Hoje Macau VozesV – Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau V – Do reaproveitamento de infra-estruturas de transporte (continuação de dia 22 de Agosto) A palavra infra-estrutura significa algo que é materializado pela sua construção ou organização (uma estrutura), mas que possibilita ou integra funcionalidades essenciais em que uma população se suporta. O reaproveitamento de infra-estruturas poderá ter em vista o prolongamento da sua vida económica no sentido da efectiva utilidade, que poderá ser tanto a original, como outra emergente, todavia diferente, que possa tirar partido da estrutura entretanto tornada obsoleta. As situações mais recorrentes associadas a reaproveitamento de infra-estruturas de transportes são as ferroviárias com exemplos que cobrem todo um leque situações, possibilidades e soluções. No caso de Berlim várias estações desactivadas reentraram em funcionamento com a unificação da cidade. No caso de Viena, a linha de cintura, a parte que não fora reconstruída no pós-Segunda Guerra Mundial, e cujas estações foram desenhadas por Otto Wagner no período da Arte Nova Vienense, tiveram a sua reactivação em 1989, já integradas no actual sistema de metro urbano. Já no caso de Roterdão, os viadutos urbanos que serviam linhas entretanto desactivadas, construídos na mesma tradição industrial de abóbadas de tijolo, passaram a ter esses vãos ocupados por serviços, principalmente de restauração, e os tabuleiros equipados com esplanadas e arranjos paisagísticos, já numa óbvia estratégia de embelezamento, complementados com outras ligações aéreas e dotando a cidade de uma circulação pedonal alternativa e elevada. Ou Roterdão não fosse uma cidade dos Países Baixos, mesmo estando dotada de uma forma urbana resiliente, e equipada com grandes bacias subterrâneas de retenção. Por sua vez uma infra-estrutura integra outras estruturas, a que já chamamos equipamentos. No caso de uma infra-estrutura ferroviária, os mais notórios são sem dúvida as estações a que, desde a génese da construção de estações ferroviárias, sempre se dedicou grande cuidado arquitectónico. Muitos desses edifícios encontram-se classificados, muitos serviram linhas entretanto extintas, e muitos passaram a ser insuficientes para servir exigências actuais de funcionamento. Foram por isso ampliados ou complementados com outras estruturas, ou passaram a albergar outras utilizações quando deixaram de servir para as finalidades iniciais. Sempre se dirá que distanciar ou desarticular um edifício da sua finalidade original, será lançar mão de um recurso necessário, mas constituirá sempre prejuízo para a sua integridade, mesmo tendo em vista a sua preservação, e presentes sólidos elementos de interpretação. Existe ainda uma nova tipologia de reaproveitamento de infra-estruturas associadas a operações imobiliárias de que possivelmente o caso mais exemplificativo seja Cheonggyecheon em Seoul. Trata-se de um arroio ou riacho urbano que atravessava a cidade e que na década de 1940 começou a ficar obstruído por grandes quantidades de lixo e efluentes de esgoto que aí eram despejados. As margens do arroio eram ocupadas por comércio de baixo escalão e as soluções para o local foram primeiro o encanamento do arroio e mais tarde a construção de uma viaduto rodoviário expresso. Nenhuma dessas medidas trouxe qualidade urbana e a mesma zona da cidade manteve-se até ao início do Século XXI expectante de melhor qualificação. A solução surgiu sob a égide do modelo do neoliberalismo económico em que o potencial económico dos terrenos em causa dependia da requalificação de uma infra-estrutura, ou seja, de um bem público, e que o mesmo potencial justificava o encargo dessa qualificação, ao ponto de a mesma poder ser custeada pela iniciativa privada. A iniciativa passou pela remoção do viaduto rodoviário e o arroio voltou a ser descoberto para ser ambientalmente qualificado. O curso do arroio passou a existir num canal, complementado por margens para trajectos pedonais, com grande detalhe paisagístico e numa óbvia estratégia de embelezamento. Da medida resultou um novo bairro próspero e elegante, marcado por um forte efeito de gentrificação. São estes elementos de escrutínio que caracterizam situações diversas de reaproveitamento de infra-estruturas urbanas, nomeadamente de transportes, que no cenário local servem o destino da Ponte Governador Nobre de Carvalho ou Ponte Macau-Taipa (em chinês: 澳氹大橋), para a qual não é descabido uma classificação de património cultural. Qualquer classificação nessa categoria pressupõe uma base de justificação onde se invoque a relevância do objecto de qualificação. Neste caso a Ponte Governador Nobre de Carvalho é atribuída ao Eng.º Edgar Cardoso, conhecido por estruturas notáveis que se pautaram por modelos de cálculo que não eram nem correntes, nem consentâneos. Foi planeada como uma ponte rodoviária que liga a Península de Macau à Ilha da Taipa, e função que ainda exerce, entretanto complementada pela Ponte da Amizade e a mais recente Ponte de Sai Van. O comprimento total da ponte é de cerca de 2 570 metros, teve o início da construção em Junho de 1970 e aberta à circulação em Outubro de 1974, sendo à época considerada a ponte contínua mais longa do mundo. O ponto mais elevado do tabuleiro atinge 35 m acima do nível do mar, permitindo a passagem de navios, mas não da Sagres que sempre acostou no Porto Exterior. Tem uma particularidade na sua utilização. Os passageiros num carro que se desloque a uma velocidade aproximada de 50Km/h consegue ver a paisagem através das guardas laterais que ficam transparentes, onde as barras verticais desaparecem por efeito estroboscópico. A interpretação do partido plástico da ponte está também associada à evocação de um dragão com a cabeça no Hotel Lisboa Macau, que já existia à data em que a ponte foi construída, e com a cauda na Ilha de Taipa Pequena onde mais tarde, em 1981, teve uma intervenção escultórica atribuída a Dorita de Castel-Branco, figurando pela encosta essa interpretação. A concepção de uma ponte pauta-se por elementos essenciais e precisos e assim deve permanecer depois de construída. Nisso, uma ponte é muito diferente dos edifícios que habitamos, onde nem tudo é absolutamente essencial, quer para a sua construção, quer após a sua construção, nem muitos dos elementos se obrigam a uma posição e fixação precisas. Na concepção de uma ponte importa a finalidade a que se destina, onde outras não previstas foram necessariamente excluídas do modelo de cálculo e do seu apetrechamento. Assim, sobre a ponte Governador Nobre de Carvalho, dúvidas não se colocam sobre o potencial para a sua classificação. Apenas não se vislumbra onde recai a necessidade do seu reaproveitamento. A ponte é uma ponte rodoviária, foi assim concebida, é assim que é utilizada, e que poderá continuar a ser utilizada do mesmo modo, enquanto existirem veículos motorizados com rodas de borracha. Teve a sua pressão aliviada com a construção das outras pontes, com que presentemente partilha o tráfego entre Macau e a Taipa, e sobreviveu à agressão do período que mediou a entrada em operação do Porto de Ka-Ho e a construção da ponte da Amizade, quando não existia alternativa para o transporte de cargas pesadas para Macau. Não ocorre outras necessidades prementes que a ponte possa melhor servir, prescindindo do seu contributo para a circulação rodoviária que está longe de ser obsoleto . Sendo certo que, se sobre o mesmo objecto deve recair uma classificação de património cultural, não será certamente em conjugação da modificação da sua utilização. Sequer o reaproveitamento pedonal de um trajecto obrigatório ao longo de 2 570 metros, sem possibilidade de dele desistir a meio, se afigura uma finalidade premente. Ou mesmo uma estratégia integrada, com utilização de lazer ou de embelezamento paisagístico se afigura pacífico numa ponte cuja concepção se pautou por elementos essenciais e precisos, onde abastecimentos e saneamentos não foram previstos, as rajadas de vento registam-se aí as mais fortes, e outras fixações que aí se fizessem gerariam impulsos não previstos na estrutura. Também não ocorre que outros aproveitamentos venham aí gerar contrapartidas que motivem a iniciativa privada e a gentrificação urbana. Em verdade, a ponte é a única ponte inclusiva da RAEM, algo de que cada vez temos mais falta em ordenamento urbano. Admite que os afoitos a façam a pé, pois 2 570 metros com um troço de subida íngreme não é pêra doce. Serve também alguns desses afoitos do segredo que têm guardado, de que é no cima da ponte o melhor local publicamente acessível para ver fogo de artifício sobre o estuário. Segredo agora partilhado, para que não se lembrem de o proibir, e para que nesses dias, e nessas horas, apenas se fixe um contingente de acesso e se limite a circulação a uma faixa de emergência. Se algum sentido nostálgico advém da utilização actual da Ponte Governador Nobre de Carvalho, isso é fruto exactamente da experiência que resulta das condicionantes actuais de tráfego, que repuseram fluxos que estão aquém de limites de exaustão, muitos semelhantes aos registos cinematográficos que existem de época. (com continuação)
João Romão VozesRegresso às aulas (internacionais) Como gosto de regressar aos lugares onde fui feliz, é sempre um prazer voltar a Hokkaido, a ilha mais a norte do Japão, e à cidade de Sapporo, lugar de longos invernos com neve abundante e silenciosa onde vivi quase 5 anos. Foi também um regresso fugaz à universidade onde mantive actividade regular durante esse relativamente long período e onde fui leccionando cursos de verão, eventos internacionais abertos a estudantes de todo o mundo. Naturalmente, esses cursos haviam de ser interrompidos em 2020, com a pandemia de covid-19. O meu conhecimento e experiência pessoais estarão longe de ser exaustivas, ou sequer minimamente representativas, mas tenho encontrado muita gente japonesa que nunca foi a Hokkaido – ou que, tendo ido em algum momento da sua vida, revela um bastante razoável desconhecimento da realidade local actual. Na realidade, viajar desde o centro do Japão requer uma deslocação em avião – ou uma muita demorada viagem em comboio, que a alta velocidade só chega à periferia da ilha: chegará à cidade de Sapporo em 2025, quando no eixo Tóquio – Osaca já circularem os comboios ainda mais rápidos, de carris magnéticos que dispensam o contacto físico entre as carruagens e o solo. Ir desde o centro do Japão a Hokkaido é, por isso, quase como viajar ao estrangeiro. Foi com alguma surpresa que me fui apercebendo, pelo contrário, nas minhas esporádicas incursões pela China, da grande simpatia de que Hokkaido beneficia entre muitas pessoas que encontrei – e que rapidamente demonstram saber exactamente do que estão a falar. Na realidade, Hokkaido é (ou era, até à pandemia de covid-19) um destino importante para turistas da China: desde as compras na cidade de Sapporo, a quinta maior do Japão, onde se encontram produtos que não se encontram em terras chinesas e que abrem novas oportunidades para contrabandos vários, até às majestosas montanhas de uma região quase com a área de Portugal continental, seis meses por ano cobertas de neve, para gáudio de esquiadores ocasionais ou profissionais mas também para quem quer apreciar as paisagens brancas, tranquilas e silenciosas de um longo inverno. Era também da China, aliás, que vinha a maior parte das pessoas que frequentavam os cursos de verão que fui leccionando na Faculdade de Economia da Universidade de Hokkaido. A proporção podia variar ligeiramente mas andava sempre pelos dois terços de estudantes com origem na China, tendo as restantes participações diversas origens na Ásia, América ou Europa (e muito ocasionalmente em África). São estudantes que também têm motivações relacionadas com a oportunidade da visita a Hokkaido, eventualmente combinada com um algo mais do Japão, e que ainda beneficiam de um ou dois “créditos” para o progresso no percurso universitário, e da frequência de um curso intensivo numa área (supostamente) interessante. 2022 foi o ano em que os cursos de verão retomaram a quase normalidade da presença em salas de aulas, depois de dois anos online, em que aliás boa parte dos cursos (entre os quais o que eu leccionava) foram cancelados. Foi um regresso parcial às aulas, em todo o caso: ainda se viaja pouco pela Ásia, o grupo de estudantes era bastante menor e, sobretudo, os grupos de estudantes da China ainda não retomaram a normalidade das viagens internacionais, nem para recreio, nem para negócios, nem para estudos diversos. Se a ausência de estudantes da China era notória na sala de aula, ainda mais se nota no centro da cidade, quase totalmente utilizado pela população local, com as devidas máscaras ainda a ser utilizadas por toda a gente durante o dia e quase toda a gente à noite, que os ambientes nocturnos, já se sabe, tendem a convidar a mais alguma descontração. Já tinham sido em pandemia os meus últimos meses a viver nesta cidade e reencontrei-a como a tinha deixado: ainda com a quietude da ausência dos turistas, que aqui estão ainda longe de constitui o distúrbio que constituem noutras cidades, praias ou zonas mais apetecíveis para os lazeres algures neste precário planeta. Faltam os turistas e essa falta revela também a ausência da China, numa cidade que se foi habituando à sua presença e onde o comércio e meios electrónicos de pagamento estão devidamente preparados para as particularidades do mercado turístico chinês. O que nunca deixou de faltar, aqui e noutros lugares, são os produtos chineses, do vestuário à electrónica, passando por mobiliário, electrodomésticos, brinquedos, enfim, tudo o que nos faça falta mas que deixamos de produzir porque deixou de ser interessante para aos diligentes empresários contemporâneos, a quem se oferecem mais fáceis oportunidades de enriquecimento rápido algures nas livres economias de mercados globais especulativos que se foram desenvolvendo à margem de grandes regulações e formas de controle. Na realidade, mesmo quando a população está confinada ao território nacional, a China – com os seus produtos, finanças ou infra-estruturas ou mão de obra pouco ou muito qualificada – está sempre presente nas economias de todo o mundo. Talvez por isso se note tão dedicado esforço por atear novos fogos na ilha de Taiwan, agora que as labaredas na Ucrânia já vão altas e quem ateou esse incêndio tem outras achas para lançar pelo mundo.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInquérito aos funcionários públicos A semana passada, algumas empresas de Macau realizaram um inquérito junto dos funcionários públicos sobre satisfação laboral e níveis de stress. Os resultados demonstraram que, em comparação com os dados de há cinco anos, o funcionalismo público continua a ser uma ocupação muito stressante que requer elevadas capacidades de comunicação. Assim sendo, estas empresas recomendam que o Governo preste mais atenção à saúde física e mental destes funcionários. Além disso, os funcionários públicos têm de saber lidar com a pressão e de trabalhar as capacidades de comunicação, para puderem manter a sua saúde mental. Apostar no desenvolvimento destas capacidades fará com que a população se sinta mais satisfeita na interacção com o funcionalismo público. O inquérito foi realizado entre Janeiro e Maio de 2022 e os resultados foram obtidos através de 1.244 questionários e entrevistas a 178 funcionários públicos. Os resultados mostram que: 1). As habilitações académicas dos funcionários aumentaram. Existem actualmente mais 11 por cento de doutorados. 2). Os funcionários públicos que auferem salários entre as 500.000 e as 540.000 patacas aumentaram 41 por cento. 3). Os níveis de desempenho e satisfação laboral subiram significativamente e, em geral, os inquiridos estão satisfeitos com o seu desempenho 4). Os níveis de sentimento de pertença e de envolvimento no trabalho foram significativamente mais baixos, indicando que os inquiridos têm dúvidas sobre o compromisso estabelecido com o local de trabalho. A partir destes dados, percebemos que, em comparação com o passado, o número de inquiridos doutorados aumentou 11 por cento, o que reflecte a popularização gradual da educação em Macau e o aperfeiçoamento contínuo do nível académico dos funcionários públicos. No quadro da administração pública, os funcionários com um nível académico superior têm mais probabilidades de serem promovidos e de melhor implementarem as políticas do Governo, o que beneficia os residentes. Os funcionários públicos que auferem salários entre as 500.000 e as 540.000 patacas aumentaram 41 por cento. Segundo a Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, entre 2016 e 2020, o rendimento bruto per capita dos residentes in Macau era o seguinte Estes dados demonstram que, antes da pandemia, os salários dos trabalhadores do sector privado e do sector público eram sensivelmente equivalentes. Depois da pandemia, o rendimento per capita dos residentes de Macau baixou acentuadamente. Algumas empresas privadas congelam salários, outras reduzem-nos, outras ainda despedem pessoal, ou ficam em situação de layoff. No entanto, os funcionários públicos não podem ser despedidos nem suspensos e os seus salários nunca são reduzidos, o pior que lhes pode acontecer é verem os salários congelados. Por isso, a sociedade em geral acredita que os funcionários públicos têm uma situação privilegiada. Níveis elevados de desempenho e de satisfação laboral indicam que os inquiridos consideram que desenvolvem um trabalho eficiente, ou seja, os inquiridos têm a capacidade e a confiança para completar e fazer o seu trabalho com competência, que são os pré-requisitos dos trabalhadores qualificados. Do ponto de vista da gestão, a realização eficaz do trabalho por parte dos colaboradores alcançará melhor os objectivos do departamento. Se todos os departamentos conseguirem alcançar os seus objectivos, não será só o Governo a ser beneficiado, mas também toda a sociedade de Macau. Os resultados também demonstraram que os inquiridos têm um baixo sentimento de pertença e de envolvimento, indicando que têm dúvidas sobre o compromisso estabelecido com o local de trabalho. Baixos níveis de envolvimento resultam naturalmente em baixo sentimento de pertença. É preciso ter isto em conta. Na administração pública, muitas das políticas estabelecidas pelo Governo precisam de ser promovidas e implementadas por funcionários públicos que as conhecem. Portanto, a natureza do funcionalismo público requer estabilidade e familiaridade com o serviço desempenhado. Baixos níveis de envolvimento e de sentimento de pertença podem indicar que o trabalhador possa querer despedir-se, o que afectará a promoção e implementação das políticas do Governo. Uma análise global do inquérito mostra que os funcionários públicos têm cada vez mais habilitações académicas, o que, por sua vez, melhora a sua capacidade de trabalho, permitindo-lhes ser mais eficientes. Os resultados indicam também que os funcionários públicos têm um fraco sentimento de pertença e de envolvimento, o que tem impacto na estabilidade dos postos de trabalho e precisa de ser melhorado. Os dados mostram que os salários comparativamente elevados dos funcionários públicos se devem ao impacto da pandemia nos salários dos trabalhadores do sector privado. Por último, temos de constatar que o inquérito apenas entrevistou alguns funcionários públicos, e não todos eles. Os resultados apenas reflectem a situação de parte dos funcionários públicos, o que constitui uma limitação estatística. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesMorte e vida nas estradas As notícias na semana passada indicavam que em Portugal se tinham registado mais mortes do que em qualquer dos últimos anos. É o óbvio. Na Saúde encerram-se urgências e serviços de obstetrícia, nos centros de saúde respondem que não há médicos de família, nos hospitais aguarda-se por tratamento nos corredores. Em certos hospitais os cidadãos já aguardaram 20 horas para serem atendidos. Chegámos ao ponto de Portugal ter registado o maior número de mortes de sempre num só dia. Na quarta-feira passada, os registos deram conta de 721 óbitos em todo o país sendo o número mais alto desde que há registos e quase o dobro da média diária habitual. Destes 721 mortos registados, 221 foram atribuídos à pandemia. Porém, as estatísticas mostram que nesse mesmo dia, morreram mais 500 pessoas sem ser por Covid – o que pode resultar de um agravamento geral das condições de saúde em Portugal. Mas, na nossa análise o número de mortes é devido, em grande percentagem, aos acidentes de carro e de moto. Jovens que acabam de comprar um carro desportivo que pode atingir 250 kms/hora, pegam no volante e aceleram sem terem o mínimo de preparação para conduzir a grande velocidade. Quanto a motos é uma desgraça, não havendo uma semana em que não fique uma família de luto. O problema básico é que nas escolas não existe uma disciplina sobre as regras e a sensibilização para quando o estudante tirar a carta de condução. Não existem escolas de condução de carros e de motos onde os condutores sejam confrontados com curvas perigosas e que possam aprender a dominar o veículo que tiverem nas mãos. Para a Guarda Nacional Republicana o número de acidentes com motociclistas é assustador. Os condutores de moto representam um terço das mortes nas estradas. Isto é trágico. Normalmente, rapaziada jovem com idade aproximada dos 20 anos. Da auditoria à sinistralidade rodoviária do ano de 2021 até 30 de Setembro, verifica-se que cerca de 10 por cento dos acidentes envolveram veículos de duas rodas a motor. Uma vez que os condutores de veículos de motos são um grupo de risco porque as consequências dos acidentes com estes veículos são normalmente mais gravosas, e prevendo-se um elevado fluxo de veículos de duas rodas a motor em direcção ao Algarve para acompanhar a corrida de MOTO GP, a GNR irá desenvolver iniciativas de sensibilização em algumas áreas de serviço de norte a sul do país e nas imediações do Autódromo de Portimão. Mas, é preciso salientar algo de muito importante: milhões de motos rolam nas estradas de todo o mundo. Existem grupos organizados que, por exemplo, levam 30 mil amantes das motos anualmente à concentração de Faro. Para milhares não há nada melhor do que conduzir uma moto e desde que se saiba conduzir, que se seja cuidadoso e concentrado, penso que a moto não é o mal do planeta. Vimos os circuitos do campeonato de MOTO GP completamente esgotados e a loucura por motos é universal. O que se pede é que os amantes das motos não façam das estradas autênticas pistas quando não têm experiência para conduzir um “motão”. Em Portugal tem sido uma tragédia também, e é importante referir, o facto de as estradas serem um caminho de cabras ou uma passadeira de buracos, com a agravante de as bermas não estarem tratadas e na maioria das rodovias as bermas tem terra ou areia, o que leva, ao mínimo deslize do condutor, à sua queda e, por vezes, ao acidente fatal. A segurança nas estradas é o factor mais importante para a redução dos acidentes mortais. E essa segurança começa pelos próprios automobilistas que nem sequer olham para os retrovisores e espelhos laterais provocando desse modo que no momento que uma moto se aproxime para ultrapassar, esse automobilista comete o “crime” de efectuar uma ultrapassagem. Obviamente, que num caso destes o motociclista não tem nada a fazer do que despistar-se para fora da estrada. A moto, por representar liberdade, é que não merece que os inconscientes estraguem a imagem de uma actividade que poderia perfeitamente ser de felicidade. Boa viagem.
Hoje Macau VozesIV – Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau – Do teletransporte (continuação de dia 15 de Agosto) Mário Duarte Duque, Arquitecto A solução mais extravagante do Plano em consulta, prende-se com a proposta de ligação da península de Macau à Zona A dos Novos Aterros Urbanos por teleférico urbano, i.e. uma espécie de eléctrico onde a cabine não circula sobre carris ao nível do solo, mas suspensa por cabos. A modalidade remonta aos primórdios dos transportes mecânicos onde se desenvolveram soluções engenhosamente adaptadas às condições locais, nomeadamente geográficas. No caso dos teleféricos urbanos as soluções tiveram principalmente em vista a ligação de dois pontos altos separados por um vale, onde o tráfego não justificava um fluxo contínuo, ou a construção de uma ponte não era viável. Mas também serviram zonas baixas junto a rios, cujo atravessamento permanente iria colidir com o tráfego fluvial, que também não justificava um fluxo contínuo, ou a construção de uma ponte móvel também não era viável. Mais fácil foi construir uma grua na forma de um pórtico elevado, através do qual passavam os navios, e ao longo do qual se transportava uma cabine suspensa por cabos que circulava entre margens. Uma das principais razões por que este transporte não sobreviveu prende-se exactamente pela pouca ou nenhuma capacidade de acomodar aumentos de tráfego que resultam da contínua e inevitável intensificação urbana. Os teleféricos urbanos que perduram foram complementados por alternativas, a sua persistência deve-se a memórias nostálgicas e, em muitos casos, constituem hoje atracções turísticas. É efectivamente na vertente do lazer ou da atracção turística onde mais se retrata o actual potencial desse meio de transporte. A esse respeito talvez importe ter presente que o conceito de “animações” teve origem no lazer e no divertimento, primeiro privado, depois público, e remonta ao desenho dos Jardins onde proliferaram “animações”, a que se chamaram “folies”. A ideia não é obsoleta nem é estranha aos dias de hoje, nomeadamente nos destinos turísticos, e sequer alheia aos equipamentos da RAEM. Todos os complexos das concessionárias do jogo incluem em pontos dos seus percursos ou em recintos próprios, “animações” com características muito semelhantes às “folies” de um jardim histórico, apenas tendencialmente mais intensas, porque necessitam de competir mais recorrentemente com outras que vão surgindo. Mas também mais efémeras, pois logo que a novidade se extingue, logo são substituídas por outras que reponham a mesma, ou outra maior capacidade de atrair e animar visitantes. Não sendo de todo por estas modalidades de operação que se pautam os bens públicos, serviços e equipamentos, o que é certo é que crescentemente os municípios desta região vêm funcionando nesse mesmo registo, para com isso assegurar mais visibilidade. Atento ao alcance por que se deve pautar uma infra-estrutura pública, só pode ser importante que, uma vez esgotada a sua novidade, a mesma não vire obsoleta, continuando a assegurar o seu propósito infra-estruturante. O anterior período eufórico de turismo desenfreado que a RAEM experimentou não facilitou a distinção do que efectivamente infra-estruturou o território, e onde efectivamente se suporta funcionalmente, mesmo quando se alteram os fluxos do turismo. Os habitantes da RAEM passaram a ter disso melhor percepção aquando da abrupta queda recente dos fluxos do turismo, ou seja, a distinção entre o que é permanentemente essencial, o que é sazonal, ou que constitui mera oportunidade, e que logo que a oportunidade se extingue, pouco permanece de utilidade. Bom exemplo disso foram a maior parte das Exposições Mundiais que se realizaram e de onde nada restou. Bom exemplo do contrário disso foi exactamente a exposição de Lisboa em 1998, onde a cidade ficou equipada, depois de extinta a exposição. De volta à ideia do teleférico urbano, importa que a mesma seja escrutinada no sentido de uma efectiva infra-estrutura, independentemente de a mesma poder vir constituir uma “folie” que chame a atenção dos visitantes. Efectivamente, no local em vista para o teleférico não existem pontos altos a ligar entre si. Todavia, enquanto se mantiver no mesmo local o Terminal Marítimo do Porto Exterior, aí o tráfego fluvial não poderá ser interrompido por outro atravessamento ao mesmo nível. Só por isso, um teleférico afigurar-se-ia pertinente. Mas também isso não é razão, uma vez que, no mesmo local, para o mesmo trajecto, está prevista a construção de uma nova ligação rodoviária, o que retira ao teleférico sentido de infra-estrutura. A questão, mesmo parecendo acessória, coloca-se perante o novo paradigma por que o desenvolvimento urbano da RAEM enveredou. O de um arquipélago densificado, onde o estuário se converteu em canais, mas sem que o Plano Director tenha feito disso lema, gerado em torno disso uma estrutura de interpretação, nem por causa disso tenha definido um conjunto de axiomas que servem, definem e suportam essa nova realidade, nomeadamente a respeito de acessibilidades. Efectivamente o plano em consulta respeita a transportes terrestres da RAEM, onde a referências a transportes fluviais são apenas na vertente inter-regional. Não menciona moldes de navegabilidade para os canais que resultam da nova realidade, sequer para o seu atravessamento, para além do transito geral rodoviário e ferroviário. Não menciona se isso será objecto de detalhe subsequente, ou de um plano próprio, todavia uma viabilidade para novas carreiras, nomeadamente carreiras que não precisam de extinguir as que já existem, como foi constrangimento já invocado. (com continuação)
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesOs quatro maiores negócios Quando não existe esperança, não existe desilusão. Por mais notáveis que os esforços de propaganda tenham sido, a realidade impõe-se mesmo que as vozes dissidentes tenham sido silenciadas. Aqueles que estão a dormir acabarão por acordar um destes dias. Quando o anestésico deixar de fazer efeito, os pacientes que jazem nas camas dos hospitais voltam a ter dores. A primeira atribuição de dez mil milhões de patacas pelo Governo da RAE, no âmbito das medidas de apoio ao combate à epidemia, é capaz de ter trazido alívio a curto prazo a alguns residentes de Macau atingidos pela epidemia. Por enquanto, ainda não se sabe quem vai ser beneficiado com a segunda tranche de dez mil milhões, essa tarefa compete aos funcionários do Governo encarregados da supervisão da atribuição. As qualificações académicas podem ser obtidas através de aprendizagem e educação contínuas, no entanto a posse de um diploma não confere ao seu detentor sabedoria e inteligência. Uma boa conduta política não está necessariamente associada às capacidades de trabalho. Da mesma forma que a cor de um gato não está associada à sua habilidade para caçar ratos. Macau está a começar a recuperar do surto epidémico e, pessoalmente, espero que a recuperação total não aconteça depois de 2029. É sempre melhor viver com esperança do que sem ela. Se olharmos para os indicadores da economia de Macau no website da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos ou no website da Autoridade Monetária e Cambial de Macau, vamos perceber que em Macau o Inverno mais rigoroso ainda está para vir. Os motivos para o forte declínio da economia residem nas conjunturas macro-económica e micro-económica, sendo que esta última desempenha um papel crucial. Segundo os dados estatísticos de 2020, o VAB (valor acrescentado bruto) do sector terciário de Macau registou uma descida real de 55,7%, em termos anuais, devido principalmente à queda real de 81,2% do VAB das “lotarias, outros jogos de aposta e actividade de promoção de jogos”. Quando vemos os números do VAB das “lotarias, outros jogos de aposta e actividade de promoção de jogos”, referentes a 2021 e ao primeiro semestre de 2022, reparamos que existe muita margem para crescimento depois deste valor ter sofrido um decréscimo abrupto. Com o declínio do sector do jogo durante a pandemia, as outrora florescentes indústrias do turismo, da restauração, da construção civil e as indústrias transformadoras entraram em estado de inactividade umas após as outras. A taxa de desemprego dos residentes, de Abril a Junho de 2022, atingiu os 4.8%. Com as indústrias e vários sectores locais a entrarem em recessão, os internautas de Macau, em tom de brincadeira, descobriram “as quatro novas grandes indústrias ou sectores” de Macau durante a pandemia. A primeira refere-se aos serviços de entrega de comida em regime de takeaway. Durante o surto pandémico local, especialmente quando Macau estava em “estado relativamente estático”, as pessoas que se via andar na rua, a pé ou de bicicleta, eram os estafetas que entregam comida, ostentando o logotipo das suas empresas. Podem ganhar bastante dinheiro se fizerem horas extraordinárias, porque existe muita procura deste serviço. Muitos destes estafetas são ex-trabalhadores do sector do jogo. O segundo sector em crescimento é o “comércio paralelo entre Macau e Zhuhai, que requer esforço físico e muito tempo disponível. Quando inicialmente a China implementou a “política de reformas e de abertura”, muitas pessoas em Macau compravam pacotes de cigarros (que normalmente tinham 10 maços cada) nas lojas duty-free antes de entrarem na China, onde depois os vendiam com lucro para compensar os custos da viagem. Naquela época, os mercados em torno de Gongbei e de Zhuhai estavam repletos de lojas que compravam às claras estes pacotes de tabaco. Hoje em dia, muitos trabalhadores não residentes em Macau que vivem em Zhuhai, ou residentes que vivem em Zhuhai e cidadãos do continente que visitam familiares em Macau, levam com eles vários artigos comprados nas lojas duty-free, que fazem circular entre Zhuhai e Macau, para depois os revenderem criando assim uma fonte de rendimento alternativa. Estas actividades de “comércio paralelo” cresceram francamente durante a pandemia. Por exemplo, um licor famoso produzido na China continental para exportação, tornou-se o produto mais popular de consumo doméstico, graças às actividades de “comércio paralelo”. Os outros dois sectores em franco desenvolvimento são os “laboratórios de análise ao ácido nucleico” e as “obras rodoviárias”. Acredito que os nossos leitores tenham realizado numerosos “testes do ácido nucleico” e outros tantos testes rápidos de antigénio. O Governo da RAEM investiu muito dinheiro e muita mão de obra para fornecer testes gratuitos de ácido nucleico a toda a população, bem como na distribuição de máscaras KN95 e de kits de testes rápidos. A quantidade de dinheiro gasto nestes testes e materiais conexos criou um novo sector de negócio. No que diz respeito às obras rodoviárias encomendadas pelo Governo, estão em curso actualmente “projectos de reparação/modificação rodoviária” em cada bairro da cidade. Torna-se evidente que os esforços do Grupo de Coordenação de Obras Viárias do Conselho Superior de Viação são obviamente ineficazes. Hoje em dia, o tráfego de Macau entrou na sua “idade das trevas”, tal como certos deputados da Assembleia Legislativa tinham previsto. Se não fosse pelo diligente empenho da polícia de trânsito, este problema tornar-se-ia mais “primitivo” do que nunca. Os prósperos “projectos de reparação/modificação rodoviária” deram origem a um novo sector empresarial. Portanto, a questão que se coloca é a seguinte: haverá a possibilidade de “renascimento” do sector do jogo, como indústria líder de Macau e principal fonte de receitas do Governo da RAEM?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCompre agora e pague depois Recentemente, em Hong Kong houve alguns desenvolvimentos sobre o sistema “compre agora e pague depois” (BNPL sigla em inglês). O Hong Kong Consumer Council salientou que, entre Janeiro de 2021 e Julho de 2022, se registaram 22 queixas relacionadas com este modelo de compras, um terço das quais relacionadas com a plataforma de vendas online. Os queixosos eram jovens, donas de casa e pessoas sem rendimentos estáveis. A maior parte tinha comprado aparelhos electrónicos e roupas. Os montantes envolvidos situaram-se entre várias centenas e 2 mil dólares de Hong Kong (HKD). Existe muita informação online que indica que o sistema de pagamento BNPL se tornou muito popular e veio substituir os cartões de crédito durante a pandemia. Este método assenta na filosofia “desfrute agora e pague depois”. Os consumidores não precisam de ter cartão de crédito, só precisam de instalar esta aplicação. De um modo geral, os consumidores usam os telemóveis para abrir contas e fazem as compras na plataforma. Inicialmente, só precisam de pagar uma parte do valor e, depois de receberem os artigos, pagam o resto em três prestações. Algumas plataformas chegam a aceitar pagamento diferido. O pagamento a prestações pode ser facultado pela plataforma ou pelo vendedor. Se a plataforma fornecer crédito e permitir que os consumidores paguem as compras em prestações, passa ela a ser o credor que empresta dinheiro aos consumidores. Passa a existir uma relação de empréstimo entre a plataforma e o consumidor. Neste caso, independentemente de acontecer em Hong Kong ou em Macau, a plataforma, enquanto empresa que fornece empréstimos, deve apresentar um pedido específico aos respectivos Governos e, só depois de obter autorização, poderá dar seguimento ao seu negócio. Se o pagamento a prestações for facultado pelo vendedor, a relação que estabelece com o consumidor traduz-se num contrato de venda de bens e, portanto, não se trata de um empréstimo. Em Hong Kong, esta transacção é regulada pela Sale of Goods Ordinance (Portaria de Venda de Bens). Em Macau, está sujeita ao Código Civil e Comercial de Macau. A maior parte da informação que se encontra na Internet mostra que o pagamento a prestações é facultado pela plataforma, e é a isso que devemos prestar atenção. O BNPL é atractivo para os consumidores por três razões. A primeira é a conveniência. Neste modelo, a transacção é totalmente realizada através do telemóvel. Uma vez que a maioria dos telemóveis tem programas de pagamento específicos incorporados, a plataforma liga-se a esses programas, o que poupa imenso tempo aos consumidores e resulta no axioma “onde há um telemóvel há uma transacção”. Em segundo lugar, a utilização da aplicação é muito simples. Os consumidores só precisam de fornecer os seus dados pessoais e passam a poder comprar a crédito. A principal razão para a aprovação ser tão rápida é a plataforma não ser um banco e não verificar os registos de compras a crédito dos consumidores. Esta facilidade permite que pessoas sem cartão de crédito, como estudantes e freelancers, possam aceder sem problemas a este serviço. Em terceiro lugar, o risco de os dados pessoais serem roubados é mínimo. Se um consumidor usar um cartão de crédito, os seus dados podem ser armazenados na rede, e existe o risco de serem roubados. No modelo pague agora e pague depois, os dados são guardados na plataforma, reduzindo o risco de roubo. Para os retalhistas é vantajoso se o pagamento a prestações for facultado pela plataforma, porque expande a clientela e aumenta as vendas. Neste modelo, a plataforma cobra aos retalhistas uma taxa de cerca de 5por cento. Se o consumidor fizer os pagamentos no prazo, geralmente não tem de pagar qualquer taxa. Se o pagamento estiver em atraso, a plataforma cobra taxas e juros. Segundo o relatório da empresa de crédito americana Lendingtree, quatro em cada 10 americanos já usaram o serviço BNPL. De acordo com o Global Data, o volume de transacções BNPL cresceram de 33 mil milhões de dólares em 2019 para 120 mil milhões em 2021. A Worldpay assinalou no relatório sobre pagamentos globais em 2022, que a proporção das compras online duplicará de 2,9 por cento em 2021 para 5,3 por cento em 2025. Aparentemente o modelo de compras BFPL parece ser benéfico para consumidores, para os retalhistas e para a plataforma. Como os consumidores não precisam de pagar as compras na totalidade inicialmente, sentem-se menos pressionados e têm a ilusão de ter uma capacidade financeira superior à que realmente têm, o que os leva a fazer compras de valor mais elevado. Após repetidas utilizações, os problemas financeiros vão começar a aparecer. Conforme mencionado anteriormente, porque os consumidores que usam este serviço são sobretudo pessoas com rendimentos instáveis, a sua capacidade de honrar os pagamentos é questionável. Por conseguinte, estas pessoas enfrentam problemas mais graves do que aqueles que auferem rendimentos estáveis e requerem mais atenção social. De acordo com o inquérito ao emprego, emitido pela Direcção de Serviços de Estatística e Censos de Macau, relativo ao segundo trimestre de 2022, o salário médio dos residentes de Macau era de 19.400 patacas, menos 600 patacas que no trimestre anterior. A taxa de desemprego local era de 4,8 por cento. Devido à pandemia, a taxa de desemprego subiu, e o salário médio dos residentes de Macau desceu. Estes factores vão reduzir o consumo dos residentes, que passarão a comprar pouco mais do que o indispensável. Além disso, não existem fronteiras na Internet. Registar-se na plataforma com um telemóvel e poder obter um crédito para consumo não é difícil. Mais importante ainda, alguns retalhistas que cooperam com as plataformas também têm lojas em Macau, o que merece a atenção de todos nós. A Autoridade Monetária de Hong Kong afirmou que actualmente não existe legislação para regular as operações destas plataformas. No entanto, serão emitidas orientações relevantes no segundo semestre de 2022 para regular o seu funcionamento. Também é importante saber que as empresas que concedem crédito em Macau têm de cumprir o que está estabelecido no Artigo 17 (1) (b) do Sistema Jurídico Financeiro Decreto-Lei No. 32/93/M. De acordo com esta disposição, só as empresas licenciadas pelo Governo de Macau podem exercer a actividade de instituições financeiras; caso contrário as suas operações são ilegais. Registar-se nas plataformas e obter crédito para consumo é fácil. É também, como é óbvio, difícil de supervisionar. A epidemia afectou a economia e criou situações problemáticas. Temos todos de ter muito cuidado. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesA centésima Hoje é uma data histórica na minha satisfação pessoal de escriba, porque orgulhosamente dirijo-me pela centésima vez aos meus queridos leitores do HOJE MACAU. Escrever 100 crónicas sobre o que se vai passando neste Portugal, garanto-vos que não é fácil, especialmente numa linguagem acessível a todos. Há cronistas aqui nos jornais Expresso, Público, Correio da Manhã, Diário de Notícias e outros que assiduamente são alvos de críticas dos leitores que enviam para os directores das publicações o seu direito de resposta. Em 100 crónicas que vos enviei, apenas dois leitores, usaram esse desiderato e, por sinal, não tinham razão. Fi-lo sempre do modo mais eficiente e verdadeiro que soube. Para mim, escrever neste jornal é uma honra e saúdo todos quantos trabalham neste diário, o melhor de Macau, em especial uma saudação ao Director Carlos Morais José por compreender que os portugueses residentes na RAEM satisfazem-se em saber o que vai acontecendo no seu país. Vários temas tinha em agenda para vos noticiar, mas não posso deixar passar em claro um fenómeno imensamente triste que Portugal está a viver. Este nosso condado portucalense perdeu o seu pulmão, o que é gravíssimo. A Serra da Estrela está a arder há mais de uma semana. Dois mil homens dos bombeiros, GNR e Protecção Civil têm-se sentido impotentes para controlar o maior incêndio jamais registado. Na zona de Unhais dá dó: toda a floresta está ardida, várias casas estão em ruínas devido às chamas, uma dúzia de combatentes da paz ficaram feridos e um carro dos bombeiros de Loures, possivelmente por não conhecerem as curvas mais perigosas do país, capotou e três ocupantes estão gravemente feridos. Os aviões são de dimensão pequena e pouco conseguem fazer contra a imensidão do fogo. Vergonhosamente existem três aeronaves de grande dimensão, os Canadair, mas apenas um está operacional. Custou-me muito ouvir o primeiro-ministro a dizer que os dois aviões avariados só daqui a dois anos é que estarão reparados. Até parece que estamos no Terceiro Mundo. As populações protestam e afirmam que não existe coordenação no combate às chamas. Os pastores choram, porque têm ficado sem os seus animais e alguns eram o seu sustento, como cabras e ovelhas, que lhes ofereciam o famoso queijo da serra. A Serra da Estrela tinha a maior área arbórea do país e mais de 15 mil hectares já arderam e atingiram localidades como Guarda, Covilhã, Gouveia, Manteigas e Seia. Muitas pessoas foram evacuadas de suas casas e em Unhais da Beira toda a população teve de ir embora. Vários alojamentos turísticos também já foram evacuados. Os responsáveis da Protecção Civil concordam com as críticas da população, mas afirmam que a tragédia é enorme e quase impossível de a dominar. No entanto, este incêndio está pejado de factos surreais. Era importante que efectivamente alguém com capacidade técnica e independente pudesse fazer uma análise ao que aconteceu. Tem tudo menos de normalidade, nomeadamente no seu combate. Era importante para que a culpa não morresse solteira. Por exemplo, na zona de Gouveia encontravam-se várias corporações de diferentes locais do país. Assim, que se soube do acidente do carro de bombeiros que capotou e deixou gravemente feridos três combatentes, todas essas corporações foram-se embora… Para o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, António Nunes, a situação é muito preocupante. Para o presidente da Liga, o Governo devia ter accionado o mecanismo europeu à semelhança de França que já está a receber apoio de vários países no combate aos seus imensos incêndios. Contudo, já o referimos aqui numa outra crónica sobre os incêndios que têm destruído os diferentes pulmões ambientais, que a mão criminosa está no terreno. A Polícia Judiciária tem realizado um trabalho exemplar, o mesmo não se podendo dizer dos tribunais. Vários indivíduos têm sido apanhados a pegar fogo nas florestas. E neste ponto, lembramo-nos dos muitos drones que já foram adquiridos pelas autoridades. Por que razão esses drones não foram colocados ao serviço de vigilância da Serra da Estrela, sabendo-se que poderia ser o próximo palco de mais um desastre natural. Os drones são fundamentais para detectar através de imagens o que se passa no terreno. Isso, não aconteceu e é neste ponto que as populações têm toda a razão em criticar e revoltarem-se contra a descoordenação que esteve bem à vista. Não chega desculparem-se com as condições climáticas, com a seca extrema e com a falta de água nas barragens. Todos aqueles que se situam nos gabinetes de análise à protecção das gentes que ficam sem nada, deviam ter uma maior capacidade de coordenação e não ouvirmos um popular a dizer que os fogos “não têm rei nem roque”… Acabei de escrever a centésima crónica e, este facto, deve-se fundamentalmente à vossa aceitação. Bem hajam.
Hoje Macau VozesPlaneamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau – III – Da arte de andar a pé Por Mário Duarte Duque* A mobilidade pedonal é a mais primordial, a mais comprometida com o acréscimo da complexidade urbana, mas também aquela que mais revela tendência e vontade crescentes em dela cuidar, nomeadamente devolvendo um sentido de humanidade às cidades. A mobilidade pedonal é também aquela dotada de maior liberdade de movimentos, seja por se processar por decisões individuais, seja por não depender da utilização de equipamentos. Ou seja, algo que aos humanos importa, porque isso reveste-se de sentido de auto determinação. A tradição urbana que caracteriza as cidades de hoje ainda se pauta pela condução sistemática de serviços, tal como resultou da revolução industrial, os quais convivem regradamente num espaço canal (as ruas), onde cada utilidade tem um local destinado (i.e. as circulações motorizadas individuais e colectivas, rodoviárias e de carril, mas também redes de esgotos e de abastecimento), o qual define um território “infra-estruturado”, onde a circulação pedonal tem um local reservado lateralmente a que chamamos “passeio”, construídos elevadamente para resguardo da drenagem de superfície que corre na parte rodoviária da via, antes de ser recolhida subterraneamente. Ou seja, um arquétipo urbano, que em cada situação concreta tem um desenho próprio, mas subjacente à mesma ideia. É isto que identificamos ter sido implementado na RAEM na cidade antiga, ter sido praticado nas urbanizações recentes, mas que também que se antevê ser o modelo dos novos aterros. Todavia, modelos que têm como limites uma proporção máxima e fixa entre os diferentes caudais de fluxos, e que entram necessariamente em crise quando esses caudais se alteram, como aconteceu com o exponencial acréscimo do transporte rodoviário individual. A primeira consequência foi a redução da largura desses passeios para aumento de número de faixas de rodagem. A segunda consequência foi “guardar” os passeios com vedações de segurança, porque o fluxo de peões também aumentou. Mais fácil e perigosamente esses peões podiam resvalar para a faixa rodoviária, como atravessar essas vias onde passou a não ser autorizado. A terceira foi dotar esses passeios de um sentido pedonal único, como acontecia na Av. Almeida Ribeiro, em tempos em que a economia de Macau efervescia com o turismo, mas muito disfuncionalmente. Da mesma forma que os lugares têm um contingente máximo de ocupação, as comunicações também têm um contingente máximo de fluxo Efectivamente, a circulação pedonal de superfície vem sendo condicionada na RAEM sem moldes de quantificação, e vem sendo definida com grande sacrifício para a liberdade dos peões. Simultaneamente, e em sentido contrário, os centros das cidades conheceram o aumento de circulação pedonal com o estabelecimento de zonas pedonais exclusivas. Tipicamente a pedonalização dos centros iniciou-se com grande oposição dos comerciantes com receio de perda de negócio. Antagonicamente, os centros das cidades acabaram mudar as características do comércio, exactamente por acréscimo de afluência, e disso o centro de Macau não foi excepção. Efectivamente, pela pedonalização, o centro das cidades aliviou-se e humanizou-se mas também por compressão no restante tecido urbano, colocando o interface de fluxos nos pontos onde se comuta da circulação pedonal para as circulações gerais da cidade. Principalmente quando esses centros não estão serviços por outro transporte público subterrâneo. A isso o centro de Macau também não é excepção. Efectivamente não é razoável que o acesso pedonal da Av. da Praia Grande ao centro, se faça por um passeio vedado com menos de metro e meio de largura na Calçada de S. João, logo ao lado de uma circulação rodoviária, onde os veículos, predominantemente poluentes, têm que aumentar drasticamente a rotação dos motores, por causa da subida. Também nunca se cuidou em diversificar esses acessos ao centro, nomeadamente libertando alguns logradouros públicos que proliferam pela cidade antiga, e que se encontram bloqueados. Ou seja, situações que não podem expandir, mas que podem ser mais bem aproveitadas no seu detalhe, nomeadamente dando utilidade ao obsoleto. Noutra vertente, mas também em consequência da intensificação do trânsito, houve necessidade de resolver os atravessamentos das circulações para que se processassem sem interrupções de fluxo, nomeadamente os atravessamentos pedonais, introduzindo passagens superiores para peões. Foram soluções necessárias, mas pouco atractivas para os peões pelo esforço e desconforto que acarretam, e mais uma vez em sacrifício de uma liberdade pedonal. Por essa razão, a medida complementou-se com os gradeamentos ao longo dos passeios para impedir os peões de atravessar as vias em locais não designados. Anos depois o sacrifício foi atenuado com a equipagem dessas passagens superiores com elevadores e escadas rolantes. Só mais recentemente se deu a mudança de paradigma quando algumas dessas passagens deixaram de ser meros atravessamentos desnivelados e passaram a constituir um nível de circulação próprio, que Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau, em discussão, apresentou como um sistema 3D, e que se caracteriza por camadas desejavelmente contínuas, autónomas e intercomunicáveis, que se pautam por um melhorado e elevado sentido de conforto. Ou seja, um sistema que não devolvendo a mesma liberdade de movimentos que os peões tinham à superfície, alivia-os sobremaneira de muitos sacrifícios de que foram aflitos. Importa também ter presente que esse modelo também não constitui outro paradigma que a mesma condução sistemática de serviços por uma via infra-estruturada, tal como resultou da revolução industrial, e por que ainda se pauta toda a cidade, tal como a conhecemos. Constitui apenas maior intensificação, com melhor desempenho, por mais bem arrumado e melhor coordenado e articulado. Ou seja, a verdadeira mudança de paradigma na forma de conduzir circulações e fluxos deveria acontecer nos novos aterros que, sendo planeados de início, poderiam ser palco de soluções que melhoram acomodam todas as necessidades tal como já se conhecem, se quantificam, e se antevêem, e não aquelas que, mesmo sendo engenhosas, resultam de situações de exaustão. Efectivamente, a malha urbana dos novos aterros antecipa vias convencionais, a serem infra-estruturadas convencionalmente, definindo lotes convencionais, para os quais, pelas actuais regras da edificação, a DSSCU continuará a exigir o ingresso das edificações à superfície, atribuindo uma cota de soleira. Assim como o Departamento de Planeamento Urbanístico continuará a definir ingressos à superfície para as entradas de estacionamento, seja em Planos de Pormenor, seja em Plantas de Condições Urbanísticas na delonga de Planos de Pormenor. No que se prende com o acréscimo significativo de percursos pedonais que vêm sendo proporcionados, nomeadamente com aperfeiçoadas condições ambientais, importa distinguir os que se fazem em tempo de pausa, por desporto ou por lazer, dos que se fazem em rotinas diárias. As rotinas pedonais diárias figuram em planeamento urbanístico e prende-se com a distância máxima a atribuir a esses percursos, nomeadamente em complemento dos trajectos efectuados em transportes públicos, como uma distância admissível de 400m. Esse valor é deveras relativo na medida em que tanto é reduzido por factores de comunidade, como é aumentado por factores de saúde e de desejáveis rotinas de manutenção. Ou seja, depende do que anima uma sociedade em determinado momento. Todavia essas distâncias pedonais podem ser consideravelmente estendidas se esses percursos puderem ser feitos por bicicleta, praticamente com a mesma autonomia dos circuitos pedonais, contando que esses utilizadores possam transportar bicicletas nos transportes públicos, nas passagens elevadas, e nos elevadores que lhes dão acesso. Para isso assistem bicicletas que se dobram e se admitem em transportes públicos, que por sua vez têm entradas próprias e espaços designados, para não atrapalharem os demais utentes. E se a tendência é de reduzir o transporte automóvel privado, o mesmo significa um decréscimo de utilização rodoviária, logo alguma capacidade de devolver algum equilíbrio tradicional às circulações de superfície, nomeadamente as pedonais. Em verdade, em toda a RAEM os edifícios continuam a ser pedonalmente acessíveis ao nível da rua. *arquitecto (continua)
João Romão Vozes6 de Agosto São vários os rios que atravessam a cidade onde vivo, o que vai oferecendo diversidade às paisagens, consoante o que se vai vislumbrando em cada margem, em geral aproveitada para a criação de espaços verdes, propensos ao lazer, ao passeio, ao descanso ou às brincadeiras infantis. Predominam as utilizações gratuitas, a que não corresponde uma mercantilização sistemática do espaço público. São muitos os caminhos para peões e bicicletas e não faltam os bancos para quem se queira sentar à beira-rio. Ocasionalmente há também cafés e esplanadas, geralmente em construções precárias e temporárias, num sinal claro de que o que é prioritário é o carácter público daqueles espaços. Estas paisagens ribeirinhas percorrem também o centro da cidade, estão próximas dos lugares onde se concentra a actividade empresarial de serviços, as instituições públicas, os principais espaços comerciais, os restaurantes e a animação nocturna, enfim, os elementos que geralmente a centralidade urbana oferece. Neste caso há também o castelo, com a sua relevância histórica e estética, vastas instalações desportivas, em vias de ser ampliadas com um novo estádio de futebol, e equipamentos culturais diversos, como também é habitual nas grandes cidades. Sempre me surpreendeu por isso a impressionante dimensão de conjuntos habitacionais que, pela significativa volumetria e pela repetição de um mesmo padrão arquitectónico ao longo de uma área relativamente vasta e com semelhantes espaços verdes, me parecia destinada a habitação social. A surpresa tinha a ver com a localização: além de ocupar uma área central, grande parte dos apartamentos destes blocos beneficia de amplas vistas para o rio, jardins ou áreas monumentais da cidade. E ainda assim trata-se, de facto, de habitação social. Na realidade, esta zona faz parte da vasta área de Hiroshima destruída por uma das bombas atómicas lançadas pelos Estados Unidos da América no Japão, numa das suas mais brutais e desnecessárias intervenções em defesa dos valores da paz e da democracia. Todas as casas desta zona foram destruídas pelo impacto da bomba. E a rapidez – internacionalmente reconhecida – com que a população de Hiroshima reconstruiu a cidade também oculta outra característica menos referida desse processo de reconstrução: a falta de qualidade e de segurança das novas zonas habitacionais, construídas com a urgência de quem de repente perdeu o lugar de residência. Dessa precariedade foram resultando acidentes vários, mais ou menos graves, incluindo a ocorrência mais ou menos regular de incêndios de razoáveis proporções. E foi para resolver esse problema que se desencadeou um programa massivo de habitação social, um dos maiores jamais implementados no Japão, e que persiste no coração de Hiroshima, quase 80 anos depois da bomba atómica e cerca de 60 anos depois da construção de bairro. Não é esta a única área deste tipo na cidade, mas só aqui estão 1.060 habitações sociais, num conjunto que inclui cerca de 1.800 fogos habitacionais (além de escolas, zonas comerciais e espaços de lazer). Na realidade, é frequente encontrarem-se áreas de habitação social nas grandes cidades do Japão – e também em Hiroshima há outras. O que chama a atenção nesta é a proximidade – e até a interacção directa – com zonas monumentais, grandes jardins públicos, espaços comerciais e de localização privilegiada para empresas. É um dos sinais de uma sociedade em que muito se faz para que ninguém fique para trás – e onde é muito raro encontrarem-se pessoas sem-abrigo, seja qual for a cidade. O dia 6 de Agosto que assinala aniversário do lançamento da bomba é normalmente dia de homenagem à memória colectiva da população massivamente assassinada, com a presença habitual de representantes do Estado japonês, quer nas cerimónias mais oficiais, quer no largo número de iniciativas comunitárias que envolvem grande parte da população local, de forma mais interveniente ou apenas como espectadora. O lançamento de lanternas luminosas ao rio pelo anoitecer é um dos exemplos mais notórios. Vim viver para Hiroshima já em plena pandemia de Covid-19, com as inerentes restrições, incluindo a suspensão das cerimónias de homenagem que normalmente ocorrem na cidade a 6 de Agosto. Por má coincidência, neste ano em que se retomaram estes actos públicos estava ausente da cidade – e continuo sem poder assistir a um dos mais notórios eventos públicos que ocorrem anualmente no Japão. No entanto, a mensagem que se vai propagando através da imprensa e também através da comunidade local é semelhante, ano após ano: a defesa da paz e a rejeição do armamento nuclear, em nome da memória desta população brutalmente assassinada pela bomba atómica. Na realidade, tem sido também em Hiroshima que se têm também realizado as maiores manifestações recentes contra a utilização de energia nuclear no Japão. Nem sempre é o caso, mas ocasionalmente há personalidades estrangeiras convidadas para as cerimónias oficias. Barack Obama foi o primeiro presidente dos Estados Unidos a marcar presença neste evento de inevitável melindre nas relações históricas com o Japão. E este ano foi o secretário-geral da ONU, António Guterres, a discursar em Hiroshima. A fazer fé na imprensa, repetiu o discurso habitual de quem está na cidade e sente o peso inevitável da obrigação de homenagear a memória dos que morreram com a bomba, clamando pela não repetição de erros passados em guerras e matanças massivas. Também pediu desculpa às gerações mais jovens pelo lastimoso estado do mundo que têm que herdar das gerações anteriores, incluindo a sua – ainda que não tenha dado sinal de que pretenda abandonar os lugares de poder que vai ocupando, para de alguma forma reduzir o lastro desse nefasto legado. Não terá tido tempo, o ex-primeiro ministro português, para se aperceber da importância da habitação para a resiliência – como se gosta de dizer agora – da cidade e da sua população. Sociedades pacíficas também requerem equidade social, inclusão generalizada, redução de desigualdades, igualdade de direitos. E o caso da habitação é o de um direito sistematicamente negado a demasiadas pessoas em Portugal – e sistematicamente negligenciado por sucessivos governos, incluindo aqueles em que António Guterres participou. E é essa histórica e reiterada negligência de uma política inclusiva de habitação que faz com que haja tantas pessoas sem-abrigo e que a população portuguesa esteja entre as populações da Europa em que maior parte do rendimento disponível é utilizado para cobrir despesas com o direito elementar à habitação. A paz também se faz destas coisas.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesEnfrentar a realidade * Sabemos que o surto pandémico estará controlado em breve. Mas, para reanimar a economia de Macau, vai ser preciso tempo e líderes muito hábeis. Por exemplo, se uma pessoa sofrer de transtornos intestinais, além de tomar a medicação tem de fazer dieta. Se chegar ao ponto de não comer nada, o problema desaparece. No entanto, se estiver privado de alimento durante muito tempo, sofrerá de prostração e pode sucumbir. Durante o jogo da Supertaça de Inglaterra, realizado a 30 de Julho, nenhum dos milhares de espectadores usava máscara. A 31 de Julho, as pessoas que assistiram à corrida de Fórmula 1 na Hungria, durante o Grande Prémio 2022, também não as usavam. Tudo parece decorrer com normalidade em Inglaterra e na Hungria, como se a pandemia já tivesse passado e os países tivessem vencido esta batalha. Em Macau, as receitas dos casinos em Julho de 2022 atingiram os 398 milhões de patacas e o acumulado dos primeiros sete meses deste ano é de 26,6 mil milhões de patacas, enquanto, em Junho, as receitas obtidas através da taxação ao jogo em Las Vegas atingiram os 1.300 milhões de US dólares e, durante 16 meses consecutivos, as receitas mensais decorridas desta taxação ultrapassaram os 1.000 milhões de US dólares. Macau foi bem-sucedido na prevenção e no combate à pandemia, enquanto Las Vegas foi bem-sucedida na recuperação económica durante a pandemia. Las Vegas voltou a superar Macau e tornou-se a cidade que gera mais receitas através das taxas aplicadas ao sector do jogo a nível mundial. Por que é que os resultados destas duas cidades, ambas atingidas pela pandemia, são tão diferentes? A resposta está na forma como os dirigentes das duas cidades lidaram com os impactos da pandemia. Pois bem, olhemos agora para a situação de Hong Kong e de Macau. Macau tem de manter as fronteiras abertas com a China continental, por isso insistiu em adoptar de forma persistente a política da “meta dinâmica de infecção zero”, para assegurar a prevenção da pandemia. Por outro lado, Hong Kong seguiu em sentido contrário lutando para manter a sua posição de centro financeiro, por isso a sua forma de lidar com a pandemia tende obviamente para a “coexistência com o vírus”. As duas RAEs têm diferentes estatutos geopolíticos, diferentes valores, e, portanto, actuam de forma diferente, por uma questão de funcionalidade. A origem deste surto em Macau é ainda desconhecida e eu estou mais preocupado com a actuação dos membros do Governo local. Depois de terem passado mais de dois anos sobre o surgimento da COVID 19, as medidas anti-epidémicas introduzidas pelo Governo da RAEM, em face do surto actual, são ainda mais severas do que em 2020. Falo, por exemplo dos testes PCR a que se têm de submeter os filipinos que vivem em Macau, que apenas têm validade de três dias, o que provocou muitas críticas de várias comunidades. Numa sociedade onde existe “zero interferência política”, apenas podem ser ouvidas as vozes e as opiniões públicas que louvam o Governo da RAE, e não as queixas e os sofrimentos da maioria da população. Se não conseguirmos enfrentar a realidade não podemos resolver os problemas. A recuperação económica de Las Vegas não assentou na diversificação moderada da economia, mas no desenvolvimento progressivo da sociedade. Com o princípio orientador “um país, dois sistemas”, Macau não deve embarcar no caminho da economia centralizada. O Chefe do Executivo da RAEM, Ho Iat Seng, estará presente, no dia 9 de Agosto, na reunião plenária da Assembleia Legislativa, onde responderá às perguntas dos deputados. Se o Chefe do Executivo enfrentar a realidade e aproveitar esta oportunidade para explicar em detalhe as várias medidas que estão a ser tomadas para beneficiar a população, pode vir a ter uma boa hipótese de melhorar a popularidade do Governo da RAEM. *Artigo escrito no dia 4 de Agosto.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAno escolar inicia em Agosto* Durante o período de consolidação, que já dura há vários dias, Macau não registou mais nenhum caso de Covid 19. Espera-se que tudo corra pelo melhor e que a vida dos habitantes de Macau possa voltar aos poucos à normalidade, depois de 1 de Agosto. Todos poderão voltar a trabalhar e a estudar como de costume. O surto eclodiu subitamente em Junho, de forma que as aulas dos ensinos básico e secundário tiveram de ser interrompidas e os estudantes não puderam realizar os exames finais. Portanto, havia a preocupação se as escolas abririam em Setembro. Em circunstâncias normais, existe ensino presencial nas universidades e nas escolas básicas e secundárias, pelo que professores e alunos têm de comparecer na sala de aulas, mas, para que isto seja possível, Macau não pode ter casos de Covid. Por isso, a retoma do ensino presidencial vai depender da evolução da pandemia. Ainda falta um mês para Setembro. Depois dos postos de testagem se retirarem das escolas, pode dar-se início à preparação para a reabertura e, ao mesmo tempo, aproveitar para assegurar se a epidemia está controlada. Se isso acontecer, o regresso às aulas está praticamente ao virar da esquina. A maior urgência está na reabertura das universidades. Em situação normal, o ensino universitário recomeça em meados de Agosto, ou seja, daqui a sensivelmente duas semanas. Face à actual conjuntura, as universidades devem preparar-se para aulas online ou para aulas presenciais? Estes dois métodos são naturalmente diferentes. No ensino online, não é fácil para os professores perceberem até que ponto os alunos estão a entender as matérias. Nas avaliações, as perguntas devem ser formuladas de forma a que os alunos não encontrem facilmente as respostas na Internet. Estes problemas podem ser evitados no ensino presencial. Portanto, no ensino online, os conteúdos das disciplinas são mais diversificados e os professores devem orientar os alunos para que reflictam sobre os problemas a partir de diferentes perspectivas, para aplicarem as suas competências e para desenvolverem o conhecimento das matérias. No entanto, o ensino presencial é mais linear para os professores, só precisam de explicar e ilustrar os assuntos em detalhe. O início das aulas nas universidades está cada vez mais perto. Como ainda não é certo que a situação epidémica venha a estar completamente controlada, deveriam as universidades considerar a reabertura com aulas online? Por exemplo, em Agosto reabriam com aulas online e quando a situação estivesse clarificada em Setembro, decidia-se se este método se mantinha ou se se retomavam as aulas presenciais. Os estudantes universitários são mais velhos, mais maduros e mais focados, o que os torna mais bem preparados para o ensino online. Ao mesmo tempo, nos últimos dois anos, as universidades têm feito muitos cursos online. Os professores já têm experiência deste método e, desde que haja tempo para se prepararem, as aulas online não devem constituir um problema. Quer as universidades optem pelo ensino online, quer pelo presencial, vão precisar de tempo para se prepararem. Ainda não foi tomada nenhuma decisão e o início das aulas deve ocorrer dentro de duas semanas. Se a decisão for adiada, o tempo de preparação será ainda mais limitado. O facto de o surto epidémico ter acontecido em Junho, implicou uma experiência importante para o sector da educação. No futuro, se outro surto epidémico surgir no final de um semestre, a escola pode tomar medidas de precaução, preparar-se o mais cedo possível, e emitir indicações para “preparar o ensino online no novo semestre” o quanto antes. Tanto os professores como os alunos serão beneficiados. Além disso, com diferentes datas de reabertura e os diferentes níveis de adaptabilidade ao ensino online, as universidades, e as escolas básicas e secundárias podem considerar a questão de optarem separadamente pelo ensino online ou pelo ensino presencial. *Artigo escrito em 30 de Julho Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesAs férias não são para todos Nos meses de Agosto parece que Portugal para. Não é verdade. Muita gente vai de férias. A maioria representa a classe dos funcionários públicos. Uma outra grande parte são os proprietários de empresas, hotéis e restaurantes. Alguns até se podem dar ao luxo de encerrar o estabelecimento por um mês. O Algarve é o principal destino. As férias são sempre merecidas e todo o cidadão devia ter direito a férias. E os pobres? Pois é, aí é que está o busílis. Os pobres limitam-se a ver na barraca ou na casa da edilidade onde residem a ver na televisão aqueles programas pimbas que fazem autênticas lavagens ao cérebro dos menos cultos. Os pobres falam sobre as férias, não tenham dúvidas, e na maior parte das conversas é no estilo “ai, se eu pudesse gostava tanto de conhecer a Espanha”. Contentam-se com pouco. Nem sabem onde é Punta Cana, Maldivas ou Bali. Nem pensar. O que os pobres sabem é que a inflação está a caminho dos 10 por cento e quando vão ao mercado só veem os produtos básicos cada vez mais caros. Um vizinho meu deixou-me perplexo quando me disse que não tinha férias há 23 anos. Eu, não devendo meter-me na sua vida ainda lhe perguntei como era isso possível se ele pertencia à chamada classe média? Respondeu-me que sustentar a casa, ajudar três filhos e apoiar os custos com os netos, que o seu pecúlio mensal era chapa ganha chapa gasta. Compreendi perfeitamente e fiquei a pensar em quantos milhares de portugueses estarão na mesma situação. Sei de muita gente que não pode gozar férias, nem um fim de semana numa praia ou num hotel de três estrelas. As férias, infelizmente, não são para todos. Mas há uma confusão na mente de muita gente. Durante o ano todos se queixam que o governo é uma merda, que a vida está cara, que não podem comprar isto, aquilo e aqueloutro. É um queixume generalizado e em alguns casos até solicitam subsídios governamentais alegando que vivem em dificuldades. Mas, depois chega o Agosto e aí vão eles: o carro cheio de sacos, sacolas e todos os utensílios para a praia, aí vão eles para o sul ou para o norte, para uma boa casa que alugaram no Algarve ou para um empreendimento de turismo rural em plena região do Douro. Só em combustível e portagens é uma fortuna, pagamento do alojamento, alimentação, gelados todos os dias para a miudagem, toda uma enorme despesa que dá que pensar como é que aqueles que passaram o ano a queixar-se da vida, em Agosto a vida muda completamente e as estrelas deixaram cair-lhes em cima uma quantidade de euros. As férias têm muito que se lhe diga. Há locais no mundo em que os povos, africanos, por exemplo, nem sabem o que é isso de férias e em outros locais como Macau os habitantes estão confinados com medidas absurdas em plena clausura, sem poderem divertir-se uma semana na Tailândia. As férias são o descanso do corpo e da mente, apesar de existirem muitas famílias em que os pais trabalham mais que nos outros meses do ano. O pai vai com os miúdos para a praia e a mãe fica em casa para ir às compras, tratar do almoço e do jantar, lavar e estender a roupa e limpar o apartamento. Que raio de férias, mas é a realidade. Em contrapartida temos os portugueses que sabem gozar as suas férias porque têm a satisfação de gastar o muito dinheiro que possuem por qualquer razão. Pessoas ricas, milionárias e corruptos há em todo o mundo. O dinheiro para essa gente não é problema e podem gozar umas boas férias onde quiserem e lhes apetecerem. Alguns fazem-se transportar de avião privado ou de iate luxuoso. Os resorts de luxo estão esgotados de famílias ricas. É a vida. É o que acontece em qualquer sociedade. Há ricos e pobres, mas os pobres estão tristemente em grande maioria. A propósito de férias, referir que no Algarve tudo ultrapassa os limites: pelas casas para alugar é pedido um preço exageradíssimo a demonstrar o oportunismo dos proprietários dos imóveis, ao aeroporto de Faro chegam diariamente centenas de estrangeiros que logo invadem as ruas de Albufeira para se embebedarem e aproveitarem o conhecimento com alguma algarvia que lhes dê trela, os restaurantes queixam-se que não têm pessoal para trabalhar, os hotéis pagam uma miséria às africanas que limpam os quartos e os corredores e até um passeio de barco é mais caro que um bom repasto no hotel Sheraton, em Lisboa. O Algarve fica insuportável e no areal quase que não existe lugar para estender a toalha. Os restaurantes e bares aproveitam para quase duplicar os preços e com tantos milhares de forasteiros apenas existem os hospitais de Portimão e de Faro que estão a rebentar pelas costuras e com alguns serviços de urgência ou de obstetrícia encerrados. Para os que podem gozar férias, que o façam, que descansem, que gozem a vida. Para aqueles que têm de ficar sentados numa esplanada de café dizer-lhes que não nasceram com o cu virado para a lua…
Mário Duarte VozesPlaneamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau II – Da morfologia urbana (continuação de dia 1 de Agosto) Mário Duarte Duque* A planificação de infra-estruturas de transporte, tal como as conhecemos hoje, não foi, nem é, alheia à morfologia dos territórios. Isso foi resultado tanto da viabilidade técnica, como de eficiência e economia de execução, a que também importaram critérios paisagísticos. Efectivamente, na escolha do traçado, fosse uma estrada ou um caminho de ferro, a contrapartida é muito maior se, para além das vantagens da acessibilidade e da construção, tirasse também partido de atributos de paisagem, tal como as margens de um rio, ou o avistamento de uma montanha, como recorrentemente acontece. Quando transpomos o mesmo para o espaço urbano, o que se altera é que os atributos de paisagem não são só resultado da morfologia natural, mas também da morfologia construída. Como até as próprias infra-estruturas de transporte no espaço urbano têm capacidade de induzir outras novas morfologias, ou de elas próprias serem o novo elemento morfológico. Assim, e da mesma maneira que a RAEM não tem um Plano Paisagístico Geral para assistir ao Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres, no que se prende com a construção de infra-estruturas de transportes, vai ter de se munir das mesmas avaliações paisagísticas e de salvaguarda, que se discutem caso a caso, tal como se faz com a emissão de Plantas de Condições Urbanísticas (PCUs), a respeito da definição da volumetria de ocupação dos lotes. Como acontece já na vigência de um Plano Director, mas ainda na ausência de planos de pormenor, que dispensariam tais definições avulsas, sujeitas por isso ao escrutínio do Conselho do Planeamento Urbanístico. Na história do urbanismo, poucos foram as situações em que a cidade foi planeada paisagisticamente, visualmente ou mesmo pictoricamente, porque a definição racional e abstracta da cidade, mesmo apenas planimetricamente, já comtemplava elementos com capacidade de gerar atributos visuais, cujos efeitos era conhecidos, e possíveis de prever. A necessidade de intervir visualmente ou pictoricamente na paisagem urbana foi, na maior parte dos casos, uma consequência da falha, ou do descontrolo, dos métodos convencionais de planeamento, e nas situações onde em causa estavam valores achados histórica ou socialmente sensíveis. Em certa medida, o instrumento de controlo e planeamento do skyline de uma cidade pode considerar-se nessa categoria. Em Macau foi possivelmente exemplo dessa forma de intervir visualmente na cidade, a edificação realizada recentemente no sopé da escadaria de S. Paulo, que não foi resultado de uma projecção pictórica, mas antes de reconstrução pictórica, cuja informação foi possível retirar de um desenho de Chinnery. Retomando o caso das infra-estruturas de transporte, um dos aspectos de maior impacto visual resulta das situações em que é necessário construí-la elevada. O impacto é facilmente antecipável e a reacção é espectável, como efectivamente aconteceu quando se definiu que a Av. da Praia Grande iria ser sobrevoada por um viaduto, e que só era essa a alternativa possível para servir o centro com um transporte automático, tal como fora previsto de início. Mas também, como para tudo o que acontece em contexto, o resultado é sempre fruto da selecção dos elementos de composição, da sua caracterização ou tratamento, assim como da sua posição. Um viaduto avistado de perto, mas suficientemente longe da paisagem, serve de moldura a essa mesma paisagem. Mas um viaduto, quando é avistado mais de longe já corta ou bloqueia a paisagem que lhe segue. Ou seja, na definição paisagística da cidade, importa saber onde os observadores se encontram ou os lugares que frequentam, ou mesmo definir posições ou circuitos privilegiados de observação, articulados com as novas infra-estruturas a erigir. Já com as infra-estruturas de transporte de superfície, a questão que mais se coloca é a resulta da sua hierarquia e da intensidade do seu tráfego, com outras necessidades de atravessamento. Por via da nova morfologia de aterros da RAEM com características de arquipélago, acrescem novos atributos paisagísticos litorais. Aqueles que conferem às edificações notáveis efeitos visuais de reflexos na água, proporcionam aos habitantes locais ambientalmente mais aprazíveis para residir, assim como para lazer dos utentes em geral. Mas também permitem também construir vias marginais de tráfego mais eficiente. Vias que são de difícil atravessamento de nível, impossíveis no caso de circulações ferroviárias. Essas apenas possíveis atravessar nas situações de eléctricos urbanos, que tanto podem circular a alta velocidade em vias exclusivas, como a muito baixa velocidade em zonas pedonais, mas que não foram a opção de transporte automático da RAEM. Tendencialmente as ocupações urbanas litorais caracterizam-se por orlas paralelas com especialidades funcionais diferentes, muitas vezes ao longo de uma encosta. No passado a mobilidade entre zonas distintas da cidade era menos necessária, e os percursos dos habitantes faziam-se quase exclusivamente em ruas perpendiculares ao litoral, através dessas orlas paralelas. A cidade dependia dessas ruas também para assegurar a higiene do ar, fazendo uso das brisas que circulam entre a terra e a água, e que alternam de direcção ao longo do dia e da noite. Muito do que hoje é apreciado nas ocupações litorais, foi destruído em muitos outros locais litorais por via da intensificação de circulação marginal. Boa demonstração disso são as cidades do Porto e de Lisboa, respectivamente. As vias marginais de tráfego intenso é uma tradição que se instaurou no urbanismo contemporâneo, originariamente por necessidade e por ser recurso mais fácil de lançar mão, mas que nunca foi elemento originário de modelos urbanísticos. Ponderadas todas estas situações, afigura-se que os eixos de circulação principal que o Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau propõe para circulação marginal, os mesmos coexistiriam mais favoravelmente se instalados nas vias paralelas mais interiores desses aterros, onde poderiam existir até elevados com reduzido impacto paisagístico, possibilitando desejáveis e mais tranquilos fluxos transversais de acesso local ao litoral desses aterros, para que aí se pudessem localizar ocupações e equipamentos em condições ambientalmente mais aprazíveis, com novos e melhores atributos paisagísticos de frente litoral, e menos perturbados pelo tráfego. De outra forma, os novos terrenos da RAEM nascem assim já murados em relação à sua frente litoral, o mesmo que aconteceu em outras cidades, mas por falta de alternativas e em resultado das limitações de um território já consolidado. Ainda para o que se prende com o transporte automático da RAEM, o metro ligeiro, importa que se instaurou um dado fundamental e indiscutível, i.e. instalou-se um dogma, do qual resulta a impossibilidade dessas instalações integrarem ou se conjugarem com quaisquer outras finalidades. Há muito que em Macau se admite que um edifício possa albergar mais do que uma finalidade, mas a finalidade “transporte” encontra-se disso afastada. Disso resulta que as instalações de transporte tenham que existir tanto em instalações exclusivas como em espaço público. Efectivamente toda a parafernália que uma instalação de metro requer é grande, e a sua construção na Taipa teve necessariamente que ocupar o espaço público existente, em zonas urbanas já consolidadas. O modelo continua o mesmo, tanto que, que os novos aterros tiveram o seu loteamento definido, antes de definidas as suas infra-estruturas, nomeadamente de transportes, que necessariamente irão ter de ocupar o espaço público que resultou dessas operações de loteamento, e onde não foram previstas. Efectivamente as estações do metro ligeiro já realizadas na Taipa não puderam à data albergar qualquer finalidade comercial, mesmo contribuindo para a solvência do serviço, sequer mesmo instalar painéis solares, sob pena de entrar em conflito de interesses com a própria concessionária que alimenta a RAEM de energia eléctrica. Como também o modelo de exploração não permite que as estações possam existir em edifícios com outras finalidades. Já aqui ao lado, em Hong Kong, as estações de metro tanto são génese, como integram novos polos habitacionais e comerciais, assim como, quando foram construídas no tecido urbano já consolidado, não foi necessário ocupar o espaço público, sequer para saídas à superfície, as quais foram criadas em lotes já existentes, nos segmentos do circuito subterrâneo, A questão importa e está sujeita a escrutínios que tanto são de sustentabilidade como de gestão de bens públicos. Espaço público, assim como urbanização, são bens/recursos públicos. Em territórios como Macau, onde a alta densidade impera e o espaço público é proporcionalmente escaço, a gestão do espaço público tem que ser eficaz. A ocupação do que é escaço, mas que simultaneamente é de utilização exclusiva, não se afigura eficaz, sequer sustentável, se o bem em causa for escaço. Em grande medida, é também este modelo de concepção e de exploração o que inviabiliza servir o centro da cidade pelo circuito de metro, uma vez que não é possível disponibilizar, sequer sacrificar mais, o espaço público do centro da cidade que este modelo requer. Quando tudo o que são instalações de um metro ligeiro, para as quais não existe alternativa, são apenas as linhas e os cais, pois tudo o mais, são átrios, acessos e instalações técnicas, cuja existência se pode negociar nos lotes já existentes. Em verdade, no princípio do sec. XX foi possível estabelecer uma comunicação directamente entre o cais de passageiros no Porto Interior e o Leal Senado (a Av. de Almeida Ribeiro), da mesma maneira que outras cidades rasgaram boulevards das estações de caminho de ferro ao centro da cidade. Não ocorre porque não é possível, ou não haja interesse, em dotar a RAEM de uma estação de metro ligeiro que sirva o centro da cidade. (com continuação) *arquitecto
Olavo Rasquinho VozesOs Mártires da floresta Amazónica Estamos habituados relacionar a Amazónia com o Brasil mas, na realidade, trata-se de uma vasta floresta tropical que se estende por territórios de nove países. É certo que a maior parte se distribui pelo Brasil (cerca de 60%) e Colômbia (cerca de 13%), estendendo-se os restantes 27% pela Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. O termo Amazónia provém do nome do rio Amazonas que, por sua vez, adquiriu esta designação a partir do pressuposto que foram avistadas guerreiras nas suas margens, as quais foram comparadas às amazonas da mitologia grega pelo explorador espanhol Francisco de Orellana, que navegou pelo rio desde os Andes até ao Atlântico, tendo atingido a foz em agosto de 1542. O sistema climático (composto por atmosfera, litosfera, criosfera, hidrosfera e biosfera) depende grandemente de uma das suas componentes, a biosfera, na qual estão inseridas as florestas. A Amazónia desempenha um importante papel no que se refere à atenuação das alterações climáticas, na medida em que se trata da mais vasta floresta tropical, abrangendo uma área de cerca de 5,5 milhões de km2. Constitui uma fonte de oxigénio para a atmosfera e um sumidouro de dióxido de carbono, contribuindo assim para a atenuação da concentração dos gases de efeito de estufa produzidos pelas atividades antropogénicas. Acontece, porém, que está a ser alvo de atentados perpetrados pelos humanos, muito mais intensos desde que a administração do Brasil é chefiada por Jair Bolsonaro. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazónia (Ipam), a desflorestação da floresta amazónica em território brasileiro aumentou cerca de 56% de 2016-2018 para igual período de 2019-2021 (respetivamente de 20.911 km2 para 32.740 km2), correspondendo este triénio aos primeiros anos do governo atual do Brasil. Estes valores foram obtidos com recurso a satélites pelo insuspeito Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), cujo diretor, Ricardo Galvão, foi demitido por Bolsonaro em 2019 pelo facto de ter permitido a divulgação destes dados. A desflorestação para exploração da madeira e os incêndios, tendo em vista a exploração agropecuária, têm como implicação a aproximação cada vez maior do ponto de não retorno da capacidade de regeneração da Amazónia, que poderá vir a transformar-se numa imensa savana. Portanto, existe o risco desta floresta passar de sumidouro do dióxido de carbono da atmosfera para uma fonte deste gás. O risco desta inversão do papel da floresta poderá contribuir para o aquecimento global e tornar mais difícil o caminho para o combate às alterações climáticas. Além disso, a destruição de que está a ser alvo contraria os direitos dos povos autóctones, expressos na constituição do Brasil de 1988, em que é reconhecido o facto histórico que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil e, como tal, têm o direito a ocupar a terra onde nasceram. Devido à riqueza que encerra, a Amazónia tem sido alvo de frequentes atentados motivados pela ganância, nomeadamente de garimpeiros, agricultores, caçadores e pescadores sem escrúpulos. Contra estas atividades, frequentemente ilegais, têm-se levantado vozes de ativistas, o mais célebre dos quais foi Francisco Alves Mendes Filho. Chico Mendes, como era conhecido, nasceu em 1944 e foi assassinado em 1988, em Xapuri, no Estado do Acre. Na altura em que desenvolvia a sua atividade, o conceito de “alterações climáticas” não era ainda tão popular como nos nossos dias. Apesar disso, pode-se considerar Chico Mendes como um dos pioneiros das lutas contra essas alterações. Foi uma das vozes que mais se fez ouvir, nas décadas de setenta e oitenta do século passado, em defesa dos seringueiros da Bacia do Amazonas cuja subsistência dependia da floresta amazónica. Na qualidade de sindicalista lutou contra a destruição da floresta e em defesa dos povos indígenas, o que não foi do agrado dos grandes fazendeiros que pretendiam destruir grandes extensões de arvoredo para as substituir por pastagem para gado. Chico Mendes, assassinado em 1988 Muitos outros ativistas foram também vítimas da ganância de grandes fazendeiros. A missionária norte-americana Dorothy Stang teve o mesmo destino de Chico Mendes: foi assassinada no Estado do Pará, em 2005, a soldo de madeireiros e proprietários de terras. Dorothy Stang, assassinada em 2005 Também no Pará, em 2011, foram assassinados os cônjuges José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, ambos defensores da floresta, vítimas de interesses de madeireiros e criadores de gado. Os executores do assassinato deste casal foram condenados, mas os mentores, por falta de provas, continuam em liberdade. José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, assassinados em 2011 Ainda em 2011, em Porto Velho, capital da Rondónia, foi assassinado Adelino Ramos, ativista do direito à terra, após denúncia de exploração ilegal de madeira. Adelino Ramos, assassinado em 2022 Segundo o Relatório da ONG Global Witness, referente a 2019, houve neste ano 24 assassinatos relacionados com ativismo em defesa do ambiente em território brasileiro, 90% dos quais ocorreram na Amazónia. Quase todas as vítimas lutavam contra a desflorestação, em grande parte causada por grandes projetos relacionados com a agricultura e a extração mineira. Os defensores da Amazónia tiveram recentemente mais um rude golpe. O jornalista britânico Dom Phillips e o antropólogo e indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira foram assassinados em junho de 2022, em plena Amazónia. Dedicavam-se ambos a investigar atividades ilegais que constituíam verdadeiros atentados à natureza, nomeadamente às comunidades indígenas e à biodiversidade. Dom Phillips trabalhava para várias publicações de grande prestígio, como o Financial Times, The Washington Post, The New York Times e The Guardian. Era também colaborador da Fundação Oswaldo Cruz, instituição de grande prestígio internacional, com atividades nas áreas da saúde, desenvolvimento social, promoção e difusão do conhecimento científico. Segundo o The Guardian, Phillips estava a escrever um livro na área do desenvolvimento sustentável que teria o título “Como Salvar a Amazónia”. Dom Phillips e Bruno Pereira, assassinados em 2022 Bruno Pereira, profundo conhecedor da vida indígena, ajudava Dom nas entrevistas a membros das comunidades amazónicas. Sob pressão de interesses ligados à exploração da floresta, foi exonerado das suas funções como indigenista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) pela administração de Jair Bolsonaro, em 2019. De acordo com dirigentes das comunidades indígenas, Bruno Pereira já havia sido ameaçado por garimpeiros, pescadores e madeireiros. Ambos regressavam de uma visita à Amazónia brasileira nas vizinhanças do Peru e Colômbia. Além destes assassinatos, muitos outros ocorreram, tendo sido a maioria das vítimas membros anónimos das comunidades indígenas. De acordo com uma declaração da Universidade Federal da Baía sobre os assassinatos de ativistas defensores do ambiente, datada de 16 de junho de 2022, o aumento da violência na Amazónia é atribuído ao desmonte de órgãos e políticas públicas de proteção do meio ambiente e ao não reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. A melhor homenagem que se pode prestar a Bruno Pereira, Dom Phillips e a todos que foram vítimas dos interesses ligados aos exploradores sem escrúpulos da Amazónia, é continuar a luta pela responsabilização dos mandantes dos atentados, exigir do Governo do Brasil o reconhecimento dos direitos dos povos autóctones, conforme o estabelecido pela Constituição de 1988, zelar pela manutenção da biodiversidade e proceder à exploração dos recursos naturais de forma sustentável.
Hoje Macau VozesQualquer movimento provocativo para desafiar a linha vermelha da China está condenado ao fracasso Por Liu Xianfa* As questões relacionadas a Taiwan dizem respeito aos interesses ncleares da China e são mais importantes e sensíveis nas relações entre a China e os Estados Unidos da América. No seu último telefonema com o Presidente Xi Jinping em 28 de Julho, o Presidente dos EUA, Joe Biden, assegurou que a política de Uma Só China dos EUA não mudou e não mudará, e que os EUA não apoiam a “independência de Taiwan”. O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, fizeram também as mesmas promessas em conversas com contrapartes chinesas. Fiel à natureza dos políticos dos EUA, dizem sempre uma coisa e fazem outra. Embora a China tinha repetidamente deixado claro para os EUA as suas sérias preocupações com a possível visita da Presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan, bem como a firme oposição da China a ela, tal visita ainda ocorreu. A visita de Pelosi envia outro sinal errado às forças separatistas que buscam a “independência de Taiwan”, constitui uma interferência grosseira nos assuntos internos da China, infringe seriamente a soberania e a integridade territorial da China, atropela desenfreadamente o princípio de Uma Só China, ameaça grandemente a paz e a estabilidade através do Estreito de Taiwan , prejudica gravemente as relações China-EUA e leva a uma situação e consequências demasiado graves, que é um divisor de águas nas relações do Estreito de Taiwan, bem como nas relações China-EUA. Existe apenas uma China no mundo, e Taiwan faz parte inseparável da China. Isto é um consenso internacional estabelecido e uma norma básica que rege as relações internacionais. O princípio de Uma Só China é um princípio fundamental afirmado na Resolução 2758 da Assembleia Geral das Nações Unidas, e também a premissa sobre a qual a China estabeleceu relações diplomáticas com 181 países, incluindo com os EUA. No mês de Dezembro de 1978, a China e os EUA emitiram o Comunicado Conjunto sobre o Estabelecimento das Relações Diplomáticas, no qual os EUA “reconhecem o Governo da República Popular da China como o único Governo legítimo da China” e “reconhecem a posição chinesa de que há apenas uma China e Taiwan faz parte da China.” Todo o mundo agora sabe qual o lado que está a quebrar suas próprias palavras, qual lado está a causar problemas e qual lado está a tomar acções unilaterais no sentido de mudar o status quo do Estreito. Pelosi é a oficial de terceiro escalão mais alto no governo e a segunda na linha de sucessão à presidência dos EUA. Seja qual for o momento ou a maneira como ela vai para Taiwan é uma violação grave do princípio de Uma Só China, com o qual os EUA estão comprometidos nos três comunicados, que são o fundamento das relações diplomáticas entre os dois países e, sem dúvida, criará um impacto político notório. A separação de poderes nos EUA não torna a viagem de Pelosi a Taiwan desculpável. E a afirmação absurda de que “Se a Presidente da Câmara decidir visitar e a China tentar criar algum tipo de crise ou aumentar as tensões, isso será inteiramente de Pequim” feita pelo Secretário de Estado Blinken apenas leva à falência o crédito dos EUA com a sua hipocrisia. De facto, por um período de tempo, o lado dos EUA tem vindo a intensificar seus esforços, incluindo obscurecer e esvaziar o princípio de Uma Só China, fortalecer a interação oficial com Taiwan, ajudar Taiwan a desenvolver as chamadas capacidades de defesa assimétricas, defender a teoria do “status indeciso” de Taiwan e, encorajar as forças separatistas da “independência de Taiwan”, para jogar a “carta de Taiwan” com a tentativa de usá-la para conter a China. As questões relacionadas a Taiwan dizem respeito aos interesses núcleos da China, sobre os quais não há espaço para concessões. Nunca permitiremos espaço para forças separatistas de “independência de Taiwan” de qualquer forma. Ninguém deve subestimar a determinação firme, vontade forte e capacidade grande do povo chinês em defender a soberania nacional e a integridade territorial. Como quem provocou as tensões actuais, os EUA têm que arcar com todas as graves consequências daí decorrentes. Como o Presidente Xi Jinping enfatizou no seu telefonema com o Presidente Biden, salvaguardar resolutamente a soberania e a integridade territorial da nação é a firme vontade de mais de 1,4 mil milhões de chineses. Aqueles que brincam com fogo perecerão por ele. Não há nenhuma força que possa impedir a China de alcançar a reunificação nacional entre Taiwan e o continente chinês. A reunificação nacional nunca foi uma questão de sim ou não, mas uma escolha de caminho e tempo. Qualquer movimento provocativo para desafiar a linha vermelha da China está condenado ao fracasso. *(Liu Xianfa, Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau)
Carlos Morais José A outra face VozesTigres de papel A presença de Nancy Pelosi em Taiwan poderia surpreender os mais ingénuos, na medida em que parece ser realizada à revelia do próprio presidente dos EUA. De facto, parece ridículo que, num momento em que estão envolvidos numa guerra na Ucrânia contra a Rússia, que os EUA façam esforços deliberados para provocar a China. Não somente ridículo mas um contra-senso. Lembramo-nos da aproximação a Pequim, efectuada por Nixon e Kissinger, num momento em que as relações com a URSS se agravavam. Como mandaria a lógica das relações internacionais. O problema é que não estamos num momento em que a lógica pareça imperar, o que prenuncia um tempo especial, talvez catastrófico, em que um império perde o seu poder quase hegemónico para desembocarmos noutro tipo de equilíbrio planetário, agora constituído por diversos pólos de poder. Os EUA, não satisfeitos com a situação ucraniana e depois de uma retirada humilhante do Afeganistão, parecem apostados em fazer despoletar conflitos no Pacífico, onde a sua posição de força sofre constante reveses e onde a sua posição económica foi já ultrapassada. A esmagadora maioria dos países do mundo está farta da retórica americana (democracia, direitos humanos, liberdade, blá, blá, blá…) que, uma vez posta em prática, unicamente resulta na expansão desenfreada de corporações e empresas que raramente trazem prosperidade (ou mesmo democracia) aos países em que se instalam, mas se limitam a extrair o máximo de lucros possível, sem qualquer respeito pelos “direitos humanos” que tanto apregoam e de que fazem bandeira, embora rasgada e humilhada pelos que a carregam e pagam menos de um dólar por dia aos seus trabalhadores. A presença de Pelosi em Taipé tem toda a aparência de uma manobra desesperada de provocar a China, tentando passar-lhe o ónus da culpa, caso a situação venha a deteriorar-se. Os EUA sabem muito bem que a China nunca cederia nesta questão e também sabem que a colocação de material militar em Taiwan poderia ter uma resposta semelhante à colocação de mísseis chineses em Cuba. Ou pior. E, no entanto, continuam a provocar constantemente Pequim, com visitas, com a venda de equipamento militar, isto além de imporem a Taiwan , como reverso da “ajuda”, a compra de produtos nem sempre de qualidade garantida. Por quê e para quê? Apesar dos estrebuchos de Biden, de facto, os EUA insistem em provocar a China. Sabida perdida a corrida para o futuro, o Império refila, o Império sofre convulsões internas, o Império arrisca a destruição global, o Império implode, e com ele corre-se o risco de arrastar para o abismo toda a civilização Ocidental. Ainda não satisfeitos de estarem por detrás de praticamente todas guerras depois de 1945, os EUA servem essencialmente o seu complexo militar-industrial privado, contra o qual o presidente Eisenhower havia debalde advertido. Depois de uma guerra com a Rússia, através do proxy Ucrânia, querem agora os EUA uma guerra com a China através do proxy Taiwan? Parece que sim, parecem ser esses os passos do gigante americano, já que em termos económicos não consegue resistir ao imparável avanço de outros países. Numa altura da Humanidade em que existe a possibilidade de haver comida para todos, medicina para todos, educação para todos, de limparmos o planeta de poluição, de travarmos as mudanças climáticas e explorarmos em conjunto o espaço, os seres humanos continuam a gastar recursos em guerras e outros conflitos que, no limite, não terão vencedor, apenas vencidos. Face às novas armas, às novas tecnologias, ao poder de destruição em massa, hoje somos todos tigres de papel.
André Namora Ai Portugal VozesHá médicos e médicos “Há quanto tempo nos quedamos, sentados nos bancos da praça, e esperamos para ver os bárbaros chegar?” In “Os Bárbaros Chegaram”, Carlos Morais José, escritor Portugal tem os serviços de urgência hospitalar e de obstetrícia num caos. Alguns serviços de muitos hospitais por todo o país têm encerrado as portas, por vezes, durante dias. Desde o maior hospital, o de Santa Maria em Lisboa à melhor maternidade, a Alfredo da Costa, Lisboa têm privado os doentes e as grávidas de serem atendidas em muitas horas dos dias. O problema da Saúde é o mais grave na maneira de pensar e de sentir da população. A maioria do povo não aceita que o Ministério da Saúde não determine, de uma vez por todas, que os médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar passe contratualmente a vencer salários decentes para o esforço que dedicam às suas missões. São classes profissionais muito diferentes. Lidam com a vida das pessoas e não podem atender um paciente estando exaustos às 4:00 horas da madrugada depois de servirem numa urgência hospitalar 24 horas com um salário miserável e sem que o pagamento das horas extraordinárias seja executado em tempo razoável. Os médicos e enfermeiros são representados por Ordens e Sindicatos. Os dirigentes destas instituições nem sempre estão de acordo. Por exemplo, na semana passada o Governo anunciou que os médicos iriam ganhar mais dinheiro nas horas que fizessem a mais. O Sindicato Independente dos Médicos logo tomou uma posição de discórdia, alegando que o problema não está em aumentos salariais sazonais, mas sim em solucionar um problema estrutural relacionado com as condições decentes de trabalho. Temos assistido a uma barbaridade de encerramentos de urgências e serviços de obstetrícia sem sabermos se os bárbaros já chegaram. E neste caso concreto, os bárbaros são gestores que residem em gabinetes com ar condicionado e onde nada sabem decidir sobre um problema grave como uma portuguesa grávida ter de se deslocar mais de 100 quilómetros para ser atendida no parto e acaba com o bebé a nascer no interior de uma ambulância. Ou mais grave ainda, na passada quinta-feira, uma grávida em trabalho de parto deslocou-se para a urgência do Hospital de Abrantes que estava encerrada, a futura mãe deslocou-se para o Hospital de Santarém e ao chegar ao estabelecimento hospitalar os serviços obstetrícios estavam fechados e o bebé morreu. Isto é revoltante. Os bárbaros têm nome, têm cargo num determinado hospital, têm salário chorudo, têm férias passadas nos mais luxuosos locais, têm carro com motorista, ou seja, os bárbaros gastam um dinheirão ao erário público, mas para os médicos e enfermeiros não há dinheiro que lhes proporcione uma vida estável e psicologicamente pacífica. Na verdade, há falta de médicos e de outro pessoal paramédico e os serviços encerram. Esta triste realidade está a deixar um povo num estado de frustração e de depressão. Todavia, sendo nós os primeiros a defender os profissionais de saúde, temos conscientemente de afirmar que nem tudo está bem na classe médica. Como diz o povo, há médicos e médicos. Quer isto dizer que, certos clínicos portugueses são os melhores cirurgiões do mundo, tais como os que residem no piso de Cardiologia no Hospital de Santa Maria ou os que operam no IPO do Porto. Há médicos de grande competência e há outros que não acompanham a tecnologia, não estudam as descobertas clínicas que beneficiam os pacientes e alguns devido à idade avançada em vez de se reformarem trocam a medicação que receitam e o doente morre. Um dirigente da Ordem dos Médicos transmitiu-nos que “toda a classe médica é vista como elitista e arrogante, o que não é verdade porque a Ordem todos os anos abre processos disciplinares a médicos que actuaram com pura negligência”. Um outro ponto que é de suma importância tem a ver com o facto de o povo pagar a um cidadão o curso e especialidade de médico e este ao fim de estar apto a trabalhar em qualquer lugar, não é obrigado a laborar pelo menos cinco anos num hospital público. Muitos médicos pouco tempo após o fim dos seus estudos e da especialidade emigram para o estrangeiro ou transferem-se para hospitais privados, onde o salário em muitos casos é a dobrar. O caos que se verifica na Saúde no nosso país deve-se fundamentalmente à falta de punição a todo e quaisquer bárbaros que funcionem nesta complexa e difícil organização que é a saúde de todos nós.
Mário Duarte VozesPlaneamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau I – Dos pontos de partida Mário Duarte Duque* De entre as perspectivas de futuro a que o surto pandémico se substituiu e retirou visibilidade, encontra-se o Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau, colocado a consulta pública, a qual terminou no próximo dia 31 de Agosto. Ou seja, algo de que a RAEM necessariamente depende, e logo no primeiro dia em que os “habitantes” da RAEM deixem de estar confinados (importa a designação de habitantes porque é a única que representa quem efectivamente aqui vive). Quando as prioridades se substituem, quase se anulam, mas que inevitavelmente se retomam, isso obriga a um esforço de reconstituição do que efectivamente tiveram como ponto de partida. O Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (diga-se RAEM) faz parte de um conjunto de planos temáticos ou de especialidade, que não tendo sido já introduzidos no Plano Director, surgem necessariamente a jusante. Devem pautar-se pelo comando do Plano Director, e são necessariamente sua consequência. Partindo daqui, extrai-se naturalmente que, de um Plano Director, que não se interessou pelo centro da cidade, não apenas o Centro Histórico, mas antes todos os sítios que se encontram no topo da hierarquia de uma teoria urbanística de “lugares centrais”, e que se debruçou predominantemente sobre as periferias e sobre a integração regional, era espectável que ao subsequente Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau, também não interessasse o centro da cidade, como não interessou. A razão por que assim aconteceu pode tanto ter resultado de o Plano Director não ter formulado as directrizes necessárias para o centro da cidade, como essa ausência ser a própria directriz. Na história das cidades, as primeira grandes infra-estruturas de transportes urbanos, fossem pontes, fossem caminhos de ferro, tiveram como prioridade a acessibilidade aos centros. Desse propósito não se consegue distinguir se na altura o sentido foi de afirmação desses centros, ou já um dependência de apetrechamento funcional. Sabe-se que esses centros se reforçaram com infra-estruturas diversas, nomeadamente de transportes, e admite-se que se teriam extinguido funcionalmente se esse apetrechamento não tivesse acontecido. A determinação dessas iniciativas mede-se também pela complexidade e pelo engenho do que foi realizado. Os centros são morfologicamente e funcionalmente complexos, as solução são necessariamente engenhosas, a perturbação com o curso dos trabalhos é grande, e as soluções são necessariamente visionárias, ou seja, devem incluir tudo o que se estima que os centros venham a precisar, mesmo que num futuro distante, porque não é viável repetir a mesma perturbação. Ou seja, deve comtemplar muito mais do que foi possível antever e realizar nos dois últimos grandes estaleiros que empataram o centro da cidade, o Tap Seac e a praça Ferreira do Amaral. Deve contemplar muito mais que recentemente assegurou o metro ligeiro da Taipa, que não teve em consideração uma pertinente distribuição demográfica e funcional, ou preencher o trinómio residência/trabalho e educação/lazer, sem o qual os habitantes de uma cidade, podendo ter um transporte privado, vão continuar a recorrer ao automóvel. Sequer teve interesse em assegurar desde a fase inicial o que já estava assegurado, i.e. a travessia entre Macau e a Taipa, já prevista na construção do tabuleiro inferior da ponte de Sai Van (diga-se, a única infra estrutura verdadeiramente visionária desde o estabelecimento da RAEM). Travessia que teria logo de início, em abstracto, e sem necessidade de mais estudos demográficos de pormenor, a garantia de poder servir toda a população pendular da Península de Macau e da Ilha da Taipa e de substituir muitas carreias de autocarros que fazem a mesma travessia. Outra realidade ausente do Plano de Transportes prende-se com o cenário real de que a RAEM é efectivamente inundável. A partir do momento em que o Executivo da RAEM assumiu que a Região deve necessariamente conviver com inundações e estabeleceu protocolos de avisos e de intervenção para fazer face a essas situações, importa a planificação dos serviços e das rotas de transportes, por forma a que alguns se admitam suspensos em situações de inundação, mas outros se mantenham e assegurem que a população se mantenha activa. Algo que constituiria um aperfeiçoamento da resiliência da RAEM nessas situações de perturbação, i.e. a capacidade de a RAEM se manter funcional, mesmo nessas situações. As inundações podem corresponder a níveis diversos de perturbação onde não importa apenas que a população tenha escapatórias para acederem a pontos de refúgio elevados, mas também que toda a RAEM esteja coberta por caminhos de resgate nessas situações. Sabe-se que a geografia ocidental da Península de Macau tem refúgios de inundação em torno da Colina da Penha, e que a cidade oriental tem esses refúgios principalmente em torno da Colina da Guia. Menos atentos estamos a que a ligação elevada entre essas duas colidas correu no passado por uma linha de cumeeira que correspondia à actual Rua Central, e que se estendia até ao largo da Sé. Essa morfologia geográfica foi desmontada e interrompida para a construção da Av. de Almeida Ribeiro. Razão por que a Rua Central passou a ser íngreme e, do lado oposto, se sobe hoje por escadas para a Rua da Sé. Ou seja, as colinas ficam isoladas quando os níveis de inundação atingirem o Leal Senado. Acontece que todos os hospitais da Península de Macau estão em torno da Colina da Guia e que não existe nenhuma circulação elevada que cubra, ligando e acedendo a todos os lugares de refúgio das colinas. Os viadutos de Macau tiveram por alcance a eficiência rodoviária com atravessamentos desnivelados, mas não integram uma estratégia de resgate em situação de inundação. Mais sério é o facto de que no Território de Macau nunca se construíram hospitais em zonas baixas ou de aterro, porque isso é visto como factor de vulnerabilidade. Quando se decidiu edificar as primeiras unidades hospitalares em aterro, nomeadamente no aterro do Cotai, também nenhuma estrutura elevada foi prevista que articulasse essas unidades hospitalares com circuitos de resgate ligados elevadamente aos circuitos nas encostas das ilhas da Taipa e de Coloane. Escrutinadas as questões iniciais que se prendem com a longevidade das infra-estruturas, a hierarquia dos lugares e a morfologia do território, é igualmente questão inicial a lógica funcional por que se pauta um sistema de transportes. A tradição dos circuitos de autocarros foi dotar as rotas de uma autonomia que tanto serve as distâncias como a distribuição local. Não assenta num sistema de eixos de rotas em que o circuito individual do passageiro é feito pelo próprio, por vias das correspondência que efectua entre rotas diversas e que lhe são colocadas à disposição por via de uma planificação que conhece as pertinência dessas correspondências. A vantagem de uma lógica de circuitos articulados em correspondências permitiria que os passageiros não seriam mantidos em circuitos de distribuição que não lhes interessam, e apenas fariam os segmentos mais directos que os levam aos seus destinos. A vantagem seria também para quem não está familiarizado com as rotas dos autocarros, nomeadamente os visitantes, poderem circular na cidade com um gráfico simplificado de rotas que se exibissem nas paragens, pois é isso que é recorrente noutras cidades, em vez de colunas e colunas de rotas individuais. Gráficos onde facilmente se identificariam os nós de correspondência, a que corresponderia um gráfico no interior dos veículos, que identifica as paragens ao longo de um eixo, onde em cada paragem, por sua vez, se identificam as correspondências que aquela paragem permite, e anunciadas pelas mensagens áudio que se sucedem ao longo das rotas. Desta lógica resulta necessário outros tipos de apetrechamentos. As correspondência entre rotas devem ser sincronizadas com intervalos próximos, devem ser confortáveis por via de autocarros com o ingresso ao nível dos cais, e devem ser resguardadas à intempérie. (com continuação) *arquitecto
João Romão VozesTuristas e poderes No princípio era a praia: era de zonas costeiras e de sítios à beira-mar que se falava quando se referiam os excessos do turismo, da bruta massificação da oferta e da procura turísticas, da omnipresença dos visitantes numa certa altura do ano, do lixo e do ruído, do negócio e das oportunidades, da destruição de dunas e ecossistemas, do ambiente cosmopolita e festivo que se instalava, nem que fosse temporariamente, das divisões dentro das comunidades entre quem defendia os benefícios do turismo e quem evidenciava os problemas e questionava a sua sazonal omnipresença nas economias e comunidades. Mudaram-se os tempos e as vontades de lazer, as prioridades na escolha de viagens e na organização dos tempos de férias, globalizaram-se as economias e aumentaram os contactos internacionais por razões profissionais, sejam elas relacionadas com negócios empresariais, diferentes formas de regulação e cooperação institucional entre estados e organizações públicas, ou actividades de investigação científica e desenvolvimento tecnológico cada mais vez globalizadas. Nestas décadas de transição entre os século 20 e 21 melhoraram também as condições de vida em grande parte das cidades, com melhores redes de transportes públicos, menos carros, menos indústrias, menos poluição, mais espaços verdes, ar mais limpo e respirável, processos alargados de renovação urbanística em muitos casos associados operações massivas de gentrificação e aceleração das injustiças e da exclusão social, num contexto económico cada vez mais marcado pela precarização das relações laborais, que afectam certamente quem habita (ou habitava) as cidades, mas que é invisível ou irrelevante para a maioria das pessoas que as visita por motivos turísticos. Cidades mais agradáveis, com melhor mobilidade e profusão de actividades criativas e de lazer foram-se desenvolvendo e afirmando enquanto polos de atração de população residente e turística cada vez mais orientada para centros urbanos. Para uma boa parte da população, sobretudo das zonas mais desenvolvidas do planeta, este foi também um período de aumento dos rendimentos disponíveis, com oportunidades crescentes para os gastos em recreio, lazer e viagens. Das longas férias, uma vez por ano, a descansar longe das cidades, passou-se a vários curtos períodos de férias por ano, frequentemente em cidades e ocasionalmente – cada vez mais – acumulando trabalho e lazer. Foi assim que os excessos do turismo se foram progressivamente instalando nos centros urbanos: não é que tenham deixado de estar onde já estavam, nas praias mais populares ou nas estâncias de desportos de inverno mais atractivas, mas passaram a ocupar também grande número de cidades em todo o mundo. Foi nesta altura que o conceito de excesso de turismo – ou “sobreturismo” ou “overtourism”, como se tem vindo a designar – se foi instalando nas linguagens técnica, mediática e política – independentemente das distrações de um ou outro autarca mais distraído. Na realidade, essas cidades são também centros de produção de informação ou conhecimento e lugares onde se concentram poderes políticos e económicos. O excesso de turismo deixou de ser um problema longínquo, de quem vive numa qualquer província, à beira-mar ou na montanha. Quem vivia nas maiores cidades não só mostrava pouca atenção ou interesse pelo problema, como constituía, aliás, parte muito significativa do problema – e ainda hoje é comum ouvir inflamados discursos contra o excesso de turismo nas cidades vindos de pessoas que ao mesmo tempo usufruem das suas casas de férias nas ultra-urbanizadas áreas à volta das praias mais apetecíveis. O “sobreturismo” instalou-se nos lugares onde estão os poderes de decisão, a imprensa e as universidades. Os problemas que foram durante décadas (quase meio século, em Portugal) ignorados ou desvalorizados passaram agora a ocupar lugar de destaque na imprensa, na reflexão académica ou na discussão e decisão política. Mais vale tarde, apesar de tudo. Esses problemas são grandes, graves e conhecidos: hiper-inflação temporária e/ou localizada nas zonas mais atractivas dos destinos, escassez e encarecimento da habitação, degradação ambiental e da qualidade de vida, congestionamento de tráfego, infra-estruturas e espaços públicos, concentração da actividade económica e das competências profissionais em produtos e serviços de fraco valor acrescentado, que a longo prazo comprometem os níveis de desenvolvimento económicos e expõem as vulnerabilidades das economias face à volatilidade das dinâmicas turísticas. No entanto, as respostas, mesmo que também conhecidas, são escassas, com limitada utilização e frequentemente voláteis, sujeitas a permanentes processos de revisão de acordo com flutuações dos ciclos políticos: limitação da capacidade dos espaços, “marketing negativo”, limitações nas acessibilidades, restrições temporais no acesso a atrações ou limitação nas infraestruturas de suporte ao turismo, são práticas com ocasional aplicação – e eventualmente bons resultados – mas que estão longe de se constituir como instrumentos para um combate decisivo ao excesso de turismo. Aliás, só depois de longos conflitos com grupos organizados de residentes se passou a regulamentar e restringir a utilização do parque habitacional urbano para alojamento turístico promovido através de plataformas digitais ditas “colaborativas”. Em todo o caso, também há sinais de que estas deslocações dos problemas do turismo para o coração dos centros de decisão política e de produção de conhecimento podem finalmente ter algumas vantagens. Em Barcelona começaram a vigorar desde meados da década anterior mecanismos participativos de planeamento e gestão do turismo que promovem em larga medida o envolvimento da população local, em inusitadas condições de equilíbrio em relação aos grandes e transnacionais poderes económicos do sector. Agora é no Havai, lugar insuspeito de extremismos ou mesmo simpatias esquerdistas: a agência de turismo do governo regional havaiano decidiu não renovar o contrato para gestão e promoção de turística, que prevalecia há mais de um século, com o Centro de Convenções e Visitantes do Havai, organização patrocinada pelas grandes empresas de hotelaria e transporte aéreo – que aliás protestaram a decisão em tribunal. No seu lugar vai fica o “Conselho para o Progresso Indígena Havaiano” (Council for Native Hawaiian Advancement), uma organização não-governamental que trabalha em colaboração com as comunidades locais. Veremos como decidem os tribunais sobre esta súbita, drástica e promissora mudança de estratégia.
André Namora Ai Portugal VozesO crime compensa Em 1970 rebentou uma “bomba” na Alemanha quando um ministro foi acusado de se ter deslocado de férias a Banguecoque e ali ter abusado sexualmente de várias meninas menores. Foi um escândalo, toda a imprensa mundial abordou o assunto. Ninguém fazia ideia o que era a pedofilia e muito menos alguma vez se tinha falado que era possível uma menina menor ser violada por um adulto, especialmente na Tailândia que era visitada por milhões de turistas. Sobre esta matéria apenas tinha vindo a lume poucos casos de abuso sexual por parte de sacerdotes católicos nos seminários. Naturalmente que o ministro alemão foi demitido e nunca mais se deixou de abordar esta matéria da pedofilia. Passaram décadas e foram criadas associações em todo o mundo na defesa das crianças e no desmascaramento de casos de abuso sexual a menores. A pedofilia tem sido ao longo dos tempos um flagelo. Alguns historiadores afirmam que os abusos sexuais com menores já vêm do tempo dos reis e de muitos séculos passados. Simplesmente, tudo era abafado, incluindo esta prática, como a homossexualidade dos monarcas e os amantes que tinham reis e rainhas de quem tinham filhos ilegítimos. Uma longa história na história mundial das relações humanas. O que se passa nos dias de hoje é, ou pelo menos parece, ser muito mais grave. As crianças são tratadas de outra forma. A maioria já não tem os avós para a educar. A maioria vai para casas de amas que os pais mal conhecem sobre a sua vida. A maioria das crianças já não é educada entre parâmetros de moral e de educação sexual. Muitas jovens com apenas 12 anos de idade têm relações sexuais com os namorados. Se ficam grávidas, ou decidem que o filho nasça ou optam pelo aborto, normalmente ilegal. A pedofilia aumentou assustadoramente desde que a internet começou a proporcionar as relações virtuais de qualquer lugar para um simples quarto onde uma jovem de 10 ou 11 anos se encontra em frente a um computador a comunicar com quem pensa ser da sua idade. Hoje em dia, a maior parte dos casos na internet tem deixado as autoridades policiais de bocas aberta. São aos milhares, os homens que criam páginas e identidades falsas e que se fazem passar por jovens da mesma idade para conquistar a confiança da presa. Pedem fotos das meninas despidas e elas enviam. Pedem para ter encontros secretos depois de comunicarem que são um pouco mais velhos que as meninas, e elas são tentadas a experimentar um encontro e aí vão elas para um apartamento onde o adulto abusa e ameaça. Diz-lhes logo se comunicarem a alguém o que aconteceu na cama que podem ficar sem os pais. O susto da criança ou da jovem atinge uma dimensão enorme e de total perplexidade. Algumas das jovens têm tido a coragem de denunciar os abusos, especialmente as mais velhas. O que é verdade indiscutível, é que temos assistido quase todos os meses a notícias em que os pedófilos saem do tribunal para prisão domiciliária ou em liberdade condicionada tendo de se apresentar às autoridades de 15 em 15 dias. Para quê, esta sentença? Sendo assim os pais interrogam-se sobre o que pode acontecer no futuro aos seus filhos que têm 3 ou 5 anos. Há imensas respostas para esses pais, mas fundamentalmente têm de deixar de oferecer computadores aos filhos menores com ligação à net e têm de controlar as horas em que os filhos estão no computador ou no telemóvel. Um psiquiatra afirmou na televisão, que chegada a hora de uma criança dormir, os pais tinham obrigação de retirar o computador ou o telemóvel do quarto dos filhos. Esta medida, segundo um agente da Polícia Judiciária, reduziria em muito os abusos nas comunicações virtuais entre adultos e crianças.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesCrise iminente Podemos viver num mundo sem bactérias nem vírus? Claro que não podemos. Existem muitas bactérias no corpo humano e se as matarmos estamos a matar-nos a nós próprios. Além disso, existem muitos vírus que ainda são desconhecidos. Para evitarmos infecções virais, devemos vacinar-nos e contar com a acção dos anti-corpos produzidos pelo nosso organismo, cuja função é precisamente combater os vírus. Enquanto os cientistas desenvolvem novos medicamentos para combater a covid-19, o vírus que a provoca sofre mutações constantes. A evolução da sub-variante da Ómicron BA.1 para a sub-variante BA.5 foi inesperadamente rápida e não está excluído o aparecimento das sub-variantes BA.6 e BA.7. Talvez que quando os humanos e os vírus se adaptarem uns aos outros, ou quando se inventarem medicamentos específicos, a Covid-19, que tem assombrado o mundo, possa ser eficazmente controlada. Actualmente, os diversos países têm adoptado estratégias diferentes para lidar com esta pandemia. Em alguns deles, a imunidade de grupo é atingida depois de a maioria da população ter contraído a infecção e ter sido vacinada, ao passo de noutros locais se lida com a Covid como com qualquer outra situação infecciosa. Macau, aderiu incondicionalmente à política da China a este respeito, ou seja, a “meta dinâmica de infecção zero”. Cada abordagem resulta de uma avaliação e tem as suas consequências. O actual surto de COVID-19 em Macau ocorreu a 18 de Junho. A RAE de Macau adoptou a medida de “confinamento parcial” a 11 de Julho, tendo entrado no “período de infecção zero” a 18 de Julho, seguido do “período de consolidação da prevenção e controlo”, que começará a 23 de Julho. Depois de um mês de árduos esforços preventivos e de controlo, levados a cabo pelo Governo da RAE, a crise surgiu como seria de esperar. Enquanto a população em geral está grata pelos esforços dos elementos da linha da frente no combate ao surto, a sociedade alberga diversas preocupações em relação à política anti-pandémica do Governo da RAE no que respeita ao actual estilo de vida dos habitantes de Macau. As principais preocupações são: como cuidar das necessidades dos animais de estimação durante o estado de “quarentena parcial” e qual vai ser a assistência do Governo da RAE aos cidadãos que tiveram os seus trabalhos e os seus salários suspensos. Nestes dois aspectos, o desempenho e estratégia do Governo da RAE não estão alinhados com as necessidades dos cidadãos. Os artigos dos jornais e as entrevistas na TV destinam-se prioritariamente à criação de “energia positiva”. No entanto, estas palavras “bem-sonantes” de encorajamento não podem resolver os problemas actuais e tendem a agravá-los. A quantidade de queixas no seio da sociedade de Macau aumenta de dia para dia, e estas queixas não são causadas por forças estrangeiras nem por acções com o objectivo de contrariar a China e perturbar Macau, mas sim causadas por uma má governação. Na verdade, embora os membros do Governo da RAE tenham trabalhado arduamente para elaborar as medidas anti-pandémicas, existe ainda muita margem para aperfeiçoamento destas medidas. Por exemplo, o surto ocorrido no Hotel Parisian (usado para observação médica, foi registada uma cadeia de infecção envolvendo 36 trabalhadores) aconteceu porque o Governo da RAE não aprendeu com o caso semelhante que teve lugar no Golden Crown China Hotel (usado para observação médica) onde os seguranças de serviço contraíram Covid-19. A par disso, as “Medidas de apoio ao combate à epidemia no valor de dez mil milhões de patacas”, destinam-se a “fundos específicos” e ignoram uma quantidade de grupos desfavorecidos da comunidade. Este facto gerou uma divisão de opiniões. Até agora, o Governo da RAE ainda não explicou de forma detalhada a alocação das dez mil milhões de patacas. Esta situação pode ser comparada a um carro de bombeiros que chega a um local de incêndio e opta por não ligar a mangueira de imediato. Em vez disso, os bombeiros têm de auscultar todas as opiniões antes de tomar medidas para extinguir o incêndio. Na sessão de 21 de Julho da Assembleia Legislativa, a alteração para aumentar o Orçamento de 2022 vai ser accionada através de medidas de emergência. No entanto, as medidas específicas do Governo da RAE para benefício da população, tais como a suspensão do pagamento das contas de água e electricidade dos meses de Junho e Julho, não foram claramente definidas na sessão de dia 21 de Julho. Concordo que agora não é o momento para averiguar responsabilidades, mas sim o momento para resolver problemas. É lamentável que as pessoas que levantavam a questão da “prestação de contas” tenham sido “eliminadas”, fazendo com que haja cada vez menos pessoas responsabilizadas. Com as reservas financeiras de Macau a sustentarem a política da “meta dinâmica de infecção zero”, mesmo que os surtos epidémicos em Macau continuem a ser esporádicos, desde que o Governo da RAE use os seus recursos de forma apropriada para melhorar a governação, acredita-se que pode evitar que se desencadeie uma crise na cidade. O Governo da RAE pode certamente durar mais dois ou três anos. Quando o novo Executivo for eleito em 2024, a epidemia de Covid-19 pode já ser coisa do passado, e Macau poderá estar num ponto de viragem. Numa pequena cidade como Macau, mesmo que haja uma crise, não haverá repercussões na situação global. As verdadeiras crises que o mundo enfrenta actualmente são a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, as relações Sino-Americanas e as condições climáticas extremas provocadas pelo aquecimento global. Por outro lado, o assassinato do antigo primeiro-ministro japonês Shinzo Abe anuncia a vinda de outra tempestade política. Acredito que se Ito Hirobumi não tivesse morrido, o destino da China e do Japão teria sido diferente; se Yitzhak Rabin ainda fosse vivo, o processo de paz entre Israel e a Palestina teria tido início há muito tempo. No entanto, a História não é feita de “ses”, mas sim de acontecimentos. Espero que todos os que aprenderam lições com a História saibam que, mesmo quando enfrentamos crises iminentes, temos sempre a possibilidade de impedir que aconteçam.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRecuperar a confiança dos consumidores No momento em que escrevia este artigo, o Governo dava uma conferência de imprensa, onde foi comunicado que entre 18 e 23 de Julho Macau ficaria sujeito ao regime de confinamento parcial. Todas as actividades industriais e comerciais devem ficar suspensas, e só os serviços de primeira necessidade continuam activos. Os supermercados continuam abertos e os restaurantes só podem servir refeições em regime de takeaway. O modelo de testagem obrigatória, testes rápidos diários e testagens gerais de dois em dois dias, mantem-se. O objectivo destas medidas é travar rapidamente a propagação comunitária do vírus. As pessoas poderão retomar a sua vida normal mal seja possível. O surto que ocorreu em Macau em meados de Junho propagou-se à comunidade e o Governo foi obrigado a declarar o confinamento parcial da cidade entre 11 e 18 de Julho. Após a implementação desta medida o número de pessoas infectadas desceu significativamente. Nas últimas testagens universais percebeu-se que havia cada vez menos novos casos. Os números mostram que estas medidas achataram efectivamente a curva de casos comunitários. O confinamento parcial surtiu efeito, o número de infectados desceu significativamente, mas a sociedade está a pagar um preço elevado. As empresas e o comércio estão fechados, os empregados não têm salário e os empregadores ficaram com os seus negócios suspensos. Esta semana, foi implementada a segunda ronda de medidas de confinamento e os prejuízos em termos económicos continuam a aumentar. Durante a conferência de imprensa, o Governo deixou claro que vai rever o Orçamento e discutir com a Assembleia Legislativa o aumento de fundos de assistência às pessoas afectadas. Estas medidas vão compensar as perdas financeiras de empregados e empregadores. Toda a sociedade tem sido afectada desde o surto epidémico. Já não é só uma questão de pessoas que viram os seus negócios suspensos ou os seus salários. Quando a situação normalizar, embora se possa retomar todas as actividades, os negócios não conseguem voltar ao nível que tinham antes do surto. As preocupações da população são muito claras. Durante o confinamento parcial, os negociantes têm as portas fechadas. Embora ao abrigo da Lei das Relações Laborais, o empregador não tenha de pagar salários nestas circunstâncias, as despesas operacionais continuam a existir. Numa situação em que não há qualquer rendimento, apenas despesas, os comerciantes não têm recursos para investir nos seus negócios, e vão tomar medidas para fazer baixar os custos operacionais. Por outras palavras, não haverá contratações, a menos que acreditem que o negócio vai progredir. Os empregados deixaram de ter salário, mas mantêm as despesas familiares, por isso, também vão tomas medidas para reduzir os gastos ao mínimo. Neste contexto, com uma redução geral das despesas, a recuperação económica vai abrandar e todos serão prejudicados. Tendo isto em conta, o apoio do Governo, em conjunto com o aligeiramento da pressão económica sobre empregadores e empregados para que possam dar resposta às suas necessidades básicas, visa a recuperação da confiança dos consumidores e o aceleramento da recuperação económica. A confiança dos consumidores vai dar espaço à sobrevivência da indústria e do comércio, proporcionar o aumento das contratações e beneficiar a população em geral. Os cartões de consumo são uma das hipóteses que os residentes têm ao seu alcance para poderem aumentar os seus gastos neste período. O carregamento dos cartões de consumo beneficia naturalmente toda a população. No entanto, ao abrigo do princípio estipulado no artigo 105 da Lei Básica, que prevê o equilíbrio entre as receitas e as despesas, e considerando as actuais receitas fiscais do Governo, a distribuição de cartões de consumo vai aumentar a carga financeira do Executivo. O confinamento parcial não deixa só os empregadores sem negócios e os empregados sem salários; o mais importante de tudo é que afecta a confiança dos residentes no consumo. Acredita-se que esta confiança enfraquecerá muito num futuro próximo. Os cartões de consumo podem ajudar os residentes de Macau a consumir mais, mas também vão aumentar a carga financeira do Governo. Como manter o equilíbrio nesta situação é a difícil decisão que vai de ser tomada pelo Executivo. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders.yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesProteger os voluntários No passado dia 8, Macau levou a cabo a sexta ronda de testes gerais. Registou-se uma agressão por parte de um estrangeiro a um voluntário. A comunicação social assinalou que o estrangeiro não respeitou a ordem da fila, o que levou à intervenção do voluntário e acabou por dar origem a uma discussão, na sequência da qual o voluntário foi agredido. Posteriormente, a Polícia declarou que o agressor vai ser acusado de conduta criminosa, mais especificamente de – “danos à integridade física”. Este caso não tem muito que saber, mas existem algumas questões que devem ser ponderadas. O surto epidémico em Macau começou em Junho, há cerca de um mês. Desde então realizaram-se várias rondas de testes gerais. Sempre que se realiza uma destas rondas de testes, os residentes passam entre meia hora a uma hora nas filas, o que os deixa ansiosos. Os voluntários que prestam assistência nos postos de testagem trabalham mais de dez horas por dia e têm períodos de descanso muito reduzidos. usam equipamento de protecção, que lhes dificulta as idas à casa de banho. Além disso, quase que não conseguem beber água. Por isso, os voluntários ficam facilmente confusos. A irritabilidade dos residentes, a confusão dos voluntários e a onda epidémica que se está a viver criam condições para mal-entendidos. Para a próxima semana serão realizadas mais três rondas de testes gerais. A situação que cria ansiedade e confusão vai continuar. Devemos tomar medidas para evitar que incidentes deste género voltem a acontecer. Os envolvidos no caso afirmaram que o vão levar até às últimas consequências, e a Polícia vai acusar os agressores de “danos à integridade física “. Estas medidas têm pouco significado prático. Basta pensar, se em Macau, um indivíduo agredir ligeiramente outro, este pode ficar ligeiramente ferido. O agressor será acusado de “danos à integridade física”. Portanto, este método apenas significa que o agressor será alvo de procedimento criminal, circunstância a que todos ficam sujeitos na mesma situação. Este método não cria uma legislação especial para proteger os voluntários; ou seja, este método não leva em consideração que os voluntários estão ao serviço do bem-estar social, e que atacar voluntários é atacar o bem-estar de todos. No exemplo acima apontado, se a pessoa agredida ficar magoada e tiver de ficar em casa durante três dias, pode levantar um processo ao agressor, para ser compensada pelas despesas médicas e pela perda de salário referente aos dias que faltou. Estes são os prejuízos que sofreu na sequência do ataque. A situação dos voluntários é muito especial. O actual sistema de saúde de Macau implica que os residentes têm de pagar parte dos tratamentos e dos exames a que são sujeitos; ou seja, um voluntário agredido enquanto presta serviço a bem da comunidade terá de pagar parte do seu tratamento. Os voluntários não são pagos. Neste contexto epidémico, têm ajudado o Governo a levar a cabo várias rondas de testes gerais e têm-se exposto a um trabalho de alto risco, colocando-se ao serviço da população e procurando trabalhar em prol do bem-estar comum. O voluntariado é um serviço nobre que tem de ser respeitado. Uma vez que não há remuneração, para além de se cobrir as suas despesas hospitalares, que compensação pode um voluntário obter depois de ser atacado? A relação entre os voluntários e o Governo não é uma relação empregador-empregado. Nas relações laborais, os empregadores são regulados por lei e devem adquirir um seguro de trabalho para os seus empregados. Os trabalhadores que sofrem lesões no trabalho podem ser compensados pelo seguro. A compensação mais comum é, naturalmente, a cobertura das despesas hospitalares e dos salários referentes aos dias de baixa, o que não se aplica no caso dos voluntários. De acordo com o actual sistema de saúde de Macau, e na ausência de seguro, o voluntário tem de pagar os seus próprios tratamentos. Embora, em caso de agressão, possa processar o agressor, não pode ser compensado pelos eventuais prejuízos. Por que devemos considerar a questão da compensação para os voluntários? Porque os voluntários servem a população sem qualquer remuneração, trabalham a bem da sociedade e do bem-estar de todos. Se não existir um bom sistema e uma legislação sólida para proteger a segurança dos voluntários, que garanta que terão tratamento adequado e compensação na eventualidade de um incidente, as pessoas vão constatar que “não existe recompensa para o trabalho pelo bem comum e que, se forem atacados, têm de pagar o seu próprio tratamento.” Este cenário só as vai assustar. Quem é que vai querer voluntariar-se de futuro, e continuar a trabalhar em prol da sociedade e do bem-estar comum? Se não houver voluntários, quem é que vai prestar assistência nos postos de testagem? Se ninguém responder ao apelo do Governo, toda a sociedade de Macau vai ser penalizada. Gostavam de ver isto a acontecer? Portanto, esperamos que o Governo considere cobrir as despesas hospitalares e da compra de medicamentos dos voluntários; prestar-lhes toda a assistência possível no decurso do seu trabalho em prol do bem-estar social. O voluntário deve ser valorizado pelo Governo e deve ser respeitado pela sociedade. O Governo deve também considerar a criação de um conjunto de sistemas e de leis sólidas para proteger os voluntários no decurso do seu trabalho em prol do bem-estar social. Esperamos que o voluntário que foi agredido recupere rapidamente, possa voltar a servir-nos a todos, e que possa receber respeito, amor e cuidado por parte da população. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk