Tiago Bonucci Pereira VozesA Rota da Seda e África [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]primeiro aspecto a considerar no que diz respeito à iniciativa “Faixa e Rota” (BRI) é que não é definida como uma política, mas como uma iniciativa. Não é um plano detalhado, mas, em contraste, escrito em termos um tanto flexíveis e sujeito a várias interpretações. Uma definição rigorosa do BRI é um exercício fútil, embora os seus objectivos sejam claros. A iniciativa é global, e, portanto, interessa procurar interpretar as oportunidades que podem surgir da sua implementação. Importa olhar para as implicações do BRI a nível interno. Os termos vagos em que está definida a iniciativa BRI, juntamente com os incentivos oferecidos às diferentes províncias da República Popular da China (RPC), convida os governos provinciais a procurarem projectos potenciais que se enquadrem na BRI. É um incentivo para as províncias chinesas investirem na diversificação da economia, maximizando as suas vantagens naturais e fomentando o desenvolvimento tecnológico e industrial que, tendo em conta o 13º Plano Quinquenal da RPC, deve centrar-se na prossecução do desenvolvimento económico e social, na maximização da qualidade e na promoção de políticas ambientalmente sustentáveis. Isto deve ser visto à luz do funcionamento do sistema político Chinês, fortemente baseado na meritocracia. Os governos provinciais têm uma margem de manobra relativamente ampla no que concerne a definição de políticas, sendo certo, no entanto, que estas têm de estar enquadradas nos objectivos estabelecidos pelo governo central. Governadores provinciais, naturalmente, procuram promoção política, para a qual têm de mostrar resultados práticos. A esperada desaceleração nos últimos anos do crescimento económico Chinês surge durante um processo de transformação economica, industrial e social. A deslocação de indústria Chinesa que se encontra saturada a nível interno para o Sudeste Asiático e para África, e a mudança para um modelo de exportação de produtos de valor acrescentado, são acompanhados pela tentativa de resolver o desequilíbrio interno entre zonas costeiras e o interior Chinês, e o acelerar do processo de internacionalização do seu tecido empresarial. As “duas frentes” do BRI são a “Nova Faixa Económica da Rota da Seda” (componente terrestre do BRI) e a “Nova Rota da Seda Marítima” (componente marítima). A rota marítima será preponderante para as regiões costeiras, mais desenvolvidas, e lar de centros logísticos multimodais e centros financeiros, enquanto a “faixa” estimulará o desenvolvimento do hinterland Chinês, convidando a alocação do excesso de capacidade industrial da RPC, e consequente fluxo ao longo da “faixa e rota”. Na frente internacional, a iniciativa consolida o que tem sido a política externa da China desde há vários anos, estabelecendo laços económicos em todo o mundo sob um rótulo de respeito e benefícios mútuos. A iniciativa BRI convida a participação dos diferentes governos estrangeiros e empresas privadas chinesas e estrangeiras, sob a premissa de amplos benefícios para todos os envolvidos. A participação do sector privado é um aspecto de primordial importância para o sucesso da iniciativa, o que acaba por ser uma das razões pelas quais suscita tantas dúvidas. Assumidamente, o governo Chinês toma a dianteira no que concerne o financiamento de vários projectos em curso. Mas não se trata de uma política de longo prazo, mas sim uma forma de salvaguardar, numa fase inicial, as empresas Chinesas envolvidas contra os riscos associados a grandes projectos em países em vias de desenvolvimento e/ou instáveis quer ao nível de segurança, quer ao nível das suas instituições. A expansão económica é um objectivo, ao mesmo tempo fortalecendo laços políticos e económicos – na verdade, expandindo a influência chinesa – e acompanhada pela internacionalização do Renminbi, uma política apoiada pelo estabelecimento de organizações multilaterais e mecanismos de financiamento, tais como o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (AIIB), o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Fundo da Rota da Seda. Os projectos de infraestruturas de transportes estão no centro da cooperação China-África, como ilustrado em Janeiro de 2015 com a assinatura de um memorando de entendimento entre a China e a União Africana para o estabelecimento de uma rede para conectar 54 países africanos através de projectos de infraestruturas de transportes. Tais projectos podem ser incluídos no BRI, estando especificamente relacionados com a sua componente marítima. Um exemplo é o caminho-de-ferro construido entre a cidade portuária de Mombasa e Nairobi no Quénia, que constitui a primeira fase do Standard Gauge Railway Project (SGR), cuja segunda fase está actualmente em curso e se extenderá para o Uganda, Rwanda, e República Democrática do Congo. Nairobi é o vértice Africano da Nova Rota da Seda Marítima, embora não seja uma cidade portuária, o que em si é indicativo de que a sua inclusão no BRI só faz sentido acompanhado pelo investimento em infraestruturas num continente com sérias debilidades num sector que é fundamental para avalancar o seu desenvolvimento económico. A China encara África como um mercado com enorme potencial. É desde 2009 o seu maior parceiro comercial e empresas Chinesas dos mais variados sectores têm-se instalado um pouco por todo o continente. A capacitação infraestrutural dos países Africanos é por isso encarada de forma estratégica pela RPC, com vista tanto à melhoria das condições ao nível logístico, como também para fomentar o desenvolvimento dos próprios países. Como mercado com grande potencial de crescimento, interessa à China que as projecções se venham a concretizar por forma a garantir o retorno do investimento já efectuado tanto pelo sector público como privado. A China, fruto de décadas de diplomacia e investimento contínuo, e livre de estigmas coloniais, tem já uma presença firme e priveligiada em África. O desenvolvimento do continente só irá premiar todo o esse esforço.
Paul Chan Wai Chi VozesLei de Terras, um campo de batalha [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o dia 28 de Junho de 2016, o deputado da quinta Assembleia Legislativa, Tong Io Cheng, apresentou um projecto de lei intitulado “Norma Interpretativa do Nº5 do Artigo 104º da Lei nº 10/2013” e o projecto de deliberação do Plenário para a adopção do processo de urgência relativamente ao referido projecto de lei, ao Presidente da Assembleia Legislativa. Após nove meses em estudo, a Mesa da Assembleia Legislativa redigiu, em 476 páginas, o “Parecer relativo à Verificação do Projecto de Lei apresentado pelo Deputado Tong Io Cheng”, pubicado a 28 de Março de 2017. O parecer foi desfavorável ao projecto de lei apresentado pelo deputado Tong Io Cheng e ao pedido de deliberação do Plenário para a adopção do processo de urgência relativamente ao referido projecto de lei. Este Parecer incluia o Parecer n.° 3/IV/2013 da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa e Extracção Parcial dos Plenários de 12 de Agosto de 2013 (apreciação e votação na especialidade da proposta de lei). Nessa altua Tong era deputado da quarta Assembleia Legislativa, e também participou na discussão. Entre 9 e 13 de Agosto de 2013, a quarta Assembleia Legislativa dedicou a sua última sessão plenária à apreciação e votação na especialidade da Lei do Planeamento Urbanístico, Lei de Terras e Lei de Salvaguarda do Património Cultural. Pode afirmar-se que a implementação destas três leis foi uma importante conquista, mérito do trabalho da quarta Assembleia Legislativa. Este resultado foi muito apreciado e elogiado pelo Governo Central. A implementação da emenda à Lei de Terras garante que os recursos constituidos pelos terrenos da Região Administrativa Especial de Macau possam ser usados de forma eficaz e sensata. No Parecer n.° 3/IV/2013, constam em detalhe os debates da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa relativos ao Artigo 48.º (renovação de concessões provisórias) da Lei de Terras, de onde se destaca, “No caso de o concessionário não conseguir concluir as obras de construção no prazo concedido e disso não tiver culpa, como é que a situação deve ser tratada? Será tratada através das disposições transitórias?”…“Segundo os esclarecimentos do proponente, este não vai legislar sobre casos concretos do passado, e embora o prazo de concessão por arrendamento seja fixado em 25 anos, o prazo de aproveitamento é normalmente de 2 a 6 anos. Tendo em conta o princípio de aproveitamento rigoroso dos terrenos, não devem surgir situações como a acima referida. Tendo ainda igualmente em conta este princípio, não é adequado estabelecer que há lugar à renovação no caso de atrasos no aproveitamento de terrenos, não se excluindo, no entanto, os casos concretos que correspondam a outras disposições previstas na proposta de lei e que possam ser tratados de forma excepcional”. O excerto demonstra que, de forma a reforçar a supervisão sobre o uso dos terrenos concessionados, o proponente sublinha que as concessões provisórias não serão renováveis e que esta matéria deve ser regulada de acordo com as disposições do estado de direito. A Lei de Terras foi votada na especialidade a 12 de Agosto de 2013 pela Assembleia Legislativa. Mas houve muitas vozes que se oposeram à aplicação da Lei de Terras, nomeadamente no que ao Artigo 48º (as concessões provisórias não devem ser renováveis) diz respeito. Com a deliberação do Tribual sobre o terreno do edifício Pearl Horizon e o projecto La Scala, a emenda à Lei de Terras tornou-se a base legal em todos os julgamentos. Actualmente, muitos destes terrenos estão a chegar ao fim do periodo de 25 anos de concessão, o que pode colocar os concessionários em sério risco de perdas financeiras. É por este motivo que hoje em dia se desencadeou uma vaga de protestos contra a emenda à Lei de Terras, iniciada com o ensaio “A Declaração de Voto Vencida”, escrito pelo juiz Vasco Fong. Neste ensaio, Fong fala sobre as suas reticências quanto à emenda à Lei de Terras e defende que deve ser revista. Subsequentemente, mutos estudiosos da lei e empresários do sector imobiliário também se expressaram a favor da revisão da lei, enquanto se levanta uma onda de criticas da opinião pública sobre esta matéria. Há quem defenda que estes recursos pertencem ao sector público e quem defenda que pertencem ao sector privado, consoante os seus próprios interesses. A emenda à Lei de Terras entrou em vigor há cinco anos, ao passo que o caso do terreno do edifício Pearl Horizon aconteceu há apenas três anos atrás. Os concessionários provisórios do terreno tiveram mais que tempo para construir e não deveriam concentrar os seus esforços na luta pela autorização de renovação. Quer no texto original, quer na sua emenda, a Lei de Terras determina que o prazo de concessão provisória tem um limite de 25 anos. Mas a Emenda cancelou a provisão que permitia que o Chefe do Executivo prescindisse da licitação pública e aprovasse directamente a concessão por arrendamento, mesmo que esta fosse dada ao concessionário original do terreno. Por aqui se vê que o Governo está determinado em manter o prazo de 25 anos da concessão de terrrenos. Mas porquê introduzir uma alteração à Lei de Terras? Esta pergunta encontra resposta exaustiva no Parecer n° 3/IV/2013, que se destina a asssegurar a manutenção da imparcialidade do Chefe do Executivo e também que o exercício das suas funções será benéfico ao desenvolvimento sustentado da comunidade. Pretende também garantir que o recurso limitado das terras possa ser usado de forma eficaz e razoável pela população. A Emenda à Lei de Terras é mais justa e equalitária do que a lei original. O problema dos terrenos é complicado, mas as decisões devem ser tomadas tendo em mente apenas o bem-estar de todos.
Tânia dos Santos SexanáliseMaria-Rapaz [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]nde é que está a masculinidade perfeita? Os mais insensíveis dirão que se encontra nos homens detentores de um pénis. Claro está que existem expectativas pelas quais todos nós trabalhamos árdua e diariamente. Esta perspectiva biológica de que a masculinidade pressupõe um pénis já leva tempo que tenta ser desconstruída. A minha tentativa de desconstrução fará uso da masculinidade sem pénis, mas com uma vagina. Afinal, onde podemos nós encaixar, no léxico e semântica sexual, a masculinidade feminina? Há toda uma literatura académica que se debruça acerca de um possível fenómeno de masculinidade feminina que é a ‘Maria-Rapaz’. Os especialistas mostram que é um estado que tem sido retratado como aceitável na infância e talvez parte da adolescência, e por isso é circunscrita no tempo. Contudo, com algumas limitações, porque a Maria-Rapaz é castigada quando começa a ter uma forma exagerada de identificação masculina, i.e, quando quiser mudar de nome e recusar toda e qualquer forma de identificação ‘típica’ feminina – como roupas, acessórios, maquilhagem. Na análise literária e cinematográfica das Marias-Rapazes, esta rebelião é tida como uma forma de evitamento da fase adulta, e não necessariamente uma rebelião de fase adulta feminina. A representação da Maria-Rapaz nos nossos objectos culturais reduz a masculinidade feminina a uma experiência de desapropriação pessoal e emocional, mas não a relacionada com um desejo de, sei lá, mudar de sexo, manter formas ambíguas de género, ou querer ser uma mulher masculinizada – e ser adulta dessa forma. Aliás, para juntar à fantasia colectiva que as Marias-Rapazes passam por ‘fases’ que têm que ser ultrapassadas – é que as narrativas da feminilidade vêm depois todas em força. Juro-vos que tenho reconhecido um padrão em que as grandes referências da figura feminina, e de como a feminilidade é apresentada, como as super-modelos e super actrizes de hoje em dia, foram todas, outrora, algures no tempo, Marias-Rapazes. Para melhor explorar este conceito difícil de masculinidade feminina (que é um conceito que está cheio de pré-concepções, mas facilita o nosso entendimento mais mundano do foco desta análise – pessoas de vagina e as suas masculinidades) não há nada como analisar o problema das casas de banho. As casas de banho públicas são a materialização de um binarismo extremo, estático, e sem espaço de manobra. E de acordo com relatos de gentes que querem e tentam pôr em causa a sua feminilidade, as casas de banho públicas são um teste a todos os envolvidos. Aos que não são de binarismos, aos limites e violências desses mesmos binarismos e aos medos e injustiças da nossa falta de reconhecimento do que é diferente. Contam-se histórias de pessoas de masculinidades femininas que entram nas casas de banho das raparigas e que são acusadas de terem entrado na casa de banho errada. Ou pior, verem a ser chamados seguranças que batem à porta dos cubículos para uma verificação da legitimidade daquela presença. É de uma violência atroz, não é? Ter que justificar uma simples entrada na casa de banho: porque quando os indicadores de que estamos à esperam falham em ser exibidos o que nos resta? Mostrar os genitais para garantir uma entrada pacífica? Um acto tão simples como ir fazer xixi parece ter um potencial complicador que muitos simplesmente evitam. Que mundo estranho vivemos nós que a simples ida à casa de banho, para concretizar uma necessidade fisiológica básica, pode ser tão pouco inclusiva? A masculinidade é um constructo com o potencial mutante e transformador para o qual todos nós contribuímos com as nossas ideias e comportamentos. Mudando as nossas ideias e comportamentos podemos mudar as violências das fronteiras (fronteiras de qualquer tipo, mas neste caso conceptuais). Não será novidade que o nosso bem-estar também depende da possibilidade de nos criarmos à luz do que queremos ser. E esta criação pode ser dita ‘normativa’ ou pode não sê-lo. Porque as Marias-Rapazes podem tornar-se em Marias-Homens também – e não deveria existir problema algum.
João Luz VozesMilhões [dropcap style=’circle’] A [/dropcap] quilo que separa o homem do servo. A abundância numérica dos vitoriosos, a aritmética que define quem manda nisto tudo, que separa o ouro do joio, porque cereal e mercadorias são relíquias de mercados ancestrais. Sou o denominador comum a todos os poderes, a escala decimal que torna tudo possível. Nada funciona com centavos, a unidade da miséria, a identidade cambial dos ratos que se banqueteiam com as migalhas que caem das nossas mesas. Nada alguma vez será erigido com centavos. Podem esquecer outro hospital, sistema de metro, rede de esgotos e tratamento de águas residuais digno do grau civilizacional que os países médios atingiram há muito tempo. Objectivos que não estão ao alcance dos centavos e que acabam por não ser prioridades absolutas dos milhões. Entretanto, os centavos dormem em quartos húmidos, íntimos com o bolor e as pestes, ocupados com trabalhos que lhes permitem ficar à tona no imenso lago de milhões que é Macau, a sonhar com opulência distante, a fantasiar com as meninas que distribuem publicidade dos casinos, à espera que um golpe de sorte os empurre para o paraíso dos milhões. No outro lado do espectro, os milhões descansam nos paraísos onde não há impostos, coisa de pobre. Paraísos onde tudo se torna impessoal, onde os milhões gozam de anonimato, impessoalidade, onde ficam à margem a multiplicarem-se numa miríade de empresas offshore, em labirintos de quotas sociais que se dissipam por labirintos de opacidade até não serem de ninguém. Milhões elusivos, fugidios, ocultos, imperceptíveis apesar de estarem à vista de todos. Milhões de auto-geração, que se multiplicam espontaneamente, milhões que crescem na sombra, enquanto os centavos minguam ao sol como peixe seco. Milhões que deixam o pendor para a barbárie acentuar-se, que tratam animais como evocações de tempos medievais. Milhões que não se atemorizam com a autoridade, com outros pequenos milhões de multa, mas que actuam quando sentem que a má publicidade chegue às flutuações bolsistas. Milhões que se juntam de forma natural, maniatados por quem sabe, seguindo aritméticas místicas que são a génese de impérios, que transformam homens em deuses. Os centavos, por sua vez, são pesados. São um fardo que verga as costas de quem os acumula em sacos e bolsos que se recheiam de fatiga. Metal pesaroso, que pouco vale, chocalhando miséria nos bairros mais modestos. Centavos e trocos que mais ninguém quer, que são lixo inútil para os que conseguem compor uma mesa diariamente sem esforço. Espalham-se centavos no chão e só o pobre os vê, só ele o detecta. Os milhões não são assim. Os milhões não têm peso, flutuam num vácuo existencial, dividem-se entre carteiras de acções, cartões vários, participações sociais, dividendos rachados, fracções de heranças, títulos de propriedade. Os milhões só quando estão em pânico se agregam num saco e mesmo assim não são tão pesados como um saco de trocos. Trocos são os sedimentos sólidos que restam das reacções económicas, o refugo, a escória da vida fatigante que se vai acumulando nos bolsos de quem gasta tudo o que amealha. Os milhões não veem a rua, não conhecem a luta diária de quem tem tecto incerto, os milhões não têm concepção das cruéis escolhas entre bens essenciais que os centavos têm de fazer. O quando se acumulam em biliões, os milhões olham para baixo para o patobravismo dos milhões inferiores, seus lacaios e assassinos. É por isso que os milhões olham para o mercado imobiliário como uma arena de arrendatários trapaceiros, animais sem escrúpulos. É por isso que os milhões olham para as inundações no Porto Interior como uma oportunidade de investir alguma caridade. É por isso que os milhões estarão para sempre em antagonismo com os centavos e numa relação que mestre e servo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA guerra das tarifas alfandegárias “The biggest single thing that has lifted people out of poverty is free trade.” George Osborne [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] escritor Mark Twain afirmou que a história não se repete, mas rima. As tarifas alfandegárias estão de volta, depois de um longo exílio, e estão a ser aplicadas em milhares de milhões de dólares de produtos comercializados, que vão desde o aço e alumínio até motociclos Harley-Davidson e fazem parte de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, e entre os Estados Unidos e a “União Europeia (UE) ”, ainda que na reunião realizada entre o presidente Donald Trump e presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a 25 de Julho de 2018, em Washington, conduziu a um entendimento em que a administração americana vai renegociar as taxas aduaneiras e barreiras ao comércio com a UE, podendo aliviar algumas tensões. As duas partes vão trabalhar em conjunto para estabelecer uma relação comercial livre de taxas alfandegárias, livre de barreiras e de subsídios para bens industriais. O acordo Estados Unidos-UE irá reforçar as trocas comerciais nos serviços, indústrias químicas, farmacêutica, de produtos médicos e agrícolas, destacando neste domínio a integração do comércio de soja, pois os Estados Unidos são os maiores produtores mundiais deste bem agrícola. Existe a esperança em uma solução para as pesadas taxas aduaneiras que os Estados Unidos passaram a aplicar ao aço e alumínio importados a partir da UE, bem como para as taxas que esta, em retaliação, passou a aplicar a diferentes bens americanos, desde os “jeans” ao uísque. A Alemanha recebeu com bom agrado os resultados da reunião pois a indústria automóvel receava a promessa do presidente Trump de passar a aplicar taxas de 25 por cento, sobre os carros importados. O acordo até ser implementado depois das negociações que se vão encetar, contempla a não imposição de taxas adicionais, que podem evitar uma guerra comercial e salvaguardar milhões de postos de trabalho, sendo excelente para a economia mundial. O outro ponto essencial da reunião é a concordância na reestruturação da “Organização Mundial de Comércio (OMC)”. As empresas americanas do sector automóvel, que registaram quedas fortes na sua cotação bolsista, não só têm vindo a queixar-se do impacto da subida das taxas sobre o alumínio e o aço que são matérias-primas importantes para a sua indústria, como também não concordam com taxas mais altas sobre as importações, dado terem muitas fábricas no Canadá e no México e também importam componentes da Europa para as suas fábricas nos Estados Unidos. As tarifas são impostas por um país que torna as importações mais caras. Os Estados Unidos promulgaram essa recente rodada de tarifas como uma resposta ao seu deficit comercial (quando um país compra mais do exterior do que vende). A ideia é tornar os produtos estrangeiros menos desejáveis e, assim, proteger a indústria doméstica. É de recordar que os maiores economistas da história teriam receio de impor impostos para enfrentar um desequilíbrio comercial. A melhor forma de reduzir o deficit comercial é exportar mais e não reduzir as importações tornando-as mais caras. O uso de tarifas para melhorar a posição comercial de um país, foi essencialmente o que a Grã-Bretanha rejeitou há mais de um século. O argumento foi derrotado devido ao trabalho de dois grandes economistas, Adam Smith, pai da economia, e David Ricardo, o pai do comércio internacional. Quando o Reino Unido revogou a “Leis dos Cereais (ou Corn Laws em Inglês)” foram as tarifas sobre a importação de cereais na Grã-Bretanha, em vigor entre 1815 e 1846 para proteger os preços britânicos dos grãos nacionais contra a concorrência de importações. Tal leis são frequentemente vistas como exemplos do mercantilismo britânico, porque foram projectadas para proteger os proprietários ingleses, promovendo a exportação e limitando a importação de grãos, quando os preços caíram abaixo do ponto de referência e foram finalmente abolidos devido à agitação militante da “Anti-Corn Law League”, criada em Manchester em 1839, que argumentava que as leis que constituíam um subsídio aumentavam os custos industriais. Após uma campanha prolongada, os opositores da tarifa finalmente obtiveram o que queriam em 1846, um triunfo significativo que era indicativo do novo poder político da classe média inglesa. Assim, a sua abolição marcou um avanço significativo em direcção ao livre comércio. A “Leis dos Cereais” aumentaram os lucros e o poder político associado dos latifundiários e era uma legislação proteccionista, que em 1846, marcou uma era de maior abertura para a Grã-Bretanha, então o operador dominante no mundo. Ao contrário de muitos economistas, Adam Smith teve a oportunidade de colocar as suas teorias em prática e como comissário de alfândega da Escócia, defendia a remoção de todas as barreiras comerciais, qualificadas apenas pela necessidade de arrecadar receitas, para o que considerava serem os propósitos apropriados de governar um país, como fornecer estradas. O economista Adam Smith apoiou a cobrança de impostos sobre as importações e exportações a um nível moderado, mas não tão alto que o contrabando seria uma actividade lucrativa e fiel às crenças de que sobre políticas governamentais que não distorcem o mercado, estabeleceu, que os deveres fossem iguais para diferentes produtores e importadores, de modo a que um grupo ou um país não teria uma vantagem sobre o outro, tendo por exemplo, observado a iniquidade de isentar o produto da fabricação e destilação privada (que era absorvida pelos ricos) do imposto especial de consumo, enquanto cobrava as gorjetas preferidas dos pobres. Assim, se as tarifas fossem necessárias, deveriam tratar todos os comerciantes e nações comerciais da mesma forma, de modo a não distorcer a “mão invisível” (a sua contribuição mais notável na sua obra “Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”) do mercado, alocando o que os produtores deveriam fazer. Os economistas posteriores, desviaram-se de Adam Smith no desenvolvimento de novas linhas de pesquisa, mas mantiveram os seus juízos. Inspirado pela riqueza das nações, David Ricardo desenvolveu a teoria da vantagem comparativa, que mostra que as nações devem especializar-se e depois comercializar, o que levou a uma maior prosperidade. É de considerar, que no século XX, grandes economistas como Paul Samuelson, aumentaram ainda mais a nossa compreensão do comércio internacional, destacando que há aqueles que beneficiam mais e outros que beneficiam menos quando uma nação se especializa, mesmo que a economia ganhe em geral. Assim, o seu trabalho destaca o impacto distributivo do comércio e aponta formas de ajudar os perdedores da globalização. É de considerar que mesmo que a nossa compreensão das questões em torno do comércio tenha evoluído, os princípios centrais estabelecidos pelos grandes economistas de há dois séculos permanecem. As tarifas são uma medida proteccionista que é ineficiente, e também distorcida se impostos mais altos em algumas importações significam que se tornam menos competitivos em relação a outros. Os países usaram frequentemente o proteccionismo para fomentar indústrias domésticas, até que possam competir com empresas estabelecidas. Este foi o caso dos Estados Unidos no século XIX, quando competiram contra a Grã-Bretanha, e ainda é o caso da China em vários sectores. A China, em particular, não é tão aberta ao comércio como os Estados Unidos e a UE, que tem sido uma constante queixa das empresas ocidentais, e a China tem sido medida nas suas respostas a cada rodada de tarifas americanas. Os Estados Unidos estão a ameaçar impor tarifas sobre quase todas as exportações chinesas, a menos que a situação comercial Estados Unidos-China melhore. O presidente dos Estados Unidos, a 20 de Julho de 2018, afirmou que estaria disposto a impor tarifas sobre todos os quinhentos mil milhões de dólares de produtos importados da China, ameaçando intensificar um conflito sobre a política comercial que abalou os mercados financeiros. Os seus comentários preocuparam os investidores que já estavam a enfrentar o impacto do fortalecimento do dólar americano nos resultados corporativos, e os principais índices de acções na “Wall Street” caíram no mesmo dia. O dólar americano caiu contra as principais moedas sobre a ameaça do presidente Trump de impor mais tarifas de importação, e a repetição de reclamações sobre o aumento das taxas de juros e a força do dólar americano. O “índice do dólar (DXY na sigla em língua inglesa)”, é um índice que mede o valor do dólar em relação a um cabaz de seis principais moedas. É uma média geométrica ponderada do valor do dólar comparado ao euro, iene, libra, dólar canadiano, coroa sueca e franco suíço e estava prestes a registar a sua maior perda em um dia, no espaço de três semanas. O dólar contra o iene, estava a caminho da sua pior queda diária em dois meses. O DXY foi estabelecido em Março de 1973, logo após o desmantelamento dos acordos de Bretton Woods e inicialmente, o valor do índice do dólar era 100. O dólar, desde então, atingiu altas de pouco mais de 160 e um mínimo de cerca de 71, a 16 de Março de 2008. A composição do cabaz foi alterada apenas uma vez, porque várias moedas de países europeus foram substituídas pelo euro desde 1999. O DXY é actualizado sempre que os mercados estão abertos. A China não poderá facilmente retaliar de maneira semelhante, já que não importa quinhentos mil milhões de dólares de produtos dos Estados Unidos. A China poderia optar pela imposição de restrições de investimento, o que seria muito prejudicial, uma vez que distorceriam as cadeias de suprimentos e as decisões operacionais de empresas multinacionais, o que não seria facilmente revertido, ao contrário das tarifas, que podem ser cobradas um dia e removidas no dia seguinte. Existem alguns sinais de que o investimento foi afectado pelas tensões comerciais. A fabricante de circuitos integrados “Qualcomm”, americana, retirou a sua oferta de quarenta e quatro mil milhões de dólares pela “NXP Semiconductors”, holandesa, a 26 de Julho de 2018, por não conseguir a aprovação dos reguladores “antitrust” da China para a maior aquisição da indústria de circuitos integrados, tornando-se a vítima de maior visibilidade, desde o início da guerra entre as duas economias. O acordo de fusão expirou quase vinte e um meses após a “Qualcomm” se ter oferecido para comprar a fabricante holandesa de circuitos integrados. O silêncio da China sobre a aquisição levou a empresa americana a acreditar de que a aprovação não seria dada, dado o acordo ser eficaz no maior mercado consumidor do mundo. O acordo global de aquisição tinha sido aprovado pelas entidades reguladoras dos Estados Unidos e da UE. A distorção adicional do comércio, que ocorre em parte por meio de empresas que investem em cadeias de suprimento/distribuição e realizam fusões e aquisições através das fronteiras nacionais, seria algo que os grandes economistas se oporiam. Afinal, há consenso que o comércio internacional beneficia uma economia. A “Iniciativa sobre Mercados Globais (IGM na sigla em língua inglesa) é um centro de pesquisa, na Escola de Negócios Booth da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. A IGM apoia pesquisas originais sobre negócios internacionais, mercados financeiros e políticas públicas. A IGM é ainda famosa pelas pesquisas semanais que conduz no seu “Economics Experts Panel”, um painel composto por cinquenta e um economistas líderes nas universidades dos Estados Unidos. A IGM colocou duas questões acerca do livre comércio, sendo a primeira para saber se o comércio mais livre beneficia a eficiência produtiva e oferece aos consumidores melhores escolhas e, a longo prazo, se esses ganhos são muito maiores do que quaisquer efeitos sobre o emprego, tendo 56 por cento dos participantes concordado, 26 por cento, concordado plenamente e 5 por cento de duvidosos. A segunda pergunta era a de saber se os cidadãos dos Estados Unidos, em média, estiveram em melhor situação com o “Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA na sigla em língua inglesa)” do que teriam se as regras comerciais para os Estados Unidos, Canadá e México anteriores ao NAFTA tivessem permanecido, tendo 63 por cento dos participantes concordado, 22 por cento concordado plenamente e 5 por cento de duvidosos. O NAFTA foi assinado pelos líderes do Canadá, Estados Unidos e México a 7 de Outubro de 1992, mas apenas entrou em vigor a 1de Janeiro de 1994 depois de um agitado processo de confirmação por parte dos Estados Unidos, onde a xenofobia, etnocentrismo e o preconceito de certos sectores políticos ofereceram enormes obstáculos. O NAFTA criou uma zona de livre comércio na qual tarifas e outras barreiras ao comércio de bens e serviços e recursos financeiros serão gradualmente eliminadas em um período de quinze anos, mas era de prever que a maior parte das liberalizações ocorresse nos primeiros cinco anos. Os grandes economistas provavelmente diriam que há melhores maneiras de beneficiar a posição comercial de um país, como a abertura do mercado global para o comércio de serviços. Tal beneficiaria desproporcionalmente os Estados Unidos como o maior exportador de serviços em todo o mundo, competindo bem, mesmo com as barreiras comerciais em vigor. Se a China abrisse mais o seu sector de serviços, como já está a proceder com prudência, poderia aumentar as exportações dos Estados Unidos para a China e reduzir o deficit comercial, por exemplo. O Reino Unido, o segundo maior exportador, e outras economias avançadas, como a UE e o Japão, também verão uma melhoria na sua posição comercial, dado que a maior parte dessas economias avançadas compreende serviços. Mesmo considerando o facto de que os serviços nem sempre são negociados (por exemplo, restaurantes), a UE apontou vender mais serviços que reflictam melhor o que produz. A economia da UE é de 70 por cento de serviços, enquanto os mesmos representam apenas um quarto das exportações. O ideal seria vender mais, em vez de importar menos (e, portanto, consumir menos ou produzir com componentes mais caros), que é uma das lições a retirar dos maiores economistas da história e daí se defender a abertura de mercados em todo o mundo para que os países pudessem vender mais do que produzem, o que traria uma maior prosperidade. As suas percepções continuam a sustentar a economia actual. A política, no entanto, tem outra visão.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO que passa na televisão? [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] vida diária já começa a ser aborrecida para ser retratada televisivamente. Já lá vai o tempo (no início dos 2000) que parecia uma verdadeira loucura colocar um grupo de pessoas numa casa com câmaras durante meses, gravando-lhes todos os passos. Foi necessário inserir novas e entusiasmantes regras para que o ‘jogo’ continuasse a ser interessante. E não há nada mais interessante que o amor e o sexo, por isso parece que virou moda – nos últimos anos, porque eu ando mesmo desactualizada do mundo televisivo – explorar até ao tutano o amor, a intimidade e a sexualidade com uma equipa de cameramen (ou women) atrás dos indivíduos que procuram o amor ou os casais que tentam desenvolvê-lo. Há vários programas deste género, nos EUA, Reino Unido e outros países europeus, uns programas mais aparvalhados do que outros. Mas deixem-me falar-vos do ‘Casamento à Primeira Vista’ que basicamente junta concorrentes que são ‘cientificamente’ provados como pares perfeitos, e o primeiro episódio, em que eles se conhecem, é já a cerimónia de casamento. O programa acompanha-os nas primeiras semanas deste matrimónio, até culminar no possível divórcio ou na tentativa de continuarem um casal na vida ‘real’. Não sei que vos diga – talvez não tenha nada de muito estruturado para dizer. Certamente não se admirarão que os casais não duram muito tempo. Aliás, numa pesquisa muito preliminar, diria que todos eles acabam em divórcio. Mas os divórcios não me surpreendem, só que me irrita que isto tudo seja feito com o pretexto de ser uma experiência social e que é acompanhada por especialistas, nomeadamente psicólogos, que supostamente auxiliam no ‘matchmaking’ e no consequente processo de casamento ‘forçado’. Primeiro, acho vergonhoso que profissionais da saúde mental estejam a compactuar com a ideia de que todo este processo é científico – há concorrentes que dizem que os dedos foram medidos, como se isso fosse um factor de correspondência relacional de qualquer tipo – e segundo, que estejam a mostrar as interacções de casal como ‘reais’ ou exemplificativas do que quer que seja. Não me quero armar em moralista (apesar de ser tentador) mas os participantes sabem para o que vão e são maiores e vacinados para fazerem o que bem entenderem das suas vidas (mesmo que seja casarem-se com um estranho), mas pergunto-me se as pessoas poderão ter depositado demasiada esperança no papel dos tais profissionais que supostamente são especialistas em relacionamentos. Se o pessoal quer aparecer na televisão e fazer uns dramas para a câmara, óptimo, mas só espero que ninguém se convença que vão de facto encontrar o amor das suas vidas. Parece que a televisão anda a abusar do conceito de ‘matchmaking’ que os sites de procura romântica como o Okcupid alegam utilizar. Análises essas que podem ou não funcionar, não me vou debruçar demasiado sobre isso porque até sei pouco – mas sei o suficiente para saber que as medidas do corpo e dos dedos (!!) em nada contribuem para estas análises. O que acontece é que as câmaras, a constante falta de privacidade e a noção de que aquilo que fazemos está disponível para todos verem, altera o nosso comportamento. A alegada insinuação de que estes programas são experiências sociais é falsa, porque no mundo real não temos a constante exposição social – nacional – global. Esta – vou chamar-lhe de – fraude é problemática na medida que convence as pessoas que as novelas são ficção, mas que a televisão da realidade é a realidade de facto. A televisão, com propostas outrora honestas de informação e conhecimento, parece que anda a deturpar uma realidade que muitos de nós até precisaria de ter contacto. Porque – como é que podemos interagir com a normalidade da nossa realidade se aquilo que nos é apresentado como real é mascarado pelos valores que levam a audiências televisivas?
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesO mercador de Veneza dos tempos modernos (1) [dropcap style=’circle’] “O [/dropcap] Mercador de Veneza” é uma famosa peça de William Shakespeare. O protagonista, um agiota, exigiu uma libra da carne do seu devedor, António, quando este falhou o pagamento da dívida, de acordo com o contrato celebrado. No entanto, nem uma só gota de sangue de António poderia ser derramada durante a ablação. A história tem um extraordinário enredo mas, quinhentos anos mais tarde, um caso semelhante ocorreu com o Governo de Macau. Segundo o comunicado de imprensa da Direcção dos Serviços de Economia (DSE) e do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância (GPTUI), como foi impossível localizar os bens do avalista (a empresa-mãe Eagle Airways Holdings Limited) da “Viva Macau”, a quantia de 212 milhões de patacas cedida pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização (FDIC) à “Viva Macau” não poderá ser recuperada. O tribunal mandou arquivar o respectivo processo de falência por os bens da Viva Macau serem insuficientes para pagar as dívidas. Vale a pena mencionar que a “Eagle Airways Holdings Limited” tinha assinado cinco notas promissórias como garantia dos empréstimos concedidos à “Viva Macau”, sem que tenha sido avançados quaisquer bens físicos para efeitos de penhor. E esta é uma Empresa de Investimento de Hong Kong registada com um valor nominal de 10.000 HKD por acção. Quando eu era deputado da Assembleia Legislativa, redigi três interpelações escritas (a 13 de Janeiro e a 16 de Setembro de 2010 e a 19 de Julho de 2013) sobre o empréstimo de 212 milhões de patacas do FDIC à “Viva Macau”, e sobre a possibilidade de recuperação das verbas quando não existiam bens para efeitos de penhor. A resposta que obtive tinha este teor, “Para garantir o pagamento do empréstimo, a empresa (Viva Macau) forneceu um avalista. Se a divída não for paga na totalidade, o FDIC pode processar a empresa e o seu avalista de acordo com a lei e os regulamentos aplicáveis”; “O Governo da RAE atribui grande importância a este caso e empenhar-se-á ao máximo para levar a cabo todas as acções legais ao seu alcance, de forma a salvaguardar o erário público. Os advogados irão cobrar a divída junto da entidade responsável de acordo com a lei”; “no que respeita à incapacidade da “Viva Macau”’ de efectuar o pagamento dentro do prazo, o Governo da RAE empreenderá todas as acções legais ao seu alcance para cobrar a divída”. Embora o Governo da RAEM tenha apoiado a “Viva Macau” na solução do seu problema financeiro, acabou por falhar no contributo ao desenvolvimento sustentado da indústria da aviação de Macau. Pelo contrário, devido a uma série de irregularidades no processo do empréstimo, a quantia de 212 milhões de patacas não será recuperada e o Governo sofrerá uma avultada perda. Se todos os comerciantes deste mundo forem iguais ao “Mercador de Veneza”, que só queria ganhar dinheiro e se recusava a pagar as suas dívidas, a justiça social irá à banca rota.
Jorge Rodrigues Simão PerspectivasA ligação entre o ambiente, conflitos e segurança “There are two directions the connection between conflict and the environment can take that influence security. The degradation of the environment can cause conflict and a reduction in security; or conflict can destroy the resources and services provided by the environment, which also compromises security.” The Blue Marble Report, W. Douglas Smith [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] evolução da situação estratégica global após a Guerra Fria, sugere a necessidade de expandir a definição de segurança nacional, para incluir ameaças ambientais à estabilidade. Durante as duas últimas décadas, houve uma mudança dramática na forma como percebemos o cenário da segurança nacional contemporânea. Os líderes de organizações governamentais e não-governamentais, vêm progressivamente a aceitar que os efeitos nocivos das alterações climáticas e outros factores ambientais, estão a expor as sociedades vulneráveis à instabilidade e ao potencial conflito violento. A percepção alterada das ligações entre os problemas ambientais globais e os desafios económicos e demográficos, emergiu como uma base para a interpretação de conflitos e segurança. O “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em língua inglesa)”, dedicou um grande esforço para avaliar a vulnerabilidade das populações humanas, resultante da exposição aos efeitos adversos das alterações climáticas. O “Quarto Relatório de Avaliação do IPCC”, que examina a questão da exposição, adaptação e vulnerabilidade, sugere que os países e as sociedades, especialmente no mundo em desenvolvimento, terão dificuldade em se adaptar à pressão das alterações climáticas em um futuro não muito distante. A adaptação e a resiliência serão prejudicadas pela falta de capacidade, e as pessoas mais atingidas serão aquelas que vivem na pobreza e dentro dos “Estados falhados”, como sendo aqueles em que o governo é ineficaz e não consegue manter o controlo sobre o território, e que tem como consequência altas taxas de criminalidade, corrupção endémica, um enorme mercado informal, poder judiciário ineficaz, interferência militar na política, além da presença de grupos armados paramilitares ou organizações terroristas que controlam parte ou todo o território, como o Sudão do Sul, Somália e República Centro-Africana. O cientista político dinamarquês, George Sorensen, no seu estudo “Newest wars, newest peaces. Conceptual and political challenges” utiliza o conceito de “Estados frágeis”, para descrever um conjunto de Estados com instituições e processos económicos e políticos enfraquecidos, reservando o termo de “Estado falhado” para casos em que essa fragilidade se intensifica. O “Fundo para a Paz” que é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, americana, que tem por objectivo a pesquisa e o ensino e foi fundada em 1957, que trabalha para prevenir conflitos violentos e promover a segurança sustentável, considerou como primeiros vinte “Estados frágeis” entre um universo de cento e setenta e oito países, o Sudão do Sul, Somália, Iémen, Síria, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Sudão, Chade, Afeganistão, Zimbabué, Iraque, Haiti, Guiné, Nigéria, Etiópia, Guiné-Bissau, Quénia, Burundi, Eritreia e Paquistão. A segurança ambiental refere-se a uma série de questões de segurança, accionadas ou intensificadas por factores ambientais, como alterações climáticas, recursos, factores demográficos, desastres naturais e práticas não sustentáveis. A perturbação ou pressão ambiental tem o potencial de desestabilizar os Estados, especialmente, no mundo em desenvolvimento, porque são caracteristicamente mais dependentes do ambiente para a produtividade económica, e não têm a resiliência para superar esses desafios. Tal perspectiva refinou consideravelmente a lente, pela qual vemos o ambiente, como uma variável no cálculo da segurança nacional. À medida que as procuras populacionais e económicas aumentam, e os efeitos adversos das alterações climáticas se tornam mais aparentes, colectivamente, esses problemas podem perturbar as populações vulneráveis na medida em que erodem a legitimidade governamental, tornando-as mais vulneráveis à instabilidade e conflito. Há quem conteste a relação entre o ambiente e o conflito, e sugerem que o conflito violento resulta apenas de factores políticos e militares. É difícil de identificar conflitos em que as condições ambientais são os factores causais. No entanto, embora os pormenores de um conflito potencial desencadeado por factores ambientais não possam ser previstos, o registo histórico fornece directrizes úteis, porque a evidência é clara de que essa ligação existe. Qualquer perspectiva de segurança ambiental não tem por objectivo afirmar que a natureza do conflito é nova; ao contrário, sugere que, como a perturbação e a pressão ambiental estão a piorar, é de prever um aumento na frequência dos conflitos com uma componente ambiental. Além disso, os efeitos das alterações climáticas não são restritos pelos limites do Estado. As pesquisas, de facto, demonstram que os Estados desenvolvidos e em desenvolvimento são vulneráveis à instabilidade. No entanto, os dados sugerem claramente que o problema está espacialmente concentrado, e grandemente ampliado no mundo em desenvolvimento, e esses Estados são mais vulneráveis, porque sofrem de diversas variáveis ambientais e humanas persistentes, como a degradação ambiental, redução da produção agrícola, declínio económico, má governança, crescimento populacional, deslocamento e a ruptura civil. É de considerar que identificar Estados em risco de instabilidade e violência por causas ambientais, envolve uma ampla e complexa gama de questões de segurança, particularmente se a definirmos de forma muito ampla. O escopo da segurança ambiental, deve concentrar-se exclusivamente, em como o ambiente afecta o conflito, ou seja, o nexo conflito-ambiente que deve ser observado a partir de uma variedade de perspectivas, (por exemplo, a água, alterações climáticas, áreas urbanas) e de diferentes escalas (local a global). O problema que enfrentamos é de que o número de “Estados falhados” está a aumentar, e são mais vulneráveis à instabilidade causada pela perturbação e pressão ambiental, porque sofrem de quatro efeitos causalmente relacionados, como sejam a redução da produção agrícola, declínio económico, deslocamento da população e a perturbação civil, e esses efeitos determinam a vulnerabilidade e adaptabilidade de uma sociedade. A percepção do cenário da segurança nacional, desde o fim da Guerra Fria, evoluiu e as ligações entre o ambiente, instabilidade política e o conflito violento, isto é, segurança ambiental, tornaram-se um paradigma cada vez mais aceite nos assuntos de segurança. A segurança ambiental refere-se a uma ampla gama de questões de segurança desencadeadas ou exacerbadas por factores demográficos e ambientais, como competição por recursos, crescimento populacional e deslocamento, doenças, desastres naturais, alterações climáticas e ambientais, escassez de recursos e práticas não sustentáveis. Durante as últimas duas décadas, houve uma mudança nos meios governamentais e também na percepção da comunidade académica dos problemas ambientais globais, e da sua ligação com sociedades desestabilizadoras. Os relatórios do IPCC de 2007, 2012 e 2014 demonstram o grande esforço a avaliar a vulnerabilidade das populações humanas, resultante da exposição aos efeitos adversos das alterações climáticas. Assim, o ambiente emergiu como uma base para interpretar conflitos e segurança, e torna-se mais complicado porque o paradigma da segurança ambiental abrange uma ampla e complexa série de questões de segurança, se a definirmos de forma muito ampla para incluir o bem-estar social, ambiental, social e económico. Os problemas são ampliados por causa dos efeitos adversos persistentes e problemáticos da alteração climática global, segundo o relatório do IPCC de 2014. Além disso, a dinâmica da globalização eliminou a barreira da distância e criou expectativas no mundo em desenvolvimento do crescimento económico, intensificando, a lacuna entre os Estados desenvolvidos e em desenvolvimento. Apesar de o relatório do IPCC de 2012 indicar que todos os países são vulneráveis às alterações climáticas, os Estados em desenvolvimento são consistentemente mais vulneráveis, o que aguça a lente pela qual vemos o ambiente como uma variável no cálculo da segurança nacional. À medida que as populações crescem e as procuras económicas aumentam, e os efeitos adversos das alterações climáticas se manifestam nos Estados que enfrentam problemas de governança, os efeitos combinados desses problemas podem exceder os recursos naturais, a base económica do Estado e corroer a legitimidade governamental, tornando-os assim mais vulneráveis a conflitos. A prevalência do nexo clima-ambiente, também sugere que a resolução pacífica continuada de conflitos desencadeados pelo ambiente é inconsistente com as realidades do cenário de segurança nacional emergente. Dadas estas circunstâncias, é plausível que testemunhemos um surto de três tipos de conflito relacionados com o nexo entre o ambiente e o conflito, como sejam os conflitos internos causados por perturbação ou pressão ambiental e tendências demográficas; a guerra civil causada por colapso governamental e/ou fracasso económico e conflitos interestaduais de escala limitada, e essa avaliação está relacionada a três realidades persistentes. É de atender primeiro, que as alterações climáticas estão a ampliar os factores demográficos e ambientais existentes, além da capacidade adaptativa de muitos Estados. Segundo, a proliferação de Estados falidos reduziu a resiliência e o potencial de resolução diplomática em muitas regiões. Finalmente, a competição por recursos essenciais, tem sido exacerbada pelo crescimento populacional e pela globalização em muitas regiões. Assim, é de defender que os factores ambientais, provavelmente, fornecerão um ponto de inflexão que levará a conflitos violentos em regiões que podem estar à beira da instabilidade. O nexo conflito-ambiente gerou uma preocupação especial no governo dos Estados Unidos. A “Revisão Quadrienal de Defesa” de 2014, o Departamento de Defesa indicou que, as pressões causadas pelas alterações climáticas influenciarão a competição por recursos, ao mesmo tempo que sobrecarregarão as economias, as sociedades e as instituições de governança em todo o mundo. Esses efeitos são multiplicadores de ameaças que agravarão as perturbações e pressões no exterior, como a pobreza, degradação ambiental, instabilidade política e tensões sociais, condições que podem permitir a actividade terrorista e outras formas de violência. Assim, com conflitos relacionados com o meio ambiente e desastres humanitários na Somália, Ruanda, Timor Leste, Haiti, Banda Achém, Síria e Darfur, o uso de recursos ocidentais e das Nações Unidas (ONU) e força militar para abordar as dimensões humanitárias do conflito regional, está bem estabelecido, e parece que as alterações ambientais e a escassez de recursos podem estar a contribuir para a instabilidade e a violência. É necessário usar do princípio da prudência, pois a perspectiva de segurança ambiental não afirma que a natureza do conflito é nova, e não se deve especular que as ligações causais entre variáveis ambientais e conflito são deterministas. Ao invés, é de propor que conflitos potenciais, relacionados a factores ambientais não podem ser previstos com exactidão, sendo no entanto de sugerir, que podemos determinar quais os Estados que são mais vulneráveis, dado um conjunto de variáveis. O nexo conflito-ambiente abrange um amplo conjunto de factores que põem em risco a segurança humana; e muitos processos antropogénicos combinam-se com processos naturais de condições ambientais, para permitir a instabilidade resultante de ignorância, acidente, má administração ou programas mal estudados. No entanto, o problema é de que o delineamento de factores que contribuem para a instabilidade ambiental, é um método inexacto que envolve a análise de risco ambiental, com base em vínculos complicados entre processos humanos e naturais. Logo, é útil estabelecer uma estrutura ou modelo para delinear os vários factores, que estão a operar em uma região e quais as análises convincentes que podem ser feitas. É certo que poucas ameaças à paz e à sobrevivência da comunidade humana, são maiores do que aquelas apresentadas pelas perspectivas de degradação cumulativa e irreversível da biosfera da qual a vida humana depende. O “Relatório da Comissão Brundtland” de 1987, afirma que a nossa sobrevivência depende não apenas do equilíbrio militar, mas da cooperação global para garantir um ambiente sustentável. Os Estados são susceptíveis ao nexo conflito-ambiente, porque a exposição aos efeitos adversos das alterações ambientais pode desestabilizar os governos e as sociedades, tornando-os assim cada vez mais vulneráveis. No entanto, a ligação entre o ambiente e o conflito é uma questão polémica, e continua a inspirar a discussão nos círculos académicos e profissionais. No entanto, pesquisas contemporâneas sugerem que factores climáticos e ambientais estão a contribuir para a instabilidade política e a violência. No cerne da questão, estão três factores críticos e inter-relacionados. O primeiro factor deve-se aos efeitos adversos da mudança climática e ambiental que estão a ter um efeito mais difundido e debilitante, sobre as pessoas e governos, corroendo, assim, a sua capacidade de adaptação, conforme descreve o relatório do IPCC de 2012. O segundo factor deve-se à governança, pois o número de Estados falidos está a crescer e a capacidade adaptativa, bem como a estabilidade estão fortemente ligadas à governança. Os Estados falidos são problemáticos, porque têm grandes áreas que estão fora do controlo governamental efectivo e são, portanto, severamente afectados por desastres humanitários, perturbação e pressão ambiental e conflitos internos. O terceiro factor é económico. A pobreza aos níveis nacional e familiar intensifica a vulnerabilidade à perturbação e pressão ambiental e degrada a resiliência. É de esperar que este dilema se agrave durante as próximas décadas, dado que a população global excederá nove mil milhões pessoas e, para manter este ritmo de crescimento, a produção económica terá que quintuplicar. A perturbação e pressão ambiental estão a ter um efeito fundamental na estabilidade, porque o bem-estar económico de mais de três mil e quinhentos milhões de pessoas, que representam cerca de metade da população mundial, está ligado à terra e logo os factores como produtividade agrícola, água, combustível e desmatamento são indicadores ambientais cruciais; especialmente, tendo em conta os problemas duplos de crescimento populacional e alterações climáticas, conforme afirma o relatório do IPCC de 2007. A seca, desertificação, desmatamento, erosão do solo e o esgotamento de recursos naturais são problemas importantes em muitas regiões, mas especialmente no mundo em desenvolvimento, onde a exposição aos efeitos adversos das alterações ambientais é de grande importância, porque quase 75 por cento dos habitantes mais pobres do mundo são agricultores de subsistência que enfrentam uma queda na produtividade. Tais dinâmicas têm consequências importantes para a segurança e representam um potencial para minar os Estados que não têm suporte de recursos naturais, força institucional e resiliência para enfrentar esses desafios. No entanto, é atípico que as ligações entre o ambiente e o conflito sejam directa e absolutamente geradoras, pois os fenómenos ambientais contribuam para os conflitos, mas raramente são as únicas causas.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesTestículos [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap]s tomates, bolas, ovos – para fazer uso da gíria global – produzem esperma e testosterona, as substâncias mais masculinas do universo. Eu nunca tive a experiência de ter testículos por razões óbvias. Mas digamos que tive curiosidade em perceber mais e melhor acerca deste par de ‘esferas’ que andam penduradas nas virilhas de metade da população. Claro que este interesse não veio do nada – parece que saiu um estudo que mostra que os testículos têm bactérias (daquelas boas, como a vagina as tem) e que uma grande variedade de bactérias pode estar de alguma forma relacionada com fertilidade e com uma boa contagem de espermatozoides – em contraste com outros testículos com menor variedade de bactérias e que apresentavam uma contagem menor. Apesar da investigação estar ainda numa fase inicial, parece que estão a desenvolver alguma terapêutica medicamentosa de forma a trazer estas ‘saudáveis’ bactérias ao sistema masculino e promover a produção de esperma. Apercebi-me que a partir daí pouco mais sei sobre testículos e os cuidados a ter em relação a eles. Conhecer duas pessoas que sobreviveram a cancro nos testículos também me ajudou a perceber que, como aspirante a terapeuta sexual, o meu conhecimento acerca de testículos é estupidamente limitado, dos pénis é que ainda se vai sabendo um pouco mais. O meu primeiro passo foi procurar na Internet o que é que há para saber sobre as gónadas masculinas, e qual foi o meu espanto ao ver que a informação é demasiadamente confusa. Só aparecem aqueles sites com ar duvidoso em que é necessário fechar anúncios atrás de anúncios para ter acesso ao conteúdo que estou a procura. Que depois dão dicas como esticar o escroto e pôr os testículos em água quente – e isso parece-me uma péssima ideia. Todos nós sabemos que os testículos quanto mais fresquinhos, soltos e airosos, melhor. De bem verdade que as gónadas masculinas precisam de cuidados especiais. Já verificaram os vossos testículos hoje? Estão com boa cor, um bom formato, um bom tamanho? Não quero de todo incentivar a paranóia dos testículos em ninguém, mas digamos que problemas nos testículos são relativamente comuns e não há nada como estarmos atentos e apostarmos na prevenção. Vai de problemas simples a outros mais graves e particularmente dolorosos (como torção testicular que, como o nome indica, é quando os testículos se torcem um no outro). O cancro nos testículos é o pior cenário, mas é mais facilmente resolvido quanto mais cedo for encontrado. Assim sendo, surpreendeu-me que formas de auto-examinação dos testículos não fossem mais vulgarmente disseminadas (tal como acontece com a apalpação mamária) – é que até para encontrar isso na Internet não foi fácil. Talvez seja estigma, preconceito ou vergonha que justifiquem a pouca atenção testicular na contemporaneidade. Ou se calhar é medo, ninguém quer encarar a possibilidade de poder ficar sem testículos – porque os nossos indicadores anatómicos interessam-nos, e à forma como vivemos a nossa identidade de género. Mas parece que estamos perante um fantasma de contornos preocupantes onde só temos a masculinidade hegemónica a quem culpar. Aquela que diz que um homem tem que ter tomates para encarar a vida, por isso não encara os ditos de todo. Os tomates, bolas ou ovos, esses que são socialmente construídos como sinal de força, de coragem e de virilidade, mas que na verdade são de grande fragilidade e delicadeza. Os ovinhos da fertilidade que pendurados com os seus ambientes bacteriológicos e os seus formatos curiosos – a propósito, é normal o testículo direito ser ligeiramente maior que o esquerdo, e é normal o esquerdo estar mais pendurado que o outro – precisam de uma contínua atenção.
João Luz VozesFrustração [dropcap style=’circle’] P [/dropcap] or vezes, por detrás dos caracteres, das colunas, das manchetes, há calvários de paciência invisível sacrificada em prol da edição, há muros de incompreensão, desleixo e incompetência difíceis de ultrapassar. A gestação de um artigo é naturalmente um processo atribulado, em qualquer parte do mundo. Mas Macau oferece algo mais, acrescenta um ingrediente de surrealismo que leva jornalistas a beliscarem-se para terem a certeza de que ouviram mesmo o que acabaram de ouvir. Acho até que as traduções não são o mais evidente calcanhar de Aquiles da complexa relação entre jornalistas e poder. Na minha óptica, o maior problema é de natureza cognitiva num contexto de total inconsequência para as atrocidades lógicas que se cometem. O dever de informar neste pandemónio cognitivo torna-se num suplício, numa bad trip comunicativa. Por exemplo, quando se convoca uma conferência de imprensa para apresentar um estudo que não tem qualquer contacto com o estudo anterior em termos de parâmetros medidos, impossibilitando conclusões ou delinear tendências. A óbvia função do jornalista é transmitir ao leitor, ouvinte ou telespectador, a ineptidão pública demonstrada no triste espectáculo. Neste domínio, há que destacar o pelouro da saúde pelo conveniente dom de marcar conferências de imprensa em cima da hora, publicar comunicados à meia-noite e dar informações que levantam mais questões do que propriamente respostas. Mas as insuficiências comunicativas são extensíveis a todas as tutelas, com excepções pontuais de competência e dedicação. Muitas vezes somos forçados a escalar montanhas mentais, percorrer trilhos de raciocínios sinuosos para chegarmos sempre ao mesmo sítio: “o Governo vai prestar atenção às preocupações da sociedade”, ou que actua “no cumprimento da lei”. Recordo um episódio daqueles detrás da cena, quando confrontei a opinião de vários juristas de renome que colocaram em causa a “constitucionalidade” de um regime legal por conter disposições contrárias à Lei Básica (câmaras nos uniformes dos polícias). A primeira resposta formatada a clichés defendeu que mesmo com a percepção de incompatibilidade com a lei mais alta da hierarquia legal o resultado prático daquela lei seria de acordo com a lei. Ou seja, mesmo que seja contrário à Lei Básica essa contradição é “de acordo com a lei”, uma aberração lógica que mata o mais bravo esforço comunicacional. A ginástica mental prosseguiu depois de um email onde especificamente confrontava duas disposições legais antagónicas e essa divergência material na letra da lei foi relegada para segundo plano com mais uma cascata de incongruências. Todas elas, claro está, “de acordo com a lei”. Este truque só está ao alcance de crianças com menos de 5 anos e do Governo. – “Pedrito, como é que o prato de esparguete foi parar à parede?” – “O coelho corre muito depressa.” – “O prato! Como?! – “O coelho corre muito depressa.” – “Pronto, ok, o coelho. Porque não respondes a uma simples pergunta e fazes essa carinha querida carregada de culpa? O que é que eu fiz à minha vida!!” e engole-se mais um sapo empurrado goela abaixo por um alto copo de incredulidade. Depois existe sempre o vasto coro crítico que exige que a verdade seja posta cá fora, que sejam abanadas as fundações dos interesses cristalizados no tempo e que se abra uma janela que traga a aragem da transparência. Um forte activismo que exige seriedade total no conforto das redes sociais, mas que se transforma em silêncio acanhado no momento de se tornar fonte, na altura de participar na busca pela verdade. É pedida compreensão que minutos depois é colocada na gaveta para dar lugar à trollada do costume. Só com verdadeira paixão se consegue gerir o capital de frustração que esta profissão exige. Já agora, evoco a memória do “inconseguimento frustracional” da saudosa Assunção Esteves. Paz à sua alma. Só com Montypythónico humor se contornam estas esquinas de significado na esperança de desembocar na Avenida da Lógica Harmoniosa. Dei o harmoniosa de desbarato no espírito do compromisso e respeito.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA era digital “We’re moving to this integration of biomedicine, information technology, wireless and mobile now – an era of digital medicine. Even my stethoscope is now digital. And of course, there’s an app for that.” The Future of Medicine, Where Can Technology Take Us? Daniel Kraft [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m uma cena famosa do filme de 1967, “A Primeira Noite”, um amigo da família deixa de lado o personagem de Dustin Hoffman, Benjamin Braddock, e sussurra em tom conspiratório que existe um grande futuro nos plásticos. Se o filme tivesse sido realizado em outra época, o conselho ao jovem Braddock poderia ser diferente, e ter sido aconselhado a envolver-se em caminhos-de-ferro, negócios com electrónica ou simplesmente a ir para o Oeste, pois todas as idades têm situações que parecem novas e maravilhosas na época, mas frouxas e banais para as gerações futuras. A tecnologia digital é a última moda porque, depois de décadas de desenvolvimento, tornou-se incrivelmente útil. Ainda assim, quem observe melhor, poderá ver os contornos da sua inevitável descida ao mundano. As pessoas precisam de começar a preparar-se para uma nova era de inovação em que diferentes tecnologias, como a genómica, ciência dos materiais e a robótica, se destacam e para entender o que está a acontecer, é necessário observar as tecnologias anteriores. A ascensão da electricidade, por exemplo, começou no início da década de 1830, quando Michael Faraday inventou o dínamo eléctrico e o motor. Ainda assim, só cinquenta anos depois, Edison abriu a sua primeira fábrica e quarenta anos passados, durante a década de 1920, a electricidade começou a ter um impacto mensurável na produtividade. Toda a tecnologia segue um caminho semelhante de descoberta, engenharia e transformação. No caso da electricidade, Faraday descobriu novos princípios, mas ninguém realmente sabia como torná-los úteis, dado que primeiro tinham que ser entendidos suficientemente bem, para que pessoas como Edison, Westinghouse e Tesla, pudessem descobrir como fazer produtos que as pessoas estariam dispostas a comprar. Todavia, realizar uma verdadeira transformação exige mais do que uma única tecnologia, pois as pessoas precisam de mudar os seus hábitos, e então as inovações secundárias necessitam de entrar em jogo. É de considerar que para a electricidade, as fábricas precisavam de ser redesenhadas e o trabalho tinha que ser re-imaginado, antes de começar a ter um impacto económico real, e os electrodomésticos, radiocomunicações e outros produtos mudaram a vida conforme a conhecíamos, o que levou algumas décadas. O nosso mundo foi completamente transformado pela tecnologia digital. Seria difícil explicar a alguém que olhava para um computador de grande porte da IBM nos anos 1960, que algum dia máquinas semelhantes substituiriam livros e jornais, nos dariam recomendações sobre onde comer e instruções sobre como lá chegar, e até mesmo falar connosco, mas actualmente tais aplicações fazem parte dos nossos hábitos quotidianos. É de considerar que ainda hoje existem várias razões para acreditar que o crepúsculo da era digital paira sobre nós, o que não significa qualquer tipo de argumentação de que deixaremos de usar a tecnologia digital, pois afinal, ainda usamos a indústria pesada, não significando que ainda estamos na “Era Industrial”. Existem três razões principais para mencionar que a era digital está a terminar, sendo a primeira a tecnologia em si. O que impulsionou todo o entusiasmo com os computadores foi a nossa capacidade de colocar cada vez mais transístores em uma placa de silício, um fenómeno que conhecemos como Lei de Moore, e que permitiu tornar a nossa tecnologia exponencialmente mais poderosa, anualmente. A Lei de Moore está a terminar a sua aplicação. As empresas como a “Microsoft” e a “Google” estão a projectar circuitos integrados personalizados para executar os seus algoritmos, porque não é mais possível esperar por uma nova geração de circuitos integrados e para maximizar o desempenho. É preciso cada vez mais optimizar a tecnologia para uma tarefa específica. Deve-se considerar, em segundo lugar, que a habilidade técnica necessária para criar tecnologia digital diminuiu drasticamente, marcada pela crescente popularidade das chamadas plataformas sem código. Assim como os mecânicos e electricistas, a capacidade de trabalhar com a tecnologia digital está a tornar-se cada vez mais uma habilidade de nível médio e com a democratização, vem a comoditização que é o processo de transformação de bens e serviços (ou coisas que podem não ser normalmente percebidos como bens e serviços) em uma mercadoria. Os aplicativos digitais, finalmente, estão a tornar-se bastante evoluídos. Se comprarmos um computador portátil ou um telemóvel praticamente faz as mesmas coisas que o comprado há cinco anos. As novas tecnologias, como os alto-falantes inteligentes sem fios com comando de voz, como o “Amazon Echo” e o “Google Home”, que adicionaram a conveniência das “interfaces” de voz, mas pouco mais. Ainda que haja um valor novo limitado a ser aproveitado em objectos como processadores de texto e aplicativos de telemóvel, existe um extraordinário valor a ser libertado na aplicação de tecnologia digital a campos como a genómica e ciência dos materiais, para alimentar indústrias tradicionais como a fabricação, energia e medicina. O desafio essencial é aprender como usar “bits” para direccionar átomos. É fácil entender o seu funcionamento observando no “Atlas do Genoma do Cancro (TCGA na sigla na língua inglesa)”, que é um projecto iniciado em 2005 e supervisionado pelo “National Institute of Health (NIH)” e o “National Human Genome Research Institute (NHGRI)”, ambos dos Estados Unidos, que visam a catalogação de alterações moleculares responsáveis pelo aparecimento da importância biológica do cancro utilizando a sequenciação do genoma e a geoinformática. A sua missão era simplesmente sequenciar genomas de tumores e colocá-los “online” e até ao momento, catalogou mais de dez mil genomas em mais de trinta tipos de cancro e libertou um dilúvio de inovações na ciência do cancro e também, ajudou a inspirar um programa similar para materiais chamado de “Iniciativa do Genoma Material (GMI na sigla em língua inglesa)” que vem na sequência do “Projecto Genoma Humano (HGP na sigla em língua inglesa)”, que é um programa internacional de pesquisa colaborativa para sequenciar e entender todos os genes dos seres humanos. A HPG foi declarada completa em Abril de 2003 e deu-nos a incrível capacidade de ler o mapa genético completo do ser humano, tendo iniciado uma nova era da medicina molecular. O GMI é uma iniciativa relativamente nova destinada a desenvolver políticas, recursos e infra-estrutura para apoiar a descoberta e o fabrico de materiais funcionais a um ritmo acelerado, e com custos substancialmente reduzidos. Qual a razão de se referir à iniciativa como um projecto “genoma”? É mais como uma metáfora do que uma analogia directa com o mapa do ADN humano, e deve ser interpretado como sendo um componente crítico da descoberta, desenho e manufactura moderna de materiais que envolvem a integração de uma grande quantidade de dados com origens diversas, desde caracterizações experimentais e análise computacional até experiências em condições realistas. A forma de recolher, organizar, distribuir e usar esses dados com eficiência é um desafio significativo, semelhante ao enfrentado pelo HPG no seu esforço que durou quinze anos. Além disso, os pesquisadores esperam que o impacto a longo prazo do GMI nas investigações de materiais, seja igual ao impacto do HPG na pesquisa biomédica. O GMI foi lançado em 2011 pelo governo americano e envolve várias agências federais, como os Departamentos de Defesa e de Energia, Fundação Nacional de Ciência, Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA na sigla em língua inglesa), Instituto Nacional de Normas e Tecnologia (NIST na sigla em língua inglesa), e muito outros. Quanto ao GMI, os esforços estão a aumentar muito a capacidade de inovar, sendo de considerar o esforço para desenvolver químicas avançadas de baterias para impulsionar a economia de energia limpa, o que requer a descoberta de materiais que ainda não existem. É de entender, que historicamente, tal envolveria o teste de centenas ou milhares de moléculas, mas os pesquisadores puderam aplicar super computadores de alto desempenho, para executar simulações em genomas de materiais e reduzir muito as possibilidades. É de acreditar que durante a próxima década, essas técnicas incorporarão cada vez mais algoritmos de aprendizagem da máquina, bem como novas arquitecturas de computação, como a quântica e os “chips” neuromórficos, que funcionam de forma muito diferente dos computadores digitais. As possibilidades desta nova era de inovação são profundamente impressionantes. A revolução digital, apesar de todos os seus encantos, teve um impacto económico bastante limitado, em comparação com tecnologias anteriores, como a electricidade e o motor de combustão interna. As tecnologias da informação, mesmo actualmente, representam apenas cerca de 6 por cento do PIB nas economias avançadas. Se compararmos com a manufactura, saúde e energias, que compõem 17 por cento, 10 por cento e 8 por cento do PIB global, respectivamente, pode-se ver como existe muito mais potencial para causar impacto além do mundo digital. Todavia, para capturar esse valor, é preciso repensar a inovação para o nosso século. A tecnologia digital, velocidade e agilidade são os principais atributos competitivos. As técnicas como prototipagem rápida e interacção, aceleraram o desenvolvimento e muitas vezes melhoraram a qualidade, porque se deve entender muito bem as tecnologias subjacentes. As três grandes tecnologias para a próxima década serão a genómica, nanotecnologia e robótica. A tecnologia está a mudar o mundo e o economista americano, Robert Gordon, no seu último livro “The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War”, afirma o oposto e aponta com precisão que a produtividade, que surgiu entre 1920 e 1970, parou desde então, e é provável que assim continue e argumenta, que as tecnologias anteriores, como a electricidade, motor de combustão interna e os antibióticos, tiveram efeitos muito variados, enquanto a tecnologia digital é relativamente diminuta em comparação. É um argumento sério e que pode estar certo, mas não leva em conta outros efeitos importantes. O cientista americano da computação e inventor, Ray Kurzweil, no seu livro “The Singularity Is Near : When Humans Transcend Biology”, declara que o ponto final da tecnologia digital não são os melhores dispositivos e aplicativos, mas as novas tecnologias, como a genómica, nanotecnologia e robótica que estão apenas a começar a ter um impacto, mas na próxima década vão determinar se Robert Gordon está certo ou não. Os engenheiros de “Sillicon Valley” são famosos pelas suas habilidades com códigos de computador. Todavia, o avanço exponencial do poder de computação permitiu que os cientistas começassem a desvendar os mistérios de um enigma ainda mais importante, o código genético e o novo campo da genómica. A primeira área em que está a causar impacto é o cancro. O mapeamento do genoma do cancro está a possibilitar novas terapias, mais direccionadas, que tratam pacientes com base na composição genética do cancro, e não apenas na localização do tumor, como na próstata ou na mama, que combinado com novas imunoterapias, está a dar esperança de que a cura para o cancro pode em breve ser uma realidade. A nova técnica denominada de “Repetições Palindrómicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçada (CRISPR na sigla em língua inglesa)”, permite que os cientistas editem sequências de ADN para, por exemplo, desabilitar genes-chave de um vírus HIV, desactivar outras doenças auto-imunes como a “Esclerose Múltipla” ou reprogramar o ADN de levedura para criar petroquímicos como plásticos. A genómica ainda é uma ciência muito jovem, com pouco mais de uma década de existência, e está apenas a começar a arranhar a superfície, mas as primeiras indicações são de que mudará as concepções sobre o que é possível. Os antibióticos foram verdadeiramente transformadores, mas o seu efeito limitou-se a doenças infecciosas. A genómica tem o potencial de ir muito além. Apenas alguns dias após o Natal de 1959, Richard Feynman subiu ao pódio na reunião anual da “American Physical Society” para dar uma palestra intitulada “Há muito espaço no fundo” e em uma hora falando ao nível do ensino médio, criou uma nova ciência, denominada de nanotecnologia que está a trazer uma ampla gama de novos materiais físicos, como os “pontos quânticos (QD na sigla em língua inglesa)”, que estão a revolucionar os dispositivos electrónicos, de computadores mais eficientes a televisões mais baratas e nítidas. O grafeno, é outro material de nanotecnologia, que pode ser usado para fazer uma ampla variedade de produtos, desde próteses super-fortes, mas incrivelmente leves, até fios supercondutores. A fim de entender o incrível impacto da nanotecnologia, é preciso analisar apenas uma área, a das células solares. Enquanto a energia solar está a lutar para ser viável, no futuro a nossa energia pode custar cerca de metade do preço actual em dez anos, e apenas um quinto em vinte anos. Devemos considerar que a energia representa cerca de 8 por cento do PIB, e que tem o potencial de causar um grande impacto na produtividade. Durante a maior parte da história, tivemos que nos conformar com os materiais que a natureza nos deu, mas estamos prestes a projectar materiais com as propriedades que desejamos. A genómica, nanotecnologias como pontos quânticos e grafeno só se tornaram viáveis recentemente, não sendo possível prever o que o futuro reserva. Os primeiros robôs industriais atingiram a linha de montagem em uma fábrica da General Motors, em 1961, realizando tarefas como soldagem de corpos e nas décadas que se seguiram, os robôs fizeram uma parte crescente do trabalho de fábrica, mas sempre sós, sendo muito perigosos para rodear as pessoas. As primeiras ATMs foram instalados, em 1969, e os robôs começaram a substituir trabalhadores administrativos em vez de operários e estamos a ver cada vez mais robôs ao nosso redor. O “Da Baxter”, é um robô barato para as pequenas empresas comprarem e seguro para colaborar com trabalhadores. Os robôs “Roomba” podem aspirar de forma inteligente os pisos das casas e os robôs de software que automatizam o planeamento de viagens tornaram-se essenciais à vida. O campo militar é o local privilegiado para entender o futuro da robótica, na qual os Estados Unidos investiram milhares de milhões de dólares, usando onze mil drones e doze mil robôs terrestres para realizar trabalhos como a remoção de bombas e o transporte de equipamentos. Os militares estão a estabelecer vínculos emocionais com os robôs, dando-lhes nomes e arriscando as suas vidas para os salvar, mas também vemos robôs a tornarem-se cada vez mais integrados na vida civil. Os drones estão a ser implantados comercialmente para pesquisar cultivos e a “Amazon” está a planear lançar um serviço de entrega por drones . O “Watson” da IBM está a ajudar médicos a diagnosticar pacientes. À medida que a tecnologia avança, os robôs substituirão cada vez mais os seres humanos como conduzir camiões. Robert Gordon teve um pensamento correcto e excepto por um período relativamente breve no final da década de 1990, vimos pouco benefício mensurável da tecnologia digital. O impacto, certamente nada tem a ver com inovações anteriores, como a electricidade, antibióticos ou motor de combustão interna. Todavia, talvez esteja a ser um pouco rápido para julgar. Faraday inventou o dínamo eléctrico e o motor de combustão interna foi desenvolvido na década de 1870. Ainda assim, o maior impacto ocorreu entre 1920 e 1970. Nesse intervalo de tempo, outras tecnologias, como a direcção, freios, estradas, electrodomésticos e computadores precisavam de ser desenvolvidos. A inovação nunca é um evento único pois requer a descoberta de novos “insights”, engenharia de soluções à volta deles e, em seguida, a transformação de uma indústria. A tecnologia não produz progresso por si, sendo preciso encontrar problemas importantes para resolver e, então, mudar a forma como se trabalha para retirar vantagens. Assim, enquanto os aplicativos de telemóveis adicionam conveniência às nossas vidas, o real impacto da tecnologia digital está à nossa frente, quando tecnologias de segunda ordem são aplicadas a problemas completamente novos. As tecnologias emergentes que estão a surgir, não se criam com a frequência desejada, não sendo possível prototipar rapidamente um computador quântico, uma cura para o cancro ou um material não descoberto. É de atender que existem sérios problemas éticos que envolvem tecnologias como a genómica e inteligência artificial, pois passámos as últimas décadas a aprender e a andar rápido, mas nas próximas décadas, teremos que reaprender a caminhar novamente devagar. Assim, enquanto os “mantras” para a era digital foram a agilidade e ruptura, para esta nova era de exploração e descoberta de inovação, mais uma vez se tornarão proeminentes. É hora de pensar menos sobre “hackaton” e mais sobre como enfrentar os grandes desafios.
Leocardo VozesPreguiça [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ós, portugueses, temos imenso jeito para a preguiça. Fosse a preguiça um desporto olímpico, e trazíamos sempre uma ou duas medalhas para casa. Só que a maioria dos desportos olímpicos implicam esforço físico, que é cansativo, e por isso raramente subimos ao pódio – dá-nos preguiça, enfim. Mais do que um desporto nacional praticado de norte a sul por anti-atletas de todas as idades e condição social, a preguiça é uma filosofia. Reparem na quantidade de provérbios que temos dedicados à preguiça: “Nascemos cansados e vivemos para trabalhar”; “Se o trabalho dá saúde, trabalhem os doentes”; “Se a preguiça é a mãe de todos os vícios, o trabalho é o pai dos calos”; ou a minha favorita, “Mais vale uma mão inchada que uma enxada na mão”, a conclusão de uma célebre anedota sobre alentejanos. Por falar em alentejanos, estes são os supra-sumo da preguiça. Fosse a preguiça uma arte marcial, e eles eram cinturão preto em enésimo “dan”. Correcção: não seriam nada, pois para obter um cinturão preto é necessário competir, e isso é uma daquelas coisas que dá trabalho, e o trabalho é o maior inimigo da preguiça. Dizer que os alentejanos são especialmente preguiçosos, ao ponto de “acordarem mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada”, é uma presunção falaciosa. Quem são os restantes portugueses para chamar os alentejanos de preguiçosos? Diz o roto ao nu: porque não te vestes tu. Se os alentejanos são os campeões nacionais da preguiça, foi porque fizeram mais por isso. Ou antes, foram os que fizeram menos por isso. Não mexeram um dedo e ganharam um título. Temos muito a aprender com eles. Falando a sério, os portugueses até não são tão preguiçosos como isso. Se não desse muito trabalho, até enumerava alguns povos mais preguiçosos que nós, mas estou com preguiça. Os nossos emigrantes, por exemplo, dão provas de valor lá fora, deixam-nos orgulhosos, são empreendedores, activos, trabalhadores, ou recorrendo novamente à sabedoria alentejana, são como o caracol: “aquele animal irrequieto”. O problema deve ser mesmo o nosso país, que nos torna preguiçoso. O que falta a Portugal em recursos naturais sobra em preguiça. Fosse a preguiça líquida e subterrânea, bastava fazer um buraco no chão e jorrava como petróleo. Quando o capataz da EDP encontra os operários a dormir no serviço, eles explicam-lhe que estavam a cavar uma vala para fazer passar os cabos, mas deram com um lençol de preguiça em bruto. Ficamos indefesos perante a fraqueza da preguiça, e a única forma de a combater é não reagir, virarmo-nos para o lado e dormir. Não quer dizer que sejamos fracos, moles ou dorminhocos, nada disso. O que acontece é que preferimos guardar as energias para fazer coisas mais divertidas que trabalhar, como dançar, comer, beber e fazer todo o tipo de farra. Duas horas de trabalho podem parecer uma eternidade, mas doze horas de forrobodó passam tão depressa que até parecem cinco minutos. O mesmo tipo que está de baixa há um mês por causa de dores nas costas, passa a noite inteira aos pulos no arraial lá da vila. E depois? É preciso não confundir as coisas. Diz-se que esta “preguicite” – uma doença contagiosa – é típica dos países mais quentes, onde o calor, a comida, as mulheres de roupas leves convidam mais à cantoria e ao bailarico do que ao trabalho. É por isso que os países do norte da Europa e os norte-americanos trabalham tanto: não têm nada melhor para fazer. Estes gajos são mesmo assim: quando acabam o seu trabalho e ainda lhes sobra tempo, vão buscar mais trabalho. Acabou o trabalho daquele dia, começam a fazer o trabalho do dia seguinte. É isto que eles chamam de “ética profissional”, mas nós chamamos de “obsessão”. Para nós chega a ser pecado começar a trabalhar nos primeiros trinta minutos depois de chegar ao serviço, enquanto eles mal chegam e já estão a velocidade de cruzeiro. Os últimos dez minutos do dia são reservados à contagem decrescente até à hora da saída, mas os tipos continuam a trabalhar a todo o vapor, como se estivessem a desarmadilhar uma bomba. Mas também, quem vai fazer um barbeque à chuva? Como é que se pode sambar na neve? E as mulheres, como é que exibem um decote ou se metem numa mini-saia com temperaturas de zero graus ou menos? Há economias em países quentes que são um sucesso, como a Austrália ou a Nova Zelândia, mas os seus colonizadores eram oriundos do norte da Europa – é genético. Podem ser ricos, mas são uns infelizes. Esquecem-se de viver, e no fundo até têm inveja de nós, os preguiçosos militantes. Em vez de nos andarem a cobrar a dívida, deviam antes pagar-nos mais, e agradecer. Porquê? Porque assim trabalham, são felizes assim, e pelo menos há alguém que se diverte.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesVolta ao Mundo à Saúde Reprodutiva [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á discuti extensivamente como a saúde feminina deve ser divulgada e discutida, e de como existem variações nacionais (às vezes até regionais!) na forma como as mulheres podem ter (ou não) acesso a certos produtos, medicamentos ou serviços. Parece-me que, se já no nosso local de residência habitual pode tornar-se um pesadelo encontrar certas atenções que a nossa vagina pode necessitar, imaginem no estrangeiro. Nós somos mulheres emancipadas, senhoras dos nossos narizes, e corremos mundo à procura de emprego, bem-estar, ou simplesmente divertimento. Mas num mundo de desigualdades de oportunidades e de direitos, a saúde reprodutiva feminina nem sempre é um direito ou não é de fácil acesso, na generalidade. Num mundo globalizado esta é informação útil às mulheres que precisam de ter acesso a pílulas contraceptivas, pílulas do dia seguinte, de um(a) ginecologista, de um antifúngico para aquela vaginite chata e persistente, em qualquer ponto do globo. Com isto em mente, nasceu o projecto ‘gynopedia’, uma wikipedia online da vagina e das questões femininas em geral, para quem corre mundo e precisa de arranjar soluções para certos desafios particulares. Assim saberás que na China pode ser difícil comprar um tampão, mas que uma pílula do dia seguinte não precisa de receita médica, e é facilmente adquirida em qualquer farmácia. Até oferecem uma tradução para mandarim de como fazer o pedido. E esta lógica aplica-se às outras páginas de outros países ou cidades, não de tantos quanto se gostaria, porque que ainda se esperam novas colaborações – de pessoas como tu! especialista na forma como se vive a saúde reprodutiva no teu local de residência – para completar a enciclopédia dos assuntos femininos globais. Este é um projecto/plataforma ainda em estado muitíssimo embrionário mas acho que merece toda e qualquer atenção – entendam-no como um guia turístico para os assuntos femininos e reprodutivos. No mundo ocidental, o tal que é supostamente democrático e desenvolvido, dissemina-se a representação de que é lá que se faz tudo e muito bem, porque de bem verdade que é lá que a tecnologia de ponta está à disposição. Mas existem sempre transformações e mutações inesperadas. O progresso nem sempre tem um caminho ascendente, às vezes tem uns percalços e cai a pique. A Polónia é um exemplo deste declínio porque, entre outras acções, inutilizaram a prática de educação sexual nas escolas e tornaram o aborto ilegal. Parece que os EUA estão a ir por um caminho tortuoso também, vendo recuar certas liberdades sexuais e de reprodução por outras mais arcaicas. O que este projecto colaborativo oferece é uma possibilidade de nos mantermos sempre informadas acerca de certos progressos, mas de forma mais preocupante, de certos retrocessos também. Acho que estou entusiasmada com a possibilidade saber onde procurar caso necessite de uma pílula do dia seguinte quando estiver de férias no Brasil, mas também porque facilita ter esta informação organizada e de fácil acesso, para uma perspectiva de como o mundo vai e como é que a saúde reprodutiva é tratada e regulamentada pelo globo. E porque é que esta consciencialização é importante? Porque é preciso um movimento de descoberta e de união, que não servirá para o perpetuar um movimento à la globalização neo-liberal, mas para possibilitar a compreensão que apesar de existirem vários feminismos e várias formas de vivermos a feminilidade, o direito a uma saúde reprodutiva plena deveria ser um direito universal. Infelizmente o direito à nossa intimidade e ao controlo do nosso corpo não é um dado adquirido, em nenhum dos hemisférios (perdoem-se o pessimismo ocidental) mas vale sempre a pena contribuir para a discussão e divulgação do que são corpos – e vaginas – felizes.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA inteligência artificial (II) “Artificial intelligence will reach human levels by around 2029. Follow that out further to, say, 2045, we will have multiplied the intelligence, the human biological machine intelligence of our civilization a billion-fold.” The Age of Spiritual Machines: When Computers Exceed Human Intelligence Ray Kurzweil Se considerarmos o caso de uma grande empresa agrícola que queria implantar a tecnologia da IA para ajudar os agricultores e uma enorme quantidade de dados estava disponível sobre as propriedades do solo, padrões climáticos, colheitas históricas, e o plano inicial era criar um aplicativo de IA que pudesse prever com mais precisão o rendimento futuro das colheitas, mas nas discussões com os agricultores, a empresa aprendeu sobre uma necessidade mais premente. O que os agricultores realmente queriam era um sistema que pudesse fornecer recomendações, em tempo real, sobre como aumentar a produtividade, quais os terrenos e onde cultivar e quanto nitrogénio a usar no solo. A empresa desenvolveu um sistema de IA para fornecer tais conselhos, e os resultados iniciais foram promissores; os agricultores ficaram felizes com o rendimento das colheitas obtido com a orientação da IA. Os resultados desse teste inicial foram então enviados de volta ao sistema para refinar os algoritmos usados. Assim, como na etapa de descoberta, novas técnicas analíticas e de IA podem auxiliar na co-criação, sugerindo novas abordagens para melhorar os processos. O terceiro passo para as empresas é escalonar e depois sustentar a solução proposta. O SEB, por exemplo, implantou originalmente uma versão da “Aida”, internamente, para ajudar os quinze mil trabalhadores do banco, mas depois, implementou o “chatbot” em um milhão de clientes. O último estudo realizado nos Estados Unidos com uma sondagem a centenas de empresas, foram identificadas cinco características dos processos de negócios, que as empresas normalmente desejam melhorar que são a flexibilidade, velocidade, escala, tomada de decisões e personalização. Ao reinventar um processo de negócios, é necessário determinar qual dessas características é central para a transformação desejada, como a colaboração inteligente poderia ser aproveitada para resolvê-lo, e quais os ajustamentos e compensações com outras características do processo seriam essenciais. Os braços “cobot” na Mercedes-Benz, tornam-se uma extensão do corpo do trabalhador e para os executivos da empresa, os processos inflexíveis apresentaram um desafio crescente. Os clientes que maior lucro dava à empresa, vinham a exigir cada vez mais, carroçarias individualizadas da classe S, mas os sistemas de montagem não conseguiam oferecer a personalização que as pessoas queriam. A fabricação de automóveis, tradicionalmente, tem sido um processo rígido com etapas automatizadas, executadas por robôs “pouco inteligentes”. A fim de melhorar a flexibilidade, a Mercedes substituiu alguns desses robôs por “cobots” com IA, e redesenhou os seus processos em torno de colaborações entre seres humanos e máquinas. Os braços robotizados, na fábrica da empresa, perto de Estugarda, guiados por trabalhadores pegam e colocam peças pesadas, tornando-se uma extensão do corpo do trabalhador. O sistema coloca o trabalhador no controlo da construção de cada carro, fazendo menos trabalho manual e mais um trabalho de pilotagem com o robô. As equipas de máquinas humanas da empresa podem adaptar-se rapidamente. Os “cobots” na fábrica, podem ser reprogramados facilmente com um “tablet”, permitindo que trabalhem em tarefas diferentes, dependendo das alterações no fluxo de trabalho. Tal agilidade, permitiu que o fabricante atingisse níveis sem precedentes de personalização. A Mercedes pode individualizar a produção de veículos de acordo com as escolhas em tempo real que os consumidores fazem nas concessionárias, alterando tudo, desde os componentes do painel do veículo até à pele do assento ou às tampas das válvulas dos pneus, e como resultado, não existem dois carros iguais a sair da linha de montagem da fábrica na Alemanha. Algumas empresas estão a usar a IA para descobrir incógnitas desconhecidas nos seus negócios. A “GNS Healthcare (GNS)” é uma empresa privada de análise de dados, sediada em Cambridge, nos Estados Unidos, que aplica “software” de aprendizagem de máquinas para encontrar relações negligenciadas, entre os dados nos registos de saúde dos pacientes e em outros locais. O “software” depois de identificar um relacionamento, elabora várias hipóteses para explicá-lo e, em seguida, sugere quais delas são mais prováveis. Tal abordagem, permitiu que o GNS descobrisse uma nova interacção medicamentosa escondida em anotações de pacientes não estruturados, não se tratando de uma peneira de dados para encontrar associações, pois a plataforma de aprendizagem de máquinas não vê apenas padrões e correlações nos dados. É de considerar que para algumas actividades de negócios, o prémio está na velocidade e uma dessas operações é a detecção de fraudes com cartões de crédito. As empresas têm apenas alguns segundos para determinar se devem aprovar uma determinada transacção. Se for fraudulenta, provavelmente terão que repor essa perda, mas se negarem uma transacção legítima, perdem a taxa da compra e irritam o cliente. O “The Hongkong and Shanghai Banking Corporation (HSBC)”, como a maioria dos grandes bancos, desenvolveu uma solução baseada em IA que melhora a velocidade e a precisão da detecção de fraudes. A IA monitora e marca milhões de transacções diariamente, usando dados sobre o local de compra e o comportamento do cliente, endereços IP e outras informações para identificar padrões subtis que sinalizam possíveis fraudes. O HSBC implementou pela primeira vez o sistema nos Estados Unidos, reduzindo significativamente a taxa de fraudes e falsos positivos não detectados e, em seguida, implementou-o no Reino Unido e na Ásia. Um sistema de IA diferente usado pelo Danske Bank melhorou a sua taxa de detecção de fraudes em 50 por cento e diminuiu os falsos positivos em 60 por cento. A redução no número de falsos positivos, liberta os investigadores para concentrar os seus esforços em transacções equívocas, que a IA sinalizou, onde o julgamento humano é necessário. A luta contra a fraude financeira é como uma corrida armamentista, pois uma melhor detecção conduz a criminosos mais perigosos, levando por conseguinte a uma melhor detecção, que continua o ciclo. Assim, os algoritmos e modelos de pontuação para combater fraudes têm uma vida útil muito curta e exigem actualização contínua. Além disso, diferentes países e regiões usam modelos diferentes e por essas razões, legiões de analistas de dados, profissionais de “Tecnologia de Informação (TI)” e especialistas em fraudes financeiras são necessárias no sistema de meios de ligação entre os seres humanos e as máquinas, para manter o “software” na dianteira dos criminosos. A baixa escalabilidade, para muitos processos de negócios, é o principal obstáculo para a melhoria e é particularmente verdadeiro em processos que dependem de trabalho humano intensivo com assistência mínima da máquina. É de considerar, por exemplo, o processo de recrutamento de trabalhadores da “Unilever” que é uma multinacional britânica-neerlandesa de bens de consumo, que estava à procura de uma forma de diversificar a sua força de trabalho de cento e setenta mil pessoas. Os recursos humanos da empresa, determinaram que precisavam de se concentrar em contratações de nível básico e, de seguida, contratar o melhor para a gestão, mas os processos existentes na empresa não foram capazes de avaliar potenciais candidatos em número suficiente, ao mesmo tempo que davam atenção individual a cada aspirante para garantir uma população diversificada de talentos excepcionais. A “Unilever” combinou recursos humanos e de IA para dimensionar a contratação individualizada, e na primeira fase do processo de inscrição, os candidatos são convidados a brincar com jogos “on-line” que ajudam a avaliar características como a aversão ao risco. Os jogos não têm respostas certas ou erradas, mas ajudam a IA da “Unilever”, a descobrir quais os indivíduos que podem ser mais adequados para uma determinada posição. Os candidatos, na fase seguinte, são convidados a enviar um vídeo em que respondem a perguntas específicas, para a posição em que estão interessados. As suas respostas são analisadas por um sistema de IA, que considera não apenas o que dizem, mas também a sua linguagem corporal e tom de voz. Os melhores candidatos dessa fase, conforme o decidido pela IA, são então convidados à “Unilever” para realizarem entrevistas pessoais, após as quais os seres humanos tomam as decisões finais de contratação. É muito cedo para dizer se o novo processo de recrutamento resultou na contratação dos melhores trabalhadores. A empresa tem acompanhado de perto o sucesso dessas contratações, mas ainda são necessários mais dados. É claro, no entanto, que o novo sistema ampliou enormemente a escala do recrutamento da “Unilever”, em parte, porque os candidatos a emprego podem ter acesso facilmente ao sistema por “smartphone”. O número de candidatos duplicou para trinta mil em um ano, o de universidades representadas subiu de oitocentas e quarenta para duas mil e seiscentas, e a diversidade socioeconómica das novas contratações aumentou. Além disso, o tempo médio entre a aplicação e a decisão de contratação, baixou de quatro meses para apenas quatro semanas, enquanto o tempo que o pessoal que recruta a fazer a revisão dos aplicativos baixou 75 por cento. O facto de fornecer aos trabalhadores informações e orientações personalizadas, a IA pode ajudá-los a tomar melhores decisões, que pode ser especialmente valioso para os trabalhadores, pois onde fazer a escolha certa tem um enorme impacto. É de considerar a forma pela qual a manutenção de equipamentos está a ser aprimorada com o uso de “gémeos digitais”, que são modelos virtuais de equipamentos físicos, ou cópias elaboradas das linhas de produção. A “General Electric (GE)” constrói esses modelos de “software” das suas turbinas e outros produtos industriais e actualiza-os continuamente, com a transmissão de dados operacionais do equipamento. Ao recolher leituras de um grande número de máquinas, a GE acumulou uma grande quantidade de informações sobre o desempenho normal e aberrante. O seu aplicativo “Predix”, que usa algoritmos de aprendizagem da máquina, pode prever quando uma peça específica em uma máquina pode falhar. A tecnologia mudou fundamentalmente o processo decisivo de manutenção de equipamentos industriais. A “Predix” pode, por exemplo, identificar algum desgaste inesperado do rotor, em uma turbina, verificar o histórico operacional da turbina, informar que o dano quadruplicou nos últimos meses e avisar que, se nada for feito, o rotor perderá cerca de 70 por cento da sua vida útil. O sistema pode, então, sugerir acções apropriadas, tendo em consideração a condição actual da máquina, o ambiente operacional e os dados agregados sobre os danos e reparações semelhantes em outras máquinas. A “Predix” conjuntamente, com as suas recomendações, pode gerar informações sobre os custos e benefícios financeiros e fornecer um nível de confiança (por exemplo, de 95 por cento) para as hipóteses usadas na sua análise. Os trabalhadores sem o “Predix” teriam sorte de descobrir o dano do rotor em uma verificação de manutenção de rotina. É possível que não seja detectado até que o rotor falhe, resultando em uma interrupção custosa. Os funcionários de manutenção, com a “Predix” são alertados sobre possíveis problemas antes de se tornarem sérios, e têm as informações necessárias na ponta dos dedos para tomar boas decisões, que por vezes podem economizar milhões de dólares à GE. A questão da personalização é importante, pois fornecer aos clientes experiências de marcas personalizadas individualmente é o santo graal do marketing e com a IA, essa personalização pode ser alcançada com precisão inimaginável e em larga escala. É de pensar como o serviço de “streaming” de música “Pandora” usa algoritmos de IA para criar listas de reprodução personalizadas para cada um dos seus milhões de utilizadores de acordo com suas preferências em músicas, artistas e géneros, ou se considerarmos a “Starbucks”, que, com a permissão dos clientes, usa a IA para reconhecer os seus dispositivos móveis, e ter acesso ao seu histórico de pedidos para ajudar a fazer recomendações de serviços. A tecnologia da IA faz melhor, analisando e processando grandes quantidades de dados para recomendar certas ofertas ou acções, que não é possível ao ser humano, A “Carnival Corporation”, é a maior empresa de viagens de lazer do mundo, que oferece aos viajantes férias extraordinárias com um valor excepcional, com uma frota de cento e dois navios que visitam mais de setecentos portos em todo o mundo, e está a aplicar a IA para personalizar a experiência de cruzeiro para milhões de turistas, através de um dispositivo “wearable” chamado “Ocean Medallion” e uma rede que permite que dispositivos inteligentes se conectem. A máquina processa dinamicamente os dados que fluem do medalhão e dos sensores e sistemas em todo o navio, para ajudar os hóspedes a tirar o máximo proveito das suas férias. O medalhão agiliza os processos de embarque e desembarque, rastreia as actividades dos hóspedes, simplifica a compra conectando os seus cartões de crédito ao dispositivo, e actua como uma chave, como também se conecta a um sistema que antecipa as preferências dos hóspedes, ajudando os membros da equipa a oferecer um serviço personalizado a cada hóspede, sugerindo roteiros personalizados de actividades e experiências gastronómicas. A questão da necessidade de novas tarefas e talentos, passa por re-imaginar um processo de negócios que envolve mais do que a implementação da tecnologia da IA; também requer um compromisso significativo para desenvolver trabalhadores com habilidades de fusão, ou seja os que permitem que se trabalhe efectivamente no sistema de comunicação homem-máquina. As pessoas, para começar, devem aprender a delegar tarefas à nova tecnologia, como os médicos confiam nos computadores para ajudar na leitura de raios X e ressonância magnética. Os trabalhadores também devem saber combinar as suas habilidades humanas distintas, com as de uma máquina inteligente para obter um resultado melhor do que qualquer um poderia alcançar só, como na cirurgia assistida por robô. Os trabalhadores devem ser capazes de ensinar novas habilidades aos agentes inteligentes e passar por formação para trabalhar bem nos processos aprimorados por IA. Assim, por exemplo, devem saber a melhor forma de formular perguntas a um agente de IA para obter as informações de que precisam. É de esperar que, no futuro, as funções da empresa sejam redesenhadas ao redor dos resultados desejados dos processos reinventados, e as empresas sejam cada vez mais organizadas ao redor de diferentes tipos de habilidades, e não à volta de dísticos de trabalho rígidos. A “AT&T” iniciou essa transição ao mudar de serviços de rede telefónica fixa para redes móveis e começa a treinar cem mil trabalhadores para novas colocações. A empresa, como parte desse esforço, reformulou completamente seu organograma, e aproximadamente, dois mil empregos foram simplificados em um número muito menor de categorias abrangentes, englobando habilidades similares. Algumas dessas habilidades são o que se pode esperar (por exemplo, proficiência em ciência e disputas de dados), enquanto outras são menos óbvias (por exemplo, a capacidade de usar ferramentas simples de aprendizagem da máquina para serviços de venda cruzada). A maioria das actividades no sistema de comunicação homem-máquina, exige que as pessoas façam coisas novas e diferentes (como treinar um “chatbot”) e façam de forma diferente (usar esse “chatbot” para fornecer um melhor atendimento ao cliente). Actualmente, apenas um pequeno número de empresas começou a re-imaginar os seus processos de negócios para optimizar a inteligência colaborativa. Mas a lição é clara, pois as organizações que usam máquinas, apenas para deslocar trabalhadores através da automação perderão todo o potencial da IA. Tal estratégia é mal orientada desde o início. Os líderes de amanhã serão aqueles que abracem a inteligência colaborativa, transformando as suas operações, mercados, indústrias e a força de trabalho.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesObjectivos comuns [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Secretário Geral do Comité Central do Partido Comunista da China (PCC), Xi Jinping, tinha anunciado durante o 18º Congresso Nacional do Partido, que teve lugar em 2012, os dois objectivos estratégicos para a China, que deveriam coincidir com dois importantes centenários. O primeiro seria a concretização de uma “sociedade moderadamente próspera” no ano do 100º aniversário da fundação do Partido (2021), com o PIB e o rendimento per capita a duplicarem em relação aos valores de 2010. O segundo, e o mais desafiante dos dois, seria a transformação da China num país socialista forte, moderno, democrático, civilizado e harmonioso até 2049, ano que que se celebrará o 100º aniversário da fundação da República Popular da China. A maioria de nós não irá chegar a 2049 e, como tal, nunca saberemos se este objectivo se irá ou não cumprir. Mas, quanto às metas estabelecidas para 2021, espero que todos os meus leitores as possam vir a testemunhar. O conceito de “sociedade moderadamente próspera” vem do Confucionismo e da antiga China que sonhava com a criação de “uma sociedade altamente unificada”. Esta sociedade ideal, partilhada por todos, é em muitos aspectos semelhante ao “estado utópico” de que nos fala Platão, à “sociedade comunista” proposta por Karl Max no “Manifesto do Partido Comunista” e à “Nova Jerusalém” mencionada na Bíblia. A procura de uma co-existência verdadeiramente pacífica deveria ser o objectivo comum de toda a Humanidade, independentemente das crenças religiosas, filosóficas ou políticas. No entanto, durante milhares de anos, a ganância dos homens foi-se multiplicando ao ritmo do progresso de uma civilização materialista. As guerras e as mortandades foram-se sucedendo, tornando a utópica “sociedade altamente unificada” um sonho cada vez mais distante. Parece portanto muito difícil concretizar esse tipo de sociedade num espaço de apenas três anos! Existem três grandes discrepâncias que a China terá de ultrapassar para atingir a tal “sociedade unificada”, a saber: o fosso económico entre as regiões do sudeste e do noroeste, o fosso económico entre as zonas urbanas e as zonas rurais e o fosso económico entre os pobres e os ricos das cidades. Se estas discrepâncias não forem ultrapassadas, toda esta retórica não passará de um conjunto de palavras ocas. Se olharmos para o aumento constante da disparidade entre os pobres e os ricos, proveniente do actual crescimento económico da China, compreenderemos que o Governo vai ter de se esforçar bastante se, nós próximos três anos, quiser ver construída” uma “sociedade altamente unificada”. O sonho de Xi Jinping não deverá ser uma utopia pessoal, mas sim o sonho comum de 1,390 milhões de pessoas. A pessoas devem ter sonhos. Esses sonhos devem transformar-se em ideais, trabalhados com afinco para um dia virem a ser realidade. O mundo está em constante mudança e a China precisa de renovar para se adaptar âs novas situações e não ficar para trás. Liu Xia, viúva de Liu Xiaobo, laureado com um Nobel, deslocou-se ao estrangeiro para receber cuidados médicos. Este incidente demonstra que existem várias maneiras de resolver um problema, mesmo numa sociedade autoritária. Na era que vivemos, a comunicação racional é a melhor forma de garantir a sobrevivência. Após mais de 200 dias de suspensão, o deputado da Assembleia Legislativa, Sulu Sou, retomou finalmente as suas funções. Como mandatário da Lista de candidatos da Associação de Novo Macau às eleições legislativas de 2017, considero a minha missão cumprida. Considero que para mim chegou a hora de participar na construção de uma sociedade mais equalitária e mais justa com uma nova abordagem. Martin Luther King tinha um sonho que ainda não foi realizado. A Nova Jeusalém mencionada na Bíblia representa também um sonho que, para se tornar realidade, precisa do esforço permante de todos os cristãos. Decidi deixar a Associação de Novo Macau depois de uma participação de 25 anos, uma decisão tomada para melhor poder realizar o sonho da criação de uma nova era. “O Homem é o caminho da Igreja”, uma directiva mencionada no “CENTESIMUS ANNUS” emitido pelo Papa João Paulo II em 1991. Quer o sonho de Martin Luther King, a obtenção da igualdade racial, quer o de Xi Jinping, o renascimento da nação chinesa, necessitam da participação das pessoas e é necessário que um número cada vez maior trilhe a mesma senda. Vivemos todos sob o mesmo céu, independentemente da raça e das opções políticas. Só caminhando em conjunto podemos ver realizado o sonho de todos nós.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCorpo Mutante [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] que é que faz um corpo sexy? Não é consensual entre as massas, e muito menos através dos tempos. Aliás – e este não é um argumento original – parece que os corpos (especialmente os femininos) ganham partes dependendo se estamos na Primavera/Verão 2018 ou no Inverno 2011. É como a moda, vai mudando de temporada em temporada. A novidade deste Verão 2018 é o anteriormente desconhecido, e pouco explorado, ‘decote das ancas’, i.e., o que no mundo de língua inglesa andam a chamar de hip cleavage. Talvez até haja uma tradução ‘oficial’ mas não encontrei, o ‘decote de ancas’ terá que funcionar. E que parte do corpo vem a ser esta? Os decotes de anca que andam a ser orgulhosamente exibidos pelas redes sociais dos mais famosos, não são tão novas quando isso. Já nos anos 80 era orgulhosamente exibida uma linha de anca bastante decotada nas idas à praia. Uma cuequinha, só era uma boa cuequinha, se apresentasse uma abertura generosa e acima do osso da anca, a expôr ainda mais umas coxas bem firmes e torneadas. Certamente que se lembrarão de uma Pamela Anderson com um fato-de-banho encarnado nas Marés Vivas. Pois que a moda voltou, e fez com que reaparecesse na esfera pública uma nova, mas velha, parte do corpo feminino. O fenómeno não é novo. Sempre houve uma constante proliferação de zonas/partes de intensa sexualidade ao longo dos séculos. O que não deixa de ser divertido, não é? De seis em seis meses posso – as às vezes sinto-me obrigada – olhar para o meu corpo de maneira diferente, corpo esse que só pode ser mutante, já que lhe pressupõem tanta diversidade e transformação. Olhem a revista Vogue – a aclamada voz da moda anda a dizer que o peito já não é o que era, os decotes já não se usam. O que é uma porcaria, porque era daqueles truques fáceis e simples de uma saída nocturna mais sexualmente sucedida, vá. ‘Vou pôr aquele vestido de decote generoso e estou pronta para sair!’ Mas dizem os ‘especialistas’ que já não é bem assim. Os super-famosos ‘wonderbras’, os tais super potentes capazes de levantar até as mamas mais descaídas para uma linha de peito eriçado e redondinho está fora de moda (!). As mais conhecidas marcas de lingerie até já andam a vender soutiens sem armação. Diz, quem se acha de direito, que é porque o look ‘natural’ é a tendência de momento. Por acaso ‘wonderbras’ nunca me interessaram por aí além, e sempre fui apologista do tal look natural, mas não consigo deixar de pensar que o que a ‘indústria’ julga natural pode ser discutível. Porque já houve o fascínio da mama até à ultima consequência – também proliferaram partes de mama antigamente desconhecidas, ou pelo menos pouco pensadas- pela prega da mama de baixo, de lado (leia-se underboob, sideboob). Quem é que se recorda do desafio de 2016 de segurar uma caneta com a prega mamária inferior? – a internet está cheiinha disso. Decote de anca, linha de mama lateral e frontal anterior, decote dos pés que mostram mais linha de dedos ou menos linhas de dedos, espaço entre as coxas, as covinhas das costas ou de ‘Vénus’ (que é genético), o refego do rabo, o rabo de ‘lado’ (sidebutt) são só meros exemplos do que se tornou moda. E como devem calcular esta atenção particular aos rabos, às pernas, e às mamas têm catapultado a importância da cirurgia plástica. Acho que o rabo de ‘lado’ tem sido um grande hit, mas para vos ser muito honesta nem sem bem o que é, é simplesmente um rabo que tem uma saliência de lado, nada de anormalmente mutante, só mais redondo e cheio Eu não sei muito bem quem culpar este culto do corpo. Se não são as mamas, são rabos, são ancas, são sobrancelhas, sei lá, é preciso estarmos a reinventar-nos constantemente. Porque o que importa é comercializar e transformar os nossos corpos sazonalmente. Mas para quem? É como se existisse uma vontade omnipresente de ditar as tendências do físico mas que ninguém sabe muito bem para qual finalidade. Eu duvido que os homens estejam tão obcecados em criar novas formas de objectificação feminina – que não digo que não exista – a cada 6 meses. Parece que andamos todos na busca incessante para promover as formas desejáveis, resolver os defeitos, reinventar os feitios… A consequência disto tudo não é necessariamente patológica – como anorexia e bulimia nervosas – é só particularmente irritante. Estas são vozes e vozinhas que inundam os nossos pensamentos porque não temos pernas afastadas o suficiente, ou rabos de jeito o suficiente, ou as mamas assim ou assado. E o pior é que é suposto mudarmos de ano a ano, dependendo… nem sei muito bem de quê. Porque afinal… quem é que tem a clarividência de que o corpo não é mutante, mas é simplesmente o que é? Quem são os corajosos que não se deixam melindrar, nem por um momento, que o corpo, e a nossa sexualidade, tem uma perfeição imperfeita?
Leocardo VozesMadonna em Macau [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] título pode parecer um pouco enganador, pois para quem tem interesse neste tipo de curiosidades, Madonna, a rainha da pop, já esteve em Macau. Foi em meados dos anos 80, durante as filmagens de “Shanghai Surprise”, ao lado do seu primeiro marido, Sean Penn. Este último protagonizou na altura um episódio caricato, quando pendurou pelo tornozelo um “paparazzi” (um jornalista local, muito conhecido na altura) do nono andar do antigo Hotel Central. Mas isto era outra Madonna. A cantora tem sido notícia em Portugal desde que no ano passado decidiu ir viver para a Lisboa. Depois de uma série de não-notícias que serviram sobretudo para encher as páginas da imprensa cor-de-rosa e animar as redes sociais, eis que Madonna decide dar com um pano encharcado na visage dos alfacinhas, e adquire 15 parques de estacionamento na capital ao preço da uva mijona. Isto é um ultraje, para as pessoas que vivem na cidade, e pagam impostos, etc, etc, o costume. O edil lisboeta Fernando Medina, ele igualmente o alvo da ira dos seus munícipes, vem defender a decisão, recordando mais uma vez o contributo que a artista tem dado para a divulgação do nome de Portugal no mundo – ouviram bem? No mundo! Eu acho que sim mas penso que não, ou seja, nem a Madonna descobriu Portugal, nem quinze estacionamentos iam resolver o problema do parque automóvel em Lisboa. E como alguém escreveu a este respeito, e bem, “vocês pensam que são a Madonna”? No entanto, esta notícia deixou-me a pensar: e se a Madonna fosse viver para Macau? Sim, imaginem que lhe apetecia ter voltado cá, mais de 30 anos depois do “Shanghai Surprise”, e que se apaixonava pelas Ruínas de S. Paulo. Ou sei lá, bebia a água do Lilau, a seguir caía das escadas do Quebra-Costas e ficava zuca, pronto. Usem a vossa imaginação. A questão dos estacionamentos ficava resolvida num ápice. “Ai a sra. Dona Madonna quer 15 parques? São 30 milhões de patacas – ou menos de 4 milhõezinhos de dólares, nós sabemos que a sra. tem. Passe bem and Macau welcomes you”. Até era um investimento bem jeitoso, este; quando a Madonna se fartasse de conduzir em Macau – e ia fartar-se depressa – podia revender os parques com lucro, a pobrezinha. O resto da vida da Madonna em Macau não seria exactamente aquilo a que deve estar habituada. Os seus meninos podiam jogar à bola na mesma, mas o Benfica aqui é outro, e o Seixal chama-se “quintal desportivo do Estádio de Macau”, na Taipa. Ia ser bom também para a carreira da artista, que certamente encheria a Arena do Venetian as vezes que lhe apetecesse, trazendo imensa gente ao território. Só tem que rivalizar com outras divas do seu tempo, casos de Celine Dion ou Mariah Carey. Quanto à acomodação da Madonna, pensei na zona da Penha, mas depois os meninos dela lembram-se de andar por lá a atirar aviõezinhos de papel, e ainda se metem em algum sarilho. Se calhar o melhor mesmo é conceder o terreno da casamate, em Coloane, à Madonna, onde ela podia ser a própria, estão a ver, montada num cavalo branco de cabelos ao vento na praia de Hac-Sá? Fia-te no like a virgin e não corras, Madonna.
Hoje Macau Manchete VozesCarta | Em Macau, do Passado ainda não reza a história. A propósito das “Chapas Sínicas” Pedro Dias, Professor Catedrático da Universidade de Coimbra, ex-Director-Geral do Instituto dos Arquivos Nacionais – Torre do Tombo, ex-Director-Geral da Biblioteca Nacional de Portugal, Membro Emérito da Academia Portuguesa da História António Vasconcelos de Saldanha, Professor Catedrático da Universidade de Lisboa e da Universidade de Macau, ex-Presidente do Instituto Português do Oriente, ex-Cônsul-Geral Adjunto de Portugal para os Assuntos Culturais em Macau e Hong Kong [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap] acau tem razões para se regozijar: importante documentação histórica recolhida nos Arquivo Nacional de Portugal relativa à administração Luso-Chinesa de Macau foi recentemente distinguida – depois de uma candidatura conjunta Portugal/Macau – com a distinção da inscrição no elenco da “Memory of the World Register” da UNESCO. Antes de tudo, é uma distinção para Portugal que, legitimamente, é o possuidor e curador dos documentos; por tabela, é-o também para Macau, que tem assim o benefício de mais uma importante chamada de atenção para a riqueza de uma relação multissecular que está longe de estar totalmente estudada e compreendida. Para as duas partes, é um alerta para o facto incontornável de que não há história de Macau sem o recurso a fundos documentais que não estão em Macau, e que o seu estudo não dispensa competências linguísticas específicas e o trabalho de equipas conjuntas luso-chinesas. Esperava-se, pois, que as entidades responsáveis de Macau entendessem esta saudável lição e não caíssem na tentação fácil da celebração impressionista, assente na ideia imatura de festejar o regresso (virtual) ao solo pátrio de documentação escrita em chinês, dispensando uma explicação clara do contexto histórico específico da sua produção, das razões da sua pertença a Portugal e do seu potencial para o avanço da historiografia luso-chinesa. Razões essas (e não outras como, por exemplo, o serem uma ignota maravilha chinesa) ponderadas pela UNESCO para a classificação do fundo como incluído no “Memory of the World Register”, e não na “UNESCO World Heritage list” Pela amostra das declarações que têm sido veiculadas para o público, pelo género das conferências que marcaram a abertura de uma exposição de materiais vindos de Portugal, e do magro texto explicativo que as acompanha, já se percebeu que a esperança se gorou. Seria pedir demais? Não o cremos. Não fora a proverbial falta de memória que grassa em Macau em tudo o que releva em termos de positiva contribuição Portuguesa, sobretudo em algumas instituições com elevadas responsabilidades culturais, certos eventos não ficariam relegados ao esquecimento. Por exemplo, o facto de que o que havia a fazer de relevante para a divulgação e celebração em Macau em termos da importância das “Chapas sínicas” conservadas em Portugal, está feito e dificilmente se poderá fazer melhor. Referimo-nos concretamente à grande exposição “Sob o Olhar de Reis e de Imperadores. Documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo relativos à Administração Luso-Chinesa de Macau durante a Dinastia Qing”, que teve lugar em Macau de 14/12/2004 a 23/01/2005, na Galeria de Exposições Temporárias do IACM, isto é, no piso térreo do edifício do antigo Leal Senado, no centro de Macau. Exposição que foi integrada nas comemorações do 250 Aniversário do Restabelecimento das Relações Diplomáticas entre Portugal e a China. O elenco das entidades responsáveis pela organização deste evento fala por si próprio, em termos de uma alargada cooperação Luso-Chinesa que se quis marcar na ocasião: o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), a Fundação Macau (FM) e o Instituto Português do Oriente (IPOR), em Macau, o Instituto dos Arquivos Nacionais – Torre do Tombo, em Lisboa. A expensas do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Macau teve então a oportunidade de ver, no próprio palco secular da antiga governança de Macau, uma exposição comissariada por António V. de Saldanha, presidente do Instituto Português do Oriente, por Wu Zhiliang, presidente da Fundação Macau, inaugurada pelo Prof. Pedro Dias, Director do Arquivo Nacional, e projectada pelo Artista António Viana, onde, em 20 vitrines, se exibiram 52 documentos da série “chapas” Portuguesas e Chinesas, bem como duas telas setecentistas de monarcas Portugueses da colecção da Torre do Tombo. Além disto, foi publicado a expensas de Macau, um magnífico catálogo concebido no IACM, onde, além de excelentes reproduções fotográficas dos documentos em exibição, se incluiu (nas versões Portuguesa, Chinesa e Inglesa) um estudo conjunto de António V. de Saldanha, Wu Zhiliang e Jin Guoping sobre o contexto histórico da produção das “chapas”, e que até hoje se pode considerar, sem presunção, o estudo mais completo sobre a administração Luso-Chinesa de Macau até meados do seculo XIX. Neste momento em que, sobre documentos emitidos para Portugal e pertencentes a Portugal, o ICM faz a festa e lança os foguetes, dispensamo-nos de tecer comentários à total falta de contacto, referência ou mero convite aos Portugueses envolvidos há longos anos no processo de valorização histórica das chapas. Lamentamos unicamente que o ICM ao levar ao público em geral a comemoração do galardão da UNESCO não preste a devida conta e respeite o trabalho, empenho e esforço de quem, em trabalho conjunto, no passado recente, criou, de facto, as condições para que o mesmo galardão fosse atribuído e para que o ICM o possa celebrar com foros de autoria. E se calhar nem o celebra da melhor maneira. A mensagem passada ao público parece ser a de que das “chapas sínicas” só percebem os Chineses, e que a presença de Portugueses nesta questão fica resolvida com um convite ao Director da instituição detentora dos documentos para debitar pertinentes considerações de arquivística numa palestra em Macau. Possivelmente, é mais uma manifestação de um mal que se vem a agravar nos últimos anos em Macau: a convicção de que a História de Macau é uma certa História Chinesa de Macau, e que esta pode bem dispensar a História Portuguesa de Macau. Nunca foi essa a lição do esforço conjunto de muito Historiadores Portugueses e Chineses e da obra daí resultante, possivelmente muita dela, como se sabe, a apodrecer nos depósitos que o ICM tem precisamente à sua guarda. Em Macau há que afrontar a questão: o Instituto Cultural – com todo o respeito pelo labor na área da arquivística, sobretudo o da directora do seu Arquivo Histórico – há muito que não tem competência cientifica sólida na área da História, da História de Macau, da História da Administração Luso-Chinesa de Macau (ou até no conhecimento e compreensão dos arquivos em Português relevantes para a História de Macau) para se elevar do plano do imediatismo do “sucesso local e efémero” e para estar a altura de lidar com uma questão cultural que nitidamente o ultrapassa, e que é a que respeita às seculares relações entre Portugal e a China. A China prepara-se para, com Portugal, levar a Pequim uma exposição sobre as “chapas sínicas”, integrada nas comemorações do 20.o aniversário da transferência de soberania de Macau. Confiamos que a mudança de plano político e cultural acarrete consigo mais trabalho, mais saber, e, sobretudo, mais compreensão, e com a compreensão o respeito pelo fenómeno único na história das relações entre o Ocidente e Oriente, que é a solução político-administrativa conjunta que permitiu a Portugueses e Chineses conviver consensualmente no mesmo território durante quinhentos anos. * Ambos os autores têm obra vasta e reconhecida sobre a História e Património Cultural de Macau
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesServiços de aconselhamento académico II [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] semana passada falámos sobre o relatório do Conselho do Consumidor de Hong Kong intitulado “Estão os Estudantes Protegidos?”, uma análise sobre os Serviços de Aconselhamento para instutições académicas no estrangeiro. O estudo revelou que a informação prestada por estes serviços é desadequada e imprecisa, e que estas empresas parecem apenas servir os interesses das instituições que representam. E porque é que os serviços de aconselhamento académico destes Agentes Educacionais são problemáticos? Em primeiro lugar, os critérios para o exercício desta actividade não primam pela exigência. Basta conseguir criar uma empresa e abrir um escritório para poder entrar no negócio. As qualificações dos Agentes Educacionais parecem ser tema para uma discussão. Se o Governo quiser regular esta actividade tem de definir em primeiro lugar os critérios que permitem exercê-la. Que qualificações deve possuir um Agente Educacional? Será que se lhes deve exigir um diploma de uma qualquer Universidade estrangeira antes de iniciarem a actividade? Se for o caso, deverá o Governo determinar em que Universidade deverá ter estudado? Digamos que, se o Agente Educacional representar a Universidade ABC, deverá tê-la frequentado para poder exercer estas funções? Se a resposta a estas perguntas for “não”, então que qualificações deverá possuir? Será razoável exigir que o Agente Educacional tenha feito um curso superior no estrangeiro? Em caso afirmativo, teremos pelo menos a garantia de que estes profissionais estão a par da situação e do que implica estudar no estrangeiro . O relatório do Conselho do Consumidor não só deixa avisos aos consumidores como também alerta os profissionais da área para uma lista de necessidades: Listar todos os Agentes Educacionais, Estabelecer mecanismos para resolução de conflitos, Estabelecer critérios de ética e de boas práticas, de acordo com os princípios internacionais que regem a actividade; É obrigatório que o Agente anuncie o valor da sua comissão e que disponibilize uma lista de preços; Estandartização do tipo de informações que podem ser prestadas e de como podem ser prestadas. Facilitar aos consumidores o acesso para a verificação destas informações; Necessidade de reciclagem profissional regular para que os prestadores dos serviços se mantenham actualizados. No relatório também se encontram recomendações ao Governo: Ajudar os estudantes a compreender se a sua escolha de curso é adequada e proporcionar maior orientação para uma decisão de carreira. Implementar a publicação online de guias do consumidor que contenham informação detalhada sobre as equivalências dos diversos cursos disponibilizados por escolas estrangeiras. Aconselha-se o Governo a apoiar esta área para acelarar o seu desenvolvimento, quer através de incentivos à criação de empresas quer através de outro tipo de fundos. Criação de directrizes, em colaboração com os profissionais da área, para o marketing e promoção da atividade, de forma a que os consumidores possam usufruir de informação mais precisa. Deve ser criado um mecanismo regulador de conflitos. No entanto alguns destes conflitos, devido à sua natureza pouco clara, não podem ser resolvidos, apesar do mecanismo regulador. Algumas situações não podem ser bem definidas neste contratos. As áreas onde se encontram estas instituições são muitas vastas. Se pedirmos que os Agentes forneçam toda a informação sobre acomodações e transportes relativa à escola a que o estudante se está a candidatar, e essa condição passar a constar do contrato, serão levantadas algumas dificuldades de ordem prática, já que essa condição não pode ser bem definda. Que critérios poderão ser adoptados para medir o grau de satisfação com o serviço prestado? Para além disso, se a escola não tiver acomodações próprias para alojar os estudantes, poderá o requisito “fornecer a informação necessária sobre acomodação e transportes relativos à escola a que o estudante se candidata” ser aplicado? Este tipo de questões não dizem directamente respeito às escolas, mas são parte integrante da vida de um jovem que estuda no estrangeiro. Se os parâmetros da “informação” prestada pelo Agente Educacional não forem bem definidos, como é que se vai poder estabelecer o mecanismo de resolução de conflitos? O relatório aconselha o Governo a informar o consumidor sobre estas matérias online. Mas quanto a estas alíneas, o Governo poderá vir a ter as mesmas dificuldades que se colocam aos Agentes. Mas se este tipo de informação for veículado oficialmente, poderão os Agentes Educacionais confiar nos seus conteúdos e transmiti-los aos clientes? E se isso vier a acontecer, poderão os agentes ser responsabilizados, caso a informação seja incorrecta ou estiver desactualizada? Só para concluir. Não parece ser fácil adoptar novas medidas reguladoras desta actividade, a auto-regulação para ser a melhor solução de momento.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA inteligência artificial (I) “Artificial intelligence (AI) is taking an increasingly important role in our society. From cars, smartphones, airplanes, consumer applications, and even medical equipment, the impact of AI is changing the world around us. The ability of machines to demonstrate advanced cognitive skills in taking decisions, learn and perceive the environment, predict certain behavior, and process written or spoken languages, among other skills, makes this discipline of paramount importance in today’s world. Although AI is changing the world for the better in many applications, it also comes with its challenges.” Artificial Intelligence: Emerging Trends and Applications Marco Antonio Aceves-Fernandez [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] inteligência artificial (IA) está a tornar-se benéfica em muitas actividades humanas, ao diagnosticar doenças, traduzir idiomas e fornecer atendimento ao cliente, entre muitas outras. A situação está a melhorar rapidamente, fazendo criar razoáveis receios de que a IA acabará por substituir os trabalhadores em toda a economia. Mas esse não é o resultado inevitável ou o mais provável, pois nunca antes as ferramentas digitais foram tão receptivas aos seres humanos e estes àquelas. Ainda que a IA altere radicalmente a forma como trabalho é realizado e quem o faz, o maior impacto da tecnologia será complementar e aumentar as capacidades humanas, não substituí-las. É um dado certo que muitas empresas utilizam a IA para automatizar processos, mas são implantadas principalmente para substituir os trabalhadores e verão apenas lucros de produtividade a curto prazo. A última sondagem realizada nos Estados Unidos que envolveu mil e quinhentas empresas, revelou que as empresas alcançam melhorias de desempenho mais significativas, quando os seres humanos e máquinas trabalham conjuntamente. Através dessa inteligência cooperativa, os seres humanos e a IA aumentam activamente os pontos fortes e complementares uns dos outros, como a liderança, trabalho em equipa, criatividade e as habilidades sociais dos primeiros, bem como a velocidade, escalabilidade e as capacidades quantitativas dos últimos. O que é natural para as pessoas pode ser complicado para as máquinas, e o que é simples para as máquinas (analisando gigabytes de dados), permanece praticamente impossível para os seres humanos. Os negócios requerem ambos os tipos de recursos e para aproveitar ao máximo essa colaboração, as empresas precisam de entender como os seres humanos podem efectivamente aumentar a capacidade das máquinas, como as máquinas podem aprimorar o que os seres humanos fazem de melhor, e como redesenhar os processos de negócios para apoiar a parceria. Os seres humanos precisam de desempenhar três papéis cruciais, pois devem treinar máquinas para executar determinadas tarefas; explicar os seus resultados, especialmente quando são contra intuitivos ou controversos; e sustentar o uso responsável de máquinas (evitando, por exemplo, que robôs prejudiquem os seres humanos). Os algoritmos de aprendizagem da máquina devem ser ensinados a executar o trabalho para o qual foram projectados e nesse esforço, enormes conjuntos de dados de treino são acumulados, para ensinar aplicativos de tradução automática para lidar com expressões idiomáticas, aplicativos médicos para detectar doenças e mecanismos de recomendação para apoiar a tomada de decisões financeiras. Além disso, os sistemas de IA devem ser treinados da melhor forma para interagir com os seres humanos. Ainda que as organizações em todos os sectores estejam nos estágios iniciais de preenchimento das funções de instrutor, as principais empresas de tecnologia e grupos de pesquisa contam com equipas de formação e especialização amadurecidas. Se considerarmos a assistente de IA da Microsoft, “Cortana”, deparamos que o “bot” que é uma aplicação de “software” criado para simular acções humanas repetidas vezes de forma padrão, como faria um robô, exigia treino extensivo para desenvolver apenas a personalidade certa, confiante, carinhosa e prestativa, mas não autoritária. Incutir essas qualidades, exigiu incontáveis horas de atenção de uma equipa que incluía um poeta, um romancista e um dramaturgo. É de notar que de igual forma, eram necessários treinadores humanos para desenvolver as personalidades do aplicativo “Siri” (que é uma maneira fácil e rápida de fazer tudo), da “Apple”, e da “Alexa” da “Amazon”, para garantir que reflectissem com precisão as marcas das suas empresas. A “Siri”, por exemplo, tem apenas um toque de inconveniência, como os consumidores podem esperar da “Apple”. Os assistentes de IA estão a ser treinados para exibir características humanas ainda mais complexas e subtis, como a simpatia. O “start-up” “Koko”, um desdobramento do “MIT Media Lab”, desenvolveu uma tecnologia que pode ajudar os assistentes da IA a parecerem solidários, como por exemplo, se um utilizador está a ter um dia mau, o sistema “Koko” não responde de forma automática, como “sinto muito ouvir tal situação”, mas ao invés pode pedir mais informações e depois oferecer conselhos para ajudar a pessoa. Há que ver os problemas sob uma luz diferente e se estiver a sentir “stress”, o sistema recomendaria pensar na tensão, como uma emoção positiva que poderia ser canalizada para a acção. À medida que as IAs chegam cada vez mais a conclusões por meio de processos que são opacos (o chamado problema da caixa-preta), exigem especialistas humanos no terreno para explicar o seu comportamento a utilizadores não especialistas. Os explicadores são particularmente importantes em indústrias baseadas em evidências, como leis e medicina, onde um profissional precisa de entender, como uma IA pesou todo o que é disponível para o uso e desenvolvimento da vida humana em uma sentença ou recomendação médica. Os explicadores, são igualmente importantes, para ajudar as seguradoras e a polícia a entenderem porque razão um automóvel, realizou acções que levaram a um acidente, ou não conseguiu evitá-lo. E os explicadores estão a tornar-se parte integrante de sectores regulados, em qualquer indústria voltada para o consumidor, onde a produção de uma máquina poderia ser desafiada como injusta, ilegal ou simplesmente errada, como por exemplo menciona o “Regulamento 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho”, que é o novo “Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (RGPD)” da “União Europeia (UE)”, que estabelece as regras relativas ao tratamento, por uma pessoa, ou organização, de dados pessoais relativos a pessoas na UE. O RGPD concede aos consumidores o direito de receber uma explicação para qualquer decisão baseada em algoritmos, como a oferta de tarifa em um cartão de crédito ou hipoteca. Esta é uma área onde a IA contribuirá para o aumento do emprego, dado que os especialistas estimam que as empresas terão que criar cerca de setenta e cinco mil novos empregos para administrar os requisitos do GDPR. Além de ter pessoas que podem explicar os resultados da IA, as empresas precisam de sustentadores, ou seja funcionários que trabalham continuamente para garantir que os sistemas de IA estejam a funcionar de forma adequada, segura e responsável. A IA pode impulsionar as nossas habilidades analíticas e de tomada de decisão, bem como aumentar a criatividade, como por exemplo, um conjunto de especialistas, às vezes chamados de engenheiros de segurança, quando se concentram para antecipar e tentar evitar danos causados por IAs. Os desenvolvedores de robôs industriais que trabalham ao lado das pessoas, prestaram cuidadosa atenção para garantir que reconheçam os seres humanos por perto e não os ponham em perigo. Tais especialistas, também, podem rever a análise dos explicadores quando as IAs causam danos, como quando um carro autónomo está envolvido em um acidente fatal. É de considerar que outros grupos de sustentadores garantem que os sistemas de IA mantenham as normas éticas. Se um sistema de IA para aprovação de crédito, por exemplo, for discriminatório contra pessoas em determinados grupos, esses gerentes de ética são responsáveis por investigar e resolver o problema. Os responsáveis pela conformidade de dados, desempenhando um papel semelhante, tentam garantir que os dados que alimentam os sistemas de IA estejam em conformidade com o GDPR e outras regulamentações de protecção ao consumidor, e um papel relacionado ao uso de dados envolve garantir que as IAs façam a gestão das informações com responsabilidade. A “Apple”, como muitas empresas de tecnologia, usa a IA para recolher detalhes pessoais sobre os utilizadores quando se envolvem com os dispositivos e “softwares” da empresa. O objectivo é melhorar a experiência do utilizador, mas a recolha de dados irrestrita pode comprometer a privacidade, enfurecer os clientes e entrar em conflito com a lei. As empresas beneficiam da optimização da colaboração entre seres humanos e a IA. É de considerar a existência de cinco princípios que podem ajudar como reimaginar os processos de negócios; abraçar a experiência/envolvimento do funcionário; estratégia de IA activamente directa; recolher dados com responsabilidade e redesenhar o trabalho para incorporar a IA e cultivar as habilidades dos funcionários relacionados com o processo. A última pesquisa realizada nos Estados Unidos com mil e setenta e cinco empresas em doze sectores descobriu que quanto mais adoptadas por essas empresas, melhores são as iniciativas de IA, realizadas em termos de velocidade, redução de custos, receitas ou outras medidas operacionais. As máquinas inteligentes estão a ajudar os seres humanos a expandir as suas habilidades de três formas, pois podem ampliar as nossas forças cognitivas; interagir com clientes e funcionários para nos libertar para tarefas de alto nível e incorporar habilidades humanas para alargar as nossas capacidades físicas. A inteligência artificial pode impulsionar as nossas habilidades analíticas e de tomada de decisão, fornecendo as informações certas no momento correcto, mas também podem aumentar a criatividade. Se considerarmos o “Dreamcatcher” da “Autodesk” que aumenta a imaginação de desenhadores excepcionais, deparamos que um desenhador fornece ao “Dreamcatcher” critérios sobre o produto desejado, por exemplo, uma cadeira capaz de suportar até centro e trinta quilogramas, com um assento de quarenta e cinco centímetros de altura, feita de materiais que custam menos de setenta e cinco euros, e assim por diante, e também pode fornecer informações sobre outras cadeiras que considera atraentes. O “Dreamcatcher” produz milhares de desenhos que combinam com esses critérios, muitas vezes criando ideias que o desenhador pode não ter considerado inicialmente, e pode então orientar o “software”, dizendo quais as cadeiras que gosta, levando a uma novo círculo de projectos. Ao longo do processo interactivo, o “Dreamcatcher” realiza os diversos cálculos necessários para garantir que cada projecto proposto atenda aos critérios especificados. Tal, liberta o projectista para se concentrar na implantação de forças exclusivamente humanas, como o julgamento profissional e a sensibilidade estética. A colaboração homem-máquina, permite que as empresas interajam com funcionários e clientes de formas novas e mais eficazes. Os agentes de IA como a “Cortana”, por exemplo, podem facilitar a comunicação entre pessoas ou em nome de pessoas, como transcrever uma reunião e distribuir uma versão de voz pesquisável para aqueles que não puderam comparecer. Tais aplicativos são inerentemente escalonáveis, pois um único “chatbot” (é um programa de computador que tenta simular um ser humano na conversação com as pessoas), por exemplo, pode fornecer serviço de rotina ao cliente para um grande número de pessoas simultaneamente, onde quer que se encontrem. O “Skandinaviska Enskilda Banken (SEB)”, um dos principais bancos suecos usa um assistente virtual chamado “Aida” para interagir com milhões de clientes. O “Aida” tem a capacidade para trabalhar com conversas em linguagem natural, com acesso a vastos repositórios de dados e pode responder a muitas perguntas feitas frequentemente, como abrir uma conta ou fazer pagamentos internacionais, bem como também pode fazer perguntas de acompanhamento aos telespectadores para resolver os seus problemas, e é capaz de analisar o tom de voz de um chamador (por exemplo, frustrado versus apreciativo) e usar essa informação para fornecer um serviço melhor posteriormente. Se o sistema não conseguir resolver um problema, o que acontece em cerca de 30 por cento das situações, encaminha o interlocutor para um representante humano de atendimento ao cliente, e monitora essa interacção para aprender a resolver problemas semelhantes no futuro, e com o “Aida” a trabalhar com os pedidos básicos, os representantes humanos podem concentrar-se em abordar questões mais complexas, especialmente, as de interlocutores infelizes que podem precisar de apoio extraordinário. É de entender que muitas IAs, como o “Aida” e a “Cortana”, existem principalmente como entidades digitais, mas em outras aplicações, a inteligência é incorporada em um robô que dá mais-valia a um trabalhador humano. Os motores e actuadores com os seus sofisticados sensores, as máquinas habilitadas por IA, podem reconhecer pessoas e objectos e trabalhar com segurança ao lado dos seres humanos em fábricas, armazéns e laboratórios. Os robôs na fabricação, por exemplo, estão a evoluir de máquinas industriais potencialmente perigosas e “tolas” para “cobots” inteligentes e sensíveis ao contexto. Um braço “cobot” pode, por exemplo, trabalhar com acções repetitivas que exigem tarefas pesadas, enquanto uma pessoa realiza funções complementares que exigem destreza e julgamento humano, como a montagem de um motor da engrenagem. A “Hyundai” está a ampliar o conceito de “cobot” com exoesqueletos. Esses dispositivos robóticos vestíveis, que se adaptam ao utilizador e à localização em tempo real, permitirão que os trabalhadores industriais executem os seus trabalhos com resistência e força sobre-humanas. A fim de obter o máximo de valor da IA, as operações precisam ser redesenhadas e para o fazer, as empresas devem primeiro descobrir e descrever uma área operacional que possa ser melhorada. Pode ser um processo interno desajeitado (como a lentidão dos RHs para preencher vagas de pessoal), ou pode ser um problema anteriormente intratável que pode ser resolvido usando IA (como identificar rapidamente reacções adversas a medicamentos em multidões de pacientes). Além disso, uma série de novas técnicas analíticas avançadas e de IA, podem ajudar a detectar problemas anteriormente invisíveis passíveis de soluções de IA. As empresas, de seguida, devem desenvolver uma solução por meio da co-criação, fazendo que as partes interessadas visualizem como podem colaborar com sistemas de inteligência artificial para melhorar um processo.
Leocardo VozesAgir localmente, pensar no mundial [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ue pena, a eliminação de Portugal do mundial de 2018, na Rússia, não foi? Mais um campeonato do mundo que se esfuma dos horizontes da nossa ambição. Quer dizer, deu para o que deu, e no fim perdemos com um adversário valoroso; o Uruguai é muito boa equipa, e faz lembrar a Itália, mas em bom. Antes desta partida ainda tivemos o França-Argentina, que se saldou numa vitória por 4-3 a favor dos gauleses. Tem sido um mundial muito emocionante, e até agora só uma partida terminou como começou, em zero-zero (o França-Dinamarca, na fase de grupos). Promete, o jogo entre os quartos-de-final amanhã em Novgorod, entre franceses e uruguaios. Aproveitei as noites em branco do futebol para arejar, também, agora numa fase de pré-férias. Depois da derrota das cores nacionais, na madrugada de Domingo, fui ver o sol nascer ao Miradouro da Penha – não me perguntem porquê. Local aprazível, aquele. Localizado ao cimo da Colina da Penha, mesmo debaixo da ermida com o mesmo nome, é um lugar aberto, refrescante, com uma paisagem magnífica, com vista para o Lago e Ponte Nam Van, e a torre de Macau. Por volta das seis e picos dá para escutar um verdadeiro recital de música gentilmente chilreada pelos passarinhos. Um deleite. Contudo, e apesar de ser um local isolado, ao ar livre e fechado ao trânsito, não se pode lá fumar. Nem nos banquinhos muito catitas ali colocados dá para, como se diz em chinês, “conversar com o cigarro”. A estranha paranóia higienista que grassa em Macau, que leva a que se pintem “smoke free areas” à volta das paragens dos autocarros e esconda os cigarros nos supermercados, como se fosse material pornográfico, tem destas coisas. Mas rola a bola, e no Domingo tivemos mais dois encontros dos oitavos-de-final do mundial, ambas decididas nos desempates dos pontapés da marca de grande penalidade. Melhores nesse particular estiveram a Rússia, que eliminaram a Espanha, levando “nuestros hermanos” a fazer o mesmo caminho de volta a casa que fizemos no dia anterior. Não estiveram muito bem para os pergaminhos que ostentam, para ser sincero. Mais tarde foi a vez da Croácia, uma das boas equipas em prova, fazer o mesmo com o reino da Dinamarca. Russos ou croatas, um deles, vão estar nas meias-finais. O que se pode considerar uma surpresa relativamente agradável. Com tudo isto, entre o Sábado e o Domingo e os sonos que andam trocados, passou-me a lado uma (Grande! Enorme!) manifestação realizada no território, contra a construção de um crematório na ilha da Taipa, “onde vive muita gente” (a sério, isto foi usado como argumento). É um tema sensível, sem dúvida. Toda a gente quer o metro ligeiro, desde que ele não passe à sua porta, assim como toda a gente acha que um crematório é necessário, mas de preferência o mais longe possível. O que ninguém quer é ter pessoas a entrarem-lhes literalmente pela janela. Passo o apontamento de humor negro. Chega a segunda-feira, voltamos às lides profissionais, mas lá se arranja maneira de dormir como se pode até à noite, hora dos jogos do mundial. E nesse dia tivemos o Brasil a vencer o México por 2-0, com o craque-malabarista-mergulhador Neymar a garantir que havia ali hora e meia bem passada. Mais tarde tivemos o Bélgica-Japão, e apesar dos belgas quase terem ficado com os olhos em bico (desculpem, a sério…), conseguiram ganhar com um golo no último minuto, consumando uma reviravolta espectacular. O escrete para mim é o grande favorito no jogo dos quartos, a mas a Bélgica é um osso duro de roer. Ontem, e antes da dose dupla de futebol à noite, tivemos uma tragédia a assinalar. Em Macau, na zona norte da cidade, rebentou uma botija de gás num restaurante, causando uma vítima mortal, e ainda dois feridos. É muito triste, ainda mais tendo que em conta que a morte a lamentar foi a de alguém que fazia pela vida, numa cidade onde há cada vez menos espaço, e este vale cada vez mais (vale, mesmo?). Não surpreende portanto que não haja nem espaço para o gás respirar, quanto mais nós. Botijas umas em cima das outras, e pouco tijolo à sua volta. E depois disto tivemos o Suécia-Suíça e o Inglaterra-Colômbia, com suecos e ingleses a garantirem cada um o seu bilhete para os quartos-de-final. Continuará a Suécia, uma equipa muito arrumadinha, por sinal, a surpreender? Ou “is it coming home?” – os ingleses e os aficionados do desporto-rei entendem esta, com toda a certeza. Com mais um Verão muito quente e molhado aqui em Macau e as tais férias que nunca mais chegam. Vai-nos valendo o mundial de futebol.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesConfissões de uma Femininista [dropcap style≠’circle’]I[/dropcap]nteressante ver como o feminismo continua a ser intensamente discutido, escrutinado e contestado. Nem sequer há um consenso na esquerda. Ser-se feminista nos dias que correm é entendido como um radicalismo – um radicalismo de género. Perceber se isto é verdade ou não, não vai ser amplamente discutido aqui – porque há muitos feminismos, e há muitas formas de perceber as injustiças deste mundo. Vamos partir do princípio que existem formas mais reaccionárias do que outras para tratar deste assunto. Li um artigo de opinião do New York Times em que discutia a possibilidade de nós, mulheres, podermos odiar os homens – à luz de tudo o que tem acontecido e que tem posto o dedo na ferida da desigualdade de género. Esta desigualdade que é amplamente reconhecida no mundo dito em desenvolvimento, mas que ainda está a ser discutido se será um problema ainda por resolver no mundo ocidental. Será legítimo odiar a condição masculina? Será que nos é dada a possibilidade de odiar o violador, o abusador, a pessoa que carrega os valores do patriarcado para todas as acções da sua vida e odiar também, a ideia de homem em geral, o homem que por nascer com um pénis tem asseguradas as vantagens de uma sociedade que valoriza sobejamente os princípios masculinos? Tenho visto as vozes mais críticas preocupadas com o ódio. Estas imaginam que o futuro pelo qual as feministas lutam é um futuro exclusivamente feminino, sem espaço para a masculinidade. Onde as mulheres governam o mundo e põe todos os homens num campo de concentração onde seriam todos exterminados. Primeiro: diria que a maioria das feministas não têm esse objectivo, segundo: se de facto for verdade, acho que qualquer pessoa com dois dedos de testa sabe que o ódio pode escalar para coisas como já vimos acontecer na nossa história. Olhem com o que aconteceu com os Judeus e de como uma narrativa de vitimização tem perpetuado o conflito Israelo-Palestiniano. Ou como a Hungria, um país que durante centenas de anos sofreu ocupações violentas e que contou com o apoio humanitário internacional e agora criminaliza quem ajudar os refugiados que chegam ao país. As vítimas podem tornar-se abusadores. O ódio que as mulheres poderão sentir relativamente à condição masculina, pode ser problemática, confesso. Mas será que a solução é ‘higienizar’ as posições mais reivindicativas? Será que podemos censurar o ódio ou a raiva que se pode sentir? Não acredito que seja assim tão simples. Em Espanha, um grupo de 5 homens violou uma rapariga e oram postos em liberdade mediante o pagamento da módica quantia de 6 mil euros. 6 mil euros não é muito. Como esta ideia enraivece-nos, milhares de pessoas (maioritariamente mulheres) saíram à rua em Espanha para mostrar a sua zanga, a sua consternação. Será que a mostrar ódio também? Nós só conseguimos transformar a nossa negatividade se formos capazes de enfrentá-la. Isto é um princípio básico na psicoterapia – não podemos simplesmente evitar e censurar as nossas emoções, temos que compreendê-las e reconhecê-las para poder transformá-las. O que não quero dizer com isto que as mulheres e os seus ‘radicalismos’ são um problema – não. Estou simplesmente a justificar que sentir ódio, raiva ou o que quer que seja pode não culminar no genocídio masculino, a importância do ódio vem na necessidade de validar muitas injustiças aos quais as mulheres estiveram sujeitas. A verdade é que ultimamente tenho medo de me intitular como feminista. Já recebi reacções muito fortes, como se o meu feminismo fosse da mesma qualidade do racismo ou de outra forma de discriminação. Às vezes ouço as queixas com paciência, outras vezes não. Neste caso em particular, sobre o ódio que pode ser sentido (e alastrado) a preocupação é legítima, e percebo que a qualidade de ‘vítima de um mundo de injustiças’ não dá o direito a ninguém a fazerem o que lhes apetece. O ódio pode simplesmente fazer parte do processo, e não o fim em si mesmo. Não concordará o leitor que o feminismo existe porque ainda é necessário, mesmo que na Arábia Saudita as mulheres já possam conduzir? Ando continuamente a surpreender-me com o tom de desaprovação com que muita gente anda a comentar o valor do feminismo. Não acham gritante que o género feminino componha 50 por cento da população mundial, mas é continuamente caracterizado (e tratado) como uma minoria?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesServiços de aconselhamento académico I [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] Departamento do Consumidor de Hong Kong emitiu um relatório no dia 27 do mês passado, intitulado “Estarão os estudantes protegidos? Tratava-se de uma análise sobre os serviços de aconselhamento à formação académica no estrangeiro. O relatório afirma que muitos destes servidores, também designados por Agentes Educacionais, “que se anunciam como “consultores”, actuam na realidade como agentes de instituições académicas no estrangeiro e são, sobretudo, remunerados pelo recrutamento de estudantes para esssas instituições. Como tal, o aconselhamento aos estudantes pode ser motivado por interesses comerciais. Não serão as necessidades dos estudantes a sua prioridade e levantam sérias dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência. O relatório também salienta que os procedimentos carecem de transparência e de confidencialidade. Os agentes não possuem suficiente formação profissional e os serviços pecam por falta de qualidade. Além disso, como estes serviços são supostamente “gratuitos”, não existem obrigações contratuais e, caso haja um conflito devido à inadequação dos serviços, os consumidores não têm forma de reclamar.” Como em Macau, a situação em relação a este tipo de serviços é semelhante à de Hong Kong, vale a pena analisar um pouco melhor este assunto. O excerto que atrás transcrevemos assinala que: “como estes serviços são supostamente “gratuitos”, não existem obrigações contratuais e, caso haja um conflito devido à inadequação dos serviços, os consumidores não têm forma de reclamar .” Porque é que em Hong Kong os serviços gratuitos não estão sujeitos a obrigações contratuais? A lei da contratação difere de Hong Kong para Macau. Em Hong Kong ainda está implementada a Lei Comum, ao abrigo da Lei Básica de Hong Kong, pelo que os contratos incluem o conceito de “retribuição”. “Retribuição” é um termo jurídico, que prevê que as partes contratuais devem sempre, à luz do contrato, qualquer coisa uma à outra. Por exemplo, quando vamos a um loja comprar uma bebida, a retribuição que damos ao lojista é o dinheiro, e a que ele nos dá é a bebida. Ao abrigo da Lei Comum, a retribuição pode ser qualquer coisa, desde que as partes contratuais estejam de acordo. Desta forma, se não forem definidas as retribuições, não se pode celebrar um contrato porque não se estabeleceram as bases de troca, implicitas num contrato. Mesmo que o documento esteja assinado, sem este requisito, não passa de uma “promessa” e não tem efeito legal. Assim, podemos compreender que estes contratos assinados pelos estudantes, e pelos pais, com os Agentes Educacionais não têm qualquer efeito legal, na medida em que o Agente não pede qualquer “retribuição”. Se estes contratos não têm validade legal, quem se sente lesado não pode fazer nada. Se, contrariamente, o Agente Educacional cobrasse pelos seus serviços, o cliente estaria protegido. Nesse caso o Agente teria obrigação de respeitar os termos do contrato. As principais questões assinaladas no Relatório foram as seguintes: 1. Muitos Agentes Educacionais fazem-se passar por “consultores”, mas segundo o estudo feito pelo Departamento do Consumidor de Hong Kong, 86% (25 dos 29 que responderam) confessam ser de facto “agentes” que representam instituições académicas estrangeiras, actuando para recrutar estudantes. Nenhum deste Agentes tomou a iniciativa de revelar os pormenores da sua relação comercial com as referidas instituições, apesar de alguns admitirem o papel de “agentes”. 2. Falta de confidencialidade e de transparência dos procedimentos destes Agentes, foram duas das questões levantadas. Estes factores podem colocar os estudantes em desvantagem já que as informações que lhes são prestadas sobre as instituições académicas no estrangeiro carecem de imparcialidade. 3. Informação pouco adequada e fidedigna é outro dos problemas detectado na actuação destes Agentes. Por exemplo, não conseguem facultar informação sobre as classificações das instituições, sistema de transportes, instalações, acomodações, etc; o cliente é deixado por sua conta para encontrar as respostas. 4. Finalmente, como não existe um mecanismo de reclamação, o contrato entre os estudantes/pais e os Agentes não inclui uma cláusula de “retribuição”, é difícil para os consumidores levantar um processo por quebra de contrato. Existem outras possibilidades para um processo cível, por exemplo, aquelas que se encontram ao abrigo da Ordenança das Prescrições Comerciais, mas são muito morosas e os custos são imprevisiveis. Desta forma, o consumidor fica sem opções. E porque é que é são tão problemáticos os serviços dos Agentes Educacionais? Em primeiro lugar, os requisitos para o exercício desta actividade deixam muito a desejar. Basta ter uma empresa e abrir um escritório para entrar no negócio. Melhor ainda, como as rendas são muito caras, basta operar a partir de um site. Desta forma o escritório deixa de ser um problema. Esta situação gera uma falta de homogeneidade da actividade e provoca uma série de questões regulamentares.
João Luz VozesFormiga [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]penas mais uma. Laboriosa, incansável, seguindo o meu carreiro, o desígnio que ultrapassa qualquer vestígio de individualidade. Não me atrevo a sair da linha por temer o destino fatídico de ser mais um cadáver sem nome. Baixo a cabeça e carrego o fardo que me justifica até ao formigueiro, todos os dias sempre com a terrível noção do quão dispensável sou neste oceano infinito de outras formigas como eu. A minha natureza é fundada no meu carácter dispensável, na forma como serei inevitavelmente substituída. Sou apenas mais uma, em nada especial vistas as coisas pelo prisma do grande objectivo comum. Somos mais que as mães, tantas que taparíamos esta terra se estivéssemos todos num plano térreo. A abundância determina que tenhamos de viver empilhadas em andares, que tenhamos de ganhar solo ao mar e ao céu e extravasar até que tudo termine. Um destes dias vamos regressar à terra quando o espaço à superfície se esgotar. Sou apenas mais uma. O que realmente importa é a contribuição para o edifício de todos nós. Apenas um ponto a serpentear as artérias da cidade, a queimar oxigénio para levar a nossa avante. Apenas mais uma, sem vestígio de um pensamento original, sem um laivo de emoção perante o grande esquema cósmico e a beleza poética e cruel desta coisa de nascer, existir e morrer. Viver com pensamentos só me traz problemas, como pedras no carreiro e a vontade imensa de mudar de rumo e fazer-me de peito aberto à contramão. Passar de ser só mais uma para ser a única, a forçar caminho contra a correnteza de conformidade. Sonho desobediente enquanto vergo a mola e sigo, cabisbaixa a minha ordem superiormente estabelecida. Apenas mais uma, faço por não ser notada neste oceano infinito de formigas. Aliás, não me preciso esforçar, porque somos tantas que as minhas acções ficam diluídas num oceano de milhentas réplicas de mim própria. Posso fazer o que me apetecer nesse sentido, desde que permaneça no carreiro, posso canibalizar as minhas companheiras sem medo de repercussão. Cada rainha tem dentro de si a chave para ser mãe de mais de 300 como eu em apenas uma semana na minha acepção de insecto. Somos as infinitas filhas de uma linha de produção biológica que jamais vai parar. Não sou, de todo, o resultado de um milagre da vida, aliás, a minha existência é uma certeza num mundo previsível. Apenas mais uma a comer tudo o que apanha, a corroer a solidez do mundo, a criar comichão na coesão molecular de tudo e mais alguma coisa, a amargar açúcar, a seguir a correnteza de réplicas desprovidas de alma. Apenas mais uma, mas ocultando no labor o libidinoso desejo ter asas e voar para fora do carreiro. Mudar de rumo, mudar de rumo acima do formigueiro e partir tendo o vento como guia, acima da barafunda comunicativa de feromonas e antenas. Ficar apenas uma, solitária, sem trilho para seguir, sem carga comunitária para transportar. Ser apenas uma e encontrar-me, não pactuar na perdição colectiva nunca mais, voar acima das artérias carregadas de formigas. Ser apenas uma e voar de acordo com o meu capricho, ter o mistério como destino até deixar de ser.