Uma perseguição de 40 anos

A semana passada, a comunicação social de Hong Kong publicou uma notícia sobre uma perseguição que durou 40 anos. À época, um indivíduo que hoje tem 60 anos, invadiu uma casa, violou uma jovem de 13 anos que lá vivia e fugiu sem deixar rasto. Passados 25 anos, a polícia de Hong Kong identificou o criminoso através de uma impressão digital, e agora, conseguiu finalmente detê-lo. O homem foi condenado a sete anos de prisão.

O caso ocorreu em Janeiro de 1983. O criminoso, que na altura tinha vinte anos de idade, levava consigo uma faca, perseguiu a jovem estudante na escada do prédio, violou-a e roubou-lhe cerca de 100 dólares.

Durante a investigação, a polícia recolheu uma impressão digital, mas o caso não pôde ser resolvido porque a identidade do criminoso era desconhecida. Em 2008, os investigadores já puderam usar um sistema mais aperfeiçoado de ´reconhecimento de impressões digitais e o criminoso foi identificado, mas não pôde ser localizado. Em Agosto de 2021, foi finalmente encontrado em Tsuen Wan, onde foi detido.

Depois do ataque, a vítima passou a sofrer de depressão e foi acompanhada por psiquiatras e psicólogos desde que abandonou os estudos no final do ensino obrigatório. Esta jovem faleceu em 1999 com apenas 29 anos. O prédio onde ocorreu o incidente, o Sun Fat Estate, em Tuen Mun, foi demolido.

O Tribunal de Primeira Instância do Tribunal Superior de Hong Kong julgou o caso. O réu declarou-se culpado da violação, mas não foi acusado de roubo. O juiz declarou que o ataque tinha provocado graves traumas à vítima, tendo feito com que ela não tivesse podido viver uma vida normal. O tribunal tinha estabelecido à partida uma pena de 10 anos de prisão. Tendo em conta a confissão do réu, o tribunal acabou por sentenciá-lo a sete anos de encarceramento.

Este caso merece alguma análise porque apresenta três dificuldades. Em primeiro lugar, o crime ocorreu há 40 anos. Embora a polícia tenha recolhido impressões digitais do agressor num armário na casa da vítima, não encontraram correspondência porque o sistema na época não estava informatizado, o que dificultou a investigação. Entretanto o tempo passou e o edifício foi demolido, tornando impossível uma perícia posterior.

Além disso, as impressões digitais no armário apenas podiam provar que o criminoso tinha estado em casa da vítima. Tocar no armário não constitui um crime. Entrar em casa da vítima sem o seu consentimento é um comportamento inadequado, mas é apenas uma prova circunstancial. A polícia precisava de mais elementos para provar que o agressor tinha invadido a casa e cometido o crime.

Em segundo lugar, o sémen recolhido e os traumatismos vaginais provavam que a vítima tinha sido sexualmente agredida. Contudo, como a jovem já tinha falecido, não pôde testemunhar nem ser contra-interrogada em tribunal, o que aumentava as hipóteses do réu não ser condenado.

Em terceiro lugar, não existiam provas suficientes. A vítima tinha declarado na altura que o criminoso a tinha perseguido até casa sob a ameaça de uma faca e que lhe tinha roubado cerca de100 dólares. Este facto aponta para o crime de assalto à mão armada e o uso de armas pode provocar ferimentos. É um crime grave. Actualmente, sem o testemunho da vítima, iria ser difícil provar que o réu tinha usado uma faca para a obrigar a deixá-lo entrar em casa e para a roubar.

E onde estavam os 100 dólares roubados? A prova do dinheiro roubado deveria ser apresentada em tribunal. À semelhança da situação anterior, a falta deste elemento dificultava que o tribunal provasse que tinha havido roubo. Por isso foi prudente a polícia arquivar a investigação deste crime.

Soube-se pelos jornais que o réu tinha confessado no início do julgamento, o que acelerou o processo. Como o réu não contestou as provas, o juiz pôde condená-lo directamente. Pensem sobre isto, se inicialmente, o réu se tivesse recusado a admitir a culpa, a credibilidade das provas teria de ter sido confirmada. Como a vítima já tinha falecido, não existiam testemunhos contra o acusado. Fica por saber se o arguido poderia ter sido condenado apenas com base nas provas recolhidas pela polícia no local do crime.

O caso ocorreu há 40 anos, a vítima já faleceu, o local do crime foi demolido, e mesmo com todos estes factores desfavoráveis o criminoso não escapou à alçada da lei. Foi realmente uma rede de acontecimentos felizes que levou à condenação. A vítima já faleceu, paz à sua alma.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários