Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesO caminho a trilhar [dropcap style=’circle’] Z [/dropcap] hang Rongshun, antigo vice-presidente do Gabinete Jurídico do Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular, assumiu o cargo de subdirector do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, no passado dia 26. Formei a minha primeira opinião sobre Zhang quando o ouvi dizer que os membros do Comité Consultivo dos órgãos municipais de Macau não deviam ser escolhidos através de eleições directas. Independentemente do intuito legislativo e da interpretação da Lei Básica de Macau, todos têm direito a exprimir as suas opiniões. Eu, pelo meu lado, subscrevo a perspectiva do falecido Prof. Xiao Weiyun da Universidadde de Pequim, que fez parte da Comissão da Redacção da Lei Básica de Macau, sobre a designação dos membros dos órgãos municipais. A criação da Lei Básica destinou-se a assegurar que a filosofia de “um País, dois sistemas” prevaleceria sobre a que defendia “um País, um sistema.” Se os membros do Comité Consultivo para a criação dos órgãos municipais forem escolhidos por eleição directa (uma pessoa, um voto), reforçaremos a fidelidade de Macau à Lei Básica e garantiremos estabilidade a longo prazo. Quando o actual vice-presidente da China, Wang Qishan, era ainda vice-primeiro ministro do Conselho de Estado, recomendou um livro intitulado “O Antigo Regime e a Revolução”. O livro foi escrito pelo politico francês Alexis-Charles-Henri Clérel de Tocqueville, e apresenta uma análise crítica das causas da Revolução Francesa (1789). A insurreição que desencadeou a revolução surgiu de forma espontânea, sem uma frente organizada. Foi um enorme movimento social impulsionado pelos “Estados Gerais”, que pretenderam solucionar a crise económica que a França atravessava. Perante esta crise, desencadeada pelo Rei Luis XVI, o terceiro estado (burguesia, pequeno clero e povo), reagiu, durante a Assembleia dos Estados Gerais, com um movimento que ficou conhecido como “O Juramento do Jogo da Péla”. O objectivo era criar uma constituição que limitasse os poderes do rei. Este acontecimento, num país sem equilibrio entre os diversos estratos sociais, fez tremer a sociedade enquanto um todo e deu lugar a “ tumultos sem precedentes e a um terrível caos.” Wang Qishan compreende que a reforma do antigo regime seja acompanhada por uma crise. Eu acredito que a chave para eliminar a crise é a manutenção do “equilíbrio.” No entanto, perante a situação política actual e as disposições do Governo da RAEM, temo que a concentração excessiva de poder possa vir a provocar o “desiquilíbrio social”. O Governo da RAEM criou uma enorme quantidade de corpos consultivos. Se estes orgãos conseguirem maximizar as suas funções, será sem dúvida benéfico para a actual administração. No entanto, a recente revisão da Lei do Trânsito Rodoviário e a construção do crematório Sa Kong, na Taipa, foram muito criticadas pela opinião pública. Para além de estar mal preparado para organizar uma consulta pública, o Governo da RAEM não reuniu um número suficiente de pareceres junto das autoridades competentes nestas matérias. A situação actual pode descrever-se desta maneira: o Governo da RAEM vela pelos interesses dos “patriotas muito devotados a Macau”. Mas, mal surge um problema, as alianças formam-se em torno dos interesses individuais. As políticas governamentais têm sido repetidamente canceladas ou “postas na prateleira”, provocando um decréscimo da credibilidade do executivo. Se não houver representação dos diversos sectores sociais nos futuros órgãos municipais de Macau, é expectável que entraves semelhantes surjam durante o seu processso de implementação. Depois de 20 anos volvidos sobre o regresso de Macau à soberania chinesa, tanto o território como a China passaram por processos de mudança, sendo certo que a China continental sofreu as maiores alterações. Na situação actual, sobretudo quando o Executivo da RAEM vai ser substituido dentro de 16 meses, a única forma de manter o “equilíbrio social” é assegurar a participação de todos os sectores da sociedade. Desde a eleição da Assembleia Legislativa, em 2017, que Macau não tem tido um momento de paz devido aos vários problemas que se têm sucedido. Parece ter chegado a hora de parar com as divergências e de repensar a forma de reunir esforços em prol do bem comum. O desenvolvimento da nossa sociedade depende da participação de todos os cidadãos sob a liderança do Governo da RAEM. Os direitos e deveres de cada pessoa e de cada organização devem ser equilibrados de forma a podermos ter “opinião pública” e “democracia” em vez de nos ficarmos pelo “populismo” e pelos “votos.”
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAs eleições turcas [dropcap style=’circle’] O [/dropcap] presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia acabou por ganhar a reeleição, e um conjunto perigoso de novos poderes, a 24 de Junho de 2018. O acontecimento não constituiu surpresa, e tornou-se o presidente mais poderoso da história da Turquia. A Turquia que vive no meio de uma generalizada repressão e com uma economia enfraquecida, a sua aliança conquistou a maioria parlamentar. O ex-primeiro-ministro, foi eleito presidente em 2014 e, após um golpe fracassado em 2016, persuadiu os eleitores a mudar a Constituição. A eleição sinalizou uma nova era para a Turquia, um país central na Europa e no Médio Oriente. A reeleição de Erdogan como presidente, em teoria, concede-lhe poderes arrebatadores que nunca exerceu antes e por causa das mudanças na constituição turca realizadas em 2017, o presidente, e não o primeiro-ministro, será o chefe formal do governo turco. O presidente Erdogan pode nomear ministros, emitir decretos, fazer nomeações cruciais no poder judicial e autorizar investigações de funcionários públicos. A natureza do papel do presidente mudará pouco, na prática, dado que exercia informalmente muito mais poder do que a sua posição tecnicamente permitia. O presidente, por exemplo, lidera as reuniões do gabinete desde 2015, embora essa seja geralmente a prerrogativa do primeiro-ministro. É sabido que poucos juízes se atreveram a emitir julgamentos desfavoráveis a Erdogan, particularmente, desde o início de uma depuração do poder judicial que levou à demissão de cerca de um quarto de todos os juízes, desde 2016 e nada tem de revolucionário, mas uma codificação e solidificação de algo que está em andamento há uma década. Tendo mais de 86 por cento dos turcos participantes, a votação foi considerada livre. Mas os observadores internacionais afirmam que ocorreu em circunstâncias que claramente favoreceram Erdogan. O controlo da média estatal e a sua influência sobre a maioria dos estabelecimentos privados, deram-lhe uma vantagem notável, segundo observadores eleitorais da “Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)”, que é uma organização de países do Ocidente, dirigida à promoção da democracia e do liberalismo económico na Europa. A maioria dos candidatos da oposição recebeu apenas alguns minutos de cobertura das emissoras estatais, em comparação com centenas de horas destinadas a Erdogan. É sabido que um dos principais competidores de Erdogan, Selahattin Demirtas, de etnia curdo-zaza e co-líder do partido esquerdista “Partido Democrático dos Povos” foi forçado a conduzir a sua campanha da prisão, porque tinha sido preso por acusações politizadas há quase dois anos, conjuntamente com vários dos seus legisladores e desde que a eleição aconteceu sob estado de emergência, severas restrições afectaram a capacidade da oposição de realizar comícios e protestos. O total de supostos dissidentes presos nos últimos dois anos ascendia a mais de cem mil, bem como um número semelhante de demitidos ou suspensos dos seus empregos estatais. A campanha teve lugar, em um clima de medo descrito por organizações defensoras dos direitos humanos, no meio de uma repressão que se seguiu ao fracassado golpe militar de 2016. As recentes intervenções económicas de Erdogan ajudaram a causar uma perda no valor da lira, e o problema da moeda poderá piorar desde que voltou ao poder. O presidente turco, durante a maior parte do seu tempo no poder, tinha uma reputação de deter uma forte administração económica, em parte por causa do crescimento económico espectacular, sob a sua vigilância durante os anos 2000, mas a sua notoriedade económica enfraqueceu, em Maio de 2018, quando ameaçou tomar maior controlo do Banco Central da Turquia se fosse reeleito, uma medida que assustou os investidores, fez a lira cair e o preço dos alimentos subir. É interessante notar que os eleitores não o conseguiram punir pela sua intervenção, e assim, pode-se sentir encorajado a cumprir a sua promessa que seria um desastre para a lira, inflação e os pagamentos de dívidas como um investimento, pelo que se irá assistir a uma enorme crise económica de uma forma ou de outra. A vitória de Erdogan é problemática para os aliados da Turquia na Europa e nos Estados Unidos. Quando chegou ao poder pela primeira vez em 2003, aproximou a Turquia da Europa, acelerando as negociações de adesão com a União Europeia, e procurou um acordo histórico com a minoria curda do país. Mas, para manter o apoio dos eleitores nacionalistas nos últimos anos, elegeu cada vez mais contendas com os políticos europeus, liderou uma campanha de repressão em áreas curdas e para a frustração dos Estados Unidos, aproximou-se cada vez mais do presidente russo. Tais dinâmicas provavelmente serão agravadas pelo resultado das eleições. A vitória de Erdogan foi em parte o resultado da sua aliança com um partido de extrema-direita, o “Partido do Movimento Nacionalista”, com visões anti-ocidentais e anti-curdas que o presidente deve continuar a acomodar. A vitória de Erdogan também é uma má notícia para as forças curdas sírias, apoiadas pelos americanos, que construíram um enclave independente no norte da Síria, ao longo da fronteira sul da Turquia, que o presidente considera uma ameaça à segurança turca. Encorajado pela sua vitória, Erdogan pode não ver razão para abandonar a sua estratégia de expulsar os curdos sírios das principais áreas do norte da Síria. A actuação invulgarmente espirituosa da oposição em circunstâncias tão duras é um bom presságio no futuro, ou destaca a futilidade de concorrer contra Erdogan em circunstâncias tão tendenciosas. O mais próximo rival de Erdogan na corrida presidencial, Muharrem Ince, membro do “Partido Republicano do Povo”, recebeu aplausos por participar de uma campanha inclusiva e agressiva, e pode ter força suficiente para iniciar um novo movimento. A Turquia está fortemente polarizada, mas Muharrem Ince está interessado em alcançar os curdos e os conservadores religiosos, e se jogar bem suas cartas, poderá ser o homem para o futuro. Todavia, outros analistas foram mais pessimistas e questionaram se a oposição deveria continuar a legitimar um sistema fraudulento participando das eleições. Se as liberdades civis básicas e as regras fundamentais de direito não forem respeitadas, não devem contribuir para a ilusão de que a Turquia é uma democracia real. É hora de considerarem se querem continuar a facilitar o “status quo”, na esperança de que em algum momento, novas realidades surjam, ou chamar a atenção para a forma como essas normas democráticas foram esvaziadas. Após as eleições presidenciais, Erdogan afirmou que “parecia que a Turquia lhe tinha confiado o dever da presidência, que seria uma responsabilidade muito grande na legislatura e que o vencedor era a Turquia, a nação turca e todas as pessoas lesadas da região, bem como todos os oprimidos do mundo”. O presidente manteve o poder na Turquia por quinze anos, primeiro como primeiro-ministro de 2003 a 2014, e depois como presidente, cargo que ocupa desde 2014. O presidente turco também tudo fez para preservar o seu poder, pois silenciou os seus adversários, prendeu dezenas de jornalistas, alterou a constituição e sobreviveu a um golpe militar fracassado, em 2016, que tentou expulsá-lo do poder. As eleições de 24 de Junho de 2018, que ganhou com 52,4 por cento dos votos, veio com alegações de que o partido de Erdogan é corrupto. O presidente derrotou Muharrem Ince, que conseguiu obter 30,6 por cento dos votos. Erdogan está mais preparado que nunca para exercer o poder. O presidente da Turquia costumava ter um papel primordialmente cerimonial, enquanto o país era governado principalmente por um primeiro-ministro em uma democracia parlamentar. Mas tudo mudou, a 26 de Abril de 2017, quando o referendo constitucional liderado pelo partido de Erdogan anulou a estrutura governamental existente e aboliu o papel de primeiro-ministro, abrindo o caminho para o líder turco ampliar os limites do seu poder. O presidente provavelmente permanecerá na presidência até 2023. E se for reeleito, poderá permanecer no poder até 2028. Tal, é um golpe para os seus críticos, activistas de direitos humanos e potencialmente preocupante para a região. O presidente permanece relativamente popular na Turquia, entre os cidadãos turcos, dados os seus métodos de decisão não convencionais. É um dos motivos, o facto de ter reforçado a integração de mais ensinamentos islâmicos nas escolas públicas. A Turquia é tecnicamente um país secular, mas a maioria da sua população é muçulmana, e as suas reformas educacionais ganharam o apoio moderado do “Partido da Justiça e Desenvolvimento Islâmico”, ou do “AK Party”. O presidente também promulgou reformas económicas significativas na Turquia há vários anos, o que melhoraram a prosperidade do país na época. O seu partido político, o “AK” ganhou o poder em 2002, e entre 2002 e 2006, a economia turca expandiu-se a uma taxa anual de 7,2 por cento. A situação não é tão boa nos últimos anos, e a Turquia tem vindo a passar por turbulências económicas, mas apesar disso, o presidente ainda tem boa reputação quando se trata de reforma económica, pois o povo vive dos sucessos do seu passado, e a sua vitória também pode ser explicada pela sua postura antiterrorista. O líder turco há muito afirmou que era necessário, um governo central forte para afastar as ameaças de terrorismo e manter uma nação estável, conquistando assim, com sucesso os cidadãos turcos com a sua convincente narrativa de que a Turquia está sob ameaça em várias direcções, incluindo o terrorismo, e que Erdogan está a proteger o povo, tomando as medidas necessárias para combatê-la. O seu controlo sobre o país não se circunscreve à presidência. Ainda que o governo, tenha mudado para um sistema presidencial executivo, a Turquia ainda tem um parlamento. O partido de Erdogan e o partido nacionalista concordaram em fazer uma aliança, assegurando uma maioria no parlamento, o que significa basicamente que, enquanto puder preservar o apoio do partido nacionalista, Erdogan possui um poder legislativo ainda maior. Mas também é importante notar que a vitória do presidente terá um impacto além da política interna, devido à localização geográfica e à importância regional da Turquia. A vitória de Erdogan terá um impacto sobre o resto da região, e o mundo e um exemplo, é a Síria, que faz fronteira com a Turquia. O país está actualmente atolado em um sangrento conflito de sete anos, e a Turquia tem sido um dos principais financiadores das forças de oposição da Síria. A Turquia enviou tropas para a região devastada pela guerra nos últimos anos, liderou ataques aéreos contra alvos do Estado Islâmico e combateu grupos curdos apoiados pelos Estados Unidos, que a Turquia considera terroristas. A Turquia também abriga actualmente três milhões e quinhentos mil refugiados, a maioria dos quais fugiu da Síria, segundo a “Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR na sigla inglesa)”. Durante o seu primeiro discurso após a vitória presidencial, Erdogan disse que a Turquia continuaria a combater o terrorismo para libertar as terras sírias, para que os refugiados possam retornar em segurança. A última vitória de Erdogan também pode prejudicar o relacionamento da Turquia com a “Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)”. Ainda que a Turquia, seja um dos membros mais antigos da OTAN, tenha cooperado com os seus parceiros ocidentais, a crescente relação de Erdogan com o presidente russo, poderá ser um poço de complicações. O presidente teria comprado um avançado sistema de defesa antimísseis russo e planeia trazer um reactor nuclear russo para a Turquia. A vitória de Erdogan abre a porta para exercer mais poder do que nunca, o que certamente terá um impacto significativo na Turquia e na região nos próximos anos.
Leocardo VozesVingança [dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]ingança, uma palavra forte. O próprio som da palavra dá a entender sangue, violência, tiros, cabeças cortadas, espadas atravessadas do abdómen às costas. Reparem na intensidade das palavras da família de “vingança”: vingativo, vingador, vingado. Convidam à poesia. É preciso não confundir a vingança com outras mariquices. Um tipo que dá um murro a outro que lhe bateu primeiro é uma simples retaliação. O indivíduo que atropela com o carro o filho mais novo do vizinho e lhe parte as pernas porque o outro lhe matou o gato é um ajuste de contas. O gajo que denuncia às autoridades a plantação de “cannabis” do vizinho porque este teima em receber visitas e ficar a ouvir Bob Marley toda a noite é um “queixinhas”. O fulano que fura os pneus do carro do colega depois deste ter contado ao chefe que andava a roubar lapiseiras do escritório é uma “vingançazinha”, nem chega a ser vingança, e dificilmente o castigo corresponde ao crime – não chega para se ficar vingado. Vingança que é vingança implica um longo período de angústia, de dor, de humilhação, seguido de outro não menos longo período de recuperação, planejamento e preparação ao nível do corpo e da mente. Quem planeia uma vingança nunca o faz para daqui a pouco, para amanhã ou dentro de semanas. É um processo que pode demorar meses, anos, toda a vida, e pode mesmo nunca chegar a ser realizado. É um peso que se carrega no peito, que nos assalta a cada minuto, a última coisa em que pensamos quando vamos dormir e a primeira quando acordamos. Dizer que se tem “sede de vingança” diz muito pouco sobre o que é realmente a vingança. Devia dizer-se “ter dores de dentes de vingança”. O cenário típico de vingança é aquele que apreendemos dos filmes de acção, Imaginemos o Mesquita, um cidadão médio a quem a vida corre bem, casado e com dois filhos lindos, uma menina adolescente e um rapaz de dez anos. Um belo dia estão em casa a viver as suas vidas de família como outra qualquer, e são assaltados por um gangue de seis ou sete indivíduos, que lhe violam a mulher e lhe cortam a garganta, rebentam os miolos ao miúdo e raptam a filha, vendendo-a posteriormente à escravatura sexual. Mesquita tenta resistir, mas entre um tiro numa perna, duas ou três facadas nas costelas e a mesa de vidro da sala despaçada na tola, é deixado à beira da morte. Quando chega a polícia, muito depois dos bandidos se terem posto em fuga, encontra-o num estado lastimável, com o rosto feito numa papa Nestum. Segue-se um longo período de recuperação para o Mesquita, com a imagem da violência a que foi sujeito gravado na retina. Já em plena forma, aprende uma arte marcial ou compra uma arma de grande calibre, e depois de saber para quem trabalham os assaltantes, e para quem trabalham estes, e finalmente para quem trabalham todos estes, chega ao topo da hierarquia, a um tal sr. X. Este sr. X é um respeitável elemento da sociedade, o mais generoso contribuente do último peditório para o combate à paralisia infantil, e principal patrocinador da reeleição do presidente da câmara. Apesar do seu aspecto diabólico e fortuna de origem duvidosa, normalmente obtida através do tráfico de droga ou de pessoas e complementado pela fuga ao fisco, é respeitado por todos os cidadãos da comunidade, e está acima de qualquer suspeita. Depois de limpar o sebo a 40 ou 50 capangas do sr. X com muito má pontaria e pouco jeito para a porrada, com o grau de dificuldade a aumentar à medida que vai chegando ao seu objectivo, Mesquita chega finalmente ao tão desejado face-a-face com a sua nemesis. Depois de um diálogo completamente desnecessário, onde cada um deles podia ter aproveitado o tempo para matar o outro, dá-se o confronto final, e depois de um combate equilibrado mas com uma inclinação para o vitória do sr. X, Mesquita parece derrotado. Quando o seu inimigo se prepara para desferir o golpe final, dá-se um volte-face, Mesquita reúne o que lhe resta das forças e derrota o sr. X, que tem uma morte horrível e poética, de preferência acrescentada de uma “punch-frase” a condizer. Já todos assistimos a filmes com um argumento mais ou menos semelhante a este, e até conseguimos imaginar Bruce Willis ou Mel Gibson no papel de Mesquita, e Kevin Spacey ou Gary Oldman no papel de sr. X. A TDM tem exibido nos últimos meses a novela portuguesa “Vingança” – o título diz tudo – e nela temos Diogo Morgado no papel de vingativo e Nicolau Breyner como o objecto da sua vingança. O personagem de Diogo Morgado viu o pai ser morto a mando do personagem de Breyner, e ele próprio foi traído pelo filho deste, que o deixou dado como morto, a apodrecer numa prisão marroquina. A vingança é um dos ingredientes mais amargos da composição do género humano, uma comichão que só se alivia quando a vingança é finalmente concretizada. Só há uma coisa que me deixa incrédulo quando assisto aos filmes ou outras obras de ficção que falam de uma vingança. Quando alguém como o dr. X, com esqueletos no armário, fica finalmente face-a-face com o seu vingador, neste caso o Mesquita, diz sempre: “Mesquita…finalmente…estava à tua espera”. Estava à espera? Não acredito. No mundo real, o sr. X ficaria borrado de medo, isso sim.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBad Romance [dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]aros são os indivíduos que não procuram relacionamentos mais felizes. E isso pode acontecer na incessante busca por novos relacionamentos, os tais que têm um ‘fit’ perfeito com os quais as pessoas não precisam de se preocupar com mais nada, ou na disponibilidade de trabalhar continuamente na confiança e no desenvolvimento relacional. Há de tudo um pouco, dentro e fora das nossas diversidades. Na tentativa de perceber melhor os romances que dão para o torto existe uma relação quasi-directa (popular e científica) dos relacionamentos extraconjugais e o fim de um relacionamento feliz. Atrever-me-ei a desconstruir esta premissa demasiado simples – alertando sempre para as explicações demasiado simplistas do que quer que seja – com base num estudo que tenta redefinir o que é um mau ‘romance’, ou um relacionamento de pouco compromisso e pouca satisfação. O que o estudo mostra é que os relacionamentos extraconjugais não são um preditor directo de um relacionamento em declínio. Isto porque depende bastante do tipo de relacionamento que tenha sido negociado. Casais não-monogâmicos ou constelações poliamorosas poderão confirmar isso mesmo, que a escapadinha sexual – que já foi conversada e discutida – não é um problema por si só. O que, na verdade, pode definir um relacionamento em declínio, de pouco compromisso e pouca satisfação é a incapacidade de discutir e criar os limites pelos quais as pessoas se sentem felizes, e isso poderá incluir a escapadela extraconjugal, para quem lhes fizer sentido. Portanto, o bom e o mau romance somos nós que criamos, mesmo que tenhamos as mesmas representações de romance heterossexual monogâmico (do tipo conto de fadas) a inundar as nossas vidas. Ao ponto de pensarmos, alguns de forma mais obsessiva que outros, será que isto é normal? Será que aquilo é normal? Será que eu sou anormal e nós, como anormais que somos, vivemos o pior romance de todos? Claro que a liberdade de recriar um relacionamento ao nosso gosto (e ao do nosso parceiro) está limitado por muitas coisas e ideias. O que não faz de nós mais ou menos pessoas, simplesmente faz-nos pessoas a viver entre aquilo que queremos, aquilo que os outros julgam que queremos, e aquilo que os outros recomendam que devíamos querer. Só vos digo que mais confuso que isto não poderia ser. A Esther Perel, uma psicoterapeuta especialista em terapia de casal – e agora uma quase celebridade, com livros técnicos e palestras a circular na internet – fala sobre como a infidelidade é um potencial catalisador de mudança. Aqui a infidelidade é daquela que não foi negociada, nem discutida, e trouxe de facto, dificuldades à vida do casal. E apesar de, muito provavelmente, ter trazido momentos destruidores à relação, houve uma possibilidade de reinvenção. Depois de muito choro, zanga, raiva e tristeza, depois de se sentir a facada na confiança daquilo que se julgava um relacionamento funcional, poderão vir dias melhores. O que não é fácil, porque há um princípio bastante disseminado de que não se perdoa a infidelidade. E se o fizermos, é porque somos fracos. O mau romance é relativo, tal como a nossa disposição para trabalhar uma relação também é relativa. Se o maior preditor para um relacionamento feliz é na verdade a nossa capacidade de partilha e negociação, devíamos perder mais tempo das nossas vidas a (re)educar-nos nesse sentido. Na forma como queremos o bem do outro e na forma como, ao mesmo tempo, podemos ser capazes de reconhecer as nossas necessidades. Obviamente que se o caro leitor for uma pessoa muito interessada em arranjar um relacionamento extra-conjugal – e achar que isso não perturba a sua vida de casal – e a sua companheira/o não aceitar, não há negociação possível. Afinal, também temos que aprender a reconhecer os nossos limites de influência do outro, e de que forma isso pode ser resolvido. Porque afinal, o mau romance pode vir do simples facto de ainda não termos encontrado a pessoa das nossas vidas.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesImagens interditas do Tribunal II [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] incidente relacionado com as fotografias tiradas por Tang Linlin durante um julgamento em Hong Kong, desencadeou alguma controvérsia após a sua condenação. Algumas pessoas debateram se Tang deveria ou não pagar as custas legais, no valor de 197.000 HKD. Caso não pagasse, como é que os Tribunais de Hong Kong iriam reaver esta quantia? Qual o procedimento? É inegável que houve alguma controvérsia desnecessária à volta deste assunto. Esperamos que tudo possa ser esclarecido o mais rapidamente possível. Os sistemas judiciais de Hong Kong e de Macau são diferentes. Os procedimentos cíveis e criminais também são diferentes. Em Hong Kong quem perde o processo tem de pagar as taxas do seu advogado e as taxas do advogado da parte contrária. Estes valores representam as custas de Tribunal. Em Macau, cada parte arca apenas com as taxas do seu próprio advogado. Embora os sistemas sejam diferentes, existem pontos comuns. Por exemplo, quer a Lei Básica de Hong Kong, quer a Lei Básica de Macau estipulam que o “Chefe de Justiça” é escolhido entre os quadros superiores da magistratura. O Chefe de Justiça de Hong Kong, Geoffrey Ma, promulgou as novas Directrizes das Práticas em Tribunal (Directrizes das Práticas 35), no dia 21 deste mês. A partir do dia 19 de Julho próximo, quem for assistir a um julgamento, num Tribunal Cível ou Criminal, em que esteja presente um júri, está proibido pôr a funcionar qualquer aparelho que possa tirar fotografias, filmar ou gravar. Esta interdição não se aplica às partes envolvidas, nem aos representantes legais, agentes de autoridade ou elementos da comunicação social presentes no local. Independentemente do julgamento estar ou não em curso, as pessoas que assistem estão proibidas de accionar estes aparelhos, que deverão ser colocados em sacos ou nos bolsos. Se a pessoa em questão não tiver um saco ou bolsos adequados, deve colocar o aparelho num recipiente facultado pelos funcionários do Tribunal. Quem vai assistir a um julgamento deverá dar consentimento para ser revistado pelo pessoal autorizado para o efeito, a fim de verificar se os equipamentos estão desligados, ou se contêm fotografias ilegais. A violação a este procedimento poderá ser considerada como crime de “desrespeito ao Tribunal”. A gravação de som está igualmente proibida, ao abrigo da Directriz de Práticas 32. O Tribunal tem ainda o poder de proibir, sempre que necessário, o uso de telemóveis. As pessoas que assistem aos julgamentos poderão usar os seus telemóveis livremente em qualquer zona do Tribunal fora das salas de audiência. A Directriz de Práticas 35 estipula claramente que “o julgamento com júri é uma parte importante da administração de justiça ao abrigo da Lei Comum, constitucionalmente protegida pelo Artigo 86 da Lei Básica. Os jurados devem estar livres de qualquer interferência, directa ou indirecta, pressão ou distracção. Por este motivo, a proibição de fotografar ou gravar os julgamentos assume maior relevância sempre que o júri esteja presente.” O julgamento com a presença de jurados não existe em todos os países. Nos locais onde a Lei Comum não está implementada, não existe júri. O que aqui está em causa não é o facto de os jurados não conduzirem os interrogatórios. O que está em causa é a protecção que o sistema jurídico lhes deverá garantir, de forma a que nunca venham a ser vítimas de qualquer retaliação após os julgamentos. Resumindo. Não é difícil perceber porque é que é proibido fotografar ou filmar os julgamentos. A nova Directriz das Práticas apenas reforça este aspecto e dá mais poderes aos funcionários do Tribunal no sentido da aplicação da lei. Se virá a ser eficaz e impedir completamente as pessoas de filmarem ou fotografarem nas salas de audiências, é uma questão que ainda está para se ver. A julgar pela nova Directriz das Práticas em Tribunal e pela actuação geral da sociedade de Hong Kong, se quisermos erradicar de vez este tipo de comportamentos, deveremos ressalvar dois pontos. Em primeiro lugar, é necessário fortalecer a consciencilização dos funcionários dos tribunais. Deverão ser formados no sentido de compreenderem que é completamente interdito fotografar ou fimar dentro de uma sala de audiência, antes, durante e após o julgamento. Esta formação também se deverá focar nos conteúdos do documento da nova Directriz das Práticas em Tribunal. Em segundo lugar, consciencializar o público em geral para esta situação. Por um lado, a população local deverá ser alertada através de publicidade diária e receber educação nesse sentido. Mas um alerta para visitantes é ainda mais indispensável. Mas será conveniente distribuir panfletos informativos nas entradas e saídas dos Tribunais com esta informação? Não parece ser boa ideia porque, para além de dar muito trabalho, poderia originar muita confusão. Mais vale deixar os panfletos em locais estratégicos e esperar que as pessoas os tirem por iniciativa própria. Para além disso, a colocação do anúncio da proibição de fotografar, filmar ou gravar, em chinês e em inglês, é absolutamente necessária. O anúncio deverá conter símbolos de proibição, para quem não compreende chinês nem inglês. As penalização associadas a estes comportamentos deverão também ser divulgadas no cartaz. Se estas medidas forem implementadas, e o público continuar a fotografar e filmar durante os julgamentos, será necessário partir para acções mais eficazes. Nessa altura poderá considerar-se a distribuição de panfletos nas portas dos Tribunais. A situação ideal é as pessoas serem capazes de ter auto-disciplina, para impedir que estes comportamentos voltem a ocorrer. Quando isso vier a acontecer será uma benção para todos.
João Luz VozesAdepto fanático [dropcap style=’circle’] T [/dropcap] oda a tensão do nervo, dentes que rangem sôfrega antecipação, palpitações e suores que encharcam o corpo. Eu sou a terminação neural, a negação absoluta da racionalidade e da calma. Sou ímpeto, impulso, reacção exacerbada, guerra sem tréguas, aquilo que há de mais primário na natureza humana. Sou fenómeno social, o esplendor das massas, o coro em uníssono, o choro e a explosão de glória. Vivo permanentemente num estado de exaltação, inquietude, depressão e euforia. Não tenho um minuto de descanso nos 90 que me trazem à vida, em total sintonia com o drama que se desenrola em campo. Existo para aquele período, para o momento no espaço e tempo, sou a incansável exigência de suor e sangue, músculo no limite, devoção concreta que corresponda ao meu fervor emocional. Peço inteira entrega física, enquanto me empanturro com fritos, sentado a beber uma caneca de cerveja e a fumar um cigarro. Sou a equipa, a selecção, sou a camisola e as cores que fazem a minha identidade. As vitórias são minhas e as derrotas são deles. O meu ónus é selectivo, sem fúrias, completamente livre de tormentos de consciência. O meu capital é o meu sofrimento, aquilo que entrego durante 90 minutos de apaixonado culto. Sou todos os outros como eu, a unidade que se perde no colectivo monocromático, uma gota num oceano de fanatismo. Existo em mania, em paixão cega, sou o mais exigente e lunático dos amantes que se perdeu em trivialidades. Não amo uma ideia ou princípio, não amo mulheres ou homens. Amo a pertença ao capricho, a algo maior que eu, amo a loucura de nada controlar e de tudo reclamar. Amo viver no fio da navalha, no detalhe de um centímetro da linha de golo, amo profundamente o desvario, a inconstância, a veleidade, a fantasia. Sou a mais pura das violências expressa num colectivo de pessoas. Amo e odeio com força equivalente. Em simultâneo, sou o pleno confronto com o oposto do meu clube, faço-me gente na antítese, na negação dos adversários. Pessoas que são exactamente como eu sou tornam-se alvo a abater se envergarem uma camisola diferente. Podem viver no mesmo bairro que eu, até no mesmo prédio, trabalhar comigo, mas se proferem uma devoção madrasta são inimigos para mim. Sou aspereza e bestialidade, sou filho da selvajaria, sou um ultra-humano, o super-adepto que derrama o sangue pela equipa. O meu mundo é uma batalha campal contra todos os outros. Sou um guerreiro num jogo de trincheiras. Quando que me desloco a outros campos mostro a minha força, o meu orgulho, pela violência. Sou soqueiras e very-lights, sou delinquência suburbana tornada kosher, o resultado do abandono escolar, da guetização social. Só me realizo no grupo, na mentalidade de matilha. Sou um insignificante grão num areal de mediocridade e pequeno delito. Sou o sal da terra, o filho do bairro, o seguidor cego, o homem-médio, pai de família. Ao mesmo tempo sou a cor e os cânticos que enchem os estádios, enquanto os adeptos suaves roem as unhas em silêncio. Sou a serpente que jamais será amestrada e que estará sempre presente na vida do clube. Sou monarca num condado de caos, o meu brasão é uma tocha a arder. O meu reino é a bancada, a caixa policial, as entranhas do estádio, a periferia da vida, a antítese do desporto, a hipérbole da barbárie. Quero gritar golo e incendiar o mundo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA ameaça das armas biológicas [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap]s países estão preparados para a crescente ameaça das bio-armas artificiais? Face aos actuais surtos de Ébola na República Democrática do Congo e do vírus Nipah na Índia, uma ameaça ainda mais assustadora se aproxima. Os pesquisadores recriaram um vírus extinto, semelhante à varíola com o ADN comprado “on-line” por apenas cem mil dólares, em 2017. O seu sucesso aumenta a preocupação de que regimes e terroristas desonestos possam, similarmente, modificar ou projectar patógenos e usá-los como armas. O físico Ashton Baldwin Carte, que serviu como Secretário de Defesa dos Estados Unidos no governo do presidente Barack Obama alertou para o facto de que tal artilharia biológica poderia vir a rivalizar com o poder destrutivo das armas nucleares. Se um agente altamente contagioso fosse solto em uma grande cidade, poderia espalhar-se por toda a parte e matar milhares de pessoas, antes de se descobrir o que estava a acontecer. A capacidade para responder de forma eficaz a essas ameaças exigirá uma mudança de paradigma para abordagens mais rápidas, ágeis e descentralizadas do que as existentes actualmente. A acessibilidade de baixo custo e “faça for si” das tecnologias genómicas, torna possível que tais armas sejam criadas e implantadas por qualquer agressor. Mesmo as pequenas mudanças são suficientes para produzir efeitos perigosos, pois uma única mutação foi necessária para transformar o vírus da Zika de uma infecção relativamente rotineira, em outra que pudesse causar danos cerebrais em recém-nascidos. O facto de que não haveria forma de saber quem desencadeou tal ataque, também reduz potencialmente o limite para o seu uso. Os criminosos podem até projectar e libertar vários patógenos mortais ao mesmo tempo, dificultando a capacidade dos governos de responder e espalhar a confusão. Após o agente patógeno ser lançado, provavelmente existiria um curto período de tempo de apenas algumas semanas para evitar que causasse uma catástrofe global. Tal requer o controlo da transmissão, de modo que cada pessoa infectada contamine em média, menos de uma pessoa, fazendo que a epidemia pare e comece a diminuir. O historial recente contra epidemias que ocorrem naturalmente, no entanto, é preocupante e fazer mais do que se está a fazer com os meios disponíveis, não será suficiente para impedir que agentes com planos projectados se espalhem e matem mais rapidamente. Os actuais esforços de resposta dependem do desenvolvimento de vacinas, sistemas terapêuticos e de saúde que centralizem a capacidade de diagnóstico, isolamento e tratamento em hospitais. As vacinas e terapias, no entanto, levam anos para se desenvolverem e alguns patógenos, como o HIV e a malária, desenvolvem formas de iludir a imunidade ou abrigar resistências que dificultam a sua erradicação, mesmo quando o tempo e os recursos não são limitados. Vivemos em uma era de biologia sintética, armas biológicas codificadas com tais características evasivas, que podem ser criadas mais rapidamente do que vacinas e terapias para combatê-las. As inovações, como plataformas de vacinas sintéticas e anticorpos monoclonais, poderiam permitir uma implantação mais rápida, mas mesmo no melhor dos casos levaria meses, o que seria demasiado tempo para possibilitar contágios que duplicam em algumas semanas, e são difíceis de controlar quando estão disseminados. Sem vacinas e terapias, é usado o rastreamento de contacto para despistar e isolar pessoas infectadas, para evitar que exponham outras pessoas e fornecer-lhes cuidados de suporte, como fluidos intravenosos, para aumentar as suas possibilidades de sobrevivência, mas essa capacidade está concentrada em hospitais, que, mesmo em países de alto rendimento, podem rapidamente ser sobrecarregados e também potencialmente, promover a transmissão entre pessoas que neles se aglomeram. Os Estados Unidos têm apenas cerca de cinco mil e quinhentos hospitais, com um total combinado de aproximadamente novecentas mil camas, o suficiente para albergar menos de 0,3 por cento da população. A dar-se um contágio de rápida dispersão poderia preencher essas camas em poucos dias com pacientes infectados, assim como, outras pessoas que temem ter sido expostas e não é necessário ir muito além da época de gripe deste ano, quando até mesmo os Estados Unidos e o Reino Unido enfrentaram escassez de camas hospitalares, profissionais de saúde e bens essenciais, como fluidos intravenosos. Assim, e de igual forma, a capacidade de testes de laboratório foi superada durante a crise do vírus da Zika, quando, mesmo na Florida, muitas mulheres grávidas não puderam fazer o teste. É de prever que em caso de ataques com armas biológicas, pacientes contagiantes que entram em instalações de saúde ou laboratórios comerciais para testes, sobrecarregam essa capacidade e expõem outros que correm para os mesmos locais durante o processo. Tais lacunas não podem ser corrigidas simplesmente com a construção de mais hospitais e laboratórios, que permanecerão sem uso até que haja uma emergência. São necessárias abordagens mais ágeis e descentralizadas, apoiadas por novas tecnologias, que aproximem as funções de diagnóstico e tratamento das pessoas que vivem com menos necessidade de pessoal especializado e infra-estruturas que não podem ser dimensionadas. É de entender que este tipo de abordagem permitiria que os pacientes fossem diagnosticados em casa, na escola, no escritório ou na comunidade e ficassem isolados antes de infectar outras pessoas. As várias plataformas de tecnologia actuais e emergentes (por exemplo, o sistema “Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats [CRISPR na sigla inglesa], ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas)”, nanotecnologia, nanoporos e imunoensaios) poderiam melhorar essa capacidade. As plataformas visam detectar qualquer patógeno, incluindo micróbios de engenharia, com precisão a partir de pequenas amostras de sangue e urina, que não requerem técnicos qualificados para recolher ou processar. Os diagnósticos podem evoluir ao ponto de poderem ser usados em “telefones inteligentes (smartphone na palavra inglesa)” ou “computadores portáteis (laptops ou notebooks nas palavras inglesas)”, que permitirão que os pacientes façam a sua varridela e, como detectores de fumaça, monitorizem continuamente o ambiente na procura de ameaças. Além dos diagnósticos, também são necessárias formas mais eficientes de isolamento e capacidade de tratamento. Os hospitais de campanha rapidamente implantáveis, como os usados em zonas de guerra, podem ser rapidamente colocados e, quando a transmissão é amplamente disseminada, as pessoas também podem ficar isoladas nas suas casas. As abordagens de autoteste poderiam ser combinadas com consultas de telemedicina usando tecnologias do tipo “Skype” ou “FaceTime” para avaliar pacientes e serviços semelhantes aos da “Amazon” para medicamentos e tratamentos ao domicilio. As equipas médicas móveis poderiam ser enviadas para visitar pacientes que necessitassem de mais cuidados práticos nas suas casas, enquanto as preciosas camas hospitalares e o risco de transportar pacientes contagiosos poderiam ser reservados para aqueles que realmente necessitam de cuidados intensivos. Assim, essas abordagens ou estratégias e as ferramentas necessárias para a sua implementação devem ser desenvolvidas e preparadas, bem como os avanços tecnológicos que nos levaram ao precipício de uma fusão entre duas das maiores ameaças da humanidade, a doença e a guerra, novos pensamentos e inovações podem ajudar a estarmos preparados para responder de forma eficaz, dado essas ameaças se tornarem uma realidade cada vez mais palpável. Se recuarmos na história deparamos que os verdadeiros inventores da guerra química e biológica foram caçadores que, usavam a fumaça produzida por ramos verdes e relva molhada, e forçavam os animais selvagens a deixar as suas cavernas, sendo também adoptado em ataques contra outros seres humanos. Tendo como fim tornar esses fumos mais eficientes, acrescentavam substâncias diferentes nos incêndios, como resinas vegetais, e gorduras animais e lembremos que é considerada como arma bacteriológica qualquer patógeno (bactéria, vírus ou outro organismo causador de doenças) que é usado como arma de guerra. É o uso de produtos tóxicos não vivos, mesmo que sejam produzidos por organismos vivos (por exemplo, toxinas). A arma biológica pode ser projectada para matar, desactivar ou impedir indivíduos, cidades ou países. A guerra biológica é uma técnica militar que pode ser usada por países ou grupos de pessoas. Se um país a utiliza clandestinamente, também pode ser considerado como bioterrorismo. Os textos de uma antiga seita maçónica falavam que no século V a.C., existiam foles onde era introduzida uma fumaça tóxica feita de sementes de mostarda e outras espécies de plantas. Essa fumaça era introduzida nos túneis que os atacantes cavaram durante os cercos (situações de guerra em que uma área é cercada pelo inimigo, que tenta capturá-lo). Alguns manuscritos chineses ainda mais antigos contêm catálogos com dezenas de receitas para produzir fumaça tóxica, bem como registos desses gases em situações de guerra. Entre estes, por exemplo, fala-se dos “espíritos das armadilhas de névoa” (fumaça com arsénico), ou o cálcio pulverizado, que séculos depois foi usado em 178 d.C. para apaziguar uma revolta camponesa. O ser humano, desde a antiguidade, usou fumaça, gases, vapores, névoas artificiais para irritar o inimigo. O primeiro dano verdadeiro ao trato respiratório ocorreu quando o óxido sulfúrico começou a ser usado, e que foi obtido pela simples combustão de pó de enxofre ao ar livre. A prioridade no uso de gases venenosos recentemente foi reivindicada pelos chineses, que afirmam que no século II a.C. causou a cegueira dos seus inimigos soprando nuvens de pó de pimenta. Os primeiros exemplos historicamente comprovados do uso de substâncias irrespiráveis remontam à Guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas em 431 a.C., O historiador Arriano, cronista de Alexandre, o Grande, diz -nos que em 332 a.C. na cidade fenícia de Tiro, os sitiados repetidamente recorreram ao uso de enxofre para defender os muros da cidade. A história romana é frequente na menção de guerras travadas com o auxílio de substâncias produtoras de fumaça irritante. O filósofo romano de etnia grega, Plutarco, conta que durante a campanha de Espanha contra a província de Guadalajara, no ano 81 a.C. o cônsul romano ordenou a preparação de uma corda contendo uma mistura de terra muito fina, cal viva e enxofre. Foi movida por cavalos a galope, de modo que a nuvem tóxica carregada pelo vento tornou os inimigos cegos a renderem-se. Os livros escritos por Frontinus, por volta do ano 90 do calendário juliano, fala em acções, como a introdução de nuvens de abelhas nos túneis, arremessar aos navios inimigos recipientes cheios com cobras venenosas, deixar animais famintos livres contra os sitiados e atirar partes de animais em decomposição pelas paredes. As bactérias são organismos minúsculos que vivem livremente e se reproduzem por divisão simples e são fáceis de crescer. Os vírus são organismos que requerem células vivas para se reproduzir e são intimamente dependentes do corpo que infectam. As toxinas são substâncias venenosas que são encontradas e extraídas de plantas, animais ou microrganismos vivos. Algumas toxinas podem ser produzidas ou alteradas por meios químicos. As “Rickettsias” são as bactérias que produzem a chamada riquetsiose, normalmente vivem em carrapatos, ácaros, pulgas e piolhos que pode ser transmitida aos seres humanos por picadas destes agentes sugadores de sangue, e geralmente vivem dentro das células que revestem os pequenos vasos sanguíneos, fazendo com que fiquem inflamadas ou entupidas. A forma de fazer a guerra tem estado a mudar rapidamente da área cibernética para a biotecnologia. Não existem certezas de que situações realizadas de forma autónoma irão competir com o poder destrutivo físico das armas nucleares. A autonomia é um conceito complicado e é preciso não esquecer de que, quando se trata de usar a força para proteger a civilização, um dos princípios deve ser o envolvimento dos seres humanos na tomada de decisões críticas. É um princípio importante, consistente com a plena exploração desse potencial e que terá um grande efeito na guerra. Mas é muito difícil comparar qualquer situação com armas nucleares por causa do incrível poder destrutivo físico, pois completaram-se setenta anos e nada se ajustou. É de esperar que algo vai rivalizar com as armas nucleares em termos de pura destreza da sua capacidade de destruição, sendo o mais provável que venha da biotecnologia do que qualquer outra tecnologia. Olhando décadas atrás, realizamos que a revelação biológica poderia rivalizar com a revolução atómica dado o efeito do seu potencial. Os países começaram a investir secretamente nesses programas e tem sido utilizado em conflitos e desde logo na Síria (apesar de ter sido usado desde a antiguidade e mais recentemente pelo regime nazi, exércitos alemão, egípcio, soviético, espanhol, japonês, italiano, americano e a seita japonesa “Verdade Suprema”), podendo cair nas mãos de grupos religiosos radicais como o Estado Islâmico ou outros grupos terroristas. A biotecnologia não tem sido uma área tradicional para a defesa e as novas pontes que constroem não devem ser apenas para a comunidade de “Tecnologia da Informação (IT na sigla inglesa)”, mas também para as comunidades de biotecnologia.
Leocardo VozesAngeles [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] pouco mais de uma hora de avião de Macau fica o aeroporto de Clark, uma base militar norte-americana desactivada, a 80 km norte de Manila, na província de Pampanga. Uma curta viagem de dez minutos de carro leva-nos até Angeles City, uma cidade com pouco mais de 400 mil habitantes, que aproveitei para visitar durante o último fim-de-semana prolongado, do feriado do Barco Dragão. A viagem faz-se num salto – é mesmo, o avião levanta, fica meia hora no ar, e começa a sua descida até ao arquipélago das Filipinas. A única semelhança que encontrei entre Angeles e Macau foi o clima; calor, com temperaturas acima dos 30 graus, muita humidade, e aguaceiros imprevisíveis, e por vezes fortes. O resto é o mundo completamente à parte daquele a que estamos aqui habituados. Pode-se falar em duas cidades, quando se fala de Angeles. Uma parte como qualquer outra cidade moderna e de pendor urbano nas Filipinas, com comércio, serviços, centros comerciais e um povo que, como sabemos muito bem, vai fazendo pela vida com o pouco que tem. A outra parte é, para descrevê-la primeiro em poucas palavras, uma autêntica “Sodoma do Oriente”. É nessa parte que se encontram mais expatriados; alemães, americanos, australianos e outros “diabos brancos”, que ora procuram o local para diversão, ora o escolhem para passar a velhice. Sai mais barato que Miami ou Palma Mallorca, com toda a certeza. Por apenas uma nota de mil pesos (150 patacas), é possível comprar um momento de prazer. Obviamente que não faltavam os travestis (uma presença assaz constante), e até foi possível presenciar alguma prostituição infantil. Em Angeles consegue-se encontrar de tudo, 24 horas por dia. Quem marca também uma presença forte em Angeles são os coreanos. Na avenida principal da área dos bares, a Walking Street, é possível encontrar resaurantes e cafés coreanos. Entrei num desses cafés com a esperança de comer um “halo-halo”, um tipo de sobremesa feita com gelado de inhame, e disseram-me que “só têm halo-halo coreano”. Seja lá o que isso for. A quantidade considerável de coreanos nesta área fez com que estes se misturassem com as mulheres locais, dando origem a um cruzamento a que chamam de “kopinos” ou “korinoy”. Calculam-se que hoje existam mais de 20 mil destes mestiços, com predominância na zona de Quezon City, em Metro Manila. Vi muitos coreanos, e nenhuma coreana. O mesmo pode-se dizer em relação aos outros estrangeiros. A cidade dos anjos não é para o sexo dito fraco. É preciso ter um estômago forte, e de preferência deixar a moral em casa, quando se vai visitar Angeles City, através do aeroporto de Clark. Visito as Filipinas uma vez por ano, e encanta-me sempre o ar, a vida, a comida, a alegria daquele povo tão sofredor. São sempre momentos bem passados, a um preço convidativo. Depois é só procurar o nosso lugar, entre o imenso território que compreende milhares de ilhas, e onde habitam mais de 100 milhões de almas. Angeles é apenas o lado de fora.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesGalgos à procura de casa [dropcap style=’circle’] O [/dropcap] Macau Yat Yuen Canidrome Co. Ltd (MYYC) vai ter de encerrar antes do próximo dia 21 de Julho. A empresa propôs dois planos de acção para realojar os mais de 600 galgos de competição que habitam o recinto. No entanto, vai ser necessário mais de um ano até se encontrar uma solução definitiva. O Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais considera a situação inaceitável. O MYYC afirmou, no passado dia 13, que não era fácil encontrar famílias dispostas a adoptar mais de 600 galgos e que, até ao momento, nunca se fez nada de semelhante. O MYYC pediu inicialmente ao Governo o prazo de mais um ano para permanecer no local, tendo posteriormente reduzido o pedido para um adiamento de três meses. A intenção não era reverter a decisão de encerramento, mas apenas proteger os animais e os funcionários do recinto. Referiram mesmo que, se pudessem ter dois anos para realojar todos os animais, ainda seria pouco. O MYYC salientou que durante as últimas semanas, tinham sido distribuídos mais de 1.000 formulários de adopção por associações e institutos de protecção dos animais de toda a cidade de Macau e que, até agora, só um tinha sido preenchido. Futuramente, está prevista a criação de um local para alojamento definitivo destes animais, nas zonas turísticas em desenvolvimento da periferia de Mcau. O galgo é usado para a caça e para corridas de competição. É um dos mamíferos mais velozes do planeta. Vem em segundo lugar, logo a seguir à chita. Tem membros fortes, peitorais profundos e um corpo muito esguio, o que lhe permite atingir uma velocidade até 72 km/h. Um galgo macho atinge normalmente entre os 71 e os 76 cm de altura e pesa em média entre os 29 e os 36 kg. As fêmeas rondam os 68-71 cm de altura e pesam entre os 27 e os 31 kg. O pêlo dos galgos é muito curto e de fácil manutenção. Há 30 variantes de pelagem conhecidas. Existem animais de diversas cores, de pelagem lisa ou malhada . Embora os galgos sejam muito velozes, não são cães muito activos. São corredores de velocidade. Adoram correr, mas não precisam de muito exercício fora da pista. Na sua maioria são animais calmos e elegantes. Todas estas características fazem do galgo um óptimo animal de estimação. Dão-se muito bem com crianças, com outros cãos, e mesmo com outros animais. São cães muito fiéis e fáceis de ensinar. São também bastante inteligentes. Como não são peludos é improvável que possam provocar alergias. A maior parte dos galgos são adoptados depois de abandonarem a competição. Os galgos devem ser sempre passeados pela trela, porque o seu instinto de caçadores lhes dá um enorme desejo de perseguir objectos. Os galgos podem viver na cidade, mas precisam de exercício regular. Adoram andar e correr ao ar livre. Um passeio diário entre 20 a 30 minutos, faz a felicidade de qualquer um deles. Como até à data apenas um destes animais foi adoptado, a angústia sobre o destino de todos os outros, após o encerramento do MYYC, permanece. Talvez fosse boa ideia estabelecer contacto com algumas sociedades protectoras de animais no estrangeiro, para promover a adopção destes animais noutras paragens. Mas, seja como for, os galgos ainda estão vivos. Acredito que ninguém queira que as suas vidas corram perigo depois do encerramento do recinto. Espero que esta situação se resolva o mais rápido possível. Que todos os galgos possam ser adoptados e que encontrem um lar onde possam ser felizes.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesMais uma farsa [dropcap style=’circle’] U [/dropcap] m comunicado de imprensa do Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes pôs um ponto final na “nada-morta” consulta pública sobre a alteração da “Lei do Trânsito Rodoviário”. Se esta decisão do Governo da RAEM foi tomada na sequência de algum bom conselho, no sentido de evitar aborrecimentos, ou se foi fruto de um recuo perante as dificuldades do projecto, é uma questão que deixou de ter importância. Que eu tenha tido conhecimento, esta é a terceira vez em que o Governo volta com a palavra atrás. Sempre que o Executivo se contradiz, mina a sua credibilidade e desperdiça o esforço dos funcionários de primeira linha que dão o seu melhor em prol dos projectos governamentais. E como este executivo só estará mais 18 meses em funções, parece-me que o tempo se está a esgotar para mostrar a sua capacidade de governação. O Governo Central vai ficar agradado se a transição para o futuro Executivo se fizer pacificamente. Lembro-me que no início de 2011, o Chefe do Executivo promulgou um Regulamento Administrativo a fim de cancelar os lugares reservados da Auto-Silo da Nam Van (Pak Wu), a bem do interesse público. Mas, a seguir à promulgação, os detentores dos lugares reservados oposeram-se ao seu cancelamento e aliaram-se a pessoas influentes para manifestar o seu descontentamento. Em resultado dessa acção, o Chefe do Executivo promulgou outro Regulamento Administrativo que revogava o anterior. Até agora, a questão sobre o cancelamento dos lugares reservados permanece em aberto. Nessa altura, o chefe da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, Wong Wan, que defendia um maior acesso do público aos lugares de estacionamento, pediu para ser deslocado das suas funções, porque percebeu que se estava a esforçar em vão. Outra reviravolta abrupta nas políticas do Governo aconteceu aquando da controvérsia sobre a passagem do Metro Ligeiro através dos arruamentos da Zona Nova de Aterros do Porto Exterior (NAPE). Inicialmente, o Executivo insistia que fazer passar as linhas através das ruas da NAPE era seguro e a única solução possível. As equipas do Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes realizaram inúmeras reuniões com residentes da zona. Embora fossem alvo das críticas do público, estes funcionários continuaram a defender as políticas governamentais a este respeito. Nessa ocasião, fui convidado para uma destas reuniões. Mereceram-me toda a admiração estes funcionários dedicados, que enfrentaram corajosamente os residentes, apesar da falta de apoios. Mas, finalmente, o Governo acabou por afirmar que as linhas passariam ao longo da periferia da NAPE, e não dentro da zona, pondo desta forma um ponto final na controvérsia. A inconsistência das políticas orientadoras tornou imprevisível o inicio do funcionamento do Metro Ligeiro na Península de Macau. No que respeita à morte prematura da revisão da “Lei do Trânsito Rodoviário”, a culpa deve ser atribuída à forma como as autoridades competentes lidaram com o assunto. Como se podia ler no comunicado de imprensa do Governo, já que a “Lei do Trânsito Rodoviário” foi promulgada há mais de 10 anos, as suas cláusulas precisam de ser alteradas de acordo com as modificações no contexto social, especialmente no que diz respeito à “condução sob influência do álcool”, “condução sob influência de substâncias psicotrópicas” e ao “sistema de dedução de pontos”. A comunidade já chegou a um consenso sobre estas matérias e as emendas à “Lei do Trânsito Rodoviário” já estão na agenda. No que respeita ao aumento das multas, medida que irá afectar inúmeros condutores, as autoridades precisam de proceder de forma cautelosa. O Conselho Consultivo do Trânsito foi empossado da responsabilidade de assessorar o Governo na formulação das políticas globais para os transportes terrestres, melhoramento das vias, gestão de veículos, e optimização das estradas e das infra-estruturas pedestres. Então porque é que as autoridades responsáveis não auscultaram de antemão a opinião do Conselho para poderem propor um aumento de multas mais razoável e mais realista? Se o Governo respeitasse este corpo consultivo, os vogais do Conselho não teriam criticado publicamente o aumento das multas, o que criou uma situação extraordinária. Confúcio afirmou que os governos devem ser credíveis e que têm de conquistar a confiança do povo. Caso contrário, caminham para o seu próprio declínio. Quando as políticas promulgadas pelos líderes podem ser alteradas de forma arbitrária e inconsistente, abrem-se as portas ao populismo. A cena política torna-se palco de negociatas obscuras e o povo sofre as consequências. Existe também um ditado chinês que alerta as pessoas para terem sempre muito cuidado em tudo o que fazem, perfeitamente aplicável ao actual Governo, mesmo estando apenas a ano e meio de terminar as suas funções. É preciso muita cautela para evitar que pessoas mal intencionadas engendrem mais alguma farsa.
Hoje Macau VozesDireito de resposta Exmo. Sr. Director do jornal Hoje Macau, Ao abrigo do Artigo 20.º da Lei de Imprensa, referente ao exercício do direito de resposta, solicitamos a publicação do seguinte: [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]pós cuidadosa ponderação, entendemos ser necessário vir a público desmentir afirmações proferidas pela Dra. Goreti Lima a esse jornal, em entrevista publicada a 8 de Junho do corrente, por não corresponderem à verdade e serem altamente lesivas do bom nome e reputação do Jardim de Infância D. José da Costa Nunes (doravante “Jardim”) e da APIM, bem como do bom nome e profissionalismo de todo o pessoal docente e discente deste estabelecimento de ensino. Em causa estão declarações em que a Dra. Goreti Lima, à data funcionária desta instituição, questiona a capacidade do Jardim e da instituição que o tutela em providenciar o devido apoio aos alunos, nomeadamente aos alunos inclusivos. Tendo a Dra. Goreti Lima desempenhado funções numa área sensível como é a do aconselhamento a esses alunos, as suas declarações na comunicação social – atitude que, destaque-se, já tinha tido neste jornal em artigo publicado a 11 de Maio –, além de graves, tiveram e têm necessariamente um impacto muito negativo na credibilidade do Jardim, com repercussões inimagináveis para a segurança que os pais depositam neste estabelecimento. Acresce ainda que pôs em causa o bem-estar das crianças e minou, de forma clara, o esforço que o corpo docente, a sua equipa de apoio e a APIM estão a fazer para garantir a confiança de todos no Jardim. Antes de mais, urge esclarecer: A Dra. Goreti Lima está registada junto da DSF como “assalariada” da APIM desde 22 de Janeiro de 2015, com quem foi celebrando contratos de trabalho desde então. O seu vencimento provém integralmente da CAPPEE, a quem a APIM solicitou o respectivo apoio para o aconselhamento, tendo em conta a existência de alunos inclusivos. Por conseguinte, a Dra. Goreti Lima está vinculada à APIM, a quem contratualmente se subordina no exercício das suas funções, não obstante o regime de suspensão em que se encontra. Vinculada também está ao princípio da confidencialidade e às regras quanto às declarações públicas que constam do Código Deontológico dos Psicólogos Portugueses. Ainda que em Macau não exista ordem profissional dos psicólogos locais, a Dra. Goreti Lima está inscrita na Ordem dos Psicólogos Portugueses, com domicílio profissional em Macau, sendo por isso conhecedora das directrizes éticas e deontológicas a que a sua profissão obriga, claramente violadas desde logo pelo simples facto de se ter pronunciado sobre uma ocorrência em que é parte. Tais circunstâncias devem ser tidas em conta, na análise das suas intervenções na comunicação social. Vejamos alguns dos pontos que merecem a nossa atenção, pela gravidade das suas declarações. Reunião com o presidente da APIM em Outubro de 2017 A Dra. Goreti Lima fez referência a uma reunião mantida com o presidente da APIM, em que participou na qualidade de funcionária desta instituição. Como profissional, sabe que, tanto do ponto de vista deontológico, como por via das mais elementares regras do Direito do Trabalho, não deve revelar publicamente o conteúdo de reuniões mantidas com a sua entidade patronal. Em todo o caso, a Dra. Goreti Lima não se lembra de que nessa reunião – mantida a 11 de Outubro – estiveram todas as docentes e as conselheiras, entre elas a própria Dra. Goreti Lima. Não foi apenas com o presidente, mas com toda a Comissão Directora da APIM. Em discussão não estiveram apenas questões específicas do “seu” departamento, mas a situação resultante da nova reestruturação do pessoal, tendo em vista a eventual entrada do Jardim na rede pública de ensino gratuito e as adaptações que terão de ser feitas. Envolvimento da APIM no Jardim de Infância Sempre que foi solicitado, quer a nova Comissão Directora da APIM, quer o seu presidente desde 2016, se prontificou a reunir-se com o corpo docente, agentes de ensino, pessoal auxiliar e Associação de Pais. Nunca, em tão curto espaço de tempo, a APIM se reuniu tantas vezes com o pessoal do Jardim. Dentro dos limites do possível, dentro das condições em que se encontrava o Jardim, foram atendidas as pretensões do pessoal. Também dentro dos limites orçamentais, tivemos o cuidado de melhorar o nível salarial de todos. Reestruturámos a secretaria do Jardim, conferindo-lhe maior funcionalidade e rentabilidade. A Dra. Goreti Lima não tem qualquer fundamento para concluir, de forma gratuita e injustamente, pelo alheamento da APIM relativamente ao Jardim. “Falta” de apoios e Formação O departamento de aconselhamento na qual a Dra. Goreti Lima exerceu funções é integralmente subsidiado com fundos públicos. Existindo necessidade de formação como forma de garantir as condições adequadas para os alunos inclusivos, a APIM, solicitando verbas para o efeito, aceitou sempre que fosse a Dra. Goreti Lima – não tendo obrigação de o fazer – a deslocar-se aos EUA, Inglaterra, Singapura ou Austrália, com o objectivo de que, sendo responsável pelo “seu” departamento, pudesse no regresso partilhar essa formação no estrangeiro com as suas colegas. Apurou-se que tal não aconteceu, como era devido, apesar de toda a confiança que nela a APIM depositara. Por conseguinte, é grave acusar a actual direcção da APIM de ter “desinvestido” na formação do pessoal. A título de exemplo, refira-se que a APIM está efectivamente a apoiar quatro funcionárias do Jardim, duas no curso de pós-graduação na área de educação (PGDI), uma a terminar o cursso de mestrado e a última um curso na área de educação ministrado pela Universidade Aberta. E assim fará em relação a todas as acções de formação que vierem a beneficiar o Jardim. Demonstrativo assim de que a APIM, sobretudo a sua nova direcção, bem investe na formação dos seus quadros. Alunos inclusivos (e do ensino especial) Neste momento, existem 13 alunos com necessidades educativas especiais e não 11, como afirma a Dra. Goreti Lima em óbvio desconhecimento. Destes 13, três são de ensino especial. A Dra. Goreti Lima, responsável pelo departamento de aconselhamento, sabe das razões por que o Jardim (e a APIM) não quis fechar as portas a crianças que se encontram nessa difícil condição, sabe do hercúleo esforço do Jardim para gerir a situação, e sabe como foi difícil o processo para a implementação do ensino especial. Em vez de realçar o espírito de solidariedade que norteou a decisão da admissão de crianças com necessidade de ensino especial, a Dra. Goreti Lima preferiu abordar a questão alegando irresponsabilidade do Jardim e da APIM no acolhimento dessas crianças. A Dra. Goreti Lima não submeteu, em circunstância alguma, uma proposta concreta de formação à apreciação da APIM, com vista à colmatar as lacunas que refere, sendo totalmente falso que “por várias vezes” fora a APIM solicitada para o efeito. É de realçar que, ao contrário do que insinua a Dra. Goreti Lima, jamais esteve em causa o acompanhamento deste grupo de crianças. Após os acontecimentos de Maio último, os pais foram de imediato informados sobre as soluções encontradas pelo Jardim; e o apoio extraordinário e subsequente dado pela DSEJ, ao enviar duas conselheiras ao estabelecimento de ensino, resulta de uma solicitação da APIM. Neste momento já se encontra reconstituído o departamento de aconselhamento, e completamente superada a lacuna deixada pela suspensão da Dra. Goreti Lima. De realçar ainda que, ao contrário da grande maioria das escolas em Macau, o Jardim é uma escola inclusiva, que não fecha as portas a crianças com necessidades especiais. O aumento do número de crianças com necessidade de apoio específico deve-se precisamente ao facto de o Jardim acreditar na inclusão – e ser incapaz de deixar de fora uma criança que precise de apoio, por mais que tal implique trabalho adicional para os corpos docente e discente. É lamentável que uma das poucas escolas inclusivas de Macau veja o seu trabalho ser colocado em causa devido a afirmações de uma profissional desconhecedora das mais elementares regras da ética e da deontologia, às quais está, sublinhe-se novamente, obrigada. Reunião geral de pais Após os acontecimentos de Maio passado, a APIM realizou duas reuniões distintas: uma a 9 de Maio com os pais da turma em causa; e a 11 de Maio uma reunião geral com todos os pais da escola. A este jornal, afirma a Dra. Goreti Lima que: “Acho que quem esteve presente na reunião geral de pais percebeu que eles não estavam minimamente preparados para responder às questões que os pais tinham”. A Dra. Goreti Lima participou em ambos os encontros como funcionária da APIM, não sendo da sua competência tecer avaliações públicas sobre a capacidade de resposta da sua entidade patronal. Em ambas as reuniões, a APIM demonstrou a sua boa-fé e abertura para acolher as opiniões dos pais e encarregados de educação, tendo feito o melhor que pôde para corresponder às solicitações do pais. Não pôde, porém, pronunciar-se sobre matéria abordada por iniciativa própria e a título pessoal pela Dra. Goreti Lima neste jornal, em declarações feitas à total revelia, quer da Direcção do Jardim, quer da APIM. As declarações, publicadas no dia em que se realizou a reunião geral de pais, foram fortemente repudiadas por encarregados de educação durante o encontro, facto que convenientemente omitiu na entrevista posteriormente dada a este jornal. Não era minimamente exigível que a APIM se “preparasse” para se pronunciar nessa matéria. É de referir que, nessa reunião, a Dra. Goreti Lima pediu desculpa por ter falado para o jornal, alegando que não imaginava que tal acto colocasse em causa a imagem e bom nome do Jardim. Agora, alertada que foi inclusivamente pelos próprios pais de alunos do Jardim, consciente do impacto nefasto que as suas declarações podem ter sobre a credibilidade do mesmo, repete a façanha repisando na ferida que já causara. É grave. Sobre a actuação da Dra. Goreti Lima na ocorrência em questão, e apesar das acusações públicas que fez ao Jardim, a APIM não se pronuncia nesta sede, uma vez que se trata de matéria sob investigação. Muito mais poderia ser dito sobre as declarações e atitudes da Dra. Goreti Lima nesta clara campanha contra o bom nome de uma escola que, como é do conhecimento público, atravessa um período sensível após uma infeliz ocorrência, a ser investigada pelas entidades competentes. Feito o presente esclarecimento, tendo em conta a gravíssima actuação da Dra. Goreti Lima, sobretudo com as últimas declarações a este jornal, a APIM reserva-se o direito de desencadear os devidos procedimentos legais e de participar o ocorrido à Ordem dos Psicólogos Portugueses, de que a visada é membro efectivo, para a apreciação da sua conduta ético-profissional no âmbito do trabalho prestado no Jardim de Infância D. José da Costa Nunes. Pela Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM) Miguel Senna Fernandes, Presidente
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA guerra comercial da administração Trump [dropcap style=’circle’] A [/dropcap] política comercial dos Estados Unidos está a confundir os mercados. O mercado de acções americano, a 22 de Março de 2018, caiu 700 pontos, pois as bolsas sentiram-se fortemente, pressionadas pelas preocupações de uma potencial guerra comercial e um declínio nas acções de tecnologia. O mercado mais amplo, também foi pressionado por um declínio nos “stocks” dos bancos. A média industrial do Dow Jones caiu 724,42. A queda de 2,9 por cento foi a pior desde 8 de Fevereiro de 2018. O índice de trinta acções também entrou brevemente no território de correcção, pela primeira vez desde essa data, caindo 10 por cento, desde a sua contínua alta durante cinquenta e duas semanas. O S&P 500 caiu 2,5 por cento, com sete dos onze sectores, incluindo tecnologia e finanças, a desmoronarem mais de 2 por cento. O sector financeiro foi o de pior desempenho no índice, caindo 3,7 por cento. O composto Nasdaq recuou 2,3 por cento. A venda intensificou-se no encerramento, com o Dow Jones a perder mais de 250 pontos no final da sessão. A Administração Trump tinha divulgado tarifas destinadas a punir a China por roubo de propriedade intelectual, impondo cerca de sessenta mil milhões de dólares em encargos retaliatórios. As acções começaram a estar sob pressão à medida que a Administração Trump promovia uma agenda comercial proteccionista e, no início de Março de 2018, teve um pico de receio, com o anúncio da implementação de tarifas sobre as importações de aço e alumínio, levantando preocupações sobre uma potencial guerra comercial. Investidores nervosos O proteccionismo do presidente Trump está a deixar cada vez mais nervosos os investidores e a última crise de nervos deu-se na Cimeira do G7, no Canadá, entre os dias 9 e 10 de Junho de 2018, quando Estados Unidos e os demais parceiros do grupo das nações mais industrializadas do mundo, submergiram em uma crise comercial e diplomática, marcada por uma troca de críticas incisivas, depois de o presidente americano, ter retirado o seu apoio à declaração conjunta, após a reunião. A experiência do passado indica que essas políticas são falidas e mesmo as barreiras moderadas ao comércio podem prejudicar as complexas cadeias de fornecimento globais. As acções da Boeing caíram 5,2 por cento, enquanto as da Caterpillar e da 3M caíram 5,7 por cento e 4,7 por cento, respectivamente. O rendimento dos títulos de Tesouro dos Estados Unidos com vencimento a dez anos registou a sua maior queda em apenas um dia, desde Setembro de 2017, com os investidores a subirem os preços dos títulos, enquanto os futuros de ouro subiram 0,5 por cento. Os títulos do Tesouros e ouro são vistos como activos mais seguros do que acções. As acções dos bancos caíram conjuntamente com os rendimentos do Tesouro. O “exchange-traded fund (ETF)”, que é um fundo de investimento negociado na Bolsa de Valores como se fosse uma acção, os fundos “SPDR (conhecidos por spiders)” são uma família de fundos negociados em bolsa (ETFs), e negociados nos Estados Unidos, Europa e Ásia-Pacífico e administrados pela “State Street Global Advisors (SSGA)” e o “S&P Bank” (KBE que é um puro investimento em empresas de capital aberto que operam como bancos ou fundos. Esses bancos operam como bancos comerciais ou bancos de investimento) caiu 3,7 por cento, enquanto o Citigroup, JP Morgan Chase e Bank of America fecharam em baixa. O “Índice de Volatilidade Cboe (VIX)”, amplamente considerado o melhor indicador de medo no mercado, subiu acima de vinte e dois, podendo ser observada a maior pressão sobre as acções se a emissão comercial crescer. A questão é de saber qual a razão para tais acontecimentos? Todos sob pressão A resposta principal é de que a política americana prejudica a economia global. As perdas na tecnologia também ajudaram as acções a cair. As acções de tecnologia têm estado sob pressão, ultimamente, face ao forte declínio das acções do Facebook, devido ao facto da empresa de pesquisa de dados “Cambridge Analytica” ter colectado dados de cinquenta milhões de perfis no Facebook, sem a permissão dos seus utilizadores. As acções do Facebook ainda não saíram da pressão a que têm estado submetidas, tendo caído 8,5 por cento até 21 Março de 2018 e no dia seguinte, caíram mais 2,7 por cento. O vice-director executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, quebrou o silêncio sobre a notícia, tendo afirmado à CNN que tinha sido uma grande quebra de confiança, e que lamentava o acontecido. A notícia aumentou a preocupação de que os legisladores dos Estados Unidos poderiam elaborar legislação sobre o uso de dados para o Facebook e outras grandes empresas de tecnologia. A marca Google, que se prevê valer cerca de cem mil milhões de dólares, mais que o valor da Microsoft, Apple ou Coca-Cola, ou seja, é considerado o nome mais valioso do mundo, caiu 3,6 por cento e mergulhou no terreno de correcção. As empresas de tecnologia também estão entre as empresas que poderiam estar na mira de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Os investidores também digeriram a mais recente decisão de política monetária da Reserva Federal, que tal como era previsto pelos mercados, elevou as taxas de juros em 25 pontos-base e melhorou a sua perspectiva económica, afirmando que a actividade económica e os aumentos de emprego foram fortes nos últimos meses. O mercado espera que o banco central aumente três vezes em 2018, enquanto a Reserva Federal, anunciou que estava a ampliar a sua previsão de aumento de taxa para 2019. As acções fecharam em baixa no dia 21 de Março de 2018 após o anúncio, pois em geral, o ímpeto ascendente das acções estava a ser quebrado. A bolsa de Nova Iorque perdeu no total nos dias 22 e 23 de Março de 2018, 1100 pontos. O que está a acontecer é que o investidor médio está mais sintonizado com o reequilíbrio e a obtenção de lucros quando as suas posições são superadas. O grau de volatilidade e incerteza continuou desde então, à medida que as tarifas continuaram em onda de incerteza. O Canadá, China, Europa, Índia e México estão a preparar-se para retaliar. Na verdade, existem dois conjuntos de tarifas que causam prejuízos no momento. Aço, alumínio e sombras chinesas O primeiro, sobre aço e alumínio, veio sob a Secção 232, uma provisão sob a Lei de Comércio de 1962, que permite ao presidente proteger a indústria dos Estados Unidos por razões de segurança nacional. O segundo, sobre as exportações chinesas, foi accionado sob a Secção 301 da Lei de Comércio de 1974, uma medida unilateral não usada durante décadas. Tomadas em conjunto, essas tarifas confundiram os negócios, criaram incertezas no país e no exterior e lançaram dúvidas sobre o compromisso dos Estados Unidos com o livre comércio, que eram de prever desde a campanha eleitoral do presidente Trump. No entanto, a economia global não está a mergulhar no caos, em grande parte porque os protagonistas são mais limitados do que os títulos da média sugerem. Apesar das ameaças de grande retaliação, a Organização Mundial do Comércio (OMC) restringe rigidamente o que os países podem fazer, ou seja, a disciplina jurídica da OMC torna os facto mais previsíveis do que aparentam, e aqui está uma das grandes respostas, pois para proteger os fabricantes de aço e alumínio dos Estados Unidos, o presidente Trump invocou a segurança nacional sob a Secção 232, o que se torna difícil, pois a grande maioria das importações de aço e alumínio do país vem dos aliados. Os Estados Unidos poderiam ter adoptado uma acção de salvaguarda, dado que tais medidas estão previstas pelo sistema da OMC, que permite que um seu membro pode tomar uma acção de salvaguarda, ou seja, restringir importações de um produto temporariamente, para proteger uma indústria doméstica específica, de um aumento nas importações de qualquer produto que esteja a causar, ou que esteja ameaçando causar, sérios danos à indústria. As medidas de salvaguarda estiveram sempre previstas no “Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT na sigla inglesa)”, (Artigo XIX). Todavia, foram usadas com pouca frequência, e alguns governos preferiram proteger as suas indústrias através de medidas de área cinzenta, como arranjos voluntários de restrição à exportação de produtos como carros, aço e semicondutores. O “Acordo sobre Salvaguardas” da OMC abriu novos caminhos ao proibir medidas de área cinzenta e estabelecer limites de tempo, como a “cláusula de caducidade” em todas as acções de salvaguarda. A restrição às importações causam danos significativos à indústria doméstica, mas isso exigiria que a compensação fosse estendida aos países visados por essas tarifas. O que a China, Europa e os queixosos fazem na OMC, é redefinir as tarifas da Secção 232 do presidente Trump como uma salvaguarda para compensar, através de tarifas de retaliação, que os Estados Unidos não conseguiram oferecer. Em resposta, os Estados Unidos provavelmente desafiarão essa reinterpretação, bem como o valor das tarifas de retaliação. A maior preocupação é que os Estados Unidos acabem por defender as tarifas da Secção 232, invocando o Artigo XXI do GATT, intitulado “Excepções Relativas à Segurança”. Em 1947, os redactores do GATT, o antecessor da OMC, procurou dar aos países-membros uma forma de saírem das suas obrigações de livre comércio se a segurança nacional estivesse em jogo. É o que impede a Rússia de levar um caso à OMC contra a Austrália, Canadá, UE e os Estados Unidos sobre as sanções pela sua incursão na Ucrânia. Se a OMC for, pela primeira vez, decidir sobre o significado do GATT XXI, por causa das tarifas de aço e alumínio da Administração Trump, o medo é que a instituição não acerte no cerne da questão. Se a OMC disser não à Administração Trump, isso parecerá uma repreensão à capacidade dos Estados Unidos de definir, por si, os seus interesses de segurança nacional. Segurança ou proteccionismo? Se, por outro lado, a OMC disser sim à Administração Trump, isso incentivará o proteccionismo sob o disfarce de segurança nacional. A Índia, por exemplo, está ansiosa para ver até onde essa lógica pode ser impulsionada, e terá um lugar na primeira fila num painel da OMC, abrindo o seu próprio caso contra os Estados Unidos. Assim, casos nefastos fazem a má jurisprudência. Não há jurisprudência sobre o GATT XXI. As tarifas da Secção 232, que afectarão principalmente os aliados dos Estados Unidos, não devem ser a disputa sobre a qual a OMC faz figas para não ter de opinar. Os reclamantes devem agir com cautela. As suas ameaças retaliatórias têm como premissa a reinterpretação das tarifas da Secção 232 do presidente Trump como uma salvaguarda. É criativo, mas é para a OMC decidir. Agir unilateralmente vai contra a lei da OMC e, ironicamente, minaria o outro caso da OMC da China contra os Estados Unidos – as tarifas da Secção 301. É esta, na verdade, a segunda repetição de uma disputa da OMC impetrada pela Europa na década de 1990. Então, como agora, o cerne da questão é se um país membro da OMC pode julgar a culpa de um parceiro comercial por supostas infracções, ou se apenas a OMC o pode fazer. Para evitar que a Secção 301 fosse derrubada em 2000, os Estados Unidos concordaram que sempre aguardariam um julgamento da OMC, antes de promulgar tarifas punitivas. O desafio da China é afirmar que os Estados Unidos não estão a cumprir o que declararam. É importante ressaltar que os Estados Unidos são simpáticos à visão da China. No final de Março de 2018, a Administração Trump conduziu discretamente uma disputa contra a China pela propriedade intelectual, para que, em teoria, pudesse aguardar uma decisão da OMC. Se os Estados Unidos não esperarem, outros países inovarão as suas próprias tarifas unilaterais, paralisando a economia global baseada em regras. Não há boas jogadas disponíveis para os protagonistas além de negociar a sua saída dessa brilhante confusão. Alguns dizem que o plano do presidente Trump, foi o tempo todo, o de forçar as negociações; se for esse o caso, existem formas bem menos arriscadas de o fazer. Por exemplo, o aço é um problema, em grande parte porque nenhum país quer ser o último mercado aberto para exportações em dificuldades. Um acordo de estrutura que enfrenta esse problema, em vez de abordar os sintomas, seria um vencedor político. Da mesma forma, as tarifas da Secção 301 estão a ser usadas para tratar de tensões que têm mais a ver com investimento do que com comércio. O presidente Trump faria bem em retomar as negociações sobre um “Tratado Bilateral de Investimento (BIT na sigla inglesa)” com a China. Afinal, a preocupação do presidente Trump com questões como a transferência forçada de tecnologia já foi abordada no “Modelo US BIT 2012”. As tensões comerciais recentes servem como um lembrete pungente de que a economia global não é sem fronteiras. A boa notícia é que as disciplinas jurídicas da OMC estão a funcionar e apesar de toda a retórica sobre guerras comerciais, a economia global não se parece em nada com a dos anos de 1930.
Leocardo VozesEm nome da bola [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rranca amanhã o mundial da Rússia 2018 em futebol, e para os adeptos do desporto-rei, esta é a nossa Meca, de quatro em quatro anos. Desta feita os jogos passam a um hora decente aqui no território; para os aficionados da bola residentes em Macau, jogos que acabam às três da madrugada são um bom negócio. Assinamos por baixo, e já. Isto porque pela primeira vez – e graças à FIFA e os seus caminhos ínvios – a competição mais importante a nível de selecções se realiza na Rússia. Apesar de muita gente torcer o nariz ao país organizador, eu estive na Rússia há poucos meses, visitei o estádio Luzhni, onde vão decorrer o jogo inaugural e a final do torneio, e fiquei positivamente surpreendido com o que vi. Nota-se em toda a parte que o povo russo está entusiasmado, esmerou-se na recepção, e sabe receber muito bem. Muitas vezes caímos no erro de confundir os políticos e as políticas com as gentes. Eu estou confiante que em Julho este mundial vai ficar registado como “memorável”. Antes de falar na selecção portuguesa, há que referir os favoritos. Considero que o Brasil é outra vez “o alvo a abater”, e a selecção da Alemanha apresenta-se a defender o título, e apesar de parecer menos forte que há quatro anos no Brasil, é sempre uma equipa a ter em conta. Por fora correm a França e a Argentina, enquanto a Bélgica e a Colômbia são considerados os “cavalos pretos”. A Espanha, para mim uma das grandes favoritas até agora, deparou-se mesmo há pouco com uma enorme contrariedade: o selecionador nacional, o nosso conhecido Julen Lopetegui, foi demitido do cargo, apenas a três dias do pontapé de saída, que será logo contra a selecção portuguesa. Falemos então dos nossos, de Portugal. Eu estou tão confiante agora como estava há quatro anos, quando ficámos pela fase de grupos do mundial do Brasil, e como há dois anos, quando fomos ao europeu de França e levámos de lá o caneco. Para mim é sempre indiferente, quer quanto às expectativas, quer quanto à prestação. Eu ainda sou de uma geração em que Portugal não se qualificava para nada, e desde 2000 temos estado em todas as competições internacionais. Um luxo para um país pequeno com dez milhões de habitantes, mas que no entanto tem também um coração do tamanho do mundo. Vamos lá, Portugal: se não for desta há sempre uma próxima vez. Mais noites perdidas pela frente e tudo em nome da bola.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO Sexo das Alterações Climáticas [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s alterações climáticas é um daqueles temas transversais a tudo, tal como o sexo, por isso decidi casar um tópico com o outro para um argumento, que não é novo para alguns, mas talvez seja para outros. Tenho sofrido da particular frustração por ver que as alterações climáticas, que estão aí ao virar da esquina, ou que até já chegaram em força, é um conceito entendido como desconectado de tudo à nossa volta. Não está desconectado do ambiente em si, claro, mas está desconectado dos nossos sistemas morais, sociais, psicológicos, e do nosso dia-a-dia, no fundo. Já em tempos me debrucei acerca de uma sexualidade ecológica, a forma mais fácil de casar os temas – seja porque se ama o planeta e se faz amor com o solo, as árvores e as plantas ou porque se tomam decisões de compra mais ecológicas, como vibradores, lubrificantes e outros que tais – com a garantia que não estamos a poluir o ambiente ou nós próprios. Mas será que basta? Será que é suficiente ter hábitos de consumo mais ecológicos e ponderados para evitar o fim da civilização tal e qual como ela existe? Será que a solução são os carros eléctricos, pensando agora num sentido mais lato de hábitos de consumo, ou os produtos biológicos,ou os materiais biodegradáveis, ou as casas inteligentes? Quando, no ano passado, Macau viu passar os tufões mais intensos e mortíferos dos últimos tempos, uns atrás dos outros, eu pensei para mim mesma que a minha geração, muito provavelmente, assistiria ao início da degradação dos nossos ambientes e sociedades. E o que tenho aprendido é que as alterações climáticas vêm aprofundar o fosso socio-económico das nossas cidades, países, continentes, e planeta. No dia da Mulher, as Nações Unidas apresentou uma campanha toda bonita sobre como as alterações climáticas são um problema de género – também. Eu sei que esta é uma ideia difícil de perceber, e pouco consensual. Que diferença faz se eu for homem, mulher ou outra identificação de género, à vista das alterações climáticas? Não serão os efeitos os mesmos para todos? Há quem discorde – as alterações climáticas são um problema que têm afectado primeiro as comunidades já frágeis, que para além de verem os seus ambientes a deteriorar-se, vêem-se em confronto com outro tipo de desafios. Países com escassez de água, de condições básicas de sobrevivência, seja pela seca ou pela inundação, sofrem de maior desigualdade de género. Tal como o sexo, as alterações climáticas não são um problema do mundo físico, somente, são um problema do mundo social. Reparem: a escassez de recursos ou as transformações no ecossistema, mexem com temas tão delicados como a maternidade – será que podemos ou devemos trazer uma criança ao mundo? – ou com a contracepção – porque é que os peixes andam cheios de hormonas femininas? – ou com o nosso consumo sexual – será que preciso de 30 vibradores, um de cada cor, para completar a minha colecção megalómana de dildos? Quanto mais consumimos, mais poluímos, não é? O sexo das alterações climáticas não deverá ser uma discussão sem fim, porque de perguntas sem resposta já estamos nós fartos. O que considero útil neste desafio temático, é olhar para aquilo que está a acontecer no nosso planeta de forma interseccional – que o ambiente está no estado desequilibrado em que está, e que pode afectar e reforçar as dinâmicas de poder já existentes. No exercício de distopia da Margaret Atwood, que explora as questões das mulheres e as questões do ambiente (em vários exercícios de ficção, e não só na sua mais aclamada obra), torna este mesmo argumento óbvio: as alterações que o nosso planeta anda a sofrer são um desafio também ao sexo que fazemos, ao sexo performativo e representado e ao sexo que desejamos. O sexo destas sociedades que parecem mais loucas do que sensatas: mais loucas por poder, por desigualdade, nunca loucas por amor, ou pelo menos, nunca da forma certa de amor.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesFuga de informação [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 4, a Comissão Independente Contra a Corrupção em Hong Kong (ICAC, na sigla original) deteve Xiao Yuan, professor de língua chinesa, por suspeita de ter recebido e enviado informação confidencial por smartphone, relativa às perguntas dos exames de 2016 e de 2017. Em causa estavam os exames de língua chinesa para obtenção do Diploma do Ensino Secundário de Hong Kong (HKDSE, na sigla original). Este caso envolve quatro acusados, Xiao Zhiyong (Xiao Yuan), professor de chinês numa instituição privada e a sua mulher, Cai Yingying (Chai Yi), que foi vigilante durante os exames do HKEAA. Os outros dois réus, Zhang Guoquan e Wu Hongliang, são antigos examinadores das provas orais, ao serviço da Autoridade de Avaliação dos Exames em Hong Kong. Foram todos libertados sob fiança e aguardam julgamento. A principal acusação que pende sobre todos é a de uso de computadores com fins ilegais, crime sob a alçada das secções 159A e 161(1) (c) da Lei Criminal de Hong Kong. A investigação do ICAC revelou que Zhang Guoquan e Cai Yingying são suspeitos de terem usados os seus smart phones para enviar a Xiao Zhiyong as perguntas dos exames de Língua Chinesa, em 2016 e em 2017. Wu Hongliang é suspeito de ter enviado a Xiao Zhiyong, material confidencial proveniente de uma reunião informativa, realizada a propósito da preparação dos exames de Língua Chinesa de 2017. Logicamente, Xiao Zhiyong é suspeito de ter recebido informação confidencial sobre as perguntas dos exames no seu smart phone. O ICAC iniciou esta investigação após ter recebido algumas queixas. Já em 2007, 2009 e 2010 Xiao Yuan tinha preparado os seus alunos para as perguntas exactas que sairam nos exames de chinês. É evidente que desta forma Xiao Yuan colocava os seus alunos numa situação de grande vantagem em relação aos outros. A queixa deverá ter partido de alguém que, suspeitando da situação, se sentiu lesado. No entanto, é estranho que estas quatro pessoas tenham sido acusadas pelo ICAC apenas de uso dos seus computadores para fins ilegais. Não foram acusados de ter revelado informação oficial classificada. Porquê? Pela lógica, o Governo é responsável pelos exames nacionais. Antes do início dos exames, os enunciados são considerados informação oficial confidencial. Nalguma legislação, a informação confidencial encontra-se classificada em vários níveis, de acordo com o seu grau de secretismo. Contudo, neste caso, não é necessário ter em conta o grau de confidencialidade porque, antes do início dos exames, os enunciados são, sem sombra de dúvida, informação confidencial. Mas a única forma de esclarecer estas questões é apurar mais factos. No entanto, como o processo já começou, é impossível fazê-lo. De facto, o estudo e a preparação para os exames é uma forma de treino intelectual para proveito do próprio. Fazer batota nos exames é ir contra os fundamentos educativos. As notas podem ser boas, mas o conhecimento não aumenta. Se esta prática continuar, os alunos não vão saber lidar com as situações da vida, se não tiverem constantemente dicas sobre como o fazer. O conhecimento não floresce e, em última análise, toda a sociedade será afectada. Os estudantes de hoje serão os profissionais de amanhã. Se a fasquia académica baixar, a sociedade vai ser gerida por pessoas sem a formação necessária. Imaginemos um estudante de medicina a fazer batota nos exames. Deus nos livre de ir ao seu consultório! O mesmo se poderá dizer de um estudante de direito que passe nos exames desta forma. Quem vai querer ser representado por ele na barra do Tribunal? Se este método se divulgasse e os professors passassem a saber de antemão as perguntas e respostas dos exames seria muito grave. Desta forma, nunca se saberá ao certo que conhecimentos foram verdadeiramente passados do professor para o aluno. Além disso, se os enunciados forem obtidos de forma ilegal, estaremos não só perante um acto criminoso, como também perante uma violação da ética profissional. E é desta forma que se pretende dar bons exemplos aos estudantes? Não parece ser grande pedagogia. Os responsáveis pela elaboração dos enunciados de exames, estejam onde estiverem, devem prestar atenção a este caso.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO desafio das alterações climáticas [dropcap style=’circle’] A [/dropcap] s alterações climáticas são possivelmente o desafio ambiental mais significativo do nosso tempo e representa uma séria ameaça ao desenvolvimento sustentável no mundo e, mais ainda, na maioria dos países em desenvolvimento. O impacto das alterações climáticas afecta os ecossistemas, os recursos hídricos, a alimentação e a saúde. Assim, as políticas governamentais inter-relacionadas, devem ser projectadas para evitar conflitos no seu desenho e implementação. Existe uma ligação directa entre as alterações climáticas e a insegurança alimentar global, mais ainda nos países em desenvolvimento, onde as alterações climáticas agravadas com a pobreza exacerbaram os impactos. A fim de enfrentar os desafios colocados pelas alterações climáticas, é necessário examinar os factores que contribuem para as mesmas e como tais, os que influenciam a produção de alimentos a nível global. Factores climáticos como a precipitação, evaporação, humidade e a duração do sol, formam a base para a melhoria da segurança alimentar. É necessário que os formuladores de políticas, comunidades e provedores de ajuda incorporem tecnologias baseadas em evidências de sistemas e conhecimento de alimentos. As tecnologias baseadas em evidências que são as que foram empiricamente testadas e usadas, incluem plantio directo, gestão integrada da fertilidade do solo, tecnologias de irrigação, como por exemplo a irrigação por gotejamento, melhoramento de sementes, captação de água, agricultura orgânica e incorporação do conhecimento local. O impacto de algumas das tecnologias pode ser visto à luz da melhoria global da produtividade de grãos, através do uso de tecnologias integradas de gestão da fertilidade do solo, chuva e do ambiente irrigado. As culturas de grãos tolerantes à seca, também podem ajudar a aumentar os rendimentos. Os resultados dos estudos realizados nesta área são pertinentes aos formuladores de políticas no campo da segurança alimentar e sustentabilidade dos meios de subsistência. As medidas de mitigação e adaptação devem ser eficazes, acessíveis e apropriadas para a sustentabilidade e desenvolvimento ambiental. Tal controlo, defende a integração de sistemas convencionais baseados na agrociência, com o conhecimento tradicional da agricultura, a fim de mitigar a severidade das alterações climáticas e o seu impacto na segurança alimentar e na sustentabilidade dos meios de subsistência. A integração de agrociência e sistemas agrícolas tradicionais é importante para que a segurança alimentar seja sustentada. A expressão “alterações climáticas” significa a alteração do clima do mundo como resultado das actividades humanas através da queima de combustíveis fósseis, desmatamento de florestas e outras práticas que aumentam a concentração de “Gases de Efeito Estufa (GEE)” na atmosfera. Tal está de acordo com a definição oficial da “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima UNFCCC (na sigla inglesa)”, que afirma que as alterações climáticas podem ser atribuídas directa ou indirectamente à actividade humana que altera a composição da atmosfera global e a variabilidade climática natural observada ao longo de períodos de tempo comparáveis. O “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)” define as alterações climáticas, como uma transformação no estado do clima que pode ser identificada por mudanças na média e ou na variabilidade das suas propriedades, e que persiste por um período prolongado, tipicamente décadas. As alterações climáticas são uma mudança sistemática nas principais dimensões do clima, incluindo a temperatura média e os padrões de vento e precipitação durante um longo período de tempo. No uso recente, especialmente no contexto da política ambiental, as alterações climáticas, geralmente, referem-se a mudanças no clima moderno. Pode ser qualificado como alterações climáticas antropogénicas, mais geralmente conhecida como aquecimento global ou “Aquecimento Global Antropogénico (AGW na sigla inglesa)”. É de considerar que devido à natureza predominante do efeito estufa melhorado na atmosfera, os seus efeitos ocorrem a nível global, regional e nacional. Tem havido evidências de aumento nas temperaturas globais que levaram às alterações climáticas a nível global, regional e nacional nos últimos cem anos. O aumento das temperaturas globais experimentadas ao longo do século passado, é o resultado da acumulação de GEE na atmosfera, levando ao aquecimento global. Utilizando modelos climáticos complexos, o IPCC, no seu terceiro relatório de avaliação, previu que a temperatura média da superfície global aumentará de 1,4 graus Célsius para 5,8 graus Célsius até ao final de 2100. Os múltiplos conjuntos de dados mostram essencialmente, a mesma tendência de aquecimento global nos últimos cem anos, com o aumento mais acentuado do aquecimento nas últimas décadas. A evidência das alterações climáticas induzida pelo ser humano vai além do aumento observado nas temperaturas médias da superfície, pois inclui a fusão do gelo no Árctico, derretimento de geleiras ao redor do mundo, aumento da temperatura dos oceanos, incremento do nível do mar, acidificação dos oceanos devido ao excesso de dióxido de carbono, mudança nos padrões de precipitação e das funções do ecossistema e da vida selvagem. A produtividade agrícola reduzida com a escassez de alimentos, consequente, foi experimentada. Os estudos mostram que com menores concentrações de CO2, as plantas podem crescer mais e de forma rápida. No entanto, o efeito do aquecimento global pode afectar a circulação geral da atmosfera e, assim, alterar o padrão de precipitação global, bem como modificar os teores de humidade do solo em vários continentes. Houve um aumento no nível do mar observado em algumas partes do mundo devido ao excesso de aquecimento do ar que causou a fusão em grande escala de coberturas de gelo, inundações de grandes proporções na Califórnia em 1999 e partes da costa ocidental da Índia nos últimos cinco a oito anos, que são testemunhos dos efeitos da elevação do nível do mar. É de atender que se o nível do mar subir oitenta a noventa centímetros, talvez muitas das cidades costeiras do mundo sejam arrastadas, além de grandes mudanças nos portos e suas instalações, rotas marítimas e na indústria pesqueira, bem como a perda de terras agrícolas férteis, ocasionada por inundações, impactos na segurança alimentar e meios de subsistência a nível doméstico e nacional. Existiu um aumento da seca e inundações a nível global e ironicamente, alterações no clima devido ao excesso de gases causadores do efeito estufa, estão a causar o aumento da seca e das inundações. A actividade violenta das tempestades cresce à medida que a temperatura aumenta e mais água se evapora dos oceanos. Tal inclui a ocorrência de furacões mais poderosos, tufões e um aumento na frequência de tempestades e tornados considerados severos. As tempestades muitas vezes resultam em inundações e danos às terras agrícolas, causando insegurança alimentar. O aquecimento também causa a evaporação mais rápida em terras, levando à fome induzida pela seca. As alterações/mudanças nas estações e no carácter sazonal, ocorrem em todo o mundo devido à mudança na temperatura do ar e nos padrões de precipitação. Algumas estações foram reduzidas ou prolongadas. Os invernos estenderam-se em muitos locais, enquanto o verão é mais severo em outros lugares. O grau de confiabilidade diminuiu e o elemento de incerteza aumentou. Tal desorienta os agricultores das comunidades rurais que dependiam do conhecimento local na previsão de padrões climáticos para a produção de alimentos. As grandes mudanças ocorreram nos recursos hídricos do mundo, devido a perturbações nos ciclos hidrológicos. As zonas de chuvas intensas são gradualmente convertidas em áreas de baixa pluviosidade, com muitas áreas húmidas a serem transformadas em superfícies áridas e da mesma forma, a depleção de água subterrânea é alta e a recarga é muito baixa. Houve uma mudança nos ciclos de doenças/pragas de plantas e animais. Muitas das pragas/doenças insignificantes, estão a atingir grandes proporções porque a composição da população microbiana é afectada pela mudança de temperatura e ciclos hidrológicos. Estes tiveram impacto na produção de alimentos e perda pós-colheita ocasionando escassez de alimentos e perda de meios de subsistência. Os ecossistemas modificam e as alterações no clima farão que algumas espécies mudem de uma região para outra e, em combinação com outros factores de “stress” como o desenvolvimento, fragmentação de habitats e espécies invasoras, podem ter consequências negativas sobre a biodiversidade e os benefícios que os ecossistemas saudáveis proporcionam aos seres humanos e ao meio ambiente. O jacinto-de-água, uma espécie invasora no Lago Vitória, reduziu tremendamente as actividades pesqueiras com impacto nos meios de subsistência. As alterações climáticas afectarão sempre os meios de subsistência. A economia e o meio ambiente podem ser afectados como resultado das alterações climáticas, especialmente na ausência de contra medidas. Os impactos no sector da saúde afectarão as populações alterando o estado de saúde de milhões de pessoas, inclusive através do aumento de mortes, doenças e ferimentos devido a ondas de calor, enchentes, tempestades, incêndios e secas. O aumento da desnutrição, doenças relacionadas ao meio ambiente, como a cólera, disenteria, meningite, filariose linfática, febre-amarela, malária, tuberculose, entre outras, exercerão grande pressão sobre os recursos de saúde pública e as metas de desenvolvimento serão ameaçadas por danos de longo prazo à saúde. Torna-se necessário limitar o aquecimento global a 1,5 graus Célsius que poderá evitar cerca de três milhões e trezentas mil mortes de casos de dengue por ano, apenas na América do Sul e nas Caraíbas de acordo com uma nova pesquisa da “Universidade de East Anglia. (UEA)”. O novo relatório publicado na revista “Proceedings of National Academy of Sciences (PNAS)”, a 28 de Maio de 2018, revela que limitar o aquecimento à meta do “Acordo de Paris”, também impediria a disseminação do dengue para áreas onde a incidência actualmente é baixa. A trajectória de aquecimento global de 3,7 graus Célsius pode levar a um aumento de até sete milhões e quinhentos mil de casos de dengue, adicionais por ano até meados deste século. A dengue é uma doença tropical causada por um vírus transmitido por mosquitos, com sintomas que incluem febre, dor de cabeça, dores musculares e articulares. É endémica em mais de cem países e infecta cerca de trezentas e noventa milhões de pessoas em todo o mundo anualmente, com uma estimativa de cinquenta e quatro milhões de casos na América do Sul e Caraíbas. Os mosquitos que transportam e transmitem o vírus prosperam em condições quentes e húmidas, sendo mais comum em áreas com essas condições climáticas. Não existe tratamento específico ou vacina para a dengue e, em casos raros, pode ser letal.
Leocardo VozesGente de Jun(h)o [dropcap style≠‘circle’]É[/dropcap] nesta melancólica tarde chuvosa de quarta-feira, dia 6 de Junho, que me apetece dissertar sobre o dia de Portugal, que se assinala no próximo Domingo, e sobre a portugalidade em geral, e como a sentimos deste lado do mundo. E chuva é mesmo aquilo que nos espera neste mês de Junho; se os Waterboys uma vez escreveram que “December is the cruelest month”, e porque nunca passaram por um Junho em Macau. Somos portugueses (somos!), e amamos Portugal (amamos!), assim como nos sentimos no direito, e na obrigação de sentir a dor que sente o nosso povo, lá a 10 mil quilómetros de distância, assim como partilhar das suas alegrias. O que é que nós somos? (portugueses!). Contudo, é difícil para nós exercer aqui a portugalidade. Não faltam as boas intenções, a palmadinha nas costas do compatriota (e aqui há-os de todas as origens), e o mais elementar protocolo, sempre com a empatia quer do governo local, quer das restantes comunidades, tanto lusófonas, como as de outras expatriados. E pronto, bate-se a pala, iça-se a bandeira, “toca suíno”, então o que nos faz falta? É a tal da distância, sim. Que coisa de um raio. E o clima, não posso deixar de insistir. Uff. É frustrante realizar um arraial de S. João à chuva, com a dita a bater na fatia de pau onde jaz a sardinha. E que festa é esta, em que tem que se andar a tapar a sangria. Há uma expressão local (ou fui eu que inventei, que não me recordo) que diz que “o S. Pedro não colabora com o S. João”. Eu até achava giro, se não fosse tão trágico. Até a habitual “ida ao pastel”, na residência do cônsul-geral, no idílico Hotel Bela Vista, peca pela roupa colada ao corpo, do suor da humidade, e não raras vezes o tal S. Pedro decide também lançar uma descarga. Deve andar irritado com os dragões que vão deslizando estes fins-de-semana nos lagos Nam Van. Estamos longe e temos saudades sim. Por muito que nos tentemos desligar, há sempre ali um bocado de nós, que ora já existia, ora desponta subitamente como o botão de uma linda flor. Fazem-nos falta as noites sem fim, o bradar dos tambores, a alegria das nossas gentes. Pouco depois disso estamos lá, é verdade (alguns de nós, os que insistem em ir…), e este 10 de Junho e todo o arraial que se segue são apenas os preliminares. Um feliz Dia de Portugal para todos. PS: Queria aproveitar, porque ainda não o fiz, para mandar um grande abraço e um muito obrigado ao cônsul-geral de Portugal, Vítor Sereno, que se encontra prestes a terminar a sua missão no território. Muitas felicidades, é o que lhe desejo, esteja onde estiver. Touché-sai.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesVelha Vagina [dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]amos falar sobre a velhice, sobre ser-se velho e ser-se mulher: quando a vagina sofre de securas, quando os afrontamentos são constantes, quando a menstruação pára de aparecer mensalmente. O envelhecimento da nossa sexualidade não é de fácil compreensão porque está envolta em muitas falsas concepções e expectativas. Ora porque os velhinhos não são sexuais, ora são desinteressados, ora são ‘xéxés’ de todo. A menopausa durante muito tempo esteve sob o paradigma médico como uma ‘doença’, uma falha grave dos órgãos reprodutores, e não como um processo natural de desenvolvimento. Ora isto traz alguns problemas à partida: se há uma história que lida com a velhice de forma patológica, que esperança temos nós de percebê-la de outra forma? O que nos têm tentado convencer é que a menopausa pode ser ‘curada’ ou ‘revertida’, nomeadamente, com tratamentos hormonais. Estes tiveram o seu pico nos anos 70 (pelo menos nos Estados Unidos), e a sua utilização prolongou-se até os anos 90, mesmo que trouxessem riscos (há quem diga altos) de acidentes cardiovasculares. Hoje em dia, apesar de não ser um tratamento popular, a retórica continua a mesma, o que quero dizer com isto: ainda se tenta ‘curar’ a menopausa com tratamentos. O que não é descabido de todo porque de facto há alterações no corpo da mulher que são extremamente difíceis de gerir. Recomenda-se, contudo, cautela e tacto, para não perpetuar a noção de que a sexualidade feminina saudável deve ser equivalente a uma vagina jovem e roliça – porque isso só faz com que o corpo envelhecido seja visto como não-saudável, e doente. Claro que o cerne da questão está na visão heteronormativa e clássica do sexo, i. e., de que a penetração pénis-vagina é a única combinação possível (e digna) de sexualidade. De bem verdade que uma boa velha vagina pode sofrer alterações de forma a que penetração vaginal se torne mais dolorosa. Mas não limita a imaginação de criar outras possibilidades de sexualidade das quais os nossos corpos e as nossas mentes se possam sentir confortáveis. O que frequentemente acontece é que nós ficamos tão presos à ideia de que outras formas de sexualidade não são sexo de verdade, que a visão distorcida da velha (doente) vagina é, por vezes e infelizmente, inevitável. Espero que estejamos todos de acordo que são necessários mecanismos sociais para desfazer esta estupidez. Porque a velhice, essa sim é inevitável, agora como escolhemos vivê-la é que depende totalmente de nós – se soubermos que existem outras possibilidades. Os media são importantes nesta dinâmica, por exemplo: há uma deliciosa série norte-americana com a septuagenária Lily Tomlin e a octogenária Jane Fonda que tenta fazer isso mesmo, ao explorar o mundo sexual na terceira idade. Seja porque são necessários produtos sexuais para a mulher madura, como lubrificantes adequados ou vibradores, ou porque explora a possibilidade de ‘recomeçar’ a vida íntima numa idade avançada. Mas falar da sexualidade na velhice (e aos desafios é eles associados) sem falar da obsessão social pela juventude é descontextualizar por completo o problema. Idadismo – neologismo que nem todos os dicionários reconhecem – preconceito que tem como base a idade. Parece que no mundo ocidental andamos afectados com a tendência de julgar as velhas vaginas e os velhos pénis, na generalidade, como incompetentes. Ora, num mundo de desenvolvimento tecnocientífico, que tem aumentado a esperança média de vida, e com uma clara tendência de envelhecimento demográfico, urge uma nova visão sobre a velhice, e já agora, sobre o seu sexo.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCasamento homossexual [dropcap style≠‘circle’]N[/dropcap]o final da semana passada um jornal de Hong Kong publicou uma noticia sobre a derrota judicial de Leung Ching-kui, funcionário superior do Gabinete de Imigração. O caso prendia-se a reivindicação dos beneficíos sociais a que o seu esposo deveria ter tido direito por casamento. O Tribunal de Recurso deu razão ao Gabinete da Função Pública e ao Departamento Local de Contribuições. O casal viu ainda rejeitada a hipótese de apresentar uma declaração de rendimentos conjunta. Leung confessa-se desiludido e afirma que vai tomar medidas para continuar com a acção. Ambos consideram este veredicto como um gigantesco passo atrás na luta contra a discriminação dos casais homossexuais em Hong Kong. Leung salienta que não estão a exigir um estatuto especial e que só esperam poder ser tratados com respeito e numa base de igualdade. O Tribunal de Recurso expressou no veredicto a ideia de que é vital a preservação do conceito do casamento tradicional. Os benefícios devidos aos esposos e o direito de declarar os rendimentos em conjunto são prerrogativas matrimoniais. No entanto, o Tribunal de Recurso negou ambos os direitos Leung, que ainda terá de pagar as custas de tribunal. O Tribunal salientou que em Hong Kong, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista social, o único casamento reconhecido é o heterossexual. Assim, é mais importante defender o conceito do casamento tradicional do que encorajar as pessoas a casarem-se. Se os benefícios e direitos de que usufruem os casais heterossexuais se estender aos casais homossexuais, o conceito de casamento tradicional poderia ser posto em risco. Como a Lei Básica, e a opinão pública, de Hong Kong só reconhecem o casamento heterossexual, o interesse público é um factor de peso nos julgamentos. O Tribunal compreende que o queixoso se sinta financeiramente injustiçado. No entanto, se puseremos o “interesse publico” no outro prato da balança, a situação ficará equilibrada. Três juizes do Tribunal de Recurso consideraram que a preservação do conceito do casamento tradicional ditou a sentença que privou este casal de benefícios e de outros direitos matrimoniais. A sentença não implica discriminação indirecta contra a orientação sexual do queixoso. O Tribunal acrescentou que, já que o conceito social de casamento foi a questão central deste julgamento, como os conceitos sociais mudam significativamente ao longo dos tempos, a decisão que agora foi tomada pode vir a ser alterada, se este conceito mudar. O ano passado, uma lésbica britânica foi contratada para trabalhar em Hong Kong. QT, a sua esposa, apresentou uma petição ao Departamento de Imigração, para ficar no território como dependente. O pedido foi indeferido. O Tribunal de Segunda Instância rejeitou o pedido, mas QT recorreu e ganhou o recurso. É interessante que os três juizes que deliberaram no caso de QT, tenham sido exactamente os mesmos que presidiram ao caso de Leung. No entanto, as decisões foram completamente diferentes. No caso de QT, os juizes argumentaram que também o sistema do matrimónio “monogâmico” não poderia ser posto em causa em Hong Kong, por ser anti-constitucional. Neste caso os juizes apenas tomaram em consideração se o queixoso estava, ou não, em situação de acordo com as directrizes governamentais de Hong Kong. O Departamento de Imigração não foi chamado para reconhecer o estatuto de depêndencia de QT, enquanto parte de um casal homossexual. No entanto, os juizes salientaram que, ao abrigo da mesma política, o Departamento de Imigração já tinha reconhecido casamentos poligâmicos, e conferido o estatuto de dependência a mais do que uma esposa do mesmo homem. O Tribunal considerou que a recomendação resolvia a contradição e deliberou a favor de QT. No caso de Leung, vemos claramente que a decisão dos juizes foi condicionada pela crença de que casamento só se pode efectuar entre um homem e uma mulher. Como o Tribunal afrmou, o veredicto pode ser considerado controverso. No entanto, a decisão não pode ser facilmente aceite pelos casais homossexuais. Mesmo hoje em dia, especialmente nas comunidades chinesas, o casamento homossexual continua a não ser bem aceite. Como os juizes referiram, possivelmente as mentalidades irão mudar ao longo dos tempos. Mas actualmente, já que se aceita a homossexualidade, também deveria ser fácil aceitar o casamento homossexual. Mas, por enquanto, não é.
João Luz VozesPró-democrata [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo algo tão pequeno, indefeso e frágil consegue amedrontar o poder absoluto? Como pode uma palha ripostar contra o mais potente dos canhões? O medo dos outros fez Golias de um insignificante David. Sou um corpo estranho num organismo que me repudia e expele das mais variadas maneiras, ainda assim insisto em ter uma voz. Uma vez eleito, sem grande expressão comparativamente às forças tradicionais que se abeiram dos tronos decisórios, seria apenas uma voz ineficaz no plenário. Mesmo que esbraceje e me multiplique, o poder terá sempre uma maioria confortável para fazer o que bem entender. Terei transcendido a posição de homem e ascendido a uma espécie de excelso ideário? Se por lá ficasse, passados alguns discursos inflamados a minha palavra seria diluída num mar de consensos contrários. Perderia o gás e tornar-me-ia parte da mobília, como as minhas versões anteriores, oposição meramente decorativa, relegada para o plano do capricho. Se me deixassem ficar seria apenas um ineficaz clamor no deserto, um joguete que daria legitimidade ao simulacro de debate de ideias da ordem pré-estabelecida. Porém, o Pavor Absoluto de uma voz crítica que rompa o marasmo de ténues discórdias leva à extrema e desnecessária martirização, a matéria da qual a acidental História faz heróis. O Poder opera como uma manada esmagadora de elefantes em marcha rápida, a levantar pó e a calcar o chão com o peso de dois mundos, mas que de repente entra num frenesim amedrontado por avistar um rato. A mera visão do pequeno roedor faz os elefantes erigirem-se nas patas traseiras, com a tromba no ar, soltando estridentes gritos de pânico e alerta para quem vem atrás. Eu próprio fico assustado com o pavor, ou a aversão, que provoco. Não encontro razão para tamanho alarido, ou desproporcionalidade de reacção, às mais mundanas e naturais reivindicações que faço. Por mais que repita que não sou uma espécie de sucursal de pseudo-revoluções vizinhas, mesmo que tenho manifestado alguma simpatia por gritos de liberdade, o pouco tempo mostrou-me o pragmatismo daquilo que se pode alcançar, assim como aquilo que se pode perder. Ainda assim, o meu rosto imberbe é traumatizante para quem olha para a juventude como algo domesticável, para quem entende que as novas gerações, que transportam o mundo no bolso, podem ser manietadas por propaganda e ideias que cheiram a mofo. Eu sei porque vi com os meus olhos. Quando um povo resolve o problema do tecto e da comida, a sua fome é outra. Cultura e liberdade. Não penso que já chegámos a esse ponto de insaciável fome de ideias, às discussões tolhidas de paixão, porque vivemos numa bolha de conforto. Mas quando as tenazes da opressão apertarem, essa fome fará roncar os estômagos dos mais novos. E aí testemunharemos outro tiro no pé que o amedrontado poder insiste em dar. Qual a razão para o aperto do cerco de controlo, numa sociedade totalmente pacificada? Porque andam à procura de sarilhos e lutas onde elas não existem? A legitimidade tremida tem destas coisas, produz estes efeitos secundários de pavor a opiniões e visões contrárias, mesmo que não representem uma ameaça existencialista. Tudo permaneceria na mesma se eu pudesse exercer o cargo para o qual fui eleito. Haveria um pouco mais de excitação na assembleia, discursos e interpelações proferidas de pé. Mas no fim do dia, o que interessa é que o Executivo continuaria a ter o monopólio legislativo com a total complacência da vasta maioria dos legisladores. Eu faria um posts de Facebook a marcar o meu desdém pela promiscuidade institucional e todos iriam para casa descansados. Esta seria a via mais fácil para todos. No entanto, isso está posto de parte, à medida que estão para atingir o clímax outros tantos desproporcionais processos. A via dolorosa da perseguição, estes pequenos calvários institucionais, são a minha ascensão. Uma semente de despropósito que tem a transcendência como fruto.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesFoquemo-nos no estado de direito [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ulu Sou, com o mandato de deputado suspenso, que tinha sido acusado do crime de desobediência qualificada, foi condenado a uma pena de 120 dias de multa pelo Tribunal de Primeira Instância, a 29 de Maio. Scott Chiang, outro dos acusados, recebeu uma pena idêntica pelo crime de reunião ilegal. Como ambos podem ainda recorrer da sentença, o resultado final permanece uma incógnita. O conceito de “estado de direito” é um valor universal e a pedra basilar do socialismo. Quando comparado com o “estado popular”, revela-se mais eficaz no que diz respeito à restrição dos abusos de poder, à implementação da ordem social, à gestão social, à redução das contradições e conflitos sociais e, em última análise, na obtenção da paz social. O julgamento de Sulu Sou captou a atenção do público e dos media. A sentença do Tribunal de Primeira Instância terá certamente a sua base legal. Se a acusação e a defesa não a aceitarem, podem tentar revertê-la apelando para uma instância superior, o que é uma prerrogativa de qualquer estado de direito. Desde que este assuntos sejam tratados com transparência, correcção e justiça, a comunidade terá de aceitar a justeza das decisões do Tribunal. No artigo “Olho por olho …” publicado em Fevereiro, falei sobre os combates “não-violentos” e exortei as pessoas a desistirem da ideia de fazer justiça pelas próprias mãos. Mahatma Gandhi disse um dia “olho por olho e ficamos todos cegos”. Esta afirmação nasceu da sua experiência enquanto testemunha da luta sangunária entre Hindus e Muçulmanos. Estudei numa escolar secundária que defende a liberdade e onde os estudantes podem falar livremente com os professores. Nessa altura, o professor perante uma classe cheia de adolescentes enérgicos e apaixonados pelos seus ideiais, confidenciou que, em jovem, tinha sido apoiante do “Movimento 4 de Maio”. Esta conversa acalorada entre o professor e os alunos não degenerou em conflito, nem os alunos foram punidos por terem debatido estas questões. O fosso entre o professor e os alunos foi transposto através do diálogo. Tolerância, consideração, entendimento e diálogo são as melhores formas de resolver os problemas. Uma lei injusta é aquela que ainda não foi revista. Conheço uma legista de Hong Kong, ligada ao campo pró-democrata, que faz questão de obedecer à lei porque acredita no estado de direito como arma para corrigir as “leis más” e que nunca se envolveria em actos de violação da lei. Quando os opositores não obedecem à lei, os ditadores ganham a força da razão. Daí resulta que a sociedade fica fora de controlo e as pessoas começam a atacar-se umas às outras. A frase de Gandhi não revela fraqueza nem submissão, mas sim a posição de um homem corajoso. Os políticos devem ser pessoas de mente aberta e nunca devem agir em proveito próprio. O juizes terão de fazer respeitar a lei e o povo deve assegurar que a sociedade continua a ser por ela governada. Desde o “Movimento dos Guarda-Chuva”, parece que, tanto o Governo de Hong Kong como os seus opositores, perderam a paciência. A luta entre os dois campos só poderá agravar as clivagens sociais. É necessário que haja consenso para ultrapassar as cisões. Se Gandhi ainda fosse vivo, o índice de felicidade da Índia e do Paquistão seria muito maior. Se Yitzhak Rabin ainda fosse vivo, a paz entre Israel e a Palestina seria uma realidade. Sob a liderança do Presidente Xi, que defende o socialismo de características chinesas, a possibilidade de Hong Kong e Macau atingirem o equilíbrio depende do empenho das suas populações na implementação plena do estado de direito.
Leocardo VozesOs nomes da morte [dropcapstyle=’circle’] F [/dropcap] oi ontem (terça-feira) a votos a proposta de despenalização da Eutanásia, e tal como seria de esperar, foi rejeitada por cinco votos. É um tema sem dúvida fracturante – diria mais, uma das grandes questões dos nossos tempo – ao ponto de nem toda a gente gostar de lhe chamar “Eutanásia”. Há quem prefira “morte antecipada”, ou ainda “suicídio assistido”, mas chame-se o que lhe chamar, está intimamente ligado ao conceito da morte. É um dos seus muitos nomes. Portugal é ainda um país conservador, e sempre foi desconfiado das ideias mais progressistas. Vendo bem as coisas, preferimos que os outros avancem primeiro, e depois se gostamos do que vemos, avançamos também. Eu sou a favor do diploma que foi agora recusado, mas entendo e aceito que não exista uma preparação para ele. Falta um debate nacional mais alargado, usando um lugar comum. Com o que não posso mesmo estar de acordo é com alguns dos argumentos que foram utilizados para votar contra a proposta. Vamos por partes. Consegue-se aceitar o argumento de que a despenalização da Eutanásia é para os profissionais de saúde, que actualmente incorrem do crime de homicídio caso ajudem um paciente a terminar com a vida, e alguns deles recusam-se a eutanasiar um ser humano. O senão é que esta despenalização não é para quem não aceita fazer Eutanásia a alguém, mas para quem tem uma outra perspectiva do tema, igualmente válida. Quem também se opôs com veemência foi o “lobby” dos opiáceos, reclamando que a Eutanásia levaria a um “desinvestimento na área da prestação de cuidados paliativos”. Não está em causa a utilidade – que é muita – deste tipo de assistência. Nunca esteve sequer em causa. Dos mais desonestos, houve quem estabelecesse um paralelo entre a Eutanásia e a eugenia nazi. Claro que este tipo de discurso populista desvirtua completamente todas as possibilidades de debate. Simpatizo com o receio de que a despenalização abriria portas a “qualquer uma” Eutanásia, alargando o seu âmbito inicial, mas isso seria não cumprir a lei. O que é sempre mau, em qualquer caso. Depois há que atender à parte metafísica da Eutanásia. De todos os nomes que lhe dão, um dos que se vê menos é “morte com dignidade”. Aparentamente, a palavra “dignidade” é demasiado abstracto para legisladores e políticos. Preferem atender a outros mais terrenos, como o da “fé”, da “esperança”, da “vontade de Deus” ou de “milagres” – tudo designações usadas e abusadas durante o curto período de debate público que precedeu a votação. Entendo que “enquanto há vida, há esperança”, mas a lógica diz-nos também que enquanto há menos vida, vai havendo menos esperança. Lamento não se ter dado voz aos pacientes de doenças degenerativas, como a distrofia muscular ou a Alzheimer. Pessoas cujo calvário passa por primeiro não conseguir andar, depois engolir, e finalmente respirar. Assim, por esta ordem, e de forma irreversível; esta proposta de despenalização da Eutanásia foi feita para estas pessoas. E quem somos nós, aqui de pé e com saúde, a bradar a viva voz que eles não têm direito à sua dignidade? Espero que essa dignidade seja recuperada o mais rapidamente possível. Discuta-se, então.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexo de Paralelos e Perpendiculares [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] geometria que esperamos da vida não é única, nem previsível. O que sentimos nem sempre corresponde ao mundo que vivemos, às vezes está ao lado, às vezes está no encontro e às vezes estamos nós a sabotar com tesouradas as realidades que podiam ser mais pacíficas, mas que não são. O dualismo corpo – mente é uma dessas realidades complicadas. Desde Descartes que começámos a separar o corpo da nossa consciência, um objecto material e outro imaterial que vivem de forma (quase) paralela mas que se encontram nas esquinas. O Damásio bem tentou desmistificar o pressuposto cartesiano com o seu tratado mais popular ‘O Erro de Descartes’, mas nem a perspectiva das ciências puras e duras, muito menos as medicinas holísticas vêm ajudar à mudança. Porque é que esta é uma discussão relevante ao sexo? Eu atrevo-me a dizer que o sexo interessa a tudo, e que tudo interessa ao sexo. O sexo no fundo é interseccional às várias dimensões da vida. Neste dualismo, o sexo manifesta-se na consciência de quem somos e na forma como lidamos com o nosso corpo e com a nossa ‘materialidade’. Percebem? Mente e Corpo. Se calhar a solução para a desmistificação dualista não é neurologia do Damásio. Precisamos de sexo. Porque se o sexo carrega o dilema corpo mente mais polémico de sempre, se calhar até será capaz de resolvê-lo. Podemos pensar nas várias dimensões do sexo, nas suas formas conceptuais para perceber que o dualismo cartesiano até se encaixa. A sabedoria popular facilmente escolhe o sexo como biologia ou o sexo como emoção para melhor perceber as vidas sexuais. E isso só perpetua a crença que estas poderão ser arestas paralelas, não relacionadas – mas as perpendiculares existem, tanta intersecção que existe! Tal como existem as tesouras, de golpes certeiros dos quais não estamos à espera, como o Marcelo Rebelo de Sousa que veta a lei da mudança de género em Portugal. No fundo, o que é problemático para o sexo é o uso do corpo, este corpo que é julgado com características essencialistas – se tens uma vagina, és mulher, se tens um pénis, és um homem. E o uso deste corpo de forma tão categórica sobrepõe-se as imaginações desta mente, que também tem corpo, mas que o re-inventa. O prazer é dos exemplos clássicos de contestação do dualismo, que só existe com corpo e mente, juntos, em sintonia, em perpendicularidade. O prazer que pode ser o sexual e o orgásmico, também é o de sermos quem somos. Porque o corpo e a mente também nos fazem sentir mulher quando temos um pénis, ou homem quando temos uma vagina. Quando aparecem acusações de que a naturalidade do corpo não é respeitada percebe-se que a doutrina dominante acredita que o corpo que se vê é real, e a nossa consciência… O que poderá ser? A grande vitória das gentes Irlandesas que num referendo histórico conseguiram acabar com a abolição do aborto, uma luta de mentalidades que punham em causa a utilização deste corpo – de que direitos e liberdades? Quando a cabeça tem juízo, o corpo não paga, o corpo também pode ser feliz. Estou ciente de que a minha tentativa de simplificação só veio complicar. Mas talvez, mostrar a complexidade da mente e do corpo para não os colocarmos em caixinhas certas e direitinhas seja o melhor caminho. Para não estarmos convencidos de que o que é paralelo nunca se encontra e que, lá por magia ou o que quer que seja, o paralelo ‘perpendicula’ – só mesmo porque geometria nunca foi comigo.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAs imagens interditas do Tribunal [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o dia 23 de Maio, o jornal de Hong Kong “Apple Daily”, publicou uma notícia sobre umas fotografias que tinham sido tiradas em Tribunal, durante o julgamento de pessoas envolvidas nos motins de Mongkok. O juiz, Chan Hing Wai, pediu explicações à “fotógrafa”, ao que a mulher respondeu: “Gosto de tirar fotografias. Se eu quiser, posso tirar uma foto consigo, Sr. Dr. Juiz.” A mulher adiantou que era chinesa, com cartão de identidade de Hong Kong, embora sem residência permanente. Acabou por nunca responder directamente ao juiz. Limitou-se a repetir a pergunta e a afirmar que o Tribunal é um espaço público e que tirar fotografias é uma coisa muito comum. O juiz explicou-lhe imediatamente que tirar fotografias numa sala de audiências não é de todo comum. É alias grave, porque nas fotografias poderão aparecer os rostos dos jurados. O magistrado marcou para as 16h30, do mesmo dia, a audição do caso desta mulher, que ficou imediatamente proibida de sair de Hong Kong. O telemóvel foi-lhe temporariamente confiscado. O juiz informou-a que, se não se apresentasse a horas, seria emitido um mandato. O julgamento decorreu na sexta-feira, mas, na altura, não foi tomada nenhuma decisão. Este caso pode vir a arrastar-se por algum tempo. A Secção 7 da Ordenança de Crimes Sumários Cap. 228, do Código Penal de Kong considera crime tirar fotografias numa sala de audiências, incorrendo o transgressor no pagamento de multa, que poderá ascender a 250 HKD. Não se surpreendam os leitores com este valor tão diminuto, é que a lei data de 1949. Este foi a terceira vez, num espaço de três meses, em que ocorreram episódios desta natureza numa sala de Tribunal. Todos estes episódios sucederam durante os julgamentos de casos relacionados com os motins de Mongkok. Em meados de Fevereiro, na terceira sessão do julgamento dos envolvidos nos motins, um homem do continente, sentado na galeria do público, foi apanhado a fotografar os jurados e a enviar as fotos através do Wechat. No entanto, o oficial de justiça não registou os seus dados e deixou-o sair em liberdade. A juiza, Ms. Pang, afirmou que acreditava que o incidente tinha ocorrido de forma “inadvertida” e que esperava que os jurados não se preocupassem. No início de Março, cinco jurados foram informados, por uma pessoa que estava na galeria, que estariam a ser fotografados. Nessa altura, a polícia deteve de imediato um homem do continente, mas não encontrou nenhuma foto incriminadora, nem sinais de quaisquer fotos apagadas. Em meados de Maio, enquanto o juiz se dirigia ao júri, alguém percebeu que um homem estava a tirar fotografias. A pessoa que deu o alerta, gritou “alguém está a tirar uma foto”. No entanto, os seguranças não conseguiram apanhar logo o culpado. Foi o que bastou para o homem apagar a imagem. Posteriormente foi libertado. Sexta-feira passada, quando foi emitido o veredicto dos envolvidos nos motins de Mongkok, alguém enviou um e-mail anónimo para o Tribunal com a fotografia dos jurados, onde se podia ler “ainda existem muitos …”. O juiz chamou de imediato a polícia e pediu que os jurados abandonassem a sala, escoltados pelos agentes. Nos Tribunais existem diversos avisos, bem visíveis, de proibição de fotografar. No caso Regina v Vincent (fotografia ilegal) CACD 2004, o juiz salientou que os Tribunais têm de estar atentos a situações de intimidação de jurados e das testemunhas. As fotografias tiradas durante um julgamento podem ser usadas para ameaçar o juiz, os advogados, os jurados, etc. Além disso, é uma forma de identificar as testemunhas, os funcionários do Departamento dos Serviços Correcionais ou os agentes da polícia. É óbvio que tirar fotografias em Tribunal põe em risco o julgamento. Um das razões que leva à proibição de fotografar no Tribunal, é a preservação da solenidade da Lei e o garante de que o julgamento não virá a ser afectado. Como em Hong Kong é actualmente implementado o sistema da Lei Comum, o júri está presente no julgamento. Os jurados precisam de protecção. Recentemente, foram tiradas fotografias em Tribunal por diversas vezes. Alguém chegou a enviar algumas destas fotos por email ao juiz. Se estas acções não forem travadas de imediato, não só verá o Tribunal a sua dignidade diminuída, como acabará por haver interferência nos julgamentos. A abertura dos Tribunais destina-se a permitir que o público possa ter mais informação sobre a aplicação da justiça. No entanto, as pessoas devem respeitar o Tribunal e obedecer à lei. A privacidade dos envolvidos também terá de ser protegida. Interferir nos interrogatórios e subestimar a correcção dos Tribunais só irá afectar Hong Kong. O mesmo princípio é aplicável a todos os Tribunais, em qualquer parte. A protecção de quem está envolvido no processo jurídico é necessária. Se esta garantia não for dada, ninguém vai querer trabalhar nesta área. E se isso vier a acontecer, teremos um mundo sem lei nem ordem.