A igreja quer esconder os abusos sexuais

Na semana passada Portugal assisti a um acontecimento histórico que decorreu pela primeira vez através da estação televisiva SIC. Em toda a nossa história contemporânea nunca tínhamos visto a imensa coragem que três vítimas de abusos sexuais, por parte de sacerdotes católicos ou freiras, darem a cara publicamente e contar os pormenores dos abusos sexuais de que foram alvo em criança.

É do conhecimento popular, onde me incluo como testemunha, que há muitas décadas que existem abusos sexuais em seminários, em sacristias de igrejas, em casas paroquiais, em confessionários, em colégios internos dirigidos por clérigos, em instituições de acolhimento de menores e em casas alugadas ou da propriedade da Igreja Católica portuguesa. Foram milhares de crianças e jovens que sofreram os maiores desmandos sexuais e que ficaram traumatizados para toda a vida. Em alguns casos, o trauma foi de tão elevada dimensão que levou as vítimas ao suicídio.

As vítimas que vieram dar o seu testemunho sem máscara são hoje adultos. Contaram aos portugueses que os abusos de padres e freiras ultrapassaram o inimaginável. No seminário de Santarém, uma das vítimas com apenas 12 anos era abusada por um sacerdote todas as noites. A este propósito, a Igreja deu luz verde à criação de uma comissão “independente” que apresentou um relatório que brada aos céus e onde mais de 400 vítimas de abusos sexuais prestaram os seus depoimentos. Esse relatório final foi entregue à Conferência Episcopal, presidida pelo bispo José Ornelas, o qual tal como o patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, diminuíram a importância de tudo o que foi descrito pelos amargurados que sofreram e sofrem os males que lhes foram feitos. Chegaram mesmo a afirmar que a justiça trataria de investigar e que os responsáveis pela Igreja portuguesa nada podiam fazer sem provas. Mas, quereriam esses senhores mais provas do que foi dado a conhecer por parte das vítimas? Quereriam filmes, fotografias ou as feridas com que tantas mulheres ficaram? Esses responsáveis sabem bem tudo sobre as queixas que inúmeras vítimas realizaram ao longo de anos junto dos chefes das dioceses onde tinham acontecido os abusos e nem respostas obtiveram. Soube-se apenas que mudaram os sacerdotes abusadores para outra paróquia e nunca foram expulsos da sua função sacerdotal ou presos por decisão de tribunais. O testemunho na televisão deixou os portugueses de lágrimas nos olhos. Uma das declarantes afirmou que não optou por ter um filho com receio que esse nado viesse a sofrer o que ela sofreu. Algumas das vítimas gastaram ao longo da vida rios de dinheiro em medicamentos, psiquiatras e psicólogos. E mesmo assim, quando se abordou o tema de as vítimas serem indemnizadas, a resposta que nos foi dada a conhecer por parte da Igreja é que não teriam o dinheiro suficiente para tal. Acontece que em Portugal nem se cumpre a palavra contundente do Papa Francisco que tem demonstrado a sua repulsa pelos abusadores e tem manifestado que todos têm de ser afastados da Igreja Católica. O Papa Francisco tem apoiado também a ideia de que as vítimas têm de ser ressarcidas do sofrimento que as atingiu. Em vários países já foram pagas às vítimas de abusos sexuais quantias avultadas e até já se verificou que em alguns países a Igreja vendeu património para poder pagar às vítimas.

A Igreja portuguesa não tem dinheiro? Como é possível defender essa tese se a Igreja portuguesa é possuidora de uma riqueza incalculável, é proprietária de um vasto património de quintas e de imóveis. Tem em Fátima um recipiente na Capela das Aparições que enche diariamente de ouro e notas incontáveis. Fátima proporciona uma riqueza anual de milhares de milhões de euros à Igreja portuguesa. Sabemos de centenas de idosas e idosos que deixam em testemunho todo o seu riquíssimo espólio de propriedades e de dinheiro em contas bancárias à ordem da Igreja. Como é que se atrevem a afirmar que não têm dinheiro se, mesmo ao pé da rua onde resido existe uma vivenda enorme de luxo com um jardim de grande dimensão e onde as freiras que lá residem possuem automóvel topo de gama e ainda alugam quartos a estudantes? E este facto acontece por todo o país.

A Igreja portuguesa perde mensalmente fiéis, crentes que deixam de frequentar as igrejas desde que vieram a lume as notícias de factos concretos de abusos sexuais por parte de sacerdotes ou freiras. As vítimas são o cerne da questão. São hoje mulheres e homens cujo sono não existe no seu organismo. Choram sempre que recordam o que lhes foi feito e alguns vivem com as maiores dificuldades ou estão desempregados com reformas de miséria. E nesta situação a Igreja portuguesa ainda põe em causa se vai ou não contemplar as vítimas com as indemnizações que viessem a ser declaradas como justas?

Infelizmente, os abusos sexuais a crianças e jovens continuam no nosso país e recordemos que o caso Casa Pia foi de uma gravidade extrema, mas apenas dois ou três dos muitos meliantes foram justiçados. Casos como o da Casa Pia de Lisboa aconteceram por várias cidades, incluindo na Casa Pia de Évora e os dirigentes da Igreja continuam a tentar esconder o óbvio. Para vergonha máxima da Igreja foi criada recentemente uma comissão com elementos escolhidos pelos responsáveis da Igreja, cuja comissão teve o desplante de dizer que a mesma se destinava a apoiar as vítimas e os abusadores. Os abusadores? Total surrealismo e revolta absoluta de quem não pode ouvir tal desiderato vergonhoso.

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