O Despertar Estratégico da Alemanha (I)

(Continuação do artigo publicado na edição de 13 de Novembro)

Após anos de promessas não cumpridas, a Alemanha leva agora o assunto a sério. E, de repente, o rearmamento alemão, aos olhos dos mesmos aliados que durante tanto tempo exigiram a sua necessidade absoluta, parece pouco tranquilizador. Sorrisos e apertos de mão em público, preocupação nos bastidores, pois percebe-se em palavras fora de lugar, em decisões aparentemente injustificadas e até na expressão dos rostos. Caso contrário, seria difícil explicar por que razão, em Setembro de 2022, Varsóvia decidiu formalmente pedir a Berlim reparações pelas perdas humanas e materiais sofridas durante a ocupação nazi, estimadas em cerca de 1.300 mil milhões de euros. Preço de amigo, claro.

Muito mais directo foi Trump durante o encontro com Merz na Casa Branca em Junho de 2025 ao afirmar que “Estão a gastar mais dinheiro na defesa, e isso é bom. Não tenho a certeza de que o general MacArthur pensasse o mesmo, … percebes o que quero dizer? Ele disse: ‘Nunca deixem que a Alemanha se rearme’. … Eu acho que é positivo, mas só até certo ponto. Vai chegar o momento em que vos direi ‘Por favor, parem de se armar, se não se importam’.” Seguiu-se uma palmada amigável na perna do chanceler alemão dizendo: “Vamos ficar atentos, eu trato disso.” O episódio terminou, para alívio de Merz, com uma risada forçada. O sentimento de incerteza não se sente apenas em Washington e Varsóvia, mas também nos círculos governamentais de Londres e Paris, onde certamente não foram esquecidos os avisos de Margaret Thatcher e François Mitterrand entre 1989 e 1991, aquando da queda do Muro e da reunificação alemã. Por exemplo, entre os responsáveis alemães é convicção generalizada que a proposta do presidente francês Emmanuel Macron de estender à Alemanha o arsenal nuclear francês é, na prática, uma manobra para controlar a sua trajectória, preservar o primado militar francês na União Europeia e, ao mesmo tempo, garantir os vastos recursos financeiros do outro lado do Reno.

Não exactamente um gesto de solidariedade entre aliados. Surge então uma pergunta de por que razão o Ocidente incentivou durante anos o reforço das capacidades militares de Berlim, para depois, pelo menos em parte, arrepender-se? Esta incongruência obedece a alguma lógica? Para responder, ajuda a recordar um leitmotiv que circula em Washington há pelo menos uma década, sobretudo desde que Barack Obama apresentou o chamado “Pivot to Asia” (que foi uma estratégia de política externa lançada pelo presidente Barack Obama em 2011, que marcou uma mudança significativa do foco dos Estados Unidos do Médio Oriente e Europa para a Ásia-Pacífico. O objectivo era reforçar a presença diplomática, económica e militar dos Estados Unidos na região diante da ascensão da China) de que para os Estados Unidos, é imperativo transferir para terceiros os custos de contenção das ambições russas na Europa, pelo menos no plano convencional.

E neste quadro, o contributo da República Federal, primeira economia do continente, parece inevitável. O problema é de quem pode garantir que Berlim, depois de desenvolver as suas capacidades bélicas como solicitado por Washington, as utilizará de forma coerente com os interesses americanos? É fácil controlar quem é frágil e indefeso, muito menos quem está armado até aos dentes. Em suma, as capacidades humanas e industriais da Alemanha são indispensáveis, mas deixá-las nas mãos dos alemães assusta e não pouco. Nada de novo no bloco ocidental pois estamos perante a mesma contradição que, no início da Guerra Fria, levou os Estados Unidos a construir o seu império informal na Europa. Uma arquitectura pensada, em boa parte, para manter os alemães “subjugados”, segundo a célebre fórmula do primeiro secretário-geral da NATO, Lord Ismay.

Inimigos sentados à mesa dos amigos. Nenhum americano, na segunda metade dos anos de 1940, teria consentido na reintegração da Alemanha (ainda que dividida) na “família das nações ocidentais” se não a considerasse estritamente necessária. Aliás, antes do fim das hostilidades, o presidente Franklin Delano Roosevelt defendeu abertamente que os alemães deveriam enfrentar custos “tão impressionantes que hesitassem antes de iniciar uma nova guerra”. Aos seus olhos, a Alemanha seria “menos perigosa para a civilização se dividida em 107 províncias”. Também por isso, em Setembro de 1944, durante a conferência de Québec, Roosevelt aceitou ratificar com Winston Churchill um projecto que previa a transformação do inimigo num “país de carácter predominantemente agrícola e pastoril”. O plano, desenvolvido nos meses anteriores pelo então secretário do Tesouro Henry Morgenthau com o título evocativo de “Programa para Impedir que a Alemanha Inicie uma Terceira Guerra Mundial” previa, na sua essência, retirar aos alemães “todas as suas indústrias pesadas”.

20 Nov 2025

Quem tem medo do ginecologista?

Assim que uma pessoa com vulva inicia a sua vida sexual, as idas ao ginecologista tornam-se obrigatórias. Há quem sugira consultas de ano a ano, há quem recomende intervalos de três em três anos — depende muito da situação médica. Durante a consulta, o médico observa a vulva e o interior da vagina, realiza exames e avalia o estado de saúde das partes íntimas. Ainda que o contacto com o ginecologista possa ser frequente, há quem sinta extrema ansiedade nestas visitas. Afinal, a pessoa fica exposta e vulnerável.

Para além de ter de partilhar detalhes sobre a sua vida sexual e lidar com silêncios constrangedores — facilmente interpretados como julgadores —, há também a discussão sobre fluidos corporais e o uso do espéculo vaginal, por vezes metálico e frio, para que a vagina se abra e a visibilidade seja melhor. Há desconforto associado e as pessoas descrevem diferentes níveis de desconforto, e até de dor. O que é certo é que, para muitas, estas intervenções podem ser dolorosas — e, por isso, a ansiedade dispara. Há quem até prefira não ir ao ginecologista de todo.

Começando pelo espéculo vaginal, por exemplo: mantém praticamente o mesmo formato e funcionamento há 185 anos. Alguns médicos ainda utilizam o modelo metálico e frio, mas acredita-se que, atualmente, se use mais o de plástico descartável, que, embora um pouco mais confortável, não é a solução ideal. Duas mulheres, nos Países Baixos, na Universidade de Técnica de Delf desenvolveram uma alternativa com um mecanismo menos agressivo, que, em estudos iniciais, se revelou muito favorável — não só ao conforto das pacientes, mas também aos médicos, que relataram melhor visibilidade. Lilium, como se chama, é, sem dúvida, uma invenção promissora, mas até chegar aos consultórios ginecológicos de todo o mundo poderá demorar algum tempo. O material é mais suave e a forma de abertura mais gentil, permitindo até que as pacientes controlem a abertura — o que pode ser relevante para quem sofra de extrema ansiedade, tenha vivido experiências sexuais traumáticas ou até experiências negativas anteriores no ginecologista.

Algumas pessoas encaram a consulta com naturalidade; outras evitam-na completamente. A maioria, porém, resigna-se à ideia de que a consulta de rotina é necessária, apesar do mal-estar que possa causar. Pelo bem da saúde, sujeitamo-nos, por vezes, a procedimentos desagradáveis — e está tudo bem com isso: é assim que a medicina funciona.
Contudo, há aspetos que podem ser geridos para que a ida ao ginecologista não seja um “bicho de sete cabeças”. Esta é a parte que nos devolve alguma agência na relação com o ato ginecológico. Como é que podemos cuidar do desconforto?

Estabelecer uma relação de confiança. Para que a experiência seja tranquila, é essencial que a pessoa estabeleça uma relação de confiança com o médico. Convém partilhar ansiedades e medos em relação à visita, explicando o que causa desconforto. Juntos, podem desenvolver estratégias que tornem os exames mais suportáveis (por exemplo, no caso da citologia). É possível pedir ao médico que explique cada passo do procedimento. Nem todos os profissionais são sensíveis a estas questões, mas é importante encontrar um com quem nos sintamos à vontade e com quem a comunicação seja fácil e descomplicada.
Se for a primeira visita, vale a pena pedir referências a amigas ou pessoas de confiança — e procurem médicos que sejam empáticos e disponíveis para ouvir preocupações.

Acompanhar-se de objetos ou circunstâncias confortantes. Na ida à consulta, leve algo que a faça sentir-se segura e que lhe recorde que o desconforto é passageiro. Por exemplo, ouvir música relaxante antes de entrar ou usar um perfume ou aroma familiar. É importante identificar esses pontos de bem-estar e não ter receio de recorrer a eles numa situação stressante. Pode também ser útil levar um acompanhante de confiança que fique consigo na sala de espera e a receba quando sair. Estes momentos de segurança ajudam a que a experiência desconfortável não fique emocionalmente desamparada.

O mundo da medicina ginecológica tem ainda muito espaço para melhorar no que toca ao atendimento e à compreensão do desconforto que este tipo de consulta pode gerar. Mesmo na reformulação dos procedimentos e dos instrumentos de exame, haverá certamente avanços que considerem mais o conforto das pessoas com vulva.

Resta-nos, por enquanto, falar sobre o desconforto com o profissional de saúde e procurar aquele com quem sintamos maior confiança. Apesar do lugar-comum de que a ida ao ginecologista é “apenas um pouco desconfortável”, percebemos cada vez mais que, para muita gente, pode ser muito mais do que isso — e não há nada como desenvolver estratégias que reconheçam o desconforto, mas que cuidem dele da melhor forma possível.

19 Nov 2025

Comida pré-preparada (I)

Recentemente, a imprensa informou que um proeminente empresário chinês, depois de ter jantado num restaurante que pertence a uma cadeia da China continental, veio manifestar a sua indignação online, dizendo que a comida que lhe tinha sido servida era “pré-preparada” e que tinha pago por ela um preço exorbitante. A cadeia de restauração respondeu de imediato, afirmando que os pratos que lhe tinham sido servidos não eram “comida pré-preparada, mas sim confeccionados com produtos provenientes da “Tecnologia de pré-processamento da cozinha central” da cadeia de restauração.

Este incidente desencadeou discussões acesas online em torno da utilização de comida pré-preparada nos restaurantes e do direito do consumidor a ser informado—questões merecedoras da atenção do público.

A 18 de Março de 2024, a China continental emitiu um “Aviso sobre o reforço da supervisão da segurança alimentar dos alimentos pré-preparados e a promoção do desenvolvimento da elevada qualidade da indústria.” O Aviso define comida pré-preparada desta forma:

“Comida pré-preparada, também conhecida como pratos pré-embalados, refere-se a refeições feitas a partir de um ou mais produtos agrícolas comestíveis e seus derivados, com ou sem temperos ou outros ingredientes auxiliares, sem conservantes, através de pré-processamento industrial (como misturar, marinar, fritar, assar, cozer, cozinhar a vapor, etc.), com ou sem pacotes de temperos, satisfazendo as condições de armazenamento, transporte e venda indicadas no rótulo do produto, pratos esses que devem ser consumido depois de aquecidos. Não inclui alimentos básicos, como arroz congelado, macarrão, alimentos de conveniência, refeições embaladas, tigelas de arroz, pães cozidos no vapor, pastelaria, roujiamo (hamburger chinês), pão, hamburgers, sandes, pizza, etc.”

Por outras palavras comida pré-preparada é aquela que é cozinhada previamente, armazenada e depois levada para o restaurante onde será aquecida e servida aos clientes.

Um ponto a salientar é que os alimentos pré-preparados geralmente têm um prazo de validade mais longo, que pode ir de vários dias a alguns meses, ao passo que os alimentos semi-preparados têm um prazo de validade muito mais curto, normalmente de apenas um a dois dias, e necessitam de refrigeração.

Depois de ler a descrição dos alimentos pré-preparados no “Aviso”, levanta-se uma questão: Os alimentos preparados na cozinha central da cadeia de restauração e que depois são transportados para as outras filiais podem serem considerados comida pré-preparada? O “Aviso sobre o reforço da supervisão da segurança alimentar das refeições pré-preparadas e a promoção do desenvolvimento de elevada qualidade da indústria” estipula claramente que as cozinhas centrais devem cumprir os requisitos e normas legais e regulamentares de segurança alimentar na indústria da restauração; por conseguinte, não são alimentos pré-preparados.

A China continental solicitou anteriormente pareceres sobre “Normas Nacionais de Segurança Alimentar de Alimentos Pré-Preparados,” e acredita-se que novas regulamentações serão emitidas em breve. Nessa altura, surgirão mais normas relativas a esta matéria.

A explicação que demos do conceito de alimentos pré-preparados resulta de uma interpretação textual, mas podemos, a partir de comida deliciosa, chegar a pensamentos complexos. Pensar nestas questões antes de comer pode ser mentalmente desgastante e diminuir o prazer da refeição. Agora, vamos tentar pensar sobre o que são alimentos pré-preparados para o consumidor comum.

Para a maior parte dos consumidores, qualquer alimento que não seja arranjado e cozinhado no próprio restaurante, e que contenha algum traço de processamento industrial, seja um kit de refeição ou um produto semi-acabado, é considerado comida pré-preparada. Ou seja, “não é cozinhada na hora, portanto, é pré-preparada” este é o entendimento comum sobre comida pré-preparada.

O caro leitor também partilha desta ideia? Concorda com a percepção generalizada? Na próxima semana, continuaremos a debater este tema e explorar como Macau deverá lidar com o assunto.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

18 Nov 2025

Acabaram os direitos dos trabalhadores

O futuro dos trabalhadores portugueses vai ser muito negro. A maioria dos direitos conquistados com muita luta após o 25 de Abril de 1974 tem vindo a perder-se e agora poderá levar uma machadada forte. O Governo de Montenegro prepara-se, com o apoio do Chega, para apresentar aos deputados da Assembleia da República legislação que fere indubitavelmente os principais direitos adquiridos pelos trabalhadores. Um exemplo? Os patrões poderão despedir sem justa causa quando lhes apetecer.

Em 24 de Julho, o Governo anunciou com inusitado entusiasmo na reunião do Conselho de Ministros a aprovação de uma vasta revisão da legislação laboral com a designação de Lei Trabalho XXI, destinada a destruir quase por inteiro a Agenda para o Trabalho Digno aprovada em 2023.Não se tratava de uma mera reforma. Tinha sido aprovado um ante-projecto de diploma com alterações profundas, que mexem em cerca de uma centena de artigos do Código de Trabalho. Não se tratava de algo leve e a matéria em causa foi logo entregue para discussão aos parceiros sociais. Estes, ao tomarem conhecimento das intenções do Governo, ficaram de tal modo perplexos que andaram estes meses todos a estudar artigo por artigo e concluíram que o caso era de tal forma grave que há muitos anos que não se juntavam as centrais sindicais UGT e CGTP para uma greve geral, a qual está marcada para 11 de Dezembro.

Entretanto, os comentadores televisivos afectos à governação tendencialmente para o neofascismo, vieram logo em defesa de que algo teria de mudar na lei laboral porque as empresas não aguentavam a situação económica degradante em que estavam a caminhar. Nunca se ouviu um comentador dessa estirpe falar nas centenas de empresas que obtém milhões de euros de lucro. Os debates televisivos tinham uma intenção: era distrair as atenções dos aspectos mais relevantes da proposta governamental, enquanto o ritual do diálogo social era praticado em pleno Verão com a concertação social em serviços mínimos e o País a banhos olhando de soslaio para as notícias sobre o descontrolo dos incêndios e as urgências fechadas nos hospitais. Por seu lado, as confederações patronais manifestavam um júbilo previsível sobre as propostas do Governo. Mas, assim que a UGT e a CGTP anunciaram a greve geral eis que o primeiro-ministro veio logo a público com audição repetida em mais de dois dias, para divulgar o patético.

Luís Montenegro descarrilou de imediato ao associar o protesto sindical a intuitos partidários colocando no mesmo saco a relação da UGT com o PS e a da CGTP com o PCP. Marcelo Rebelo de Sousa foi sibilinamente incorrecto como sabe ser quando pretende ser parcial e partidário sem despir a casaca presidencial. Veio dizer que a greve é precipitada por não existir sequer uma proposta legislativa. Presidente chico-esperto é outra coisa.

Não há uma proposta de lei apresentada na Assembleia da República, mas está no site do Governo desde Julho um longo articulado com inúmeras propostas controversas tais como: fim da obrigatoriedade de reintegração do trabalhador em caso de despedimento julgado como ilegal pelos tribunais; possibilidade de contratação imediata de trabalhadores em outsorcing para substituir trabalhadores despedidos em caso de reestruturação empresarial; flexibilização das condições de despedimento sem justa causa; regresso do “banco de horas” individual, até 50 horas semanais ou 150 anuais, com base na ficção de igualdade negocial entre patrão e trabalhador; autorização para a contratação a prazo até três anos (termo certo) ou cinco anos (termo incerto); as mulheres serão severamente penalizadas com mais horas de trabalho e menor remuneração; eliminação da dispensa de trabalho nocturno e ao fim de semana de trabalhadores com filhos até aos 12 anos; tornar quase impossível o reconhecimento como contrato de trabalho das actividades de distribuidores de refeições ou motoristas da TVDE, que são considerados profissionais liberais; alargamento substancial das áreas sujeitas a serviços mínimos em caso de greve; as regras dos contratos colectivos deixam de se aplicar aos trabalhadores em regime de outsorcing e a lista quase não tem fim. Tudo em prejuízo dos direitos dos trabalhadores. Já há quem diga que este Governo de Montenegro é pior que o de Passos Coelho, de má memória.

Em bom rigor, o anúncio da greve geral dá um precioso mês, tanto ao Governo como aos parceiros patronais, para clarificarem qual a evolução possível para que se possam distinguir na abertura e espírito negocial de imposição unilateral.

O quadro de apresentação desta vaga de enfraquecimento dos direitos laborais e de criação de instabilidade adicional, sobretudo afectando as famílias e os jovens trabalhadores, surge numa altura em que o mercado de trabalho está no nível mais alto de sempre, com 5,3 milhões de trabalhadores activos e o desemprego está ao nível mais baixo desde a crise financeira internacional de 2008. Mesmo assim, o que se constata é que existe uma falta de trabalhadores, e que se tem acentuado com as restrições à contratação de estrangeiros, pelo que esta cruzada ideológica pela desregulação do mercado de trabalho é inimiga das famílias que trabalham. Concluindo: os trabalhadores no futuro vão enfrentar imensas dificuldades porque, infelizmente, o regime político está a virar para uma política quase antidemocrática e, quem sabe, se um dia não teremos legislação que proíba uma greve…

17 Nov 2025

Folhas caídas

Este ano, o Inverno não tem estado particularmente frio e não encontramos muitas folhas caídas no chão. No entanto, a 30 de Outubro, o site noticioso “All about Macau”, sediado na cidade, anunciou que depois de cuidadosa ponderação, tinha decidido interromper a sua publicação mensal na sequência do incidente de Outubro e que, a partir de 20 de Dezembro, deixaria de fazer actualizações no website e nas plataformas de comunicação. Os jornalistas devem ter sentido que caiu a última folha da comunicação social independente.

No editorial, “Adeus, até à próxima. Cuidem-se e Sigam em Frente”, o “All about Macau” explicava brevemente as razões do cancelamento das publicações. O principal motivo foi os seus jornalistas estarem impedidos de entrar em eventos oficiais desde Outubro de 2024. Em Abril de 2025, foi-lhes vedado o acesso à Assembleia Legislativa e três deles enfrentam agora um possível processo criminal devido àquele incidente. Além disso, o Gabinete de Comunicação Social notificou o “All about Macau” o mês passado, declarando que, de acordo com os requisitos do registo de publicações especificados na Lei de Imprensa, o “All about Macau” “deixou de reunir as condições para exercer actividade jornalística”, tendo sido cancelado o número de registo da sua publicação mensal.

Tendo sido director da extinta publicação católica “Observatório de Macau”, compreendo perfeitamente o sentimento de profunda impotência daqueles que aspiram a ter uma carreira no jornalismo quando a publicação em que trabalham é encerrada. Desde o regresso de Macau à soberania chinesa, sucessivos Chefes do Executivo mantiveram e, inclusivamente, apoiaram os órgãos de comunicação social, organizando em Janeiro almoços anuais com os seus representantes chineses e portugueses. Durante estes encontros, os funcionários do Gabinete de Comunicação Social aproveitavam a oportunidade para trocar opiniões, ouvir o que os profissionais do sector tinham a dizer e o clima que se vivia era amigável.

É inegável que desde a desclassificação de candidatos ao sufrágio directo (deputados eleitos por sufrágio directo) nas eleições de 2021 para a Assembleia Legislativa, o cenário político de Macau mudou. A publicação online “Macau Concealers”, fundada pela “Associação de Novo Macau”, foi a primeiro a encerrar devido à falta de recursos operacionais, seguido pela “aposentação” da própria “Associação de Novo Macau”.

Por outro lado, o “Observatório de Macau”, do qual fui responsável, foi afectado pela revisão do sistema de apoios do Governo da RAEM às publicações periódicas e deixou de poder concorrer aos apoios financeiros. Assim, o Observatório de Macau, que sempre funcionou sem subsídios governamentais, reduziu as despesas, passou da impressão a cores para a impressão a preto e branco e os colaboradores começaram a participar com base no voluntariado. Nos finais de 2021, o “Observatório de Macau” continuava à procura de apoio junto dos subscritores e de apoiantes. E foi só no início de 2022 que recebemos subitamente a notícia do encerramento da publicação. O motivo apresentado para o encerramento oficial do “Observatório de Macau” na segunda metade de 2022 não tinha a ver com o Governo; foi meramente uma decisão tomada pela entidade que o geria. Foi-nos dito que o conselho de administração planeava reestruturar o “Observatório de Macau”.

Será o encerramento do “All about Macau” a última folha caída da imprensa independente de Macau? Pessoalmente, acredito que o valor de um órgão de comunicação social depende antes de mais das necessidades sociais, particularmente no que respeita a transmitir a realidade dos factos, a salvaguardar o direito dos cidadãos à informação, a apoiar o Executivo ajudando a aperfeiçoar a governação e a assumir um papel de supervisor do desempenho do Governo.

Na China, durante a Dinastia Tang, o Imperador Taizong estava muito insatisfeito com Wei Zheng, um ministro que frequentemente o criticava. O Imperador disse mesmo à Imperatriz que tinha vontade matar esse “burgesso sem educação”, mas foi dissuadido pela esposa e por isso Wei Zheng continuou a ser ministro por mais de uma década.

Embora o poderoso imperador Taizong estivesse certamente insatisfeito com as críticas de Wei Zheng, também sabia que o seu primo mais inteligente, Yang Guang, último Imperador da Dinastia Sui, foi derrubado porque se recusava a aceitar as críticas dos seus ministros. Por conseguinte, o encerramento da publicação “All about Macau” pode não vir a ser a última folha caída.

A garantia da liberdade de expressão, da co-existência de valores diferentes e do direito do público à informação é essencial quer para o Governo quer para a sociedade. Enquanto Macau permanecer como a “terra de Lótus”, certamente que novas folhas irão nascer para saudar o nascer do Sol quando a Primavera chegar.

14 Nov 2025

O Despertar Estratégico da Alemanha (I)

“I fear German inaction more than German power.”
Radosław Sikorski, Berlin, November 2011

Berlim rearma-se, não por uma causa europeia abstracta, mas antes de tudo por si. A “mudança de época” foi preparada ao longo de vários anos e conseguiu convencer a população. Os Estados Unidos encorajam, mas até certo ponto. A crise com a França é notória. Rumo à superação do sentimento de culpa há algum tempo, nas principais chancelarias europeias (e não só), voltou a ecoar uma velha pergunta de para onde vai a Alemanha? A história nunca se repete e raramente rima. No entanto, a questão alemã parece destinada a redefinir ciclicamente os equilíbrios do Velho Continente. Muito mais do que um simples reequipamento das Forças Armadas da Alemanha (Bundeswehr), Berlim atravessa uma revolução estratégica preparada há mais de uma década e acelerada drasticamente com o início da “operação especial” russa na Ucrânia.
Independentemente do desfecho, esta viragem redesenhará de forma definitiva a maneira como a República Federal se representa a si e ao seu papel no mundo. Não há retorno possível. O coração pulsante da revolução alemã é o rearmamento. Para compreender a futura configuração estratégica do país, não basta enumerar os fundos colossais destinados às Forças Armadas Alemãs nos últimos meses, os planos de aquisição ou as declarações enfáticas do Chanceler Friedrich Merz desde 6 de Maio de 2025 e de outros ministros federais. Os números, por mais relevantes que sejam, representam apenas a superfície. A questão é cultural antes de ser material. A Alemanha identificou na força militar o factor decisivo da sua renovação.
Hoje, nos corredores do poder e nas principais instituições berlinenses, admite-se com invulgar franqueza que os pilares sobre os quais os alemães construíram a sua prosperidade durante mais de trinta anos deixaram de existir. Espalha-se uma nova interpretação que é a verdadeira alternativa ao declínio, ou seja, de redefinir a relação com o instrumento militar. Não há terceira via. Inevitavelmente, esta dinâmica não afecta apenas as Forças Armadas Alemãs, mas também a forma como a população concebe o sistema económico, a política externa e até a ética, a cultura e a auto- consciência nacional.
Chega mesmo a tocar na culpa herdada em relação ao passado pela longa sombra de Auschwitz, que para os alemães assume contornos quase metafísicos. Um processo destinado a criar uma nova Alemanha e a transformar profundamente a Europa. Uma cultura estratégica não se inventa de um dia para o outro. Num mundo em que as normas partilhadas cedem lugar às relações de força cruas, os alemães descobrem-se desorientados e sem referências. Certamente, o velho “Modell Deutschland” (é um conceito político e económico que descreve o modelo de desenvolvimento da Alemanha Ocidental durante o pós-guerra, especialmente entre as décadas de 1970 e 1980) chegou ao fim e aquele modelo fundado na ideia, cada vez mais enraizada após a queda do Muro, de que a República Federal poderia construir uma primazia económica sem se dotar dos meios para a defender pela força. Berlim não decidiu espontaneamente abandonar a sua visão “pós-heróica”, pois era uma moldura confortável, quase ideal, sustentada por dois pilares; o de delegar a segurança aos Estados Unidos e, paralelamente, desenvolver relações comerciais e energéticas com os seus dois rivais estratégicos, China e Rússia.
Actualmente, o último que a Alemanha deseja é liderar a Europa ou assustar os países vizinhos. É um dos poucos pontos em que os partidos tradicionais e as forças nos extremos do espectro político estão de acordo. Aqui tocamos num dos muitos paradoxos do “ponto de inflexão histórico”; a mudança de época proclamada três dias após o início da invasão russa pelo então Chanceler Olaf Scholz, num dos seus raros momentos de firmeza. Mais do que qualquer outra coisa, o que obrigou Berlim a sair da sombra com um projecto de rearmamento sem precedentes foi a pressão constante de vários aliados ocidentais, que durante anos lhe censuraram uma atitude de “aproveitadora” e exigiram um compromisso proporcional à sua dimensão.
Emblemático foi, por exemplo, o discurso proferido em Berlim em Novembro de 2011 por Radosław Sikorski, actual Ministro dos Negócios Estrangeiros e Vice-Primeiro-Ministro da Polónia, que definiu a Alemanha como a “nação indispensável” na Europa e declarou temer “mais a sua inércia do que o seu poder”. Palavras que ecoaram nos anos seguintes nos avisos de Barack Obama e nas invectivas bem mais contundentes de Donald Trump, que durante o seu primeiro mandato apontou os alemães como “delinquentes” e “prisioneiros dos russos” esta última referência como sendo o alvo mais eficaz da sua retórica.

(Continua)

13 Nov 2025

DE FILINTO ELÍSIO

O que nos poderá trazer à memória remota este autor é digno de ser entendido à luz dos acontecimentos recentes onde o filicídio e o parricídio se levantam desde obscuros tempos no país da longa Inquisição e de expostos à Roda, portanto, uma memória sombria que um povo pequeno ao longo de séculos foi capaz de perpetrar nas agruras de um fatalismo doentio e inegável brutalidade emocional. Assistimos incautos mas não esquecidos (alguns) às manifestas capacidades malignas que se levantam do seu atavismo e tentamos compreender não só o próprio momento mas todos aqueles que o antecederam, e nele nos ocorre Filinto Elísio, uma figura notável do século XVIII com um percurso monumental, um dos grandes conhecedores da cultura clássica da sua época, lembrando que foi a sua própria mãe que o denunciou à Inquisição, não esquecendo ainda que o país foi fundado por um rei que bateu na sua mãe.

Eis que quase subitamente e por um fio rasgado da sorte, existiu para reparar todas estas tragédias o culto mariânico que numa primeira instância se achou suspeitoso mas que fora metodicamente afivelado para transpor, quem sabe, o nível pré-consciente de uma nação que forjou o crime no seio da mais pequena instituição redimindo-a assim do descaso brutal de que deu provas ao longo de séculos. E o mito vingou! Só que deixou a descoberto a existência transsexual das personagens que fixaram os afixos. -Há que descobrir o leitor o que entende por tal definição- Passando de imediato para o autor, a ordem de prisão fora ordenada, só que ele fugira indo parar à casa de um negociante francês, e pouco mais tarde a bordo de um navio sueco; Filinto tinha-se escapulido com todo o seu saber e cultura inscritos para jamais regressar. No meio de tudo isto o drama do obscurantismo foi ainda, e talvez, o melhor que lhe acontecera. Fez um percurso que a nós nos faria falta pela excelência e legou-o a outros, foi amigo de Lamartine que lhe escreveu um poema «Stances à un Poète Portugais Exilé» D. Maria I tinha manifestado simpatia pelo regresso do poeta e em devolver-lhe todos os seus bens alienados, mas os seus muitos adversários impediram o seu retorno. A Revolução Francesa já estava em marcha, só que o espigão do negrume inquisitorial não deixou, levantando-se hoje com força bravia, incalculável.

Não há nenhuma perturbação psíquica. Há sim um atavismo reflector de um longo legado de sordidez que se levantou e reclama a sua esfera, que não existe medicação para níveis de malvadez desta dimensão. A ciência trata os casos e corrigi-os de forma a manter a qualidade da existência, não se ocupando das sombras e seus reflexos sanguíneos na corrente colectiva, que ela se tornou de tal ordem avassaladora que entenderemos melhor este Filinto Elísio no seu descaminho e fuga do que uma qualquer análise nos queira transmitir. Um poeta, por o ser, tem um amplo plano de evasão, sustentado quanto vezes por acasos felizes de outra ordem, só que mesmo assim, a sua dor foi real e manteve-se ao longo de uma vida onde temos todos muita honra por ter sido nosso concidadão.

Afinal, qual a intenção esmagadora de denunciar um filho às chamas da Inquisição? Porquê ter sido permitido fazer Rodas de enjeitados? Por que não se poder nascer com segurança num local onde a obstetrícia é o parente pobre da saúde pública? (talvez por isso) o mesmo terror antigo que nos inibe e controla como um fardo, que há um país no mundo às portas de um total desconhecimento de seu drama íntimo. À memória esquecida de um grande português são dedicadas estas linhas e todas as interrogações. Aos filhos que matam pais, aos pais que matam filhos, aos homens que matam mulheres, às mulheres que matam maridos, ofereçamos Filinto Elísio.

 

12 Nov 2025

Pacote de compensação a Musk aprovado

No passado dia 6, o pacote de compensação de 1 bilião de dólares a Elon Musk foi aprovado numa reunião de accionistas da Tesla. Isto não só é um indicador claro da direcção que a Tesla vai tomar no futuro como também pode vir a ter um profundo impacto na indústria tecnológica global. Acredita-se que em Macau pode ter potencialmente consequências indirectas.

O pacote de compensação tem dois pontos principais. Primeiro, estipula que Musk deve conseguir que a Tesla atinja uma série de metas extremamente ambiciosas nos próximos dez anos, como o aumento da capitalização de mercado da empresa para 8,5 biliões de dólares. Requer ainda que venha a fabricar um total acumulado de 20 milhões de veículos, a operar 1 milhão de Robotaxis, a vender 1 milhão de robots humanoides e a gerar 400 mil milhões de lucro.

Segundo, por cada meta atingida, Musk receberá aproximadamente 1% das acções da empresa. Quando todos os objectivos forem cumpridos, as acções de Musk aumentarão de aproximadamente 13 para 25 por cento.

As metas definidas no pacote de compensação são extremamente ambiciosas e difíceis de conseguir. Este plano estabelece uma ligação profunda entre os ganhos de Musk e o desenvolvimento a longo prazo da Tesla, incentivando-o a focar-se e a liderar a transformação da empresa. Se Musk for bem-sucedido, a sua fortuna pessoal aumentará significativamente e o seu controlo sobre a Tesla também será maior, dando-lhe mais poder de decisão administrativa.

Os accionistas que apoiaram o pacote de compensação terão ficado encantados com a sua aprovação, na medida em que vai definir as metas futuras da empresa e a direcção que tomará. O sucesso trará dividendos substanciais e um aumento significativo do valor das acções, tornando-as um investimento de alto retorno.

Claro que os accionistas que não o apoiaram não terão ficado satisfeitos com a aprovação. Acima de tudo, o plano de compensação mudará fundamentalmente as operações comerciais da Tesla, passando de fabricante de carros para uma empresa tecnológica que integra IA e robótica. Uma mudança bem-sucedida e um aumento dos lucros serão certamente gratificantes. Mas se falhar? Os investimentos podem não ter retorno e inclusivamente os accionistas podem mesmo vir a sofrer perdas. Além disso, mesmo que corra bem, a influência dos accionistas minoritários vai inevitavelmente diminuir à medida que as acções de Musk aumentam. É crucial que os accionistas minoritários considerem utilizar a votação para proteger os seus interesses. O desentendimento entre os accionistas reflecte o difícil equilíbrio entre os riscos e as recompensas da transformação, uma transformação que será uma dura batalha para a própria Tesla. O plano de compensação sublinha o papel insubstituível de Musk como líder da Tesla.; a sua aprovação afasta a incerteza da permanência de Musk na empresa, permitindo que a Tesla cumpra gradualmente o seu objectivo de transformação de fabricante de carros eléctricos para um gigante da IA e da robótica. A curto prazo, o preço das acções da Tesla deverá subir devido ao desaparecimento desta incerteza. No entanto, para que continue a subir a longo prazo, a Tesla tem de ter uma transformação de sucesso. A concretização deste objectivo será repleta de desafios tecnológicos e regulamentares. A incapacidade de ultrapassar estas dificuldades colocará riscos significativos à empresa, danos na confiança do mercado e impacto no preço das acções.

Embora o plano de compensação não afecte directamente Macau, o seu valor substancial torna-o notícia em todo o mundo e merece atenção. Além disso, se os carros autónomos da Tesla (os Robotaxi) e os robots humanoides (os Optimus) conquistarem o mercado global no futuro, o modelo dos serviços de turismo pode mudar, com autocarros sem motoristas e serviços hoteleiros assegurados por robots. Nessa altura, Macau poderá ter necessidade de fazer as alterações apropriadas para desenvolver a sua indústria de turismo e reafirmar-se como cidade de lazer. Por conseguinte, Macau deve prestar atenção a estas mudanças tecnológicas e considerar a forma de as aplicar para aperfeiçoar a experiência turística e diversificar a sua indústria, mas também tem de enfrentar a remodelação da indústria provocada pela mudança tecnológica.

O pacote de compensação indica a concordância da Tesla em oferecer a Musk uma enorme soma, mas ainda precisa da aprovação do tribunal. O plano de compensação a Musk oferecido pela Tesla em 2018 foi rejeitado pelo tribunal e ainda está em fase de recurso. Portanto, é questionável que este plano com condições mais generosas seja aprovado pelo tribunal. Se for rejeitado, o futuro de Musk voltará a estar sob escrutínio, uma questão que preocupa o próprio Musk. Além disso, esta questão é também um assunto de administração empresarial. É apropriado fazer depender o futuro da empresa de uma única pessoa?

Em resumo, o pacote de compensação é a “derradeira aposta” da Tesla no caminho do seu desenvolvimento para a próxima década. Também significa que Musk se vai dedicar totalmente a conduzir a transformação da Tesla de simples fabricante de veículos eléctricos para uma empresa que vai “tomar de assalto” em toda a linha o sector da inteligência artificial e da robótica.

Actualmente, para Macau esta questão não tem impacto directo, mas a onda tecnológica que representa merece atenção a longo prazo. Aprender a conhecer estas tecnologias de ponta, e considerar a sua potencial integração nas indústrias locais pode ser vantajoso e será a melhor maneira de lidar com mudanças futuras.

11 Nov 2025

O roubo do governo aos pobres

Em 2023, o antigo primeiro-ministro António Costa decidiu que as famílias ou os cidadãos a viver sozinhos, que tinham dificuldade em pagar a renda da casa passavam a usufruir de um subsídio mensal de 200 euros. O ex-chefe do Executivo para o efeito, e para outros apoios, cativou a verba necessária – cerca de 3.200 milhões de euros – até 2028 no Orçamento do Estado de 2024. Logo em 2023, cerca de 180 mil pessoas passaram a ser beneficiários do subsídio de renda. Em Janeiro deste ano, com o governo de Luís Montenegro, mais de 90 mil beneficiários iam desmaiando. Pessoas pobres, a sobreviver com imensas dificuldades viram o subsídio de renda suspenso. Foi o desvario. Os beneficiários não sabiam como resolver a situação e obter justificações para a suspensão absurda. Contactaram associações de reformados, de inquilinos e a comunicação social. O caso foi notícia e a notícia continua a ser divulgada até aos dias de hoje.
Os beneficiários ficaram informados de que a decisão partira do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), o qual tinha analisado os processos dos beneficiários e deixado de enviar a ordem para o Instituto da Segurança Social a fim de este efectuar as transferências das verbas para as contas bancárias dos beneficiários. Iniciou-se uma correria para a porta do IHRU, pois, este instituto não atendeu nunca os telefonemas, nunca respondeu aos mails e na porta entregam-se apenas 20 senhas de atendimento por dia, quando se encontram mais de 100 pessoas. No local, incluindo algumas em cadeiras de rodas que vêm de fora de Lisboa. O caos e o descontentamento revoltante, estão instalados. As televisões fizeram várias reportagens e ao confrontarem o IHRU, este também nunca respondeu aos jornalistas, como na semana passada foi salientado no diário ‘Público’.
Em Julho, numa reunião na Assembleia da República, o ministro da Habitação, Pinto Luz, foi confrontado pelos deputados do problema grave que estava a decorrer com prejuízo para cerca de 180 mil pobres. O ministro respondeu aos deputados pedindo desculpas pelo sucedido, que iria tratar rapidamente do assunto e que o subsídio de renda seria reposto com o pagamento de retroactivos. Passaram-se meses e a situação mantém-se na mesma.
Em Outubro passado, as televisões noticiaram que o IHRU tinha anunciado que o reembolso e o pagamento de retroactivos aos beneficiários seria pago até ao fim de Outubro. Terminou o mês passado e nada foi pago. Inacreditavelmente, o mesmo ministro veio à televisão afirmar que o IHRU tinha já pago a cerca de 40 mil beneficiários, mas que se tinham encontrado várias “incongruências” nos processos dos restantes beneficiários. Nada mais falso. Quais incongruências? A incongruência é do próprio governo que estava a roubar o dinheiro cativado para milhares de pobres. Um exemplo da incongruência do governo: um casal tinha um certo rendimento e com direito ao subsídio de renda. Começou a receber o subsídio mensalmente. Entretanto, morre um dos cônjuges e obviamente que o beneficiário/a ao ficar sozinho passou a declarar às Finanças, em sede de IRS, um rendimento menor. Ora, o IHRU alega que a incongruência é traduzida no rendimento que é menor que o quantitativo da renda da casa e, que por esse motivo, o beneficiário não poderá receber o subsídio. A incongruência do governo está patente porque se a cidadã ou o cidadão que passou a ter um rendimento menor que o valor da renda é precisamente factual que necessita muito do subsídio estatal para fazer frente ao pagamento da renda da casa.
Este assunto está a chocar os populares e os políticos não afectos ao governo. Todos são unânimes em afirmar que o governo não tem o direito de roubar os pobres, com a agravante de se tratar de uma verba cativada até 2028.
Nós pusemo-nos em campo e conseguimos falar com um assessor ministerial que nos confidenciou algo de vergonhoso e indecente. O governo tem estado com falta de tesouraria e alegadamente teria ido às verbas do subsídio de renda para colmatar o pagamento de outros itens. Isto, é inadmissível, a ser verdade. E mais: os beneficiários que têm visto o reatamento do pagamento resumem-se ao número permitido com as verbas que paulatinamente o governo vai repondo nos cofres do IHRU.
Estamos perante um caso da maior falta de seriedade, dignidade e humanismo por parte do governo.
As televisões não têm deixado cair o assunto em saco roto e já em Novembro o tema voltou a ser alvo de comentários televisivos que apontam para a desumanidade que está a ser praticada pelo governo. É incrível como o presidente do IHRU e os seus apaniguados não respondem aos jornalistas e aos beneficiários que viram o seu subsídio suspenso. Na passada sexta-feira, dia 7, data concreta em que mensalmente era pago o subsídio, mais uma vez milhares de pobres nada receberam e continua a lenga-lenga por parte do ministro e do IHRU de que existem “incongruências”, quando nós sabemos que alegadamente as verbas respeitantes ao pagamento dos subsídios teriam sido desviadas para outros fins. Deplorável é o que estão a sofrer milhares de portugueses pobres. Injectam-se milhões de euros na TAP, planeia-se a construção de um TGV, a construção de uma terceira ponte sobre o rio Tejo entre Lisboa e a Margem Sul, seguem milhões de euros para a Ucrânia e simultaneamente não se pagam 200 euros a quem vive com reformas de 500 euros, paga uma renda de 250, água, luz, alimentação e medicamentos e vê o subsídio de 200 euros suspenso por este governo, que em maldita hora esses beneficiários foram contemplados…

10 Nov 2025

Urgência e Operacionalidade das Medidas Cautelares Transfronteiriças em Litígios Judiciais

Por Lei Wun Kong

I. Introdução

Com a intensificação das trocas económicas e culturais na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, os conflitos nas áreas de comércio transfronteiriço, investimento e financiamento, propriedade intelectual e direito de família têm aumentado significativamente. A execução transfronteiriça eficiente e previsível de sentenças judiciais e laudos arbitrais, juntamente com medidas de salvaguarda correlatas, desempenha um papel insubstituível na proteção dos direitos legítimos das partes, na otimização do ambiente empresarial regional e no reforço da confiança dos investidores.

As “medidas cautelares”, enquanto mecanismos essenciais de garantia judicial, incluem na China continental a preservação de bens, a preservação de provas e a preservação de condutas; em Macau abrangem medidas preventivas urgentes e provisórias para assegurar a realização de direitos ameaçados. Por exemplo, mediante autorização judicial, é possível decretar arresto preventivo de contas bancárias ou imóveis do devedor.

Não obstante, persistem obstáculos na solicitação de medidas cautelares transfronteiriças. Mesmo que o credor tenha intentado a ação principal em Macau/China continental, se não instaurar ação principal no local da preservação dentro do prazo legal (ex: 30 ou 10 dias após notificação da decisão cautelar consoante o Artigo 334.º do Código de Processo Civil), as medidas cautelares deferidas extinguir-se-ão.

II. Urgência

Estatísticas do Tribunal Superior do Povo de Guangdong revelam que, em 2024, os tribunais da província concluíram 2250 casos civis e comerciais envolvendo Macau em primeira instância (932 na Zona de Cooperação). Por outro lado, observa-se tendência de crescimento estável nestes casos (2073 em 2023), padrão que se alinha perfeitamente com a expansão económica contínua da Grande Baía e o incremento de atividades transfronteiriças de investimento e comércio.

Contudo, fora do âmbito arbitral, a incapacidade de implementar medidas cautelares transfronteiriças eficazes permite aos devedores explorar lacunas jurídicas para transferir ativos localizados noutra jurisdição (incluindo Macau). Consequentemente, mesmo em ações principais favoráveis aos credores, persiste elevado risco de execução frustrada por esvaziamento patrimonial.

III. Eficácia e Operacionalidade

As medidas cautelares transfronteiriças constituem “garantia preliminar” para execução de sentenças. A ausência de mecanismos de reconhecimento mútuo entre o Continente Chinês e a Região Administrativa Especial de Macau limita a eficácia judicial. A assistência cautelar e a cooperação em execução de sentenças são complementares, formando conjuntamente uma cadeia de assistência judicial íntegra e eficiente.

No domínio da assistência judicial civil e comercial, conforme estipulado no Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais e no Acordo relativo à Assistência Mútua em matéria de Providências Cautelares em Processos Arbitrais, entre o Interior da China e a Região Administrativa Especial de Macau, têm suas decisões reciprocamente reconhecidas e executáveis.

Adicionalmente, o referido Acordo relativo à Assistência Mútua em matéria de Providências Cautelares permite que requerentes solicitem diretamente ao tribunal da outra região a preservação de bens antes ou após iniciar arbitragem, prevenindo efetivamente a alienação de ativos pelo devedor. Contudo, na prática, como a maioria dos litígios carece de convenção arbitral, dependendo exclusivamente de ações judiciais, Macau deve aprofundar negociações com o continente visando estender essa cooperação às medidas cautelares litigiosas (pré e intraprocessuais). Tal mecanismo, inspirado no acordo arbitral existente, eliminaria intervalos temporais aproveitados para transferência de bens antes ou após inicar o processo de confirmação de decisões proferidas por tribunais do exterior de Macau.

IV. Conclusões

Urge promover conjuntamente a assinatura de um acordo regional de medidas cautelares em litígios judiciais entre Macau e o continente. Pelas mesmas razões, é imperativo estabelecer arranjos similares com Hong Kong.

Os referidos Acordos regionais não são “opcionais”, mas “obrigatórios”. Além de solucionar problemas urgentes na prática judiciária transfronteiriça e constituir o caminho mais direto para a convergência normativa (efetivamente inibindo transferências fraudulentas de ativos entre jurisdições), trata-se de iniciativa estratégica para construir um ambiente empresarial legalizado na Grande Baía alinhado com padrões internacionais. Proporcionarão sólida salvaguarda institucional para a integração de Macau no desenvolvimento nacional e o fortalecimento da credibilidade judiciária.

Nota: O conteúdo acima é baseado na intervenção de Lei Wun Kong antes da ordem do dia na Assembleia Plenária da Região Administrativa Especial de Macau à tarde do dia 4 de Novembro.

7 Nov 2025

Em busca da palhinha de ouro

Em meados do mês passado, em Zhuji, Zhejiang, na China, o Sr. Shou fabricou uma palhinha com 100 gramas de ouro, destinada especialmente a ser usada para beber chá com leite. A palhinha foi avaliada em aproximadamente RMB $100,000.

Certo dia, ao entardecer, o Sr. Shou deslocava-se para casa na sua motorizada. De repente, um desnível na estrada provocou um ressalto na mota e a palhinha que levava no bolso, caiu. Como não a conseguiu encontrar, chamou a polícia. Os agentes, considerando a forma cilíndrica do objecto, perceberam que deveria rolado estrada fora e percorrido uma distância considerável. Acabaram por encontrá-la junto a um passeio, a cerca de 100 metros do local onde tinha caído.

Embora tenha sido recuperada, a palhinha ficou deformada devido à queda. O Sr. Shou decidiu derretê-la e voltar a fazer outra que estará pronta no próximo Verão.

Posteriormente, o Sr. Shou entregou uma faixa aos agentes da polícia para expressar a sua gratidão.

Esta história levanta algumas questões que nos fazem reflectir.

Primeiro, fabricar objectos de uso diário em ouro é sem dúvida uma manifestação única de um estilo de vida pessoal; no entanto, ter o descuido de colocar uma palhinha de ouro no bolso e precisar de pedir ajuda à polícia para procurá-la, levanta a seguinte questão: é razoável pedir à polícia que use os seus recursos para colmatar uma negligência pessoal? Qual a responsabilidade com que o negligente deve arcar? Agora que a palhinha foi recuperada, esperemos que o dono tenha mais cuidado com os seus pertences de futuro. Se este tipo de casos for evitado, podem reduzir-se os problemas, não será preciso gastar recursos públicos e todos ficam a ganhar.

Segundo, a polícia não deixou de se empenhar na resolução do caso embora a pessoa tenha sido negligente. Pelo contrário, demonstrou profissionalismo e capacidade de resolução. Os agentes analisaram as caraterísticas do objecto, estimaram a sua localização e conseguiram encontrar a palhinha no escuro; os dois agentes envolvidos merecem ser louvados.

Terceiro, possuir objectos de ouro para uso diário não será uma forma de “ostentar riqueza”, ou simplesmente uma demonstração de que “porque se é rico é-se voluntarioso”? O ouro é muito valioso e utilizá-lo para fabricar objectos de uso corrente é um prazer único. Este investimento prático é mais “realista” do que guardá-lo simplesmente numa caixa. Contudo, não se sabe se o valor do ouro não baixará se o objecto for danificado. O ouro é avaliado ao peso; pequenas arranhadelas têm pouco impacto no peso, mas os danos visíveis podem diminuir o valor “artístico”. A única solução é refazer a palhinha.

Quarto, a oferta de uma faixa aos agentes da polícia como forma de mostrar gratidão é um gesto de respeito. No entanto, estes agentes são funcionários públicos e não devem aceitar presentes. Embora a oferta a faixa seja um acto simbólico, o sentimento que a acompanha é profundo. Representa a gratidão, o louvor e respeito do Sr. Shou pela polícia. Acredita-se que a oferta da faixa foi o melhor presente que o Sr. Shou pode ter dado e o melhor presente que a polícia pode ter recebido.

Em resumo, usar uma “palhinha de ouro” para beber chá com leite é um acto que combina preferência com riqueza. O chá com leite não fica mais doce se for sorvido por uma palhinha de ouro, mas aumenta a satisfação pessoal. A negligência deve ser prevenida para evitar situações de abuso de recursos públicos. O profissionalismo e a capacidade de resolução da polícia merecem louvor. A faixa pode ser um pequeno presente, mas transporta consigo um sentimento profundo. Na sociedade dos nossos dias que acima de tudo valoriza o dinheiro, quantas pessoas compreenderão o seu verdadeiro significado?

Esta notícia não é particularmente relevante para muitos dos nossos leitores, mas pode trazer um sorriso às nossas vidas conturbadas. Quer nos esteja a ler de Portugal, de Macau, ou de qualquer outro lugar, espero que este artigo lhe traga um momento de descontração.

Vemo-nos na próxima semana.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

5 Nov 2025

Carta de Rita Santos sobre o arquivamento do processo de investigação pelo Ministério Público português

Exmo. Senhor Dr. Carlos Morais José

M. I. Director do Jornal Hoje Macau

Serve este nosso presente pedido de publicação para confirmar que no passado dia 24 de outubro o Ministério Público de Portugal proferiu despacho de arquivamento do procedimento criminal que me foi movido na sequência de denúncias formais apresentadas por militantes do Partido Socialistas, maioritariamente residentes em Macau.

Durante todo o processo colaborei sempre de forma ativa com as autoridades portuguesas na descoberta da verdade material e, com isso, na proteção do meu bom nome, honradez e carácter impoluto, suportado na confiança que a comunidade Macaense deposita em mim, a qual jamais defraudarei.

Tratou-se, pelo que se me oferece conhecer, de um caso que nunca foi um caso, assente apenas em especulação, difamação e ataque de carácter, um caso típico de instrumentalização da justiça com objetivos político-partidários, mas que não colheram.

E, por isso, como não poderia deixar de ser, tendo o Ministério Público feito uma investigação minuciosa, constatado que nenhuma ilegalidade fora praticada e concluído pela ausência de indícios criminais, o arquivamento é o corolário lógico e seria sempre a única e justa solução para este “não processo”.

Valores como o respeito pela Lei e pela liberdade individual de cada cidadão não são para mim negociáveis e deles nunca abdicarei, pelo que jamais deixarei, como sempre o fiz, de ser uma voz ativa na defesa dos princípios democráticos e humanistas, e de ter uma participação cívica ativa na defesa dos interesses da comunidade portuguesa em Macau.

Com os melhores cumprimentos.

Macau , aos 31 de Outubro de 2025 .

Rita Santos

4 Nov 2025

A droga mata que se farta

Já lá vai o tempo em que o ópio transmitia inspiração a Camilo Pessanha. Em que uma ganza acalmava e dormia-se bem. Hoje, a droga mata. Mata centenas de jovens que se viciam em heroína, cocaína e substâncias psicoactivas químicas e que destroem o cérebro. Os viciados nas mais diversas drogas injectam-se nas veias e quando não existe pureza no produto apanham overdose e morrem. Houve jovens em Portugal que, afectados pela ressaca, bateram nos pais por estes não lhes facilitarem o dinheiro pretendido e de seguida suicidaram-se. As mortes por overdose aumentaram 16 por cento em 2023 em relação ao ano anterior totalizando 80, revelou um relatório do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD) divulgado o ano passado, sendo a cocaína a droga mais responsável pela mortalidade.

Há dias, um menor de 14 anos matou a mãe com uma pistola do pai e a Polícia Judiciária já juntou aos autos dados indicadores que o jovem andava a consumir canábis em excesso. E o que são os drogados? Simplesmente uns dependentes dos negócios milionários do crime organizado onde os chefes dos traficantes ganham milhões de euros.

Na semana passada, assistimos a dois casos em Portugal de bradar aos céus. Uma mega-operação da GNR que descobriu várias quintas nos arredores do rio Tejo onde eram fabricadas e guardadas 13 lanchas rápidas, 11 galeras, um camião, 30 motores sofisticados, 16 carros topo de gama, 750 mil euros em dinheiro e muitas armas de fogo e brancas. Foram detidos 32 suspeitos de ligação ao tráfico de droga internacional, uma operação que contou com a cooperação da Guardia Civil espanhola. Assim, foi desmantelada uma rede criminosa a operar em Portugal e que se dedicava à construção e movimento de lanchas para o transporte de droga vinda de grandes navios oriundos da Colômbia e Brasil. A referida operação decorria há 32 meses. No decurso da investigação foram identificados diversos suspeitos de nacionalidade espanhola. A investigação ao longo de três anos ainda levou à detenção em Espanha de dezenas de traficantes de droga e toneladas de estupefacientes.

Igualmente na semana passada, o país ficou chocado com a morte de um militar da GNR e de outros três que ficaram feridos após uma colisão entre uma embarcação da GNR e outra alegadamente pertencente a narcotraficantes no rio Guadiana, perto de Alcoutim, Faro. Segundo um observador do acidente, os traficantes atiraram propositadamente a sua lancha contra a da GNR, abalroando-a e matando um dos militares a bordo, tendo de seguida pegado fogo à sua lancha numa das margens do rio para que não existissem provas de posse de droga. O mesmo observador, disse que se “tratou de um autêntico acto homicida”. O Presidente da República descreveu a situação como “dolorosa” e “lamentável”. Entretanto, a Polícia Judiciária e a GNR já detiveram dois suspeitos de terem estado envolvidos no abalroamento da embarcação da GNR que causou a morte do militar. Ao que tudo indica, os dois suspeitos já estavam referenciados por tráfico de droga em Espanha. Os suspeitos foram detidos quando tentavam atravessar uma ponte, num carro de matrícula espanhola, a caminho do país vizinho. Teriam na sua posse avultadas quantias de dinheiro.

Ao contactarmos um porta-voz da GNR, este afirmou que “Normalmente, quando se trata de cocaína a origem é a América do Sul e os traficantes fazem a trasfega no Atlântico. Se for tráfico de haxixe, a proveniência é o norte de África, passando o produto estupefaciente de uma embarcação maior, no Mediterrâneo, para estas lanchas que depois tentam entrar na Europa, servindo-se de Portugal e Espanha.”

Antes de se colocarem em fuga, os suspeitos terão ficado encalhados na margem do rio, incendiando de seguida a lancha eventualmente cheia de droga. O mesmo porta-voz adiantou que “normalmente nestes casos, as embarcações vêm do alto mar, fazem o desembarque (da droga) tanto no Guadiana como no rio Pedras, em Espanha, queimam a lancha e depois escapam.”

Toda esta actividade criminosa é facilitada porque os militares não têm os meios necessários para um combate eficiente. O Governo limita-se a lamentar quando acontece uma tragédia e lá vão o Presidente da República e a ministra da Administração Interna a correr para o funeral do militar morto pelos traficantes dando um ar de grande pesar. Uma cena que os familiares dispensavam porque o importante é o desprezo que as autoridades têm dado aos apelos das associações das forças de segurança para que as verbas aumentem para o combate ao tráfico de droga. E de tal forma é significativa a nossa posição, que só horas depois do fatal acontecimento de Alcoutim é que o Presidente Marcelo promulgou um diploma que regula o uso de lanchas rápidas. Possivelmente se o diploma tivesse sido promulgado há meses o militar da GNR não teria morrido. Como diz o povo, depois do assalto, trancas à porta…

4 Nov 2025

Como proceder?

Há algum tempo, surgiu na rádio um slogan publicitário muito encorajador, “Não se trata de avançar porque vislumbramos a beleza, mas sim de ver a beleza ao avançar.” O único problema foi ter estado no ar muito pouco tempo, falhando assim a transmissão de todo o conteúdo da mensagem. Por exemplo, não explicava claramente aos ouvintes que o protagonista do anúncio tinha um objectivo e uma direcção pré-definidos antes de se lançar na perseguição da beleza.

Além disso, ele não partiu sem mais nem menos, tinha um plano e sabia como proceder. Partir às cegas seria como caminhar no deserto e certamente iria dar a um beco sem saída. A passagem de peões que atravessava o cimo da íngreme Calçada do Botelho, e que desapareceu a 20 de Outubro, é um bom exemplo do que acabámos de dizer.

Qualquer condutor experiente sabe que se um carro pára no cimo de uma encosta, voltar a ligá-lo é tarefa complicada e é uma das provas mais difíceis do exame de condução. A Calçada do Botelho é muito inclinada e os carros têm de subi-la de uma só vez, é por isso que existe um sinal de cedência de passagem na Rua de Santo António para permitir que os carros que sobem a Calçada do Botelho não tenham de parar. Toda a gente entende que se houver uma obstrução no topo da Calçada do Botelho que obrigue as viaturas a parar e depois a voltar a arrancar, podem facilmente descair, especialmente quando se trata de veículos de grande porte como camionetas e autocarros, colocando a segurança rodoviária em risco.

Uma “passagem de peões temporária” foi colocada no cimo da Calçada do Botelho, o que desencadeou de imediato acesas discussões online, com os internautas a manifestarem a sua indignação. Depois de receber uma onda de críticas negativas, as autoridades competentes enviaram rapidamente trabalhadores para retirarem a passagem de peões temporária. Por trás deste incidente, vejo um problema que merece alguma atenção.

Acredito que os funcionários da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego terão conhecimentos consideráveis sobre trânsito e também experiência de condução. Devem estar familiarizados com as condições do tráfego da Calçada do Botelho, sabem certamente que os congestionamentos diários são inevitáveis nesta artéria da cidade e também deveriam saber que colocar uma passagem de peões no cimo da rua só agrava a situação.

Os trabalhadores que instalaram a passagem de peões temporária, e o agente da polícia presente no local para garantir a segurança da rua durante a instalação, deveriam saber que colocar uma passagem de peões no cimo da Calçada do Botelho é tão excitante como andar de bicicleta à beira de um precipício. Então porque é que ninguém contestou a instalação? Se tudo for feito apenas por vontade dos funcionários superiores, e todos os outros forem forçados a “cooperar sem levantar ondas”, os problemas serão inevitáveis.

Num vídeo online, a KOL partilhou imagens da paisagem aquática entre Xiamen, na China continental, e a Ilha Kinmen, em Taiwan, com enormes bandeiras em ambos os lados, onde se podia ler “Um País, Dois Sistemas, Unificação da China” do lado da China e “Três Princípios do Povo, uma China Unificada” do lado de Taiwan.

A unificação entre os dois lados do estreito seria um acontecimento significativo no futuro, e atingir este objectivo requer sabedoria por parte dos governantes. Eu não sei muito sobre a prática em Taiwan dos Três Princípios do Povo, ao passo que o meu conhecimento do princípio “Um País, Dois Sistemas” vem principalmente da Lei Básica. Nos Princípios Gerais – Capítulo I da Lei Básica de Hong Kong e de Macau, está estipulado que cada Região Administrativa Especial possui um alto grau de autonomia e goza de poderes executivo, legislativo e judicial independentes, incluindo o do julgamento em última instância, de acordo com as disposições desta Lei.

No Preâmbulo da Lei Básica, é mencionado que as políticas fundamentais que o Estado aplica em relação a Macau, bem como a Hong Kong, são as já expostas pelo Governo Chinês na Declaração Conjunta Sino-Portuguesa e na Declaração Conjunta Sino-Britânica, respectivamente. As disposições da Lei Básica têm estatuto constitucional e a Declaração Conjunta não é um documento histórico obsoleto. Desde que respeitemos as intenções iniciais do princípio “Um País, Dois Sistemas” e nos dirijamos a metas bem definidas, iremos seguramente encontrar a beleza.

31 Out 2025

Alinhamento com o Plano do 15.º Quinquénio para Aprofundar a Integração de Macau no Desenvolvimento Nacional

Por 李焕江 Lei Wun Kong

I. Contexto

O Quarto Plenário do Comité Central destacou “a promoção da prosperidade e estabilidade duradouras de Hong Kong e Macau”, clarificando que o período do “15.º Quinquénio” é uma fase crítica para consolidar a base da modernização socialista. Durante este período, o país avançará ainda mais com o desenvolvimento de alta qualidade, a inovação científica e tecnológica, a coordenação regional e a abertura ao exterior de alto nível. A aceleração da construção de uma China saudável, a implementação de uma estratégia de prioridade à saúde e a integração do desenvolvimento com a segurança fornecerão uma garantia sólida para o progresso económico e social.

II. Recomendações para uma Melhor Implementação do Espírito do Quarto Plenário

1. Aproveitar as Vantagens de “Um País, Dois Sistemas” e Absorver os Últimos Progressos em Direito Internacional e Tecnologia

Para construir uma plataforma de abertura ao exterior de nível mais elevado, a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) precisa de aproveitar os mais recentes avanços nos sistemas jurídicos da Europa continental e da China Continental, refinando continuamente o seu próprio sistema legal de base civilista. Além disso, em áreas como a modernização institucional e industrial, a digitalização de processos judiciais e a convergência de regras, é essencial aproveitar a capacitação tecnológica e os modelos de IA da China para construir bases de conhecimento específicas e implantação local, fortalecendo a sistematicidade e a cientificidade da formulação de políticas.

2. Preservar a Harmonia e Estabilidade Social

A RAEM deve continuar a aperfeiçoar os mecanismos e sistemas de salvaguarda da segurança nacional, bem como as políticas de bem-estar social. É crucial alcançar uma interação benéfica entre o desenvolvimento de alta qualidade e a segurança de alto nível, reforçando a avaliação de riscos de segurança em todas as fases dos processos administrativos e legislativos.

3. Aprofundar a Cooperação Regional para Integrar-se no Desenvolvimento Nacional

(1)Reforçar a Integração de Recursos entre Macau e Hengqin

Aproveitando as bases importantes de Macau, como o seu porto livre, regime fiscal de baixa tributação, sistema jurídico da Europa continental, quatro laboratórios nacionais chave e a plataforma de cooperação com os países de língua portuguesa, é necessário alinhar proactivamente com a iniciativa “Faixa e Rota” e integrar-se no desenvolvimento nacional. Utilizando as políticas do governo central e da Zona de Cooperação Profunda de Hengqin, bem como os recursos continentais em termos de custos, talentos e vantagens, Macau pode promover a cooperação com o continente em áreas como a medicina tradicional chinesa e a tecnologia, construindo uma cadeia industrial de “P&D + transformação + aplicação” para facilitar a investigação, produção, comercialização e internacionalização de novos medicamentos da medicina tradicional chinesa e biofarmacêuticos, impulsionando assim o desenvolvimento da saúde e tecnologia em Macau.

(2)Acordos Regionais

Com a evolução social, é necessário estabelecer mais acordos regionais entre Macau e o continente, por exemplo, sobre o reconhecimento e execução de medidas cautelares em litígios e assistência judiciária mútua em matéria penal. Além disso, a RAEM deve formular um “Regime Geral de Mediação de Macau”, estabelecendo procedimentos gerais de mediação civil e comercial, bem como a confirmação e execução de acordos de mediação pelos tribunais, criando condições favoráveis para o futuro reconhecimento e execução mútuos de acordos de mediação entre o continente e Macau.

(3)Reforço da Cooperação Legislativa entre Macau e Zhuhai

Colaborar para utilizar eficazmente o poder legislativo da RAEM e da Zona Económica Especial de Zhuhai. Por exemplo, uma vez que as regras de sucessão diferem entre as duas jurisdições, Macau e Zhuhai podem comunicar e cooperar para legislar de forma focalizada, estabelecendo regras sucessórias específicas para situações especiais na Zona de Cooperação de Hengqin (por exemplo, quando o falecido era residente de Macau, aplica-se o direito de Macau independentemente do seu último local de residência ser Macau ou Hengqin). Isso evita incertezas na lei aplicável ou alterações indesejadas nas regras de sucessão originalmente aplicáveis aos residentes de Macau que se deslocam para trabalhar ou viver em Hengqin, ou que residem em ambas as localidades。

III. Perspectivas

Em suma, para implementar eficazmente o espírito do Quarto Plenário, a RAEM deve agir prontamente nos trabalhos do seu “Terceiro Plano Quinquenal” (Plano “3.º Quinquénio” de Macau), integrando organicamente os requisitos da modernização chinesa com a modernização de Macau no contexto de “Um País, Dois Sistemas”. Até 2029 (30.º aniversário do retorno de Macau à pátria), o ambiente jurídico da RAEM terá sido continuamente otimizado, a governação terá melhorado, a diversificação económica moderada terá alcançado resultados tangíveis, as “quatro novas indústrias” terão ganho escala, e a circulação de fatores será mais eficiente e conveniente, realizando plenamente as quatro visões de “Macau alicerçado em Estado de Direito” (法治澳门), “Macau Dinâmico” (活力澳门), “Macau Cultural” (文化澳门) e “Macau Feliz” (幸福澳门). Até 2035, quando o país estará basicamente modernizado, as vantagens de “Um País, Dois Sistemas” serão plenamente demonstradas, a base do Estado de Direito será mais sólida, e o objectivo de promover uma diversificação económica moderada de Macau estará essencialmente alcançado.

Nota: O conteúdo acima é baseado na intervenção de Lei Wun Kong antes da ordem do dia na Assembleia Plenária da Região Administrativa Especial de Macau em 28 de outubro.

31 Out 2025

Triângulo Estratégico Global (II)

“Winning the AI race will usher in a new golden age.”

U.S. Defense Innovation Board, 2023

Depois dos Estados Unidos, a Rússia é a única grande potência com laços de sangue profundos com Israel. A diáspora de judeus oriundos do espaço pós-soviético, iniciada há mais de quatro décadas, permitiu a Moscovo contar com uma comunidade de cerca de um milhão de russos a viver em território israelita, muitos deles integrados nas elites. A comunicação entre Netanyahu e Putin é directa e funcional. No Kremlin, há quem veja com bons olhos a eventual ascensão de Naftali Bennett judeu de origem americana e mediador informal nas negociações russo-ucranianas de 2022, interrompidas por pressões externas. Neste contexto, a possibilidade de Israel expandir os seus actuais sete teatros de guerra não é remota. A erosão acelerada dos equilíbrios internos ao triângulo com o Irão e a Turquia fragiliza os amortecedores geopolíticos da região. A distância física de quase dois mil quilómetros que separa Israel do Irão torna-se cada vez mais irrelevante, à medida que se intensifica a tensão entre os dois regimes, envoltos numa retórica de demonização mútua.

A crise do corredor estratégico que liga Herat a Beirute, passando por Teerão, Bagdade e Damasco, alimenta a hipótese de um confronto directo. Com a Turquia, o tabuleiro é outro. A Síria tornou-se o campo de manobra. Damasco, tomada recentemente por milícias jihadistas apoiadas por Ancara, está perigosamente próxima das posições israelitas para lá do Golã. Um cenário de equilíbrio instável entre turcos em Alepo e israelitas em Damasco começa a desenhar-se. Erdogan, com ambições de longo prazo, sonha com a reconquista simbólica de Jerusalém e da mesquita de Al-Aqsa, num futuro em que Israel não exista. Embora Telavive não o admita, o verdadeiro desafio estratégico não está no Irão, enfraquecido e em modo de sobrevivência, mas na Turquia, cuja visão neo-imperial se estende do Médio Oriente ao Norte de África. O pragmatismo poderia levar Israel a procurar aproximação com Teerão para conter Ancara, cuja expansão é mais tangível e ameaçadora.

O mosaico de rivalidades no Médio Oriente aparenta estar contido, mas a sua fusão com o conflito ucraniano por via do Cáucaso ou do Mar Negro não é uma hipótese a descartar. A análise cruzada dos três grandes cenários de guerra conduz a três conclusões. A primeira, a da paz possível será sempre imperfeita e só poderá nascer de compromissos graduais entre os Estados Unidos e a China, com a Rússia como peça-chave. São estas três potências que detêm a capacidade de se aniquilar mutuamente e, com isso, pôr fim à vida no planeta. O verdadeiro líder do século será aquele que conseguir atrair Moscovo para a sua esfera, oferecendo-lhe a ilusão de autonomia. A Europa, mesmo nas suas versões mais ambiciosas, disputará lugares secundários no comboio conduzido por Washington ou Pequim. Potências médias com aspirações globais como o Japão, a Índia ou a própria Turquia ocuparão lugares de destaque, mas sempre subordinados a um equilíbrio instável. Não há hegemonia absoluta, apenas uma dança de forças em tensão permanente. Nada que se compare à ordem de Viena ou à geometria bipolar de Yalta. O mundo actual é um salão de baile onde aristocratas decadentes e corsários sofisticados dançam sob vigilância mútua, mantendo esferas de influência que se sobrepõem e se entrelaçam.

O compromisso entre os grandes não é o fim da história, mas a única forma de evitar que termine. Sob essa trégua frágil, multiplicar-se-ão conflitos de menor escala, sobretudo entre o Médio Oriente e África guerras intermitentes, sem plano e horizonte, em territórios esquecidos ou disputados por vizinhos e potências distantes. Duas variáveis, no entanto, escapam a qualquer controlo a de um eventual confronto entre a Rússia e a China, ainda remoto mas plausível, e um embate directo entre a Rússia e os Estados Unidos, menos provável mas facilitado pela proximidade das linhas de contacto na Europa Oriental, especialmente após a divisão da Ucrânia. Não será amanhã. Mas depois de amanhã pode ser tarde. Vivemos num tempo de coexistência forçada, imposta pela impossibilidade de uma guerra mundial racionalmente concebida. Conflitos localizados ou até globais podem surgir, desde que se mantenham abaixo do limiar nuclear.

(Continua)

30 Out 2025

Pessoas Normais

Em 2018 saiu um livro que rapidamente se tornou num best-seller, Pessoas Normais da Sally Rooney. Em 2020 saiu uma série televisiva inspirada no livro, que, com o mesmo nome, se tornou igualmente num êxito. É uma história sobre dois jovens, um rapaz e uma rapariga irlandeses, desde o último ano do secundário, em Sligo, no oeste da Irlanda, até ao final da licenciatura no Trinity College, em Dublin. Pessoas que se apaixonam, que se confundem e que têm sexo – jogam o jogo da intimidade de melhor forma que podem e embrenham-se em questões fraturantes e dolorosas. Rooney mostra que a verdadeira intimidade não se constrói no desejo, mas na capacidade de gerir, ou permitir, a partilha emocional.

A história é um cliché. Uma rapariga que não é popular na escola, mas que vem de um contexto familiar financeiramente favorecido, e um rapaz que é bastante popular na escola e que vem de uma classe trabalhadora. Eles envolvem-se sexual e emocionalmente num caso que tanto os aproxima como os separa. Entram na mesma faculdade e continuam no vaivém entre uma paixão desmedida e momentos de incompreensão. Mas é aí que o cliché termina, porque a forma como somos transportados para os mundos interiores de expressão emocional é tão rica, que nos retira do melodrama do costume e transporta-nos para uma realidade que nos é mais conhecida: a nossa, com as suas nuances e confusões. O livro chama-se Pessoas Normais porque o que lá retrata é real e normal.

Nesta história, o consentimento sexual e físico é atravessado por uma camada emocional que o torna complexo. Explorando questões sobre o poder, a classe e o erótico, as personagens navegam aquele mundo, cada uma com a sua capacidade distinta de concretização emocional e financeira. A intimidade é um jogo de poder, de quem abre ou fecha portas para a sintonia. E os lugares que as personagens habitam são próximos e distantes ao mesmo tempo, como se se perdessem na sintonia de um e de outro. Marianne, apesar do seu contexto, vem de uma família problemática que a ensinou que as suas vontades, ou a sua existência, não eram importantes. E nesse espaço de esvaziamento, ela oferece espaço ao outro para ultrapassar limites: ela não escolhe ceder; ela só não sabe conter. Connell, que vive perdido, sem saber onde pertence, encontra na Marianne uma forma de se integrar num mundo distinto do dele, que o desafia e o confunde. Os eventos são recontados na intimidade do pensamento de cada um, e percebemos como despertam percepções diametralmente opostas. A realidade deixa de existir e a percepção é modeladora do fazer e do sentir. E nos momentos de intimidade física, o corpo torna-se o único lugar onde a verdade se manifesta. O sexo não é um clímax, mas uma forma de comunicar – o único espaço onde conseguem dizer o que as palavras não iriam conseguir. O erotismo, pela autora, é vulnerabilidade pura.

Nesta história não há vilões, nem heróis, só pessoas – há quem diga que retrata a vida dos millennials em particular, na confusão que é estar com os outros no atual contexto de instabilidade laboral e até geopolítico. O sexo “não é assim com as outras pessoas”, como eles confessam um ao outro, e o romance e o erotismo da história vive nesses momentos explícitos, outros silenciosos. Com uma linha temporal fragmentada, acompanhamos as duas personagens em trechos significativos ao longo de cinco anos. O ritmo que nos é apresentado revela-nos outro facto mundano; eles estão a crescer. A relação entre Marianne e Connell é sintomática das dores de crescimento que os acompanham na descoberta de quem são – apenas pessoas normais.

28 Out 2025

O plano bilionário de Musk (2)

A semana passada, falámos sobre a proposta da Tesla para atribuir ao seu Director Executivo, Elon Musk, 1 bilião de dólares em acções a título de prémio de desempenho, na condição de atingir uma série de objectivos. Estes objectivos seriam: Primeiro, inverter o recente declínio na venda de carros. Segundo, desenvolver o negócio de venda de carros autónomos, etc. Depois de todas as metas serem atingidas, não só o valor e os lucros da Tesla aumentariam significativamente, como Musk receberia uma enorme compensação financeira, beneficiando assim ambas as partes.

No entanto, como a tecnologia de condução autónoma ainda não está completamente desenvolvida, e países de todo o mundo vão rever a legislação rodoviária em função desta inovação, a cobertura dada pelos seguros contra terceiros também irá sofrer alterações. Estes factores geram incerteza e podem vir a afectar a Tesla. Hoje, vamos continuar a analisar o impacto que o plano de compensação no valor de 1 bilião em acções vai ter na Tesla, em Musk e nos accionistas.

Terceiro, o plano da Tesla para fabricar 5.000 a 10.000 robots humanoides Optimus em 2025. O objectivo é criar robots que possam substituir os trabalhadores manuais, como carregadores, trabalhadores domésticos, etc. Contudo, a tecnologia do Optimus ainda não está aperfeiçoada. Muitas empresas de IA estão a trabalhar afincadamente para atingir este mesmo propósito. Ainda está por saber se a Tesla será bem-sucedida na sua investigação e se se irá tornar a primeira empresa a dominar o mercado da robótica.

Quarto, a fábrica da Tesla Shanghai Energy Storage Giga começou a produção no passado mês de Fevereiro. A empresa pretende trabalhar com um único operador de soluções energéticas, que forneça serviços de geração, armazenamento e gerenciamento de energia para complementar o negócio do automóvel, da robótica, dos super-computadores e da energia. Este objectivo requer padrões extremamente elevados tanto para software como para hardware. As tensões entre a China e os Estados Unidos podem ter consequências ao nível da importação e exportação de produtos, um factor que fica para lá do controlo da Tesla.

Quinto, o facto de Musk gerir várias empresas de IA faz com que disperse a sua atenção, e algumas das suas declarações públicas tiveram um impacto na imagem da Tesla. O prémio de desempenho que deveria ter recebido pelo seu trabalho em 2018 está actualmente em fase de recurso e ainda não se sabe se o prémio de 2025 será aprovado pelos accionistas e pelos tribunais. Tudo isto são questão que Musk deve considerar.

No plano do prémio de desempenho no valor de 1 bilião, Musk incorpora três qualidades essenciais num magnata de negócios bem-sucedido. Primeiro, a gestão que faz de várias empresas demonstra a sua dedicação ao trabalho e revela esforço e paixão. Segundo, assim que atingir os seus objectivos, as suas acções da Tesla aumentarão de 13 por cento para 25 por cento. Com um reforço do seu controlo sobre a empresa, Musk pode continuar a desenvolver o negócio e conduzi-lo até uma próxima década de prosperidade, provando o seu empenho num crescimento futuro. Terceiro, Musk possui um profundo sentido de aventura e, correndo riscos, cria grandes benefícios para a empresa e para si próprio. Só transformando a Tesla numa empresa tecnológica sem precedentes é que Musk poderá colher compensações substanciais, vinculando a longo prazo o seu património pessoal ao valor da empresa.

O conselho de administração da Tesla espera que este plano assegure o foco de Musk no seu projecto ao longo da próxima década, conduzindo a empresa para a transformação do negócio e o crescimento dos lucros. Se a investigação for bem-sucedida a Tesla pode vir a gerar lucros substanciais. O fracasso pode anular todos os investimentos e resultar em perdas. O risco é a essência do negócio. Lucros e perdas são precisamente a consequência de se correr riscos. Comparado com os 8,5 biliões que a empresa vale e os seus 400 mil milhões de lucro, o prémio de 1 bilião é só uma gota no oceano. Não é uma quantia significativa para a Tesla, mas une os interesses da empresa, dos seus accionistas e de Musk, cimentando um destino comum.

O sucesso do negócio da Tesla significa aumento dos dividendos dos accionistas, uma subida do valor das acções e um conjunto de accionistas satisfeitos. No entanto, alguns deles podem estar com medo que Musk não cumpra todos os objectivos propostos pela empresa, e que à medida que ele tenha mais acções, a participação no capital desses accionistas seja diluída. Este plano tornará-lhes-á mais difícil a aprovação de resoluções que assegurem os seus interesses no futuro. Neste cenário, a Tesla pode tornar-se incapaz de prescindir de Musk, alguns accionistas podem sentir que ele é indispensável, mas Musk pode ir-se embora quando os seus objectivos forem atingidos.

Temos de esperar pelo resultado da reunião de accionistas da Tesla que irá acontecer em Novembro e ver se Musk consegue criar outra lenda no mundo dos negócios.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

28 Out 2025

Ao que isto chegou

Um menor de 14 anos mata a mãe com uma arma do pai. Fomos ficando habituados a ler notícias tristes de filhos que roubam as joias da mãe para certos vícios ou que batem na mãe ou no pai porque estes não lhes dão dinheiro a fim de comprarem estupefacientes. Agora, a linha vermelha foi ultrapassada. Um menor diz que “a minha mãe chateava-me muito”, pega na arma do pai e mata a mãe sem apelo nem agravo. Ao que isto chegou.

A mãe, Susana Gravato, de 49 anos, era vereadora do PSD na Câmara Municipal de Vagos. O tribunal já decidiu o internamento do menor em regime fechado e depois poderá ficar na mesma situação mais três anos. O menor cometeu o crime de tal forma consciente que até, após o acto, simulou um cenário de assalto em casa. Ao falarmos com uma psicóloga, esta disse-nos que a mudança na educação dos filhos nos dias de hoje é tenebrosa. Que as redes sociais são uma das razões para a violência se estar a banalizar e que a legislação muito tem de mudar no que respeita ao acesso ao digital.

Miguel Sousa Tavares defendeu a proibição gradual das redes sociais, sublinhando que “Estão a dar cabo do nosso modo de vida”. Vivemos um tempo de educação por reflexo condicionado, acrescentou a psicóloga, para prosseguir salientando “que talvez porque estejamos a ser ultrapassados pelos cães. Vivemos uma época onde tudo é a consequência de um pseudo-trauma que a ignorância se propõe facilmente tratar e que mais não faz senão prolongar e agravar a doença”.

Nós lemos Freud muito cedo, e logo percebemos que, em Freud, quase tudo girava em torno da frustração e do sexo reprimido. Depois, como estava na moda, lemos Piaget achando que nos ajudaria a educar os filhos. Enganámo-nos. Piaget educou, mas foi a nós. Descobrimos que a educação dos filhos não se faz com amarras de teorias, religiões ou modas. A educação dos filhos, antes de tudo tem de ser um acto de amor, caso contrário, o reverso da medalha pode ser fatal.

Na verdade, o país outrora tido como pacífico, ficou chocado ao tomar conhecimento que uma filha tentou matar o pai à facada e arrancar-lhe os olhos para ficar, simplesmente, com uma casa, e no dia seguinte, um filho com apenas 14 anos mata a mãe com a pistola escondida do pai porque “a mãe era chata com os afazeres escolares”. Certo, é dizer que “matou” logo o pai e se matou a si próprio também. A loucura contamina e a maldade também. São gémeas idênticas. Os portugueses não queriam acreditar que se ultrapassou a linha vermelha e que agora os filhos já matam os pais.

Há uns anos, conhecemos José Manuel Anes, que foi presidente do Observatório de Segurança Criminal e Terrorismo. Um homem experiente de todos os aspectos da vida, da segurança, do crime e da espionagem. Não conseguimos entender qual foi a educação que Anes terá dado à sua filha Ana, para que esta o tente matar à facada e ter a “coragem” de ir para as redes sociais dizer que tentou matar o pai porque este tinha colaborado com a Mossad.

É incompreensível por parte de uma filha. José Manuel Anes tinha-nos referido que o cargo que ocupava era de risco, que tinha a noção que um dia podia ser morto, mas certamente nunca imaginou que isso pudesse acontecer pelas mãos da própria filha Ana, que já se encontra presa e que confessou o crime. Efectivamente o mundo mudou, e para pior no que concerne às atitudes das novas gerações. Culpa dos pais? Talvez. Todavia, não deixa de ser repugnante que uma filha, de 53 anos, pegue numa faca e tente matar o seu pai que lhe deu tudo incluindo uma mesada até ao dia de ser atacado gravemente. Ao que isto chegou.

José Manuel Anes foi atacado dentro da própria casa. Há cinco anos que Anes era perseguido pela filha, com ameaças de morte nas redes sociais. A filha pretendia que o pai colocasse em nome dela a propriedade de uma casa na Costa de Caparica. A teoria da filha Ana Anes era a pretensão de ela poder vender a casa e arrecadar o dinheiro, uma vez que estaria desempregada.

É este o móbil do crime apurado pela investigação da Polícia Judiciária. De resto, foi por temer que a filha concretizasse as ameaças que José Manuel Anes, com 81 anos, passou a viver com a actual mulher na casa de uma amiga desta, em Lisboa. Anes tinha recebido antes do dia do crime uma mensagem ameaçadora da filha e logo no dia seguinte a mesma tocou à porta da casa onde estava a viver e Anes abriu, pensando tratar-se da entrega de uma encomenda. Foi desde logo atirado ao chão pela filha, que a seguir o agrediu com vários murros pelo corpo todo. Depois, com um objecto cortante, atingiu-o na cabeça, pernas, mãos e abdómen, até que, por fim, lhe pressionou os dois olhos com os dedos, deixando-o sem ver. Mas que cena macabra: uma filha que tenta matar um pai com 81 anos, só pela ganância do dinheiro. Qualquer dia, temos todos os meses um pai morto por um filho. Ao que isto chegou…

P.S. – Esta foi a minha 250ª crónica. Quero agradecer fraternalmente ao Director Carlos Morais José o convite que me fez há cerca de cinco anos para estar em contacto com os leitores deste magnífico jornal.

27 Out 2025

Triângulo Estratégico Global (I)

(Continuação da edição de 23 de Outubro)

Exagerar a ameaça russa serve tanto à indústria como à política interna. No extremo inferior da escala, os palestinianos continuam a ser alvo de extermínio e deslocação por parte de Jerusalém, numa busca persistente por espaço vital. São vítimas esquecidas, sobretudo pelos que se dizem seus amigos. A crise de coesão social no triângulo das potências regionais é evidente. Em Israel, a fragmentação interna é dramática. As guerras externas funcionam como válvula de escape para evitar o colapso interno entre tribos centrífugas, onde o recuo dos judeus ultra ortodoxos em combater pelos sionistas é mais do que alarmante. No Irão, a tensão é latente, resultado da laicização progressiva da sociedade e do regime, que o Ocidente continua a imputar aos aiatolas uma caricatura que não diverte e do colapso da natalidade.

Na Turquia, a situação é gerível, apesar do fosso crescente entre o islamismo pragmático do regime e o laicismo, quase ateu, difundido entre os jovens. A taxa de fertilidade caiu de 2,38 filhos por mulher em 2001 para 1,48 em 2024, sinal de uma transição demográfica profunda. Quanto ao triângulo das grandes potências, os Estados Unidos mantêm interesse apenas para evitar a autodestruição de Israel, provocada por guerras impossíveis de vencer. Mas o empenho é decrescente. Trump não confia em Netanyahu, que tenta instrumentalizá-lo, mas depende dele para os armamentos. As extravagâncias israelitas são toleradas, pois o interesse americano reside em supervisionar o equilíbrio entre os três protagonistas, Estados Unidos, Rússia e China além da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, convertidos ao jogo em campo aberto, com a China e até com o Irão.

A linha vermelha da bomba persa, com consequências sauditas e turcas, permanece como ponto de tensão. Sem outra perspectiva senão empurrar todos mais além. A Rússia redescobriu recentemente os seus parceiros médio-orientais da era soviética, a começar pela Síria, tentando abrir uma brecha a sudoeste no dispositivo americano a ocidente da vertical Murmansk-Cairo fronteira oriental da esfera de influência americana na era pós-global. A queda dos al-Assad infligiu um golpe duríssimo à influência russa na região. Moscovo tenta defender o acesso à sua única base naval no Mediterrâneo, reduzida mas não comprometida. Putin reforça os laços militares e energéticos com o Irão, como bem sabem os ucranianos, alvo de enxames de drones persas, enquanto negoceia com a Arábia Saudita, juntamente com os americanos, o preço do petróleo. Erdogan estende as suas províncias a quase toda a Líbia, ao mesmo tempo que oferece apoios ambíguos no Mar Negro e nas negociações secretas sobre a Ucrânia.

Mas a rivalidade entre a Segunda e a Terceira Roma está destinada a durar até aos últimos dias. Por fim, o triângulo estratégico entre Israel, Turquia e Irão no Médio Oriente, inscrito entre Suez, Bab al-Mandab e Hormuz, acrescenta uma camada de complexidade ao panorama global. São ilhas de identidade forte num mar de para-Estados e comunidades fragmentadas, onde a estabilidade é sempre relativa. A guerra na Ucrânia, longe de ser um episódio isolado, é o espelho de um mundo em transição. Um mundo onde o equilíbrio entre potências, a redefinição das alianças e a gestão dos conflitos regionais determinarão o rumo da história. E onde a paz, mais do que um ideal, será o resultado de uma engenharia diplomática paciente e multilateral.

23 Out 2025

Triângulo Estratégico Global (I)

“The divergence between American and European strategic analysis is more instrumental than sincere.”

José Milhazes

A guerra na Ucrânia não é apenas uma tragédia regional. É o reflexo de uma transição sistémica que atravessa o mundo, onde o equilíbrio entre potências, alianças e civilizações está em reconfiguração. O conflito, embora localizado, contém em si três dimensões interligadas que o tornam um dos eventos mais significativos da era pós-Guerra Fria. A primeira dimensão, visceral e imediata, é a mais sangrenta. Trata-se do confronto entre o que resta do império russo movido por uma pulsão de grandeza histórica e a nação ucraniana, que procura afirmar-se como Estado soberano e independente, livre da influência moscovita. Esta luta, que mistura elementos de guerra civil com disputas de sucessão pós-soviética, é marcada por memórias imperiais, ressentimentos históricos e ambições nacionais.

A Ucrânia, ao tentar consolidar a sua identidade política e cultural, desafia directamente a narrativa russa de unidade eslava e continuidade imperial. A segunda dimensão, mais estrutural e de alcance continental, envolve o espaço euro atlântico em processo de transformação. Desde o colapso da União Soviética, a expansão da influência ocidental para leste tem sido constante. A integração da antiga Alemanha Oriental, a adesão dos países bálticos, da Polónia, da Roménia e, mais recentemente, da Finlândia e da Suécia à OTAN, desenham uma trajectória de aproximação à fronteira russa. A ofensiva militar de Moscovo contra Kiev surge como reacção a essa marcha oriental, tentando impedir que a Ucrânia se transforme numa plataforma avançada de influência americana. Sob esse prisma, os combatentes ucranianos tornam-se peças num tabuleiro maior, onde Washington projecta poder através de alianças e apoios indirectos.

A retórica do “Ocidente colectivo”, embora usada como instrumento de mobilização interna pela Rússia, revela-se útil para conferir à intervenção o estatuto de guerra patriótica. A terceira dimensão, mais silenciosa mas decisiva, inscreve-se no desafio sistémico entre potências globais. A Ucrânia tornou-se um campo de teste para a resiliência das alianças, a eficácia das estratégias de contenção e a capacidade de adaptação das grandes potências. O conflito desenha uma geometria de pares com a Ucrânia e Estados Unidos de um lado; Rússia e seus parceiros estratégicos do outro. A China, embora não envolvida directamente, observa com atenção e prudência, calibrando os seus movimentos num tabuleiro onde a estabilidade regional e a autonomia estratégica são prioridades.

A sua postura, marcada pela moderação e pelo pragmatismo, contribui para evitar uma escalada descontrolada e preserva canais de diálogo que podem ser cruciais para uma eventual resolução. Neste cenário, a guerra na Ucrânia contém os ingredientes para uma escalada de alcance mundial, caso um dos vértices do triângulo geopolítico Washington, Moscovo ou Pequim decida romper o equilíbrio tácito. A única saída sustentável parece residir num entendimento entre essas três potências, capaz de evitar que Kiev se torne o palco de uma nova guerra global, à semelhança das que marcaram o século passado. A Europa, por seu lado, assiste com crescente apatia ao desenrolar da tragédia. A sua fronteira oriental arde, mas o público europeu, fatigado e dividido, hesita entre o envolvimento e o distanciamento. A Ucrânia, tecnicamente falida e dependente de ajuda externa, vê metade da sua população viver em diáspora.

Os que permanecem enfrentam uma guerra de sobrevivência, conscientes de que a vitória total é improvável. O objectivo tácito parece ser enfraquecer a Rússia, mesmo que isso implique a erosão da estabilidade europeia. A frente nordeste da OTAN, centrada na Polónia e estendida do Ártico ao Mar Negro, emerge como possível ponto de ignição. A Alemanha, com memória histórica e responsabilidade geopolítica, será determinante na reconstrução da Ucrânia pós-conflito. A sua influência, discreta mas profunda, contrasta com a assertividade polaca, marcada por rivalidades regionais. No horizonte, vislumbra-se um cenário de cessar-fogo ao estilo coreano, com uma nova cortina de aço a dividir o país. A reconstrução será partilhada entre os aliados ocidentais, com feudos demarcados e interesses cruzados.

A Rússia, por sua vez, poderá consolidar uma Nova Rússia, estendendo-se da Transnístria ao Báltico, homenageando os czares que projectaram o império em direcção à Europa. A lógica das capacidades militares, mais do que as intenções declaradas, alimenta a possibilidade de confrontos preventivos.

A escalada nuclear táctica, embora indesejada, torna-se uma consequência quase automática num ambiente de desconfiança mútua. Os Estados Unidos, cautelosos, preferem deslocar o foco para o Indo-Pacífico, enquanto os europeus, divididos entre ambições e ressentimentos, enfrentam o dilema de rearmar-se sem o guarda-chuva nuclear americano. A divergência estratégica entre americanos e europeus é mais funcional do que ideológica. Em Washington, a retirada parcial da Europa é vista como oportunidade para redistribuir recursos e testar a autonomia dos aliados. Na Europa, essa retirada é interpretada como oportunidade de reconfigurar ambições e ajustar contas históricas.

(Continua)

22 Out 2025

Contribuindo com um exemplo vívido da governação da China para o desenvolvimento da causa global das mulheres

Por Liu Xianfa

Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau

A Reunião de Líderes Globais sobre as Mulheres, com o tema “Um Futuro Partilhado: Processo Novo e Acelerado para o Desenvolvimento Integral das Mulheres”, teve lugar em Beijing, de 13 a 14 de outubro, em comemoração do 30º aniversário da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres e com vista a debater sobre o desenvolvimento da causa global das mulheres.

O Presidente Xi Jinping participou na cerimónia de abertura da Reunião e proferiu o discurso principal intitulado “Levar avante o espírito da Conferência Mundial de Beijing sobre as Mulheres e promover o novo e acelerado processo para o desenvolvimento integral das mulheres”, no qual demonstrou de forma abrangente e sistemática as conquistas da modernização chinesa e da causa das mulheres na China da nova era, apresentou as propostas da China para acelerar o novo processo de desenvolvimento integral das mulheres à luz das tendências globais e anunciou as soluções da China para apoiar ainda mais o desenvolvimento da causa global das mulheres. Com práticas bem-sucedidas e realizações frutíferas, a China contribuiu para o mundo inteiro com mais um exemplo vívido da “governação chinesa” .

Na China, a causa das mulheres sempre constitui uma parte importante do processo de modernização chinesa. Desde a sua fundação em 1921, o Partido Comunista da China tem-se empenhado na libertação das mulheres e na igualdade de género. Após o estabelecimento da República Popular da China, foi promulgada uma série de leis e regulamentos que protegiam os direitos e interesses das mulheres, alcançando melhorias históricas na condição das mulheres no sentido de educação, emprego, participação política e autonomia conjugal.

Entrando na nova era, o Comité Central do PCC, com o Camarada Xi Jinping como o núcleo, enfatizou como componentes integrantes da modernização chinesa a salvaguarda dos direitos e interesses legítimos das mulheres, a promoção da igualdade de género e o desenvolvimento integral das mulheres. Tem sido tomada uma série de decisões e planos pioneiros, gerais e de longo prazo e a causa das mulheres da China realizou conquistas e mudanças históricas. Vencemos a maior batalha contra a pobreza da história da humanidade e, assim, trouxemos prosperidade moderada a 690 milhões de mulheres.

Reduzimos a taxa de mortalidade materna em quase 80% desde 1995 e juntámo-nos aos principais países de rendimento médio-alto nos indicadores essenciais de saúde materna-infantil. Atualmente, as mulheres representam mais de 40% da força de trabalho total da China e mais de metade dos empreendedores de startups de internet no país. Na nova era, as mulheres chinesas, mais confiantes e vibrantes, participam em todo o processo de governação do país e sociedade. A causa das mulheres na China tem gozado de espaços de desenvolvimento mais amplos e de perspetivas mais promissoras do que nunca.

Após o seu regresso à pátria, Macau experimentou uma época dourada no desenvolvimento da causa das mulheres. O nível de escolaridade, a participação no mercado de trabalho, a cobertura industrial, o nível profissional e os rendimentos das mulheres em Macau melhoraram significativamente. Com grande coragem e entusiasmo, Mulheres deram contributos significativos em todas as esferas de vida, sustentando metade do céu para o desenvolvimento de Macau.

Desde 2008, a Associação Geral das Mulheres de Macau obteve o estatuto consultivo especial junto do Conselho Económico e Social das Nações Unidas, assim foi qualificada oficialmente pelas Nações Unidas para assistir aos assuntos internacionais e, desde então, esta participou nas sessões da Comissão sobre o Estatuto da Mulher (CSW) por 15 anos consecutivos. Macau já se tornou numa força indispensável no sentido de contar bem as histórias da China e da prática bem-sucedida de “um país, dois sistemas” em Macau junto da comunidade internacional.

A China tem dado apoio firme e contribuição ativa ao desenvolvimento da causa global das mulheres. Como salientou o Presidente Xi Jinping, as mulheres desempenham um papel importante na criação, promoção e desenvolvimento da civilização humana, e a comunidade internacional tem a responsabilidade partilhada de promover a causa das mulheres.

A China defende a visão de construir uma comunidade com futuro partilhado para a humanidade e tem transformado a Iniciativa de Desenvolvimento Global, a Iniciativa de Segurança Global, a Iniciativa de Civilização Global e a Iniciativa de Governação Global em ações concretas para promover o desenvolvimento integral das mulheres, de modo a proporcionar ativamente oportunidades e apoio à causa global das mulheres através do seu desenvolvimento. A China participa ativamente na governação global no domínio das mulheres, apoia as Nações Unidas na priorização de trabalhos de mulheres, cria o Prémio para a Educação de Meninas e Mulheres em parceria com a UNESCO e tem anunciado três doações de 10 milhões de dólares à ONU Mulheres. Face aos desafios globais, a China tem enviado mais de 1.200 oficiais e militares femininos para participar em operações de manutenção da paz da ONU, prestando assistência humanitária a mulheres e crianças afectadas por conflitos e catástrofes.

A China tem vindo a aprofundar o intercâmbio e a cooperação global entre mulheres, mantendo relações de amizade com organizações e instituições femininas de mais de 140 países, implementando projetos no valor de mais de 40 milhões de dólares no setor feminino em mais de 20 países, cultivando mais de 200 mil talentos femininos em mais de 180 países e regiões e prestando assistência para o emprego feminino em mais de 100 países. O desenvolvimento da causa das mulheres na China proporcionou uma solução chinesa para a causa global das mulheres que pode ser referenciada, o que é amplamente reconhecida e elogiada pela comunidade internacional.

Renovando a nossa dedicação ao propósito da Conferência Mundial de Beijing sobre as Mulheres e unindo esforços para criar um futuro melhor para o desenvolvimento da causa global das mulheres. Globalmente, a violência de género, a desigualdade digital e a sombra da guerra e do conflito ainda persistem. Olhando para o futuro, devemos renovar-nos em prol do propósito da Conferência Mundial de Beijing sobre as Mulheres para construir consenso maior, alargar os caminhos a seguir e tomar medidas mais concretas, com o objetivo de acelerar o novo processo de desenvolvimento integral das mulheres.

O Presidente Xi Jinping, no auge do progresso da civilização humana e do desenvolvimento pacífico do mundo, com uma visão global e sentido de responsabilidade como líder de um grande país, propôs quatro sugestões para a causa global das mulheres, quais são: “promover em conjunto um ambiente propício para o crescimento e desenvolvimento das mulheres”, “cultivar em conjunto um impulso vigoroso para o desenvolvimento de alta qualidade da causa das mulheres”, “construir em conjunto estruturas de governação para proteger os direitos e interesses das mulheres” e “escrever em conjunto um novo capítulo na promoção da cooperação global em prol das mulheres”. Foi anunciada também uma série de medidas novas tomadas pela China para apoiar o desenvolvimento da causa global das mulheres. A China está disposta a trabalhar com todos os países do mundo para superar os desafios globais, com visão orientada para a acção, acelerar o novo processo de desenvolvimento integral das mulheres com unidade, confiança, coragem e prática, levar avante a construção de um sistema de governação global mais justo e razoável e unir esforços para avançar em direcção a uma comunidade com futuro partilhado para a humanidade.

Com destino partilhado e de mãos dadas, as mulheres encaminharão para um futuro promissor. Como defensora activa e firme da cooperação global na causa das mulheres, a China continuará a trabalhar com todos países para tomar as acções aceleradas, de forma a escrever um novo capítulo no processo de desenvolvimento integral das mulheres!

22 Out 2025

O plano bilionário de Musk (1)

O dever de um director é trabalhar para optimizar o desempenho da sua empresa e maximizar os seus lucros. Quando a empresa aumenta os ganhos, é natural que o director seja recompensado financeiramente. No entanto, a comunicação social divulgou recentemente um relatório da mais influente firma de consultoria a nível mundial, a Institutional Shareholder Services, que se manifestava contra a atribuição a Elon Musk, Director Executivo da Tesla, de 1 bilião de dólares como recompensa pelo seu desempenho, por esta quantia ser muito elevada. Esta recomendação pode impedir que Musk, “amante de desafios”, obtenha uma compensação pela proeza de “aterrar em Marte”.

O plano para atribuir um bilião de dólares a Musk a título de compensação surgiu no passado mês de Setembro, quando o Conselho de Administração da Tesla lhe pediu para aumentar a produtividade da empresa durante os próximos dez anos. Caso fosse bem-sucedido, receberia esse valor em acções. O plano está dividido em 12 etapas. Após completar cada uma delas, recebe 1% das acções. Depois de estarem todas concluídas, receberá 12%, valor que se estima não ser inferior a 1 bilião de dólares. Os pontos principais são:

Venda de 20 milhões de veículos eléctricos

10 milhões de subscrições para o sistema de carros autónomos

Um milhão de carros autónomos matriculados e em funcionamento.

A partir de 3 de setembro de 2025, a entrega de um total acumulado de um milhão de robots humanoides Optimus.

A capitalização da empresa aumentará em 12 fases, dos cerca de 1,1 biliões actuais para os 8,5 biliões, oito vezes mais.

O lucro da empresa, depois de deduzidos juros, impostos e depreciação, chegará a 400 mil milhões.

O plano de compensação financeira apresentado em 2025 não é uma novidade. Em 2018, a Tesla aprovou um plano de 56 mil milhões de dólares. Tinha também um alcance de 10 anos, ao longo dos quais o desempenho de Musk ia sendo avaliado e, caso atingisse os objectivos definidos pela Tesla, recebia acções no valor de 56 mil milhões de dólares. Em Janeiro de 2024, o Tribunal de Chancelaria do Delaware rejeitou o plano devido à falta de independência do conselho de administração e ao montante excessivo da remuneração. Embora 90% dos accionistas tenha concordado com uma segunda votação, o tribunal voltou a rejeitar a resolução devido a erros processuais. Este mês, a Tesla apresentou recurso no Supremo Tribunal de Delaware, solicitando a aprovação do plano de compensação de 1 bilião de dólares.

Este plano de vincula os negócios da Tesla ao desempenho de Musk, assinalando que a Tesla não é apenas um fabricante de automóveis, mas que aspira a desenvolver amplamente o negócio ao nível da inteligência artificial e da robótica. Claro que este caminho implica mudanças significativas.

Em primeiro lugar, as vendas da Tesla em mercados como a França, a Suécia, a Dinamarca e a Califórnia estão actualmente em declínio, e os lucros do seu principal negócio estão em queda. De um ponto de vista mais prudente, a Tesla deveria revitalizar primeiro o seu negócio tradicional antes de partir para novas aventuras? Se a revitalização das vendas de automóveis for bem-sucedida, então o desenvolvimento de outras áreas de negócio seria motivo de celebração. No entanto, se falhar, deverá a Tesla abandonar o sector automóvel e apostar em novos negócios? Estes riscos e estas apostas são questões com que a Tesla, o seu conselho de administração e os seus accionistas se devem confrontar e considerar.

Em segundo lugar, a Tesla planeia fabricar carros autónomos. Isto irá não só aumentar o valor destes veículos como também irá abrir caminho para o ingresso no mercado dos carros autónomos. Se a pesquisa tiver sucesso, a Tesla passará de simples fabricante de automóveis para fabricante de automóveis e fornecedor de serviços de veículos autónomos. Imaginemos que o negócio de veículos autónomos possa vir a ser cobrado mensalmente, à semelhança do que fazem as operadoras de telemóveis, então os lucros desta empresa seriam sem dúvida muito maiores do que os que obtém com a simples venda de carros. Embora o fornecimento de serviços de condução autónoma gerem lucros estáveis e de longa duração, a tecnologia que os suporta ainda não está amadurecida. Se um carro autónomo estiver envolvido num acidente, será prejudicial para o dono do carro, para os outros condutores e para o Governo. Além disso, a implementação da condução autónoma vai inevitavelmente requerer a revisão da legislação rodoviária. Também não se sabe se a cobertura do seguro de acidentes contra terceiros precisará de ser modificada. As mudanças no mercado global vão gerar incertezas significativas para o negócio dos veículos autónomos da Tesla.

Na próxima semana, continuaremos a debater o impacto da compensação em acções no valor de 1 bilião de dólares no mundo dos negócios.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

21 Out 2025

O populismo caiu no poço

André Ventura tinha anunciado que nas eleições autárquicas conseguiria a presidência de umas 30 edilidades. Em 308, obteve o resultado “estrondoso” de três Câmaras Municipais. As sondagens que infelizmente ainda temos apresentaram que a vitória pertenceria à AD, o segundo lugar ao Chega e o terceiro para o Partido Socialista. Os comentadores televisivos fartaram-se de elogiar as sondagens e de salientar que seria normal o resultado do Chega porque o PS estava em declínio absoluto desde as últimas eleições legislativas. Enganaram-se, mais uma vez.

Sondagens e comentadores. O Partido Socialista renasceu das cinzas e conseguiu um resultado muito positivo. No cômpito geral não perdeu por muito e em termos de resultados de partidos sozinhos, sem coligações, os socialistas obtiveram quase o dobro das Câmaras Municipais que o PSD. Ficou provado que sem o populismo radical, sem a xenofobia, sem o racismo e sem os gritos de André Ventura, o Chega é um flop a nível local, especialmente pelo interior do País. O populismo caiu no poço e vamos ver quando é que os “bombeiros” o conseguem trazer ao de cima. O Chega ganhou no Entroncamento sem saber bem por quê, ganhou numa edilidade madeirense onde vivem meia dúzia de pessoas e ganhou em Albufeira porque os proprietários dos bares e hotéis conseguiram convencer toda a clientela e vizinhança para votar nos neonazis. Os eleitores de Albufeira irão chorar baba e ranho porque o Chega preconiza no seu programa algarvio que os bares encerrem às duas da madrugada e os proprietários desses estabelecimentos de diversão nocturna exigem que o encerramento seja às quatro horas da madrugada. O descontentamento local irá imperar e certamente que se traduzirá em próximas eleições. Isto, em Albufeira, porque no resto do Algarve o Chega pensava ganhar tudo. Nem aquela espécie de taberneiro que no Parlamento está sempre a gritar e a limpar o suor da careca, conseguiu vencer em Faro.

O mapa global divide-se entre a AD/IL e o partido rosa. O cavaquistão terminou ao fim de várias décadas. Viseu que teve sempre aquele Ruas, que pinta o cabelo e o bigode querendo parecer que tem menos 30 anos, teve uma derrota como nunca esperou. Em Lisboa e Porto, o caso já deu muito que falar. As vitórias da AD e seus pares da Iniciativa Liberal em Lisboa, e no Porto com o apoio verbal de Rui Moreira, o edil que terminou os seus polémicos mandatos, foram obtidas por uma margem mínima e até à meia-noite do domingo eleitoral as televisões só falavam em empate técnico. Triste, foi ver Luís Montenegro, que na sua qualidade de primeiro-ministro versus presidente do PSD, no dia das eleições a apelar ao voto nos seus companheiros candidatos, indo em absoluto contra a lei. Montenegro cantou vitória, mas podia ter sido um pouco mais humilde porque a vitória autárquica foi tangencial e perdeu muitas Câmaras importantes como Braga e Coimbra.

O povo, mostrou, desta vez, um grande sentido cívico e a abstenção foi das menores da história eleitoral. Em muitas mesas de voto as filas foram enormes e a espera muito demorada. Era a tradução que a abstenção iria baixar. Mesmo assim, não deixou de existir a falcatrua. Numa região do País lá veio a velha ilegalidade de um partido ter mandado imprimir boletins de voto semelhantes aos que foram entregues aos eleitores e depois propuseram que os seus apaziguados levassem um boletim no bolso já com a cruzinha no partido em causa e quando trouxessem o boletim em branco que a mesa de votos tinha entregado, recebiam dois mil euros. Nada mau para uns milhares de “mercenários”.

De eleições está o povinho farto, mas nada sobre a matéria vai acabar. Já estão na estrada os pontas de lança dos candidatos a Presidente da República. A variedade é enorme, mas quase toda para o mesmo lado. Na direita central temos o almirante Gouveia e Melo com Marques Mendes. Ainda mais à direita surge o “bocas” André Ventura e Cotrim Figueiredo que foi líder da Iniciativa Liberal. Pelo lado esquerdo moderado surgiu António José Seguro e só no sábado passado é que o Partido Socialista resolveu apoiar oficialmente o candidato António José Seguro. Tarde demais. E mesmo assim, a ala socialista mais à esquerda irá votar em António Filipe do PCP, ao bom estilo de Álvaro Cunhal, que alvitrava que por vezes tem de se tapar os olhos para votar em quem não pertence ao partido.

Desta vez, as sondagens parece que vão acertar. Uma empresa de sondagens, na qual temos a maior confiança, obteve num inquérito nacional realizado na semana passada, que haverá uma segunda volta entre Gouveia e Melo e António José Seguro. Contudo, quando os inquiridos foram confrontados com a decisão final na segunda volta, a vitória pendeu para o almirante.

Pois, tal e qual como escrevemos na passada segunda-feira, Luís Montenegro com esta vitória autárquica não se irá demitir, mesmo que o Ministério Público abra um inquérito judicial contra o actual primeiro-ministro sobre o caso da sua empresa familiar Spinumviva. O homem tem muitos anos de política e sabe tudo sobre como se defender das suspeitas de alegados cambalachos. Portugal continuará a ser governado por um político debaixo de suspeitas graves, mas que em nada afecta a sua vontade doentia de ser chefe do Executivo.

19 Out 2025