong Kong ao abrigo deste programa, o que causou grande polémica na sociedade. Este indivíduo anunciou numa conferência de imprensa que tinha entrado em Hong Kong através de um programa que tinha chamado a atenção do público. O principal motivo de preocupação prende-se com a prática de métodos de modificação de genes para impedir que mulheres grávidas infectadas com HIV transmitissem o vírus ao feto. Este método de modificação genética foi amplamente criticado na altura. Acreditava-se que a modificação de genes humanos conduziria a problemas de ordem social. Muitos países e regiões têm legislação que proíbe a modificação de genes humanos. Esta pessoa sobejamente conhecida violou essas leis e foi condenada a pena de prisão. Foi depois de ter saído da prisão, que veio para Hong Kong ao abrigo deste programa. As opiniões em Hong Kong dividem-se em relação a este assunto. Em primeiro lugar, a modificação genética levanta questões de ordem médica e de ordem moral. É sem dúvida um assunto controverso. É difícil chegar a conclusões e não é fácil de aceitar. Em segundo lugar, depois de este incidente ter começado a circular, descobriu-se que o Governo de Hong Kong não exigia que o registo criminal fosse apresentado no acto da candidatura, o que constitui é uma lacuna do programa. Depois do problema ter acontecido, o Governo de Hong Kong respondeu rapidamente e veio declarar publicamente que os candidatos passam a ter de submeter o registo criminal e assinalou que a pessoa em questão também terá de o fazer. Este incidente faz-nos lembrar da importância do registo criminal. Isto quer dizer que alguém com registo criminal não pode vir para Hong Kong ao abrigo deste programa? A medida pretende atrair pessoas altamente qualificadas para Hong Kong, para aí se fixarem e contribuírem para o desenvolvimento social. Por conseguinte, este programa tem duas vertentes: imigração para Hong Kong e talentos. Em muitas zonas do globo, os imigrantes têm de apresentar o registo criminal. Os candidatos estrangeiros a qualquer posição têm de provar que têm um registo criminal limpo. Portanto, a apresentação do registo criminal não é apenas uma formalidade, mas também uma condição substantiva. O candidato tem de provar que o seu registo criminal está limpo antes do Governo considerar o seu pedido de entrada no país. Nesta matéria, o Governo de Hong Kong falhou na elaboração o programa. Como já foi mencionado, a questão essencial é saber se o candidato já cometeu algum crime. Se tiver sido o caso, isso impede-o de entrar no país? Quando o Governo aceita imigrantes, a primeira consideração é, como é evidente, a segurança. É impossível aceitar alguém que venha a causar problemas, e se se tratar de uma pessoa que, em qualquer altura, infringiu a lei a questão é ainda mais complexa, porque a lei determina os padrões do comportamento em sociedade. Quando alguém comete um crime, o seu comportamento coloca-se abaixo dos padrões estipulados e tem de ser castigado para não voltar a prevaricar. Tendo estes factores em linha de conta, é razoável que o Governo exija a apresentação do registo criminal. Como já foi dito, a segunda vertente deste programa são os talentos. Permitir que se fixem e que comecem uma nova vida em Hong Kong. A cidade irá também beneficiar do seu contributo. Neste âmbito, a primeira condição que se impõe aos candidatos é possuírem boas qualificações. Em segundo lugar, é necessário perceber se essas qualificações podem ajudar a contribuir para o desenvolvimento de Hong Kong A julgar pelas notícias que circularam sobre esta pessoa sobejamente conhecida, o seu passado demonstra que é sem dúvida um médico talentoso. Será que Hong Kong pode vir a beneficiar com os seus conhecimentos? Devido aos problemas éticos que enfrentou, é inevitável que as pessoas tenham opiniões sobre o assunto. Mas será que a sociedade de Hong Kong fecha as suas portas devido a um erro cometido no passado? Na Grã-Bretanha, houve em tempos um advogado que cometeu homicídio. Depois de ter saído da prisão, voltou a exercer. Um advogado conhece a lei. Como poderia não saber que o homicídio é um crime? Depois de ter sido libertado, ainda lhe foi emitida uma licença e pode continuar a trabalhar. Isso mostra que, desde que haja poucas hipóteses de voltar a cometer um crime e que o indivíduo queira continuar a contribuir para a sociedade, um passado complicado não é necessariamente uma razão para impedir que exerça o seu trabalho. Devido a questões de ética médica, a lei proíbe a modificação de genes humanos. Desde que o candidato compreenda este problema, e não se envolva em investigações nesta área, debruçando-se sobre outras matérias, desde que não viole a lei, e que a sociedade e a comunidade médica o aceitem, os seus conhecimentos na área da medicina são um factor importante que o Governo de Hong Kong deve ter em consideração. Neste caso, aparentemente, o programa não exigia a apresentação do registo criminal. Esta lacuna pode ser colmatada através da alteração do programa. Desde que o candidato apresente um registo criminal limpo, a questão não se volta a colocar. O que tem realmente de ser considerado, é a possível aceitação por parte do Governo de Hong Kong de candidatos com que já tenham cometido certas infracções, uma aceitação que pode gerar controvérsia. Estes julgamentos podem ser de alguma forma subjectivos. Independentemente de o Governo vir a aceitar ou não essas candidaturas, na sociedade haverá sempre opiniões diferentes, e pode dizer-se que o Governo de Hong Kong irá enfrentar um dilema. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesOs padres abusadores continuam na maior Em conversa com um amigo que não via há mais de vinte anos veio à baila o caso que tem dado muito que falar sobre os abusos sexuais de menores por parte de membros da Igreja Católica. Qual não foi a minha surpresa quando o meu interlocutor me transmitiu que tinha sido uma das vítimas que foi prestar declarações à comissão independente que investigou os abusos sexuais, uma comissão constituída por personalidades de grande prestígio e seriedade que elaborou um relatório que deixou o país em estado de choque. Essa comissão concluiu que mais de quatro mil menores teriam sido abusados nos últimos tempos, um número que pode ser muito maior. A mesma comissão entregou à Conferência Episcopal Portuguesa uma lista de mais de 100 sacerdotes abusadores e que ainda se encontram no activo. O meu amigo transmitiu-me que tinha entrado para os escuteiros aos oito anos de idade e que aos 10 anos foi aliciado para a casa paroquial do padre que coordenava o seu grupo de escuteiros. No interior da casa o padre ofereceu-lhe um chocolate e começou a dizer-lhe que era um rapaz dos mais bonitos que tinha visto e começou a fazer-lhe festas na cara quando se sentaram no sofá. De seguida o sacerdote tirou o seu pénis para fora e obrigou o miúdo a dar-lhe beijos no pénis. Despiu a criança e depois penetrou com o pénis no ânus da criança. Com mais aliciamentos e prendas levou o menor mais vezes para casa e o crime de maior relutância era a obrigação do menor lhe fazer sexo oral. Esta criança era o meu amigo que tinha ido à comissão declarar tudo o que lhe tinha acontecido e informou que o sacerdote vive numa casa de repouso em Fátima. Naturalmente, que estive perante um homem traumatizado, infeliz e chocado. Um choque psicológico devido aos últimos acontecimentos que vieram a lume na semana passada. Os membros da Conferência Episcopal chamaram os jornalistas para se pronunciarem sobre a matéria que resultou do relatório da comissão independente. Numa Igreja que andou durante anos a esconder os abusos sexuais, a mudar de paróquia os abusadores e a não tomar qualquer posição que os levasse à barra do tribunal, veio agora dizer, com todo o desplante, que apenas se trata de uma lista com nomes de abusadores, que não existem provas cabais desses abusos, isto, quando as vítimas pormenorizaram tudo o que se passou. O presidente da Conferência Episcopal ainda, sem qualquer vergonha, acrescentou que o poder eclesiástico não irá indemnizar qualquer vítima com valores pecuniários, ao contrário do que fez a igreja na Austrália, no Canadá, nos EUA e na Alemanha, onde as vítimas receberam o dinheiro que foi decidido merecerem. A Igreja portuguesa não vai, enquanto instituição, pagar qualquer indemnização às vítimas de abusos sexuais praticados por clérigos. A decisão foi comunicada na passada sexta-feira por D. José Ornelas, presidente da referida Conferência Episcopal. E disse mais: que os clérigos abusadores continuarão no activo, quando, no mínimo deveriam ser expulsos do seio da Igreja. Os crimes foram imensos e de todo o género, foram abusados rapazes, meninas e até mulheres adultas que inclusivamente compravam automóveis aos padres depois de terem relações sexuais com os clérigos. No interior dos seminários o escândalo foi mais pecaminoso, onde muitos seminaristas abandonaram os estabelecimentos depois de serem obrigados a actos sexuais com os seus superiores. Pelos vistos, nada disto para a Conferência Episcopal foi importante num tempo em que o próprio Papa Francisco luta contra todos os pedófilos no seio da Igreja. José Manuel Pureza, assumido católico é um dos mais de 130 subscritores de uma carta enviada ao organismo presidido pelo bispo José Ornelas, que exige mudanças no comportamento da Igreja e avisa que é preciso ir além dos pedidos de perdão e dos memoriais que querem construir na Jornada Mundial da Juventude, a decorrer em Agosto próximo em Lisboa. O professor universitário e antigo deputado do Bloco de Esquerda defende ainda que os bispos devem equacionar o cenário de indemnizar as vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica, cujos testemunhos foram revelados pela comissão independente. “É absolutamente necessário que a resposta dada pela hierarquia católica não seja minimalista. Tem de ser uma resposta de plena determinação e com todas as consequências que é necessário tirar daquele relatório trágico”, disse Pureza, continuando: “Se ficarmos apenas por um pedido de perdão genérico e que não seja um pedido de perdão directamente e pessoalmente a cada uma das vítimas que esteja diante de nós, valerá alguma coisa, mas muito pouco”. A hierarquia católica ainda não viu, ou não quer ver, que se trata de uma verdadeira tragédia para a sua Igreja. Basta referir um exemplo: as pessoas estão tão magoadas, que em plena Quaresma, as sessões que levam à reza do terço, deixaram de ter o número de fiéis habitual. Numa paróquia lisboeta estiveram na semana passada a rezar o terço apenas três fiéis e o número de católicos que tem assistido à missa dominical reduziu para metade. As feridas às vítimas são irreparáveis e se os sacerdotes abusadores não forem expulsos da Igreja e levados à barra do tribunal, estamos certos que o número de católicos praticantes irá diminuir significativamente.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesMacau, Terra Abençoada? Macau é a Terra Abençoada dos Lótus? Sim, antigamente foi. Em 1920, a população de Macau era constituída por 83.984 almas. Chegados a 1939, já habitavam em Macau 245.194 pessoas. O principal motivo deste grande aumento populacional foi a agressão japonesa à China, que levou muitas pessoas do Interior a fugir para Macau para escapar à guerra, tornando-se habitantes provisórios desta pequena cidade sob administração portuguesa. Quando a Guerra do Pacífico eclodiu, em 1941, Hong Kong, cidade vizinha, foi ocupada pelas forças japonesas, enquanto Macau ainda conseguia manter a neutralidade devido ao seu estatuto político único, com a bandeira portuguesa ainda hasteada sobre o Palácio do Governo de Macau. Em 16 de Agosto de 1971, o tufão Rose atingiu Hong Kong e Macau. Na madrugada de 17, o SS Fatshan, um navio de passageiros a vapor que navegava entre Hong Kong e Macau, foi apanhado por uma forte tempestade provocada pelo tufão e forçado a ancorar ao largo da Ilha Stonecutters, em Hong Kong. Durante a tempestade, a âncora de Fatshan foi quebrada, porque provavelmente terá colidido com navios à deriva, e o Fatshan virou-se e afundou. Morreram 88 pessoas na sequência do naufrágio. Houve quem dissesse que se o capitão do Fatshan tivesse providenciado para que os seus passageiros desembarcassem na manhã do dia 16 e depois navegasse directamente para Macau para se abrigar, poderia ter evitado o naufrágio. Mas isto não foi possível porque a via navegável para o Porto Interior era constituída por águas estreitas e rasas, pelo que foi impossível dar entrada em segurança a um enorme navio de 10.000 toneladas. Macau caracteriza-se por ter uma pequena área territorial, carente de recursos, com uma economia sub-desenvolvida, sem valor militar estratégico e que sempre adoptou uma orientação política moderada. Foram estas características que lhe permitiram sobreviver num ambiente multifacetado, com muitas variáveis em jogo. Macau é a Terra Abençoada dos Lótus? Sim, actualmente ainda é! Antes e depois da Transferência de Macau, houve em certas alturas problemas com a segurança pública e com a economia. Mas a sociedade rapidamente voltou à normalidade devido ao empenho de todas as partes interessadas. Mais tarde, o Governo da RAE liberalizou o monopólio dos jogos de casino da cidade e introduziu a política de “Vistos Individuais”, capitalizando assim o princípio “Um País, Dois Sistemas” e trazendo duas décadas de prosperidade para Macau. Até finais de 2021, o valor dos capitais da Reserva Financeira de Macau ascendia a 643,17 mil milhões de patacas. E apesar do impacto da epidemia, até finais de 2022, o valor dos capitais da Reserva Financeira ainda ascendia a 557,97 mil milhões de patacas. A cidade tem uma população de apenas 600.000 habitantes e enquanto o Governo da RAE for gerindo as finanças com prudência e se mantenha fiel ao Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico, distribuindo subsídios de vida, é certo que o seu povo não sofrerá. Neste aspecto, Macau é verdadeiramente a Terra Abençoada! Macau continuará a ser a Terra Abençoada dos Lótus no futuro? Anthony Cheung Bing-leung, o antigo Secretário dos Transportes e da Habitação de Hong Kong e ex-presidente da Universidade de Pedagogia de Hong Kong, escreveu um artigo para um jornal da cidade, onde salientou que, sob as actuais circunstância geo-políticas, Hong Kong pode vir a desempenhar um papel de ponte entre a China e o mundo. Inspirando-se na história evolutiva de Macau, e tendo em consideração o seu posicionamento pela Mãe Pátria como centro mundial de turismo e lazer, o melhor para a cidade é vir a tornar-se uma zona tampão, proporcionando um espaço para aliviar as tensões geo-políticas actuais. As plantas de lótus geralmente crescem em lagos e poças, raramente em rios e oceanos. Isto porque o crescimento de uma planta de lótus requer um ambiente estável. No futuro, Macau só pode continuar a ser a Terra Abençoada dos Lótus, se não houver pessoas que, motivadas pelos seus próprios interesses, venham a provocar problemas no Lago Nam Van e no Lago Sai Van, o que, por sua vez, geraria conflitos sociais e dissensão.
Olavo Rasquinho Vozes“Acts of God” e outras calamidades A destruição causada pelos sismos que ocorreram recentemente na Turquia e que afetaram o centro e sul deste país e o noroeste da Síria, fez com que, durante alguns dias, as notícias sobre a guerra na Ucrânia passassem para segundo plano. Calamidades como sismos, vulcões, tufões, furacões, marés de tempestade, tornados ou outros desastres naturais, são designados nos países anglófonos por “Acts of God”, expressão que até há pouco tempo era frequentemente usada em cláusulas de contratos de companhias de seguros. Desde há cerca de um ano que são publicadas diariamente imagens de destruição semelhante à provocada por esses sismos, mas causada pela guerra que atualmente decorre na Ucrânia. Fotografias de bairros residenciais em cidades ucranianas como Bucha, Hostomel, Irpin, Borodyanka, Kramatorsk, Mariupol e muitas outras, vítimas de bombardeamentos, permitem detetar semelhanças entre a destruição causada por “Acts of God” e por “Acts of Putin”. O abalo telúrico mais forte do dia 6 de fevereiro, na Turquia, teve a magnitude de 7,8 da escala de Richter, ocorreu às 04:17, hora local, e foi seguido de poderosas réplicas. O epicentro localizou-se na zona de contacto entre as placas tectónicas da Anatólia e da Arábia, que por sua vez fazem fronteira com as placas Africana e Euroasiática. As cerca de meia centena de milhares de vítimas mortais deveram-se não só à violência dos sismos, mas também ao facto de ter ocorrido de madrugada e, principalmente, a defeitos estruturais da maioria dos edifícios. Nos países onde as regras antissísmicas são rigorosamente aplicadas, tal não sucederia. Por exemplo, no Japão, sismos de muito maior magnitude têm provocado um número de vítimas consideravelmente menor. O sismo mais forte que ocorreu neste país, em 11 de março de 2011, com a magnitude de 9,1 da escala de Richter, provocou diretamente cerca de 1.500 vítimas mortais no Japão, embora o tsunami por ele gerado tenha acrescido significativamente este número para cerca de 18.500, não só neste país, mas também em outros países da Ásia. Atendendo a que grande parte do território português se encontra numa área sísmica, esta tragédia deveria alertar os construtores civis para o cumprimento rigoroso das normas que a legislação contempla. A primeira regulamentação sobre o cálculo sísmico nas construções em Portugal foi aprovada em 1958 e atualizada em 1983. Estima-se que, na Área Metropolitana de Lisboa, cerca de 67% dos edifícios foram construídos antes de haver regulamentação antissísmica. Segundo especialistas, a legislação antissísmica vigente em Portugal é a adequada, mas a fiscalização é deficiente, o que leva a pressupor que, perante um sismo de grande magnitude, o número de vítimas poderá ser bastante elevado. Estima-se que o sismo de 1755 terá atingido a magnitude entre 8 e 9 da escala de Richter, embora não haja consenso sobre este valor. Classificando a intensidade deste sismo de acordo com a escala de Mercalli Modificada, ter-se-ia atingido os graus X ou XI. O maior sismo que afetou Portugal desde o de 1755, ocorreu em 28 de fevereiro de 1969 e foi despoletado na zona de contacto das placas tectónicas Africana e Euroasiática, a cerca de 220 km a sudoeste de Sagres, atingiu a magnitude 7,9 na escala de Richter. Repercutiu-se no território continental português com o grau VII da escala de Mercalli Modificada, tendo atingido em alguns locais o grau VIII. É conveniente relembrar que a escala de Richter é logarítmica e está relacionada com a magnitude dos sismos, ou seja, com a energia libertada, enquanto que a escala de Mercalli mede a gravidade das consequências sobre as pessoas, objetos, edifícios e meio ambiente. Enquanto a escala de Mercalli tem 12 graus expressos em números romanos, de I a XII, a escala de Richter teoricamente não tem limite superior, tendo sido o maior valor desta escala atingido aquando do sismo ocorrido em 22 de maio de 1960, no Chile (oficialmente designado por Grande Terramoto de Valdivia), com a magnitude de 9,5. Enquanto que escala de Richter é logarítmica e mede a magnitude, a escala de Mercalli é qualitativa e mede subjetivamente a intensidade dos sismos. Na escala de Richter, os diferentes valores obtêm-se calculando o logaritmo de base 10 da amplitude das ondas sísmicas. Isto implica que o aumento de um grau nesta escala corresponde a um aumento de 10 vezes da amplitude sísmica. Assim, por exemplo, tomando o valor 4 da escala de Richter como referência, ao valor 5 corresponde uma amplitude sísmica 10 vezes superior. Na escala de Richter, sismos de grau 1 são apenas detetáveis pelos sismógrafos e por alguns animais, enquanto que as pessoas não se apercebem dele. Os de grau 2 já provocam um pequeno tremor, que poderá ser sentido por algumas pessoas, outras só se apercebem a partir do grau 3. Em geral, só ocorrem danos em edifícios a partir do grau 6. Perante a tragédia que atingiu os povos da Turquia e da Síria, seria conveniente aproveitar estas ocorrências para pôr os governantes de sobreaviso, de forma a promover um acompanhamento e fiscalização mais eficientes no que se refere à aplicação rigorosa da regulamentação sobre o cálculo do risco sísmico dos edifícios. A sobrecarga financeira que tal implica seria altamente compensada pela diminuição drástica do número de vítimas.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesComentários sobre o orçamento de Hong Kong para 2023 A semana passada, o Secretário das Finanças de Hong Kong anunciou o orçamento para 2023-24, o primeiro desde que Lee Ka-chao, o Chefe do Executivo de Hong Kong, tomou posse. Existem muitas medidas que beneficiam os residentes de Hong Kong neste orçamento, comummente conhecidas como “rebuçados”, incluindo os há muito esperados 5.000 HK dólares em vouchers de consumo. Embora em comparação com o ano passado o montante dos vouchers tenha sido reduzido para metade, não deixa de ser uma boa notícia. Esta medida, em conjunto com as outras despesas do Executivo, produziu um défice fiscal de 140 mil milhões no orçamento de 2022-23. Ao contrário dos orçamentos dos dois anos anteriores, este não traz consigo grandes aumentos de impostos. O mais significativo recai sobre o Jockey Club de Hong Kong que terá de suportar o “imposto adicional sobre apostas de futebol” por 5 anos, 2,4 mil milhões de dólares americanos por ano, num total de 12 mil milhões. O Jockey Club de Hong Kong já demonstrou a sua compreensão e está disposto a cooperar com o Governo de Hong Kong. Em 2021, o orçamento aumentou o imposto de selo sobre as transacções de acções para 0,13 por cento, o que fez com que Hong Kong passasse a ser a segunda região onde este imposto é mais elevado, suplantada apenas pelo Reino Unido. Em 2022, o orçamento propôs a criação de uma “dedução fiscal para arrendamento residencial”, vulgarmente conhecida como “subsídio de arrendamento”. Esta medida incentiva os inquilinos a declararem o valor que pagam pela renda de casa, pelo que o Governo passa a ter conhecimento do valor que o senhorio recebe. Quem recebe rendas tem de pagar impostos. Por conseguinte, o Governo de Hong Kong aumentou as receitas nesta área. Entre 2020 e 2022, a economia foi muito afectada pela pandemia e o Governo de Hong Kong viu as suas despesas aumentarem significativamente devido às acções de prevenção e combate à Covid-19. É compreensível que o Governo de Hong Kong tenha actualmente um défice orçamental, que se espera não venha a durar muito. No período pós pandemia as despesas relacionadas com a sua prevenção e combate irão baixar e os gastos do Governo de Hong Kong irão gradualmente regressar aos níveis normais. Por que razão devemos prestar especial atenção ao défice orçamental do Governo de Hong Kong? Por várias razões. Em primeiro lugar, em conformidade com o artigo 107.º da Lei Básica de Hong Kong, o Governo da cidade deve manter as contas equilibradas e os défices orçamentais não vão ao encontro desta disposição. Em segundo lugar, Hong Kong é um centro financeiro internacional e o défice orçamental afectará a creditação internacional do Governo de Hong Kong, afectando assim a confiança do público nas capacidades de gestão financeira do Executivo. Em terceiro lugar, actualmente o Governo de Hong Kong está a promover activamente o desenvolvimento económico e o crescimento da região. “Lantau Tomorrow” e a “Northern Hong Kong Metropolitan Area” são exemplos típicos dessa vontade. O desenvolvimento destas áreas requer grandes investimentos. Embora o Governo de Hong Kong tenha repetidamente salientado que estes projectos não colocam pressão financeira na administração pública, o público em geral estará sempre mais atento a estas questões em caso de défice orçamental e o Governo de Hong Kong deve fornecer explicações mais pormenorizadas e claras à população. A forma mais directa de resolver o défice orçamental é, naturalmente, aumentar os impostos. Os deputados do Conselho Legislativo de Hong Kong pediram ao Governo que os aumentasse, mas o secretário das Finanças recusou, salientando que não é o momento adequado para o fazer. Assinalou ainda que, de acordo com as estimativas do Executivo, é esperado que o défice acabe em 2027. Esta estimativa positiva e a recusa do secretário das Finanças de aumentar os impostos parecem ter feito a população sentir que o Governo da cidade está muito confiante na resolução do défice orçamental. Quer se trate de um Governo, de uma organização, de uma empresa ou de uma pessoa individual, quando confrontados com problemas financeiros, todos precisam de ter poupanças suficientes para fazer face a necessidades inesperadas. Quando falamos de um Governo, essas poupanças são a sua “reserva fiscal”. Geralmente, as finanças do Governo são liquidadas todos os anos e é bom que exista uma reserva para pelo menos mais um ano. Ou seja, assumindo que não há rendimento durante um ano, o Governo ainda pode operar normalmente durante esse período. Actualmente, o Governo de Hong Kong gasta cerca de 750 mil milhões por ano, por isso a sua reserva fiscal deveria ser de pelo menos esse montante. Além disso, Hong Kong é um centro financeiro internacional e os riscos financeiros em Hong Kong não são só internos, são também externos. Por exemplo, a turbulência financeira asiática em 1997 e o incidente do Lehman Brothers em 2008 não foram desencadeados em Hong Kong, mas a cidade foi profundamente afectada. Por conseguinte, o cálculo das reservas financeiras do Governo de Hong Kong deve ser feito tomando estes factores em consideração, portanto, mesmo que o Governo de Hong Kong tenha triliões em reservas fiscais, não é demais. A avaliar pelas várias subidas de impostos em Hong Kong nos últimos três anos, o Governo de Hong Kong entende que para a gestão financeira, não é apenas necessário resolver o problema do défice orçamental, mas também é necessário manter reservas fiscais suficientes para fazer face a emergências de ordem vária. Houve diversos aumentos de impostos nos últimos três anos. Embora tenham sido pequenos aumentos com um impacto limitado no plano orçamental geral, mas, em qualquer caso, um aumento da receita fiscal é melhor do que aumento nenhum. E, mais importante ainda, durante a epidemia, de forma a evitar colocar mais pressão nos residentes, esta parece ter sido a única forma de lidar com as finanças. A longo prazo, os recursos financeiros são indispensáveis para que o Governo de Hong Kong possa aplicar mais harmoniosamente as várias políticas e introduzir medidas mais eficazes. As subidas de impostos são uma forma eficaz de aumentar os recursos financeiros. Pelos orçamentos anteriores, podemos verificar que o Governo de Hong Kong está há muito ciente desta questão. Num futuro próximo, existirão mais pessoas em Hong Kong a pedir aumentos de impostos. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Amélia Vieira VozesPassarola voadora Não é noite de João, mas há balão! Ora, tanto balão, sugere que vigiados andam os céus do mundo. Céu, essa grande abóboda que não é passível de ser tomada por tantos atiradores furtivos. Efectivamente, não creio em extraterrestres, até porque o que se detona aqui é bem terrestre e volátil, de tal forma que caem como maduros cá em baixo. Há navios a carregar os destroços brancos das insufladas “mensagens “que a matéria não entra nas investidas dos visitantes extra Terra, eles devem ser só energia com movimentos súbitos, e tão rarefeita, que o rasto não será passível de ser apontado. Esta história por incrível que parece deve tudo a um português, Bartolomeu de Gusmão, e quando em meados do século XVIII, quando a Revolução Francesa vinha ainda distante, preparava-se em território nacional aquilo que viria a ser para essa altura os balões de observação de uso militar, mais tarde a Guerra Civil Americana volta a usá-los, e assim continuou até à Guerra Franco-Prussiana. Havia balões por todo o lado! E veio a Primeira Guerra Mundial, expoente máximo do princípio do uso dos balões, como tal é fácil saber que estão associados a beligerâncias de ambos os lados das trincheiras, havendo a equacionar no momento presente que eles andam aí, e que a bela forma posta nos ares indica: GUERRA. Se não formos só enchedores de balões, podemos sem grande destreza dar-nos conta da sua presença nos suaves enredos europeístas todos organizados para descalabro mais bicudo. A Europa vê os balões passar como se estivesse em fase constante de Lua-Cheia! Os mais quiméricos tentam descortinar salvíficas visitações ou culpar o seu oponente estratégico de disseminação, e aqui entra até a suspeita que aquele que se vê cada vez mais encurralado comece a dar tiros para os pés dizendo que são os outros. Apanham aquilo tudo e não há nada que depois produzam de revelação encontrada!? Claro que é estranho. Seja como for, eles andam nos ares. Há mesmo uma expressão que diz “O balão está subindo!” grito de guerra iminente, daí que devamos circular de modo a permitir que as nossas memórias deles não se esqueçam. Efectivamente, o mundo hoje é mais tecnológico, bastante captativo pelo rigor mecanicista, mas lidamos com nós mesmos, que estamos ainda mergulhados nas práticas anteriores sem saber muito bem como lidar com outra consciência, e quando os tempos apertam, reconstruímos sinais conhecidos. Também é certo que foram realizados milhares de voos de observação por balonistas pelo Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, mas estávamos em áreas circundantes bastante mais próximas. «A China fica ao lado», belo título de um romance de uma saudosa amiga, Maria Ondina Braga, que hoje me parece de máximo interesse estratégico – sim, fica ao lado – mas um lado suficientemente centralizador para começar a ser aquilo que pode ser visto como um estremecimento a Ocidente que não sabe descodificar nenhum sinal. O cerebralismo impactante das nossas sociedades crê saber ver tudo e o seu contrário, mas nada se processa por antítese, e o tal Mundo muito unido não é assim tão unificador como julgáramos que fosse. Por outro lado, há os tais movimentos irreversíveis, nada dura no mesmo lugar para sempre, e nas voltas e rotas que a vida dá, os ajustes do todo e de cada um, são condição permanente. Parece que longe estamos dos tenebrosos ataques terroristas de um Islão em rota de colisão com o real, mas não estamos, foram ontem, e geraram analistas como cogumelos envenenados. Quando nos olhamos mais seriamente, parecemos enlouquecidos. Não estamos ainda em Guerra, mas toda ela nos faz estremecer como antevisão de um grande passado sangrento e comum. Aos poucos deixamos uma certa percepção inexorável para um atoleiro de alta definição que já não é real. Voltando à nossa Passarola mãe de todas as infiltrações, ela partiu de uma bola de sabão elevada pelo ar quente da chama de uma vela, D. João V dá então permissão para tão insólita investigação, e Gusmão faz subir o seu balão, esse jesuíta, que acabará por fugir para Espanha sem beliscar a sua genial descoberta, apenas porque a Inquisição suspeitou que pudesse ser judeu. Passou o resto da vida, ao que consta, obcecado pelo Quinto Império e pela vinda do Messias. Eles talvez tivessem vindo, mas tão distantes da sua Nave de Ar, que o que nos resta são balões nos céus do mundo. Agora estamos no patamar «A volta ao mundo em 80 dias» a bordo de um balão, e se neste espaço de tempo não houver borrasca, é porque a órbita da Terra se alongou.
Carlos Coutinho VozesPesadelo carnavalesco NÃO há como uma terça-feira de carnaval para viajar confortavelmente nas autoestradas. Como temos um feriado tácito e governamentalmente prodigalizado ou apenas consentido, milhões de portugueses ficaram em casa de manhã e à tarde vão assistir aos desfiles e outros desmandos langorosos dentro das localidades carnavaleiras. E, como nada rende carnavalar nas estradas e autoestradas, hoje até os camiões eram raros e rápidos no asfalto. Resultado: nunca percorri 200 km sobre rodas com tanta generosidade viária, apesar de quase não haver indícios de sol na atmosfera toldada de pó esbranquiçado trazido por ventos provenientes de desertos africanos. É caso para se pensar que rejubilam as nossas almas em dias como este, já que nem sequer temos de descer a pala para nos defendermos do sol nos olhos e até descobrimos que uma paisagem mortiça pode ter os seus encantos. Nada mais falso, porque as nossas vidas nunca estiveram tão perto do precipício, aquele terrível barranco para onde nos querem levar os cegos que conduzem outros cegos. Talvez por ser tempo de folia carnavalesca, Joe Biden foi ontem a Kiev acirrar Zelensky ainda mais. Só que, por sorte nossa, seis horas antes de o seu avião presidencial levantar o voo para a Polónia, ele teve a inaudita valentia de telefonar a Putin para, debaixo de maior secretismo, o informar da sua viagem, não fosse este seu inimigo de estimação detetar as movimentações militares no ciberespaço e no espaço físico do planeta. É que isso faria o líder russo pensar que era desta que vinha aí o apocalipse e que, inesperadamente, não teria mais que seis minutos para também ele pôr o dedo no gatilho e premir com toda a força. Já na capital da Ucrânia mártir, onde a toda a hora morrem ucranianos e russos, foi depois de uma viagem de comboio, por entre paisagens flageladas, que Biden caminhou até ao muro dos caídos em combate para aí colocar uma coroa de flores e, talvez, pensar sem o dizer: “Sorte a vossa! No Vietname e nos outros países que bombardeámos, matámos mil vezes mais! E não nos vamos ficar por aqui…” Já com muita gente a ouvi-lo, Biden disse: “Considerei que seria determinante que não restassem dúvidas nenhumas sobre o apoio dos EUA à Ucrânia na guerra. (O objetivo desta visita é dizer que) “os EUA estão aqui para ficar. Não nos vamos embora.” Por cá, António Costa, servil e bem-educado como de costume, fez logo eco das palavras do patrão, jurando a pés juntos: “A paz é uma vontade universal, mas todos temos consciência de que essa paz só é possível com a vitória da Ucrânia e a derrota da Rússia.” Ao mesmo tempo, no Parlamento Europeu, a maltesa que é sua presidente, Roberta Metsola, confessava: “Há muito dinheiro para a reconstrução da Ucrânia.” O que equivale a recomendar: “Partam, arrasem, derrubem, não deixem pedra sobre pedra, que o negócio vive disso, até na família de Joe Biden.” Hoje, ainda perplexo, pus-me a ouvir Putin em direto na CNN e dei comigo a pensar na desgraça daquele goraz colorido que fica com a cabeça apertada entre as pinças aceradas de uma mandíbula inalargável de um caranguejo gigante, porque é assim que a Rússia está, do Báltico ao Mar Negro, entalada entre a Finlândia, a Noruega, a Suécia, a Dinamarca, a Letónia, a Estónia, a Lituânia, a Polónia, a Alemanha, a Hungria, a Roménia, a Bulgária a Moldova, a Ucrânia e a Turquia, todos natistas e com a dentuça afiada. E ouvi Putin dizer que suspendia a participação da Rússia no tratado START II, que limita os arsenais nucleares dos dois signatários, os EUA e Federação Russa, embora ele logo acrescentasse que nunca o seu país iniciaria um conflito de tal natureza. Só que não deixou de repetir, pela enésima vez, que a intenção da NATO quanto à natureza soberana do seu país é simplesmente existencial e que a resposta russa a tal ameaça não admite limites. Depois historiou detalhadamente o começo e a atuação do inimigo para concluir que “Eles querem a guerra e rejeitaram todas as nossas propostas de paz.” Imagino que nunca uma catástrofe dessas vai acontecer, porque até o vencedor estaria morto, ainda antes da vitória final, mas o que o momento presente me indicia é o empobrecimento de milhões e milhões de pessoas em todo o planeta, a compressão das liberdades e um ciclo perigosíssimo de retrocesso civilizacional. E acho mesmo que carnavais destes são absolutamente indesejáveis.
Roderick Ptak VozesAolai: uma análise zoológica Os órgãos de comunicação social do mundo inteiro estão repletos de notícias sobre guerras e conflitos: a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, tensões entre a China e os Estados Unidos, vários conflitos declarados/ou potenciais em África e no Próximo Oriente, na região do Cáucaso, na Ásia Central, no Sudeste e no Sul deste continente, e assim por diante. Em suma, se avaliarmos a conduta da humanidade em termos globais pelo número de conflitos existentes, percebemos que este mundo não está a mudar para melhor. Estamos todos no mesmo barco, mas a evolução não nos fez mais inteligentes. O barco é um pequeno navio exposto aos perigos das alterações climáticas, em parte, produzidas pelo Homem. Os políticos sabem tudo isto, mas a desconfiança entre os humanos é profunda e a incapacidade de aceitar soluções de compromisso é assustadora. Um aspecto absurdo da todo este cenário tem a ver com as ideologias: os líderes insistem em invocar os “princípios”, acreditando que as suas opiniões e estratégias serão as melhores e mais adequadas para ultrapassar os conflitos e salvar este mundo, enquanto as abordagens dos outros são inaceitáveis. Fala-se muito de sistemas de valores, e muitos Governos defendem que os valores não são negociáveis. No entanto, ninguém coloca esta questão simples: somos assim tão diferentes uns dos outros? Os zoólogos dizem-nos que as sociedades dos gorilas e dos chimpanzés são bastante semelhantes em muitos aspectos. Aqueles que gritam mais alto e sabem defender o seu grupo, são mais os respeitados. As ameaças e os gestos violentos são importantes, mas o povo dos macacos nem sempre consegue distinguir entre as capacidades reais e as capacidades simuladas dos seus líderes. As notícias falsas parecem ser um problema. Além disso, existem sempre dissidências em todos os “clãs” de macacos. Claro que a hierarquia sociológica muda de vez em quando, enquanto as estruturas essenciais do “sistema simiesco” permanecem as mesmas. Normalmente, estes “sistemas” são regimes autoritários. No entanto, possuem alguns elementos democráticos ao nível mais básico, porque aqueles que querem elevar o seu estatuto precisam de ser aceites pela sua clientela. As fêmeas também fazem parte deste processo e uma análise mais cuidada das sociedades destes nossos “parentes” mostra-nos que existem casos de femmes fatales que costumam deitar algumas “achas para a fogueira”. As sociedades dos macacos são caracterizadas por aquilo a que podemos chamar uma forma de governação muito directa. Mais precisamente, os macacos operam sem computadores; podem agir sem um aparelho burocrático complicado. Podem usar manhas e truques e, naturalmente, os mais ambiciosos desenvolvem estratégias simples para fazerem progredir as suas carreiras pessoais. O controlo do território é importante para todos os clãs e a liderança está intimamente ligada a esta nobre função. Por outras palavras, a construção do Estado parece depender da capacidade de conquistar espaços e ampliar os recursos alimentares. Isto implica um planeamento cuidadoso. Assim, os Estados dos macacos envolvem-se frequentemente em guerras primitivas, pelo menos de vez em quando. Não raras vezes, isto conduz ao imperialismo simiesco. As derrotadas entidades alienígenas rendem-se e tornam-se parte de uma sociedade superior. No entanto, quando os líderes envelhecem, os jovens mais aguerridos pesam os prós e os contras de uma possível revolução. Em tais situações, emerge um problema diferente: os Estados simiescos não têm fundos de pensões. Quando os velhotes se reformam, ou se veem forçados a reduzir as suas actividades, os mais novos não tomam necessariamente conta deles. Finalmente, a declaração implícita da identidade de uma banana, projectada para guiar a ascensão da sociedade através do tempo e do espaço, vai implicar demarcações acentuadas entre os diferentes gangues, grupos e estados. Isto soa familiar, pelo menos em parte, não vos parece? Nesta altura, alguns leitores podem estar a pensar no Rei dos Macacos do famoso romance chinês “Jornada para o Oeste”, ou Xiyou ji 西游(遊)記. O paraíso está perdido, logo no início da história, quando um dos macacos se torna ambicioso e se transforma no líder da sua espécie. A multidão segue-o e às suas palavras de ordem propagandísticas. Até aqui tudo parece estar bem, mas, como já foi mencionado, a criação de um sistema de valores, com uma identidade colectiva, marca o início de um longo declínio. Todo o romance é claramente uma gigantesca metáfora filosófica e devemos lê-lo como tal. Mas, ao mesmo tempo, acaba por ser muito divertido porque é uma espécie de divina comedia. Tem humor, ironia e sátira. Claro que nem todos entendem o que está em causa. A identidade cria limites. Bem, então, uma série de conceitos gravados na nossa mente acaba por nos cegar? Será que as diferentes línguas e os conceitos ligados a cada palavra e a cada termo são a raiz de todos os problemas? Comunicação? Paraíso perdido? Devemos culpar a “civilização” por toda a infelicidade que nos rodeia? Aqueles que acreditam num progresso constante fazem-me lembrar um certo princípio sagrado; chamam-lhe “Destino Manifesto”. É uma doutrina que surgiu no Novo Mundo, o credo da esfera “reformadora”. Isto leva-nos de volta a Sun Wukong 孫悟空, o Rei Macaco: Ele tornou-se individualista, a ambição alterou o seu comportamento e “lavou-lhe” o cérebro. Ele foi “reformado”. Talvez possamos relacionar este fenómeno com o conceito de auto-realização, que significa a realização das capacidades e competências pessoais. O prefixo auto indica que tudo é centrado naquele indivíduo, mas a multidão não se apercebe disso. Para ser mais preciso, podemos pensar em egoísmo camuflado. – Confúcio não deveria ter gostado desta ideia, oponha-se a estas elaborações falaciosas e à lavagem cerebral. Ele bebia vinho, não bebia Budwiser. No entanto, Confúcio sabia que as multidões correm sempre atrás daquele que grita mais alto. Na verdade, a um sistema de valores segue-se outro, pelo menos isso é o que as multidões têm para nos ensinar. Supostamente, a Humanidade está a melhorar; e actualmente pregam a auto-realização colectiva, acreditando piamente que a evolução implica progresso contínuo. Alguns destes líderes doutrinários comportam-se como visionários. Felizmente, nem todos acreditam nestes “iluminados”. As pessoas do bom senso e com alguma modéstia ficam preocupadas; sentem que a Humanidade está a regredir – apesar das novas tecnologias, de uma quantidade de convenções diplomáticas e de outras invenções. É evidente que o cepticismo faz sentido, especialmente porque alguns órgãos de comunicação social, guiados pelos visionários, refinaram os seus procedimentos de lavagem cerebral e porque é cada vez mais difícil reverter este processo e voltar à normalidade. Como já foi exposto, o problema tem raízes muito antigas. Uma “malaise” produz sempre alguns sintomas. O Novo Mundo orgulha-se de um estatuto associado a um lema estrangeiro: “La Liberté éclairant le monde”. Se ao menos estivéssemos a falar de um “éclair au chocolat”, para substituir a identidade das bananas dos macacos! Mas as circunstâncias são muito diferentes. Quando o país “reformado” ergue esta estátua, as multidões locais esmurram o peito com orgulho. Hoje em dia, visitantes com excesso de peso, mascam pastilhas elásticas da imortalidade e curvam-se em frente dela. Os seus antepassados tinham vindo das ilhas Viking através do mar. – uma espécie de “jornada para o oeste”, em busca de iluminação. Assim, o esmurrar do peito vai e vem. E, no entanto, existem alguns atalhos. A estátua foi feita por um francês: Frédéric-Auguste Bartholdi. Além disso, há séculos, outro francês tinha concebido o desenho para o centro urbano de Aolaiguo 傲來國, o nome do Reino dos Macacos em Xiyou ji. Podemos acrescentar, que foneticamente, “Ao” é semelhante a “Ou” 歐 (o nome chinês para Europa). Daí que haja uma ligação oculta ao “Velho Mundo”. Provavelmente isso deve-se ao código genético: Até hoje, o lado selvagem dos clãs Viking continua a ser considerado um fenómeno excitante. Além disso, por algum tempo tinham uma abreviatura programática: WASP (VESPA) – “Wipe out Airbags, Shoot Pigeons” (Deitem fora os Airbags e Matem os Pombos). Pois é, podemos percebê-los. Têm um problema com a pomba da paz. Voltemos ao segundo francês. Chamava-se Pierre Charles L’Enfant. A palavra “L’enfant” lembra-nos as crianças. É aqui que nos podemos lembrar da frase: “Se não fores como as crianças…” Como podemos ver, isso não ajudou em nada. As criaturas de duas pernas em Aolai não estão satisfeitas consigo próprias. Induzidas em erro pelo “Grande Sábio Igual ao Céu” (Qitian dasheng 齊天大聖, um título de Sun Wukong), simplesmente não conseguem deixar de esmurrar o peito, comportando-se, portanto, como crianças mentalmente perturbadas. Devemos desculpar este comportamento? Infelizmente, os poucos elementos da multidão com visão mais alargada não conseguiram encontrar maneira de alterar a tragédia. Recapitulemos: O paraíso parece perdido. Existem sinais de retrocesso. Há alguns anos, Keith Ablow, um psiquiatra, chegou a apelar a uma “jihad” na Fox News. A receita era simples: Continuem a esmurrar o peito, quanto mais melhor. Houve muitos outros que expressaram opiniões semelhantes. Voltemos à história: a construção do centro urbano onde a multidão se reuniria para instalar os seus líderes carismáticos, começou em 1792. A praça estava dividida em quatro zonas associadas às quatro direcções celestiais (si fang 四方). Apenas um ano mais tarde, uma embaixada Viking chegou ao Império Manchu e fizeram uma oferenda de bananas. O seu anfitrião, o Imperador Qianlong, recusou educadamente os estranhos pedidos destes intrusos. Foram-se embora de mãos a abanar e causaram imensos distúrbios nos anos vindouros. O facto de os dois eventos – a vinda da embaixada e a iniciativa da construção das cavernas – terem ocorrido sensivelmente ao mesmo tempo, parece ter um peso simbólico. O mais certo é pertencerem à mesma família e serem aliados frequentes, especialmente quando as questões nutricionais estão envolvidas. Macau também tem uma estátua gigante. Quem está representada é Guan Yin, e no Extremo Oriente encontramos muitas estátuas erguidas a esta figura. Desde tempos imemoriais, Guan Yin está de boas relações com o Céu, onde tem amigos e aliados. São pacientes e ficam de olho no que acontece na Terra. Claro que, quando o ambicioso Rei Macaco começou a passar os limites, o Céu teve de intervir. Roubar os pêssegos da imortalidade era contra as regras. Guan Yin e os outros tentaram proteger os fracos e preservar a paz. Este assunto é muito complicado. Os “jihadists” reformados, que pregam o lema “Aolai first”, defendem de corpo e alma a maximização dos lucros e a competição do corte de gargantas. Pensam que as forças superiores do Céu, o Criador acima de tudo, vão honrar todos aqueles que forem bem-sucedidos – que ponham o princípio abstrato de auto-realização em marcha. Existe um passeio da fama numa das suas cidades, esculpido no solo, que eles foram buscar há algum tempo a uma tribo não reformada. Guan Yin está a par do problema e sabe que há qualquer coisa Aolai. Sim, eles falam de salvação, de saúde material e de felicidade imperturbável, mas quase nunca se preocupam com os pobres. A modéstia não faz realmente parte da sua religião. No entanto, falam de valores e continuam a doutrinar líderes masculinos e femininos doutras comunidades. Às vezes tentam ser extremamente simpáticos e oferecem Budwiser. Actualmente, têm sido muito bem-sucedidos no velho continente, especialmente nas zonas dos Vikings, a Norte de Limes. A Sul dessa linha fica território alienígena, dependente do vinho. Guan Yin observa tudo isto. De facto, existe uma grande dificuldade. Em Xiyou ji, o Rei Macaco, Sun Wukong, não é omnipotente. Pode fazer alguns truques e usar magia, mas não vai muito longe, o seu mestre, o tímido monge Xuanzang 玄奘 (Tripitaka), consegue controlá-lo. Isto conduz-nos a uma questão importante: Como é que conseguimos impedir os líderes dos gangues de Aolai de criar problemas desnecessários? Hoje em dia, já não usam fitas à volta da cabeça e ninguém pode fazer um feitiço para as apertar. Teria o Imperador de Jade e a sua equipa celestial cometido um erro? Será que se esqueceram de providenciar um mecanismo que pudesse travar os rufias terrestres e impedi-los de fazer disparates? Recentemente, ouvimos notícias de objectos redondos caídos dos céus. Algumas criaturas extraordinárias perguntaram se estes objectos poderiam ter origem alienígena. Os Aolaianos certamente discutiram isto no edifício pentagramático, adjacente à zona de reuniões sifang, enquanto tentavam arrefecer os cérebros em brasa, botando abaixo bebidas frescas. Podemos sempre prever os efeitos da irrigação excessiva, mas talvez não nos devamos preocupar muito com isso. A Budwiser faz inchar as barrigas cheias de bananas de forma perigosa. Visto de uma perspectiva long durée, é impossível controlar os cinco elementos. Mas as visões também chegam ao fim. O barulho que fazem a esmurrar o peito aumenta e já existem muitas queixas de poluição sonora…
Amélia Vieira VozesA Bailarina A sua vida não saía agora de dentro das muralhas, o quarteirão era um país e a cidade fora há muito um local encantado onde se moveu por todos os seus recantos em passos de dança que pareciam não tocar o solo. Estava bem. Afinal era um belo sítio ainda não muito exposto ao êxodo dos seus moradores e com as formas intactas de um antigo feudo. A vida permanecia um dom que se dançava no estreito local, e mesmo assim caminhos do mundo se entrecruzavam nos seus passos, faltava um certo vapor, uma cantata, mas habituamo-nos ao som livre dos nossos passos quando se conhecem de cor os percursos. «Ela canta pobre ceifeira!» Só um homem podia ter escrito frase assim. Cantariam os navegadores? Não se sabe… mas alguma dança trémula alcançariam na monotonia que também atinge a aventura. Os passos titubeantes dos que visitam cidades tornam o rítmico processo, torpe, e ao nível do chão, causa de todo o desastre – rolam mecanismos insonoros, deslizamentos de velocidades várias – chegam carregamentos de malas, sacos, bagagens, e só não submergem porque a vontade impõe a resistência para as noites que hão de encontrar nas camas turísticas o conforto programado para populações exaustas. Que a labuta dos que se esforçam para a logística doméstica dos novos nómadas não é menos imperativa que a de estes navegáveis. Uma componente em que todos os recursos se concentram para tirar dividendos flutuantes das vagas de passageiros, fazendo ispersos como um chão de ossadas em velhos caminhos, uma impermanência que é lei e gere a cidade, que a deita e acorda num quase tristonho cenário de «Nau a Haver» onde a natureza dos seus habitantes se virou para outros soalhos, que os salões escureceram à passagem das massas. Dançar foi outrora uma função tão válida como hoje é andar, correr por aí contra o vento em festividade orgânica quase insolente, era uma proposta semanal, um estado de funcionalidade, que o corpo gosta da dança e lembra-se de como os seus passos ajudaram à árdua tarefa de se saber caminhar junto. Mas deixemos a dançarina entregue a seus cuidados! As pessoas que saem de pijama para o emaranhado das ruas deviam ter na chegada a casa um manto púrpura para se cobrirem e tentar olhar-se com alguma parcimónia, que isto de se ser tão casual, entorpeceu a natureza das funções e levou à subjugação através da moda desportiva. Andam os seres todos a treinar. Para quê? Não se sabe. Um treino é aprendizado para cumprimento de actividade que se deseja desempenhar contribuindo para o bem comum, ora, o bem comum, pode ser também um mal comum, que não se dá por isso, a menos que haja um evidente bom senso no meio desta estranha projeção. Se falarmos ainda nos ensandecidos hábitos alimentares que cortam as fontes do balanço para as bailias, vamos entendo o porquê do cansaço extremo e da má resolução dos problemas. A atmosfera não está para grandes carinhos, e sentimos que ela produz calafrios podendo estar a lançar madeixas de cabelos de uma cabeça decepada, que de forma lenta, tenaz e concreta, adoece a maleável natureza dos seres. – Não será então em mim louvada a conveniência da saúde ardente- que a saúde se saúda pela transformação constante desta luta até à inexorável falência orgânica. A Dançarina em nós nunca deixa de bradar, ela é mais lata que os movimentos estipulados, e agora amordaça-nos numa orquestração sem harmonia que julga os nossos passos apenas como capacidade muscular para se manter activa mas lhe retirou o tributo da função cósmica que é dançar: dançar em todas as direcções, com todas as formas, com todos os sentidos, um tributo ao Universo que não retém a conveniência de se ter um corpo apenas para se encarcerar, a Bailarina, tende a mostrar-nos a escassez de fluído que está em marcha nas nossas sociedades nazis reinventadas. « Anima Mundi» ou a alma do mundo, consistirá sempre a desencarcerar na “prima matéria” a natureza inconsciente. O Mundo gira na roda evolutiva, e com toda a nossa retenção de marcha, acena-nos para não destruirmos os tributos circulares da sua natureza ( a Dançarina é feminina) e ainda nos diz que o impulso criativo no seio de toda a vida não poderá jamais ser revelado. Podem os seres vestirem-se para uma mesma dança, despindo-se destas vestes tributáveis? Esperemos que sim. No ponto imóvel do mundo que gira. Nem carne nem sem carne; Nem de nem para; no ponto imóvel, lá está a dança, Mas nem parada nem em movimento. T.S. Elliot
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPerigo à solta A comunicação social de Macau divulgou a semana passada uma notícia que despertou a tenção da comunidade. A polícia encontrou um estafeta de entregas de comida a conduzir embriagado e a caixa transportadora não estava bem presa à motorizada. O estafeta acabou por ser processado judicialmente. O Regulamento do Trânsito Rodoviário estipula claramente as dimensões que devem ter os recipientes para transporte de encomendas nas motorizadas. De acordo com o terceiro parágrafo do artigo 45º, o comprimento da caixa de armazenamento não pode exceder o 1metro e 60cm, a largura não pode exceder 1m e 20cm e a altura também não pode ir além de 1m e 20cm; o peso da caixa não pode passar dos 50 quilos. Se estas regras forem cumpridas, o veículo pode circular pelas ruas de Macau. Quaisquer alterações que a motorizada possa vir a sofrer posteriormente terão de ser aprovadas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego. Depois da aprovação, o veículo está de novo em condições de voltar a circular. Estas medidas são efectivamente necessárias do ponto de vista da segurança. Se a caixa transportadora não estiver bem presa, e se soltar quando a motorizada está em andamento, pode pôr em perigo outros veículos. Se isso acontecer, o motociclista viola o artigo 67.º (1) da Lei do Trânsito Rodoviário, isto é, transportar objectos que possam afectar a condução e colocar em perigo pessoas e bens. O ano passado em Taiwan, China, um estafeta de entregas de comida atou a caixa armazenadora com uma corda, à parte de trás do veículo. Quando estava em andamento, a corda soltou-se e ficou presa na mota de outro estafeta, o qual saltou imediatamente para a estrada para evitar um trágico acidente. Por aqui se pode ver como é perigoso circular com uma caixa transportadora que não esteja convenientemente presa ao veículo. Este assunto merece uma análise mais detalhada. Se a caixa não estava correctamente colocada na motorizada porque tinha havido alterações temporárias que ainda não tinham sido aprovadas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, estamos perante uma situação especial. A informação entregue pelo proprietário quando fez o seguro para o veículo não corresponde à realidade actual. A companhia seguradora possui os dados que lhe foram entregues antes da motorizada ter sido modificada. Se ocorrer um acidente, a companhia de seguros deve cobrir as despesas? Se a seguradora se recusar a pagar, o motorista deve ser indemnizado? Claro que a melhor maneira de evitar problemas é obedecer à lei. A motorizada é uma ferramenta que o estafeta utiliza para trabalhar e que lhe é fornecida pela entidade empregadora, a qual é responsável por manter o veículo nas condições exigidas pela lei e é obrigada a suportar todas as despesas que daí advêm. Se o estafeta usar um veículo próprio para fazer as entregas, deve acertar com a empresa que o emprega a divisão das despesas relacionadas com a instalação da caixa transportadora, para que possa vir a existir uma relação de trabalho harmoniosa. Este incidente despertou a atenção das pessoas porque reflecte a situação geral da sociedade de Macau. Se a polícia processar com sucesso o estafeta e o tribunal decidir que usar fita ou corda para fixar a caixa de armazenamento é um acto ilegal porque é inseguro, os motociclistas sentem tudo isso como um inconveniente. O inconveniente é aqui o grande problema. Basta olhar para as ruas de Macau, quantos estafetas em motocicletas vemos diariamente? Ter uma caixa de transporte em condições é algo que muita gente não consegue fazer. Além disso, mesmo que a caixa esteja bem instalada na parte de trás da motocicleta, se esta transportar um passageiro para além do condutor, o pendura vai achar que não tem espaço suficiente. O mesmo se pode passar com o motociclista. Em Macau não existem suficientes zonas de estacionamento para estes veículos. Quando estão estacionadas, as motorizadas com caixas armazenadoras ocupam mais espaço. Os condutores têm de ter muita atenção para evitar colidir com outros motociclos, e isso também é muito inconveniente. Todos devem cumprir a lei sem excepção. Este acontecimento deverá ser uma oportunidade para todas as partes interessadas pensarem na forma de encontrar um equilíbrio entre a conveniência e o cumprimento das leis e dos regulamentos. No entanto, a julgar pelo uso generalizado de motocicletas em Macau, este ponto de equilíbrio vai ser realmente difícil de alcançar. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesO fim dos vistos gold O primeiro-ministro, António Costa, anunciou uma espécie de revolução sobre a miserável habitação em Portugal, cujos parâmetros urbanísticos vão demorar uma década a “construir”. Entre as muitas medidas que elencou para que a habitação possa ter o mínimo de eficiência e benefício para o povo mais pobre e melhoria no urbanismo português, encontra-se o fim dos chamados vistos gold que proporcionaram investimentos de milhões de euros a ingleses, holandeses, brasileiros e chineses. Adquirir uma casa em Lisboa que custasse mais de meio milhão de euros dava direito a ser-se residente de Portugal e em alguns casos levaram muitos investidores a obter a nacionalidade portuguesa. Sobre este assunto existem opiniões absolutamente contrárias. Há quem lamente esta decisão governamental e há muita gente que lamenta que se corte a possibilidade de Portugal ganhar muito dinheiro vindo do estrangeiro. No entanto, o primeiro-ministro adiantou que os vistos gold se vão manter para quem desejar residir para sempre em Portugal. António Costa justificou a medida de uma forma um tanto incompreensível quando afirmou que era para “combater a especulação imobiliária”. No seu entender o preço das casas subiu de uma forma exagerada devido ao interesse dos estrangeiros comprarem imóveis por 500 ou mais de milhares de euros. Agora acabam as novas licenças para os vistos gold e as que existem terão uma renovação limitada. Nos vistos já concedidos a sua renovação será feita se se tratar de investimentos imobiliários para habitação própria e permanente ou para descendentes. Outro critério para manter a licença, será quando a casa for para o mercado de arrendamento. O actual Executivo restringiu já de forma significativa o investimento em imobiliário através deste regime desde Janeiro do ano passado e passou a ser possível usá-lo apenas para a aquisição de habitações localizadas fora dos grandes centros urbanos. Basicamente, agora a compra de casas apenas é elegível para efeitos de obtenção de visto de residência no caso destas se situarem nos territórios do interior do país ou nos Açores e Madeira, ficando de fora Lisboa e Porto. E é neste particular que entram os discordantes das medidas. Por exemplo, no triângulo Lisboa, Cascais, Sintra chegou a comprar-se imóveis e quintas que atingiam mais de 10 milhões de euros. No Parque das Nações, em Lisboa, foram adquiridos por chineses as casas mais caras que ali existiam. Os que contrariam esta decisão do Governo adiantam que o terreno a seguir ao Parque das Nações, sob a ponte Vasco da Gama, onde se vai realizar, com a presença do Papa Francisco, as Jornadas Mundiais da Juventude, dará lugar certamente à continuação urbana do Parque das Nações com imóveis que apenas cidadãos com muito dinheiro poderão comprar. Para que tenhamos uma ideia da perda financeira representada no futuro, basta recordar que o critério de transferências de capitais levou à atribuição de 920 vistos num montante de 712 milhões de euros. Ora, isto não foi dinheiro importante que entrou nos cofres do Estado? Acima de tudo queremos ver quem é que vai investir na construção de casas no meio do pinhal onde podem ficar em perigo na época dos fogos, quando em Portugal existem 723 mil casas desocupadas. O preço exagerado dos imóveis em Lisboa e Porto nada teve a ver com os estrangeiros que investiram para a obtenção do vistos gold, mas sim resultante da ganância e rivalidade financeira entre as demasiadas imobiliárias que se instalaram em Portugal. O Governo para combater a crise na habitação anunciou 10 medidas num pacote que já iniciou a polémica em vários quadrantes, como na Associação dos Proprietários que contestam a medida de serem arrendadas compulsivamente as casas que estejam desabitadas e a mesma associação afirma que a medida é inconstitucional. O pacote inclui: o Estado quer subarrendar casas de privados e assegurar três rendas que estejam em falta; o Governo impõe limites às rendas de novos contratos; uma taxa autónoma de IRS sobre as rendas vai baixar de 28 por cento para 25 por cento; o Estado vai pagar parte do aumento de juros em empréstimos até 200 mil euros; haverá uma oferta de taxa fixa no crédito à habitação; serão proibidas novas licenças de alojamento local; os proprietários que vendam casas ao Estado ficam isentos de mais-valias; os licenciamentos municipais serão simplificados e os terrenos e imóveis de comércio e serviços vão poder servir para habitação. Verdadeiramente um pacote bonito e arrebatador. Para quando? Para daqui a 10 anos? E a medida dos imóveis de comércio poderem servir para habitação dará lugar a beliches para enfiar 20 imigrantes em cada divisão? Foram medidas anunciadas quando nem sabemos onde estão a ser investidos os milhões de euros que a Europa tem dado a Portugal. Tenhamos esperança que se construam vários bairros sociais com escola, creche, centro de saúde, parque infantil e jardim. Isso sim, seria melhorar a vivência de um povo pobre. Mas, afinal o importante é acabar com os vistos gold…
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesO difícil regresso da harmonia social Não é fácil voltar à normalidade e ainda é mais difícil restaurar a harmonia social e a paz. Com a reabertura das fronteiras entre a China, Hong Kong e Macau, a cidade está outra vez movimentada, vibrante e repleta de turistas. Actualmente, os negócios e a vida em Macau melhoraram significativamente, quando comparadas com o ano passado, embora ainda estejamos longe de recuperar os níveis pré-pandémicos. Além disso, o impacto da pandemia ao longo dos últimos três anos e da política de “meta dinâmica de infecção zero” implementada em Macau, infligiram um tremendo golpe na economia e as pessoas passaram tempos muito difíceis. Por isso, a recuperação da economia e a retoma da qualidade de vida dos habitantes da cidade não podem ser feitas de um momento para o outro. Embora não seja fácil o caminho para o regresso à normalidade, se for adoptada uma abordagem correcta, os problemas acabarão por se resolver. Por aquilo que me é dado observar, Singapura é a cidade asiática que mais depressa recuperou a sua economia e acabou por beneficiar com essa recuperação. Com uma postura aberta e inclusiva, Singapura foi a primeira a atingir a imunidade de grupo e co-existiu com o vírus da Covid-19 promovendo a vacinação universal. A economia do país não foi duramente atingida nesse período. Pelo contrário, tirou partido da sua flexibilidade política para conseguir imensas oportunidades de negócio. Compete aos profissionais de saúde assumir o comando na prevenção e contenção da propagação da Covid-19, ao passo que o desenvolvimento nacional e regional é uma difícil tarefa que põe os políticos à prova. A este respeito, Macau deve aprender com o exemplo de Singapura, porque irá sem qualquer dúvida ajudar a cidade a voltar à normalidade o mais rapidamente possível. Vai levar tempo para que a economia volte ao normal. Mas, desde que se enverede pelo caminho correcto, o objectivo será alcançado. No entanto, a construção da harmonia social e da paz não é uma questão de tempo. Ultrapassar as fissuras sociais, o ódio étnico e o rancor entre nações também exige a participação activa das populações e o esforço conjunto dos líderes mundiais, que deverão possuir inteligência e sabedoria. Há esperança no regresso da paz quando todos compreendem os benefícios da coexistência pacífica. Passou praticamente um ano desde que as tropas russas entraram na Ucrânia, em nome de uma operação militar especial. O vice-ministro russo do Negócios Estrangeiros declarou recentemente que a Rússia está pronta para dar início a negociações de paz com a Ucrânia sem condições prévias, o que é, naturalmente, inaceitável para a Ucrânia porque isso implica abdicar dos territórios ocupados pela Rússia. Se o conflito entre a Rússia e a Ucrânia se transformar numa segunda edição da ocupação soviética do Afeganistão, ambos os países continuarão a sofrer por tempo indeterminado. Com a tensão a aumentar entre os Estados Unidos e a Rússia, não seria bom se a China (que assume uma posição imparcial na Guerra Russo-Ucraniana) actuando como representante do terceiro mundo, e desempenhando o papel de mediador, viesse a facilitar o processo de paz na Ucrânia? Pela mesma lógica, a chave para resolver a unificação do Estreito de Taiwan vai residir na boa vontade numa “reunificação pacífica”, que a China declarou vir a ser realizada. A 13 de Fevereiro (segunda-Feira), Lu Wenduan, vice-presidente da Federação Chinesa de Hong Kong para os Chineses Retornados do Exterior e presidente da Associação de Hong Kong para a Promoção da Reunificação Pacífica da China, declarou a um jornal de Hong Kong que é necessário evitar perturbar as próximas eleições gerais de Taiwan, por isso não é aconselhável levar a cabo uma consulta sobre a promulgação da legislação do artigo 23.º da Lei Básica de Hong Kong em 2023. Uma vez que a aprovação da legislação do artigo 23 não está no Programa Legislativo do Governo de Hong Kong de 2023, e considerando o passado patriótico e o amor de Lu por Hong Kong, bem como os recentes desenvolvimentos no Extremo Oriente, é muito provável que o Governo de Hong Kong atrase a aprovação da legislação do artigo 23.º, de modo a evitar criar problemas à China. Realmente admiro a coragem dos homens de Estado da China, que foram capazes de tomar decisões para ajustar a política de “meta dinâmica de infecção zero”, e de se focar no regresso da economia à normalidade e na prevenção de convulsões sociais. A manutenção da paz é fundamental para o revigoramento de um país e a harmonia é crucial para a construção social, e ser capaz de viver em paz é muito importante para a co-existência dos povos. As medidas actualmente implementadas para restabelecer a normalidade são apenas um regresso de práticas do passado. Quanto a restaurar verdadeiramente a normalidade da sociedade, a reconciliação entre as pessoas é o mais importante de tudo.
Carlos Coutinho VozesA nova praga urbana ESTÃO, infelizmente, desatualizados os números do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), mas ainda não há outros e eu nem por isso perdi o direito de os incorporar nestes apontamentos, não só pela sua dimensão, mas, sobretudo, pelo que significam. Além disso, não os vi atempadamente divulgados pela nossa Comunicação Social. Segundo o ACNUR, milhões de pessoas fugiram da Ucrânia devido à rápida deterioração da situação e às ações militares no país. São já 5,9 milhões as pessoas deslocadas dentro da Ucrânia. No total, mais de 14 milhões fugiram das suas casas, desde 24 de fevereiro de 2022. Trata-se do o maior movimento de refugiados, em 75 anos, na Europa. “A situação é cada vez mais instável, delicada e imprevisível, porque o número de pessoas em fuga está a aumentar a cada minuto” considera o ACNUR que acrescenta: “A maioria dos refugiados da Ucrânia são mulheres, crianças e pessoas mais velhas. Muitos chegam traumatizados às fronteiras de países vizinhos. Alguns tiveram de deixar as suas casas com pouca ou nenhuma bagagem, deixando todos os seus pertences para trás.” Vejamos, então, os “números atualizados a 16 de janeiro: mais 7,9 milhões de refugiados ucranianos registados em toda a Europa, acrescidos dos 4,9 milhões registados para proteção temporária ou sistemas nacionais de proteção semelhantes na Europa. Mais de 5 milhões de pessoas deslocadas internamente”. Enquanto isto, as forças em confronto em toda a Ucrânia intensificam os bombardeamentos, indiferentes ao número de cadáveres que deixam à vista e debaixo dos escombros. Fui ao “Euronews” tentar saber um pouco mais, porém só me apareceram culpas de um lado, como de costume. Mas nem por isso deixo de as recolher, visto me parecerem credíveis: “A Rússia continua a bombardear várias cidades ucranianas e iniciou a próxima grande ofensiva na região de Lugansk, no leste do país, segundo a informação avançada pelo Instituto para o Estudo da Guerra (ISW no acrónimo em inglêsi) num relatório recente. “As forças russas recuperaram terreno na Ucrânia e começaram a próxima grande ofensiva na região de Lugansk. O ritmo das operações russas ao longo da linha de Svatove-Kreminna, em Lugansk, aumentou acentuadamente durante a última semana. “O destacamento de elementos que fazem parte de pelo menos três grandes divisões russas especializadas em operações ofensivas para esta região indica que a ofensiva começou, mesmo que as forças ucranianas estejam até agora a impedir as tropas russas de conseguirem ganhos significativos”, segundo o relatório citado. E nunca informou que Zelensky tem 800 milhões de dólares em ‘offshores’ e que Joe Biden não o deixa abrir uma porta, por mais pequena que seja, para negociações de paz. Que números vou encontrar, quando voltar a estas pesquisas? À tarde QUEM nunca viveu em Lisboa ou no Porto, ou mesmo em Coimbra ou em Setúbal, não faz a mínima ideia de como uma boa intenção ganhou corpo e rapidamente se transformou numa praga, as trotinetes motorizadas. E, mesmo para os lisboetas é difícil lembrarem-se da altura em que se deu o seu boom. Verdes, brancas, cor de laranja, pretas, de aplicações ou pessoais, a verdade é que as trotinetes têm, cada vez mais, sido vistas como pragas, não só na capital como também noutros pontos do país. Afinal, ainda é uma alternativa de mobilidade que só aumentou o número de acidentes, já que, muitas vezes, são abalroadas por carros ou atropelam peões. Segundo o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central – que é constituído pelo Hospital S. José, Hospital Curry Cabral, Hospital Santa Marta, Hospital Santo António dos Capuchos, Hospital Dona Estefânia e Maternidade Dr. Alfredo da Costa –, em 2022, foram atendidas 995 pessoas na Urgência Geral e Polivalente do Hospital de S. José, devido a acidentes envolvendo trotinetas. No mesmo Segundo o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Centro – que é constituído pelo Hospital S. José, Hospital Curry Cabral, Hospital Santa Marta, Hospital Santo António dos Capuchos, Hospital Dona Estefânia e Maternidade Dr. Alfredo da Costa –, em 2022, foram atendidas 995 pessoas na Urgência Geral e Polivalente do Hospital de S. José, devido a acidentes envolvendo trotinetas. No mesmo período, recorreram ao Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica 359 pessoas. Embora não exista registo de vítimas mortais, de acordo com os dados registados pelas forças de segurança, face ao crescente aumento destes utilizadores, o número de feridos tem vindo a aumentar, tendo-se registado 14 feridos graves de janeiro até novembro de 2022, que compara com três em 2019, e 399 feridos ligeiros que compara com 81 em 2019. Não haverá que regulamentar melhor a moda do uso deste meio de transporte?
Amélia Vieira VozesOitavos de final O número oito tem as suas benesses. Toda a gente ao redor dizia: «quem nasce a oito é rico»; hoje já ninguém sabe o que tal adjetivação possa significar. Oito é um número, e como todos sabem é também esse octógono que testemunha a lição fantástica das Capelas Imperfeitas. Abertas estavam para o céu acreditando-se mesmo que alguém, ou alguma coisa, desceria para revelar o que não sabemos. Imperfeitas?! Talvez não. Elas foram deixadas assim para uma qualquer esperada manifestação. Dito isto, há que os descobrir na arquitectura para sabermos quem vem ou virá que aterre em segurança, não vá por más escolhas ficar feito num oito ( significado contrastante com a boa estrela do número). Quem está feito num oito não volta a ser numericamente mais nada, a menos que descubra que esse recolher em S possa ser um retorno perfeito, que a Oriente cede passagem como número sagrado e se inicia na profética demanda, mas quatro, ninguém imagina a tristeza que transposta! A própria língua dá-lhe sonoridade de morte, ele dobra, transcendendo assim condição mortífera. Por outro lado, oito é bonito. Deveriam os signos alfabéticos e numéricos ser mais ou menos perfeitos? Sem dúvida. Foi essa definição gráfica que nos fez acercar do conteúdo verbal /numérico. Ao agrupá-los numa rede de signos, conceitos, abstracções, criámos estradas que a própria natureza desconhecia, alterando-a. Criados os signos, as condições estavam definidas para pensar grandes artefactos de um monumental esquema civilizacional. A China ama o oito, nós o cinco, e outros amarão o que muito bem lhes aprouver. Por tudo isto cada um caminha para os seus domínios onde se encontra uma geometria muita própria. Cada um avança em sua deidade numérica entregue ao fluxo dos anos, e tende a expandir ciclos florescentes nos seus numerários «Ir aos oitavos» é ser escolhido para o duelo final “após os sete dias da lei veio o oitavo da graça”: prepúcio cortado, oito almas embarcadas na arca de Noé salvas pelas águas numa já muito marcada senda da transcendência do número que “ao seguinte dia de sábado” existiria ainda como símbolo de ressurreição. Octávio, Outubral… Octávio Augusto, primeiro imperador de Roma, tinha a marca dos oitavos filhos nascidos das famílias romanas; por cá, a tradição dizia-nos apenas que entre sete filhas, a sétima era bruxa, e para escapar a isto, só um redondo numérico. Tudo expande para formas renovadas, ampliações fora do clã… tudo toca mais perto o longe que vem por força giratória ao ciclo da vida que se refaz. Não há linear conduta, andamos no invólucro giratório onde a morte se descontrai para entrar na ordem invencível. Esta vitória da curva sobre a recta diz muito da sua composição gráfica que tendencialmente constrói nas correntes da visualidade o sucesso sem fim à vista deste número. A recta final não é uma oitava, e mesmo assim, ambas se confundem em seu términus. Há que chegar à final! – E, afinal, quem pode escrever direito por linhas tortas? E quem distende a recta quando o tempo começa a ser escasso? Lebres e Tartarugas nas meias Finais. Entre o círculo e o quadrado ele pode ser ainda uma clave de sol que penetra geometrias opostas servindo de melodia para os contundentes ângulos do pragmatismo, alisando as arestas das fronteiras agrestes… Ele dança! É a dançarina em nós. Deitamo-lo e eis o infinito. A sua esfera totalizadora levantou-se, e como os antigos reis do Norte, abeira-se um extenso conflito para reparação das forças onde no centro da sua curvatura nada pare de girar. G8 foi abatido. E agora aguardemos as voltas que o mundo dá.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesEducar os adolescentes para a gestão financeira Publicámos há pouco tempo um artigo sobre a educação que os pais deveriam dar aos filhos na gestão do dinheiro que recebem nos envelopes vermelhos, para que possam incorporar a noção de gestão financeira. A semana passada, alguns órgãos de comunicação social de Macau divulgaram uma notícia sobre um homem de Jinan, na China continental, que ensina ao filho a melhor forma de administrar o seu dinheiro. Hoje vamos analisar as semelhanças e as diferenças entre estes casos. O pai de Jinan deu início a um plano de poupança para o seu filho de 10 anos em Janeiro de 2022. Sempre que a criança cumpre os seus deveres, é recompensada com dinheiro. Quando atinge os 50 CNY, se este valor ficar à guarda dos pais por mais de um mês, recebe 10por cento de juros. Após um ano, a criança tem um total de 1570 CNY. Assim, para além de aprender algumas lides domésticas e a concentrar-se nos estudos, a criança não vai gastar o seu dinheiro de forma impensada e também aprende a comprar apenas os produtos mais caros quando estão com alguma promoção especial. Conforme foi noticiado, o pai ensina ao filho três princípios financeiros essenciais. Primeiro, procura o pote de ouro. Segundo, poupa. Terceiro, tempo é dinheiro. Ao cumprir as tarefas domésticas e as tarefas escolares, o filho vai ganhando uma moeda atrás da outra, resultado do seu esforço, que, acumuladas, se transformam no seu primeiro pote de ouro. Este procedimento já se mantém há um ano, o que fará o jovem perceber que ganhar dinheiro implica trabalho. A partir do momento em que toma consciência deste facto, no futuro, o jovem irá dar valor a cada centavo porque fica a saber que não se ganha nada sem esforço. O pai encoraja o filho a ganhar dinheiro e a poupá-lo. A grande maioria das pessoas sustenta-se através do seu próprio trabalho, poupa o que consegue e cria e o pote de ouro. Criar uma poupança requer perseverança. Se a vontade não for firme, não se consegue poupar porque estamos sempre a ser tentados por uma série de coisas. O pai sugere que o filho entregue os ganhos todos os meses para o impedir de gastar dinheiro à toa e para evitar a situação “chapa ganha, chapa gasta”. Ao dar ao filho um juro sobre o dinheiro que guarda, o pai está a dizer-lhe indirectamente que o dinheiro pode render se for acumulado ao longo do tempo. A criança compreende o princípio e cumpre-o à risca. Desta forma, não vai desistir facilmente e a sua riqueza irá acumular-se aos poucos, à medida que o tempo passa. É bem verdade que a água que pinga sem parar desgasta uma pedra, mas não um dia de trabalho. O pai tem as melhores intenções ao ensinar ao seu filho os princípios da gestão financeira. Ensinar o filho a valorizar o dinheiro, a compreender a necessidade de poupar e também a compreender que tempo é dinheiro. Desde que se mantenha fiel a estes três princípios, vai certamente encorajar o filho a ter futuramente uma gestão correcta do seu dinheiro, pelo que será mais fácil para o jovem vir a acumular a sua própria fortuna. Quem beneficia desta lição não é apenas o filho, mas também a família que vier a ter depois de se casar. Claro que algumas pessoas comentaram que cumprir as tarefas domésticas pode implicar que a criança não faça tão bem os trabalhos da escola e que o que uma criança deve fazer é estudar. Mas não deveria este jovem aplicar-se nos estudos sem recompensas? Pela mesma lógica, o trabalho doméstico deveria ser apenas responsabilidade dos pais. Fazer o trabalho doméstico em conjunto implica uma espécie de partilha de responsabilidades e ajuda a solidificar as relações familiares. Neste caso, o pai recompensa o filho por fazer alguns trabalhos domésticos e por estudar com dedicação. Recompensar um filho por fazer o que deve fazer pode não ser conceptualmente correcto. Existe alguma verdade quando se diz que não se deve recompensar alguém que não faz mais do que a sua obrigação. Do ponto de vista dos pais, optar por esta abordagem pode fazer com que as crianças criem algumas noções erradas. Portanto, devemos ter cuidado quando pretendemos ensinar gestão financeira às nossas crianças através deste método. Mas, por outro lado, o que pode um miúdo de 10 anos fazer se não fizer bem os trabalhos domésticos ou os seus deveres da escola? Os três princípios financeiros acima mencionados são tão simples que todos os compreendem, mas nem todos os seguem. Se já é difícil para um adulto cumprir estes princípios, quanto mais para uma criança imatura? Cultivar o conceito correcto de gestão financeira nos jovens deve começar quando são pequenos e quanto mais cedo melhor. O pai de que temos vindo a falar tem, de facto, as melhores intenções quando pretende ensinar ao filho o valor da gestão financeira. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesQuem trabalha? Portugal está a viver um dos momentos sociais mais conturbados dos últimos anos. As paralisações profissionais prosseguem de uma forma contínua, diversificada e, em alguns casos, absurda. Os professores não dão aulas há semanas e mais de 100 mil manifestaram-se em Lisboa, no sábado, os agricultores pegaram em trezentos tractores e foram em marcha lenta pela estrada fora protestando que a ministra da Agricultura é uma incompetente e que desejam a sua demissão, os oficiais de justiça vieram para a rua protestar contra a falta de meios para trabalhar e os tribunais estão cada vez mais inoperacionais, os comboios resolveram parar e os restantes trabalhadores pobres que se lixem e que faltem ao trabalho. Um caso chocante passou-se num Centro de Saúde de Lisboa. Uma senhora acabada de ter alta hospitalar após uma cirurgia a um pulmão, passados dois dias teria obrigatoriamente de mudar o penso. Ao chegar ao Centro de Saúde, uma funcionária rude e malcriada da recepção disse-lhe que podia ir-se embora que os enfermeiros estavam em greve. A funcionária nem se dignou em perguntar a um enfermeiro se poderia abrir uma excepção para um caso urgente. A senhora que foi operada, é pobre, que fez o sacrifício de pagar um táxi e deslocar-se com a ajuda de uma amiga para ser tratada teve de voltar para casa e com indicações de ir ao Centro de Saúde no dia seguinte. Estamos autenticamente num mundo cão. As greves sucedem-se, ora, nos transportes marítimos Lisboa/Barreiro, ora, no Metropolitano de Lisboa, sem que os sindicatos se convençam que os seus direitos terminam quando começam os direitos do povinho. Milhares de trabalhadores têm ficado sem possibilidade de ir trabalhar devido à onda constante de greves nas mais diversas profissões. Numa estação ferroviária da linha de Lisboa-Sintra ouvimos um cidadão a perguntar: “Mas quem é que trabalha neste país?”, referindo-se ao número exagerado de greves e manifestações que têm decorrido em Portugal. Não está em causa o direito à greve, mas sim o bom senso de quem dirige o sindicalismo. Há casos em que alguns sindicatos não estão preocupados em negociações. O que lhes interessa é “mostrar serviço”… Portugal não pode continuar com o descontentamento do povo cada vez maior. Pelas ruas apenas ouvimos insultos aos políticos dos mais diversos partidos, aos membros do Governo, aos deputados. Isto, é perigoso porque as instituições populistas cativam cada vez mais os descontentes e, um dia, não se admirem de a dita democracia – que segundo o The Economist está na cauda da Europa – ficar em perigo e o país ser governado por um grupo organizado neo-fascista. O Governo tem uma maioria absoluta e em vez de construir obra que se veja com os milhões de euros vindos da Europa, tem-se perdido em questiúnculas internas, demissões de ministros e secretários de Estado, directoras disto e daquilo que rescindem da função. Não pode ser. António Costa tem de colocar um travão no obsceno e entrar na realidade da situação social que está a ficar cada vez mais degradada. Os pobres já optam entre o medicamento ou a comida. É chocante ver cada vez mais sem-abrigo a dormir na rua. E ainda por cima as autoridades brincam com o fogo. Assistimos na semana passada à tragédia do terramoto no sul da Turquia e no norte da Síria. Milhares de mortos e outros tantos desaparecidos. Pois, toda a gente sabe que Lisboa é uma das zonas mais inconstantes no aspecto sísmico e os especialistas já afirmaram na televisão que podemos ter algo de semelhante ao que aconteceu na Turquia e Síria. Pois, ainda não houve um governante sequer que se lembrasse de mandar efectuar um levantamento de quantos pavilhões desportivos temos em Portugal e nesse sentido mandar comprar nas diversas fábricas de colchões alguns milhares que ficassem guardados para o caso de nos acontecer uma tragédia. No mínimo, já teríamos colchões preparados para que os desalojados dos prédios que ruíssem pudessem dormir com algum aconchego. Nem isto passa pela cabeça de quem diz que trabalha para bem do povo. Afinal, neste país, quem é que trabalha?
Tânia dos Santos VozesO sexo e a morte Os franceses chamam ao orgasmo le petite mort. Uma pequena morte para os que vivem no limbo da vida, a roçarem os limites da sensação de transcendência. O Freud não lhes conferiu tal ligação. Ao invés dicotomizou duas pulsões que regem a vida. A pulsão da morte ou da destruição e a pulsão do prazer, a libido. Para os que intelectualizam a maneira das coisas, os opostos significam pouco quando coexistem de forma tão inequívoca. Quanto mais sexo se tem, mais vida se ganha. Ou seja, quem tem mais orgasmos reduz a sua mortalidade, dizem-nos os cientistas. Mas quando se fala do sexo a par da morte sugere-se uma visão mais metafórica. Talvez mais animal também. Se a morte é o que devemos à natureza que nos criou de carne e osso, o sexo é o que devemos à nossa natureza. Um com o outro, nunca sem. A velhice é um espaço de receios contaminada pela morte e nem por isso por menos sexo. As pessoas sabem que o seu caminho pode torná-las menos conscientes da civilização que as rodeia. Por consequência, os outros respondem com horror à sua desadequação. O sexo é-lhes apagado porque erroneamente achamos que o sexo só existe na vitalidade da juventude e dos seus momentos fugazes e irrefletidos. O sexo é como se não existisse. Ao ver a minha família a envelhecer e a desaparecer em cognição e pensamento vejo que o sexo continua lá. Talvez não da mesma forma. A minha avó manda beijos aos homens e o meu pai manda piropos às mulheres como nunca o vi mandar. Uma força de vitalidade que tenta contrariar o mundo das profundezas de Hades, o deus da morte. Fazem-se cambalhotas para fintar a negatividade ou a inação que é a degeneração. Um mecanismo para manter a vitalidade animal. Mas na pulsão libidinal está algo ainda mais básico que o sexo: está o afecto, o toque e o carinho. Esse é o sustento mais importante para a nossa sobrevivência, o antídoto da morte. Nos anos 50 realizou-se um estudo que mostrou o poder do toque. Harry Harlow mostrou que para a sobrevivência de macacos bebés era necessário algo mais para além da comida e água. Para a sua sobrevivência precisavam do conforto dos braços da mãe macaca, um outro tipo de sustento. O sustento que aguenta o caminho para o desconhecido. O sustento que é tantas vezes posto de parte, ignorado ou posto para segundo plano, como se a única necessidade humana de sobrevivência fosse um tecto, uma refeição e pouco mais. O vislumbre da morte precisa tanto de sexo como o sexo precisa da morte. Se não fosse a mortalidade, a força libidinal não teria tanta expressão e vontade de contrariar a decadência dos corpos. É também pelo sexo que nos aproximamos desse estado de perda e dissolução, de não sabermos quem somos nem por onde vamos. Como uma dança que transporta simplicidade de se ser, o Freud tinha razão. O Eros, o prazer, e o Thanatos, a morte, podem bem ser as pedras basilares das nossas vidas.
Hoje Macau Vozes44 anos de Relações Portugal-China: ampliar os benefícios mútuos da parceria estratégica Por Rui Lourido A 8 de fevereiro de 2023 comemoram-se os 44 anos de relações diplomáticas, estabelecidas entre Portugal e a China. Portugal tem, nos últimos anos, participado do Cinturão e Rota, iniciativa lançada há 10 anos pela China, contribuindo desta forma para uma comunidade de futuro compartilhado entre os dois países. Em abril de 2022, o primeiro-ministro português, António Costa, reafirmou mais uma vez, não só a defesa do aprofundamento da cooperação entre Portugal e China, a ambição de Portugal ser um aliado da China na abertura de grandes mercados como o da União Europeia (UE), da América Latina e da África, em especial com os países de língua portuguesa. Estas declarações do primeiro-ministro foram proferidas na cerimónia de abertura da reunião extraordinária ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau). Na sua intervenção, defendeu ser importante a intensificação dos investimentos chineses para a recuperação das economias dos países de língua portuguesa, atingidas pelo impacto da pandemia de Covid-19 e pela guerra na Ucrânia. Por sua vez, o Fórum de Macau informou que o seu fundo alavancou um investimento total de mais de 4 mil milhões de dólares (3,7 mil milhões de euros), através de empresas chinesas, junto dos países de língua portuguesa. O agravamento das tenções internacionais, motivadas pela guerra e pela tentativa de isolar a China, tem criado limitações a países, como Portugal, que tem uma longa tradição de relacionamento intenso com a China. Contudo, o facto de Portugal ser a nação europeia com as mais longas (desde o século XVI) relações pacíficas e de amizade com a China, é um motivo de orgulho nacional. A circunstância de Portugal ter sido, igualmente, pioneiro na difusão da sofisticada e avançada civilização chinesa às restantes nações ocidentais (o que viria a influenciar a moda europeia, com um gosto à chinesa – a Chinoiserie), consubstancia a ponte civilizacional mais duradoura e profunda entre a Europa e a China. Para reforçar o relacionamento pacífico em nível mundial, a China criou em 2013 a iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês). Nestes 10 anos de existência, a iniciativa demonstrou ter contribuído para o desenvolvimento económico dos países participantes, com base em benefícios mútuos e na não ingerência nos assuntos internos. Proliferaram infraestruturas para o desenvolvimento social, como estradas, pontes, caminhos de ferro modernos e velozes, hospitais e equipamentos de saúde, entre outros. Mas esta cooperação não foi só na Ásia e na África, também na Europa, a abertura da China contribuiu para evitar a recessão económica do mundo no período de pandemia e continua a contribuir para o seu desenvolvimento económico. Nomeadamente a iniciativa transporta por via marítima (por ex. até aos portos gregos) e por via-férrea, até à Polónia, Alemanha e Espanha, entre outras nações, inúmeros comboios de mercadorias essenciais. Portugal foi um dos 57 países fundadores do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII, em 2015), um dos pilares para o investimento no Cinturão e Rota. Entre as largas dezenas de países que têm vindo a assinar acordos de participação nesta iniciativa, Portugal também assinou o seu acordo, em dezembro de 2018, durante a visita de Estado do presidente da China, Xi Jinping. Na altura, foram igualmente assinados pelos dois países, 17 acordos de cooperação (incluindo 10 memorandos de entendimento), abrangendo múltiplas áreas, da cultura à energia, comércio e serviços, transportes, novas tecnologias como o 5G. Estes acordos têm vindo a potenciar a cooperação bilateral Portugal-China e em mercados terceiros. O Porto de Sines e a sua ligação à rede ferroviária transeuropeia e eurasiática serão igualmente valorizados. A China é o maior parceiro comercial de Portugal na Ásia. De acordo com os dados de estatísticas dos Serviços da Alfândega da China, as trocas comerciais entre a China e Portugal aumentaram em 2022. As trocas comerciais entre janeiro e dezembro totalizaram 8.424.476 mil Euros, as exportações da China foram de 5.587.011 mil euros e as importações da China foram de 2.837.465 mil euros. Estes valores representaram uma variação homóloga total de 2.4%. Com os países de língua portuguesa, as trocas comerciais de janeiro a dezembro de 2022 foram de 200.077 mil milhões euros, registando um aumento homólogo de 6.27%[1]. O embaixador da China em Portugal, Zhao Bentang, tem destacado o importante papel de Portugal como “um parceiro endógeno” para o reforço do Cinturão e Rota. Este embaixador afirmou que as relações entre os dois países são exemplares e que a China colaborará com Portugal, promovendo a cooperação bilateral em todas as áreas, para atingir novos patamares de desenvolvimento. Estas declarações têm vindo a ser reafirmadas, como aconteceu na abertura da 3ª Conferência Internacional de Cooperação Portugal-China, promovida pelo Observatório da China e pela União das Associações de Cooperação Amizade Portugal-China (dezembro 2021), que contou com a presença do ministro do Mar português, e do secretário de Estado para a Internacionalização, e, recentemente, aquando das comemorações do Ano Novo Chinês 2023. Portugal tem aprofundado a sua parceria estratégica com a China, a qual apreciou a posição do governo de Portugal de reafirmar a política da existência de uma só China, cuja capital é Beijing. Consideramos fundamental reativar o Acordo Global de Investimento entre a UE e a China, assinado em 2020, e suspenso no ano seguinte, pois é o acordo mais favorável ao desenvolvimento da Europa e a sua implementação contribuirá significativamente para ultrapassar a atual crise económica europeia. Por outro lado, Portugal e a Europa necessitam de reafirmar a autonomia dos seus interesses estratégicos, recusando o clima de Guerra Fria e de clivagem entre blocos geopolíticos, neste mundo multipolar, para poderem contribuir determinantemente para a paz e para a resolução dos principais problemas da humanidade, como são as alterações climáticas e o crescimento do fosso entre pobres e ricos. É urgente a colaboração entre todas as nações para melhorar a governança global e criarmos uma comunidade de futuro compartilhado da humanidade. [1] https://www.forumchinaplp.org.mo/pt/as-trocas-comerciais-entre-a-china-e-os-paises-de-lingua-portuguesa-de-janeiro-a-dezembro-de-2022-foram-de-214829-mil-milhoes-de-dolares/
Carlos Coutinho VozesVá-se lá saber porquê… CHAMA-SE Harald Kujat, é alemão e, em 2005, ainda era o presidente do Comité Militar da NATO, em Bruxelas. Tem também no seu currículo – ou no seu cadastro, não sei – a nota de que desempenhou o mais alto cargo na Bundeswehr, as Forças Armadas do seu país. O que sei é que, no dia 18 de Janeiro, deu a um jornal suíço, o “Zeits-Chehen-im-Focus.cgs”, uma entrevista muita esclarecedora que os média portugueses do sistema ou não viram ou não os deixaram ver tal como grande parte dos seus congéneres na Europa. Então, não é que o homem tem o descaramento de afirmar, relativamente à tragédia ucraniana, que “esta guerra podia ter sido impedida e devia ter sido impedida”? E acrescenta: “Talvez um dia se faça a pergunta de quem quis esta guerra, quem não a quis impedir e quem não a pôde impedir.” Perante um desabafo destes, só posso imaginar que o general está entre os que não conseguiram impedir o trágico desporto de Zelenski, Stoltenberg, Ursula von der Leyen e Joe Biden, este o dono deles todos, e que isso ainda hoje lhe dói, apesar de ser alemão e ter sido o que foi na NATO. Surpreendo-me ao verificar que um general de topo da Aliança Atlântica, que sabe muito bem o que são os tubarões e os outros predadores que ciclicamente vão a Davos acertar contas, seja capaz de pensar e afirmar que “não, esta guerra não é pela nossa liberdade. Os problemas de fundo que conduziram à guerra e que fazem com que ela ainda decorra, embora pudesse ter acabado há muito, são bem diferentes. (…) O objectivo (dos EUA) é enfraquecer a Rússia, do ponto de vista político, económico e militar, a tal grau que depois se possa virar para o seu rival geopolítico, o único capaz como potência mundial: a China”. Kujat lembra também que, de acordo com informações fidedignas, o então primeiro-ministro britânico Boris Johnson interveio em Kiev a 9 de Abril (de 2022), para impedir a assinatura do acordo Ucrânia-Rússia alcançado nas negociações realizadas em Istambul”. E pergunta: “Quem fez explodir o Nordstream 2?” Como é sabido, Angela Merkel, depois muito apertada em e em Bruxelas, lá confessou “apenas ter assinado os acordos Minsk II (2015) para dar tempo à Ucrânia e a Ucrânia usou esse tempo para construir a suas Forças Armadas. O ex-presidente francês François Hollande confirmou isso mesmo.” A minha sorte é ainda haver jornais como o “Avante!”, onde Jorge Cadima pôde escarrapachar isto e muito mais na edição de 2 de Fevereiro. Mas, para saber mais da presidente da União Europeia, tive de suar as estopinhas, talvez por serem escassos os dados que poderiam interessar-me especialmente neste breve apontamento. Lá fui pesquisando à minha maneira e pouco mais apurei que Ursula von der Leyen ter sido acusada de plágio na sua tese de doutoramento na Faculdade de Medicina em Hanôver, Alemanha. Casou-se, apesar disso, ou por causa disso, com o director executivo de uma empresa de engenharia biomédica e aprendeu tanto com ele que, em 2013, a tal chanceler filha de padre fez dela ministra da Defesa, podendo assim chefiar à sua maneira a Bundeswehr que nem depois de Hitler mudou de nome. É daí que vão sair uns quantos Leopard 2 para a Ucrânia, onde a guerra vai continuar, até estar outra pronta para eclodir, porque a indústria de armamento precisa de clientes e não deve contribuir para a vaga de desemprego que flagela os EUA e a própria Alemanha já em recessão. À tarde AVERROIS, que já foi embora há 854 anos, disse coisas que me fazem pensar muito sempre que oiço frau Ursula von der Leyen, uma loiraça alemã que se delicia com tropas e guerras, onde quer que seja. Chamava-se Abu Alualide Maomé ibne Amade ibne Maomé ibne Ruxide, nasceu em Córdova num tempo cruel em que viver era uma aventura dos diabos e foi morrer a Marraquexe, em Marrocos. Era um supersábio, ou polímata, porque sabia tudo sobre medicina, filosofia, teologia, medicina, astronomia, matemática, física, jurisprudência, direito islâmico e linguística. Serviu muitas vezes tanto de juiz como de médico, mas nem por ser um neoaristotélico, se coibiu de criticar o seu avatar grego. Só muitos séculos depois, um outro génio que dava pelo nome de Leonardo Da Vinci, o conseguiu imitar em desarricanços de polímata. Nasceu em Córdova, em 1126, numa família de juízes proeminentes — um seu avô era o célebre juiz supremo da cidade —, mas em 1195 foi alvo de várias acusações, provavelmente por razões políticas, exilou-se em Lucena. Era forte defensor do aristotelismo que tanto agradava a alguns eminentes teólogos católicos, até porque verberava as tendências neoplatónicas de pensadores muçulmanos anteriores, como Alfarábi e Avicena, que também eram polímatas, mas não tanto. O seu pensamento gerou brutais controvérsias na cristandade latina, desencadeando um movimento filosófico baseado em seus ensinamentos, Averroísmo, mereceu a condenação pela Igreja Católica em 1270 e 1277. Embora enfraquecido pelas críticas de um teólogo como Tomás de Aquino, que via na mulher a sede do mal, o averroísmo latino permaneceu e atraiu importantes seguidores, durante o século XVI, e a verdade é que, ainda hoje, o celibato é uma condenação irremissível para os eclesiásticos católicos. No âmbito religioso, a interpretação do Corão por Averróis estabelece que há verdades óbvias para o povo, místicas para o teólogo e científicas para o filósofo. E todas podem estar em desacordo umas com as outras. Então, havendo o conflito, os textos devem ser interpretados alegoricamente. É daí que decorre a ideia herética de que existem duas verdades, em que uma proposição pode ser teologicamente falsa e filosoficamente verdadeira. E vice-versa. Averróis teve o favor e a protecção de vários sultões, até que foi desterrado para Marrocos, onde faleceu pouco depois, na corte de Iacube Almançor. Deste Almançor terão muito que dizer os portugueses, mas isso não é agora para aqui chamado. Rafael pintou Averróis em Atenas, uma cidade onde ele nunca esteve. Vá-se lá saber porquê…
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRedução dos tempos de pausa Uma das mais importantes notícias que circulou a semana passada em Macau, foi a anunciada redução dos tempos de pausa dos trabalhadores da operadora de jogo Wynn. De acordo com a comunicação social, a Wynn notificou verbalmente os funcionários sobre a alteração dos períodos de descanso. A alteração visava encurtar os tempos de pausa. É costume os funcionários dos casinos terem pausas durante os períodos de trabalho. Muitas funções que exigem um elevado grau de concentração têm intervalos para descanso. Os condutores de autocarros são disso exemplo. Em Hong Kong, estes condutores descansam 5 a 10 minutos por cada hora de condução, para que possam reduzir a fadiga e para que os acidentes possam ser evitados. Ao proporcionarem este tipo de descanso aos condutores as empresas reduzem a possibilidade de sofrerem acidentes. Este método faz parte da política preventiva das empresas. A Associação Novo Macau pelos Direitos dos Trabalhadores do Jogo de Macau estava preocupada com esta notícia e também a Direcção para os Assuntos Laborais, que exerce o poder de supervisão sobre esta questão, nos termos do artigo 92.º da Lei das Relações Laborais. Depois do que lhe foi comunicado, a Wynn voltou atrás na sua pretensão e os direitos e interesses dos trabalhadores não foram prejudicados. Podemos afirmar que o problema se resolveu numa “primeira instância”. Mesmo assim, toda esta questão tocou em vários pontos sensíveis que provocaram várias repercussões na sociedade de Macau. Em primeiro lugar, a redução do tempo de descanso levanta a dúvida se deverá ser feita uma emenda aos contratos de trabalho. O tempo de descanso do funcionário está claramente consagrado no contrato de trabalho e só pode ser alterado de mútuo acordo, pelo que uma emenda unilateral é inválida. Se o tempo de descanso não estiver estipulado no contrato, o tempo que for concedido para este fim a partir do seu primeiro dia de trabalho, passará a funcionar como “norma”. Claro que uma norma não é um contrato escrito assinado pelo empregador e pelo empregado, por isso ainda é duvidoso que possa constituir parte do contrato de trabalho. Em segundo lugar, embora não possamos ver os contratos de trabalho de todos os empregados, nem as normas específicas estabelecidas para cada um, sabemos que se pretendia reduzir o tempo de pausa de todos, o que iria prejudicar a imagem da operadora de jogo Wynn. Embora esta modificação não tenha sido implementada, nem tenham sido lesados os interesses dos trabalhadores, na medida em que foram mantidas as disposições originais, a operadora poderia na mesma considerar a promoção de algumas actividades de carácter solidário para melhorar a sua imagem e colocar ênfase na sua responsabilidade empresarial, para com a sociedade onde opera. Em terceiro lugar, a pretensão de reduzir os tempos de pausa surgiu a seguir à reabertura de fronteiras entre a China continental e Macau. Após a reabertura, a recessão económica de Macau começou a ser ultrapassada e os casinos voltaram a estar cheios. Será porque há muito mais clientes e menos empregados que a empresa queria reduzir os tempos de pausa? Se tiver sido o caso, para além de terem de contratar mais pessoas, deverão os empregadores discutir com os seus funcionários as condições para o pagamento de horas extraordinárias, para assim fazerem frente à vaga de turistas? Se se chegar a um acordo sobre as condições de pagamento do tempo extra de forma harmoniosa, os funcionários ficarão satisfeitos e a imagem da empresa vai melhorar. Ambas as partes ganharão alguma coisa. Os funcionários afectados pela redução das pausas que se pretendia implementar incluíam os croupiers, os empregados que distribuem as cartas pelos jogadores. Esta função é muito importante. Se os croupiers cometerem erros que prejudiquem os clientes o casino tem de os compensar. Os casinos em Macau são altamente competitivos. Se os clientes tiverem uma experiência desagradável, podem não voltar e o casino fica prejudicado. Além disso, os croupiers têm de estar concentrados e sempre atentos para conseguirem lidar com clientes que têm reacções mais emotivas quando perdem dinheiro. Por isso, as pausas no trabalho são extremamente importantes para os croupiers e também para o casino. Estes funcionários estão protegidos pela lei. À medida que o número de croupiers aumenta, a competição entre eles torna-se cada vez mais intensa. Desvalorizar o impacto do incidente da “redução do tempo de pausa” pode afectar o futuro recrutamento de funcionários da Wynn. Este incidente acabou por não lesar os interesses dos trabalhadores e a empresa também não foi prejudicada. Desde que sejam organizadas mais actividades de cariz social para melhorar a imagem da empresa, este caso pode facilmente ser esquecido. Depois da recuperação económica, a Wynn só pode continuar a crescer se mantiver uma boa reputação. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesOs pais andam a arder Portugal está a viver momentos muito caóticos no que respeita à situação dos pais. Os seus filhos não têm aulas há muitos dias porque os professores andam em guerra com o Governo e realizam greves distritais por todo o país e manifestações de protesto com milhares de presenças. Os pais têm razão quanto à sua desorientação mental. Os professores têm mais que razão porque há décadas que não são respeitados, não sobem na carreira, têm salários vergonhosos, não têm condições materiais nas escolas, fazem horas extraordinárias que não lhes são pagas. Os professores resolveram gritar basta! E irem para a rua na companhia dos filhos. Os professores são, ao fim e ao cabo, os educadores dos homens de amanhã, dedicam-se desmesuradamente à função e ainda levam trabalhos para casa para prepararem a lição do dia seguinte. Há professores que há mais de 20 anos que nem sobem na carreira nem veem o seu pecúlio aumentar. Antes pelo contrário. Tal como a população portuguesa a inflação veio estragar ainda mais a situação precária das famílias. Tudo está mais caro e neste aspecto nota-se um oportunismo ignóbil. Há comerciantes que se aproveitaram do “tudo está mais caro”, para aumentar preços em produtos que já tinha há dois e três anos em armazém. Os professores têm-se manifestado em gigantescas acções de protesto e as reivindicações são imensas, especialmente a defesa da escola pública. As negociações que os diversos dirigentes de diferentes sindicatos, especialmente a Fenprof, têm mantido com o ministro da Educação tem sido uma montanha que pariu um rato. Nada avança de concreto. Incrivelmente, o Governo até decretou serviços mínimos nas escolas e ameaçou com requisição civil caso não fossem cumpridos esses serviços mínimos, algo que vai frontalmente contra o direito à greve. O líder da Fenprof, Mário Nogueira, já anunciou que a questão só pode ter uma solução, que é a participação nas negociações do primeiro-ministro António Costa. Não se vislumbra uma solução razoável que leve os professores a parar com a onda de greves. E aqui, é que entra o sofrimento dos pais dos alunos. Mães que deixam de poder ir trabalhar para ficarem com as crianças em casa. Pais que levam as crianças diariamente à escola no sentido de confirmarem se haverá aulas. Debalde. Voltam para trás, têm de entregar os filhos aos avós, quando estes existem, e chegam atrasados ao trabalho. São semanas com os alunos sem aulas. Alguns pais já se pronunciaram afirmando que o ano lectivo está perdido. Os pais andam com a mente a arder numa situação desesperada em que alguns deles, já nem sabem como viver. Obviamente, que todo este fogo de protesto professoral e de alunos sem aulas resulta em algo muito grave. A criançada e os adolescentes aumentaram o seu tempo de permanência nos telemóveis, computadores e tablets. E segundo uma nossa fonte da Polícia Judiciária, a criminalidade tem aumentado assustadoramente devido os indivíduos, alguns organizados em gangues informáticos. Que têm tentado ludibriado as meninas que se encostam num banco de jardim ou no seu quarto privado em casa. Os contactos sucedem-se, as mensagens mentirosas e tentadoras subiram em catadupa e os jovens têm sido ludibriados das mais diversas formas, desde o assédio sexual ao roubo de dinheiro que os bandidos sacam aos jovens através do MBWay. Na semana passada a Polícia Judiciária descobriu um caso tristíssimo e relacionado com o que referimos. Uma jovem de 14 anos, na altura, manteve mensagens com um indivíduo de 48 anos e, mais tarde, o fulano foi a Leiria raptar a jovem que estava desaparecida há oito meses e que fechada numa casa em Évora, manteve um relacionamento íntimo com o indivíduo. Casos destes sucedem-se e alguns mais graves. Há pais que gostam muito de inserir nas redes sociais fotografias dos seus filhos menores, sem terem a mínima ideia que existem mafias que passam o tempo a procurar imagens de meninas ou meninos que sejam bonitos, a fim de descobrir a morada ou a escola dessas crianças, as quais vêm a ser raptadas. O povinho não faz a mínima ideia de quantos casos acontecem por ano de crianças que desaparecem e que depois são vendidas para adopção, ou violadas ou ainda levadas para um continente diferente. Os pais têm de tomar medidas radicais, têm de controlar com quem os filhos estão a falar no computador até à meia-noite, até às duas horas ou quatro da madrugada fechados no seu quarto. No dia seguinte a criança ou adolescente vai para a escola cheio de sono e dorme nas aulas. O professor não pode tomar qualquer posição contra os dorminhocos antes que seja alvo de violência. O ensino, a educação dos menores está nas ruas da amargura e estes professores em protesto, encontram-se essencialmente preocupados com a futura geração que está a ser alvo de incompetência ou teimosia política, dos grupos de criminosos e de algum desleixo de certos pais.