Amélia Vieira VozesNexus Uma obra colossal é esta de Yuval Noah Harari! Juntar as peças de um pensamento tão refinado e urgente requer também alguma solidão e rotina diárias que pode colidir com a dispersão lançada nas camadas mais trepidantes de uma certa humanidade que se mexe demais e constrói pouquíssimo. Mais: que não correlaciona há muito, factos, diálogos e profecia, e vive na poeira dos dias com características desconexas face ao desígnio temporal. E para que serve, quem o liga e desliga, desvenda e conecta o que é evidentemente esta experiência que foca o abismo e sua magnitude? Alguns Noés que constroem as suas Arcas e levam todas as espécies na esperança que as águas baixem, as lágrimas cessem, o sangue não corra, e que podem bem ser versões avançadas da salvação. O prólogo, aquele texto que é preciso descodificar, aparece-nos como um portal para outra dimensão nunca antes visto na versão entrelaçada entre reflexão, poema e ciência, uma grande coluna onde nos vamos mais tarde adentrar para não mais sair até ao último fôlego, e todos sabemos, embora ninguém o denuncie, o quão difícil é chegar ao fim de um livro com seiscentas páginas, porém a diagonal forma de leitura também pode ser considerada como agente positivo na ordem da avidez de muitos leitores, e quanto mais é feita, mais empilhados de livros se fica, e isso é uma atmosfera bonita, quanto muito, requer respeito. Hoje, nós temos no entanto de saber apanhar boleia da «Nuvem» uma certa consciência alada que condense até a uma manifestação outra todas as coisas que ansiamos saber. Da Idade da Pedra à Inteligência Artificial, todo um roteiro a que o autor acrescenta, História Breve das Redes de Informação. São onze os capítulos: 1- O que é a informação? 2- Narrativas: Nexos Ilimitados, 3- Documentos: Os Tigres de Papel também Mordem, 4- Erros: A Fantasia da Infalibilidade, 5- Decisões: Uma História Breve da Democracia e do Totalitarismo, 6- Novos Membros: O Que Distingue os Computadores da Prensa de Gutenberg, 7- Implacável: A Rede Não Dorme, 8- Falível: A Rede Costuma Enganar-se, 9- Democracias: Ainda Somos Capazes de Conversar? 10- Totalitarismo: O Poder Total aos Algoritmos? 11 – A Cortina de Silício: Império Global ou Cisão Global? Estamos num tempo de reversão onde os orçamentos para a defesa aumentam a grande velocidade, mas no início deste século a despesa mundial em saúde era mais alta do que a da defesa, tudo se precipitou para o grau máximo da narrativa dos perigos fabricados, e este irromper belicista chama os cidadãos a tirar conclusões sem o arrastão do delírio tremule das vozes ofensivas que pretendem ensimesmar os povos para um tempo ulterior às suas reais circunstâncias. Compreendemos nitidamente que nada vai ser assim – explica exemplarmente o livro em causa – que sublinha ainda o golpe de Estado algorítmico. A nossa psicosfera já mudou drasticamente, e ela não é regressiva, o limbo envolvente não nos devolverá nenhum conceito perene acerca das nossas façanhas, nem a audácia de uma qualquer rebelião será ouvida nas superfícies vindouras. Uma estagnação intrépida é o ponto de partida para rasurar de vez o idealismo tormentoso das nossas civilizações, e ela está a acontecer. Esta obra mostra o quanto estamos exauridos e é brilhante a correlacionar todos os factos onde o epílogo é tão exemplar como o prólogo. O nuclear parece-nos um sistema pesado, difícil de por em prática, porém, a leveza das redes transmissoras da Inteligência Artificial, derrotá-lo-á. Este nosso humano está em vias de colisão com alguma coisa até improvável nos seus sonhos mais visionários. Para que nos situemos, Nexus indica-nos alguns caminhos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA porta das estrelas (III) “Beginning immediately, Stargate will be building the physical and virtual infrastructure to power the next generation of advancements in AI, and this will include the construction of colossal data centers.” Donald Trump Para Elon, a IA é, pelo contrário, uma ameaça existencial a ser controlada e contida, para evitar que o seu poder se liberte e aniquile a consciência humana. Em suma, o que para Trump é a porta das estrelas, para Musk é o caminho para o inferno nem mesmo muito pavimentado com boas intenções. Altman sabe, e por isso toca nas cordas certas. E coloca Elon «o empresário mais inspirador da nossa época», segundo a definição do chefe da OpenAi diante de uma escolha, a de seguir as regras do jogo escritas pelo magnata, contentando-se assim em ser um dos muitos nomes escritos no seu Manual Cencelli, ou largar tudo e perseguir sonhos de “palingenesia universal”. Não existe terceira opção. Mas os pontos de tensão entre o fundador da SpaceX e os homens da Stargate não terminam aqui. Musk também não gostou da piada de Trump sobre Larry Ellison e o TikTok. Questionado sobre a possibilidade de uma compra do aplicativo chinês pelo empresário, o presidente americano inicialmente evitou responder. Mas depois respondeu que também não se importaria se a Oracle o comprasse afirmando que « Também gostaria que Larry o comprasse». O caso TikTok, que sofreu uma aceleração nos últimos meses, pode, portanto, constituir mais um elemento de atrito entre Musk e os homens da Stargate. Depois de evitar o encerramento da aplicação, prolongando a sua vida útil por setenta e cinco dias, Trump lançou a sua proposta. Cinquenta por cento da rede social chinesa deve acabar nas mãos americanas. Em relação a 2020, quando a intenção parecia realmente banir a «aplicação chinesa», o presidente mudou de posição. O mérito também é da sua neta Kai que, como habilidosa golfista e criadora de conteúdos, fez com que o TikTok entrasse «no coração» do presidente, que acredita que a aplicação foi fundamental juntamente com a sua frequência de podcasts, sugerida pelo jovem Barron para conquistar os votos dos jovens. Portanto, o presidente não gostaria de bani-la, mas sim incluí-la num acordo mais amplo com Pequim. Pena que Musk se antecipou. A notícia, aliás nunca comentada por Elon, de um possível interesse do fundador da SpaceX na compra do aplicativo foi fornecida à Bloomberg e ao Wall Street Journal por «autoridades chinesas» não especificadas. Atenção, não se trata de personalidades ligadas à empresa chinesa ByteDance, que controla o TikTok e com quem Elon Musk continua a manter relações estreitas. Estas figuras definiam Musk como um «intermediário» perfeito, dando a entender que as duas partes em causa ou seja, a China e os Estados Unidos podiam confiar nele. E, olhando bem, o único tweet de Elon sobre o assunto parece mesmo uma abertura de negociação pois diz que «Nunca fui a favor da proibição do TikTok, mas não entendo porque pode operar nos Estados Unidos e o X não pode operar na China». Elon tinha feito a sua proposta de que garante ao presidente o TikTok, mas troca, abrem o mercado chinês para o X. Foi nesse momento que Trump interveio, especificando que, pelo menos oficialmente, a venda do TikTok deve ser negociada com a ByteDance, e não com «autoridades chinesas» não sendo melhor especificado. E, acima de tudo, o presidente ressalta que o aplicativo também pode ser tranquilamente comprado por Larry Ellison, que, aliás, gerencia a nuvem do TikTok nos Estados Unidos por meio da Oracle e esteve muito perto de comprá-lo em 2019. O que quer dizer «Elon, não precisamos de ti. Nem para a IA nem para o TikTok». Sic transit gloria mundi? Ainda não. Mas Musk está encurralado. E nos seus ouvidos ressoam tanto o dilema de Altman «Trump ou a humanidade» quanto o imperativo categórico de Masayoshi Son, conhecido como Masa «Isto não é apenas negócio». Em suma, é hora de colocar os Estados Unidos em primeiro lugar. Independentemente de sonhos transplanetários, universalistas ou mais prosaicamente chineses. Trump fez a sua jogada, coroando-se «rei tecnológico» da América. Agora caberá aos grandes magnatas da tecnologia organizarem-se em conformidade. Se pretendem desafiar-se uns aos outros com inovação, tudo bem. Se Zuckerberg, apesar de excluído do Stargate, considera útil investir sessenta e cinco mil milhões em IA, muito bem. O presidente não vai prejudicar quem ficou de fora da porta das estrelas. Pelo contrário, como um verdadeiro soberano medieval, vai oferecer água, terra e desregulamentação. Mas as relações de vassalagem e o interesse nacional não devem ser questionados. Quem pensa em usar a política para perseguir exclusivamente os seus interesses, sejam marcianos ou chineses, está errado. E quem acredita que a sua estrela pode brilhar mais do que a do presidente está muito enganado, porque o Donald está convencido de que «foi salvo por Deus para tornar a América grande novamente». Obviamente, não será fácil. As empresas tecnológicas que Trump está a tentar federar são simplesmente muito poderosas. E é sempre o senhor que depende do servo, especialmente se este último é capaz de produzir engenhocas tecnológicas capazes de levar a humanidade a Marte ou de superar a inteligência humana. Stargate é, portanto, uma experiência social, antes de ser económica, tecnológica e geopolítica. Se os protagonistas da tecnologia americana ou seja, uma dezena de bilionários, todos com evidentes distúrbios comportamentais se mostrarem dispostos a colaborar entre si e com o governo, então o sonho americano poderá ser reprogramado. Se, pelo contrário, o caos e o rancor prevalecerem, a América morrerá, colapsando sobre si mesma. Exactamente como uma estrela.
Hoje Macau VozesPromover o Desenvolvimento Económico Moderadamente Diversificado Oportunidades e Responsabilidades de Macau sob a Perspectiva do Empreendedorismo Jovem Lei Wun Kong * Kacee Ting Wong** É um facto amplamente reconhecido que o sector do jogo de Macau se encontra sob crescente pressão perante a emergência de novos centros de jogo nas regiões vizinhas. Mais preocupante ainda é o chamado “efeito de exclusão” causado pela preponderância excessiva da indústria do jogo, que dificulta a atracção de talentos e o crescimento de sectores não relacionados com o jogo, gerando desequilíbrios estruturais e obscurecendo as perspectivas de um desenvolvimento económico sustentável. Neste momento-chave de transição, Macau deve romper decisivamente com o hábito de dependência enraizado ao longo dos anos e adoptar uma postura de inovação e iniciativa no sentido de promover uma diversificação económica moderada. Esta via não é apenas o caminho certo para garantir um desenvolvimento robusto a longo prazo, mas constitui uma escolha estratégica inevitável para que Macau possa afirmar-se proactivamente no novo cenário competitivo. O forte empenho do Governo da Região Administrativa Especial (RAEM) no desenvolvimento da Ilha da Montanha (Hengqin) e no apoio aos empreendedores locais demonstra que a diversificação económica se tornou uma das prioridades da actual governação. Durante muito tempo, os elevados lucros do sector do jogo geraram, em alguns indivíduos e empresas locais, uma mentalidade de dependência, conduzindo a uma atitude passiva de espera por oportunidades dentro da cadeia de valor do jogo, em detrimento de uma exploração activa de novos sectores emergentes. Esta mentalidade conservadora, assemelhando-se a correntes invisíveis, não só limita o progresso de Macau no caminho da diversificação económica e da inovação social, como debilita a sua capacidade de resistência a choques externos. Merece atenção o facto de certas empresas permanecerem demasiado fiéis aos seus modelos operacionais tradicionais, descurando a formação da sua capacidade de inovação e a melhoria da sua adaptação às dinâmicas do mercado. Assim que o ambiente externo se altera, são severamente afectadas, evidenciando a urgência de transformar os modelos mentais e acolher uma cultura de renovação. Por conseguinte, sustentamos que o empenho do tecido empresarial na promoção da diversificação económica é tão essencial quanto — ou até mais premente que — os esforços do Governo da RAEM para reduzir a dependência do sector do jogo. Os jovens empreendedores locais e as pequenas e médias empresas devem assumir um papel central, rompendo com a mentalidade de conforto e tornando-se a força motriz da transformação industrial e do desenvolvimento inovador. Um exemplo paradigmático é o do Senhor Fu Tanglong, Presidente do Instituto de Investigação sobre Indústrias Digitais de Macau e Vice-Presidente Executivo da Associação de Transmissão em Directo de Macau. Desde o início da iniciativa da Grande Baía em 2019, o Senhor Fu decidiu lançar-se no Interior da China para empreender, movido pela sua confiança no comércio electrónico, explorando activamente as oportunidades económicas proporcionadas pelas novas tecnologias. Através dos seus programas de formação, auxiliou mais de 350 pequenas e médias empresas na sua reconversão digital e proporcionou formação em marketing digital e transmissão em directo a cerca de 4.000 jovens locais. Esta prática demonstra bem o espírito empreendedor que alia a coragem de explorar a visão estratégica ao aproveitamento das vantagens comparativas. A sua experiência de sucesso comprova que, com formação profissional adequada e tirando partido da posição geográfica e do ambiente político únicos de Macau, os jovens podem abrir novos horizontes no comércio electrónico, desenvolvendo carreiras pessoais e contribuindo para a transformação económica da Região. Só em 2023, a associação liderada pelo Senhor Fu ajudou os comerciantes locais de Macau a alcançar um volume de vendas superior a 16 milhões de dólares americanos (fonte: macaubusiness.com, 10 de Dezembro de 2024, “A Jornada de Empreendedorismo de um Jovem de Macau”). Outros exemplos inspiradores de jovens empreendedores não faltam. A Senhora Huang Yin tem-se dedicado à promoção e divulgação da medicina tradicional chinesa no território; a Senhora Chan Nga Lei, por seu turno, fundou a empresa E.C. Film Production Company Limited, contribuindo nos últimos anos para o desenvolvimento da indústria cinematográfica de Macau; e jovens talentos como Leng Ka Chan e Oscar Chan Tianlan foram eleitos em Agosto de 2024 pelo Macau Post como “Empreendedores de Excelência da Grande Baía”. Estes jovens empreendedores, ao explorarem activamente os recursos culturais e históricos únicos de Macau e ao desenvolverem projectos com forte identidade local, comprovam o imenso potencial da inovação ancorada na tradição. Estes casos de sucesso servem de inspiração para que as empresas reforcem o investimento em investigação e desenvolvimento, valorizando o património histórico-cultural de Macau e combinando as suas especificidades tradicionais com a criatividade contemporânea, com vista à criação de produtos inovadores com identidade macaense. A resposta activa destes indivíduos ao “Plano de Desenvolvimento Económico Moderadamente Diversificado 2024–2028” e às orientações do Governo da RAEM representa, na prática, a concretização das “quatro esperanças” expressas pelo Presidente Xi Jinping em Dezembro de 2024: impulsionar a diversificação moderada da economia; elevar a eficácia da governação da Região Administrativa Especial; construir plataformas de abertura ao exterior de nível mais elevado; e salvaguardar a estabilidade e a harmonia sociais. A atenção estratégica atribuída ao desenvolvimento da Ilha da Montanha reflecte, com clareza, o lugar de destaque que a diversificação económica ocupa na actual governação. De acordo com dados estatísticos, a Zona de Cooperação Aprofundada Guangdong-Macau em Hengqin já acolhe mais de 56.000 entidades comerciais e mais de 10.000 empresas tecnológicas, constituindo um pilar fundamental para a transformação económica de Macau. O novo Governo da RAEM atribui grande importância à expansão das relações económicas e comerciais com os países de língua portuguesa, tendo previsto, logo no seu primeiro ano de mandato, uma missão oficial a Portugal. O Secretário para a Economia e Finanças, Senhor Tai Kin Ip, sublinhou recentemente que o papel de Macau como ponte entre a China e os países lusófonos é insubstituível. Reiterou ainda que a Região irá potenciar a sua plataforma de ligação, com ênfase no desenvolvimento da indústria tecnológica como vector estratégico para alcançar a diversificação económica (China Daily, 27 de Junho de 2025). Importa igualmente assinalar o papel crescente dos estudantes macaenses em Portugal, que se têm vindo a tornar protagonistas dinâmicos do intercâmbio entre as sociedades chinesa e portuguesa. A promoção de uma renovação de mentalidades exige o esforço colectivo de todos os sectores da sociedade macaense e um avanço coordenado em múltiplas frentes. A nível individual, os residentes de Macau devem cultivar uma visão prospectiva, romper com os modelos profissionais convencionais e adquirir competências especializadas em sectores emergentes como a economia digital, as indústrias criativas ou a medicina tradicional chinesa, reforçando continuamente a sua vantagem competitiva. As empresas, enquanto protagonistas do desenvolvimento económico, devem abandonar a passividade, adoptar uma postura proactiva de transformação, reforçar os investimentos em inovação tecnológica e investigação de produtos, e estreitar a cooperação com o Interior da China e com os mercados internacionais. Ao mesmo tempo, deverão procurar aprofundar as suas ligações com a Grande Baía e com os mercados exteriores, convertendo as vantagens de Macau enquanto plataforma em oportunidades comerciais concretas. Na realidade, o sector privado, pela sua eficiência, flexibilidade e orientação competitiva, desempenha um papel particularmente relevante na concretização da diversificação económica. Não obstante, é inegável que muitas empresas enfrentam o problema dos elevados custos de financiamento, o que pode limitar a sua capacidade de investimento — como tem sido amplamente discutido, inclusive em publicações académicas como o Blue Sky Blog da Faculdade de Direito da Universidade de Columbia. Para dar resposta a esta dificuldade, o Governo da RAEM lançou o “Plano de Apoio ao Empreendedorismo Jovem”, oferecendo empréstimos sem juros a jovens locais com espírito empreendedor mas com recursos limitados, proporcionando-lhes assim um apoio substancial. Esta medida traduz a visão governativa de pavimentar o caminho para a juventude e reforça o consenso social de que os jovens devem aproveitar esta conjuntura favorável e sair da sua “zona de conforto”. Mais importante ainda: os jovens locais, que vivem este momento crucial de transição, devem assumir conscientemente a missão histórica de conduzir Macau rumo a um modelo de desenvolvimento económico sustentável e diversificado. Em vez de questionarem “o que Macau pode fazer por mim?”, devem interrogar-se “o que posso eu fazer por Macau e pelo meu País?”, cultivando uma atitude de iniciativa e de serviço, fazendo da prosperidade nacional e regional a sua vocação. A nova geração deve libertar-se da dependência de uma via única de emprego no sector do jogo e alargar os seus horizontes profissionais, apostando na aprendizagem contínua e no aperfeiçoamento das suas competências — não apenas como exigência de desenvolvimento pessoal, mas também como imperativo para optimizar a estrutura de talentos da Região e promover o progresso social. Do ponto de vista estratégico nacional, o desenvolvimento de Hengqin contribuirá igualmente para a integração profunda de Macau na Grande Baía. A aplicação firme e contínua das importantes directrizes do Presidente Xi Jinping permitirá a Macau seguir com segurança o caminho certo traçado pelas políticas nacionais, rumo a um futuro promissor e previsível. Tal como a História nos ensina, os períodos de dificuldade são também momentos propícios à consolidação de consensos e à superação com determinação. Macau encontra-se numa encruzilhada histórica. Romper com a inércia, renovar conceitos e redefinir o rumo do desenvolvimento não é apenas urgente — é inadiável. Neste contexto de transformação, todos devemos apoiar de forma firme as políticas do Governo da RAEM nos domínios económico e social. Perante os desafios inevitáveis da transição económica, a sociedade macaense deve unir-se, empenhar-se com convicção no processo de diversificação, e promover, com espírito inovador e coesão social, a modernização da estrutura produtiva. Se, como escreveu Dickens, os piores tempos são também os melhores, então os empresários macaenses não devem perder a confiança perante as adversidades, mas sim enfrentá-las com coragem e criatividade, adoptando modelos de gestão inovadores capazes de responder aos desafios da transição económica e do progresso tecnológico. A sociedade como um todo deve abandonar o imobilismo, encarar as mudanças com valentia e transformar as dificuldades em oportunidades. Só com a acção concertada de indivíduos, empresas e autoridades será possível dar passos firmes na via do desenvolvimento económico moderadamente diversificado, escrevendo um novo capítulo na história de Macau — um capítulo de prosperidade duradoura e de progresso sustentável. *Presidente da Associação de Promoção Jurídica de Macau e Consultor Sénior do Think Tank “Sonho Chinês” ** Advogado, Investigador Associado do Centro de Estudos da Lei Básica de Hong Kong e Macau da Universidade de Shenzhen, Presidente do Think Tank “Sonho Chinês” e Deputado do Conselho Distrital de Hong Kong
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA bolacha que desafia a repressão Recentemente, a Hungria proibiu as marchas LGBTQIA+, aprofundando ainda mais a sua deriva autoritária e conservadora sob o governo de Viktor Orbán. Esta decisão não é apenas um ataque aos direitos humanos — é também um reflexo direto da ignorância e do medo perante a diversidade. Em resposta, cerca de 200.000 pessoas saíram às ruas de Budapeste para celebrar o orgulho. Sob o risco de serem detidas e até de enfrentarem penas de prisão até um ano, mostraram-se orgulhosamente destemidas, convictas de que estão do lado certo da história. Neste contexto, vale a pena revisitarmos uma ferramenta didática simples, mas poderosa, que há anos tem sido usada em escolas e espaços educativos para explicar a complexidade da identidade humana: o Genderbread Person, um trocadilho com gingerbread — a bolachinha de gengibre em forma humana. A Pessoa de Gengibre é uma representação gráfica que utiliza essa figura da cultura popular americana — a bolachinha de gengibre com cabeça, tronco e membros — para descomplicar conceitos muitas vezes mal compreendidos: identidade de género, expressão de género, orientação sexual e sexo biológico. Através desta figura simpática, ensina-se que estas quatro dimensões são distintas, mas interligadas — e que, sobretudo, não se enquadram em binarismos rígidos. Infelizmente, para líderes como Orbán e para tantos outros no mundo, esta nuance é precisamente o que mais assusta. Num mundo em que a diversidade humana se torna cada vez mais visível, a resposta de certos governos tem sido o silenciamento e a repressão. Encaram-no como uma ameaça. A Hungria, ao proibir as marchas do orgulho LGBTQIA+, não está apenas a negar o espaço público a uma comunidade vulnerável — está a negar a sua própria realidade social. O Genderbread explica coisas que deveriam ser simples: uma pessoa pode nascer com características biológicas masculinas, identificar-se como mulher, exprimir-se de forma não-binária e sentir atração por outro homem. É uma descrição factual da complexidade humana. Na Hungria, já em 2021 foi aprovada uma lei que proíbe a “promoção” de conteúdos LGBTQIA+ junto de menores, numa clara tentativa de associar identidade de género e orientação sexual a temas tabu. A lógica é antiga e gasta: se não falarmos sobre, talvez desapareça. Mas as pessoas LGBTQIA+ não são invenções modernas — são parte da humanidade desde sempre. Negar a sua existência não as elimina; apenas agrava o sofrimento, o isolamento e reforça a urgência da resistência. A Europa tem assistido, nos últimos anos, a um perigoso crescimento de movimentos populistas que alimentam o ódio e a exclusão. A Hungria é apenas um exemplo de como esse discurso pode tornar-se política de Estado. Educar para a diversidade é o antídoto mais eficaz contra o extremismo. Ensinar crianças (e adultos) que ser diferente não é ser errado, que o género não se resume ao binário homem-mulher, e que o amor não conhece regras impostas por ideologias — tudo isso é uma forma de construir sociedades mais justas e mais humanas. O medo que estes líderes demonstram não é mais do que a recusa em aceitar a complexidade da condição humana. A sua rigidez ideológica impede-os de reconhecer que a liberdade individual e a diversidade não são ameaças — são pilares fundamentais de uma sociedade saudável. Hoje, mais do que nunca, precisamos de mais Pessoas de Gengibre nas escolas — e de menos líderes de pedra nos governos deste mundo.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInvestigador altamente qualificado entrega comida (I) Recentemente, a imprensa online divulgou amplamente a história do académico chinês, Ding Yuanzhao (丁遠昭). Em 2004, Ding Yuanzhao obteve 700 pontos, de um total de 750, no exame de admissão ao ensino superior na China continental e ingressou, na Universidade de Tsinghua para tirar bacharelatos em engenharia química e bio-industrial. Após a formatura, foi admitido na Universidade de Pequim e fez o mestrado em engenharia de recursos energéticos. Mais tarde, obteve o doutoramento em biologia na Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura. Em 2018, ingressou na Universidade de Oxford, no Reino Unido, para tirar um mestrado em biodiversidade. Posteriormente, trabalhou como investigador num pós-doutoramento na Universidade Nacional de Singapura. Em Março de 2024, o contrato como investigador chegou ao fim, não foi renovado, e Ding passou a trabalhar como entregador de comida em Singapura. Trabalha 11 ou 12 horas por dia, e ganha em média por dia 50 a 100 dólares de Singapura (cerca de 40 a 80 dólares americanos), podendo ganhar até 254 dólares de Singapura (cerca de 200 dólares americanos) aos domingos. Este caso provocou um debate alargado depois de Ding ter filmado e carregado um vídeo na Internet. No vídeo, mostrava os diversos certificados académicos e aconselhava os candidatos ao ingresso nas Universidades da China continental, nos seguintes termos: “Os resultados dos exames não são tudo. Não fiquem pessimistas se não tiverem boas notas. Os bons resultados não significam que venham a ter o futuro garantido. Os trabalhos não são muito diferentes. Fazer entregas de comida é uma boa escolha para servir a sociedade e para nos sustentarmos, basta trabalhar afincadamente que somos recompensados.” Num outro vídeo, Ding aconselha os especialistas a prestarem atenção à segurança das pessoas que entregam comida. O caso de Ding provocou uma discussão acesa na sociedade chinesa. O principal motivo é a disparidade entre o seu nível académico e a sua profissão actual. Esta disparidade chama a atenção para o problema do conflito cultural na sociedade chinesa. Desde os tempos mais remotos, a China sempre esteve focada na educação. As pessoas cultas podem servir como membros do Governo e dar largas a toda a sua ambição. Outro propósito da educação, é cultivar o carácter, por isso existe um ditado que diz “a formação começa com a aprendizagem e a aprendizagem com a leitura.” (立身以立學為先,立學以讀書為本) Na Europa, a educação foca-se na transmissão do conhecimento e no incentivo aos alunos para que pensem de forma independente e inovadora. As Universidades são o bastião do conhecimento e valorizam particularmente a investigação científica. A investigação científica conduz à inovação e a inovação beneficia a sociedade. Este é o principal objectivo da educação, o que não tem qualquer relação com as carreiras que muitos estudantes escolhem depois da formatura. Ding tornou-se um entregador de comida depois de ter obtido um doutoramento. Esta disparidade entre a formação e a profissão actual colide com os princípios da cultura tradicional chinesa e é inevitável que tenha provocado debates acesos. Este caso não representa só uma história, mas também um espelho que reflecte questões como o significado da educação, os valores sociais e as atitudes pessoais. Em primeiro lugar, tendo passado de investigador universitário a entregador de comida, Ding ter-se-á interrogado sobre a utilidade de ter obtido vários graus académicos? Para quê frequentar a Universidade? Para responder a esta pergunta, não podemos só ter em conta a experiência pessoal, mas sim uma perspectiva social. O conhecimento é uma propriedade pessoal. Não se mede em termos de dinheiro, mas na evolução que provoca nos seres humanos. Os estudantes recebem educação na Universidade para obterem mais conhecimento, para herdarem uma propriedade “intangível” e enriquecerem os seus espíritos. O conhecimento obtido na Universidade transforma-se em conhecimento profissional, por isso os profissionais, como os médicos, os advogados e os contabilistas, têm de receber formação universitária. Depois de adquirirem conhecimentos profissionais, o caminho certo será abraçarem uma profissão em que dêem bom uso à formação que receberam. Só com pessoas talentosas e especializadas pode existir desenvolvimento social, e só com investigadores talentosos e especializados podem surgir novas invenções, o que é também muito necessário em todas as sociedades. Por conseguinte, os estudantes que receberam formação universitária devem seguir carreiras diferentes daqueles que não a receberam e é impossível que os “trabalhos futuros não sejam assim tão diferentes.” Ding tem um doutoramento e é uma pessoa com um alto grau de educação. Trabalhar como entregador de comida é obviamente o resultado de um desajuste entre a sua formação e a sua profissão actual; este desajuste resulta no desperdício de pessoas talentosas e a sociedade perde com isso. A dificuldade que Ding teve em encontrar um trabalho compatível com as suas qualificações académicas foi uma questão de falta de oportunidades e fez parte do seu percurso de vida. Quando no futuro encontrar um trabalho digno da sua formação, pode voltar a usar os seus conhecimentos e aprender a torná-los úteis. Portanto, não é correcto confundir o objectivo da educação com as circunstâncias da vida. Na próxima semana, continuaremos a aprofundar esta história. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
André Namora Ai Portugal VozesSócrates é um fenómeno A vida de José Sócrates Pinto Sousa dava um filme. Sócrates é um fenómeno de ideias rentáveis, de mentira, de corrupção, de altruísmo e de sobrevivência sem problemas financeiros. Sócrates iniciou a sua actividade na Covilhã como agente técnico. Apresentava à edilidade projectos horríveis de casas a edificar. Logo aí, aprendeu como se obtinham licenças de construção civil pela via “mais rápida. Cedo aderiu ao PSD ingressando na Juventude Social Democrata. Mais tarde, deu-se conta que o partido político com mais representatividade em tudo o que fosse ter uma posição de elite era o Partido Socialista. E aderiu como militante socialista. Começou a subir degraus e Mário Soares simpatizou com o seu dinamismo dando-lhe a mão, ao ponto de degrau em degrau chegar a secretário-geral. Pretendeu que o tratassem por engenheiro, mas rapidamente veio a saber-se que não possuía nenhum curso superior de engenharia. Houve escândalo quando veio a lume que tentou obter o diploma com exames de certas cadeiras ao domingo… O seu partido elegeu-o secretário-geral e ganhou eleições. No primeiro dia que entrou em São Bento como primeiro-ministro muitos dos seus amigos interrogaram-se como é que tinha conseguido subir ao terceiro lugar mais importante da hierarquia política portuguesa. Durante o seu governo teve ideias de aplaudir, nomeadamente reformas na área da Saúde. Passou a ser um dos políticos mais populares no espectro político nacional. Mas, há sempre um “mas”. Sócrates sempre foi um homem ambicioso e não olhava a meios para atingir os fins. E a partir do palanque de chefe do Executivo começou a valer tudo no que tocava a cambalachos. O dono disto tudo, Ricardo Salgado, mandou logo um funcionário seu, Manuel Pinho, para o governo de Sócrates. Manuel Pinho era o ponta-de-lança de Salgado junto do primeiro-ministro e ao que se sabe Ricardo Salgado “comprou” Sócrates com cerca de 30 milhões de euros. Quanto à construtora Lena, que ninguém conhecia, o primeiro-ministro Sócrates começou a adjudicar directamente grandes obras e, fontes do Ministério Público, transmitiram-nos que no processo “Operação Marquês” consta que a Lena fez entregar muitos milhões a Sócrates. O primeiro-ministro viajou para a Venezuela com a empresa Lena na mochila e Hugo Chávez recebeu muito bem a ideia que a Lena construísse naquele país milhares de casas de habitação social e um porto de águas profundas. Grandes contratos, grandes acordos, grandes contrapartidas. E mais uma vez, Sócrates conseguiu reembolsar avultadas quantias, segundo o que alegadamente consta dos diferentes processos. Um dia, Sócrates deixou o país de boca aberta. Convidou Muammar Gaddafi, presidente da Líbia, para visitar Portugal. Sócrates pretendia investimentos libaneses em Portugal e o seu convidado, a troco de muito milhões, conseguiu armar uma tenda gigante no interior do Forte de São Julião da Barra, património nacional que os portugueses muito respeitam. O povo não queria acreditar que estava ali uma tenda gigante, com todos os luxos, para que Gaddafi permanecesse durante a visita. O que se sabe é que a ligação Sócrates-Gaddafi veio a ser imensamente frutuosa para o político português. Na agenda de Sócrates não podia faltar o Brasil e o seu amigo Lula da Silva. Um jornalista brasileiro chegou a escrever que o primeiro-ministro português estava a ganhar muito dinheiro com os acordos comerciais luso-brasileiros. Chegou-se a uma altura que o líder da extrema direita Mário Machado divulgou que José Sócrates tinha já uma fortuna de 330 milhões de dólares americanos e que um primo seu tinha ido a Macau depositar num banco local cerca de 30 milhões de euros. A verdade é que Sócrates passou a ter uma vida faustosa com carros topo de gama, melhores restaurantes e financiamento a várias mulheres. Adquiriu um andar em um dos edifícios mais valiosos da urbe lisboeta junto ao Marquês de Pombal, daí a intervenção policial e judicial ter dado o nome de “Operação Marquês” a toda a investigação à vida de Sócrates. Este, tinha também comprado um monte no Alentejo para a ex-mulher e para completar os sinais de riqueza viajou para Paris com o seu filho e comprou uma casa no bairro mais caro da capital francesa. A comunicação social daquele tempo salientou que a presença de Sócrates em Paris e os milhões que gastava era “um escândalo”. Quando veio a Portugal tinha a polícia no aeroporto à sua espera e foi logo detido. As investigações judiciais já tinham provas da sua corrupção activa e passiva, branqueamento de capitais e transferência bancárias dolosas por parte do seu amigo Carlos Silva. Sócrates entrou na prisão de Évora. Era conhecido no interior do presídio como o 44. Mas, como Sócrates sabia muito e tinha dado muito dinheiro a ganhar aos seus camaradas, assistiu-se a um corrupio de personalidades a caminho de Évora para abraçar Sócrates, incluindo Mário Soares. Mais tarde, viria a ser libertado e deu início à sua defesa judicial. Chegou a responder várias vezes aos procuradores do Ministério Público. O que não deve ter sofrido quando os magistrados o tratavam por “senhor Sousa”… As acusações criminosas eram muitas, no entanto, Sócrates rodeou-se de bons advogados pagos a peso de ouro e de recurso em recurso, já lá vão mais de 10 anos (é inacreditável) sem se realizar qualquer julgamento. Sócrates não para de pensar um minuto como é que tudo isto poderá prescrever ou sair como inocente. Vai daí, na semana passada deu um golpe de mestre. Viajou para Bruxelas e deu uma conferência de imprensa na qual anunciou que ia apresentar uma queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Sócrates justificou os motivos que o levaram a denunciar os tribunais que disse terem sido “manipulados” para persegui-lo na “Operação Marquês”. Regressa de Bruxelas e tinha o Campus de Justiça, em Lisboa, à sua espera para pela primeira vez se sentar no banco dos réus num julgamento agendado para a passada quinta-feira. Um julgamento que irá durar meses ou anos, onde estiveram presentes 15 arguidos e os advogados de defesa de Sócrates a requerem a anulação do julgamento por alegadas irregularidades judiciais. Bem, Sócrates ou é maquiavélico ou o humano mais inteligente do planeta. Já há quem diga que será inocentado e que ainda receberá uma indemnização do Estado pelo mal que lhe causou em deixar arrastar o seu caso durante mais de uma década. Ora, digam lá que a vida de Sócrates não dava um bom filme…
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesA subida das águas Não é apenas quando a água recua que se percebe quem estava a usar fato de banho e quem não estava. Quando o nível das águas sobe, quem sabe nadar salva-se e quem não sabe afoga-se. Na vizinha Hong Kong, há notícia do encerramento sucessivo de muitas companhias de seguros, padarias e cinemas. É uma cidade que afirma ser um centro financeiro internacional e procura constantemente formas de “quebrar o impasse” e de melhorar a situação actual. Se o método adoptado for correcto, vai encontrar-se naturalmente uma saída, mas se for adoptado um método incorrecto ou inapropriado, a situação piorará. Desde o início do novo mandato do Governo da RAEM, Macau não tem enfrentado menos problemas do que enfrentou durante a pandemia de COVID-19. Algumas dificuldades surgiram devido ao cenário nacional e internacional, outras já têm raiz no passado e algumas apareceram recentemente. O Citibank retirou-se de Macau, pondo fim à sua actividade na cidade, o que, apesar de tudo, envolveu uma quantidade relativamente pequena de activos, mas a partida de uma instituição financeira internacional não pode ser ignorada. O Chefe do Executivo de Macau, bem como muitos funcionários do Governo, raramente terá tido oportunidade de usar os transportes públicos. Infelizmente, apanhei recentemente um autocarro na Rua do Campo e, durante a curta viagem, uma passageira sentada perto do motorista manifestou continuamente a sua insatisfação com as políticas do Governo da RAEM, afirmando que participaria de boa vontade em manifestações de protesto se houvesse alguém que as organizasse. Por motivos de segurança, o motorista não lhe respondeu e eu fiquei de pé perto da porta e também escolhi ficar em silêncio. Dadas as actuais circunstâncias de Macau, é difícil encontrar algum grupo que organize protestos para exigir “garantias do emprego e da qualidade de vida da população”. O Governo da RAE está ciente dos problemas que existem. O secretário para a Economia e Finanças acabou de apresentar na Assembleia Legislativa a proposta de lei intitulada “Alteração à Lei do Orçamento de 2025”, a recomendar um aumento orçamental de 650 milhões de patacas para apoiar as pequenas e médias empresas e revitalizar a Zona de Aterros do Porto Exterior (ZAPE) em resposta à onda de encerramento de lojas e ao aumento do desemprego. Contudo, não houve qualquer referência ao momento em que o programa de apoio e revitalização seria iniciado. Durante os mandatos dos antigos Chefes do Executivo Ho Hau Wah e Chui Sai On, Macau ultrapassou obstáculos significativos para alcançar uma transformação económica estrutural, o que permitiu que o PIB atingisse novos máximos na Ásia e estabilizando o cenário político e social. O impacto da pandemia de COVID-19 em Macau representou um desastre imprevisto, mas as perdas causadas pelo homem são evitáveis. Confrontados com a onda de encerramento de negócios, desemprego e incertezas causadas por conflitos comerciais internacionais, de seguida, ondas de choques surgirão umas atrás das outras. Quando o nível das águas sobe, e para evitar que nos afoguemos, é necessário encontrar o verdadeiro caminho para a sobrevivência. No plano nacional de desenvolvimento do Governo Central, Macau aparece posicionado como “um centro, uma plataforma e uma base” definido pelo País. Quando se menciona que Macau é “um centro” refere-se que é o Centro Mundial de Turismo e Lazer, e não só o Centro de Turismo e Lazer da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Atrair mais turistas internacionais para Macau e encorajá-los a consumir enquanto estão na cidade é absolutamente crucial. Transformar a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin numa plataforma de serviço comercial entre a China e os países da língua portuguesa pode ser mais prático e benéfico para Macau do que promover activamente a estratégia de desenvolvimento da diversificação adequada da economia “1 + 4”. A cultura chinesa enfatiza a harmonia e a inclusão, e só adoptando este princípio orientador se torna possível a coexistência e a diversidade, moldando assim uma sociedade saudável através do intercâmbio entre a cultura chinesa e a cultura ocidental. Poderá Macau alcançar harmonia e inclusão verdadeiras? Se remarmos em direcção aos confins do mundo, em vez de ficarmos parados na praia, não importa se o nível da água sobe ou não.
Olavo Rasquinho VozesAs alterações climáticas e as contradições de Lula da Silva O facto de o Brasil ser o quinto país mais extenso1 do globo e o sétimo em termos de número de habitantes justifica que o seu Presidente, Lula da Silva, seja um político que suscita curiosidade a nível global. Foi em parte graças aos seus governos que o índice de desenvolvimento humano (IDH3) do Brasil tem progredido de maneira significativa, tendo atingido, numa lista de 193 países, a 89ª posição em 2024, segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano 2023/2024, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Eleito três vezes, Lula da Silva ocupou a presidência de 2003 a 2011 e de 2023 até à atualidade. Da sua política sobressaem os programas “Bolsa Família” e “Fome Zero”, reconhecidos pelas Nações Unidas como tendo contribuído para amenizar consideravelmente a fome no Brasil. Além da luta contra a fome, são também áreas em que houve maior desenvolvimento, a saúde e a longevidade, devido ao investimento no Sistema Único de Saúde e ao aumento de programas de vacinação. No campo da educação houve progressos significativos graças a incentivos para que mais crianças e adolescentes frequentassem o ensino primário e médio. Iniciativas como o “Programa Universidade para Todos” (ProUni) e o “Fundo de Financiamento Estudantil” (FIES) contribuíram para um maior número de universitários provenientes das camadas populacionais de baixo rendimento. É devido a este grande país que a língua portuguesa é uma das mais faladas em todo o mundo e a mais usada no hemisfério Sul. Na Internet ocupa o quinto lugar4, muito acima do russo que está em oitavo lugar na lista, segundo a empresa de traduções “Gama!”. O Brasil também é motivo de atenção principalmente pelo facto de possuir grande parte da Amazónia, a maior floresta tropical do globo5. Esta floresta, que se estende por 9 países, tem cerca de 60% da sua extensão no Brasil, daí a grande responsabilidade dos governos deste país de a preservarem, não só em seu próprio benefício, mas também de todo o planeta. No tempo do governo de Jair Bolsonaro (2019 – 2022) foram dados passos atrás no que se refere à proteção da Amazónia, nomeadamente o aumento da exploração mineira clandestina e o agronegócio, o que teve como consequência o aumento da desflorestação, da poluição de numerosos cursos de água com fortes repercussões na saúde das populações autóctones e na biodiversidade. Foi o tempo em que os “grileiros”6 tiveram novamente mais liberdade na sua atividade de falsificação de documentos que se pretendia serem comprovativos de propriedade de terras que, na realidade, foram ocupadas ilegalmente. Passados esses quatro anos de um governo de extrema-direita, o país voltou a ser dirigido por governantes que se preocupam com o papel primordial que a Amazónia tem na regulação do clima à escala global e no bem-estar das populações autóctones. A biosfera constitui uma das componentes do sistema climático que mais influência tem na regulação do clima à escala global. Grande parte dessa componente é constituída pela Amazónia, atendendo a que se trata da mais extensa floresta tropical, com quase sete milhões de quilómetros quadrados. Trata-se de um vasto sumidouro de dióxido de carbono, contribuindo para a redução da concentração dos gases de efeito de estufa na atmosfera, e de uma fonte de oxigénio. Os atentados de que tem sido alvo, motivados pela ganância humana, na forma de desflorestação para exploração agropecuária fazem com que haja a possibilidade de se transformar numa extensa savana, havendo o risco de se atingir o ponto sem retorno da capacidade de regeneração, em que a floresta passaria de sumidouro de CO₂ para uma fonte deste gás. Lula da Silva, apesar de se lhe reconhecer ser um lutador em prol da preservação da Amazónia e defensor das medidas para amenizar as alterações climáticas, é alvo de pressões no sentido de amenizar estas suas características, o que tem causado algumas tergiversações do governo na aplicação de medidas de proteção do ambiente e de luta contra as alterações climáticas. Veja-se, por exemplo, o caso do Projeto de Lei N.º 2159, de 2021, apelidado pelos críticos de Lula por “PL da devastação”. Em discussão desde há alguns anos, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 13 de maio do corrente ano, perante a passividade do presidente, que não deu o devido apoio a Marina Silva, sua ministra do “Meio Ambiente e Mudança do Clima”. Após algumas emendas suscetíveis de aumentarem o impacto ambiental, acabou por ser aprovado recentemente pelo Senado. Há mesmo quem afirme que os retrocessos na política ambiental implícitos neste Decreto-Lei não envergonhariam o governo de Jair Bolsonaro, explicitamente considerado antiambientalista. Perante esta situação, o caminho está aberto para a exploração petrolífera no mar, relativamente próximo da foz do rio Amazonas, o que contraria as recomendações expressas na Conferência sobre o Clima COST287, em que se estabeleceu, pela primeira vez neste tipo de conferências, o compromisso explícito relativamente à necessidade de se proceder à transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de forma “justa, ordenada e equitativa” com intuito de se atingir a neutralidade carbónica até 2050. Este “Decreto da Devastação” permite a existência de “Licenças Ambientais Especiais” (LAE) para projetos classificados como estratégicos. Estes seriam sujeitos à apreciação do órgão responsável pelo licenciamento apenas durante um ano, após o qual seriam automaticamente aprovados. A escassez crónica de pessoal deste órgão, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA), permitiria frequentemente a respetiva aprovação, abrindo caminho a impactos ambientais imprevisíveis. Perante esta situação, é compreensível a acusação de passividade por parte de Lula da Silva no que se refere aos trâmites que envolvem a aprovação deste decreto. A posição do presidente do Brasil é deveras incómoda, tanto mais que a próxima Conferência das Partes a promover pela UNFCCC8, a COP30, se vai realizar em Belém, no Brasil, já no próximo mês de novembro. A aprovação do famigerado “PL da Devastação” ilustra bem a contradição entre a teoria e a prática na política conduzida pelo governo brasileiro. (Meteorologista) Distribuição dos dez maiores países em termos de extensão (em km²) segundo “dadosmundiais.com”: Federação Russa – 17.098.242; Canadá: 9.984.670; China: 9.596.961;Estados Unidos: 9.525.067; Brasil: 8.515.767; Austrália: 7.692.024; Índia: 3.287.263; Argentina: 2.780.400; Cazaquistão: 2.724.900; Argélia: 2.381.741. Os dez países com maior população (em milhões) segundo “dadosmundiais.com”: Índia 1.438,1; China 1.410,7; EUA 334,9; Indonésia 281,2; Paquistão 247,5; Nigéria 227,9; Brasil 211,1; Bangladeche 171,5; Federação Russa 143,8; México 129,7. IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, adotado pelo PNUD, consiste num número obtido estatisticamente, que vai de zero (desenvolvimento muito baixo) a um (desenvolvimento muito alto), baseado em dados que envolvem vários parâmetros, nomeadamente esperança de vida, educação e rendimento per capita. São 193 os países e territórios abrangidos por este índice. Segundo a empresa de traduções “Gama!”, é a seguinte a lista das 10 línguas mais utilizadas na Internet (em milhões): 1ª – inglês 952,1 (25,5%); 2ª – Mandarim 763,3 (20,4%); 3ª – Espanhol 293,8 (7,9%); 4ª – Árabe 173,5 (4,6%); 5ª – Português 155,0 (4,1%); 6ª – Malaio 154,7 (4,1%); 7ª Japonês – 118,5 (3,2%); 8ª – Russo – 104,5 (2,8%); 9ª Francês 100,6 (2,7%); 10ª – Alemão 83,9 (2,2%). A Amazónia estende-se por territórios de nove países, ocupando, aproximadamente, as seguintes extensões: 60% no Brasil, 13% no Peru, e os restantes 27% na Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Equador. Grileiros – termo usado no Brasil, para designar os detentores de títulos de posse de propriedades, falsificados com recurso a excrementos de grilos para lhes dar aspeto de documentos antigos. COP28 – 28ª Conferência das Partes (“Conference of the Parties”) realizada no Dubai, em 2023. UNFCCC – United Nations Framework Convention on Climate Change.
Duarte Drumond Braga VozesRaul Brandão, os Açores e Macau Raul Brandão (1867-1930), já tocado de uma certa fama pelos seu “Os Pescadores”, visitou os Açores e a Madeira em 1924 e esteve mesmo para partir num cruzeiro às colónias portuguesas da África ocidental. E se esse barco tivesse chegado a Goa, ou a Macau? Contudo, o escritor morreu apenas cinco anos após a sua viagem aos arquipélagos atlânticos, ditos adjacentes, e nem a Angola chegou a ir, muito menos a Cantão. Seria difícil imaginar em que termos leríamos um diário de viagem desse contemplador de almas ao sul da China, que um outro seu contemporâneo, no mesmo ano nascido, Camilo Pessanha, descreveu como a terra do mal. Sobretudo face às outras, as ilhas felizes da Macaronésia. Jorge Arrimar (n. 1953), poeta angolano que nos anos 80 dirigiu a Biblioteca Central de Macau, após ter passado pelos Açores, reflete sobre essa duplicação ou triangulação insular em “Viagem à Memória das Ilhas” (2002). No fundo, Macau também é uma ilha, desdobra a peninsularidade na insularidade. Ora, os Açores e Macau mantêm ligações antigas, onde o peso da humidade não é o único denominador comum. Houve uma época em que, dizia-se, apenas açorianos e os transmontanos se aventuravam até estas paragens, daí o número vultuoso de nascidos em Freixo de Espada à Cinta ou das Velas, de São Jorge, que se encontravam ao largo do Senado. É o caso do Padre Teixeira e de José Silveira Machado, que aqui chegaram na mesma leva. Este último, açoriano que se tornou cidadão de Macau, é um dos exemplos de alguém que contribuiu para a literatura, jornalismo e educação desta península e duas ilhas ao longo de cerca de setenta anos. Por seu turno, Rodrigo Leal de Carvalho (n. 1932) — terceirense da Praia da Vitória, que desempenhou altas funções na magistratura de Macau durante várias décadas — dedicou-se também à escrita, documentando nemesianamente a vida destes outros arquipelágicos. Já a tradição açoriana em fornecer o “Mundo Português” de hierarquia eclesiástica teve os seus pináculos em duas figuras: D. João Paulino de Azevedo e Castro (1852-1918), natural das Lajes do Pico, que foi o 19.º bispo de Macau, entre 1902 e 1918. Fundou este em 1903 o longevo “Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau” e pastoreou não só em Macau, mas em toda a vasta área do sueste asiático, algumas boas ovelhas. D. José da Costa Nunes (1880-1976), nascido na Candelária do Pico, acompanhou D. João Paulino como secretário em 1903, sendo posteriormente bispo de Macau (1920-1940), arcebispo de Goa e patriarca das Índias Orientais, chegando a receber barrete de cardeal em 1962. Costa Nunes é também escritor de monta, de quem um dia aqui falarei. A este respeito, li recentemente o volume do investigador açorianófilo Vasco Rosa (n. 1958), publicado em 2019, sobre a recepção crítica da obra brandoneana sobre os Açores, “Raul Brandão e os Açores” (da Companhia das Ilhas, sedeada no Pico), e deparei-me com um livro que embora seja heuristicamente muito competente (quer dizer, pelo levantamento de fontes que promove, sobretudo fontes esquecidas dos jornais, esse vasto necrotério das ideias), revela-se, contudo, analiticamente insuficiente. Apresenta exaustivamente todo o contexto de recensão d’”As Ilhas Desconhecidas” (1926) de Raul Brandão, tanto nos Açores quanto no continente. Identifica os escritores contemporâneos que também se debruçaram sobre os Açores, distinguindo os partidários dos detratores do escritor nortenho. Todavia, poderia ter estabelecido comparações mais aprofundadas entre Brandão e os demais autores, demonstrando inclusivamente como o próprio Brandão provavelmente se inspirou nessas outras fontes. Rosa prefere apresentar o autor como um génio absoluto — não o questiono — desprovido de influências, apenas gerador de discípulos. Teria sido mais enriquecedor situar a sua obra no contexto de um diálogo com outros escritores, continentais e insulares, abandonando a conceção de um livro isolado, um livro-ilha. Paradoxalmente, apesar de todas as evidências que Vasco Rosa apresenta, sugerindo precisamente que não se trata de uma obra única no panorama literário, essa dimensão permaneceu por explorar no seu, apesar de tudo, bem útil livro. Macau também foi objeto de inúmeros relatos de viagem, de descoberta com ou sem fascínio, e todos se citam, se reescrevem uns outros. É assim que funciona. As autoridades textuais repetem-se, surgem novas, desaparecem outras, mas muita coisa é citação. Os seus nomes ficarão para próxima crónica, mas podemos perguntar-nos porque razão não funcionaria assim o belo volume de Brandão sobre as ilhas por conhecer.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO concerto de Jacky Cheung Jacky Cheung (張學友), o famoso cantor de Hong Kong apresentou um concerto em Macau que recebeu óptimas críticas das quais se destacam em particular dois comentários. Primeiro, o concerto fez aumentar as receitas do casino. Em média, a receita diária do jogo em Maio foi de 684 milhões de patacas, mas nos primeiros 22 dias de Junho, atingiu os 14,8 mil milhões, com uma média diária de jogo de 670 milhões. Junho é infelizmente um período de época baixa para o turismo, mas as receitas diárias do jogo foram comparáveis às de Maio, o que prova que o concerto atraiu muitos fãs de Jacky Cheung para Macau e ajudou a economia da cidade. Jacky Cheung fará seis concertos em Macau entre Junho e Julho. O Citibank emitiu um relatório onde se afirma que os concertos de Jacky Cheung impulsionaram o desenvolvimento económico de Macau, tendo as receitas do jogo em Junho subido dos esperados 19 mil milhões para os 19,75 mil milhões. O HSBC também emitiu um relatório onde é dito que as receitas do jogo em Junho podem atingir valores entre os 19,7 e os 20,4 mil milhões. Um cantor internacional tem capacidade de trazer um lucro adicional de 700 milhões a Macau. Isto mostra como Jacky Cheung é querido dos seus fãs e a dimensão do seu carisma. Jacky Cheung estreou-se nos anos 80 e está no activo há quase 40 anos. Os seus fãs cresceram com ele e são representantes de todas as faixas etárias, jovens, gente de meia-idade e também pessoas da idade de Cheung. Com uma base de fãs muito alargada, não surpreende que os seus concertos estejam sempre esgotados. Se Macau pretender desenvolver a economia atraindo para os seus palcos cantores internacionais, deve tomar em linha de conta as suas bases de fãs. Quanto maior ela for, maior será o número de pessoas que se desloca a Macau para ver o concerto e maiores serão os benefícios económicos para a cidade. Para atingir este objectivo, Macau pode considerar a possibilidade de oferecer descontos a estes artistas no aluguer das salas e fornecer aos fãs facilidades de transporte para facilitar as viagens de e para os seus locais de origem; também pode organizar transportes para que os fãs visitem as áreas mais frequentadas pelos habitantes locais e os sectores não turísticos possam beneficiar do afluxo de consumidores. Macau também pode aproveitar esta oportunidade para desenvolver sectores de actividade para lá da indústria do jogo, o que trará centenas de benefícios e nenhum prejuízo. O segundo foco do concerto é a utilização do cantonês e do mandarim. Durante o concerto, os fãs oriundos da China continental pediram a Jacky Cheung que falasse mandarim, ao que ele respondeu: “Peço desculpa, mas não falo mandarim.” Perguntaram então a Jacky Cheung: “Quantas pessoas falam cantonês?” Os fãs que falavam cantonês gritaram imediatamente “uau”. Depois, Jacky Cheung disse em mandarim: “Desculpem, mas não dá. Vá lá, aprendam cantonês.” Os gritos de “uau” dos fãs mostraram que a maior parte falava cantonês. Mesmo assim, Jacky Cheung cantou algumas canções em mandarim e os fãs da China continental ficaram muito felizes. Além disso, a frase de Jacky Cheung, “Não falo mandarim, vá lá, aprendam cantonês”, foi aclamada pelos cibernautas, que lhe chamaram “Embaixador da Promoção do Cantonês” e que o elogiaram pela sua grande inteligência emocional. Os concertos são parte da indústria do entretenimento. Desde que os fãs fiquem felizes, que diferença faz se se usa o mandarim ou o cantonês? As pessoas que vão assistir a um concerto deveriam esquecer a barreira da língua, mergulharem no espectáculo, desfrutarem de cada momento, integrarem-se na atmosfera festiva e fazerem tudo para proporcionar a si próprios a maior felicidade possível. É para isto que serve assistir a um concerto. A música é a linguagem comum da humanidade e pode eliminar barreiras entre as pessoas. Pensem nisto, sempre que ouvem música, só podemos apreciar canções cantadas na vossa própria língua? Para além de canções em cantonês, também ouvimos canções em mandarim, em inglês, em coreano, em japonês, etc. Ao compreender isto, podemos quebrar a barreira e língua e divertirmo-nos todos. Nos últimos anos, o poder da China aumentou muito, a economia desenvolveu-se rapidamente e o investimento estrangeiro também aumentou. Baseados no princípio que orienta as transações comerciais “os interesses económicos em primeiro lugar”, começa a ser comum os homens de negócio estrangeiros usarem o mandarim para comunicar com os seus parceiros chineses. Em 1972, as Nações Unidas classificaram os “caracteres chineses simplificados” como uma das seis “línguas comerciais” a par do inglês, do francês, do russo, do árabe e do espanhol. Todos os documentos oficiais das Nações Unidas são escritos nestas seis línguas, e o dia 20 de Abril foi escolhido como o “Dia da Língua Chinesa das Nações Unidas”. Actualmente, cerca de 1,5 mil milhões de pessoas falam chinês em todo o mundo e a importância desta língua é evidente. “Comunicação negocial” e “necessário para os assuntos de estado” demonstram que a partir de uma perspectiva política e económica, a procura global pela aprendizagem do mandarim cresce de dia para dia. De futuro, as pessoas que falam mandarim terão vantagem quando negoceiam com chineses. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
André Namora Ai Portugal VozesA hipocrisia serve-se nas Lages Todo o mundo falou da guerra Israel-Irão. E nós falamos também, mas na vertente Portugal. Donald Trump decidiu tarifas aduaneiras absurdas contra Portugal; Quer obrigar Portugal como membro da NATO a incluir um gasto nas despesas de 5 por cento, algo incomportável; Já expulsou portugueses do território americano que aguardavam a legalidade de residência; Antes, tinha manifestado o pouco interesse na Base das Lages, nos Açores, e até a China chegou a manifestar junto do governo português que no caso de terminar o contrato entre os EUA e Portugal que estaria interessada num acordo. Os ministros Paulo Rangel e Nuno Melo, dos Estrangeiros e da Defesa respectivamente, manifestaram por diversas vezes que a situação na Faixa de Gaza estava insuportável com milhares de crianças à fome e que os Direitos Humanos não estavam a ser cumpridos por Israel que continua a bombardear e a matar palestinianos. E depois? Depois veio o ataque de Israel ao Irão e os mesmos ministros portugueses afirmaram que “Israel tinha o direito a defender-se”… E o que vimos? Portugal a colaborar intrinsecamente no ataque israelista-americano ao Irão com a participação activa de 20 aviões americanos reabastecedores, os quais participaram no Atlântico no reabastecimento das “feras” americanas que bombardearam vários locais do Irão. O estacionamento dos 20 aviões americanos na Base das Lages, apenas com uma comunicação em cima da hora por parte do Pentágono, foi uma vergonha para Portugal que se rebaixou à prepotência americana. Este facto levou partidos com assento na Assembleia da República a pedirem explicações ao governo de Luís Montenegro, o qual se limitou a dar uma resposta esfarrapada. A hipocrisia de Portugal foi total. Por um lado, condena Israel por destruir a Faixa de Gaza e matar a sua população, quando nem se digna reconhecer o Estado da Palestina, e por outro lado, permite sem esboçar qualquer agravo ao estacionamento de aeronaves participantes na guerra entre Israel e Irão. Onde está afinal a neutralidade de um pequeno país plantado à beira do Atlântico que nem sequer tem dinheiro para comprar aviões novos ou material de defesa antiaéreo? Esta é a hipocrisia total. Israel mata na Jordânia, na Síria, em Gaza e no Irão, mas para a diplomacia portuguesa está tudo bem, porque “tem de defender-se”… E o povo sentiu que algo estava errado. Que os americanos obrigaram-nos a baixar as calças, à semelhança do que tinha acontecido quando os americanos atacaram o Iraque matando Saddam Hussein e com o presidente George Bush Jr. a aterrou na Base das Lages com Durão Barroso como criado às ordens. Portugal nem sequer é capaz de olhar para a sua vizinha Espanha que decretou, assim que Israel atacou o Irão, o fim do fornecimento de armas a Israel. A política dos Negócios Estrangeiros entregue a Paulo Rangel, um ex-eurodeputado que era visto em Bruxelas completamente embriagado e na companhia de “amigos” de comportamento duvidoso, é a mesma coisa que um qualquer motorista de táxi seja chamado para os Serviços Secretos do país. Portugal é um país pequeno, com apenas 10 milhões de habitantes, pobre e dependente dos dinheiros da União Europeia, certo! Mas tem história e teve políticos de grande dignidade e elevação. Tivemos Humberto Delgado, Manuel Serra, Álvaro Cunhal, Freitas do Amaral, Mário Soares, Manuel Alegre, Sá Carneiro, Ramalho Eanes, todos homens que não se deixavam vergar à prepotência de fosse quem fosse. Actualmente, vamos a reuniões na União Europeia e aceitamos todas as decisões que forem tomadas, mesmo aquelas que possam prejudicar a economia e a qualidade de vida dos portugueses. O primeiro-ministro Luís Montenegro acabou de anunciar, após a reunião fantoche da NATO, que Portugal irá aumentar a sua despesa em defesa e segurança. Já estamos mesmo a ver o que vai acontecer. Para trás, ficarão a educação, saúde, salários, reformas. O Estado social será uma balela e com os mais desprotegidos a ficarem em pior situação. E depois queixam-se que os jovens qualificados continuam a emigrar. Por que não? Se no seu país os salários são miseráveis, se têm de viver em casa dos pais até aos 30 ou mais anos de idade, se pagam impostos desmesurados, se não conseguem comprar uma casa, se não podem casar e ter filhos porque o salário não dá nem para mandar cantar um cego. O importante para a classe política dominante é que o Irão não pode ter uma arma nuclear, deixando no ar uma contradição incompreensível. Se o Paquistão, Israel e outros países podem ter bomba atómica porque é que o Irão é o único país que não pode enriquecer urânio? Simplesmente, porque os americanos decidem que não, e Portugal e outros países dependentes do petróleo manobrado por Trump dizem logo ámen. Ai, Portugal, Portugal…
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA porta das estrelas (II) (Continuação da edição de 19 de Junho) Obviamente, não é certo que Trump tenha sucesso nesta complicada tarefa de dividir para reinar. Entretanto, é perfeitamente possível que um desses actores desenvolva modelos de IA ou outras invenções tão poderosas que não possam ser ignoradas, obrigando o presidente a cooptá-lo em detrimento de outra pessoa, com todas as consequências que isso acarreta. Um exemplo poderia ser a Microsoft, que em 2024 anunciou uma parceria com a Blackrock para fazer exactamente o que a Stargate deveria fazer, ou seja, lançar uma infra-estrutura física de IA. Já foram investidos trinta mil milhões e, este ano, serão adicionados outros oitenta mil milhões de dólares. Total são cento e dez mil milhões de dólares, dez a mais do que o portal das estrelas. Mas isso, para Trump, é um problema até certo ponto. Se as empresas competem para ganhar os seus favores e permanecem fiéis aos interesses americanos, tanto melhor. Os grandes nomes da tecnologia devem competir ferozmente entre si, produzindo inovação. Basta que não pensem que são mais importantes do que o presidente mesmo que talvez o sejam realmente. Na sua monumental “Sociologia”, Georg Simmel distinguia entre competição existencial em que está em jogo a vida dos contendores e competição orientada para o resultado em que importa é a consecução do objectivo. Enquanto este tipo de concorrência prevalecer entre os magnatas da tecnologia americana, o Manual Cencelli ou como partilhar o poder criado por Trump funcionará. Mas se alguém se sentir existencialmente ameaçado por outra pessoa, a situação poderá explodir. Estamos evidentemente em plena zona Elon Musk, campeão dos riscos existenciais. O fundador da SpaceX levou apenas algumas horas para reagir ao anúncio da Stargate. E, obviamente, fez no X, comentando secamente a publicação com a qual a OpenAi anunciava o nascimento do projecto afirmando que «Eles não têm dinheiro. A SoftBank tem menos de dez mil milhões de dólares, segundo fontes fidedignas». Ora, mesmo sem saber quais são as fontes fidedignas de Elon, os seus cálculos estão correctos. Se subtrairmos dos vinte e cinco mil milhões de dólares de liquidez que o fundo de Masa declarou no balanço de Setembro de 2024, os dezanove mil milhões de dólares que investirá na Stargate, restam cerca de seis mil milhões de dólares nas contas da SoftBank. Mas, como vimos, o problema não é esse. E certamente não é essa a dificuldade de Elon. O fundador da SpaceX ficou de facto surpreendido com a jogada de Trump, que depois de o ter usado durante toda a campanha eleitoral como imagem pública, o fez desaparecer das cenas que importam com excepção da polémica que se seguiu à sua suposta saudação romana. Acima de tudo, porém, o ex-chefe da Doge (deixou o governo Trump e o seu cargo no Doge, o órgão encarregado de reduzir os gastos do governo dos Estados Unidos e reduzir empregos) não tolera que o projecto Stargate seja construído em torno da OpenAi, empresa que Musk fundou em 2015 sem fins lucrativos e que lhe foi roubada por Altman, acusado por Elon de querer ganhar dinheiro desenvolvendo uma Inteligência Artificial Geral (AGI) capaz de destruir a humanidade. Em síntese clara de Musk, «A OpenAi é o mal». A situação é paradoxal. Trump, com quem Musk basicamente conviveu nos últimos três meses, despreza a IA de Elon e atribui a liderança operacional do maior projecto relacionado à IA da história americana àquele que, segundo o fundador da Tesla, não é simplesmente um concorrente, mas uma ameaça existencial à sobrevivência da humanidade. Consequência, um ex-representante do governo, como Musk, afirma publicamente que a Stargate é um projecto irrealista, incapaz de se financiar e liderado por pessoas malvadas prontas a «evocar o demónio da IA» para ganhar dinheiro. Nessa loucura, o presidente teve que se apressar em declarar que Elon está apenas um pouco agitado porque no projecto «há uma pessoa que ele odeia» e que, de qualquer forma, não há nada com que se preocupar porque «eu também odeio algumas pessoas». A resposta de Altman a Musk, também publicada no X, foi quase imediata «O que é bom para o país nem sempre é bom para as suas empresas. Mas espero que, no seu novo cargo, coloque sempre os Estados Unidos em primeiro lugar». O chefe da OpenAi demonstra conhecer Elon muito bem, porque acerta exactamente no ponto em que a América de Trump e o império de Musk podem tomar caminhos diferentes. Para o presidente, o governo deve apostar no desenvolvimento da IA sem qualquer tipo de preocupação ética, filosófica ou ambiental, porque o objectivo é tornar a América grande novamente ou, pelo menos, garantir que continue maior do que a China.
Amélia Vieira VozesDesassossego Ninguém suporta o chilrear das aves matutinas quando a alba vem para começar o dia, que o dia acontece sempre, só a noite nos parece a primeira das nossas vidas, e estas que agora transpomos, de tão diminutas, até parecem traições. Estamos no Solstício do Verão, e nós, os que envelhecemos, somos catapultados por uma energia exuberante que não sabemos seguir com o mesmo fulgor de outrora, que a abundância deste fluxo em vez de ressurreição provoca prostração. De facto, não existe ameaça maior do que tudo isto que se levanta em som, sensação, sentido e volúpia- nada se cala, esvazia, acalma, fenece – antes pelo contrário, tudo imite som, reproduz, replica, multiplica, e para os que aguardam a saída, tal exuberância pode ser demolidora. «Viver é ser outro» in- Desassossego: mas que outro nos abastece daquilo que fôramos para sermos doravante? A isto ninguém responde. Somos outros sem dar conta que as coisas outrora amadas se esvaziam de sentido, e que temos ainda de atravessar o tempo carregados de outros que nos finitam até não sermos nada. Ao Verão e aos que virão, devemos olhá-los como luz do mundo, interpretar suas abundâncias, e não sucumbir ao domínio da esvaziante permanência. – Ninguém se lembra de ter estado morto, mas lembramos bem o que foi estar vivo- Nós ficamos calcinados com o Livro do Desassossego, encantados e arrepiados até à alma, que todos nos reconhecemos naquele aluvião de coisas de extrema lucidez e absurdo, e há quem mergulhe ainda na dissolução final como naqueles filmes de Woody Allen quando parava a meio da ponte na corrida matinal com a frustrante sensação que mesmo em grande forma iria morrer. Para que serve então correr ou estar parado? É possível que somente um grande neurasténico saiba como produzir desistência e reflexão, e que tudo o mais seja uma realidade tão paralela quanto paralisante a ver pelos efeitos produzidos. A impermanência do viver leva a longas reflexões que somente os mais permanentes ousam fazer, mas eles não são testemunhos da gregária existência da labuta para ultrapassar os estados abúlicos dos demais, que sem uma reserva de subtil escravatura nada saberiam transpor, e vamos desaguar na elaboração do que é necessário para se ser humano no meio desta perfilação- um estonteante grau de pensamento- que uma humanidade que se arrasta para manter viva a carcaça da sua existência, pilhando e sabotando tudo ao redor num primitivo receio de morrer de fome, essa, nunca experimentará tais deleites. A fome tem sentidos vários, que a sua condição mais obscura se prepara para a fase canibal onde desassossegadamente já se vêem os Ogres do mundo abocanhando pedaços humanos para deitar nas lixeiras do desassombro todos aqueles que hão-de tragar. Mas tudo isto parece de uma finitude que estarrece, e o que assistimos é a uma euforia para acabar de vez com esferas de trepidação onde se irão extinguir todos os amanhãs que cantam. Este mal comum é tão paralisante que está em rota de colisão até com a necessidade. «O coração, se pudesse pensar, pararia», eis Desassossego; e que mais? Se o cérebro pudesse sentir, pensaria; eis uma grata tarefa para órgãos desencontrados. Se pudéssemos adivinhar com o corpo seríamos captativos e premonitórios na linha de sucessão das fontes felizes, mas nem isso a vida nos deu para que possamos nos pacificar em solução e arte. Andamos constrangidos com o frenesim tribal e competimos como loucos por um lugar ao sol que se há-de apagar no grande inverno nuclear, e quando estivermos nas cavernas da História assistindo ao fim há muito programado de uma espécie apaixonante e louca, talvez aí, as lágrimas venham em nosso socorro. Agora somos apenas loucos, loucos a frio, a forma mais tenebrosa que consegue em sua pujança produzir monstros. É desarmante que tivéssemos construído este viveiro de trepidação com tanto desprezo formal perante as leis do amor, mas foi isto que fizemos. Uma amálgama de vidas que são delírio tremule, que dormem com os olhos abertos, têm deleites sarcásticos e feridos, e forjam martírios de que desconhecem as consequências. A sustentabilidade é uma área muito vasta, e nenhum recurso ou fonte nos devolve a harmonia algures sonhada, e virá ainda um Sossego tão estarrecedor como foi o Desassossego desta inventada alegria.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMichael Hui (III) Nas passadas duas semanas, analisámos os factores do sucesso dos filmes do Doutor Honoris Causa Michael Koon-Man. Michael é uma estrela do cinema e da televisão dos últimos 50 anos. Uma pessoa que dedica 50 anos a uma carreira tem de ter dedicação e paixão pelo seu trabalho. Com um tacto apurado, distingue claramente as diferenças entre o pensamento da geração mais antiga e o da mais recente e usa muito bem essas diferenças para divertir as audiências. Michael sabe que muita gente vai ao cinema e que os filmes têm um profundo impacto no público e que por isso têm responsabilidade social. Para que um filme tenha sucesso, tem de ser inovador e a inovação é importante em todos os sectores de actividade. Se uma empresa não se inovar e os seus competidores o fizerem, acaba por ficar para trás. Hoje, faremos uma última análise dos factores de sucesso dos filmes de Michael Koon-Man. A reflexão sobre o trabalho é um de muitos factores que determinam o sucesso de um filme. “The Last Dance” inspirou Michael e fê-lo compreender que só temos uma vida. Na jornada que fazemos, todos devemos aprender a apreciar as dádivas que recebemos ao longo do caminho. Estas dádivas incluem as pessoas que amamos, os nossos amigos e mesmo os nossos inimigos. Apreciar as pessoas que amamos e os nossos amigos significa que temos de aprender a dar-nos bem com eles. Quando somos defrontados com os nossos inimigos, vencê-los e destruí-los não é a única possibilidade. Também podemos aprender a aceitá-los, perdoá-los, esquecê-los, etc.; seja qual for a decisão tomada, ela vai mudar-nos e também aos outros. Só reflectindo sobre o trabalho podemos investir, progredir e melhorar no futuro. Muitas pessoas vivem apenas no presente e acham que se viverem bem agora isso é suficiente. Mas a visão de Michael vai claramente além da atitude de “viver apenas no presente”, porque viver no presente implica que não aceitamos os nossos inimigos. Não se trata apenas de nos mudarmos a nós próprios, mas trata-se também de podermos mudar os nossos inimigos. Passar do confronto a fazer as pazes e ao aperto de mão, ou até mesmo a fazer amizade, não é algo que duas pessoas que estão zangadas façam facilmente. Se chegarmos ao fim da vida sem inimigos, significa que tivemos uma vida feliz. Aqui chegados, podemos compreender que as conquistas de Michael no mundo do cinema foram criando sucessivamente mitos porque ele é um observador nato, um trabalhador esforçado, tem um espírito voltado para o futuro e põe em cada filme todo o seu entusiasmo. Estes factores devem estar sempre presentes em todos os trabalhos que fazemos, sejam eles quais forem. No processo criativo, é preciso inovar e lutar pela mudança. E devemos compreender que os filmes têm uma responsabilidade social. A inovação e a responsabilidade social são elementos indispensáveis nas empresas modernas. Combinar estes elementos pessoais com elementos empresariais, independentemente do que venhamos a fazer no futuro, só pode resultar num final feliz. Quando Michael compareceu à cerimónia de atribuição do seu doutoramento honoris, ia acompanhado pela mulher e pelo neto. Um homem de 82 anos pôde assistir a mais um momento glorioso da sua vida acompanhado pela família. O que mais pode alguém pedir? É realmente apropriado afirmar que Michael tem uma vida familiar realizada, fama, fortuna e muita felicidade. Os factores que determinaram o seu sucesso na indústria cinematográfica merecem ser considerados para a nossa aprendizagem e devem ser divulgados. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
André Namora Ai Portugal VozesNeonazis iam matar o Presidente da República, António Costa e Gouveia e Melo Adivinhava-se. O aumento de acções violentas de grupos neonazis em Portugal e o discurso contínuo de incitamento ao ódio nas redes sociais está a preocupar as populações e as autoridades judiciais de modo a fazer rebentar uma bomba de espanto e preocupação informativa. A Polícia Judiciária estava a controlar desde 2020 certos grupos neonazis e na semana passada detiveram vários elementos de um grupo que contava com mais de 900 elementos. Os detidos são suspeitos de integrar o denominado Movimento Armilar Lusitano (MAL), o qual já possui uma milícia armada. Após buscas de surpresa a certos imóveis suspeitos de pertencerem a este grupo neonazi foram encontradas diversas armas, algumas de guerra de sistema 3D, bem como soqueiras, facas de grande dimensão, propaganda nazi e documentação gravíssima que indica que o referido grupo se preparava para matar o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, o ex-primeiro-ministro António Costa e o candidato presidencial Almirante Gouveia e Melo e invadir a Assembleia da República com violência armada. Foram já detidos oito membros do grupo neonazi incluindo um chefe da PSP que funcionava na Polícia Municipal de Lisboa e vários agentes da PSP e militares da GNR, os quais pertenciam ao grupo e angariavam jovens para o grupo. Entre os muitos membros do grupo, está o pai da deputada do Chega, Rita Matias. Os factos são gravíssimos. O próprio Direito Constitucional está em causa porque falamos de crime e de terrorismo, e não, de uma simples posição política. Os Serviços Secretos e a Polícia Judiciária já detectaram 11 organizações neonazis em Portugal. Nada disto aparece por acaso. Nas redes sociais, nomeadamente na rede Telegram, assiste-se a um discurso de ódio e de xenofobia por parte de elementos do Chega e neonazis, o que tem dado força a que movimentos mais radicais de extrema direita possam levar a efeito actos de violência essencialmente contra imigrantes africanos e asiáticos. Desta feita, a Polícia Judiciária já possui elementos gravíssimos de acções terroristas que estavam planeadas para breve. O neonazismo é uma triste realidade em Portugal que está a chegar a planos de alta violência criminosa. E nada se passa por acaso. Quando assistimos ao político radical, xenófobo e racista André Ventura a incutir na opinião pública um discurso contra as comunidades ciganas e contra os imigrantes, obviamente que os neonazis sentem que esse discurso lhes é favorável para a acção terrorista. No dia 10 de Junto, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a ilustre e premiada nacional e internacionalmente escritora Lídia Jorge, na sua qualidade de coordenadora das cerimónias, proferiu um discurso de grande profundidade e realismo relativamente à nossa história de séculos, tal como o Presidente da República deve ter proferido o seu melhor discurso dos seus dois mandatos, tendo salientado que todos somos portugueses, numa referência clara contra a discriminação que alguns defendem contra os imigrantes. E o que aconteceu de seguida? André Ventura veio a público com afirmações absolutamente ofensivas a Lídia Jorge e a Marcelo Rebelo de Sousa, e não só. O líder do Chega afirmou que “Lídia Jorge e o Presidente da República traíram o nome de Portugal”. E mais: “José Luís Carneiro dá dó quando aparece na televisão. Apetece entrar ali e dizer ao homem: ‘Oiça, amigo. O país não é o mesmo de há 40 ou de há 30 anos”. E ainda mais: “Se a revisão Constitucional não avançar mostra-me que o primeiro-ministro está refém, está sequestrado, está preso aos mesmos interesses e ao mesmo conluio que o PS sempre esteve”. Ora, quem chama traidor ao Presidente da República não está a reflectir um discurso de ódio perante quem o ouve? Não está a incutir forças a grupos mais radicais? Quando Ventura fala que o país hoje não é como há 40 ou há 30 anos, claro que não, hoje temos em Portugal, pelo menos, 11 organizações neonazis terroristas, das quais fazem parte elementos da PSP, GNR e familiares de deputados do partido de André Ventura. Os crimes de incitamento ao ódio e violência aumentaram mais de 200 por cento nos últimos cinco anos. A situação referente a estes grupos neonazis é grave. Os democratas estão preocupados. A lista que a Polícia Judiciária apreendeu onde constam individualidades a matar não é pequena. Só a intenção de se proporem a matar personalidades que tudo têm dado ao seu país, incluindo a liberdade em 25 de Abril de 1974, já é muito grave. E por que falamos em liberdade? Porque na lista referida também fazem parte capitães de Abril. As autoridades judiciais não podem ter mais contemplação por organizações deste tipo e por afirmações gravosas proferidas por certos políticos que apenas visam aumentar a vontade aos neonazis para saírem da toca, como em muitos casos violentos já o fizeram. A tão badalada reforma da Justiça tem também que incluir a edificação de estabelecimentos prisionais especiais onde possam ser colocados os fascistas que sejam condenados por actividade criminosa ou terrorista.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesRezar por Macau Em 2007, o Papa Bento XVI estabeleceu a tradição de rezar pela Igreja Católica da China a 24 de Maio. A 24 de Junho, comemora-se o dia em que os residentes de Macau repeliram, em 1622, os invasores holandeses e todos aqueles que amam a cidade também devem rezar por ela, já que em Macau ocorreram demasiados incidentes desagradáveis ultimamente. O Bispo Stephen Lee Bun-sang da Diocese de Macau escreveu uma carta pastoral para ser lida durante o Domingo de Pentecostes, que este ano se celebrou a 8 de Junho, onde declarava, “Recentemente, ocorreram vários suicídios e diversas tentativas de suicídio em Macau. De acordo com os Serviços de Saúde, registaram-se 18 suicídios no primeiro trimestre de 2025, o que evidencia a necessidade urgente de tomar medidas para resolver o problema. Estas tragédias não só trazem uma dor profunda aos familiares, mas também nos abalam a todos. Confrontados com este fenómeno social podemos sentir-nos tristes e impotentes, mesmo confusos em relação ao significado da vida. … A oração é o tesouro mais precioso da nossa fé. Confiemos a Deus as dificuldades e as dores que enfrentamos através da oração e rezemos para que o Espírito Santo cure os corações destroçados e solitários». Infelizmente, no início de Maio, registaram-se outros suicídios causando ainda mais pesar. O facto de não terem sido divulgados publicamente não significa que as tragédias não tenham acontecido. Em última análise, libertarmo-nos da actual atmosfera social deprimente é o caminho mais eficaz e, para isso, precisamos orar! A medida administrativa que requer que uma pessoa viva em Macau pelo menos durante 183 para ter direito a beneficiar do Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico para o Ano de 2025 também afectou alguns residentes que estão fora da cidade, especialmente os que vivem em Hong Kong, cidade que faz parte da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Reparei que de facto existem diversas opiniões quanto às condições necessárias para beneficiar deste Plano. O requisito dos 183 dias de permanência não é um problema em si; a questão fundamental reside no calendário da sua implementação. O ano passado, antes do termo do seu mandato, o ex-Chefe do Executivo Ho Iat Seng anunciou que o Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico para o Ano de 2025 não ia ser alterado, o que os cidadãos encararam como uma boa notícia. No entanto, quando o Plano foi implementado este ano, foi acrescentada a condição que determina a necessidade de ter permanecido em Macau, em 2024, pelo menos durante 183 dias, o que privou alguns residentes que vivem fora da possibilidade de atingirem esse objectivo. Se esta medida só tivesse tido efeito a partir de 2026, acredito que teria sido menos controversa e que os desentendimentos que provocou entre os residentes teriam sido reduzidos. Para algumas pessoas, a quantia de 10.000 patacas pode parecer insignificante, mas para os muito necessitados, especialmente os mais velhos, deixar de ter direito a receber este valor pode ser bastante devastador. Se a atmosfera social fosse um pouco mais harmoniosa, haveria menos tragédias. Para que isto venha a acontecer, precisamos de rezar! Ainda existem muito pelos quais temos de rezar. Em 2022, a Assembleia Legislativa alterou o “Regime Jurídico da Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar em Casino”, que teve um impacto negativo na situação dos “casinos-satélite” pelo que a maioria irá fechar até ao final do ano. Pergunto-me o que irá ser dos 4.800 funcionários das empresas de jogo que trabalham nos “casinos-satélite”. Fica a dúvida e se poderão manter o seu actual nível de rendimentos ou se as suas vidas serão afectadas. O futuro dos 800 que trabalhavam nos “casinos-satélite” mas que não eram funcionários das empresas de jogo, e do pessoal das lojas localizadas em torno dos casinos-satélite também suscita preocupação e não se sabe se terão alguma garantia de subsistência. No passado dia 17, alguns jornalistas foram impedidos de entrar na Assembleia Legislativa e de cobrir a sessão de trabalhos, um acontecimento invulgar para os membros da imprensa. A subsistência dos residentes de Macau e a manutenção da liberdade de imprensa são igualmente importantes, por isso rezemos por elas! A 24 de Junho de 1622, os residentes de Macau, que lutaram com todas as suas forças para repelir as forças holandesas, certamente terão rezado durante a resistência!
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA porta das estrelas (II) “The increase of artificial intelligence mega sites or mega cities will increase the Earth’s temperature by 2° because of the need for the energy input for AI to function. If that’s true then we have already gone beyond the danger point.” George Lowells No entanto, para compreender a viabilidade da operação e os seus impactos, é necessário proceder a duas ordens de considerações. Do ponto de vista financeiro, começam a surgir algumas dúvidas. Neste momento, a SoftBank e a OpenAi parecem estar dispostas a investir dezanove mil milhões de dólares cada uma no projecto, com o apoio de sete mil milhões de dólares da Oracle e outros tantos da MGX. No total, estamos a falar de cinquenta e dois mil milhões de dólares, ou seja, pouco mais de metade do que foi anunciado. Altman e Masa não podem fazer muito mais. O modelo de negócio da OpenAi, que prevê basicamente reinvestir tudo, impede a empresa-mãe da ChatGpt de ter enormes reservas de liquidez para investir no projecto. Da mesma forma, de acordo com o balanço de Setembro de 2024, o fluxo de caixa da SoftBank ascende a «apenas» vinte e cinco mil milhões de dólares, insuficiente para atingir a quota fixada. Estes problemas existem, mas são de alguma forma solucionáveis. Em primeiro lugar, a nova joint venture legitimada pelo presidente não terá problemas em recorrer ao crédito. E, de qualquer forma, a porta para novos investimentos por parte de um número limitado de parceiros permanece aberta, especialmente numa fase em que Trump prometeu empenhar-se em estimulá-los, simplificando o processo burocrático e livrando-se das regulamentações de Biden. Mas a questão mais problemática diz respeito aos equilíbrios internos do mundo tecnológico americano e à forma como o presidente pretende regular, obviamente de maneira informal, as relações entre os grandes actores do sector. A porta das estrelas parece, de facto, ter sido feita à medida da OpenAi. O objectivo de Altman, há alguns meses, era garantir um acesso mais simples e imediato aos dados, à capacidade de computação e à infra-estrutura física necessária para treinar os seus modelos de IA. A Stargate responde a todos esses problemas, já que a OpenAi agora pode contar com a nuvem da Oracle (e não apenas da Microsoft), com os investimentos em capacidade de computação da joint venture e com os colossais centros de dados que serão construídos. Como disse uma fonte anónima ao Financial Times «A intenção da Stargate não é fornecer centros de dados ao mundo. Tudo gira em torno da OpenAI». Além disso, ainda ao nível do hardware, a presença da ARM na joint venture sinaliza a vontade de Masa de oferecer à empresa especializada em chips IA, da qual é o principal investidor, um ecossistema no qual crescer. No momento, a ARM ocupa-se principalmente do design de chips, mas o plano de Masa é integrá-la com a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) com a qual tem excelentes relações para criar uma alternativa à Nvidia. Para fazer isso, obviamente, é preciso muito dinheiro. No momento, a SofBank não tem esse dinheiro mas a Stargate também serve para isso, especialmente se o projecto pegar e a Nvidia tiver problemas para entregar as placas gráficas necessárias. Os laços entre Masa e Altman são estreitos, porque ambos partilham o mesmo problema na cadeia de valor da IA, ou seja, o «gargalo» constituído pela empresa de Jensen Huang e a sua posição essencialmente monopolista. E as duas estrelas da Stargate têm excelentes argumentos para convencer Donald Trump da necessidade de investir numa empresa capaz de competir com a Nvidia, dado que, em 2024, Jensen fez negócios com a China no valor de cerca de dez mil milhões de dólares. Não é só negócio. Mas, apesar da advertência chinesa, a escolha de Trump de confiar em Masa e Altman oferecendo-lhes vantagens industriais evidentes não é politicamente neutra. No entanto, tem uma lógica, que podemos compreender se alargarmos o nosso olhar e tentarmos entender como o presidente está a distribuir encargos e honras dentro do mundo tecnológico americano. Premissa, tal como salientado por Trump no seu discurso de tomada de posse, os dois sectores que receberão mais atenção da política tecnológica da sua administração são o Espaço e a IA. E, observando os primeiros movimentos do presidente, salta imediatamente à vista que nenhum actor que lida com questões espaciais recebeu um papel na Stargate. Musk, que desenvolveu um modelo de IA chamado Inteligência Artificial Explicável (XAI), ficou de fora. Mesmo Bezos que com a Amazon Web Services (AWS) que é um dos principais fornecedores deste serviço não foi considerado. O mesmo vale para quem possui redes sociais e, portanto, é capaz de influenciar a opinião pública. Para Elon, vale o que foi dito anteriormente, enquanto Zuckerberg é mais incentivado a transformar o Meta em um super aplicativo como o WeChat, obviamente sem moderação de conteúdo. A PayPal Mafia continuará a traficar IA no que diz respeito a questões relacionadas com a defesa, mas permanecerá fora das dinâmicas da Stargate embora continue potencialmente a investir na OpenAi, como fez Peter Thiel através do seu fundo de investimento (Founders Fund) em 2023. O objectivo de Trump é, em suma, evidente. Atribuir a cada actor tecnológico um ou mais nichos, evitando, porém, que surja uma figura dominante capaz de exercer poder em demasiados sectores estratégicos (IA, redes sociais, espaço). (Continua)
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMichael Hui (II) A semana passada, analisámos os factores determinantes no sucesso dos filmes de Michael Koon-Man’s (許冠文). Michael tem sido uma estrela do cinema dos últimos 50 anos. desde 1977. Uma pessoa que dedica 50 anos a uma carreira, demonstra dedicação, entusiasmo e reconhecimento pela sua profissão. Michael também compreende a diferença entre o pensamento da geração mais antiga e da geração mais recente e usou esse conhecimento para divertir as audiências. O diálogo sobre o amor no “Talk Show 2005″ é disso um exemplo. Hoje, vamos continuar a explorar os factores do sucesso dos filmes de Michael Koon-Man. Depois da cerimónia de entrega do seu doutoramento honoris causa, Michael aceitou dar uma entrevista. Assinalou que tinha estudado sociologia na universidade, o que lhe permitiu compreender mais profundamente a influência que os filmes têm nos espectadores. Os bons filmes são uma boa influência e esta é a responsabilidade social do cinema. Os filmes têm de ter uma influência benéfica na sociedade. Como trabalhador da indústria cinematográfica acredita que as películas não servem só para o beneficiar financeiramente, mas também para favorecer a sociedade. Como é que ele podia não se sair bem? Se uma pessoa quiser obter sucesso na sua profissão é indispensável que tenha visão. Michael dá o exemplo de uma refeição para ilustrar o mercado do cinema actual em Hong Kong. Se um restaurante servir uma óptima refeição, as pessoas da cidade gastam de boa vontade o seu dinheiro para a saborear; da mesma forma, gastam o seu dinheiro para ver um bom filme e, este último,”The Last Dance”, é certamente um bom exemplo. Mas se o filme tiver um travo vulgar, as audiências não vão gastar o seu dinheiro para o ver. Como é que se faz um bom filme? Uma das chaves para o sucesso é a descoberta de novos temas. É necessário ter coragem para optar por tratar um assunto que nunca foi abordado e transformá-lo no argumento de um filme. O tema de “The Last Dance ” é um funeral. Uma mãe que perdeu o filho acredita que ele pode ser ressuscitado e contrata um agente funerário para embrulhar o corpo e escondê-lo na morgue. Este comportamento leva as pessoas a pensar que esta mãe está louca de dor pela perda do filho, mas também mostra às audiências que ela está a violar as tradições chinesas; que defendem que as pessoas devem ser enterradas em paz. Num outro momento do filme, o agente funerário que preside à cerimónia distribui pelos familiares e amigos presentes, bonecos feitos à semelhança do falecido e miniaturas dos carros desportivos da sua preferência, para aliviar a atmosfera pesada do funeral. Poucos filmes até à data abordaram este tema, o que faz com que seja uma novidade. O protagonista “Hello Man” (Hello文) de “The Last Dance” é uma personagem irritante, mas Michael afirmou sem rodeios que a personagem faz as pessoas terem saudades da geração anterior, especialmente da figura do “pai” chinês tradicional. Hello Man é um taoísta (道教傳人) e ensinou ao filho todas as práticas e rituais taoístas (道家) que devem ser realizadas num funeral. O filho disfarçou a sua relutância de seguir as pisadas do pai e vir a tornar-se um monge taoísta (道士), mas porque o seu filho (o neto de Hello Man) queria frequentar uma escola católica, foi baptizado e tornou-se católico. Depois disso, deixou Hello Man, que tinha ficado paralisado devido a um AVC em Hong Kong e emigrou para a Austrália com a família, pedindo à irmã que tomasse conta do pai sozinha. No filme, Hello Man representa a antiga geração que valorizava mais os filhos do que as filhas e que não aceita religiões oriundas de fora da China. Esta é uma mentalidade que a nova geração não aceita. O argumento do filme ilustra o conflito entre duas gerações de forma simples e fácil de compreender, conquistando assim o reconhecimento de todos e indo ao encontro das várias sensibilidades das audiências. As audiências só podem ser atraídas por filmes com prestígio e nos quais se reconheçam. Só os filmes que tenham sucesso em Hong Kong têm oportunidade de chegar ao mercado internacional e só então o mundo poderá ver o cinema que é feito em Hong Kong. Na próxima semana, vamos continuar a analisar os elementos que determinaram o sucesso dos filmes de Michael Koon-Man. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
André Namora Ai Portugal VozesViolência a aumentar sob a saudação nazi Factos: nas comemorações do 25 de Abril um grupo de neonazis insultou e agrediu os manifestantes democratas e os agentes da polícia com paus e cadeiras de ferro de uma esplanada em pleno Largo de São Domingos, em Lisboa; No Bairro Alto lisboeta quatro neonazis após terem feito a saudação nazi perante três negros, dois turistas sul-africanos e um português, espancaram e pontapearam até os negros ficarem inconscientes; Num restaurante junto ao Teatro ‘A Barraca’ um grupo neonazi juntou-se em reunião/almoço e ao saírem do repasto dirigiram-se à porta do teatro onde se encontravam alguns funcionários e actores a conversar. Vestindo camisolas de um grupo neonazi começaram a insultar um dos presentes que vestia uma camisola com uma estrela vermelha e a silhueta de Che Guevara “Ah és Guevara, nós também, mas é para vos matar a todos”. Entretanto, chegou o conhecido actor Adérito Lopes e tentou apaziguar a discussão e um dos neonazis com uma soqueira de ferro enfiada na mão esmurrou o actor na face deixando-o gravemente ferido numa vista e tendo de ser hospitalizado; Junto ao pavilhão desportivo do Sporting, após um encontro de Hóquei em Patins, um grupo encapuzado de adeptos sportinguistas, dois deles já identificados como conotados com um grupo de extrema direita, atacou e incendiou o carro onde iam cinco adeptos portistas tendo uma das vítimas ficado gravemente ferido; No Porto, duas senhoras da associação CASA que prestavam apoio aos sem-abrigo foram cercadas por indivíduos neonazis que depois de fazerem a saudação nazi começaram a agredir o sem-abrigo, a insultar e a agredir as senhoras voluntárias, dizendo: “Vocês param já com esta merda de ajudarem estrangeiros!”. A polícia chegou pouco depois e um dos agressores, ao pedirem-lhe a identificação, esmurrou o agente policial; Nas comemorações do 10 de Junho junto ao monumento dos Antigos Combatentes, em Belém, um indivíduo depois de estender o braço ao estilo da saudação nazi, começou aos gritos insultando o Imã da comunidade muçulmana, que há mais de 17 anos participa naquela comemoração junto do capelão católico das Forças Armadas, dizendo: “Ó traidor vai-te embora, vai para a tua terra que isto é dos portugueses”. Os presentes na cerimónia afastaram de imediato o indivíduo que insultava e alguns tiveram de se conter para não lhe darem uma sova; Um sem-abrigo africano deitado junto à porta de uma casa de Alcântara foi completamente pintado de preto e deixado o desenho de uma cruz suástica no lençol que cobria o sem-abrigo. Factos violentos, impunes e revoltantes. Ao ponto de o poder judicial ter mandado em liberdade o agressor do actor Adérito Lopes e os agressores do agente policial e das senhoras voluntárias da CASA. A violência por parte de grupos neonazis está a generalizar-se de uma forma que na maioria das cidades já não existe um idoso que saia à rua sem receio de ser atacado e roubado, especialmente se não for branco. O fenómeno é naturalmente uma realidade triste desta partidocracia que tende a aumentar. E porquê? Porque esses grupos neonazis começaram a sentir as costas quentes. Se não, vejamos. Desde que André Ventura e os seus simpatizantes do partido Chega começou a iniciar discursos de racismo, xenofobia, de ódio e de insultos a outros deputados da Assembleia da República, as redes sociais encheram-se de mensagens de ódio, de xenofobia, de racismo e de incentivo à agressão a todos os que fossem imigrantes. André Ventura é o principal culpado desta onda de violência que se está a gerar no país por parte de grupos neonazis e mesmo de alguns elementos do Chega. Mas a culpa não é só de Ventura. Assistimos vergonhosamente que o primeiro-ministro Luís Montenegro nem uma palavra de reprovação proferiu sobre o caso da agressão ao actor Adérito Lopes. A nova ministra da Administração Interna veio a público com uma simples declaração, onde o que proferiu significou zero, sobre a violência que começa a ser semanal. Como é que os serviços de informações da República e a PSP não tivessem conhecimento da reunião de muitos elementos neonazis num restaurante junto ao Teatro A Barraca? Como foi possível que não estivessem a controlar os seus movimentos? E que esses elementos pudessem sair do restaurante indo pelas ruas, armados em donos do mundo e pudessem chegar à agressão a um actor? Muito se tem falado, desde a última campanha eleitoral para as eleições legislativas do passado 18 de Maio, em segurança. Ouvimos dizer que o país é o mais seguro da Europa. Balelas. Quando o povo já tem medo de sair de casa, vivemos num país seguro? As associações policiais estão fartas de reivindicar melhores condições na sua actividade, de salientar que prendem criminosos e que o poder judicial os manda em liberdade. Até mesmo os agentes policiais já têm receio de efectuar patrulhas a pé. De noite, nem pensar. Passam os carros patrulha e “vivó velho!”. A segurança das populações é um tema que tem de ser levado muito a sério pelo novo governo. A situação a que assistimos de violência extrema por parte de grupos neonazis só tem uma solução: assim que forem detidos após um acto de violência têm de ser mandados judicialmente para a prisão. E pergunta-se o que faz a ministra da Justiça, especialmente com uma reforma inexistente nos quadros, quando se sabe que um grande número de juízes é simpatizante de André Ventura? O governo anunciou que o apoio financeiro à Ucrânia irá aumentar e que o investimento na Defesa será de muitos milhões de euros. Não seria mais lógico que primeiramente se pensasse na segurança do povo e que o número de agentes policiais aumentasse substancialmente? Real e preocupante é o aumento de casos de violência sob a saudação nazi.
Amélia Vieira VozesRumi A antiga Pérsia tem para nós o encanto das lendas e dela recorremos quando ao redor se esvaziam os sonhos e silenciam as regras da civilização que nos faz mergulhar diariamente em factos tangíveis, e sem nos darmos conta há uma voz interna que nos leva daqui para fora e nos coloca no caminho onde o poema ajuda a subir, que a cair, somos instigados em qualquer circunstância. Mas esta Pérsia, onde era? Qual a razão para nos ter dado o melhor da condição humana quando tratamos de espiritualidade e poesia? É um território da Ásia Ocidental e o local das mais antigas civilizações do mundo, e nela nos focamos para entendermos melhor essa frente esmagadora chamada geopolítica. É agora Irão desde 1935, e foi aqui que nasceu Rumi numa das suas províncias, o Afeganistão, sob o Sultanato de Rum, Turquia, no século XIII, para trás deixamos o maior império do mundo, e as sucessivas vagas de conquistas e reconquistas que o fizeram tão poderoso. Nesta Pérsia os povos oravam aos poetas não havendo por isso uma diferenciação entre o seu estatuto e a espiritualidade vigente em terras do zoroastrismo, a primeira religião monoteísta que daria as bases para as Abraâmicas, que produziu um Rumi, como também já tinha dado um Omar Khayyam – Rumi, pode ser considerado um Sufi, o lado mais espiritual do Islão, e a expressão “ciências da alma” não pode ser mais justa nem mais sugestiva, quando lemos os seus poemas. Ele é um poeta místico que se lançou no seu projecto divino estudando Filosofia, Teologia, Direito, que lhe deu uma grande capacidade de olhar as injustiças e fazer leis (não esqueçamos um dos primeiros marcos da Pérsia, libertar os escravos. A Grécia seguiu-lhes os passos) e sua principal obra, Dísticos Espirituais, o maior trabalho místico da poesia mundial que o coloca na voz lendária de um profeta, mas a sua obra é imensa e engloba a prosa, os sermões, e um cem número de anotações de seus discípulos que podem guiar aqueles que o perscrutem como o mais conseguido exercício para impedir as sombras que tão verticalmente caem agora sobre nós. Os poetas também servem para isso: estancar o Fascismo! A imundice destas sociedades e os elos artificiais programáticos das políticas insanas, precisam de Rumi. Se necessita também que o ensino se oriente para um contexto diferenciado e mais solene na busca de fontes outras, ou seja, precisam que não se estanque nos artefactos ” criativos” e suba de degrau para se poder lançar do abismo predestinado que todos temos de enfrentar. Deve o legislador procurar por todos os meios introduzir as culturas onde o Poema foi lei, e a força espiritual, o seu elo, e se dois destes navegantes da Terra surtirem efeito nas mentes em formação, foi ganho o esforço de terem sido implementadas. Também o seu mundo nunca foi calmo, tendo que fugir à chegada dos mongóis, tornando-se um dervixe (nome turco) no caminho ascético da ” Tariqah”: a sua ordem chamou-se Mevlevi, que são os que dançam à roda com homens vestidos de branco. União, Amor, Concórdia e Harmonia, foram os temas que compôs, para que nos encontremos com o «amado imortal» e quase desembocamos no «Amigo e o Amado» de Ramon Llull. Amigos, retornemos à fonte da essência pura, que nada mais pode ser igual. Lembrai-vos, somos pérolas no oceano do espírito. Se assim não for; por que razão brotam ondas constantes nos nossos corações? A onda primeva criou a vasilha desse corpo, E enquanto se rompe, estaremos em união com o Amigo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA porta das estrelas (I) (Continuação da edição de 5 de Junho) Para entender o projecto de Trump, é essencial assistir ao vídeo de apresentação do Stargate. O magnata começa a falar quase em burocratês, afirmando que o objectivo do projecto é construir «a infra-estrutura física e virtual para fortalecer a próxima geração de inteligências artificiais». Depois, faz uma pausa, respira fundo e prossegue com a afirmação fatal de que «Para isso, construiremos centros de dados colossais». Esta passagem, se o magnata tivesse optado por publicá-la no “Truth Social” em vez de anunciá-la em transmissão mundial, teria certamente sido escrita em letras maiúsculas trumpianas «CONSTRUIREMOS CENTROS DE DADOS COLOSSAIS». A porta das estrelas, em suma, é algo muito terreno. Não se trata de escrever algumas linhas de software, mas de construir enormes galpões industriais onde armazenar uma quantidade gigantesca de dados, necessários para treinar as IAs a igualar e talvez superar a inteligência humana. Trata-se de desviar cursos de água inteiros para arrefecer as máquinas, dado o incrível consumo energético dessas infra-estruturas. A IA consome muita energia e certamente não é «verde». Trump percebeu isso e, portanto, o slogan da campanha Republicana de 2008 «drill, baby, drill!» também se adapta ao desenvolvimento da IA. Não é crueldade ou desinteresse em relação ao destino ecológico do planeta. É puro princípio de realidade. Típico, antes do presidente, do empresário. Porque Altman pode contratar todos os melhores engenheiros informáticos do mundo e recolher todos os dados que quiser, mas sem as GPUs de Jensen e a terra de Donald ChatGpt pode ser, no máximo, uma calculadora brilhante. Numa entrevista recente, Jake Sullivan, ex-Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos explicou que agora o Estado já não consegue exercer um controlo real sobre o desenvolvimento tecnológico, especialmente quando se trata de IA. É assim mesmo. Regular a OpenAi e empresas semelhantes é impossível. A inovação é muito rápida e não pode ser abrandada sem criar ameaças à segurança nacional. No entanto, como a IA não existe na natureza, mas tem de ser produzida, raciocina Trump, se eu quiser exercer poder neste processo, um poder, não uma governação ao estilo europeu que equivale a suicídio industrial, tenho de me inserir nas cadeias de valor. Como fazer isso? Às vezes, as soluções mais banais são também as mais eficazes. Certamente, o Estado não pode competir com Altman em software, com Jensen em hardware ou com Ellison e a Microsoft na nuvem. Mas continua a ser o único sujeito que possui o solo, sobre a qual exerce o monopólio da violência legítima e sobre a qual pode conceder autorização para «CONSTRUIR CENTROS DE DADOS COLOSSAIS». Só o Estado pode decidir desviar cursos de água para direccioná-los para as instalações de refrigeração e fornecer aos centros de dados a energia necessária para alimentar a capacidade de computação. Nem as GPUs de Jensen, nem o software da OpenAI, nem a nuvem da Oracle o podem fazer. Neste mundo, só Donald Trump o pode fazer. Em termos económicos, trata-se de ocupar um ponto de estrangulamento numa cadeia de valor. No momento, o presidente e os três mosqueteiros da Stargate (Ellison, Masa e Altman) estão alinhados. Portanto, o magnata promete uma enxurrada de ordens executivas e declarações de emergência para garantir o abastecimento de água e energia necessários para alimentar os colossais centros de dados que agora fazem parte da paisagem americana. No entanto, ao fazer isso, Trump também pretende sinalizar aos seus companheiros de viagem que a porta das estrelas ainda depende do Estado, pelo menos até que nas palavras de Max Weber «o último quintal de combustível fóssil seja queimado». Perfurem. Assim e resumindo, através do Stargate, Trump pretende consolidar a primazia em IA em relação à China e manter alguma forma de controlo sobre a inovação. A responsabilidade financeira da operação ou seja, a tarefa de encontrar os cem mil milhões de dólares para começar e depois quintuplicá-los cabe ao SoftBank, enquanto a responsabilidade operacional é da OpenAi. A Oracle disponibilizará as nuvens e a Nvidia as GPUs, enquanto ao governo cabe a tarefa de garantir o fornecimento de energia necessário para alimentar todo o processo. Stargate é, antes de mais nada, um projecto de infra-estrutura, que se concretiza na construção de centros de dados colossais e na futura criação de cem mil postos de trabalho. Como disse Trump no fórum de Davos, a porta das estrelas deve, de facto, ser inserida na estratégia industrial mais ampla do país, que consiste em «tornar os Estados Unidos uma superpotência industrial».
Tânia dos Santos Sexanálise VozesNo mês da diversidade sexual, a quem pregamos? A minha intuição diz-me que estamos no caminho errado. Estamos a entrar num complexo sistema de túneis tenebrosos, numa montanha labiríntica, com pouca possibilidade de ver pontos de luz. Esses clarões ainda estão longe do nosso alcance — não antes de atravessarmos a escuridão e as curvas sinuosas que a rocha naturalmente forma. No jogo entre a luz e as sombras, perdemo-nos em dicotomias que nos iludiram, julgando-nos no caminho do progresso, da união, da diversidade e do respeito. Face ao que está a acontecer no mundo, social e politicamente, surgem teorias vazias — teorias de quem julga compreender o sistema complexo de desenvolvimento que é o nosso: o humano. Somos peixes no oceano a tentar dar sentido à água, sem nunca termos estado fora dela. Junho é o mês de celebração LGBTQIA+, e a tensão é palpável. O pinkwashing, i.e., o marketing que se aproveita de causas sociais e de movimentos cívicos para fins lucrativos — revela-se frágil. Já não se veem as cores do arco-íris como se viam no ano passado ou há dois anos. Agora, defender a causa LGBTQIA+ pode causar prejuízo. Para além disso, as redes sociais enchem-se de queixumes, como se a celebração do orgulho homossexual exigisse uma celebração oposta do “orgulho heterossexual”. Como se ser heterossexual não fosse já celebrado em cada esquina do mundo, com direitos plenos no amor e na união. O que vemos, ao invés, é uma incompreensão que só alimenta mais ódio, mais preconceito — e, em muitos casos, mais morte. Vivemos num mundo esquizofrénico: de um lado, a ilusão; do outro, a podridão disfarçada. Ambos os lados padecem dos mesmos males. Desenvolver espaços para falar sobre sexualidade — para que as pessoas se compreendam melhor a si próprias e aos outros — pareceu-me um mecanismo natural para a normalização do tema. No entanto, os caminhos de informação confusa e odiosa sobrepuseram-se. Como é que surge a teoria absurda de Elon Musk? De que a empatia destrói civilizações? E o amor — também as destrói? Esse ato tão natural, que leva ao sexo e à procriação, não se baseia nessa relação íntima e simples da empatia? Estamos perdidos. Rastejando nas trincheiras da batalha das ideias, há ainda assim esperança — esperança de que certas ideias não tenham de ser derrotadas por outras. Na Tailândia, em janeiro deste ano, legalizou-se o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em Hong Kong, agências noticiosas celebram uniões homoafetivas — impossíveis na China, em Macau ou em Hong Kong— que encontram noutros países do Sudeste Asiático a possibilidade de aceitação. Tenho refletido muito sobre como alcançar quem mais precisa de se rever numa palavra amiga, e de entender que a liberdade de ser é um direito humano. Há muitas vidas, neste momento, cujo valor é minimizado — como se uma vida valesse menos do que outra. No mês da diversidade sexual e de género, onde reina o sentido do direito à existência, quero honrar as pessoas que se diminuem, que são apagadas, violentadas e mortas pelas piores razões. Da Palestina ao resto do mundo. Não sei se estou a pregar para os peixes, para os convertidos, ou simplesmente para ninguém. Mas, se algum dia estas palavras chegarem aos olhos de quem mais precisar, dou-me por satisfeita. Não há aqui fantasias revolucionárias — apenas a crença de que é preciso estar do lado da compreensão e da empatia. O mecanismo que permitiu o progresso das sociedades até hoje.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMichael Hui (I) Depois da estrela de cinema Tony Leung Chiu-Wai (梁朝偉) ter recebido dois doutoramentos honoris causa o ano passado, outro artista foi agraciado com a mesma distinção este ano. Desta vez, a honra coube a Michael Hui Koon-Man (許冠文), conhecido como “Poker-Faced Comedian” (冷面笑匠). Michael Hui Koon-Man nasceu na Província de Guangdong (廣東省) em 1942 contando com 82 anos de idade. Em 1977, começou a trabalhar para a Hong Kong Television Broadcasts Limited (TVB) apresentando o programa “Hui Brothers Show” (雙星報喜) em parceria com o seu irmão, o famoso cantor Sam Hui (許冠傑). Posteriormente, Michael foi descoberto pelo realizador Li Han-Hsiang (李翰祥) que o convidou para interpretar o protagonista do filme “The Warlord” (大軍閥), ingressando assim na indústria cinematográfica. Entre 1974 e 1981, Michael escreveu, dirigiu e actuou em cinco filmes: “Games Gamblers Play” (鬼馬雙星), “The Last Message” (天才與白痴), “The Private Eyes” (半斤八兩), “The Contract” (賣身契) e “The Security Unlimited” (摩登保鏢), todos eles enormes êxitos de bilheteira, à época. Estes feitos conferiram a Michael uma posição de relevo na indústria do cinema. Posteriormente, Michael continuou a conquistar prémios. Em 2022, recebeu o Prémio de Carreira na 40.ª edição dos Prémios de Cinema de Hong Kong. Em 2023, recebeu o Prémio de melhor Actor Secundário na 41.ª edição daquele evento. Mais tarde, em 2024, foi-lhe entregue o Prémio do Sindicato dos Realizadores de Hong Kong. Recentemente, o filme “The Last Dance” (破地獄) obteve uma receita de mais de 100 milhões de dólares, voltando a catapultá-lo para os píncaros da fama e da fortuna. Michael recebeu muitos prémios, o que significa que merece ser distinguido com um doutoramento honoris causa. Por que é que obteve tanto sucesso na indústria cinematográfica? Procuremos a resposta no seu trabalho. Michael Hui Koon-Man é uma vedeta do cinema e da televisão desde 1977, ou seja, há cerca de 50 anos. Quando uma pessoa dedica 50 anos da sua vida a uma carreira, demonstra dedicação, entusiasmo e reconhecimento pela profissão. O entusiasmo não pode apenas existir no presente, tem também de se projectar no futuro. Michael diz que se tivesse uma segunda vida, quereria passá-la nos estúdios de cinema. No discurso proferido por Tony Leung Chiu-wai quando ganhou um prémio no ano passado, lembremo-nos que ele disse acreditar plenamente que o entusiasmo é um factor importante para o sucesso. Na era que precedeu os telemóveis, Michael tinha sempre consigo uma caneta e um caderno, no qual tomava nota de todas as situações anedóticas que presenciava e que depois passavam a fazer parte do material que usava nos filmes. Quando revia os apontamentos, decidia quais as situações que fariam o público rir e as que não fariam. O facto espantoso é que Michael não se ria. Por isso, tinha a alcunha de “Poker-Faced Comedian” (Comediante da Cara de Pau). Os seus filmes também reflectiam a atenção que prestava à evolução da sociedade. Ele conhecia a diferença entre as mentalidades da geração mais antiga e da mais recente e utilizava esse conhecimento para proporcionar alegria às audiências. No “Talk Show 2005”, encontramos alguns diálogos sobre o amor como estes que transcrevo: “Antigamente, todas as cantigas de amor eram assim: “Os nossos corações estão ligados um ao outro, mesmo separados por milhares de quilómetros, o nosso amor nunca muda” (心兩牽, 萬里阻隔相思愛莫變), “Penso em ti todas as noites e chamo o teu nome gentilmente” (夜夜念奴嬌, 輕輕把名叫), Mas, actualmente, nas canções românticas parece faltar o amor: “Olhando para trás, nunca fui feliz contigo” (回頭望, 伴你走, 從來未曾幸福過), “Ser um gato, ser um cão, não ser um amante, ser um animal de estimação pode ser encantador.” (做隻貓, 做隻狗, 不做情人, 做隻寵物可會迷人) Estas observações certeiras trouxeram a Michael uma infinidade de aplausos. Os aplausos do público demonstram o reconhecimento da sociedade pelos pontos de vista e pelas análises de Michael Hui Koon-Man. Na próxima semana, continuaremos a analisar os factores que determinaram o sucesso dos seus filmes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
André Namora Ai Portugal VozesJovens e amas explorados Os políticos, as associações, os partidos políticos não se fartam de falar no problema da habitação. Palavras ocas e que em nada contribuem para que em Portugal o problema grave da habitação, especialmente a social, tenha uma luz ao fundo do túnel. Portugal é o país da Europa onde o preço das casas mais tem aumentado. Constrói-se muito imóvel, mas são condomínios de luxo, com acesso apenas a ricos. A habitação destinada a rendas acessíveis é focada sempre para as calendas. E quem sofre mais com esta inércia decisória dos governantes são os pobres e os jovens. Estes, continuam com 40 anos de idade a viver em casa dos pais. Os jovens não têm qualquer possibilidade de arrendar uma casa em Lisboa ou no Porto. Terminam o seu curso secundário e quando decidem seguir para uma universidade em Lisboa é-lhes absolutamente impossível arrendar uma casa e as residências de estudantes são mínimas e caras. Sabem o que acontece em Lisboa? Os jovens universitários são explorados de uma forma infame. Na capital lisboeta existem centenas de proprietários de casas antigas que foram edificadas com seis e sete quartos. Pois, acontece que esses senhorios alugam os seis ou sete quartos a estudantes por 500 e 600 euro ao mês e na casa existem apenas duas casas de banho para todos. Pior ainda é que os exploradores nem sequer passam recibos e fogem ao fisco no que concerne ao rendimento aproximado de 4200 euros por mês, no caso de se tratar de uma residência com seis quartos. A exploração e oportunismo deplorável deve-se fundamentalmente à falta de habitação a preços acessíveis, com a agravante de serem os pais dos estudantes a pagar o uso desses quartos. Onde está a fiscalização institucional? Naturalmente que não acreditamos que não será possível descobrir onde existem essas residências que exploram os estudantes. Apenas numa avenida de Lisboa tivemos conhecimento de que há mais de 20 residências com os quartos alugados a estudantes. Trata-se de uma situação que o novo governo bem podia ponderar em criar um agrupamento, tipo ASAE, dedicado exclusivamente às irregularidades cometidas e à exploração dos jovens que precisam de uma cama e uma mesa para poderem ser estudantes numa faculdade. O problema da habitação prende-se igualmente com a diminuição que se verifica nos índices de natalidade. Obviamente que os jovens não têm possibilidade de se unirem, contrair família e viverem a pensar que o futuro é um problema. Se ficam nas casas dos pais, como podem adquirir ou arrendar uma casa para viverem com a companheira e filhos que venham a nascer? Impossível. Escrevemos com conhecimento de causa porque mantivemos um bate-papo com uma jovem estudante da Faculdade de Letras que nos disse que vive num quarto de uma residência com mais seis habitáculos, todos alugados por 600 euros. E sublinhou que o senhorio informou que se pretendesse recibo o pecúlio a pagar teria de ser de 750 euros. Deplorável. Um outro problema grave que se regista em cidades como Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Évora, entre outras, é a situação das mulheres que são contratadas por agências de emprego a fim de serem amas de idosos com mobilidade reduzida ou com vários tipos de demência. Essas mulheres, nomeadamente portuguesas, brasileiras e africanas, recebem um salário, quando recebem, menos de metade do que o contratante paga a essas agências de emprego. Habitualmente são os filhos desses idosos e doentes que pagam, por exemplo, 3000 euros por mês e as trabalhadoras amas recebem o equivalente ao salário mínimo. Muitas delas trabalham aos sábados e domingos sem que lhes seja pago a dobrar como a lei obriga. Por vezes, são mulheres que vivem com dificuldades familiares que têm um emprego, mas que vão trabalhar ao fim de semana para angariarem mais algum dinheiro que ajude na sua sobrevivência. As amas que têm contrato anual para trabalhar de segunda a sexta-feira não têm qualquer pagamento de subsídio de Natal. Mais uma vez, não acreditamos que o Governo não tenha conhecimento desta realidade e que procure terminar com este tipo de exploração vergonhosa. Todos sabemos quanto é difícil tratar de dia e de noite um idoso com demência ou que precisa de uma cadeira de rodas para se deslocar. Estas amas ainda realizam trabalhos extra nas casas onde trabalham, tais como cozinhar, lavar a roupa e passar a ferro, sem qualquer remuneração a mais. Ainda existem casos em que os idosos possuem animais de estimação e lá são as amas exploradas que têm de tratar dos animais e levarem-nos à rua. Este tipo de exploração, no nosso entendimento, não passa de um novo tipo de escravidão. É disso que se trata, com os governantes a assobiar para o lado. Dois casos pertinentes que seriam merecedores de uma mudança radical para que os “chicos-espertos” não pensassem que o mundo é de quem explora e escraviza o seu semelhante.