Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO Brasil retorna a 1964 ou talvez não “I went to a Quilombo (territory inhabited by Afro-Brazilian descendants of escaped slaves). The lightest Afro-descendant weighed seven arrobas (around 225 pounds). They do nothing. I think they don’t even serve to procreate. Over US$245 million is spent on them every year. … There will be not one centimeter for an Indigenous reserve or for a Quilombola.” Jair Bolsonaro [dropcap]O[/dropcap] Brasil elegeu o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro, como presidente na segunda volta das eleições, realizadas a 28 de Outubro de 2018 que tinha por lema “Brasil Acima de Tudo e Deus Acima de Todos”. O “Trump do Brasil” que elogiou a ditadura e prometeu uma “limpeza” dos seus opositores políticos liderará a quarta maior democracia do mundo. A ascensão de movimentos e partidos de direita em todo o mundo deram um salto gigantesco e perigoso, quando Jair Bolsonaro venceu as eleições presidenciais. O presidente eleito era um deputado federal do Rio de Janeiro que anteriormente serviu como oficial do Exército, apoiante da ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985, e que expressou múltiplas vezes o seu gosto por autoritários do passado e do presente, e que derrotou com 55,13 por cento dos votos, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), que obteve 44,87 por cento dos votos. O presidente eleito e Haddad enfrentaram-se, por terem sido os dois candidatos mais votados na primeira volta das eleições realizada a 7 de Outubro de 2018, quando Bolsonaro ficou aquém da maioria, com 46,16 por cento dos votos. A sua vitória colocará o Brasil e a maior democracia da América do Sul, nas mãos de uma figura de extrema-direita que manifestou pouco apreço pela governança democrática e sempre procurou uma retórica violenta contra os brasileiros negros, pessoas LGBTQ (lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros ou que questionam a sua identidade sexual), mulheres e povos indígenas. O presidente eleito foi esfaqueado durante um evento da campanha eleitoral, na cidade de Juiz de Fora, a 6 de Setembro de 2018, que lhe causou três perfurações no intestino delgado e uma lesão grave e extensa no intestino grosso, tendo sido submetido a duas intervenções cirúrgicas, e passou a maior parte dos últimos dois meses da campanha em um leito de hospital, devendo tomar posse a 1 de Janeiro de 2019, assumindo os destinos de um país sitiado e descontente. O Brasil nos últimos quatro anos, viveu uma profunda recessão económica, um aumento acentuado dos crimes violentos de que resultaram sessenta mil homicídios por ano, tantos ou mais que as mortes anuais da guerra na Síria e uma ampla investigação de corrupção política que envolveu centenas de políticos. O Brasil foi assaltado por perturbações e escândalos políticos desde as eleições de 2014, como a da ex-presidente Dilma Roussef, que foi destituída, a 31 de Agosto de 2016, pois o Senado aprovou o “impeachment” por 61 votos favoráveis e 20 contrários, tendo assumido a presidência o actual presidente Michel Temer, ex-vice-presidente, bem como do outro ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que foi preso a 18 de Abril de 2018 por corrupção. É de realçar que o actual presidente, Michel Temer, foi também ligado a um esquema de suborno político. O descontentamento resultante para com os partidos políticos que detêm a maior parte do poder e da influência no Estado, e especialmente o PT, de esquerda, corroeu a fé entre o eleitorado e abriu o caminho para um candidato como Jair Bolsonaro, que se apresentou como um libertador que poderia “salvar” o Brasil. Todavia, ao invés de parecer querer resolver os problemas do país, durante a campanha eleitoral continuou com as suas mais duras propostas e retórica, apesar de existir uma diminuta probabilidade de governar como um neofascista, mesmo tendo prometido “limpar” o Brasil dos seus oponentes à esquerda. O presidente eleito poderia em breve oferecer uma lição dura sobre como o fracasso da elite e o descontentamento político podem causar o colapso da democracia moderna. A directora de estudos latino-americanos da Universidade Johns Hopkins afirmou que era um ditador, o que é difícil de se tornar realidade, dado o sistema constitucional brasileiro o não permitir, apesar de na Câmara de Deputados ter trezentos deputados aliados e a maioria das matérias exige maioria simples para aprovação, ou seja metade dos deputados, mais um, devendo votar pelo menos duzentos e cinquenta e sete deputados de um total de quinhentos e treze deputados. A votação para as mesmas matérias exige a aprovação de quarenta e um senadores dos oitenta e um senadores que constituem o Senado, sendo que apesar da indefinição, a oposição mais firme é dos partidos de esquerda que somam dezassete senadores. As alterações à Constituição necessitam do apoio de três quintos das duas Câmaras, ou seja trezentos e oito votos na Câmara de Deputados e quarenta e nove votos no Senado. A ascensão de Jair Bolsonaro ao poder foi inspirada e modelada a partir da ascensão de líderes semelhantes na Europa e nos Estados Unidos, tendo usado a média social para dar uma reviravolta pelas fontes da média tradicional do Brasil, que denunciou como “notícias falsas”, mesmo quando a sua campanha e apoiantes usaram o “WhatsApp” e “Facebook” para espalhar rumores sem base e relatos sobre os seus oponentes. Jair Bolsonaro conduziu uma campanha nacionalista baseada na identidade que promoveu e prosperou a reacção racial e social, particularmente contra o PT e as populações mais marginalizadas do Brasil, tendo prometido parar de “mimar” os grupos como os LGBTQ e brasileiros negros e libertar o país de “ideologias estrangeiras”, por referência aos esquerdistas de qualquer cor, tipo e variedade. O presidente eleito beneficiou da sua posição como candidato mais forte para os brasileiros à procura de uma alternativa ao PT, que ocupou a presidência de 2003 a 2016 sob o comando de Lula e Dilma. O PT orientou a explosão económica do Brasil durante o mandato de Lula e o colapso durante os mandatos de Dilma. Os problemas económicos do país e as ligações do PT à corrupção, incluindo a condenação de 2017 de Lula por suborno, minaram a confiança na capacidade do PT de governar e inspirar forte oposição e o seu potencial retorno ao governo. Ainda assim, Lula liderou as pesquisas pré-eleitorais durante a maior parte de 2017, antes de ser proibido de concorrer devido à acusação de corrupção. Fernando Haddad, substituiu Lula como candidato presidencial pelo PT, tendo os partidos de centro-direita sido esmagados pelos seus próprios problemas de corrupção e envolvimento com a impopular coligação do governo de Michel Temer. O actual presidente e o centro-direita tentaram adoptar algumas das políticas da linha dura defendidas por Jair Bolsonaro sobre a violência que eram factores fundamentais na eleição. O presidente eleito obteve apoio de quase todo o espectro político e social do Brasil, dado a maioria dos brasileiros estarem cansados da corrupção e com medo da violência. Mas o seu apoio mais forte, veio de um crescente movimento evangélico conservador que compartilha a sua visão sobre as questões sociais e das elites financeiras e empresariais, ainda que alguns líderes religiosos sejam detentores de fortunas inexplicáveis. Tais apoios foram influenciados pela sua oposição às políticas económicas do PT e pelo suposto apoio de Bolsonaro à sua abordagem preferencial à economia de mercado. As elites financeiras e empresariais, no entanto, provavelmente não enfrentarão o resultado mais duro e previsível da vitória, como a maior violência política. O presidente eleito prometeu militarizar ainda mais a segurança pública e entregar à polícia, que é das mais mortais do mundo, “carta-branca” para matar supostos criminosos, à semelhança do presidente Rodrigo Duterte nas Filipinas no seu tresloucado combate ao consumo de drogas e narcotráfico. Tal poderá exacerbar uma guerra às drogas em que a esmagadora maioria das vítimas de homicídios e assassinatos cometidos pela polícia são jovens negros. Alguns activistas brasileiros consideraram a violência como um “genocídio negro”. A sua retórica contra as mulheres, as pessoas LGBTQ e as ameaças de reverter a sua protecção, também só poderão vir a piorar a situação desses grupos, em um país que sofre altos níveis de feminicídio e violência anti-gay. O presidente eleito denominou a era de ditadura militar do Brasil de “período glorioso”, e o seu companheiro de eleição e vice-presidente eleito é um general aposentado do Exército, que se recusou a rejeitar o possível retorno do regime militar. Jair Bolsonaro tem uma longa história de defesa da violência contra os seus adversários políticos, e nos dias que antecederam a eleição, afirmou que o país seria palco de uma “limpeza nunca antes vista no Brasil. ” Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral referiu que os defensores da esquerda, “podem sair ou ir para a cadeia” e no mesmo discurso, ameaçou aprisionar Fernando Haddad, encerrar organizações de direitos humanos, prender líderes de outros importantes movimentos esquerdistas e retirar fundos da Folha de São Paulo, um dos maiores jornais do Brasil. Apesar das comparações com Trump, Bolsonaro, é mais parecido com o presidente filipino, Rodrigo Duterte, cuja expansão mortal da guerra às drogas no país, levou a cerca de vinte mil assassinatos extrajudiciais às mãos das autoridades. Mas apesar dos protestos generalizados de oposição nas últimas semanas que antecederam as eleições, Bolsonaro pode ter apoio para as suas políticas domésticas. O Brasil apresenta a maior tolerância ao conceito de autoritarismo e mais apoio à violência policial e estatal que a maioria dos seus vizinhos democráticos, e muitos dos eleitores continuam não convencidos ou indiferentes à retórica violenta e antidemocrática de Bolsonaro. O pequeno Partido Socialista Liberal, de direita, de Bolsonaro, ganhou cinquenta e dois deputados nas eleições, tendo elegido apenas um deputado nas eleições anteriores. Os seus aliados foram projectados para ganhar os principais governos e as eleições estaduais. As implicações da vitória de Bolsonaro estender-se-ão muito além das fronteiras brasileiras. As suas propostas para encerrar instituições ambientais e abrir a floresta amazónica destinando a interesses agrícolas e de mineração, poderão ter efeitos devastadores na luta global contra as alterações climáticas e devido ao tamanho e influência do país no mundo, a ascensão de um autoritário de direita poderá ser um sinal claro de que a democracia liberal está a enfrentar uma crise global em grande escala. O cientista político de Harvard, Steven Levitsky acerca da eleição de Bolsonaro afirma não aceitar a ideia de o Brasil sofrer uma erosão democrática e de se poder entrar em uma recessão democrática global. A acção governativa de Bolsonaro num Brasil em profunda crise ética, moral e fiscal e cujas grandes ideias se encontram no seu programa político, será musculado, dando à justiça e à segurança pública a maior autoridade possível, a bem da dignidade há muito perdida e que sirva de encorajamento no combate acirrado que vai reforçar contra a violência e a corrupção. Tal directriz é confirmada pelo do convite endereçado ao juiz Sérgio Moro, figura central da “Operação Lava Jato (OLJ)” que aceitou ser um super ministro, ocupando as áreas da justiça e da segurança pública e que pretende levar o modelo da OLJ onde para o combate ao crime, corrupção e privilégios que terão tolerância zero. A violência verbal intimidativa durante as eleições será posta de parte e a acção política seguirá as regras democráticas de defesa das leis e obediência à Constituição pelo que a politização das forças armadas e a militarização do governo, bem como uma revisão da constituição que atribua mais poderes presidenciais e permitam um autoritarismo com emprego de métodos ditatoriais, também não são possíveis pela fragmentação política no Congresso Nacional. O governo será liberal democrata, assente no liberalismo que reduz a inflação, baixa os juros, eleva a confiança e os investimentos, gera crescimento, emprego e oportunidades. A segurança, saúde e educação onde cinquenta e um milhões e seiscentos mil jovens dos catorze aos vinte e nove anos de idade não completaram o ensino médio, serão as prioridades. A economia de mercado é maior instrumento como fonte de rendimento, emprego, prosperidade e inclusão social. O novo governo herda um deficit primário elevado de cento e cinquenta e nove mil milhões de reais, sendo o deficit nominal para 2019, incluindo os juros de quatrocentos e oitenta e nove mil milhões de reais que representam 6,5 por cento do PIB, gastando anualmente um Plano Mashall, que reconstruiu a Europa após a II Guerra Mundial, bem como uma situação fiscal explosiva, baixo crescimento e elevado desemprego, sendo outras das prioridades inverter a situação pelo equilíbrio das contas públicas. É de crer que o presidente eleito irá durante o seu governo manter uma relação amistosa com os demais países, apesar do alinhamento com os Estados Unidos, poder alimentar as forças de direita e extrema-direita na região, principalmente na oposição à Venezuela e outros países com ideologias de esquerda. Todavia, deve proceder a uma maior abertura do comércio internacional. O investimento chinês sem ser predatório e a política de cooperação com a República Popular da China são demasiado importantes para o Brasil, e não é de acreditar em turbulência assinalável.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPra lá do sexo [dropcap]S[/dropcap]exo é sexo. E há alturas que o sexo não é só sexo. Isto claramente reflecte a minha posição não binária de que a cabeça e o corpo não são duas entidades separadas. A verdade é que tudo afecta tudo, para ser assustadoramente generalista. O sexo leva com os nossos desejos, anseios, capacidades íntimas, medos e terrores. Se há gente que não vê isso talvez seja porque não lhe presta a devida atenção, porque gosto de acreditar que isto faz sentido para alguns, ou talvez para muitos. O corpo que carregamos não deve ser visto como um simples organismo biológico. A vida tem-me ensinado que corpo reage às ameaças do corpo e às da mente também. Apesar de alguma investigação apontar para a complicada relação corpo e mente, há outra que diz que não está cientificamente provado que o stress, por exemplo, afecte negativamente a saúde física. Com as dificuldades pela libertação do sexo das amarras de (tantas) sociedades até ditas progressivas, apercebo-me que a libertação sexual – como uma actividade não demonizada e de satisfação e prazer pessoal e/ou colectivo – põe em causa o que as sociedades modernas muito forçosamente querem manter: a exaltação do físico, biológico, mensurável e real em detrimento da mente, do pensamento, da sensação ou da emoção. Parece que estou a colocar isto de forma simplista para insinuar uma resposta simplista também, mas não é esse o objectivo. Não estou a defender a recusa total da procura do que é real. Se tento simplificar certas ideias é só porque quero torná-las inteligíveis. Já aqui referi como há estudos que mostram que a disfunção sexual masculina pode ser tratada com terapia, e este é só um exemplo. Esta ideia de que a mente precisa de atenção também, é de alguma forma polémica, mesmo que não seja visível. Isto porque o legado do iluminismo e da era da razão arrasou com qualquer forma mais experiencial dos fenómenos. Virámos a atenção para aquilo que é cientificamente relevante para a nossa existência – como se nos regêssemos por forças e vectores energéticos como os da Física (não sei se estarão cientes que há quem diga que a psicologia é ciência e há quem diga que não). Contudo, esta não é uma atenção descabida, principalmente nos dias que correm de ‘pós-verdade’, em que não há nada que nos valha senão a procura incessante pelos factos e pelas medições objectivas. Só que essa obsessão traz outros problemas: como é que medimos, resolvemos e compreendemos aquilo que não vemos? Será que a invisibilidade reduz-se à pura inexistência? Claro que me farto de falar do sexo e do prazer sem limites que só é atingido quando alinhamos o nosso corpo, a nossa mente, e o nosso espírito, se quiserem. Porque o sexo serve de metáfora para tudo, o sexo como produção biológica, cultural e social é uma dimensão entre muitas que nos torna absolutamente humanos. A humanidade que pressupõe aceitação, amor e tolerância, características essas impossíveis de medir com régua e esquadro. Estou a usar o sexo como pretexto para falar da saúde mental porque, na verdade, vejo mais incentivos à não-aceitação do que à aceitação. Quando queremos carregar um corpo sexual ele não precisa de ser só um corpo, precisa de disponibilidade para aceitar tudo aquilo que o sexo quer ensinar-nos. E frequentemente esbarramos com as caixinhas definidoras do que é aceitável. Ai os pêlos, ai as celulites, ai as vulvas, ai os pénis, ai as expectativas heteronormativas. Não precisamos só de um corpo – precisamos de coragem para mostrar um corpo. Precisamos de coragem para abrir a possibilidade de criar e ser intimidade. Já que foi o dia da saúde mental e eu não opinei atempadamente, aqui vai tardiamente. O sexo já foi a cura dos males neuróticos mas também pode ser a causa e processo dos mesmos males. Já que o sexo nos despe, literal e simbolicamente, só espero que comece a ser óbvia a ligação que o nosso corpo precisa de prazer, e a nossa profundidade psicológica também. O sexo é só mais um pretexto, entre muitos, para escrever e reflectir acerca da saúde mental e do bem que nos fazia se tivéssemos mais espaço para cuidar do nosso íntimo ser.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMedidas à altura do acontecimento [dropcap]O[/dropcap] Grande Prémio de Macau deste ano inaugura oficialmente na próxima quinta-feira, dia 15. No sábado, 17, ao meio dia, o Comité do GP preside a uma cerimónia de oração pelo sucesso deste evento. Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura e Presidente do Comité do Grande Prémio, salientou que, à semelhança do ano passado, os funcionários públicos vão fazer, durante este período, horas extraordinárias para garantir a normalidade do trânsito. Esta medida tem vindo a ser tomada há quatro anos consecutivos, com resultados positivos. Alexis Tam também sugeriu que os empregadores flexibilizassem os horários de trabalho durante o evento. Adiantou que, sobretudo no primeiro dia, se espera algum congestionamento no trânsito e apela à compreensão do público. O Departamento dos Transportes, juntamente com outros gabinetes, vai dar o seu melhor para continuar a garantir a normalidade dos serviços. Como é do conhecimento geral, o Grande Prémio de Macau é um evento anual e, de cada vez que se realiza, cria uma grande quantidade de transtornos na circulação do trânsito. É pois de encorajar a implementação da flexibilização do horário de trabalho, durante este período. Os horários escolares constituem outra preocupação. As escolas, e em particular as Universidades, deverão reorganizar os horários de forma a deixar os estudantes e o pessoal académico livres nos dias das competições. Esta medida parece ser adequada para descongestionar o trânsito, mas tem um ponto fraco: a necessidade de trabalhar ao sábado e ao domingo. Será que vai ser necessário pagar os honorários do pessoal académico a dobrar? E os alunos que não puderem comparecer nesse dia? Não nos podemos esquecer que muitos estudantes universitários têm empregos a tempo inteiro e que será complicado reorganizar horários de trabalho em função destas alterações. Também não podemos esquecer que a taxa de presenças em seminários e palestras é um critério de acesso aos exames. Além disso, nas Universidades existem horários diurnos e horários nocturnos. As alterações só precisam de ser aplicadas às turmas de dia, mas não às da noite porque por volta das 18.00h as estradas de Macau voltam a estar abertas à circulação normal. Estas são algumas questões que devem ser pensadas antes de se produzir alterações nos horários das escolas e Universidades. Quando Macau foi assolado pelo tufão Mangkhut, o Chefe do Executivo dispensou os funcionários públicos que não estavam convocados para os trabalhos de limpeza e recuperação. Esta medida recebeu uma aprovação geral, pois permitiu-lhes ter tempo para se ocuparem das suas famílias, e também diminuiu a pressão daqueles que tiveram de se ocupar das operações de salvamento e recuperação. Para além destas medidas, o Chefe do Executivo negociou com os casinos de forma a suspenderem a actividade antes da chegada do tufão. A dispensa dos funcionários públicos no dia a seguir à passagem do tufão Mangkhut, juntamente com a flexibilização dos horários da função pública durante o período do Grande Prémio de Macau foram tomadas ao abrigo do princípio “medidas especiais para eventos especiais”. Já que este princípio é benéfico para o público em geral, deve considerar-se respeitá-lo sempre que de futuro Macau tiver que lidar com situações excepcionais. Em Hong Kong estas políticas não foram adoptadas. Pelos noticiários ficámos a saber que todos os funcionários públicos regressaram ao serviço no dia a seguir à passagem do tufão Mangkhut. Como grande parte das árvores caíram, devido ao tufão, o trânsito ficou muito congestionado e as estradas ficaram praticamente intransitáveis. A viagem para o trabalho tornou-se muito difícil nestas circunstâncias. Seja como for, é de encorajar o princípio “medidas especiais para eventos especiais”. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
João Luz VozesFronteiras [dropcap]E[/dropcap]ste país não é para vozes dissonantes, incapaz de lidar com divergência ou crítica. Para apaziguar a soma de todos estes medos, o país forte blindou-se ao pensamento através da doutrina oficial e fechou os olhos ao que se passa no mundo exterior. Em termos físicos, as protecções contra este imenso medo são a fronteira e a força, o equivalente geopolítico a correr para debaixo das saias da mamã. Deng Xiaoping abriu uma fresta da janela do enorme casarão do Império do Meio e tentou recentrar o mundo no grande gigante adormecido, depois do século de humilhação e da revolução que arrastou uma nação milenar para o obscurantismo isolacionista e indigente. No meio desta ideia difusa de abertura há uma força da natureza indiferente à governação de longo-prazo, congressos e ciclos políticos: A liberdade. Como a água, imparável e avassaladora. A prosperidade que hoje em dia se vive na China, que elevou milhões das profundezas da miséria, traz a reboque uma outra fome insaciável que nenhuma doutrina consegue saciar. O irresistível apetite por liberdade é a prioridade do povo após a resolução das carências do corpo. Colmatadas as necessidades de tecto e mesa, alimentada a carne, o espírito faminto segue-se. Com dinheiro no bolso e capacidade para viajar e ver o mundo, o chinês deste famigerado ano de 2018 está a milhas de distância dos seus antepassados e quer ser livre. Em Macau e Hong Kong, dois territórios privilegiados por terem historicamente um pé no mundo exterior, cade vez ganha mais força a tentação de correr para o morno amparo do aconchego nacionalista. O sentido de pertença a um planeta condenado a estar interligado não é sedutor para quem interpreta integração como absorção, para quem julga que o retorno à nação-útero, às estranhas da mãe pátria, é o único caminho possível para o futuro. Pelo meio, entoam-se liturgicamente algumas palavras mágicas sobre internacionalização como se o alcance das vistas chegasse muito além das Portas do Cerco. Por todo o mundo, as fronteiras ganham altura enquanto o humanismo encolhe. Países que se construíram alicerçados em grandes fluxos migratórios sucumbem ao frenesim amedrontado de hordas fantasmas de invasores. Este pânico da invasão é particularmente sentido em países colonizadores, para gáudio dos adeptos da ironia. A falta de noção e vergonha tem destas coisas. A Europa, o continente antigo que atravessa períodos de autofagia periodicamente, sonha em transformar-se numa fortaleza. O berço do humanismo, renascença, iluminismo e da democracia treme de medo perante as consequências do pós-colonialismo e das guerras por petróleo, fechando os olhos às marés de mortos que desaguam nas suas praias. Mesmo quando se fazem pontes, independentemente do propósito político, as restrições e fronteiras são os focos principais das estruturas. Como uma janela que tem o trinco como coração, ou um pássaro que voa com uma pata atada à gaiola. O problema das delimitações que constrangem aquilo que é mais essencial ao ser humano está no poder indomável do espírito, fluído e selvagem como um leito de um rio que não se acanha em saltar as margens quando é apertado. Hoje podem barrar pessoas pelo pensamento que representam, podem mascarar a palavra e a discórdia como a mais perigosa arma, mas a verdadeira natureza violenta da repressão vem inevitavelmente ao de cima. Depois há aqueles que defendem que devemos compreender a violência e a crueldade do poder que trata os governados como crianças incapazes. Mesmo alguns adeptos da liberdade proclamam que é necessário, mesmo fundamental, perceber e interpretar a barbárie à luz de um sentido paternalista de expatriado que luta por parecer tolerante. A vida é assim, a abertura faz-se devagar, preferencialmente ao dinheiro, que jamais será barrado e para sempre galgará fronteiras sem qualquer problema. Capital tem via verde, acesso vip, mesmo que viaje clandestino. A progressiva democratização é outra fantasia sem qualquer contacto com a realidade, uma vez que a supremacia da fronteira, a natureza do poder que confina e estrangula, não lida bem com antagonismos. Casa com janelas desenhadas nas paredes, amplas portadas de delírio sem vista exterior, trancas, ferrolho duplo e cadeado reforçado. Abrigo blindado contra os perigos dos forasteiros e da liberdade dos moradores, onde o mofo é perfume.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBruxas [dropcap]J[/dropcap]á que foi Halloween – isto é, em belo português, o dia das bruxas – não há nada como falar destas criaturas (míticas?) do imaginário ocidental. Quem são elas, onde estão e o que fazem? Teorias não faltam. A teoria feminista tem sido particularmente prolífica na compreensão do desenvolvimento desta imagem da bruxa, que é feia, tem uma verruga no nariz, e usa um chapéu pontiagudo. Como é que se diz? ‘A chover e a fazer sol, estão as bruxas no farol a comer pão mole’? Dei de caras com esta imagem da bruxa, primeiro, porque o dia das bruxas foi na semana passada e, segundo, porque há quem defenda que a bruxa tem muito que se lhe diga ao feminismo e ao sexo. É possível que caça às bruxas tenha acontecido pela não aceitação da emancipação feminina naqueles tempos sombrios. Parece confuso, até porque ninguém falava de emancipação das mulheres nessa altura, mas há quem ache, as ditas feministas ‘radicais’ de hoje em dia, que a bruxa representava a curandeira, a esposa desobediente, a mulher que se atrevia a viver sozinha, a mulher que envenenava o patrão e incitava a revolta, que era parteira, que percebia dos meandros do sexo. Nada disto era desejável à figura feminina da época (também não acho que seja agora). Na altura muitas mulheres (e homens também) foram queimados na fogueira acusados de bruxaria. Não se sabe ao certo quantas pessoas poderão ter morrido durante três séculos, mas há várias estimativas: há quem diga 40.000, há quem diga 200.000. Vem-me automaticamente à cabeça a imagem de pessoas enfurecidas com tochas em fogo na calada da noite à procura de quem culpabilizar os males do mundo. A ‘caça às bruxas’ é sempre utilizada como o exemplo perfeito de histeria em massa. O movimento #metoo já foi acusado de ser uma caça às bruxas, neste caso, aos bruxos da misoginia – mas isso não interessa nada para aqui. Naqueles tempos sombrios as mulheres era consideradas mais fracas e susceptíveis à persuasão diabólica. Muitas das mulheres acusadas de bruxaria eram pobres, velhas e viúvas, na menopausa ou no pós-menopausa. Contudo, as bruxas surgem e surgiram de muitas formas e feitios, e por mais que se considere ‘radical’ o feminismo que tenta perceber que contornos esta caça as bruxas teve, as bruxas não deixam de ser uma questão bastante feminina. E parece que todos nós, uns mais do que outros, temos que lidar com a bruxa que existe. A psicologia do Jung analisa extensivamente o arquétipo da bruxa como a necessidade intrínseca de transgressão – que é socialmente vista como perigosa, malévola e indesejável. A bruxa, que é equiparada com a puta interior, vive à margem da sociedade, e – em vez de ser fruto do que quer seja que vivemos ou possuímos na nossa genética – é um produto civilizacional. Conseguiremos ir além da dicotomia da princesa e da bruxa das histórias de encantar e das mitologias? Como é que nos faz bem, a homens e mulheres de igual forma, incorporar os valores e fantasias das bruxinhas que outrora, e hoje, tememos tanto? A nossa bruxa, embora difícil de entender, é bastante normal. O problema é que a sexualidade, a perversão, e a diabolização do sexo que compete à bruxa incorporar, precisa de um espaço de compreensão. Mas quem é que tem coragem de dançar com a bruxa, e com o seu lado destrutivo e negro? Só aquelas e aqueles que têm a coragem de aceitar o maior desafio humano. Aprender a tocar, e a ritmicamente mexer com aquilo que mais nos aflige e nos assusta porque sabemos (ou pelo menos devíamos saber) que a bruxa não é nada mais do que um bocadinho de nós próprios.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDrones e questões de segurança [dropcap]A[/dropcap] 10ª edição do “Hong Kong Wine and Food Tour” terminou no dia 28 de Outubro. Este ano foram introduzidos para fins recreativos “espectáculos de drones”. Todas as noites às 19.00h, no Victoria Harbour, centenas de drones eram utilizados para criar diversos padrões, como bolos de aniversário, copos de vinhos, entre outros temas alusivos à ocasião. Os espectáculos tinham a duração de 7 minutos. Mas, no dia 27, o espectáculo foi suspenso ao fim de 30 segundos. O público estranhou a situação. O Director do Hong Kong Tourism Board, Liu Zhenhan, disse que mal os drones tinham levantado voo, o sistema informático deu um alerta de “anormalidade”. O fornecedor afirmou que havia uma forte perturbação no sinal. Os drones ficaram “desobedientes”. Os controladores trouxeram-nos imediatamente de volta à base, mas cerca de 40 aparelhos cairam no mar ou ficaram danificados. O Hong Kong Tourism Board tinha feito preparativos minuciosos para os “espectáculos de drones”. Além da área reservada às exibições, de 200m por 50m, foi criado um perímetro de segurança com mais 50m. No mar também foi delimitada uma zona de 300m por 150m, onde não era permitido a nenhum barco entrar. Mas, mesmo assim, o incidente aconteceu e as pessoas ficaram muito perturbadas. Posteriormente foram anunciados os resultados das investigações preliminares. Apurou-se que alguém teria deliberadamente mexido nos postos que recebem o sinal de satélite que orienta os drones. O computador perdeu a ligação e os drones deixaram de obedecer. Esta situação levanta a questão da segurança deste aparelhos, a qual merece ser analisada. Os drones são aeronaves não tripuladas. Se houver alguma perturbação no sinal que recebem, surgem problemas de segurança, porque embora continuem a voar, podem chocar uns com os outros ou mesmo com os prédios mais altos. Uma das soluções possíveis para este problema é a expansão da área de segurança de voo deste aparelhos. Se cairem dentro dos limites da zona de segurança não provocarão danos a ninguém. Além do alargamento da zona de segurança de voo, deve também ser considerada a instalação de um programa de segurança no sistema informático do drone. Este programa destina-se a conduzir o aparelho imediatamente de volta à base, caso não seja detectado o sinal de satélite. São normas de segurança indispensáveis. Para que este programa possa ser executado com sucesso o drone terá de ter combustível suficiente. O programa terá de reconhecer que existe combustível em quantidade suficiente para que as medidas de segurança sejam implementadas. Em caso afirmativo, a aplicação pode dar ordem ao drone para aterrar na zona de segurança demarcada, sempre que necessário. Como esta é uma questão de segurança e, como tal, importante para o público, a nossa legislação sobre o assunto deverá obrigar a instalação deste programa no sistema informático dos aparelhos. É provável que, de futuro, seja necessária uma licença para manobrar drones. Os dados pessoais do utilizador deverão ficar registados nos arquivos dos departamentos governamentais competentes. Uma das condições para a obtenção da licença será a instalação do referido programa no drone. Além disto, para garantir a segurança do público, o drone só deverá estar autorizado a sobrevoar zonas delimitadas. Cada voo deverá ter uma zona de segurança demarcada. Como os drones são máquinas voadoras que se deslocam a grande velocidade, os seus utilizadores deverão ter um seguro contra terceiros. Será semelhante àqueles que os condutores são obrigados a ter. O seguro não pode impedir os danos em caso de acidente, mas pode ajudar a indemnizar as vítimas. Este incidente em Hong Kong é uma lição para Macau. Estas leis não podem ter fronteiras. Os drones estão em todo o lado e geram problemas de segurança. A implementação de legislação adequada é fundamental para resolver estes problemas.
João Luz VozesRealidade [dropcap]A[/dropcap] realidade já não mora aqui, mudou-se de malas e bagagens para a Rua da Amargura. Se quiser endereçar questões, por favor considere uma outra opção da sua preferência, porque é nesses termos que nos encontramos. Vivemos tempos de realidade customizada, personalizada, feita à sua medida. Lembra-se da promessa quimérica de tornar a fantasia em realidade?! Pois é, o devaneio, o sonho está no comando das operações. A verdade depende de quem a compra, está intimamente ligada à posição do indivíduo no espectro político, social, futebolístico, emocional, por aí fora. Hoje em dia, a realidade é uma opção, uma escolha que se pode contornar caso mexa com as crenças pessoais. Hoje em dia, o fascismo pode ser um movimento de esquerda e o comunismo um regime de direita. A água pode ser usada para secar algo e o calor fazer gelar a mesma água. Tudo o que existe, perceptível ou não pelos sentidos, pode ser transformado no seu completo oposto. A febre ideóloga derrubou as fronteiras dos conceitos e significados, aliada à total falta de informação e conhecimento, cujo vazio afectivo foi substituído por propaganda também ela personalizada. A realidade tornou-se uma ofensa, uma provocação pessoal que afronta a crenças solidificadas nas redes sociais. O ser humano moderno é, essencialmente, um internauta, um troll, um soldado armado de tecnologia, pronto para disparar rajadas de incongruências raivosas na guerra aos factos. Se um jornal citar ipsis verbis as declarações de alguém que têm pontos de vista factualmente odiosos, que lança ameaças de violência contra inteiros grupos sociais, esse artigo será caracterizado como o equivalente a odiar quem proferiu tais palavras e, além disso, declarado falso apesar de ser uma compilação de citações. Nada está seguro neste mundo pós-real, pós-factual. A realidade é uma condicionante emocional, uma circunstância que pode ofender o frágil estado afectivo do Homo Facebookis. Factualidade divide-se entre identificação ou ofensa. Não existe neutralidade nesta guerra sem quartéis. Ou estás comigo ou contra mim. Sem nuance, sem contexto, sem noção, só confronto e barricadas invisíveis de lados que se digladiam por nada. A ironia de esta crise acontecer numa altura em que o ensino chega a mais pessoas que nunca, em que o conhecimento é livre e disponível, ultrapassa os limites da comédia em direcção à tragédia. Séculos de conhecimento adquirido são pulverizados num segundo por um meme idiota de internet. Estamos a atingir níveis de estupidez que colocam em risco a sobrevivência do planeta. Vacinas passaram a ser vistas como uma arma biológica de propagação do autismo, a Terra voltou a ser plana, o Homem nunca foi à Lua, escapes de aviões são gases libertados pela população com um objectivo nefasto à escolha do freguês, os jornalistas são perigosos elementos perturbadores da paz numa sociedade onde resquícios tríades ainda deixam rasto. O comunismo está em todo o lado, apesar da queda da União Soviética há quase 30 anos e da China idolatrar o dinheiro de uma forma que faria o mais fervoroso capitalista corar. Aliás, o bicho-papão do comunismo tem actualmente uma cotação equiparável aos tempos de caça às bruxas dos anos 1950. Nesse aspecto, a queda da Venezuela foi instrumental, uma dádiva caída dos céus para a diabolização de tudo o que tem a palavra social. A realidade é opcional, um capricho etéreo, um fantasma intocável face à soberana materialização do “Eu”. O ego está claramente a ganhar ao mundo tangível, mensurável e comprovado. O Homem retorna ao umbigo. História, ciências exactas, matemática e conhecimento adquirido são potenciais ameaças à suprema afectividade do narcisismo. Orgulho e vaidade são o prato do dia, num menu onde já não consta a razão.
Hoje Macau VozesMacau na WebSummit Marco Rizzolio [dropcap]A[/dropcap] WebSummit é “a conferência” anual sobre empreendedorismo: uma das mais importantes do mundo, focada na Internet e em Tecnologia. Trata-se do maior e mais importante marketplace de tecnologia da Europa. Os empreendedores ligados à tecnologia estão constantemente a procurar melhorias, e ali é onde encontram ferramentas para que isso aconteça. Hoje em dia, a maioria das inovações é impulsionada pela “Internet das Coisas”. Quando falamos de siglas como VR (Realidade Virtual), AR (Realidade Aumentada), AI (Inteligência Artificial) ou Crypto (BlockChain), muitas destas inovações têm um impacto disruptivo na sociedade, transformando a nossa maneira de viver. Estamos a falar de novos produtos ou de serviços que criaram novos mercados mudando os hábitos das pessoas, como a Netflix, AirBnB, Uber, Drones … Mas todos nós temos que concordar que a transformação da nossa sociedade pela tecnologia deve ser sustentável e tem que criar um impacto positivo na sociedade. Os empreendedores que usam a tecnologia são sempre curiosos e querem manter-se atualizados sobre as novas tendências que ocorrem nos seus segmentos de negócios. Este ano, a WebSummit terá nove áreas, onde diretores de inovação e pesquisa, CEOs, CTOs, CMOs de empresas como Huawei, Xiaomi, Apple, IBM, etc., irão cobrir tópicos desde Data-Science, Big-Data, e até, e mais urgente, tecnologia e inovação que visam a melhoria imediata do meio ambiente e sustentabilidade do planeta. Websummit não é apenas um encontro onde aprendemos sobre as novas inovações tecnológicas. Todo o ecossistema de startups estará presente na conferência, formada por incubadoras, aceleradoras, universidades, organizações financiadoras, investidores, assessores jurídicos, multinacionais, governos. É um melting pot de participantes, desde pequenas startups a multinacionais, que têm a oportunidade de marcar reuniões e fechar acordos durante o evento de três dias. Todos os participantes da conferência procurarão fazer network, tentando estabelecer novos acordos parcerias. O CEO da Uber afirma que o acordo de investimento mais importante da vida dele foi assinado durante a Websummit de 2011 em Dublin. Dois tipos de eventos acontecerão durante a Websummit: • Side Events: sessões com um formato de mini apresentações durante as horas fora da agenda do evento, para as pessoas socializarem. (ou seja, Sunset Summit e outros eventos privados patrocinados por grandes empresas) • Night Events: Durante a noite, os participantes são convidados a continuar o network em 3 locais diferentes para cada noite: LX Factory, Bairro Alto e Rua Cor de Rosa no Cais do Sodré. Aqui, o network será muito mais leve, mas não menos eficaz. Ecossistema de Startups na RAEM O governo de Macau está a tentar acompanhar a tendência destes ecossistemas que já existem em várias partes do mundo há mais de 20 anos e onde o empreendedorismo provou impulsionar o desenvolvimento rápido e sustentável do conceito de cidades inteligentes. Macau não quer perder o comboio com as cidades vizinhas da Grande Baía, como Hong Kong, Shenzhen, onde as primeiras incubadoras nasceram no início dos anos 2000. Lugares como Sillicon Valley, Shenzhen, Hong Kong, Lisboa, Tel-Aviv, Berlim e muitas outras cidades perceberam há anos a importância destas estruturas empresariais e o ganho económico real para a comunidade, trazendo a troca de conhecimento; conectando investidores com stakeholders e criação de talentos. A nossa cidade vizinha, Hong Kong já viu o nascimento de empresas 7 unicórnios (empresa com valorização acima de 1B $USD), entre elas a GoGoVan, Klook, Bitmex, Sensetime, Lalamove, TinkLabs e WeLab. Em Macau, as primeiras incubadoras começaram a surgir em 2014. O Macau Design Centre e o Centro de Serviços Integrados Culturais e Criativos de Macau, financiadas pelo FIC (Fundo de Indústrias Culturais de Macau), foram as primeiras incubadoras que tiveram a pretensão de incubar e acelerar as empresas instaladas na suas estruturas. Ambas aceitam principalmente empresas ligadas as indústrias criativas, como design, multimédia e artes. O Macau Envision é outro acelerador também fundado no ano passado e alberga actualmente cerca de 10 startups. Em 2017, o Departamento de Economia de Macau também lançou um espaço de trabalho partilhado sob a administração da empresa Parafuturo. O MYIEC (Centro de Jovens Empreendedores de Macau) é a primeira incubadora/aceleradora “de verdade”, que abrange sectores mais diversificados, como software, medicina, multimédia, viagens, logística e financiamento directo do governo. A Parafuturo recebeu mais de 120 pedidos e cerca de 60 projectos estão a ser incubados no MYEIC, ajudando as startups a conectarem-se com potenciais parceiros, investidores, mas também mentores. Macau está a abraçar esta nova onda de empreendedorismo e já está a construir o seu próprio ecossistema de startups. No início deste ano, a Parafuturo juntou-se a uma competição de startups “Protechting”, aberta a empresários locais, em cooperação com os grupos de investimento e tecnologia chineses Fosun e Alibaba. O Protechting é um programa de aceleração de startups lançado há três anos e desenvolvido pela Fosun e pela Fidelidade. Este ano, as startups locais de Macau vão participar na competição dedicada à Healthtech, Fintech e Insurtech, que será realizada no dia 8 de Novembro, no WebSummit Lisbon. Do desenvolvimento As Startups são fundamentais para ajudar a diversificar a economia de Macau. O desenvolvimento deste ecossistema faz parte do plano de desenvolvimento de cinco anos de Macau e também faz parte de uma das 19 acções governamentais sugeridas pela Secretaria do Fórum Económico de Macau. Apesar de Macau ser uma cidade com 650.000 habitantes e uma economia dependente do jogo, muitos empreendedores estão a gerir negócios nas mais variadas áreas, desde desportos, produtos de saúde, designers de moda, programadores, consultores, multimédia… O pequeno tamanho do mercado de Macau é uma vantagem para as startups locais, já que menos investimentos são necessários para conquistar uma participação de mercado, enquanto isso, possivelmente chamando a atenção de um possível parceiro de investimentos chinês. Há também uma mudança de mentalidade da nova geração que quer trabalhar de forma independente e construir seu próprio negócio. Macau está já a trabalhar na expansão das oportunidades de desenvolvimento local e internacional para os seus empresários da área da Grande Baía e dos países de língua oficial portuguesa. O MYEIC assinou um acordo de cooperação com a empresa portuguesa Beta-i, em Lisboa, e concordou em criar uma “Zona Interactiva Macau”, onde ambos os membros podem solicitar o uso do espaço de trabalho e desfrutar dos seus serviços de incubação. O Centro de Incubação de Jovens Empreendedores de Macau estará a trabalhar no próximo ano com a incubadora brasileira Fábrica de Startups Rio, para estender a “Macau Interactive Zone” ao Brasil e procurar oportunidades de projectos empresariais de alta qualidade para entrar em Macau e na China. Um modelo semelhante já foi criado no 760 Creative Industry Park em Zhongshan, na província de Guangdong. O MYEIC e a DSE estão a reforçar a cooperação com muitas incubadoras da grande área da baía: em Henqhin, Zhongshan, Guagdong, Shenzen e Hong Kong. Empresários locais com o ID de Macau poderão usar esta rede de centros de Incubadoras na China, que os ajudarão a facilitar a abertura de uma empresa na China, tendo escritórios, participando em programas de aperfeiçoamento e ajudando a encontrar trabalhadores qualificados e potenciais investidores chineses. Um outro acordo foi assinado no ano passado entre o Gabinete Económico de Macau e a Fábrica de Startups, permitindo que vários empresários de Macau pudessem usufruir de programas de consultoria/mentoring em Portugal, ao mesmo tempo que tinham um escritório de partilha no Second Home em Lisboa. Algumas empresas do MYEIC já têm sucesso internacional como é o caso de Aomi e Bingui. O papel de Macau no futuro do ecossistema de grandes startups da Grande Baía é conectar-se com empresas de países de língua portuguesa que querem ter acesso ao mercado chinês. Isso também funciona ao contrário com empresas da Grande Baía que queiram ter acesso ao mundo ocidental. A estratégia de longo prazo passa pelo fortalecimento das relações e parcerias entre os diversos pólos de empreendedorismo: vinculando toda a cadeia de ciclo do ecossistema: incubadoras, aceleradoras, investidores, universidades, entidades governamentais, assessores jurídicos, mentores etc. São serão sempre necessários programas permanentes de Incubação e Aceleração para empreendedores locais: mentoring avançado que abrange vários aspectos relacionados à gestão de negócios e à abertura de canais de investimento para facilitar o desenvolvimento dessas startups. A consolidação do ecossistema existente na área da Grande Baía precisa de leis que ajudem a quebrar as barreiras da cooperação. No caso dos Países de Língua Portuguesa, ainda estamos num estágio menos avançado devido à distância, mas certamente veremos os frutos das parcerias que têm sido criadas, nos próximos anos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão da sustentabilidade (III) “Sustainability, ensuring the future of life on Earth, is an infinite game, the endless expression of generosity on behalf of all.” “Drawdown: The Most Comprehensive Plan Ever Proposed to Reverse Global Warming” – Paul Hawken and Tom Steyer [dropcap]Q[/dropcap]uando a fabricante de mobiliário Herman Miller, reconhecida pela sua inovação em móveis de interiores, soluções para ambientes de assistência médica, tecnologias e serviços relacionados, com sede em Michigan nos Estados Unidos e fábricas na China, Itália e Reino Unido, bem como escritórios de vendas, revendedores licenciados e clientes em mais de cem países, examinou a composição da sua cadeira de escritório líder do mercado, encontrou mais de duzentos componentes. A “McDonough Braungart Design Chemistry (MBDC)”, foi fundada em 1995 pelo arquitecto William McDonough e pelo químico Dr. Michael Braungart, que defende abordagens infalivelmente engenhosas do “berço ao berço”, trabalhando com empresas para projectar intencionalmente produtos que eliminem o conceito de resíduos, usam energia alternativa, valorizam a água limpa e celebram diversidade há mais de vinte anos, sendo grandes defensores da sustentabilidade, e que inspeccionaram a mesma cadeira, descobrindo que os duzentos componentes continham mais de oitocentos compostos químicos. Ainda que o uso de diversos materiais seja uma prática padrão da indústria, as matérias-primas a essa escala confunde a sustentabilidade. A Herman Miller aproveitou esse conhecimento para o projecto subsequente da sua premiada cadeira “Mirra”, cuja composição de materiais é dramaticamente simplificada, sendo 96 por cento reciclável, mostrando como qualquer empresa deve começar a repensar as suas escolhas de materiais e sabemos que várias empresas usam conjuntos de materiais para eliminar componentes ambientalmente suspeitos das suas cadeias de fornecimentos. Tais agregados vão desde uma simples lista de produtos químicos proibidos enviados aos fornecedores de uma empresa até protocolos sofisticados que exigem análises laboratoriais das matérias-primas de um produto. O processo de triagem exige que as empresas consigam informações detalhadas dos seus fornecedores sobre os componentes químicos dos seus produtos e avaliem o seu impacto na saúde humana e ambiente. Os materiais suspeitos são assinalados para eliminação. Os conjuntos de materiais podem ser bastante restritivos, como o faz a gigante química suíça Ciba-Geigy que compreendeu na década de 1990, quando os mil e seiscentos corantes químicos da Ciba passaram por uma inspecção da MBDC e apenas dezasseis foram aprovados no teste. Os testes de materiais tóxicos eliminam os materiais perigosos, ao invés de seleccionar os melhores. Tentar eliminar de forma crescente os resíduos e as toxinas, seja por meio de ecoeficiência ou triagem, é um caminho muito lento. Os líderes empresariais podem encontrar a solução substituindo a análise pela acção. As empresas podem avançar directamente para uma acção parcimoniosa, indo além dos critérios tradicionais de fornecimento, como o desempenho e a estética. A segunda regra da biosfera fornece dois critérios adicionais, um físico e outro económico. Os materiais devem ser fisicamente capazes de ser reciclados e nem todos os materiais o são. O Nylon 6 na carpete da Shaw, por exemplo, pode ser reciclado, mas o seu parente mais próximo, Nylon 6,6 não pode e ambos são usados na indústria de carpetes, mas apenas o primeiro é transformado em fibra de carpete de alto valor agregado. O Nylon 6,6, se for reciclado, é fundido para uso em produtos de valor muito mais baixo, como caixas de plástico e madeira, apenas constituindo uma parte do seu trajecto para a deposição. A reciclagem de materiais deve ser rentável. É mais barato comprar novas matérias-primas no mercado ou usar materiais reprocessados? Se os materiais recuperados forem mais baratos ter-se-á encontrado um vencedor virtuoso e por exemplo, até 75 por cento do aço e mais de 50 por cento do alumínio são reciclados, principalmente, porque é necessária apenas uma fracção da energia para produzir metal virgem. A terceira regra é repensar o projecto. Quando os engenheiros enfrentam um novo desafio de projecto, geralmente questionam qual será o melhor material para a aplicação que idealizam, mas com uma combinação de materiais limitada, a pergunta é sobre qual o projecto que atenderá às especificações dos produtos que possuem, e será usando os materiais existentes ou como se pode projectar um novo produto fidedigno feito a partir de materiais exíguos? Integrar esse tipo de pensamento ao projecto de um produto significa começar pelo fim. É de considerar que para tornar o trabalho de reciclagem virtuoso, os líderes empresariais devem planear desde o início do projecto até ao final da vida útil do produto. As bactérias, na natureza, reciclam a carcaça de um coelho porque tem muita energia e valor nutritivo. Os líderes empresariais ambientalmente conscientes, em contraste, tentam minimizar os materiais nos seus produtos em nome da ecoeficiência, fazendo sentido se os produtos forem reciclados ou depositados, quando os clientes pretendem substituí-los no final do seu ciclo de vida útil, mas pode ser pérfido se estiverem a tentar recuperar os materiais economicamente. Um enorme problema de desperdício no mundo ocidental é a carpete usada. As carpetes usadas geralmente são depositadas em depósitos de resíduos ou queimadas em incineradores. A Polyamid 2000 AG desenvolveu um processo para reciclar carpetes de poliamida (PA). A central da Polyamid 2000 AG utilizou, pela primeira vez na produção industrial, a tecnologia da inovadora de decomposição para reciclar carpetes, ou seja produzir PA, a partir da contida na fibra da carpete, pela extracção de monómero. As unidades de produção têm todos os componentes de produção necessários para separar a PA da matéria-prima da carpete usada, e não tratada para processar a PA, em um material sintético comercializável. Assim, a história da Polyamid 2000 AG é importante, pois tinha quase cinco mil milhões de quilos de resíduos de carpetes usadas a serem depositados em aterros anualmente, e menos de 5 por cento para serem recicladas na década de 1990, sendo os fabricantes de carpetes criticados pelas Organizações não Governamentais e autoridades governamentais. A indústria, em resposta às críticas, voltou-se para a monstruosa instalação da Polyamid 2000 AG, instalada em uma fábrica da era comunista na antiga Alemanha Oriental na cidade de Premnitz, que foi projectada para reciclar a fibra de nylon das carpetes usadas. A fibra facial era atraente porque constituía a parte mais valiosa de uma carpete e podia ser alterada quimicamente e transformada em material renovado, tão bom como o novo, e como o processo consumia menos energia do que fabricar nylon a partir de reservas de matérias-primas, também era de esperar que fosse rentável. As instalações da Polyamid 2000 AG eram uma maravilha industrial, contando com uma de linha de fabricação altamente eficiente. As carpetes usadas eram limpas, analisadas e levadas em transportadores aéreos para equipamentos químicos que alteravam a fibra em matérias-primas. Esperava-se que a instalação extraísse cerca de dez milhões de quilos do novo Nylon 6 de mais de cento e cinquenta milhões de quilos de carpetes usadas anualmente, mas inesperadamente encerrou a laboração passado três anos. O espanto foi geral e todos se interrogaram de como tinha sido possível que uma solução verde demasiado promissora falhasse de forma espectacular? Os especialistas em PA, atribuíram ao facto do conteúdo de nylon nas carpetes usadas europeias ser menor que o esperado e diminuir anualmente. As carpetes americanas eram fabricadas com 45 por cento de fibra de nylon, e os fabricantes de carpetes europeus reduziram o conteúdo de nylon para 25 por cento. Tal economizou matérias-primas, mas tornou economicamente inviável recolher e reciclar carpetes usadas. A estratégia ambiental bem-intencionada levou à interrupção de actividade da Polyamid 2000 AG. Os fabricantes podem evitar o mesmo destino usando ciclos e devem projectar o valor de recuperação desde o início do processo. A quarta regra magna é pensar em economias de escala. É de entender que uma paleta parcimoniosa e um processo virtuoso de reciclagem podem estabelecer plataformas sustentáveis para séries integrais de produtos. A empresa americana Patagonia, tem por lema construir o melhor produto, não causando danos desnecessários e usando os negócios para inspirar e implementar soluções para a crise ambiental e que se dedica fundamentalmente, à venda por retalho de equipamentos para actividades ao ar livre. A Patagonia tem uma longa história de inovação para reduzir o impacto ambiental, desde o uso de garrafas de refrigerantes recicladas em casacos desde 1993 até à mudança para 100 por cento de algodão orgânico em 1996. O programa “Common Threads Garment Recycling (CTGR)”, lançado no Outono de 2005, marca o pilar mais recente da história de inovação ambiental da empresa. Através desse programa de reciclagem a Patagonia tem vido a coleccionar peças de vestuário desgastadas e usadas dos clientes, a fim de as reciclar em novo poliéster, o polímero quimicamente conhecido como “tereftalato de polietileno (PET na sigla em língua inglesa)” que é usado para fabricar novos fios de filamentos. O programa CTGR que usa o sistema de reciclagem de fibra-para-fibra denominado de “EcoCircle”, em parceria com a Teijin, uma fabricante japonesa de tecidos. A Teijin recicla virtuosamente a roupa interior da marca “Capilene”, da Patagonia, em fibras de poliéster de segunda geração, que esta reutiliza nas roupas da época seguinte. A Patagonia estendeu a plataforma além da roupa interior, incluindo roupas de lã. À medida que outras empresas a acompanham, incentivando materiais padrão e sistemas de produção cíclicos para produtos novos e existentes, fomentam as economias de escopo e escala que geram lucratividade operacional duradoura e seguem as regras da biosfera para aumentar a economia de custos. É necessário, em primeiro lugar, simplificar um conjunto de materiais por questões de sustentabilidade que reduz a complexidade da cadeia de fornecimentos, reduz o número de fornecedores, gera descontos por volume e melhora o serviço destes à medida que mais negócios lhes são enviados. A Interface Fabric, por exemplo, economiza trezentos mil dólares por ano, apenas com a simplificação do conjunto de matérias-primas. Em segundo lugar, as empresas podem descobrir que as economias de custos surgem da virtuosa reciclagem de materiais. Por exemplo, os custos de energia da Patagonia para reciclar os materiais das suas roupas interiores são de 76 por cento menos. Para tornar o trabalho de reciclagem virtuoso, os líderes empresariais devem planear desde o início do projecto até ao final da vida útil do produto. As bactérias, na natureza, reciclam a carcaça de um coelho porque tem muita energia e valor nutritivo. Os líderes empresariais ambientalmente conscientes, em contraste, tentam minimizar os materiais nos seus produtos. A Shaw Industries descobriu que a virtuosa reciclagem do Nylon 6 requer 20 por cento menos energia e 50 por cento menos água do que a produção normal exige, e como expande o seu processo de produção verticalmente integrado para novos produtos, pode alargar os investimentos e vantagens de processamento sobre o aumento da produção. A empresa tinha anunciado, em 2006, a ampliação da sua plataforma de carpetes, o que representa 70 por cento de todo o mercado de carpetes. A alavancagem de uma plataforma de produtos sustentáveis pode criar vantagens competitivas de longo prazo e as economias não são automáticas uniformes nas empresas, pois exigem mudanças disruptivas e investimentos baseados na visão de um futuro mais verde. A rentabilidade final depende de quão efectivamente as empresas executam as regras da biosfera que é uma fonte provável de diferenciação competitiva no futuro. Em terceiro lugar há que repensar a relação comprador-fornecedor. As empresas terão que gerir o período de transição, pois um produto vai de 100 por cento de materiais virgens a quase 100 por cento de materiais virtualmente reciclados, o que exigirá encontrar formas de recuperar com lucro os produtos instalados nas residências, garagens e prédios de escritórios dos clientes e colocá-los de volta ao processo de produção. Seguir as regras da biosfera irá mudar radicalmente o tradicional relacionamento comprador-fornecedor, pois os clientes passarão a desempenhar um papel duplo como compradores dos produtos e fornecedores da empresa, dos seus bens intermediários, adicionando um novo conceito ao aforismo de ficar próximo dos seus clientes. Tal exigirá que os líderes empresariais repensem o fornecimento, marketing, vendas e o serviço, como por exemplo, o de prever os suprimentos futuros de bens intermediários quando a taxa de retorno está atrelada à próxima decisão de compra dos clientes e que depende em parte do ciclo de vida do produto. A Patagonia pode esperar que as matérias-primas recicladas retornem à empresa em cerca de dezoito meses. A Shaw, no entanto, tem que esperar de três a sete anos para que o ciclo de vida da carpete siga o seu curso. As empresas precisarão de antecipar as taxas de retorno e podem mesmo gerir os ciclos de vida dos produtos, talvez fornecendo incentivos para que os clientes actualizem prematuramente para o modelo mais novo. Tal como na biosfera, a obsolescência planeada de forma virtuosa tornar-se-á um requisito de sustentabilidade. Os líderes empresariais também enfrentarão a complexa questão da logística oposta, levando o produto usado de volta à fábrica para reprocessamento. Algumas empresas estão a apresentar soluções inteligentes. No mundo da Patagonia, por exemplo, latas usadas transformam-se em caixas de correio e a empresa pede aos clientes que devolvam as suas roupas interiores usadas ou as deixem em lojas de vendas a retalho. Esta não é uma opção para as carpetes Shaw e torna-se importante alinhar a colecta do produto usado com a entrega de novos, para ter a certeza de que os camiões estão repletos, saindo e voltando para a fábrica. Os líderes empresariais podem ver o esforço necessário para gerir a obsolescência planeada e a logística reversa como um desincentivo à adopção das regras da biosfera, o que seria pura miopia. As empresas gastam grandes quantias de dinheiro em propaganda e marketing para persuadir os clientes a contratarem, pelo que existe um valor em cada cliente que telefone para a empresa a dizer que gostaria que recolhesse o seu produto usado. O astuto vendedor veria como uma liderança de vendas muito forte. Se, por meio da obsolescência planeada, uma empresa pudesse converter uma percentagem dos seus clientes em compradores fiéis, poderia obter ganhos financeiros importantes. E, apesar dos seus críticos, a obsolescência planeada também pode produzir ganhos ambientais. Os ciclos de produtos mais rápidos trarão produtos da próxima geração que geralmente apresentam um desempenho melhor e são ambientalmente superiores aos seus predecessores. É de considerar por exemplo, que um refrigerador é 75 por cento mais eficiente em energia do que há duas décadas, custando 50 por cento menos. A aplicação das regras da biosfera pode reencarnar rapidamente os materiais em produtos mais eficientes, aumentando ainda mais os ganhos de sustentabilidade. A sustentabilidade é o melhor segredo da natureza. Ao reutilizar os mesmos materiais em um ciclo sempre crescente de desenvolvimento evolutivo, a biosfera sustentou o planeta Terra por milhares de milhões de anos e com sorte, se forem seguidas as regras da biosfera pode ajudar a sustentar negócios de muitos milhares de milhões de dólares.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesNegligência provoca mortes em Taiwan [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 21, ocorreu um trágico acidente ferroviáro na Estação de Xinma em Sulan, Taiwan. Morreram 18 pessoas e 190 ficaram feridas. A maioria das vítimas eram crianças. Os corpos dos mortos e dos feridos ficaram espalhados por toda a parte. Algumas mães foram vistas a abraçar os filhos moribundos. Foram cenas chocantes, que entristeceram os elementos das equipas de resgate. O comboio acidentado fazia a ligação entre a floresta da Cidade New Taipei e Taitung e cumpria um horário que apenas se efectua aos domingos. No momento do acidente, 366 passageiros atravessaram a Estação Xinma em Yilan, a uma velocidade de 140 Kms por hora. Ao contornar a curva, o comboio chocou com a plataforma e descarrilou. Oito carruagens embateram numa central eléctrica. Os cabos e a estrutura metálica pressionaram a composição e alguns carris viraram-se e perfuraram as carruagens, que acabaram por ficar em forma de W. A Procuradoria de Yilan Taiwan levou a cabo uma investigação preliminar e concluiu que o acidente se deveu a excesso de velocidade. O maquinista encontra-se sob forte suspeita. O Tribunal Distrital de Yilan irá julgar o caso; o maquinista saiu em liberdade, sob fiança de 500.000 dólares de Taiwan. A secção 276 (1) do Código Penal de Taiwan estipula, “Aquele que causar a morte de terceiros devido a negligência é condenado a uma pena de prisão que pode ir até 2 anos, ou a uma multa que poderá ascender a 2.000 yuans.” A secção 276 (2) estipula, “As pessoas envolvidas numa actividade económica e que, nesse âmbito, por negligência provoquem a morte de terceiros, serão condenadas a uma pena de prisão até 5 anos ou ao pagamento de uma multa que poderá ascender a 90.000 yuans.” Em Taiwan, existe o conceito de “negligência laboral”. Este crime é regulado pela secção 276 (1) do Código Penal. Se a morte tiver sido provocada por: • negligência, • violação dos deveres estatutários de protecção de terceiros, ou • descuido. De acordo com o sentido literal da expressão “negligência laboral”, os acidentes ocorridos terão de estar relacionados com erro humano no exercício de funções. Mas o conceito legal vai mais longe. Por exemplo, agricultores que criem gado, ou que cultivem os campos nas montanhas, precisam de utilizar carrinhas para se deslocar. Sem estes veículos não podem trabalhar. Desta forma, se tiverem um acidente, poderá cair no âmbito da “negligência laboral”. A inclusão da estrada no local de trabalho do agricultor baseia-se na teoria de “casualidade” da lei penal; ou seja, “sem uma determinada acção, não teria havido uma certa consequência.” A casualidade está formalmente correcta, mas não abarca todo o quadro do crime. Por exemplo, no caso de morte por esfaqueamento, se houver uma impressão digital do suspeito na faca, a acusação que sobre ele impende será de assassínio. Embora esta afirmação seja correcta, não explica o motivo da acção. Sem se apurar o motivo do crime é difícil condenar o suspeito. O uso do conceito de “casualidade” pode ser um pouco redutor. Hoje em dia, o âmbito da “negligência laboral” está confinado ao exercíco “da actividade principal e de actividades subsidiárias”. No caso do agricultor que precisa de conduzir uma carrinha, a condução é uma actividade subsidiária. A negligência implica que o erro “não foi intencional”, ou aconteceu porque “embora devesse ter prestado atenção, não o fez”, ou por “podendo prever o resultado, não ter acreditado que efectivamente fosse acontecer”. Em regiões onde não existe o conceito de “negligência laboral”, os procuradores lançam mão de acusações alternativas. Por exemplo, em Hong Kong se um motorista de autocarro provocar um acidente que provoque mortes, o Governo acusa-o de assassínio. O conceito de “negligência laboral” torna estas situações mais claras. Este crime é obviamente não intencional. A legislação ajuda a distinguir o crime de homicídio do crime de assasínio.
João Luz VozesMulher de papelão [dropcap]O[/dropcap]mbros arqueados num ângulo semelhante à geometria das pernas, que em tudo se assemelha à forma do carrinho que empurro pelas ruelas da cidade. O meu corpo transforma-se, adapta-se a esta tarefa que podia ser um dos doze trabalhos de Héracles. A minha fisionomia perde, diariamente, a forma e a suavidade angular a favor das arestas rectas, a minha aparência copia o desenho funcional do carrinho que empurro. Como se os meus ombros, cotovelos e costas tivessem sido soldados pela biologia de bate-chapas, como se os meus ossos fossem feitos de metal e os ligamentos, nervos e músculos fossem parafusos e juntas. Dobro-me como ferro moldado pela fornalha do tempo e dos árduos labores, o meu corpo sem o carrinho não faz sentido, fica perdido, sem função, sem matéria para impelir, sem forma. O meu esqueleto precisa de empurrar algo, é um suporte, a minha natureza é impulsionadora. Sem esse amparo mal me aguento nas pernas arqueadas em angulosa rectidão. Apanho papelão, cartão, todo o sortido de embalagens que o mundo produz em excesso e que são o refugo do consumo, tudo o que resta a todos é o meu sustento. Sou o reflexo humano das sobras de papelão que resultam do fim do comércio, o resultado do desfecho do ciclo do transporte de mercadorias que sobeja nas traseiras das grandes superfícies. Sou o desperdício que vive do desperdício. Também em tempos idos tive outros desígnios que não este. Fui mãe, filha, mulher, tia e sobrinha, fui amante, desejei e fui desejada, até resvalar para o esquecimento numa cidade demasiado egocêntrica para atentar nos que caem sem suporte. Ainda assim, não me rendo às adversidades. Pago com o corpo todas as patacas que consigo amealhar para a minha subsistência. Estou no degrau mais baixo da escala social, mas não me poupo a esforços neste duro quotidiano de catar papel. Limpo a carne que resta das ossadas que são deitadas fora após o grande banquete do retalho. Sou força motriz, aniquiladora da inércia, a resposta vigorosa perante montanhas de adversidades, sou o dínamo, a potência, a veemência, a determinação que recusa baixar os braços. Olhos postos no horizonte, apesar de cabisbaixa, galgo metros entre o trânsito e o congestionamento dos passeios. Sou a Rainha da termodinâmica, o motor do verdadeiro empreendedorismo que está a milhas de distância daquele que se multiplica nas páginas dos jornais, onde filhos de bilionários mostram onde gastam o outro papel que as gerações anteriores juntaram, muitas vezes às custas dos meus antepassados. Sou a negação da inércia, velocidade e massa em movimento. O equivalente humano a uma lei de Newton a empurrar matéria-prima para reciclagem San Ma Lo acima. Enquanto toda a gente corre, contrai empréstimos, marca férias, é promovido, despedido, protesta contra o aumento da mensalidade do condomínio, eu respiro expiração dos escapes na esperança de ter o suficiente para um prato de arroz. A minha presença é volumosa, atabalhoada, um problema para a natural fluidez dos leitos de gentes e carros. Ainda assim, sou invisível. A minha condição oculta-me, torno-me impalpável, incorpórea, uma montanha de cartão empurrada por um fantasma. Todos me contornam como se não existisse. Mas eu continuo aqui, a empurrar o mundo todos os dias.
João Romão VozesParcimónia e outros exageros [dropcap]S[/dropcap]uaves e discretos movimentos corporais, baixos tons de voz, risos e sorrisos contidos, raros contactos visuais e ainda mais raros contactos físicos, vestuário de cores sóbrias que contrasta com a generalizada exuberância da vizinhança asiática: há uma parcimónia sistemática e omnipresente nos quotidianos, profundamente enraizada na cultura japonesa. Não é apenas a provável barreira linguística que dificulta a comunicação com quem vem de fora: há também uma permanente protecção em relação ao exterior que também – ou sobretudo – se aplica em qualquer outra relação social, independentemente da origem dos intervenientes e também entre a própria população nipónica. Como me dizia uma amiga (japonesa), o Japão é uma ilha e cada pessoa é uma ilha em si mesma. Em boa verdade, é preciso também dizer que a parcimónia se dissolve no álcool com relativas facilidade e eficácia: quer seja o tradicional sake, a universal cerveja ou o mais exótico vinho a animar os repastos, não é difícil observar a metamorfose que gradualmente vai transformando a generalizada parcimónia quotidiana em ruidosas celebrações de gestos amplos, olhares descontraídos, vozes ruidosas e sonoras gargalhadas, eventualmente excessivas e inevitavelmente surpreendentes para quem tem pouca familiaridade com estas drásticas transformações. De resto, as tradicionais tascas japonesas – isakaya – são o palco mais peculiar pare se observarem estas graduais transições entre o comedimento e o excesso. A comida é, de resto, território de excelência para a manifestação extrema da parcimónia nipónica. Pratos pequenos, poucos condimentos, receitas simples com poucos ingredientes e alta precisão, pequenas doses já preparadas e cortadas em comedidas porções que podem ser levadas integralmente à boca, dispensando facas e outros utensílios metálicos, e uma regra essencial: comer até o estômago estar 80% cheio, o essencial para manter uma nutrição adequada ao funcionamento do corpo e para evitar excessos pouco saudáveis. A obesidade é relativamente rara, em comparação com qualquer outro país que tenha visitado, e a longevidade está nos mais altos níveis do planeta. E há também o respeito sistemático pela limitação dos recursos: raramente há sobras, os pratos estão vazios no final da refeição e não há desperdícios. Esta frugalidade também se reflete na surpresa com que agora enfrento as primeiras doses em restaurantes em Portugal, com quantidades de carne ou peixe que seriam suficientes para meia dúzia de refeições japonesas. E com os inerentes desperdícios, para os quais olhamos como sinal de generosidade, abundância e fartura. Ainda assim, é também na alimentação que se releva um dos aspectos menos parcimoniosos do quotidiano japonês: a utilização desenfreada de plásticos, num país onde se cozinha relativamente pouco em casa e onde em cada quarteirão há uma loja, da especialidade ou de conveniência generalizada, onde se pode comprar comida feita e rápida, quente ou fria, adequada à curta pausa laboral da hora do almoço ou a uma rápida recuperação calórica no regresso a casa depois da habitual longa jornada de trabalho. Levando a higiene a extremos insuspeitos, são diferentes embalagens de plástico, enfiadas em pequenos sacos de plástico, por sua vez acomodados em sacos de plástico maiores, aos quais se juntam outros adereços, como os guardanapos húmidos embrulhados em plástico, a garrafa de plástico com água ou chá, as eventuais palhinhas, enfim, uma parafernália plástica proporcional à obsessão com a higiene e a limpeza. Verdade seja dita, ganhar-se-á nos cuidados de saúde individuais algo que se perde nos cuidados colectivos com o meio ambiente, que o plástico não desaparece por grande que seja o esforço de reciclagem. Não é só a questão alimentar: em todo o comércio se revela esta aparentemente desproporcionada preocupação com a embalagem, a protecção contra a possível contaminação, o isolamento higiénico sistemático. E para tudo há plásticos, de vários tipos. Não pode ser uma surpresa que o Japão, país de frugalidade e parcimónia, seja o segundo país do mundo onde o consumo de plástico por habitante é mais alto (ainda há os Estados Unidos). E se a limpeza e a higiene da urbanidade contemporâneas ficam exemplarmente asseguradas, já os ecossistemas parecem severamente atacados e os mares da costa japonesa são os que apresentam maiores níveis de contaminação por micro-plásticos no mundo. Talvez alguma parcimónia neste campo – não só no Japão, certamente – ajudasse a proteger um bocadinho este planeta tão mal tratado pelas sociedades industriais e pós-industriais.
Carlos Morais José Editorial VozesEditorial | A ponte mais verde do mundo [dropcap]A[/dropcap]s autoridades chinesas resolveram não convidar uma parte significativa da comunicação social de Macau para a inauguração da ponte HZM. Nomeadamente, a que se exprime em português e inglês. Esta atitude, que pode ter sido tomada por um funcionário mais papista que o Papa ou mais desconhecedor da realidade da RAEM que o presidente Trump, proporciona, no entanto, pano para mangas e com certeza que traz água em aguçado bico. Em primeiro lugar, os cidadãos podem desconfiar. Será que se pretendeu ocultar algo, na medida em que temos a reputação de sermos “jornalistas” dos que gostam de escarafunchar nos problemas? Será que as autoridades chinesas temiam um desastre, uma catástrofe, um balão cheio de ar, na cerimónia de inauguração e assim preveniram, impedindo a presença de “jornalistas difíceis de controlar”? A verdade é que este projecto tem sido, ao longo do seu tempo de concepção e execução, ferido de suspeições, decisões estranhas e irregularidades. Cimento de bárbara qualidade, ilhas artificiais a desfazerem-se com uma chuvada, entre outras armadilhas, cuja dimensão só conhecemos, e provavelmente mal, por ter sido divulgada do lado de Hong Kong, e cujos resultados ainda estarão longe de dar todos os seus temíveis frutos. Terá sido esta uma atitude “profiláctica”, motivada pelo terror da exposição, das perguntas inconvenientes, enfim, da prática de um jornalismo indefectivelmente ao lado dos interesses do povo e não dos capitalistas, que muito terão embolsado com esta aventura? Não sabemos, mas as perguntas andam por aí. Em segundo lugar, podemos ter pena. Num momento em que o país se lança, como nunca desde o século XV, num imparável processo de internacionalização, não se compreende como persistem estes tiques xenófobos, herdados de momentos menos brilhantes da história. É este tipo de atitude que leva alguns a pensar a China como uma civilização impenitentemente xenófoba, com asco ao estrangeiro e profunda desconfiança das suas ideias e costumes, induzindo a uma rejeição da presença sínica que não seja motivada pela extrema necessidade e assente unicamente em relações comerciais. Não será com estas desatenções, dentro da sua casa, que os chineses conseguirão cativar a confiança dos que não se exprimem na língua de Confúcio nem representam o mundo e o pensamento através de representação ideográfica. Em terceiro lugar, podemos ficar ofendidos. Nós somos parte integrante, indissociável da RAEM, ou assim reza a lei e os discursos. E, ao fim e ao cabo, feitas bem feitas as continhas, quem tem defendido a imagem de Macau e o regime aqui vigente, em contexto internacional, como a comunicação social em línguas portuguesa e inglesa, da TDM ao Macau Times, passando pela Tribuna e pelo Ponto Final? Ninguém. Não nos conhecem? Façam o trabalho de casa. São 18 anos de RAEM, de interacção mútua, de criação de laços e confiança que deviam ter permitido às autoridades chinesas compreender que não somos “traidores”, nem colocamos acima de tudo os nossos desejos e interesses, à margem da região e da nação. A única coisa que nos podem apontar é o facto de praticarmos a nossa profissão e, nesse acto, amiúde confundido com missão, entendermos estar acima de tudo a defesa dos interesses da população de Macau e a procura da verdade. Ainda não perceberam que, sentados em diferentes lugares, estamos no mesmo barco e remamos na mesma direcção? Esta desconsideração não se coaduna com o tom amigo, conciliador e cúmplice que os discursos oficiais insistem em produzir e tal facto, indubitavelmente, questiona a integridade e a sinceridade dos oficiais que os emitem. Nós somos a RAEM, uma entidade multicultural e multilinguística, no seio da República Popular da China. Ou assim está escrito e assim foi prometido. Em quarto lugar, a ponte está verde. Como diria a raposa da fábula, quem quer estar presente numa cerimónia em que o presidente Xi solta uma frase, arruma os papéis e ala que se faz tarde? Quem quer passar uma ponte gigantesca, onde os ideólogos se “esqueceram” de colocar um comboio que, realmente, facilitaria a comunicação de pessoas e mercadorias e, pelo contrário, embarcaram por uma via “classista”, em que só alguns “aristoi” têm direito de pernada? E, aqui entre nós, quem quer ser o primeiro a arriscar uma travessia, depois das broncas com o betão e com as ilhas artificiais? Ná… A ponte está verde e nós ficamos muito bem aqui deste lado ou apanhamos o tradicional jet-foil. O melhor é esperar para ver onde é que quem se mete nesta obra vai parar. Se a Hong Kong e Zhuhai ou ao fundo da Grande Baía… A quem resolveu ignorar-nos, gostaríamos de dizer que, apesar da verdura da ponte, ainda assim, como o perigo faz parte da nossa profissão, enviaríamos um corajoso jornalista para uma mui arriscada travessia. Somos nós, caramba! E não será uma ponte mal amanhada que nos mete medo! Sejam mas é homenzinhos (man up!, em inglês para vos facilitar a tradução) e mandem daí um convite… Entretanto, enquanto o convite vai e volta, sem data certa de arribagem, já comprámos um bilhete de autocarro, passámos a dita ponte e contamos quase tudo nesta edição do Hoje Macau.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBeijinhos aos avós [dropcap]O[/dropcap] que se torna viral, torna-se viral, não há muito a fazer. Agora, porque é que certas coisas ‘viralizam’ ou porque são escrutinadas até ao tutano é que pode ser obra de algoritmos, ou talvez de pura sorte ou de puro azar. Falo-vos do que aconteceu na semana passada na televisão portuguesa: alguém proferiu uma ideia que nem achei assim tão polémica ou problemática quanto isso. A questão da obrigatoriedade na infância tem muito que se lhe diga, no exemplo em questão, o intuito era o de alertar para estarmos atentos à auto-determinação e agência infantil. O que poderia ter surgido como uma discussão interessante acerca de como ensinar desde cedo acerca da consciência do corpo e dos limites que lhe damos, ‘viralizou’ para uma conversa que confundia educação com obrigação – e de como comer legumes, ir à escola, ser-se boa gente ou ter-se bons modos e dar beijinhos de cumprimento a quem achamos por bem, é resultado directo de um pulso firme. O tal da obrigatoriedade que julgamos ser a única estratégia educativa. A discussão não foi muito para além disso, mas não deixa de ser uma discussão importante para se ter na esfera pública. Contudo, se a ideia foi polémica não foi por ser particularmente chocante – valeu-lhe uma combinação de comunicador e comunicado que não caiu nas boas graças de muita gente. Como este alguém não cai nos moldes ideais do homem tradicionalmente português, e da família tradicional portuguesa, muito rapidamente se assistiu a uma sede de sangue e de insulto – e a uma forma de discutir ideias muito fechada, categórica e teimosa. Isto não aconteceu por acaso, foi tudo graças a um jornalismo de baixíssima qualidade que faz uso de formas sofisticadas de bullying (sim, tenho a certeza que esta é a palavra certa) e que se aproveita de uma moralidade barata, para descredibilizar alguém só porque está fora da norma. O que me chateou mais nisto tudo foi a avidez pela ofensa e pela ameaça – sim, o protagonista desta história viu a sua página na rede social a ser saqueada pela indignação popular, e não foi feito de forma simpática, muito menos construtiva. Perguntei-me se, trocando o comunicador por alguém mais normativo, em todos os sentidos do sexo e do género, a reacção teria sido diferente? A pessoa em questão é poliamorosa, vive numa constelação familiar, usa eyeliner e é professor universitário. E esta combinação começa a ser perigosa e facilmente descredibilizada porque representa uma ‘elite’ de liberdades excepcionais. Já conhecemos bem o fantasma que o sexo e a dita ‘promiscuidade’ representa. Mas o que aprendi com esta história é que há quem nem queira saber de intelectualismos, muito menos quando a intelectualidade põe em causa aquilo que achamos que o mundo é. Aliás – porque é que ouviríamos um promíscuo falar sobre como educar uma criança? Estamos repletos de vieses e a pouca consciência destes insiste em perpetuar uma forma de pensar muito pouco reflexiva. O mesmo processo que desqualifica a opinião de alguém que percebemos como diferente é o mesmo que vangloria quem julgamos um exemplo de valores contemporâneos de sucesso (sim, estou a referir-me ao menino de ouro do futebol). Na nossa inocência julgamo-nos imunes, julgamo-nos cegos à cor da pele, etnia, orientação sexual ou género. Mas a prova derradeira de que somos realmente afectados por tudo isto é de que frequentemente discutimos as pessoas em si e não as suas ideias (eu sei que parecem uma coisa só – mas uma coisa é discutir educação infantil e outra é falar das escolhas relacionais do interlocutor). Só para reiterar – eu percebo que seja difícil discutir sexualidade, ainda mais a sexualidade infantil. Mas crianças devem, sim, ter a oportunidade de serem ouvidas e compreendidas nos limites que querem definir para si mesmas. Nada disto invalida o amor, o carinho e a ligação que se estabelece entre netos e avós e outros familiares – absolutamente nada (caso duvidassem que isso estivesse em causa). Acho que este episódio foi informativo, não pelo objecto de discussão em si, mas pela indignação que gerou e todos os movimentos subsequentes. Só vos digo que ainda temos muito que caminhar para que as sexualidades e as gentes que falam abertamente sobre elas não sejam ameaçadoras – e é urgente repensar as nossas estratégias de comunicação e de disponibilidade para com o outro.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLinhas de Acção Governativa para Hong Kong [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 10, Carrie Lam, a Chefe do Executivo de Hong Kong, apresentou as Linhas de Acção Governativa, no Conselho Legislativo. À semelhança do ano passado, espera-se que sejam criadas novas estruturas em todos os sectores da sociedade. Vejamos alguns aspectos legais destas medidas. No parágrafo 32 da sua intervenção, Carrie afirma: “Para garantir a eficácia da acção da Magistratura, o Governo tem desde sempre fornecido os meios de apoio necessários. (…)Do ponto de vista dos recursos humanos, o Governo aceitou as propostas dos magistrados e planeia aumentar a idade de reforma dos juízes e funcionários judiciais para os 70 anos (para juízes dos Tribunais de Primeira Instância e superiores) e para os 65 anos (para funcionários judiciais de Tribunais abaixo do Supremo). Estas medidas tendem a maximizar a força de trabalho na área judicial, minimizam as dificuldades em recrutar funcionários especializados e ajudam a conservar por mais tempo especialistas talentosos com ampla experiência…” E porque é que Hong Kong tem dificuldade em recrutar novos juízes? Porque, ao contrário dos advogados que recebem salários elevados, os juízes, enquanto funcionários públicos, são pagos pelo sistema de escalões fixado pelo Conselho Legislativo. Embora seja um rendimento estável, o salário de um juiz é, em média, cerca de metade de o de um advogado. Além disso, os juizes estão sujeitos a uma enorme pressão social, muitas vezes desnecessária. Por exemplo, no caso do julgamento de Zhu Jingwei, um polícia reformado que agrediu um transeunte com um bastão, juntou-se uma multidão à porta do Tribunal aos gritos de “cão polícia”. Um outro caso que também ficou famoso recentemente foi o de Aileen Tang, que tirou fotos durante um julgamento sem autorização prévia. Quando explicou ao juiz a razão do seu comportamento, o magistrado compreendeu que havia qualquer problema com a sua saúde mental e solicitou um procedimento especial para realizar o julgamento. Este tipo de situações desencorajam os advogados de aspirar à magistratura. Aumentar a idade de reforma dos juízes, no âmbito das linhas de acção governativa, é uma forma de lidar com estes problemas. Mas não só, é também uma forma de dar um exemplo e encorajar o patronato em geral a manter os funcionários mais velhos por mais tempo. Segundo as últimas projecções sobre a força de trabalho, o Governo prevê que o número de pessoas com mais de 65 anos vai aumentar para 2,16 milhões, em 2031. Em 2041, este número irá atingir os 2,56 milhões, cerca de um terço da população. Se os mais velhos puderem trabalhar por mais tempo, criar-se-á uma relação mais equilbrada entre as pessoas activas e as que já estão reformadas. Em segundo lugar, aumentar a idade de reforma dos juizes é uma forma de implementar a independência da Magistratura. A Magistratura deve estar acima de quaisquer pressões e de quaisquer interesses, públicos ou privados. Os Tribunais devem estar livres de qualquer influência externa. O artigo 85 da Lei Básica de Hong Kong Basic estipula: “Os Tribunais da Região Administrativa Especial de Hong Kong exercerão o poder judicial de forma independente, e livres de qualquer interferência. Os membros da Magistratura estarão imunes de sofrer qualquer acção legal, durante o exercício das suas funções judiciais.” À semelhança deste, o artigo 83 da Lei Básica de Macau estipula: “Os Tribunais da Região Administrativa Especial de Macau exercerão o poder judicial de forma independente. Não estarão subordinados a nada, a não ser à Lei, e não poderão ser sujeitos a qualquer interferência exterior.” Para garantir a independência do poder judicial, os juízes terão de estar protegidos enquanto exercem as suas funções. Aumentar a idade de reforma é uma medida eficaz. Como não têm o seu lugar em risco, os magistrados podem desempenhar a sua tarefa sem medo de pressões. Não podem ser afectados pelos estatutos dos litigantes, e baseiam-se apenas na Lei para decidir quem deve ganhar a contenda. Este é um dos motivos que levou Carrie a afirmar no parágrafo 31 da linhas de acção governativa o seguinte: “O estado de direito é o primeiro de todos os valores fundamentais de Hong Kong, e a independência do poder judicial é a chave de todo o estado de direito. A Lei Básica de Hong Kong estabelece os princípios fundamentais que alicerçam o nosso sistema judicial. Os mais importantes destes princípios são o exercício independente do poder judicial do nosso Trinunal de Última Instância (CFA), e o convite endereçado aos juízes de outras jurisdições para tomarem assento no CFA…… Os Tribunais e os juízes só têm de ter em conta a Lei e as questões legais que surjam durante os julgamentos a que presidem. Não é relevante, nem faz parte dos seus deveres constitucionais, envolverem-se em questões de ordem política, económica ou social, que não esteja directamente relacionada com a Lei. É do interesse de todos que o estado de direito permaneça forte, respeitado e visível.” Se os Tribunais e os juizes se ocuparem apenas dos assuntos legais, podemos continuar a confiar numa sociedade justa.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão da sustentabilidade (II) “In his book Collapse, Jared Diamond (2005) lists eight environmental problems that contributed to the collapse of past civilizations: deforestation and habitat destruction, soil problems (erosion, salinization, and soil fertility losses), water management problems, overhunting, overfishing, effects of introduced species on native species, human population growth, and increased per capita impact of people. For modern civilization, Diamond adds four new global problems: human-caused climate change, the buildup of toxic chemicals in the environment, energy shortages, and full human utilization of the earth’s photosynthetic capacity.” “Sustainability: An Environmental Science Perspective 1st Edition” – John C. Ayers [dropcap]A[/dropcap] biosfera não reduz o ciclo de materiais. Um castor morto pode ser reencarnado como uma árvore, molusco, águia ou até mesmo outro castor, ou seja, todas as aplicações de alto valor dos materiais reciclados da natureza e das primeiras cianobactérias aos seres humanos, o ciclo virtuoso da reciclagem é contra-intuitiva, porque depende da obsolescência planeada que é a ruína dos ambientalistas. Os fabricantes conscientes entendem compreensivelmente a obsolescência planeada como um vício e projectar um fim prematuro em novos produtos tornou-se uma parte infame da estratégia de Detroit para vender mais carros na década de 1960, e foi amplamente condenada como um desperdício. A obsolescência biológica é também conhecida como morte e desempenha um papel vital na biosfera. O processo informal de inaugurar o antigo e o novo permite a mudança e sem a biosfera não poderia evoluir, pois no contexto das regras da biosfera, a obsolescência planeada pode-se tornar sustentabilidade, levando a empresa a projectos ecologicamente superiores. A terceira regra é a de explorar o poder das plataformas. A Terra é povoada por espantosos trinta a cem milhões de espécies, as quais compartilham miraculosamente um desenho subjacente. A arquitectura básica da vida foi estabelecida pelos primeiros organismos multicelulares, há mais de três mil milhões de anos e desde então, embora o processo de evolução tenha tornado a vida mais complexa, cada criatura, das trilobites à humana, tem sido uma repetição no projecto original da natureza. O projecto é uma plataforma de propósito geral que foi aproveitada repetidamente para criar a biodiversidade surpreendente do planeta. Essa estratégia é tão bem-sucedida que a vida pode-se adaptar e existir em qualquer lugar do planeta, das planícies abissais dos oceanos aos picos do Monte Everest, e felizmente para os líderes empresariais, a indústria-lógica concorda com essa regra da biosfera. As empresas de vários sectores exploram há muito tempo o poder das plataformas. O Windows da Microsoft, por exemplo, é uma plataforma computacional de propósito geral que a empresa utilizou em qualquer número de aplicativos, do Word ao Media Player. A produção também aprecia estratégias de plataforma e no sector automobilístico, por exemplo, diferentes modelos podem usar as mesmas peças ou sistemas de transmissão. Mas o projecto de plataforma na indústria tende a ocorrer ao nível do componente, permitindo que as peças sejam trocadas entre as ofertas de produtos. A indústria precisa de permanecer abaixo desse nível e examinar minuciosamente a composição dos próprios componentes, pois os materiais são uma plataforma mais fundamental, na qual os componentes e os produtos finais são construídos. As regras da biosfera em acção demonstram o seu valor real quando estão integradas em uma estratégia global para explorar o potencial das plataformas de produtos sustentáveis. Se uma empresa estende essa estratégia a uma linha de produtos, os custos relativos diminuem à medida que a escala de produção cresce, promovendo retornos lucrativos em investimentos na sustentabilidade. A sustentabilidade económica garante a sustentabilidade ambiental e actualmente poucas empresas construíram sistemas de produção sustentáveis que estão em conformidade com as três regras. A Shaw Industries Group, Inc., é uma subsidiária da Berkshire Hathaway, Inc., sendo a maior fabricante de carpetes do mundo, com mais de quatro mil milhões de dólares de vendas anuais e aproximadamente vinte e dois mil e trezentos trabalhadores em todo o mundo, em Dalton, nos Estados Unidos. A empresa também produz telhas de carpete, um piso industrial instalado em edifícios de escritórios em todo o mundo e há cerca de vinte anos quando confrontada com a crescente preocupação ambiental e com o descarte de carpetes (mais de 95 por cento das antigas carpetes foi retirada e depositada em aterros sanitários) e com o aumento dos custos das matérias-primas, a Shaw aderiu a uma importante iniciativa repensando os seus negócios e criando o que denomina de tapete do século XXI. A telha de carpete da Shaw é composta pelo suporte, que mantém o tapete liso, e a fibra da face, que cria uma superfície de caminhada suave. A Shaw, até metade da década de 1990 produziu um suporte de marca feito de “policloreto de polivinila (PVC na sigla em língua inglesa)”. O PVC é potencialmente tóxico e difícil de reciclar e a um custo substancial, a empresa procurou uma solução mais sustentável e com uma compreensão intuitiva da sustentabilidade, reconheceu a necessidade de uma simples paleta de materiais não tóxicos para o seu produto, tornando como meta o círculo virtuoso da reciclagem. A escolha de fibra de face nylon 6 e suporte de poliolefina deu aos materiais da empresa que podiam ser reciclados de aplicações de alto valor para outras aplicações sem nunca perder desempenho ou funcionalidade. A empresa desenvolveu um sistema de produção integrado que poderia levar a carpete ao final da sua vida útil, separar o suporte, triturá-lo e recolocá-lo no processo de fabricação e no final resultava uma carpete nova denominado de “EcoWorx”. A “Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA na sigla em língua inglesa)” reconheceu o “EcoWorx”, atribuindo o prémio “Presidential Green Chemistry Challenge”. Assim, a Shaw podia olhar para o futuro quando os arranha-céus das cidades do mundo, começaram a fazer as suas encomendas, e cujo êxito começou pela cidade de Dubai. A plataforma de produtos sustentáveis da Shaw também ajudou a libertar a empresa dos caprichos dos mercados de matérias-primas que afligem a indústria. A entrada principal para o suporte e a fibra da maioria dos tapetes é o petróleo. Quando a Shaw começou os seus esforços, o petróleo estava a dezanove dólares por barril e com os preços actuais do petróleo, a empresa parece um visionário experiente. As realizações da Shaw não foram de forma alguma fáceis, embora tenham conquistado elogios e produzido benefícios a longo prazo. Os líderes da empresa fizeram uma aposta de dois milhões de dólares em uma tecnologia não comprovada, que ameaçava tornar obsoletas as suas instalações de produção de última geração. A aposta foi feita sem evidências concretas de que os clientes valorizariam a sustentabilidade da carpete. Os líderes da Shaw reuniram a convicção e a fé necessárias para construir uma plataforma de produto sustentável que criaria uma vantagem competitiva futura. Nem todas as empresas estão dispostas a fazer tal aposta e como a mudança para a produção sustentável é dramática, os líderes empresariais provavelmente enfrentarão a rigidez organizacional enquanto tentam implementar as regras da biosfera. Tais regras podem, no entanto, ser introduzidas ao longo do tempo de uma forma que limita a interrupção e mais uma vez, há algo análogo da biosfera para este processo, pois na natureza, novos ecossistemas, como florestas de pinheiros e prados alpinos não surgem totalmente formados, desenvolvem-se através de um processo gradual conhecido como sucessão, no qual as espécies colonizadoras alteram o ambiente local e o tornam hospitaleiro para uma comunidade maior e mais diversificada de organismos. As regras da biosfera podem criar um ambiente organizacional hospitaleiro para as etapas subsequentes, pois faseando-as minimiza custos e permite uma transição ordenada e o mais importante, é a possibilidade de pode criar vantagens a curto prazo que proporcionam motivação para esforços contínuos. A primeira fase seria a de pensar em menos materiais. O primeiro passo para os líderes empresariais que desejam implementar as regras da biosfera será o de repensar as suas estratégias de fornecimento e simplificar drasticamente o número e os tipos de materiais usados na produção das suas empresas. Tal etapa é fundamental se a empresa espera reciclar de forma económica. A fórmula tradicional para a gestão de materiais ambientalmente responsável tem sido “reduzir, reutilizar e reciclar”, mas a sua má aplicação pode levar as empresas a um beco sem saída no caminho para a sustentabilidade. Quanto a reduzir a eco eficiência procura produzir mais “widgets” com menos material de entrada. Mas se no final da sua vida útil um produto contiver muito pouco material valioso para tornar a recuperação económica, está fadado ao enterro em um aterro municipal. Quanto ao reuso, faz sentido para produtos simples, como copos e garfos, mas pode dificultar os esforços de sustentabilidade para os mais complexos, como carros e fornos de microondas e como os novos produtos são mais eficientes e têm um impacto ambiental reduzido, o ciclo de vida mais curtos de produtos podem trazer avanços mais rápidos e para os maiores ganhos de sustentabilidade, a reutilização deve ocorrer no material e não ao nível do produto. Quanto a reciclar é fundamental entender que a reciclagem é crucial para a sustentabilidade, mas pode realmente incentivar o uso de materiais nocivos que as empresas devem evitar completamente. Os esforços para reciclar cloreto de polivinil, por exemplo, poderiam criar uma procura perpétua pelo material. No entanto, empresas como a Nike, Honda e Mattel estão a eliminar o PVC por causa de problemas de saúde.
João Luz VozesDor [dropcap]C[/dropcap]omo agulhas espetadas debaixo das unhas. Acutilante prioridade dos sentidos que tudo reduz a pó, que rouba significado onde quer que possa encontrar miolo, até que o tempo pare de contar. Angústia constitutiva que diz quem somos, de onde viemos e para onde vamos, tudo se reduz a mim. Todas as preces e eucaristias, somas múltiplas de adorações, pedaços de vida devotos à transcendência são trazidos de volta à terra através de mim, a força maior. A lancinante puta, mãe de todos os nervos, vertigem dos corações desvairados, ombro falso dos solitários, oásis equivocado dos melancólicos. Todos retornam ao meu espinhoso aconchego, à concórdia deste nó que não desata e que só por fogo pode ser dissolvido. Poder que tolda a visão, que escurece os dias e que humildemente lembra às almas a insignificância da sua natureza, que mancha de fedor o perfume dos problemas quotidianos. Dona dos oprimidos e dos culpados, razão de ser dos pecadores, medida improvável dos descrentes e de todos os espíritos livres e autónomos de dogmas, de amores teóricos e falácias do marketing. Ferro em brasa onde mais magoa, rasgo libertador de sangue, rio de lágrimas gordas, sinfonia de gritos de desespero que dá música à natural dança do que é ser humano. Todos esmagados neste almofariz existencial, triturados até os ossos que se transformam em farinha fina sob a graça da minha pressão, regresso aos elementos químicos básicos, até todos serem energia cósmica que dói, que aflige as estrelas e molesta sem perdão as constelações. Náusea imensa que cresce bem para além das possibilidades, que se agiganta além das características dos sólidos e da fantasmagoria dos vapores. Asco que leva o estômago numa viagem de montanha russa sem altos, só baixos, sempre em queda livre sem ver o fim, sem descanso derradeiro que traga paz. Aflição máxima que busca e sonha com o breu, o silêncio, a dormência, o branco invasor onde se pode dormir em paz, livre o cansaço do sonho. Desejos de recompensas divinas da grande deusa palavra, amor incondicional a uma esquiva ideia de eloquência e ao espírito sempre elusivo, que escapa entre os dedos dos tolos. Captura-se a espaços, aqui e ali, em golpes de sorte e logo de seguida desvanece-se e retorna ao âmago do mal, ao lar das agonias, à certeza da mais completa banalidade devota justamente ao esquecimento. Um corte mais fundo que o outro, precipício íntimo em que se cai quando se pensa que se está a erguer de algo, elevação que se revela queda a pique. Abismo onde a sagacidade adormece quando os olhos se cerram e os dentes rangem. Sentir tudo, sentir e nada poder fazer quanto a isso. Incapacidade como essência perante a indiferença fatal da biologia. Não sou a dor que purifica, a dor que busca prazer, a dor sacramental de masoquista elevação espiritual, não sou a dor que adorna estados de mente, bibelôs emotivos ou desesperos recreativos. Sou o rasgo que devora nervos e que vive sempre com o homem e a mulher. Sou calvário, suplício e a mais completa das mortificações. Sou a implacável sílaba máxima que se berra surda em múltiplos “ais”, que dispensa verbo, predicado e que dilacera o sujeito. Para muitos, sou a via para o paraíso e o eterno sofrimento do inferno, essa evangélica contradição que é o cimento dos mitos. O meu nome é Adamastor, a soma de todas as tormentas, farpas enterradas em carne sensível, cilício cravado na fé, flagelação, a pena máxima aplicada a toda a criação.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesEleições dentro de três anos [dropcap]O[/dropcap]utubro marca o início da 2.ª sessão legislativa da sexta Assembleia Legislativa. Durante o ano que passou, nem uma única organização levou a cabo qualquer sondagem para auscultar a opinião do público sobre a actuação da Assembleia Legislativa e dos seus deputados. Mas, ultimamente, os comentários que ouvi a algumas pessoas sobre esta Assembleia não foram muito positivos, sobretudo no que diz respeito à sua capacidade de supervisionar as obras de que o Governo da RAEM está encarregue. É preciso apresentar provas que justifiquem as acções, porque as visões subjectivas não servem como critério de avaliação. Após o termo da 1.ªsessão legislativa, foi emitido um relatório de actividades da Assembleia relativo a este período. Nos Anexos VII e VIII do relatório, são mencionadas em detalhe todos as intervenções de cada deputado, bem como o número de vezes em que pediram o uso da palavra, no período de antes da ordem do dia, e, finalmente, as interpelações de cada um deles. A Assembleia Legislativa é composta por deputados eleitos por sufrágio directo, indirecto e nomeados. Independentemente da forma como acederam à Assembleia, todos os deputados têm direito à mesma remuneração, os mesmos direitos e os mesmos deveres. No entanto, após um estudo mais aprofundado do relatório, apercebi-me de que nenhum dos sete deputados nomeados tinha apresentado qualquer interpelação escrita ou oral, no decurso da 1.ªsessão legislativa. Será que nenhum deles tinha nada a assinalar sobre o desempenho do Governo da RAEM, durante estes 10 meses? No que respeita ao “uso da palavra no período de antes da ordem do dia”, apenas um dos sete deputados nomeados assinou uma intervenção neste âmbito. Quanto ao desempenho dos deputados nomeados pelo Chefe do Executivo, acabam por não servir de mediadores entre o público e o Chefe do Executivo. Este sistema de nomeações advém da “Declaração Conjunta entre a China e Portugal” e foi promulgado através da Lei Básica de Macau. O objectivo legislativo original era proteger os portugueses residentes, uma pequena comunidade de Macau. Hoje em dia, é por demais evidente que esse objectivo inicial se perdeu. Perante isso, porque é que é necessário continuar a manter sete lugares para deputados nomeados que são incapazes de proferir qualquer interpelação quando se trata de avaliar a actuação do Governo da RAEM? O desempenho dos deputados nomeados demonstra as limitações inerentes ao sistema de nomeações. E o que dizer sobre a actuação dos deputados eleitos por sufrágio indirecto? A avaliar pelo relatório de actividades da Assembleia Legislativa durante a 1.ªsessão legislativa, verifica-se que dois dos deputados eleitos por sufrágio indirecto, dos sectores cultural e desportivo, não apresentaram qualquer interpelação escrita, nem oral, nem pediram o uso da palavra no período de antes da ordem do dia. Este fenómeno está relacionado com o facto de a actual eleição por sufrágio indirecto em Macau ser feita a partir de pessoas colectivas com capacidade eleitoral activa dentro de cada um dos sectores da sociedade. Pode aperfeiçoar-se este tipo de eleição em Macau adoptando o método eleitoral através de Circunscrições Sectoriais – Functional Constituency – usado em Hong Kong. Mas para além disso, a taxa de comparência dos deputados durante a 1.ªsessão legislativa foi satisfatória. Há contudo que salientar que, dos quatro deputados com 100% de presenças, três foram eleitos por sufrágio directo e apenas um foi nomeado. Durante os próximos três anos, o desempenho destes deputados, quer tenham sido eleitos directa ou indirectamente, irá influenciar as suas probabilidades de reeleição. Os que já anunciaram que não se irão recandidatar, terão de preparar convenientemente os seus sucessores. Se o sistema politico de Hong Kong e de Macau não sofrer futuramente grandes alterações, o número de lugares reservados para os deputados nomeados manter-se-á igual. Quanto às alterações na eleição por sufrágio indirecto, será necessário um esforço da população de forma a exigir que o voto passe a pertencer aos eleitores de cada sector. Já em relação à eleição por sufrágio directo, as possíveis mudanças serão provavelmente ditadas pelo campo democrata, com raízes na Associação de Novo Macau. Se os meus leitores prestarem atenção às recentes movimentações registadas nas organizações mais consagradas ao longo de toda a comunidade, repararão que os diferentes partidos já começaram a preparar as próximas eleições para a Assembleia Legislativa, que terão lugar dentro de três anos. Para tornar a Assembleia Legislativa num verdadeiro plenário que defenda o bem estar do povo, todos nós teremos de monitorizar o desempenho dos deputados. Quem for tomar assento na próxima Assembleia Legislativa é uma escolha que só vai depender da consciência dos eleitores .
Tiago Bonucci Pereira VozesA China e a Construção de Infraestruturas em África [dropcap]O[/dropcap]sector de infraestruturas representou desde sempre uma área importante na relação entre a China e África, importância essa que ganhou ainda maior proeminência ao longo das últimas duas décadas. Nos anos subsequentes à crise financeira de 2008, o papel da China como financiadora e construtora de infraestruturas em África apenas tornou-se mais preponderante. O crescimento da China neste sector deverá ser lido à luz de dois factores determinantes: em primeiro lugar, o excesso de capacidade doméstica aliado a um considerável volume de reservas cambiais convida à exportação desse excedente, o que está em linha com a política Chinesa “Going Out”; em segundo, o facto de países e instituições internacionais que tradicionalmente apoiam África terem desde há várias décadas (anos 80) optado por reduzir o apoio ao desenvolvimento de infraestruturas em África, política que se tornou ainda mais pronunciada em virtude da crise financeira de 2008. No que concerne o investimento Chinês neste sector, o financiamento é providenciado sobretudo através do Banco de Exportação-Importação Chinês (China Eximbank) e pelo Banco de Desenvolvimento da China (China Development Bank, CDB), policy banks da China e, como tal, instrumentos de implementação da estratégia Chinesa. E embora as condições contratuais associadas sejam comparativamente menos exigentes que as das Instituições Financeiras Internacionais, o financiamento é feito sob a condição de contratação de empresas Chinesas e aquisição de tecnologia, equipamentos e serviços Chineses. Em tudo semelhante ao praticado por outros países. Exemplos recentes de projectos financiados pela China em África (alguns deles associados à Iniciativa Faixa e Rota, BRI) incluem as ferrovias SGR (Standard Gauge Railway) no Quénia e na Nigéria, e a ferrovia transfronteiriça entre Addis Ababa na Etiópia e o Djibouti. Muitos destes projectos estão localizados em países sem grandes recursos naturais, não obstante estarem associados (mas nem sempre) à sua exploração, constituindo muitas vezes um factor de sustentabilidade do investimento. É certo, no entanto, que a viabilidade dos projectos é fundamental no processo de tomada de decisão de investimento, um aspecto que ganhou importância fruto de lições de investimentos Chineses em África no passado, mas também tendo em vista a projecção da uma imagem do financiamento Chinês como sendo feito de forma responsável, sem intenção de colocar países recipientes numa situação de endividamento insustentável. Acima de tudo, a China procura convergir interesses: o desenvolvimento desses países, conjugado com a abertura de mercados aos seus bens e serviços. A imagem do investimento Chinês em África como ambientalmente irresponsável é enviesada. Em primeiro lugar, a avaliação do impacto ambiental de um determinado projecto fica normalmente a cargo do país recipiente. Em segundo, e relativamente à actuação de empresas de construção Chinesas, um estudo recente da SAIS-CARI (Universidade John Hopkins) relativo à avaliação do desempenho de empresas de construção Chinesas em projectos do Banco Mundial em África indica a existência de problemas ambientais e sociais em apenas 2 projectos num total de 72. Finalmente, esta imagem ignora o facto de a China ser excedentária também na área das energias renováveis, tendo já desenvolvido múltiplos projectos neste sector: parques eólicos na Etiópia, projectos de geração de energia solar na África do Sul, e múltiplos projectos hidroeléctricos em todo o continente. A ferrovia SGR no Quénia é um caso ilustrativo da complexidade das variantes envolvidas. O caminho-de-ferro atravessa o Parque Nacional de Tsavo, com uma grande população de animais selvagens. Por forma a reduzir a influência do traçado nas rotas de migração de elefantes, girafas e outros animais, a construtora China Road and Bridge Corporation (CRBC) definiu corredores por onde os animais podem passar livremente. Apesar destes esforços, o projecto não deixou de ser merecedor de críticas. No entanto, e no que concerne medidas de protecção ambiental, as opções do trajecto, e as opções de projecto em geral, parecem ter sido definidas tendo em conta sobretudo a pressão do governo Queniano para que o projecto fosse completado no mais curto espaço de tempo possível, e de maneira a minimizar os custos com expropriações. Este último factor constituiu um permanente foco de tensão durante a execução do projecto, fruto de problemas financeiros (os custos com expropriações ficaram a cargo do governo Queniano, e ultrapassaram largamente os valores projectados antes da construção) e sócio-políticos (a diversidade étnica do país a par do aproveitamento político do projecto, gerou tensões com acusações de favorecimento de determinadas etnias e comunidades). Pela sua parte, a CRBC pôs em marcha uma estratégia CSR (Corporate Social Responsibility) com vista à mitigação de problemas de cariz social relacionados com o projecto. Esta estratégia inclui, por exemplo, a nomeação de agentes de ligação em todos os sectores da ferrovia, cuja função foi constituir uma ponte de comunicação entre a construtora e as comunidades locais através da qual as diferentes comunidades apresentavam queixas e pedidos à CRBC. Daqui resultou, em resposta a algumas das queixas e pretensões manifestadas, que a CRBC renovou escolas, centros de saúde, igrejas e mesquitas, além de ter construído pequenas estradas e pontes a pedido de comunidades locais. Importa também referir que as firmas Chinesas, em geral, contratam mais trabalhadores locais em África do que outras empresas estrangeiras. Para a ferrovia SGR no Quénia, a CRBC empregou 21858 trabalhadores, 2000 dos quais Chineses, e 19858 trabalhadores Quenianos. É verdade que até há uns anos a proporção de trabalhadores Chineses era maior, mas paulatinamente essa percentagem tem decrescido, a par com o aumento dos vencimentos na China e com a formação de quadros locais. Formação essa providenciada pelas próprias empresas Chinesas. Muito do aqui escrito contradiz o que é publicado nos meios de comunicação. No entanto, estudos realizados em instituições académicas e de investigação ocidentais descrevem esta realidade. A acção de firmas chinesas em África está em linha com o praticado por empresas Japonesas e ocidentais na China desde finais da década de 70. A ideia é apoiar o desenvolvimento dos países recipientes e ganhar mercado na região. A China tem investido em África tanto pela sua riqueza natural, como pela crença que o continente estará prestes a entrar num ciclo de grande desenvolvimento económico. Consequentemente, a sua influência económica e geopolítica é cada vez maior. Este facto parece ter motivado Donald Trump, este mês, a criar uma nova agência americana de ajuda externa – The United States International Development Finance Corporation – com um capital de 60 mil milhões de dólares para apoiar projectos na Ásia, África e nas Américas. Esta agência surge um mês depois de, durante o encontro FOCAC 2018 em Pequim, Xi Jinping ter anunciado que a China providenciaria financiamento na ordem de 60 mil milhões de dólares a África. Curiosamente, há um ano e meio Trump anunciava a intenção de cortar ajuda externa a África. Não restam dúvidas que as motivações para a criação desta agência não são altruístas.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA estúpida Cistite [dropcap]A[/dropcap]s mulheres sofrem de infecções urinárias, mais do que os homens. Isto não é porque as mulheres têm que pagar pelo pecado original, é um simples mau cálculo fisiológico. As mulheres têm uma uretra que podia estar numa posição e lugar mais conveniente para que não sofressem deste mal, mas pronto, o nosso corpo não pode ser perfeito em cada ângulo ou centímetro. Apercebi-me que nunca utilizei este espaço para falar das estúpidas das cistites quando até é um tópico de importância para o sexo e para a saúde feminina. Acontece, também, que sou uma especialista no tema porque já tive à volta de 25 chatas (e muito dolorosas) infecções. Se não estão convencidos que a fenomenologia da coisa possa trazer alguma sabedoria a ser partilhada, tenho a dizer que também nunca li tantos artigos científicos de medicina – sou detentora de conhecimento de causa. Pensei que era a única no mundo a padecer do mal das estúpidas e recorrentes cistites quando comecei a conhecer mais amigas que estavam na mesma situação, e de amigas passou a colegas ou vizinhas. Umas com situações piores que outras, umas com caixas de antibiótico nas carteiras, porque nunca se sabe quando uma estúpida cistite vai aparecer, – frequentemente dei por mim a pensar porque é que não se fala mais das infecções urinárias? Aparentemente, dizem as estatísticas médicas, é normal uma mulher ter uma estúpida infecção por ano – se tiver três num ano, é melhor procurar um especialista – mas se tiver uma por ano, está dentro da normalidade. Ora, eu não acho normal ter uma infecção urinária por ano, da mesma forma que não é normal as mulheres sofrerem de dores menstruais – por vezes tão intensas quanto um ataque cardíaco – todos os meses. Não vou entrar na batalha que ainda tem que ser travada por mais respeito pela saúde feminina (tanta investigação que diz que os profissionais médicos desconsideram queixas das mulheres…) mas focar-me-ei nas estúpidas cistites. Surpreendentemente ou não, não há grandes veículos informativos que falem sobre estas coisas abertamente e de forma clara e fidedigna. As gentes de outrora alcunharam de cistite da lua-de-mel as infecções urinárias que as mulheres frequentemente tinham depois da noite de núpcias. Isto porque a probabilidade de ter uma infecção 24 ou 48 horas depois de uma relação sexual com o (ou um novo) parceiro é significativa. Há alguma investigação (pouca) feita para perceber o que se pode fazer para evitá-la, mas primeiro uns esclarecimentos: uma cistite pós-coito não é uma IST. Esta acontece porque a fricção genital ajuda a que bactérias que temos naturalmente pelo corpo possam viajar pela uretra feminina, que é pequenina e que está perto de todo o movimento. Podia acontecer o mesmo com os homens, mas eles têm uma uretra de 15cm e as mulheres de 5cm, daí a facilidade da pequena viagem bacteriana. Para evitar a invasão indesejada, há quem diga que não há nada como ir fazer um xixi depois de toda a actividade – golden showers? Estejam à vontade. A melhor forma de prevenir uma infecção, no geral, é fazer muito xixi, porque assim não se criam as condições ideais para as bactérias se multiplicarem dentro da bexiga. Daí também ser problemático segurarmos a urina durante muito tempo – mas enfim, como eu tenho material para escrever uma tese de mestrado sobre isto, não vou prolongar-me. Não é só o sexo que aumenta a probabilidade de uma infecção, espermicidas, por exemplo, podem despoletar uma crise, produtos de higiene feminina muito agressivos, também. As mulheres, principalmente, vão sofrer transformações naturais que as vão tornar mais susceptíveis a estas chatas cistites no pós-menopausa. É preciso ter em atenção também que muitas vezes as inflamações da bexiga têm uma sintomatologia muito semelhante à infecção, mas que não precisam de antibióticos para serem tratadas. E eis que entra em cena o arando vermelho – o cranberry – a baga melhor amiga do sistema urinário! Bastante eficaz no tratamento das inflamações (e não das infecções propriamente ditas, elas precisam sempre de antibiótico) e funcionam muito bem na prevenção de infecções recorrentes. Há mais dicas, mas vou ficar por aqui. A todas as mulheres (e homens) que sofrem de infecções da bexiga, aqui me apresento em solidariedade.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesUm crime quase perfeito (II) [dropcap]A[/dropcap]semana passada, começámos a analisar o caso da morte da mulher e da filha de Xu Jinshan. A polícia encontrou as duas vítimas dentro do carro, um Mini Cooper. As mortes foram causadas por envenenamento com monóxido de carbono, mas a viatura estava em perfeitas condições. Em 2014 foi enviado um email para a empresa que fornece o gás a indagar o preço. O endereço de email, que continha a palavra “khaw”, pertencia provavelmente a Xu Jinshan. O monóxido de carbono foi encontrado no laboratório e Xu Jinshan utilizou-o em algumas experiências. Xu Jinshan admitiu que tinha usado duas bolas insufláveis para guardar o gás e que as tinha levado para casa. Não existem indícios que provem que ele tenha colocado uma das bolas na parte de trás do Mini Cooper, e que tenha arranjado forma de libertar o monóxido de carbono com intenção de matar a mulher e a filha. Durante o julgamento, o juiz dirigiu-se ao júri para salientar que, segundo as declarações do réu, só ele e a filha mais nova sabiam que a bola insuflável continha o gás letal. Xu Jinshan e a mulher eram os únicos a possuir as chaves do Mini Cooper. Perante este facto o júri poderia ser levado a pensar que Xu Jinshan seria a única pessoa que poderia ter posto a bola na mala do carro. A direcção que o juiz deu ao julgamento parece ter sido razoável. Como ninguém viu Xu Jinshan pôr a bola insuflável na mala do Mini Cooper, esta poderia ter sido colocada por outra pessoa. No entanto, como só ele e a mulher tinham as chaves do carro, o júri inferiu que foi ele que o fez, por não ter sido estabelecida nenhuma dúvida razoável. Após sete horas de deliberação, o júri considerou Xu Jinshan culpado dos dois homicídios. Foi condenado a prisão perpétua. Algumas pessoas perguntam-se se Xu Jinshan pode herdar os bens da mulher? Segundo a Lei Comum, os criminosos não podem lucrar com os seus crimes. Para além dos princípios da Lei Comum, os estatutos têm a mesma disposição. A secção 25 da Lei da Emenda e Reforma da Ordenança (Consolidação) estipula que se o assassino for o herdeiro da vítima, seja por: ser beneficiáro por testamento, por ter legalmente requerido a herança, por ser administrador dos bens do falecido, ou por doação, o Tribunal tem o poder de impedir que a receba. O propósito da secção 25 é, óbviamente, impedir que os homícidas possam beneficiar dos seus crimes. A secção 33 da Ordenança da Administração e Inventário de Propriedades estipula que se o Tribunal considerar que a administração dos bens não está a ser adequada, pode emitir uma ordem para corrigir a situação. Os homícidas também não podem beneficiar dos seguros feitos em seu nome pelas vítimas. Em Macau existem disposições legais semelhantes. O artigo 1874 do Código Civil estabelece precisamente o mesmo. Os assassinos não podem herdar das suas vítimas. Votando ao caso de Xu Jinshan, é sabido que o casal poderia facilmente ter-se divorciado. Só não o fizeram por terem considerado preferível continuar a viver juntos, para educarem os filhos. Segundo declarações do réu, a família sabia que ele tinha uma amante, por isso não se percebe porque é que recorreu ao homicídio. Seja como for, acabou por ser uma tragédia familiar. Era muito pouco provável que uma bola insuflável esvaziada tivesse chamado a atenção da polícia. Era difícil imaginar que tivesse sido o recipiente do monóxido de carbono. Temos de agradecer à polícia pelo seu empenho em procurar a solução deste mistério. Mas, acima de tudo, como reza o ditado chinês, “A abóboda celeste foi refeita, já não verte.”
João Luz VozesGalgos e a incerteza [dropcap]O[/dropcap] que aproxima Werner Heisenberg, nobel da física, aos galgos que correram na pista do Canídromo? Qual a semelhança entre a matéria escura (em inglês dark matter) e Centro Internacional de Realojamento de Galgos de Macau? Bem, a infra-estrutura intencional de que se fala desde que terminou a concessão da Yat Yuen interage menos com a realidade, como a concebemos, do que qualquer partícula que só actua em termos gravitacionais, como uma espécie sombra teórica. A matéria escura está lá, apesar de não ser apreendida pelos sentidos imediatos. Não carece de fé para existir, uma vez que os efeitos da sua existência são registados por vestígios evidentes. Mas, apesar do mistério que encerra, este mistério da física moderna é bem mais real que a badalada solução alternativa apresentada como a próxima casa dos reformados cães de corrida a caminho da adopção. No início do século passado, Heisenberg mandava abaixo as fundações da física clássica com uma teoria que tinha a imprevisibilidade no cerne das características de partículas e elementos atómicos. Quase cem anos depois, o Governo e a Yat Yuen trazem para a gestão municipal o princípio da incerteza da mecânica quântica. Para onde vão os galgos da Canídromo quando deixarem de correr? Esta questão continua por responder, quase três meses depois do fim da concessão. O edifício que deveria receber o Centro Internacional de Realojamento de Galgos de Macau está num terreno concessionado com finalidade industrial, o que representa um berbicacho legal. Foi também sugerido alojar os animais em dezenas de moradias privadas, numa alusão clara ao psicadelismo urbano, uma modalidade de urbanismo que me parece que acabei de inventar. Ah, esperem, lembrei-me agora do edifício ao lado da Casa de Lou Kau. Ainda assim, a sobriedade venceu o surrealismo e procurou-se outro terreno. Neste momento da narração do desespero para encontrar um sítio para alojar mais de 500 cães, importa recordar que o dia do fim da concessão há muito que era conhecido. Prosseguindo o calvário logístico, chegou-se à conclusão que o melhor sítio para alojar os galgos seria em Coloane. Porém, a proximidade do terreno apontado para o possível destino dos animais, até serem adoptados, com um asilo para idosos deitou por terra mais uma possibilidade. As instalações não garantiam as condições necessárias e, pior que tudo, a decisão foi protestada pelos utentes do Asilo Vila Madalena. E todos sabemos como o Governo responde a reacções póstumas a decisões executivas. Lá arrepiou pêlo e voltou à casa partida com o rabo entre as pernas. Aparentemente, e apesar de toda a preocupação revelada pelos residentes de Macau quanto ao destino dos galgos, ninguém os quer por perto. Apesar de terem estado instalados mais de meio século numa das zonas mais populosas da cidade, desde que a concessão chegou ao fim os galgos passaram a ser a pior de todas as vizinhanças, talvez só comparável a crematórios e armazéns de substâncias perigosas. A questão que agora se levanta é qual o próximo destino para acolher os animais e qual a razão para o chumbo desse lugar. De forma a derreter os relógios que marcam as horas noticiosas, sugiro instalar os galgos nos estaleiros de Lai Chi Vun. A medida, influenciada pela escatológica pena de Artaud, e que não é para ser levada a sério, tem o mesmo peso que qualquer outra apresentada até agora. Em comum têm a ineficácia em termos de deliberação executiva, e serem dois tópicos que revelam a filosofia de catavento nesta peculiar forma de governar. Seja como for, a batata quente canina será passada de sítio em sítio sem, qualquer vestígio de capacidade decisória, ou respeito pelos animais que apenas conhecem a vida de cativeiro. Entretanto, em Macau há outros seres que clamam habitação. Aliás, tecto com dignidade é assunto recorrente no território onde se arrendam lugares em beliches. A cidade foi feita para apostar, seja nos casinos ou no imobiliário, doa a quem doer. Como venho de um país que, por razões que me escapam, decora as entradas das habitações com galgos de louça, proponho que se contemplem 500 felizes famílias de Macau com a fantástica oportunidade de acolher um ex-campeão nas suas salas. Proponho definição, permanência, resolução, coragem e uma decisão que não mude com as marés. Proponho governação com vigor, firmeza e pelo menos um simulacro de convicção de competências, proponho um Executivo que actue com a determinação que emprega na exponencial vertigem da vigilância.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão da sustentabilidade (I) “In his book Collapse, Jared Diamond (2005) lists eight environmental problems that contributed to the collapse of past civilizations: deforestation and habitat destruction, soil problems (erosion, salinization, and soil fertility losses), water management problems, overhunting, overfishing, effects of introduced species on native species, human population growth, and increased per capita impact of people. For modern civilization, Diamond adds four new global problems: human-caused climate change, buildup of toxic chemicals in the environment, energy shortages, and full human utilization of the earth’s photosynthetic capacity.” “Sustainability: An Environmental Science Perspective 1st Edition” – John C. Ayers [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] sustentabilidade que os cientistas definem como a capacidade de os ecossistemas saudáveis, continuarem a funcionar, interminavelmente, tornou-se um aviso para os negócios. Se considerarmos o ambicioso projecto “Ecomagination” da General Electric, os esforços da Coca-Cola para proteger a qualidade da água, a tentativa da Wal-Mart de reduzir o desperdício de embalagens e a remoção de produtos químicos tóxicos da Nike dos seus calçados, chegamos à conclusão que esses e outros esforços louváveis são passos em uma estrada descrita pela gigante de alumínio Alcan, no seu último relatório de sustentabilidade corporativa, de como a sustentabilidade não é um destino, mas sim uma caminhada contínua de aprendizagem e mudança. A Alcan, infelizmente, estava errada, pois na melhor das hipóteses, a visão de sustentabilidade como uma viagem interminável de etapas adicionais, é um prejuízo para os líderes empresariais que procuram criar uma ruptura entre a economia e a ecologia, mas mais cedo ou mais tarde e na pior das hipóteses, serve como desculpa para a inacção quando se trata de construir um negócio verdadeiramente sustentável. É de acreditar que a sustentabilidade não deve ser um objectivo distante e enevoado, mas sim um destino real. Tal visão surgiu de uma pesquisa iniciada na década de 1980, que tinha por fim ajudar a limpar a falta de organização tóxica das empresas da Fortune 500 e que inspirou a lançar um longo esforço para se descobrir a verdadeira base da sustentabilidade, o que levou à realização de centenas de entrevistas com líderes empresariais, cientistas, engenheiros, académicos, projectistas e arquitectos, tendo-se chegado à conclusão de que se conhecia exactamente como é a sustentabilidade no planeta Terra, como um modelo perfeito, refinado por milhares de milhões de anos de tentativas e erros, sendo a biosfera do nosso planeta, definida em 1875 pelo geólogo Eduard Suess, como o lugar na superfície da Terra onde a vida habita. Os pesquisadores apenas recentemente começaram a explorar como a tecnologia da natureza pode ser imitada, e posta ao serviço da produção e comércio sustentáveis. A complexa biosfera auto-reguladora da Terra é, em essência, um sistema operacional brilhante que formou a vida prolífica, sem interrupção por mais de 3,5 mil milhões de anos. Ao estudar os princípios interdependentes que colectivamente representam a sustentabilidade da Terra, os líderes empresariais podem aprender a construir produtos ecologicamente correctos, que reduzem os custos de produção e demonstram ser altamente atraentes para os consumidores. Além disso, as empresas não precisam de esperar por uma revolução tecnológica verde para implementar práticas de produção que sejam sustentáveis e rentáveis, pois podem aplicar as lições da biosfera à tecnologia industrial actual. É de considerar que existem três importantes regras da biosfera e as empresas empreendedoras estão a adaptá-las, tendo lucros ambientais e económicos, existindo a necessidade de ser descritivo e não prescritivo, pois os líderes empresariais necessitarão de interpretar e traduzir a arquitectura da natureza para os seus modelos de negócios, e as empresas obviamente terão que resolver inúmeros desafios antes que essas regras possam ser totalmente implementadas. Seguir as regras vai contra a prática padrão, e a mudança é sempre difícil. Todavia, as empresas acabarão por não ter outra opção senão adaptar-se a um mundo, em que os encargos materiais e energéticos das economias em desenvolvimento, estão a sobrecarregar o nosso planeta e a criar condições de mercado voláteis. Assim com a China, Índia, Brasil e Rússia a industrializaram-se rapidamente, as procuras adicionais obrigarão as empresas a desenvolver plataformas de produção mais sustentáveis. Os primeiros impulsionadores que podem alinhar as suas estratégias de produção com as leis da natureza serão os vencedores. As regras para o sistema operacional da biosfera são construídas sobre a bio-lógica, que a natureza usa para criar a vida e estruturar os ecossistemas, e em contraste com a indústria-lógica da produção humana, que pressupõe que materiais em grande parte sintéticos devem ser montados ou moldados em formas desejadas, a bio-lógica constrói objectos de baixo para cima, contando com a nanotecnologia sofisticada para montar organismos molécula por molécula. É alimentada por nada mais que raios de sol, podendo a natureza produzir milagrosamente uma árvore ou um cacto. Este processo de vida ocorre silenciosamente e usa uma simples placa de materiais, extraídos do ar e da água, como meio de produção, sendo que a primeira regra é o uso de uma placa económica. Os elementos da tabela periódica, do actínio ao zircónio, são os blocos de construção de tudo o que vemos. Surpreendentemente, porém, dos mais de cem elementos, a natureza optou por usar apenas quatro, que são o carbono, hidrogénio, oxigénio e nitrogénio para produzir todos os seres vivos. Se adicionarmos um pouco de enxofre e fósforo, teremos 99 por cento do peso de todos os seres vivos do planeta. O teólogo escolástico inglês Guilherme de Ockham, do século XIV, derivou a sua “Lex Parsimoniae” da afirmação de Aristóteles de que quanto mais perfeita a natureza é, menos meios requer para a sua actividade, e actualmente dizemos, simplesmente, que o menos é mais ou seja, é o princípio de resolução de problemas em que a solução mais simples tende a ser a correcta, e quando apresentado com hipóteses concorrentes para resolver um problema, deve-se seleccionar a solução com o menor número de hipóteses. A simplicidade elegante da biosfera é exactamente o oposto da abordagem adoptada pelos fabricantes que aceitam prontamente cada novo material sintético, do Teflon ao Kevlar, que a ciência apresenta ao público. O impulso é compreensível e diferentes materiais, adicionam distintas características de desempenho. Se observarmos um pacote de leite, ainda que pareça uma embalagem simples, é na verdade, uma sanduíche altamente elaborada de materiais finamente fatiados, cada um desempenhando uma função diferente. A camada mais interna pode ser de um plástico especial que não reage aos componentes electrónicos e sobreposta tem uma camada de material que impede a humidade, seguida de uma fina camada de folha de metal para manter a luz solar, tendo sobreposta uma camada que aceita a impressão para mensagens de marketing. As camadas claras no exterior impedem a impressão de ser removida, e qualquer projectista habituado a usar a quase infinita série de materiais especiais da indústria sentiria o prejuízo de não retirar toda a vantagem que oferecem. É de entender que há uma razão primordial para imitar a parcimónia da natureza, pois facilita a reciclagem. (Em contraste, a fina camada de folha metálica em um invólucro de madeira não pode ser recuperada economicamente.) Além disso, a paleta simples da natureza resulta em produtos muito mais avançados do que os produzidos pela ciência industrial humana. Os moluscos produzem madrepérola duas vezes mais dura que a melhor cerâmica da ciência. As aranhas podem rolar a seda que é mais forte que o aço e leve o suficiente para flutuar ao vento. A natureza sugere que o potencial para usos inventivos de materiais facilmente reciclados é enorme. A segunda regra é o ciclo biológico da integridade. A padronização garante que as matérias-primas estejam sempre disponíveis para os organismos, e não precisam de ser enviados ou classificados. Quando um organismo morre, a biosfera recupera os seus materiais e reinsere-os nos seus processos de produção. A natureza repetidamente reutiliza esses materiais no crescimento e desenvolvimento evolucionários, continuamente fazendo-os circular. O ciclo biológico mantém o valor dos materiais entre gerações de produtos reciclados sem perda de qualidade ou desempenho. O ciclo oposto, em contraste, destrói o valor original, como quando um invólucro de computador de plástico é derretido. (continua)
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSobre o medo, a violação e o Nobel [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stou honestamente cansada. Estou cansada de ver o mundo nos meus olhos de mulher, que podiam ser uns olhos quaisquer. Cansada da forma leviana como se nomeiam putas. Cansada de tocar a cassete, rebobinar e tocar a cassete de novo. Cansada de ter medo que este mundo esteja a trnasformar-se de forma dramática e que a humanidade que outrora julgava garantida, é afinal altamente contestada. E este cansaço destrói o espírito, o desejo ou a esperança. Pelo menos destrói-me um pouquinho de cada vez. Nem o Nobel pela Paz me trouxe conforto. Mas eu admito a culpa, como já admiti antes. Admito a minha pouca tolerância em perceber como é que as mulheres são sempre as culpadas e manipuladoras em casos de violação, como é que a cultura do estupro é banalizada, de como discursos machistas, homofóbicos e racistas são apoiados pelas massas. A culpa também é minha, mas não entendo se foi a minha inactividade política ou a minha rejeição ideológica. Não é uma dificuldade particularmente minha, leia-se, as comunidades intelectuais foram apanhadas de surpresa também. Aquelas elites que passam o tempo a pensar nestas coisas estão na dúvida sobre o que é que está a correr mal neste mundo. A primeira assumpção é de que a ignorância impera. Ignorância face aos factos e a ausência de uma educação formal acerca de como funciona a sociedade, a política ou o sexo! – não estava a brincar quando escrevi na semana passada que o que falta é mais e melhor educação sexual e de género nas instituições formais de educação e não só – mas o problema do argumento ‘falta de educação’ é que é condescendente. E quem é que gosta de condescendência? Ninguém, porque assim que alguém assume a ignorância do outro, mais cedo ou mais tarde este outro levanta as garras de raiva e contestação. Porque as pessoas têm egos. Mesmo para aqueles que adoram discutir, discutem para quê? Para descobrir quem é que tem razão, e ninguém quer ser aquele que é o estúpido que não sabe nada. Isto é um problema que afecta todas as partes. Se há coisa que a bela da internet trouxe foi a possibilidade de ter acesso a informação – mas há quem tenha estragado isso também. A segunda assumpção é de que as pessoas são machistas, violentas e isentas de um pingo de humanidade. Ninguém gosta de ser chamado uma coisa tão verdadeiramente feia. Cada um de nós protege-se da melhor forma que podemos, e se isso implica ter que reconstruir as nossas realidades colectivamente para que assim sejam, não vejo melhor justificação para o pensamento construtivista – e com isto eu não quero dizer que estamos deliberadamente a criar mundos paralelos. O que acontece é que cada um de nós vive nas nossas bolhas, vivemos na ilusão de que, por exemplo, a violação é categoricamente definida de vítimas e violadores de características particulares. Vivemos na ilusão que os conceitos são universalmente definidos mas não o são. Depois deparo-me com o choque que é um acordão judicial português de ‘sedução mútua’ num caso de violação, toda a história do ‘quarto de Las Vegas’ ou o candidato a Presidente que diz que os homossexuais são resultado de ‘falta de porrada’. Se calhar não sair da minha bolha é minha responsabilidade, se calhar não ter saído da bolha não me preparou para estas notícias destruidoras de espírito, não sair da bolha torna-me incapaz de perceber verdadeiramente o que se passa. A Nadia Murad e o Denis Mukwege ganharam o nobel da paz pelo seu trabalho na sensibilização, prevenção e reparação da violência sexual em contexto de guerra. Por isso como vêem, nem tudo é terrível. Só é desafiante ser um idealista nos dias que correm.