COP28 – A raposa na capoeira

No ano em que se atingiram emissões recordes de gases de efeito de estufa (GEE) e em que se alcançou o valor mais alto da temperatura média global, está a decorrer no Dubai a 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP28). Este encontro internacional teve início no dia 30 de Novembro e terminará em 12 de Dezembro de 2023.

Estranhamente, o governo dos Emirados Árabes Unidos (EAU) nomeou como Presidente da Conferência o chefe da empresa petrolífera estatal Sultan Al Jaber. É difícil compreender como esta presidência poderá defender o ponto de vista do IPCC e do Secretário-Geral da ONU, em cujo discurso de abertura recorreu à metáfora “não podemos salvar um planeta em chamas com uma mangueira de combustíveis fósseis”.

Essa nomeação foi na realidade um erro de “casting”, e uma manifestação clara de conflito de interesses. É como se tivesse deixado a capoeira à guarda da raposa.

Sultan Al Jaber não disfarça a sua relutância em relação aos objetivos das COP, chegando a afirmar, em resposta a uma pergunta feita durante uma conferência via Internet, alguns dias antes do início da COP28, que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis não permitiria o desenvolvimento sustentável “a menos que se queira levar o mundo de volta às cavernas”. No entanto, perante numerosas críticas, veio mais tarde a afirmar que esta frase havia sido retirada do contexto.

Uma das condições para a realização de eventos sob os auspícios das Nações Unidas deveria ser o respeito pelos princípios que esta organização advoga. Países onde os direitos humanos mais básicos não são respeitados e onde prevalecem leis que violam a dignidade humana, não deveriam ser aceites para colaborar em eventos das Nações Unidas que possam contribuir para o branqueamento dos respetivos regimes. Neste caso o país anfitrião, onde é frequente a repressão sobre os seus cidadãos por delitos de opinião, está muito longe de respeitar esses direitos. Para ilustrar esta triste realidade pode-se referir a campanha da Amnistia Internacional, que decorre atualmente, para a libertação de Ahmed Mansoor, poeta e defensor dos direitos humanos, preso nos Emirados Árabes Unidos desde 2017.

Em defesa da ONU poder-se-ia alegar que, para a realização de eventos desta natureza, que implicam elevadas despesas, seria de fechar os olhos a certos aspetos relacionados com os governos dos países anfitriões. Mas nem sempre os fins justificam os meios.

Constitui, no entanto, um fator positivo o anúncio de contribuições para o chamado Fundo de Perdas e Danos, com o qual se pretende compensar os países mais vulneráveis às alterações climáticas, que são também os que menos contribuíram para essas alterações. Neste âmbito Portugal contribui com cinco milhões de euros, conforme anunciou o primeiro-ministro português na sua alocução na COP28, no passado dia 2. Além deste compromisso, Portugal apoiará Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, reconvertendo parte da dívida em prol de ações tendo em vista a transição energética naqueles países.

Pode-se também considerar um sinal positivo o facto de a China e os EUA terem acordado, num recente encontro entre Xi Jinping e Joe Biden, sobre a necessidade de reduzir as emissões dos GEE, em especial do metano, um dos que mais contribuem para o aquecimento global. Os chefes de estado dos dois maiores emissores deste gás, ultrapassando discordâncias que os dividem, concordaram em estabelecer novos compromissos tendo em vista mitigar as consequências das alterações climáticas. Foi também reiterado pelos chefes dos dois Estados o compromisso assumido pelo G20 de continuarem os esforços para triplicar a produção de energia renovável à escala global, até 2030. Tal como muitas outras intenções que não se concretizaram, estes compromissos poderão cair em saco roto, mas o facto de ter havido esta concordância já demonstra uma predisposição das duas grandes potências em intensificar esforços no sentido da descarbonização da atmosfera terrestre.

As eleições de Joe Biden como Presidente dos EUA (2020) e de Lula da Silva no Brasil (2022) deram esperança à comunidade científica de que haveria um maior empenhamento na luta contra as alterações climáticas. Na realidade, no Brasil, estão a ser tomadas medidas para corrigir os graves atropelos que a administração de Jair Bolsonaro havia introduzido na legislação referente à desflorestação da Amazónia e, nos EUA, foi recuperado o compromisso de cumprimento do Acordo de Paris, do qual Trump se havia retirado. Entretanto, na Argentina, o segundo maior país da América do Sul, instalou-se a incerteza no futuro com a eleição recente do autointitulado anarcocapitalista Javier Milei, que foi prontamente felicitado por Trump, Bolsonaro e outros líderes de extrema-direita. Entre as medidas por ele preconizadas consta acabar com o Ministério do Ambiente, além do Ministério da Cultura, entre outros, e o não cumprimento do Acordo de Paris.

As perspetivas também não são muito animadoras no que se refere às eleições para a presidência dos Estados Unidos da América, em 2024, atendendo a sondagens que dão a maioria a Trump nas intenções de voto, em Estados chave. Resta a esperança de que a justiça americana siga os mesmos passos da justiça brasileira, na medida em que o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil rejeitou um recurso do ex-presidente e confirmou o seu impedimento de concorrer a eleições, por abuso de poder político, durante oito anos. Como os desafios à democracia no Brasil parecem ter sido passados a papel químico do que aconteceu nos EUA, é provável que o julgamento de Trump venha ter epílogo semelhante, visto que um tribunal de recursos dos EUA decidiu recentemente que o ex-presidente deverá responder pelo papel que teve na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. A sua responsabilização pelo sucedido seria uma benesse para a humanidade em geral, considerando que está em jogo cumprimento do acordo de Paris num dos países mais poluentes do globo.

O descontentamento por alguma ineficácia dos governantes e a exploração de aspetos negativos que as democracias ainda não conseguiram resolver, aliado à fraca memória dos povos, têm feito com que essa onda de extrema-direita ameace as democracias, o que poderá refletir-se no não cumprimento das medidas preconizadas nas várias COP. Na União Europeia há 25 países com deputados de extrema-direita nos respetivos parlamentos e 5 no governo (Eslováquia, Hungria, Itália, Letónia e Polónia).

Pretende-se nesta Conferência, entre muitos outros assuntos, avaliar o progresso da implementação do Acordo de Paris. Certamente se concluirá que ainda se está muito longe de limitar o aquecimento global aos almejados 1,5 °C até ao fim do século. Note-se que, segundo a Organização Meteorológica Mundial, a temperatura média global em 2022 foi de cerca de 1,15 °C acima da média referente ao período 1850-1900.

Apesar dos retrocessos nas políticas ambientais em alguns países, permanece a esperança de que a COP28 clarifique alguns aspetos dos compromissos previamente assumidos e contribua para o estabelecimento de políticas mais agressivas no que se refere à diminuição drástica da exploração dos combustíveis fósseis. Entretanto, esperemos que as Nações Unidas escolham melhor os países anfitriões das futuras COP.

*Meteorologista

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