Síntese do sexto relatório de avaliação do IPCC sobre as alterações climáticas

António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, no seu discurso na conferência de imprensa para apresentação da Síntese do Sexto Relatório da Avaliação das Alterações Climáticas, em 20 de março de 2023, recorreu à seguinte metáfora: “… a humanidade está sobre uma fina camada de gelo e este gelo está a derreter rapidamente…(Humanity is on thin ice and this ice is melting fast…”).

Para evitar o desastre a que esta figura de linguagem se refere, é imprescindível que a humanidade tome consciência do risco que corre na sua corrida desenfreada para melhorar o Produto Interno Bruto dos Estados ignorando as devidas precauções no que se refere à sustentabilidade da Terra.

Como é do conhecimento do público que acompanha o evoluir dos assuntos relacionados com a sustentabilidade do nosso planeta, nomeadamente no que se refere às alterações climáticas, o acrónimo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) refere-se ao órgão das Nações Unidas incumbido de monitorizar as alterações climáticas, os impactos inerentes a essas alterações, e fornecer aos governos avaliações regulares sobre a evolução do clima. Durante os seus 35 anos de atividade foram elaborados 6 Relatórios de Avaliação (Assessment Reports – AR) da evolução do clima, com a periodicidade aproximada de 6 anos. Além destes foram também publicados 14 relatórios sobre temas específicos.

De acordo com o Relatório Síntese do AR6, as atividades antropogénicas desde há mais de 150 anos, ou seja, desde o início da era industrial, são a principal causa do aquecimento global de cerca de 1,1 ºC acima dos níveis pré-industriais, o que implicou a ocorrência de eventos meteorológicos extremos mais frequentes e violentos, que têm sido a causa de elevadas perdas de vidas e bens.

Como o título indica, este Relatório Síntese consta do resumo das conclusões e recomendações que compõem as três primeiras partes do AR6, já publicadas previamente em 2021 e 2022. Tem como objetivo disponibilizar importante informação e linhas mestras de atuação tendo em vista a mitigação das alterações climáticas e a adaptação da sociedade a essas alterações.

Apesar de ser uma síntese, este relatório, na sua versão para os decisores políticos, consta de 36 páginas (versão em inglês). Vejamos algumas das principais conclusões expressas neste documento, segundo o World Resources Institute:

O aquecimento global de 1,1 ºC, induzido pelas atividades antropogénicas, estimulou alterações no clima sem precedentes na história recente da humanidade.

Os impactos das alterações climáticas sobre a humanidade e ecossistemas são mais generalizados e graves do que o previsto, e os riscos futuros aumentarão rapidamente sempre que haja um aumento de uma fração de grau da temperatura média global.

Para ilustrar esta constatação, pode-se mencionar o facto de cerca de metade da população mundial enfrentar atualmente forte escassez de água, e que o aumento da temperatura é favorável à propagação de doenças transmitidas através de vetores (p. ex. mosquitos, carraças, etc.), como malária, vírus do Nilo Ocidental e doença de Lyme.

As medidas de adaptação às alterações climáticas podem efetivamente contribuir para o aumento da resiliência, mas, para esse efeito, será necessário um maior apoio financeiro.

O IPCC estima que os países em desenvolvimento precisarão de US$ 127 mil milhões por ano até 2030 e US$ 295 mil milhões por ano até 2050 para se adaptarem às alterações climáticas.

Alguns impactos das alterações climáticas são já de tal maneira severos que não podem ser atenuados com recurso a medidas de adaptação, o que implica aumento de perdas de vidas e danos materiais.

Por exemplo, algumas comunidades costeiras viram as suas vidas dificultadas devido à extinção de recifes de corais que lhes garantiam meios de subsistência e segurança alimentar, enquanto outras comunidades foram obrigadas a abandonar os seus terrenos de cultura devido à subida do nível do mar.

As emissões globais de gases de efeito de estufa (GEE) atingirão um pico antes de 2025, se o ritmo de emissões atual não abrandar.

Segundo o IPCC, há uma probabilidade superior a 50% de que a subida da temperatura global atinja 1,5 ºC até 2040, com base em vários cenários e, num cenário de emissões mais intensas, poder-se-á atingir este valor mais cedo, até 2037. Nestas condições o aumento global da temperatura poderá subir para valores entre 3,3 ºC e 5,7 ºC até 2100.

A queima de combustíveis fósseis, causa número um da crise climática, deve ser abandonada rapidamente.

Embora centrais elétricas movidas a carvão estejam a ser desmanteladas na Europa e nos EUA, alguns bancos multilaterais de desenvolvimento continuam a financiar a instalação de centrais deste tipo.

Para garantir um futuro resiliente e com neutralidade carbónica é necessário proceder a transformações urgentes em todo o sistema.

Embora os combustíveis fósseis sejam a principal causa das emissões de GEE, além de se ter de deixar de recorrer à sua utilização, terá de se proceder a cortes drásticos das emissões noutras áreas da atividade humana, como por exemplo a agricultura e a exploração pecuária.

A remoção de carbono da atmosfera é essencial para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 ºC.

Para se atingir a neutralidade carbónica não é suficiente desistir da utilização dos combustíveis fósseis e outras medidas de redução das emissões de GEE. Terá também de se recorrer à remoção do carbono da atmosfera, o que implica, além da intensificação da florestação e outros métodos naturais, o recurso a novas tecnologias para extrair o dióxido de carbono diretamente da atmosfera para o subsolo.

As medidas de adaptação podem efetivamente contribuir para uma maior resiliência, mas é necessário mais financiamento para melhorar as soluções.

De acordo com o IPCC, o financiamento público e privado para produção de combustíveis fósseis tem sido superior ao dirigido para a mitigação das alterações climáticas e a adaptação a essas alterações. Se tudo continuar assim, não serão atingidas as metas globais preconizadas no Acordo de Paris.

As alterações climáticas, assim como os nossos esforços coletivos para a adaptação e mitigação, contribuirão para aumentar a desigualdade, caso não se consiga garantir uma transição justa.

Os efeitos das alterações climáticas atingem mais duramente os países menos desenvolvidos, apesar de terem sido os que historicamente menos GEE emitiram.

De acordo com Relatório Síntese da AR6, ainda é possível limitar o aquecimento global a 1,5 ºC até ao fim do século, conforme o preconizado pelo Acordo de Paris, mas apenas se houver empenho dos governos, setor privado, sociedade civil e todos nós individualmente. A janela de oportunidade ainda está aberta, mas não há tempo a perder.

*Meteorologista

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