Porque precisamos de educadores menstruais?

[dropcap]S[/dropcap]e só há uma educadora menstrual no mundo, deviam existir mais. As razões vão na mesma linha de que deveria existir mais e melhor educação sexual. Educadoras menstruais são simplesmente um pouco mais específicas à aflição mensal de quem possui um útero e que sangra entre quatro a seis dias. Digamos que é uma especialidade necessária para desconstruir certos mitos e tabus. Aqui ficam algumas preocupações que deviam fazer com que as educadoras menstruais se multiplicassem no mundo:

1. Ninguém fala abertamente sobre a menstruação, assim como quem tranquilamente comenta o estado de saúde ou do corpo. Tenho tentado trazer essa temática aos contextos mais esquisitos – com o risco de ter a vergonha a ruborizar a face– porque sei que é necessário para mim e para os outros. O que acontece é que a menstruação = (é igual a) pretexto para humilhação, particularmente nas camadas mais jovens. Por isso não ajuda a inexistente discussão da dita na esfera pública. Porque quando é discutida (lembram-se da Fu Yuanhui que nos Jogos Olímpicos falou das suas dores menstruais?) a surpresa da discussão continua a ser demasiada.

2. Ninguém sabe na verdade o que é a menstruação. Afinal, quem é que percebe o ciclo menstrual e de como este funciona? As pessoas que menstruam passam por fases particulares que lhes definem os 28 dias mensais e, por isso, todo o ciclo terá que ser o foco de conhecimento. É preciso entendê-lo nas formas que transformam o corpo e a mente. Este é daqueles casos que ignorance is not a bliss.

3. Ninguém fala verdadeiramente sobre as dores e confortos da menstruação. Além dos queixumes típicos de dores abdominais, e da caricatura popular que a mulher está ‘nos seus dias’, a verdade é que casos graves de TPM ou de endometriose não são diagnosticados como tal. Há muita investigação feita acerca da forma como o desconforto menstrual é, digamos, normalizado. A suposição é de que todo o mau-estar menstrual é normal e por isso não há nada a fazer se não tomar analgésicos para o aliviar. Só que assim não é dada devida atenção à gravidade de certas menstruações difíceis – e não me refiro à negligência do ‘nível mundano’ mas à negligência institucional e académica também, que tende a pôr de lado estes tópicos e deixam pessoas que menstruam com as suas dores terríveis por diagnosticar.

4. Ninguém percebe de que forma o lixo menstrual (pensos e tampões descartáveis) poluem irreversivelmente o ambiente, e muito provavelmente, a nós próprios. A isto vou chamar a desigualdade social da menstruação. Se numa ponta do mundo começa-se a falar de formas ecológicas para lidarmos com a nossa menstruação, a outra ponta ainda luta por um acesso pleno a produtos de higiene feminina dignos. Apesar de não existirem estatísticas claras, os pensos e tampões comerciais poluem o solo e as águas subterrâneas de forma considerável. O que será, portanto, uma boa saúde menstrual? Como é que equacionamos as questões práticas de poluição quando – apesar de questões extremamente relevantes – há quem nem sequer tenha acesso a produtos – mesmo que os mais rascas e poluentes do mercado? Parece-me que a menstruação tem que ser vista à luz do mundo complicado e desigual onde vivemos mas que pode muito bem ser usada como ferramenta de empoderamento. Principalmente quando estas dinâmicas de poder e desigualdade se tornam claras.

Ainda que tenha perfeita consciência da minha hipérbole ao julgar que ninguém pensa nestas questões da menstruação, tenho cá para mim que muita gente não pensa, muito menos fala, sobre estas coisas. Estes são quatro pontos muito simples e muito pouco desenvolvidos para mostrar que a menstruação atravessa domínios importantes para pensarmos sociedades felizes, como a educação, saúde e até a ecologia. Não vos parece claro que ainda teremos que trabalhar bastante para um mundo feliz e menstruado?

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