Hoje Macau Vozes50 anos do 25 de Abril – Memória e Esquecimento Entre memória e esquecimento a necessidade de preservar locais simbólicos em prol da liberdade e democracia de natureza essencialmente educativos e de formação cívica para que não se esqueçam as atrocidades cometidas por um sistema político repressivo de uma ditadura fascista que durante 48 anos amordaçou Portugal Por Nuno Pereira, jurista “ABANDONO” 1 De David Mourão-Ferreira (1962) Por teu livre pensamento Foram-te longe encerrar. Tão longe que o meu lamento Não te consegue alcançar. E apenas ouves o vento E apenas ouves o mar. Levaram-te, a meio da noite: A treva tudo cobria. Foi de noite, numa noite De todas a mais sombria. Foi de noite, foi de noite, E nunca mais se fez dia. Ai! Dessa noite o veneno Persiste em me envenenar. Oiço apenas o silêncio Que ficou em teu lugar. E ao menos ouves o vento E ao menos ouves o mar Ao menos ouves o vento Ao menos ouves o mar No dia 25 de Abril de 1974 tinha eu onze anos de idade e, naturalmente, ainda sem as necessárias capacidades para entender e compreender o importante significado da “Revolução dos Cravos” tive (e sofri) no final desse mesmo ano uma das consequências mais dramáticas passadas por mais de quinhetos mil portugueses que regressaram a Portugal vindos das ex-colónias no âmbito do processo de descolonização – os chamados retornados – embora muitos deles na qualidade de refugiados, visto que até então nunca tinham residido na chamada “Metrópole”. Esse acontecimento foi sem dúvida o facto mais marcante da minha vida no período após o 25 de Abril e que mais tarde despertou a minha curiosidade para tentar entender e compreender a descolonização que foi um dos chamados “três Dês” do programa do Movimento das Forças Armadas (MFA): “Descolonizar, Democratizar, Desenvolver”. O colonialismo e a guerra colonial portuguesa foi sem dúvida um dos temas mais interessantes em relação ao qual tenho procurado alguma informação e mesmo já havendo alguma relevante continua a ser ao fim destes 50 anos do 25 de Abril um dos temas tabus da sociedade portuguesa e cuja memória ainda não está devidamente tratada de uma forma sistematizada e global, dando a ideia que se quer esquecer para que as gerações futuras dela não tenham conhecimento porque segundo se diz, ainda existem muitas feridas abertas e receio que as fechadas voltem a ser reabertas. Contudo, decorridos 50 anos após o 25 de Abril e convidado a reflectir sobre alguns dos temas mais relevantes durante esse período veio-me à lembrança, para além daquele já referido que mais marcou a minha juventude com o retorno a Portugal vindo de Angola onde nasci e por tudo aquilo por que passei como retornado, bem como toda a problemática da integração social num país e gentes que pouco conhecia, foi o facto de o meu pai antes de ter falecido me ter confessado nas nossas saudosas conversas o facto de após ter cumprido o serviço militar obrigatório ter prestado provas, quase em simultâneo, como era como era comum nesse tempo, para ingresso nos quadros da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE)/Direção-Geral de Segurança (DGS) e da Polícia Judiciária (PJ), tendo felizmente ingressado nesta instituição onde acabou por realizar toda a sua carreira profissional até ser aposentado. Esse facto – ter o meu pai concorrido mas não ingressado na PIDE/DGS porque os resultados do concurso da PJ apenas foram publicados antes dos daquela polícia política – levou-me a efectuar um estudo mais aprofundado da PIDE/ DGS e das suas prisões privativas que fizeram parte de um sistema político repressivo muito mais amplo e do qual faziam parte integrante outras instituiçõers como a Censura e os Tribunais Plenários na luta contra todos aqueles que se opunham ao regime fascista e que foram perseguidos, torturados e até mortos. É dessa memória que eu quero deixar o meu testemunho para que não seja esquecida neste meu país, a qual tem de ser registada para memória futura para conhecimento das actuais e futuras gerações. E só passados 50 anos do 25 de Abril foi no dia 27 de Abril de 2024 inaugurado o Museu Nacional Resistência e Liberdade (MNRL) na Fortaleza de Peniche, a qual tinha sido convertida, em 1934, pelo salazarismo, em “prisão política de máxima segurança”. De passagem por Portugal tive o privilégio de poder assistir a essa inauguração e compreender o sugnificado que teve para todos aqueles que lutaram por tamanho projecto ao longo destes anos destacando, para além de outras pessoas singulares ou colectivas, a União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP). Graças à luta de antifascistas ainda vivos apoiados pelos seus familiares e amigos conseguiram evitar que a Fortaleza de Peniche fosse transformada num hotel de luxo e apagada mais uma memória importantíssima como infelizmente aconteceu com a sede da antiga polícia política PIDE/DGS situada no número 22 da Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, que foi transformada num condomínio de luxo, perdendo-se a oportunidade de transformar esse espaço num memorial que registasse a repressão política durante o Estado Novo. O Museu do Aljube Resistência e Liberdade, criado em 2015, constituiu um bom exemplo inspirador para a preservação dessa memória e é dedicado à memória do combate à ditadura e à resistência em prol da liberdade e da democracia, o qual “veio preencher uma lacuna no tecido museológico português, projetando a valorização dessa memória na construção de uma cidadania responsável e assumindo a luta contra a amnésia desculpabilizante e, quantas vezes, cúmplice da ditadura que enfrentámos entre 1926 e 1974”. Apesar do exíguo espaço que ocupa e do riquissímo património que faz parte do seu espólio está muito bem organizado e numa das visitas que efectuei tive a agradável surpresa de constatar a presença de um número muito significativo de visitantes estrangeiros individuais ou em grupo. A exposição de longa duração do Museu do Aljube apresenta aos visitantes a história do edifício, a caracterização do regime ditatorial português (1926-1974), os seus meios de repressão e opressão, assim como a resistência das oposições e da luta anticolonial e os movimentos independentistas de libertação, até ao derrube da ditadura e o 25 de Abril de 1974. Podendo ser criticável o turismo político porque existem valores que não podem e nem devem ser mercantilizados, pode, no entanto, constituir uma das formas mais viáveis de salvaguardar o património histórico, social e cultural para fomentar os valores da liberdade e da democracia e que não deixem esquecer e apagar as atrocidades cometidas por uma ditadura de 48 anos que submeteu Portugal e os portugueses a um dos sistemas políticos mais opressivos e repressivos do Século XX. No dia 27 de Abril de 2024, a Fundação José Saramago (FJS) organizou um passeio intitulado “Visita a Peniche: Uma prisão levantada em museu” com o objectivo final de participar na inauguração do Museu Nacional Resistência e Liberdade (MNRL), mas antes desta cerimónia de inauguração deram início pela primeira vez a uma futura grande rota do 25 de Abril com o percurso “Antes da Liberdade, o fascismo passou por aqui”, a partir de algumas obras de José Saramago e de testemunhos, percorremos locais da repressão fascista em Lisboa. Iniciativa que, segundo as organizadoras, deverá continuar a ser realizada regularmente no âmbito das actividades da Fundação José Saramago (FJS). Na passagem pela anterior sede da PIDE/DGS situada na Rua António Maria Cardoso n.º 22 em Lisboa, agora um condomínio de luxo, na parte exterior da fachada do edifício apenas está afixada uma placa de mármore que um grupo de cidadãos anónimos instalou em 1980, com a seguinte gravação: “Aqui, na tarde de 25 de Abril de 1974 a PIDE abriu fogo sobre o povo de Lisboa e matou: Fernando C. Giesteira, José J. Barneto, Fernando Barreiros dos Reis e João Guilherme R. Arruda. Homenagem de um grupo de cidadãos. 25-4-1980”. Este acontecimento foi recentemente registado no filme “Revolução (sem) Sangue” (2024) de Rui Pedro Sousa, que veio colocar em causa o mito da Revolução sem Sangue, o qual tem sido perpetuado através de discrusos políticos na memória e consciência colectiva do povo português. Pessoalmente, foi um privilégio ter tido a oportunidade de participar na referida iniciativa, a qual me permitiu testemunhar a importante materialização da memória da ditadura fascista num espaço real e simbólico para a sua perpetuação com a instalação do Museu Nacional Resistência e Liberdade (MNRL) na Fortaleza de Peniche. O Museu Nacional Resistência e Liberdade (MNRL) é desde logo classificado como um museu nacional, portanto, não circunscrito apenas à Cadeia do Forte de Peniche que teve como objectivo inicial o encarceramento de presos políticos e tem por missão “investigar, preservar e comunicar a memória da Resistência ao regime fascista português, a partir dos testemunhos e experiências daqueles e daquelas que lutaram pela Liberdade e pela Democracia” e “Resistência e Liberdade” é o título da exposição que assinala a inauguração do Museu com o objectivo de transmitir às gerações mais jovens e às futuras “a ideia de que a liberdade conquistada a 25 de Abril de 1974 é um desígnio comum”. A criação do Museu Nacional Resistência e Liberdade (MNRL) veio colocar Portugal no roteiro internacional dos chamados Museus de Memória, evocativos de lutas travadas em nome da liberdade e dos direitos humanos. Depois de terem passado de 50 anos sobre a Revolução dos Cravos já existe algum distanciamento temporal suficiente para que o 25 de Abril possa ser tratado de uma forma mais científica com base em factos e testemunhos entretanto recolhidos que permitam, de uma forma o mais objectiva possível, descrever o terrível sistema político opressivo então vigente deixando eventualmente espaço a todas as possíveis e divergentes interpretações desses factos dada a complexidade desta temática em termos políticos e ideológicos. A memória da ditadura deve converter-se em tema de musealização com a abertura de espaços museológicos que a preservem e o 25 de Abril é um fenómeno potenciador do turismo político e pode ser aproveitado se tiver um cariz de natureza essencialmente educativo e de formação cívica para as actuais e futuras gerações e o Museu Nacional Resistência e Liberdade (MNRL) passou a constituir um extraordinário espaço museológico de memória e homenagem à resistência e à luta antifascista de todos aqueles que estiveram presos, foram tprturados e até morreram nas cadeias políticas do fascismo no Aljube, nos Fortes de Caxias e de Peniche ou no Campo do Tarrafal, na ilha de Santiago, no arquipélago de Cabo Verde. Na passagem dos 50 anos do 25 de Abril fica aqui esta breve nota para que entre a memória e o esquecimento seja ainda possível registar o conhecimento actual de um cruel e poderoso aparelho repressivo fascista a que o povo português esteve submetido durante uma ditadura fascista de quarenta e oito anos que o golpe militar dos “Capitães de Abril” derrubou e que com o extraordinário apoio popular logo manifestado nesse dia inicial inteiro e limpo permitiu a “Revolução dos Cravos”, deixando aqui a minha singela homenagem aos que sacrificaram a liberdade e a vida na luta pela democracia na passagem dos 50 anos da libertação dos presos políticos que ocorreu no dia 27 de Abril de 1974 e que no dia 27 de Abril de 2024 ficou assinalado com a inauguração do Museu Nacional Resistência e Liberdade na Fortaleza de Peniche. 1. Cantado por Amália Rodrigues com música de Alain Oulman e que ficou conhecido como “Fado de Peniche”.
André Namora Ai Portugal VozesO Mel(r)o dos Deliquentes PRESIDENTE DO DESAGRADO Marcelo Rebelo de Sousa está na berlinda e no desagrado dos portugueses. Tem tomado posições absolutamente irresponsáveis e que ultrapassam as suas funções como Presidente de todos os portugueses. Primeiramente deixou toda a gente perplexa ao falar perante cerca de quarenta jornalistas estrangeiros dizendo que Portugal teria de pagar às nossas ex-colónias a escravatura e os roubos que foram feitos ao longo do colonialismo. A história não se pode alterar e nem pensou o que de bom deixámos construído nos novos países africanos, em Timor-Leste e em Macau. Pagarmos o quê, se nenhum presidente desses novos países reivindicou absolutamente nada. E qual escravatura? A de Álvares Cabral, a de Mouzinho de Albuquerque, a de Vasco da Gama ou a de Kaúlza de Arriaga, António Spínola e Costa Gomes? Os próprios directores dos museus portugueses já vieram a público manifestar que não existe nada para devolver. Marcelo não pensou nos militares mortos na guerra colonial para onde foram obrigados a ir pelo regime fascista. Marcelo nem pensou no que teríamos de reivindicar à França pelas invasões que levou a efeito onde escravizaram, violaram e pilharam tudo o que havia de valor; à Itália pelo que os romanos escravizaram e roubaram no nosso país e à Espanha por tudo o que foi executado no reinado invasor dos reis Filipes. Marcelo abriu uma caixa de Pandora que poderá ser um bico de obra sem fim. E terminou a semana passada em Cabo Verde com uma lição de dignidade por parte do Presidente daquele país que afirmou que estes assuntos não se discutem na praça pública. Mas, Marcelo fez mais: demonstrou um tipo de racismo ignóbil quando denominou Luís Montenegro como um “rural” e António Costa como “oriental”. E mais: depois de ter executado com a procuradora-Geral da República a queda do governo socialista de maioria absoluta, veio chamar à procuradora-Geral de “maquiavélica”. O povo português não se revê neste tipo de presidência absurda e as críticas ao seu comportamento choveram de todos os quadrantes. PINTO DA COSTA TERMINOU O REINADO Infelizmente da pior maneira. Um homem que fica na história do FC Porto pelos seus 42 anos à frente do clube e que entre os defeitos e virtudes conseguiu transformar um clube regional em internacional, devia ter saído pela porta grande e nunca se ter recandidatado a mais um mandato. Obteve uma estrondosa derrota de André Villas-Boas de cerca de 80 por cento dos votos dos sócios portistas e vai-se embora sem deixar que um determinado movimento no interior do clube concluísse o desejo em denominar o estádio do dragão com o seu nome. O reinado de Pinto da Costa teve méritos e desméritos, deu luz verde a uma claque violenta e que actuava à margem da lei, tentou manobrar as arbitragens tendo sido alvo de um processo-crime chamado “Apito Dourado”, permitiu que um treinador arruaceiro comandasse os destinos do clube e da SAD, sendo o treinador mais vezes expulso pelas arbitragens, deixou as finanças do clube com graves problemas de negativismo e mais não digo. Em contrapartida conseguiu que o FC Porto conquistasse dezenas de troféus, nomeadamente a Taça dos Campeões Europeus e a Taça Intercontinental. Pinto da Costa ficará na história do FC Porto, mas não em tudo pelas melhores razões. O MEL(R)O DOS DEFICIENTES Nuno Melo é ministro da Defesa. Ninguém consegue explicar esta nomeação. O senhor não tem qualquer capacidade para um cargo desta importância. As Forças Armadas debatem-se com o problema grave de falta de efectivos nas suas fileiras e o chefe do Estado-Maior da Ar mada, almirante Gouveia e Melo, bem como outras figuras militares de topo salientaram que uma das soluções poderia ser o serviço militar obrigatório. Nuno Melo respondeu que a ideia era um absurdo e que nunca proporia tal medida, entrando de imediato em litígio com a família militar. Como ministro da Defesa ainda não teve uma palavra sequer a favor do melhoramento salarial dos militares e das condições materiais em que se encontra a Força Aérea, a Marinha e o Exército. Nuno Melo acaba de deixar a perplexidade total nos portugueses quando a sua incompetência foi sustentada em adiantar a ideia de que os jovens que se encontram institucionalizados por delitos criminais poderiam resolver o problema da falta de pessoal nas Forças Armadas. Nuno Melo até desconhece que para se integrar as Forças Armadas os mancebos têm de possuir um registo criminal absolutamente limpo. Com uma agravante: a ministra da Administração Interna veio logo em defesa das ideias de Nuno Melo e sublinhando que se tratava do que o Governo poderia decidir. O Governo de Luís Montenegro tem alguns membros de incompetência viral e que já provocaram alguns casos e casinhos. Tem de pensar em governar e cumprir o que prometeu em campanha eleitoral e no Programa do Governo. Sobre o IRS já meteu água e está claro para toda a gente que as suas medidas só protegem os possuidores de mais riqueza. Neste mês de Maio os pensionistas já vão receber menos pecúlio e os tempos de Passos Coelho começam a amedrontar os mais desprotegidos. Nas Finanças está uma guerra aberta entre o actual ministro e o seu antecessor, onde vergonhosamente o povo assiste a um diferendo sobre as contas públicas que nunca poderia acontecer na praça pública. A única ideia que nos fica é que toda esta gente que se senta na Assembleia da República já anda em campanha eleitoral para as eleições europeias. E isso, é triste.
Olavo Rasquinho VozesInjustiça climática É incontestável que o ano 2023 foi o mais quente desde que há registos. A temperatura do ar e da superfície dos oceanos atingiu os valores mais altos, durante onze meses, desde o início da era industrial. Trata-se de uma realidade comprovada pela monitorização permanente dos parâmetros meteorológicos em milhares de estações meteorológicas espalhadas pelo globo. Apesar das muitas conferências e acordos sobre o clima promovidos pelas Nações Unidas, nomeadamente o Protocolo de Quioto, o Acordo de Paris e das 28 conferências das partes (COP – Conferences Of the Parties) a concentração dos gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera, resultante da queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão), continua a aumentar. E não é apenas a Organização Meteorológica Mundial que testemunha esta realidade, mas também muitas outras instituições e programas internacionais, nomeadamente o designado Copernicus 1. Durante o ano transato o planeta foi vítima de vagas de calor intensas, secas severas, tempestades violentas, inundações catastróficas, numerosos incêndios florestais, tendo ocorrido na Grécia o maior incêndio florestal de sempre na União Europeia, consumindo cerca de 96.000 hectares de floresta. Os oceanos continuaram a aquecer, em especial o Oceano Glacial Ártico, cujo aquecimento, o mais acentuado à escala global, tem acelerado a fusão do gelo marítimo. A atmosfera, cada vez mais quente, contém maior quantidade de vapor de água, o que contribui para o reforço do efeito de estufa. Este vapor em excesso, arrastado pela circulação geral da atmosfera, reforça a intensidade das tempestades, tornando-as mais violentas e destruidoras. O vapor de água, ao condensar, provoca precipitação e libertação de calor latente de condensação, o que contribui para o aumento da energia cinética que, por sua vez, intensifica o vento. O aumento da concentração de gases poluentes na atmosfera, além dos impactos climáticos, são também causa da morte de milhões de pessoas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 6,7 milhões de mortes prematuras são devidas à poluição atmosférica, incluindo a proveniente de atividades domésticas. Entre as doenças mais frequentes contam-se a doença cardíaca isquémica, acidente vascular cerebral, doença pulmonar obstrutiva crónica e cancro do pulmão. Já vão longe os tempos em que tiveram de ser tomadas medidas drásticas para acabar com o smog 2 em Londres, causado por partículas em suspensão na atmosfera, que constituíam o fumo proveniente da queima do carvão em lareiras domésticas e fornos industriais, as quais, conjuntamente com as gotículas de água que formam o nevoeiro davam origem a uma amálgama que envenenava os pulmões dos londrinos. Episódios de smog eram comuns em Londres desde o início da revolução industrial. Há até quem tivesse justificado a não captura de Jack, o Estripador (Jack, the Ripper), assassino em série não identificado que aterrorizou os londrinos durante parte das duas últimas décadas do século XIX, pelo facto de se escapar facilmente, dissimulado pelo denso smog. Sobre este assunto, é oportuno relembrar um episódio de poluição extrema, que em poucos dias vitimou cerca de 12.000 pessoas. Trata-se do acontecimento histórico conhecido por Great Smog, que ocorreu em Londres entre 5 e 9 de dezembro de 1952. O chamado Clean Air Act de 1956, que consistiu numa lei do Parlamento do Reino Unido com a finalidade de reduzir a poluição, contribuiu grandemente para acabar com o smog. Trata-se de um exemplo ilustrativo de que a aplicação de uma simples decisão burocrática acabou praticamente com essa calamidade. Constitui também um bom exemplo de sucesso a aplicação de medidas preconizadas por acordos internacionais, o facto de o chamado “buraco de ozono” 3 ter diminuído de intensidade devido à entrada em vigor do Protocolo de Montreal (1987), que consistiu num acordo para proteger a camada de ozono estratosférico, que constitui uma espécie de filtro da radiação ultravioleta prejudicial. Referências: 1. Copernicus – Programa de Observação da Terra da União Europeia, através do qual se procede à observação e análise do nosso planeta com recurso a satélites e a equipamentos em terra e no mar. É coordenado pela Comissão Europeia, em parceria com os Estados-Membros, a Agência Espacial Europeia (ESA – European Space Agency), a Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos (EUMETSAT – European Organisation for the Exploitation of Meteorological Satellites), o Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo (ECMWF – European Centre for Medium-Range Weather Forecasts), outras agências da União Europeia e a organização internacional Mercator Ocean. 2. Smog – palavra proveniente da junção de “smoke” (fumo) e “fog” (nevoeiro). 3. Buraco do Ozono – designação adotada pelos media, na década 1970, para as zonas da ozonosfera onde o ozono foi parcialmente destruído devido á ação dos clorofluorcarbonetos amplamente utilizados em aerossóis e frigoríficos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesNem Hamastão nem Fatahstão (II) “The purely “military” or “undiplomatic” recourse to forcible action is concerned with enemy strength, not enemy interests; the coercive use of the power to hurt, though, is the very exploitation of enemy wants and fears”. The Diplomacy of Violence – Thomas Schelling Mais problemático ainda para o Estado judaico seria o regresso ao poder do movimento islamista armado através de eleições nos Territórios Palestinianos. Um regresso que é tanto mais real quanto mais fraca for a ANP, sua rival. Em suma, o plano não poderá impedir um regresso ao status quo antes de 7 de Outubro de 2023. Quanto às reacções das facções palestinianas, pouco se sabe. No entanto, é seguro supor que o ramo político do Hamas poderia não se opor, uma vez que recuperaria o seu papel e as suas funções do pós-guerra, tanto em Gaza como na Cisjordânia. Em vez disso, é evidente que as facções armadas o rejeitam. Preferem a guerra total e o martírio à maneira de Deus “não à retirada israelita e à libertação dos presos políticos”. O ANP, “não vê com bons olhos um governo de técnicos que não controlaria”. Em vez disso, um possível plano israelita tomou forma sob a direcção do ministro da Defesa Yoav Gallant. Apresentado em 4 de Janeiro à imprensa, ainda antes do Conselho de Ministros, reitera os parâmetros de segurança a médio e longo prazo acima referidos, que o Estado de Israel imporá na Faixa de Gaza “até que estejam reunidas as condições para a sua retirada indefinida, ou seja, a pacificação completa e a desmilitarização total dos territórios palestinianos”. Com isto em mente, Gallant passa a conceber os contornos de uma administração civil amiga de Israel capaz de garantir a prestação de serviços, a lei, ordem e a reconstrução. Prevê que seja composto por chefes tribais e personalidades locais, excluindo a participação do Hamas e da ANP. A ideia não contradiz os desejos de Netanyahu e segue a linha do plano de Mordechai Kedar, um académico de direita da Universidade de Bar-Ilan, conhecido como “Emirado Palestiniano” ou também “Oito Estados”. Se o plano de Kedar previa, em 2012, a criação de oito emirados na Cisjordânia, para além do emirado de Gaza, o plano de Gallant divide Gaza em oito a nove províncias, cada uma governada por uma determinada tribo, todas sob o controlo de uma administração civil central que funciona sob a supervisão e os auspícios de Estados como os Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos, Egipto, Arábia Saudita e a UE. A presidência deste grupo de Estados, bem como a da sua componente técnica responsável pela reconstrução, será americana. O plano não obteve apoio no seio do governo israelita e muito menos na esfera palestiniana. Pelo contrário, provocou uma resposta dura do Comissário Geral da Alta Autoridade para Assuntos Tribais na Faixa de Gaza, Akef Al-Masry e a rejeição categórica da ANP na Cisjordânia. Todos determinados a rejeitar as intenções israelitas de dividir o campo palestiniano, de enfraquecer a sua resistência à ocupação e de separar o governo de Gaza do da Cisjordânia, privando-o de qualquer tipo de soberania. A visão americana do pós-guerra parece estar ainda em fase de “definição”. Alguns detalhes surgiram, no entanto, durante a visita do Secretário de Estado Antony Blinken à região em Janeiro passado, a quarta desde o início do conflito. No clima de tensão palpável com o aliado israelita, as reuniões do Secretário de Estado americano confirmaram, antes de mais, a dificuldade da administração Biden em equilibrar o apoio à destruição militar e política do Hamas com a exigência de negociar a libertação dos reféns, de minimizar os danos à população e às infra-estruturas civis em Gaza, de permitir o regresso dos deslocados ao norte da Faixa e de iniciar o planeamento da reconstrução. Não é claro se as suas exigências, também ditadas por uma forte pressão interna e internacional para mudar a face de um conflito devastador, também estão subjacentes às dúvidas americanas sobre a capacidade de Israel para atingir o objectivo primário da destruição total do Hamas e aos receios de uma expansão da guerra ao Líbano, Síria, Iraque e Iémen. Mas a mensagem israelita ao seu aliado americano confirma que a segurança de Israel, tal como entendida pelos seus dirigentes políticos e militares, não é negociável. Ainda mais problemática é a centralidade que a ANP teria aos olhos da administração americana num provável período de pós-guerra sem o Hamas. É de perguntar qual será a capacidade de auto-reforma da antiga liderança política e qual será a legitimidade da nova liderança se as políticas israelitas de colonização da Cisjordânia continuarem e se o seu regresso à Faixa desmilitarizada e destruída estiver sujeito à aprovação israelita? Além disso, os Estados Unidos ainda não reabriram o seu consulado em Jerusalém nem permitiram que a OLP reabrisse a sua missão diplomática em Washington, ambos encerrados pelo então Presidente Donald Trump. Por fim, o constante apelo americano a uma solução de dois Estados com base nas resoluções 242 e 338 da ONU dá azo à esperança de que não se trate de um horizonte político a ser alcançado nos moldes das intermináveis negociações de Oslo. Para que um tal processo político seja aceitável para a opinião pública palestiniana e árabe, segundo o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros jordano Marwan Muasher, é necessária uma abordagem inversa à de Oslo. Partindo do princípio de que um Estado da Palestina contíguo e soberano ainda pode emergir e unir Gaza à Cisjordânia, Muasher afirma que a diplomacia internacional terá de reconhecer, através de uma nova resolução do Conselho de Segurança da ONU, que “o fim da ocupação israelita e o estabelecimento do Estado da Palestina constituem o objectivo primordial das negociações que se desenvolverão em fases específicas e durante um período de três a cinco anos”. Este processo exigirá igualmente uma nova liderança, tanto israelita como palestiniana, legitimada por eleições e apoiada por um consenso popular para prosseguir o objectivo primordial das negociações. No entanto, as condições actuais não são propícias ao início de quaisquer negociações. O Conselho de Segurança da ONU está paralisado. As partes beligerantes não estão em condições de chegarem a um acordo a curto ou médio prazo, mais depois do ataque concertado do Irão e Hezbollah dia 13 de Abril e aplaudido pelo Hamas. Os seus objectivos estratégicos respectivos estão ainda longe de ser alcançados. A violência e a guerra radicalizaram as suas opiniões públicas e minaram gravemente a sua “confiança” numa coexistência pacífica e duradoura. Neste contexto local e internacional, o Secretário de Estado dos Estados Unidos tenta jogar a carta regional da normalização das relações dos Estados árabes com Israel, a fim de induzir este último a abrandar o bombardeamento maciço de Gaza e a considerar um futuro Estado da Palestina com o campo palestiniano moderado, ou seja, a ANP reformada. (continua)
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDeclarações românticas Recentemente, a imprensa de Hong Kong divulgou uma notícia especial. O comandante de uma companhia aérea polaca saiu do cockpit, apresentou-se através dos altifalantes e anunciou o seguinte “Neste voo está alguém muito especial. Senhoras e senhores, há cerca de um ano e meio, conheci neste trabalho a pessoa mais incrível e isso mudou a minha vida”. Antes de iluminar com um sorriso os olhos marejados de lágrimas, apoiou um joelho no chão em frente a uma das hospedeiras e declarou: “És o meu maior tesouro e tornas os meus sonhos realidade. Aceitas casar comigo?” Esta breve e sincera declaração fez a hospedeira sorrir de felicidade e, de seguida, aceitou o pedido com um aceno de consentimento. Nesse momento, enquanto os passageiros iam aplaudindo, a hospedeira lançou-se nos braços do comandante e disse a palavra sacramental: “Aceito”. Depois da entrega do anel, os dois beijaram-se enquanto os passageiros aplaudiam e os abençoavam. Os que estavam sentados mais longe perguntaram em voz alta, “Ela aceitou?” E o comandante gritou feliz, “Aceitou!” Depois revelou que se tinham conhecido num voo para a cidade de Karkow, por isso tinha decidido pedi-la em casamento no mesmo voo. Circulam na Internet pedidos de casamento surpreendentes, a saber: 10 declarações românticas, que incluem aventura, parques temáticos, viagens, estadias à beira-mar, concertos, estadias em casas normais, vídeos para memória futura, pedidos do porta-bagagens e pedidos no local do primeiro encontro. O pedido de casamento do comandante seguiu este último modelo – no local do primeiro encontro. Como o nome indica, estes pedidos não são difíceis de entender. Mas o pedido no porta-bagagens é muito especial. Quando o noivo abre a bagageira, saem lá de dentro, em direcção às alturas, enormes quantidades de balões e simultaneamente surge um enorme bouquet de rosas encimado pelo anel de noivado. A proposta da bagageira torna indispensável a existência de um carro, de um bolo, balões, rosas e de um anel de noivado. Se juntarmos a tudo isto uma bela declaração e canções, e mais importante do que tudo – dois corações sinceros, teremos sem dúvida o pedido de casamento perfeito. Para já, não sabemos o que o futuro reserva à hospedeira e ao comandante depois do casamento. A taxa de divórcios em Hong Kong e em Macau tem sido alta nos últimos anos. Depois das felizes cerimónias de noivado, acontecem sempre muito divórcios desagradáveis. Quer se trate de um conflito mais grave ou de incompatibilidades da forma de estar, os casais ficarão frustrados se não falarem um com o outro depois de cada discussão, facto que pode dar origem a um divórcio. Porque é que estes problemas, que não existiam durante o namoro, surgem depois do casamento? Muitos especialistas matrimoniais assinalaram que o namoro é romântico porque tanto o homem como a mulher querem passar momentos felizes um com o outro, e não olham muito a despesas para o conseguir. Mas depois do casamento, a vida em comum comporta muitas despesas. Se um casal tiver de pagar a prestação da casa educar os filhos, fica sujeito a grandes pressões. Como havemos de solucionar os conflitos, as incompatibilidades e a pressão no matrimónio? A forma mais eficaz é ter sempre em mente que a outra pessoa é o mais importante. Os casais que têm este pensamento presente são como a letra de uma velha canção de Hong Kong: “Se for feliz contigo, tudo me satisfará, o peixe salgado e a couve também me vão saber muito bem.” O pedido de casamento perfeito vai ajudar os namorados a unirem as suas vidas, mas para manter uma união durável, os corações de ambos têm de estar envolvidos. Só amando-se um ao outro do fundo do coração podem envelhecer juntos. Se os namorados compreenderem esta verdade quando fazem a declaração perfeita, o seu casamente vai seguramente durar. Se as palavras finais da coluna de hoje fossem duas frases que eu dirigiria à minha mulher iriam os meus leitores aplaudir e gritar por mim? “Querida, eu amo-te. Sou feliz contigo. Estou satisfeito com tudo. Comes peixe salgado e couves comigo todos os dias?” Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesSurpresa da semana: a bugalhada Sebastião Bugalho é um “menino” pretensioso, arrogante e faccioso. Possui Carteira Profissional de jornalista e foi corrido da TVI porque os seus comentários eram demasiadamente facciosos a favor do PSD. Transferiu-se para a SIC Notícias e começou a comentar os debates que se foram realizando entre os líderes dos partidos para as eleições legislativas antecipadas e realizadas no passado dia 10 de Março. Durante as suas intervenções os espectadores começaram a ficar perplexos com o modo de comentar os referidos debates. Da sua boca apenas saiam loas a Luís Montenegro e ao PSD. As pessoas interrogavam-se como era possível que um “jornalista” não cumprisse minimamente o estatuto de independência e ética profissional. Sebastião Bugalho, à semelhança dos outros comentadores, anunciavam notas de zero a dez aos líderes partidários em debate. Por vezes, a maioria dos comentadores apresentava nota negativa à participação do líder da Aliança Democrática (AD) nos debates. Bugalho contrariava em absoluto a opinião dos seus parceiros de intervenção televisiva dando sempre nota alta a Luís Montenegro, com arrogância, polémica e falta de ética profissional. Alguns analistas políticos também classificaram a actuação dos comentadores e, a Sebastião Bugalho, deram sempre nota negativa nas suas intervenções e sublinharam que os seus dislates mais pareciam de um comissário político do que de um jornalista. Fundamentalmente adivinhava-se que nas intervenções de Bugalho existia uma tentativa de se mostrar como um candidato a político. Entretanto, os partidos políticos, devido à aproximação de eleições europeias para o mês de Junho, iniciaram os contactos para a constituição das listas concorrentes a eurodeputados. Para o fim, foram o PSD e o PS que apresentaram os nomes escolhidos. Pela parte do PSD, ou melhor da AD, o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, foi contactado para fazer parte da lista da AD ou ser o mandatário da mesma. Qual não foi o espanto de Rui Moreira, um homem de prestígio entre todos os nortenhos e na maioria dos portugueses, ao sentir-se ofendido com a proposta, porque o convite era para ser o número dois da lista tendo o “menino” como cabeça de lista da AD. Obviamente que Rui Moreira como pessoa séria e experiente politicamente rejeitou de imediato o convite mais que ignóbil. E não só. Nas hostes sociais-democratas o desalento e a repulsa têm sido uma realidade pela escolha de Luís Montenegro em preferir um “menino” inexperiente em qualquer função política e ter sido apenas seu comissário político no ecrã da SIC Notícias. A divisão entre os deputados da AD também se verificou nas conversas dos Passos Perdidos da Assembleia da República. Uma das nossas fontes no Parlamento, simplesmente nos respondeu: “Isto é inadmissível”. O isto, é a nomeação de Bugalho para liderar a lista de uma AD com tantas personalidades de grande prestígio e experiência na política portuguesa. Naturalmente que as últimas sondagens já mostraram que Bugalho não mobilizará um eleitorado que só o conhece como o “menino” inexperiente que fazia comentários partidários na televisão. Os inquéritos da semana passada realizados a nível nacional já produziram o resultado de uma vantagem do Partido Socialista sobre a AD de sete pontos. Com a agravante para Bugalho que irá defrontar uma senhora de quem o povo não esquece pelo seu trabalho excelente durante a crise da pandemia Covid19. Marta Temido mostrou competência, comunicação eficiente e trabalho árduo nos contactos com a União Europeia sobre o problema generalizado da pandemia. Com Marta Temido apresentam-se outros dois nomes conhecidos dos portugueses e a quem se aponta seriedade e experiência política. Referimo-nos a Francisco Assis e Ana Catarina Mendes, ex-ministra de António Costa. Neste sentido, salta à baila a função do jornalista. Do profissional de comunicação social a quem é entregue uma Carteira Profissional. O jornalista tem essencialmente de cumprir os seus estatutos éticos. Não pode ser um comissário político, não pode ser um publicitário, não pode ser um assessor ministerial sem entregar a Carteira Profissional. São regras básicas da prática jornalística. O Sindicato dos Jornalista é muito culpado na benevolência do que foi referido. A entidade sindical dos jornalistas devia estar atenta a quem não pratica o verdadeiro jornalismo usando a Carteira Profissional e a partir daí, comunicar às autoridades da Carteira Profissional que a fulano e beltrano têm de lhes ser retirado o documento profissional que os reconhece como jornalistas. E já que falámos em jornalistas, dizer-vos que há dias, conversámos com um grande profissional de um jornal, que nos transmitiu que existe uma instituição chamada Casa da Imprensa, que devia ter a obrigação de velar pelos jornalistas em grandes dificuldades de sobrevivência, alguns já reformados, e que nem responde às missivas que lhe são enviadas.
Carlos Morais José Vozes25 de Abril – 50 anos – E depois… a estética “Foi bonita a festa, pá!” Chico Buarque Escrevi no início da semana um texto que colocava as questões éticas como uma das pedras de toque do 25 de Abril. Este será sobre estética. É certo que o belo e o bom se entrelaçam, se seduzem, se namoram, raramente se divorciam. Mas quando estamos perante movimentos de massas, do eclodir de uma esperança reprimida, as dimensões da obra deixam estupefactos os sujeitos que, ao mesmo tempo, a produzem e dela fazem parte. Refiro-me, ab initio, à grandiosa manifestação que ocorreu em Lisboa no dia 1 de Maio de 1974. Ali, avenidas acima, enchendo praças, veio o povo, veio verdadeiramente um povo inteiro proporcionando um momento de unidade, desejo e luta que nunca mais ocorreria. Foi entre palavras de ordens inventadas, outras já feitas símbolo, que aquela massa humana, em toda a sua glória, acreditou e esse momento foi de uma beleza inexcedível. Os grandes movimentos de massas são, em geral, horríveis. Sobretudo quando na sua origem não existe uma razão válida e justa. O grande arrebanhar de gentes para a glória dos soberanos e das suas cortes, por exemplo, promove espectáculos deprimentes, que hoje são feitos através de transmissões televisivas. Mas aquela primeira manifestação em liberdade, no primeiro 1º de Maio (como isto nos ressoou com insistência), foi a meu ver o que, num instante sem retorno, transformou um golpe militar numa revolução. Um uníssono dos que por décadas sofreram o que se sabe terem sofrido. Um coro dos sabiam ter direito a uma vida melhor e gritavam por isso. E por baixo, um sussurro que afastava o fedor da guerra, do racismo, do classismo, da inferiorização da mulher e de outros valores abjectos, requentados, obsoletos, numa palavra, feios de mais para sequer serem considerados. E isso foi belo. Vieira da Silva compreendeu imediatamente este momento e imortalizou-o no seu quadro “25 de Abril – A poesia desceu à rua”. Nesta senda, o 25 de Abril devolveu beleza às nossas vidas. Abriu Portugal ao mundo, veio a música, veio o cinema, vieram os livros sem restrições. Foi a beleza da liberdade. As pessoas acreditavam que podiam lutar por condições de vida mais justas e dignas e essa crença era bela. Fizeram-se incontáveis reuniões, no trabalho e nas escolas, nos sindicatos e nos partidos. Falava-se sobre o que havia a fazer de igual para igual porque por um momento o fomos. Foram criadas leis que permitiam o acesso de todos (!) à educação e isso permitiu muito (nem imaginam). Era a beleza da igualdade. E houve mais: afinal, todos tinham o direito de ir ao médico e havia um hospital onde eram recebidos e tratados com o que necessitavam, independentemente do custo do tratamento. E todos perceberam como era bela a solidariedade. “Foi bonita a festa, pá!”. Pois foi, Chico. Talvez tenha sido a festa mais bonita de sempre. Mas, olha, acabou. Eles souberam, como sempre, dar a volta ao texto para “tudo mudar para que tudo fique na mesma”. E hoje têm nomes feios como “empreendedores” e querem que tudo volte a ser só para alguns, mas desta vez dizem claramente que a culpa é tua porque não te sabes adaptar às condições do mercado e quem não se sabe adaptar às condições do mercado é porque ainda não percebeu que já não vive numa democracia, mas numa mercadocracia, em que as qualidades foram definidas em quantidades e tudo é valorizado em função da sua capacidade de produzir lucro, não entendendo a necessidade imperiosa e as virtualidades, nomeadamente estéticas, do prejuízo. Ultimamente, Portugal juntou-se à Europa e aos EUA ao gerar em magro seio uma extrema-direita renovada, saída do armário onde a II Guerra Mundial a tinha remetido. E assistimos ao regresso do horrendo, do que julgámos inaudito, da estupidez argumentada, da frustração dos feios, dos valores abjectos. A direita é eticamente reprovavel e, em geral, na sua versão trauliteira, extremamente feia, roçando o repugnante. Vendem, como sempre venderam, a estupidificação e o obsceno. Gritam enormidades com convicção porque ganharam a força de pertencerem a uma horda, encabeçada por um chefe, cujo comportamento, geralmente, roça a histeria. Quando do 25 de Novembro, ouvia-se “queriam transformar Portugal na Cuba da Europa”. Mas estavam enganados: queríamos transformar Portugal num país belo, de todos, incluindo dos portugueses. Nós, Camões, Vieira e Pessoa, falhámos redondamente. “Foi bonita a festa, pá!”. Pois foi, mas acabou, as luzes acenderam-se e poucos ainda resistem na pista. Não deixa de ser belo: resistir!
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesCuidar dos jovens Se os jovens de um país são negligenciados não se tornarão adultos na posse de todas as suas capacidades e o futuro desse país estará em risco. Quando um país tem uma juventude forte, esse país será forte. É por isso que Xi Jinping, Presidente da República Popular da China, sempre deu muita atenção às acções e às políticas direccionadas para a geração mais jovem, e se preocupa com o seu futuro. A recente vaga de problemas relacionados com a geração jovem de Macau fez disparar o alarme no seio da sociedade e revelou que existem muitas histórias desconhecidas para além dos contos encantados sobre a cidade. O patriotismo não se ancora em discursos vazios, mas sim em acções práticas. Quando os jovens prosperarem, o país prosperará. Se os jovens não se sentirem seguros, o país não gozará de segurança. Recentemente, registaram-se vários incidentes aos quais estiveram associados jovens de Macau, como alunos do ensino básico que actuavam em grupo para intimidar idosos, ou como o caso de um jovem estudante (que residia numa instituição de acolhimento) que foi encontrado sozinho num restaurante de fast-food depois da meia-noite e ainda notícias de jovens estudantes que se suicidaram. As pessoas ficam perturbadas com estas notícias, mas é necessário perceber as causas destes comportamentos, para extirpar os problemas em vez tentar passar a imagem de que está tudo bem. Nos casos de suicídio registados em Macau no primeiro trimestre de 2024 encontram-se vários jovens. De acordo com os dados publicados pela Secretaria para a Segurança, entre 2020 e 2023, registaram-se três suicídios e 95 tentativas de suicídio no grupo etário dos 0 aos 14 anos e 19 suicídios e 247 tentativas de suicídio no grupo etário dos15 aos 24 anos. Recentemente, um certo órgão de comunicação criticou o “Grupo de Trabalho para o Acompanhamento da Saúde Mental e Física dos Jovens – Transportar o Amor”, criado pelas autoridades para combater as tendências suicidas, e lutar pela saúde física e mental dos estudantes. O Grupo convocou a sua primeira reunião de trabalho de 2024 para 4 de Março. A reunião foi efectuada à porta fechada e a imprensa não recebeu qualquer informação sobre a sua realização. Três dias depois da reunião, a Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) publicou um comunicado de imprensa com 600 palavras, sem que exista qualquer menção ao problema do suicídio entre os jovens, nem se estes números subiram ou baixaram. Também não existem referências aos problemas do Grupo, às dificuldades que encontrou e nem à forma de melhorar as suas competências. Evitar um problema não é forma de o eliminar. As autoridades de Macau minimizam frequentemente os relatos de casos de suicídio com o argumento de evitar causar “danos secundários”. Contudo, ao evitar causar danos secundários, não se evita a ocorrência de novas tragédias. A forma como as autoridades estão a reagir não difere muito da maneira como as avestruzes escondem a cabeça na areia para iludir o perigo! Tomemos como exemplo o caso de alunos do ensino básico que se agrupam para intimidar pessoas idosas. À primeira vista, aparenta ser um caso de adolescentes mal-comportados, mas na verdade é uma falha de educação por parte da escola e da família. O outro caso é o do jovem rapaz que reside numa instituição de acolhimento. Porque é que ele fugia frequentemente da instituição de acolhimento e preferia ficar sozinho no restaurante até altas horas da noite, em vez de ficar a descansar em segurança? Basta pensar no que este adolescente, que perdeu o carinho da família, necessita desesperadamente? Seria uma escola onde ele entregava os trabalhos de casa e fazia os testes a tempo? Seria uma instituição de acolhimento residencial? Ou um departamento do governo que trataria dos assuntos de acordo com a lei? No séc. XXI, há muito que a sociedade de Macau saiu da pobreza, por isso como é que se permite que aconteça nesta cidade uma história que faz lembrar o “Oliver Twist”? Os casos de suicídio não são apenas números, mas sim tragédias que revelam as condições e as circunstâncias das pessoas. No que diz respeito ao desenvolvimento dos adolescentes, devem ser prestados com cuidado todos os tipos de apoio de forma concreta e o apoio mais eficaz deve ser prestado à medida de cada um, conforme a sua situação. Os adolescentes que têm problemas e precisam de assistência não podem ser tratados como se não fossem importantes, empurrados de um departamento para outro. Todos os jovens se deparam com problemas no crescimento, e precisam de ser tratados com sinceridade, atitudes práticas e cuidados genuínos. Não há dificuldade que não possa ser ultrapassada com AMOR.
Hoje Macau VozesAbril de novo, com a força da luta e da memória: um cheirinho de Primavera e uma Revolução que sai à rua Texto de Ana Saldanha Depois da fome, da guerra da prisão e da tortura vi abrir-se a minha terra como um cravo de ternura. Vi nas ruas da cidade o coração do meu povo gaivota da liberdade voando num Tejo novo. (…) (Portugal Resuscitado, José CarlosAry dos Santos) A 25 de Abril de 1974 uma Revolução poria, finalmente, fim a 48 anos de opressão, de tortura e de perseguição a todas as vozes que condenassem e lutassem contra um Estado ditatorial que, durante quase meio século, faria proliferar, em Portugal, a miséria, a fome, a emigração, o medo e que, desde 1961, numa violenta guerra colonial, levaria à morte de, aproximadamente, 10.000 jovens portugueses (excluindo feridos, mutilados, deficientes fisicos e 100.000 jovens que voltariam da guerra com stress pós-tráumatico). Refiram-se, em paralelo, as atrocidades e violências cometidas pelo fascismo português, por via do domínio militar e político-económico – não apenas durante a guerra (num momento em que formas de extrema violência são postas em prática), mas durante todo o processo de colonização -, assim como as políticas de violência, legalmente consagradas, a subalternidade, social e política, e o subdesenvolvimento crónico a que estavam votados os povos colonizados – os quais (em particular, de Angola, Mocambique, Guiné-Bissau e Cabo-Verde) levariam avante, a partir dos anos 1960, uma justa luta armada pela indepêndencia e pela libertação nacional, contra o colonialismo. Em plena Primavera, a 25 de Abril de 1974, cravos inundariam as ruas de Lisboa e a Revolução tomaria o seu nome. Chico Buarque marcaria este momento histórico na MPB graças às suas duas versões de Tanto Mar – a primeira, em 1975, e a segunda, em 1978 -, num momento em que a oposição à ditadura militar, no Brasil, encontrava uma esperança de mudança num cheirinho a alecrim do lado de lá do Atlântico. De 1926 a 1974: 48 anos de ditadura em Portugal A ditadura portuguesa inicia-se com um golpe de Estado militar, em 28 de Maio de 1926. Desde então, e até 1933, Portugal viveu um período durante o qual foram suprimidos liberdades e direitos fundamentais, mas sem que, contudo, se institucionalizasse uma nova estrutura de Estado, a qual apenas ocorreria em 1933, com a aprovação de uma nova Constituição. Entre 1926 e 1933, António de Oliveira Salazar (que havia sido nomeado Ministro das Finanças, em 1928, e que se tornara, em 1932, Presidente do Conselho de Ministros) seria, já então, uma peça fundamental da engrenagem ditatorial. Com efeito, seria com o seu impulso que, passo a passo, a engrenagem e política ditatoriais, que mais tarde seriam consagradas na Constituição de 1933, tomariam forma: a censura, a polícia política, a propaganda e as leis repressivas. A aprovação, em 1933, de uma nova Constituição, vai, assim, estabelecer os princípios constitucionais que darão livre azo à atividade totalitária e repressiva estatal, criando o Estado Corporativo. A nova Constituição instaura a censura, proíbe os partidos políticos, as associações sindicais e as associações secretas, cria a PVDE (Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado) – polícia política -, proíbe as oposições e impõe o partido único. É, igualmente, esta mesma Constituição que coloca as mulheres num plano socio-jurídico inferior ao dos homens, o qual, segundo aquele texto, se justificaria pela “sua natureza e (…) bem da família”. Com efeito, segundo a legislação em força, então, em Portugal, o marido era considerado o chefe de família, as mulheres não tinham direito de voto, não podiam exercer nenhum cargo político e tinham um acesso restrito a determinadas profissões, enquanto em outras profissões (como no ensino ou na enfermagem) se limitava a possibilidade de casamento, apenas, com homens com um salário superior ao seu. Por outro lado, também na educação dos filhos a mulher tinha a sua acção limitada, sendo subalternazido o seu papel relativamente ao do pai. No seguimento da Concordata, assinada com a Igreja Católica, em 1944, o divórcio era, igualmente, proibido, pelo que todas as crianças que nascessem de uma relação, posterior à do primeiro casamento, eram consideradas ilegítimas. Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, Salazar, numa hábil manobra política, declara, na Conferência da União Nacional (partido político fundado em 1930 e único partido constitucionalmente autorizado, desde 1933), estar aberto à colaboração de todos os portugueses, enquanto Marcelo Caetano declara que “na União Nacional cabem portugueses de todas as tendências”. Encetando uma manobra propagandística, Salazar, no plano externo, talvez temendo pelo futuro da própria ordem ditatorial, celebra os serviços prestados por Portugal aos Aliados e avulta a sua acção em prol da vitória daqueles, pretendendo fazer esquecer o apoio que dera aos regimes nazi-fascista alemão e fascista italiano – quando apoiou, por exemplo, a invasão e a ocupação da Checoslováquia ou quando louvou a preparação da Alemanha para a guerra (a quem vendera volfrâmio e outros géneros). A comunidade internacional ocidental, por seu lado, temendo o avanço e a influência dos Partidos Comunistas, nomeadamente, na Península Ibérica, continuava, ainda que de forma, por vezes, dissimulada, a apoiar a ditadura portuguesa, fazendo crer que as manobras propagandísticas do governo liderado por Salazar eram suficientes para demonstrar a existência de uma democracia em Portugal. Entretanto, a pobreza e a miséria alastravam-se: estima-se que, em 1973, 43% da população portuguesa vivesse em situação de pobreza relativa e que cerca de 25,7% fosse analfabeta (sendo a percentagem daqueles que não sabiam ler nem escrever maior no caso das mulheres – 31% – do que no caso dos homens – 19.7%). Segundo dados de 1970, 88% da população portuguesa, com mais de 10 anos tinha, apenas, o ensino primário, sendo que, da população com mais de 15 anos, apenas 2,4% tinha o ensino médio ou superior. Por outro lado, nos vinte anos que precederam a Revolução Portuguesa, 1,6 milhões de portugueses tinha emigrado, em busca de melhores condições de vida e de trabalho. A mortalidade infantil atingia os 44.8 por mil, 20% dos partos não tinham assistência e a esperança de vida, depois do primeiro ano de idade, era de 67 anos, para os homens, e de 73 anos, para as mulheres. A luta pela independência das colónias e a formação do MFA A luta pela libertação do jugo colonialista, no seio das colónias portuguesas, seria fomentada pelo fim da Segunda Guerra Mundial e pela independência alcançada por muitas colónias que haviam estado sob a dominação de Estados europeus. Com efeito, até aos anos 50 – sem considerar os Estados coloniais nos quais colonialistas e colonizados partilhavam o mesmo espaço geográfico, como é o caso da Rodésia ou da África do Sul – apenas sete Estados africanos se encontravam formalmente independentes: a Libéria (1847), o Egito e a Etiópia (independentes desde 1945), o Sudão e a Tunísia (independentes desde 1956), o Gana e a Guiné-Conacri (independentes desde 1958). No entanto, é nos anos 60 que dezasseis colónias – que, na sua maioria, haviam estado sob dominação francesa – são declaradas independentes: Benim, Burkina Fasso, Camarões, Chade, Congo-Brazaville, Costa do Marfim, Gabão, Madagáscar, Mauritânia, Níger, Nigéria, República Centro-Africana, Togo e Zaire. No que diz respeito às colónias portuguesas, a Índia não necessitou de uma organização armada e estruturada para combater o ocupante português. Durante vários anos, o governo de Jawaharlal Nehru tentou, sem sucesso, que os portugueses saíssem voluntariamente das colónias que ocupavam (Goa, Damão e Diu). Perante a continuada recusa portuguesa de o fazer, as tropas indianas invadiram e ocuparam, em dezembro de 1961, os três territórios, terminando, desta forma, com o Império Português das Índias. Por outro lado, é neste mesmo ano que se inicia a guerra colonial nas colónias portuguesas, em África. Começando em Angola, em fevereiro de 1961, a guerra estende-se à Guiné-Bissau e a Cabo Verde, em 1963, e a Moçambique, em 1964. Provavelmente ao contrário do que o fascismo português esperava, o início da guerra colonial permitiu o desenvolvimento de ações e de teorias anticolonialistas. A oposição à guerra colonial estendeu-se, assim, a diferentes sectores da população (inclusivamente, dentro da própria Igreja Católica), saindo dos centros de decisão do poder ditatorial e das cúpulas militares. Neste processo de luta contra a guerra foi, ainda, fundamental, a oposição que se gerou no interior das Forças Armadas. Entretanto, em 1968, Salazar (que viria a morrer em 1970) é substituído por Marcelo Caetano na presidência do Conselho. Em 1974, uma crise económica instala-se em Portugal. Esta crise, assim como a incapacidade do fascismo em resolver os problemas económicos e sociais, o fracasso da manobra marcelista, o desgaste do regime, a guerra colonial, as divergências, a deserção e a emigração, possibilitaram a criação de uma situação propícia à derrubada da ditadura e à consequente eclosão de uma revolução. Em 1973, um grupo de oficiais de carreira inicia um movimento corporativista que se amplifica gradualmente, transformando as reivindicações corporativistas iniciais numa vontade de mudança de regime. Será este movimento que conduzirá, no dia 25 de Abril de 1974, à eclosão de uma revolução. O nascimento de uma Revolução Na noite de 24 de Abril de 1974 é levado a cabo um levantamento militar pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Às 22h55, é transmitida a canção E depois do Adeus, de Paulo de Carvalho, pelos Emissores Associados de Lisboa, primeiro sinal do avanço das operações. Às 00h20, do dia 25 de Abril, os militares que ocupavam a rádio Renascença deram o segundo sinal, com a transmissão de Grândola Vila Morena, de José Afonso. Na Rádio Clube Português, às 4h, é lido o primeiro Comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA), no qual é feito um apelo à população de Lisboa para permanecer em casa. Porém, apesar deste pedido, forças populares juntaram-se ao levantamento militar, sendo, precisamente, o resultado desta união – levantamento militar e levantamento popular – que deu origem à Revolução. Os capitães de Abril, organizados no MFA, dão, assim, a conhecer ao país os seus objetivos (sintetizados nos 3D’s – Democratização-Descolonização-Desenvolvimento): o fim da ditadura e o fim da guerra colonial, com a consequente e necessária construção de um Portugal democrático. A democratização da sociedade iniciou-se de imediato: dissolução da ANP-Acção Nacional Popular (nome dado à União Nacional, por Marcello Caetano), extinção da PIDE (também rebaptizada por Marcelo Cateano como DGS), extinção da Legião Portuguesa e da Mocidade Portuguesa, abolição da censura e do exame prévio. De imediato, anunciam-se eleições livres e a convocação de uma Assembleia Constuituinte, a liberdade política de todos os portugueses, a regulamentação da actividade de partidos políticos, a liberdade de expressão e de pensamento sob qualquer forma, a amnistia de todos os prisioneiros políticos, a independência, a dignificação do poder judicial e a extinção dos Tribunais Plenários (nos quais haviam sido condenados muitos anti-fascistas, sem qualquer direito a defesa). Sendo um momento de emancipação social, a herança do 25 de Abril permanece, não apenas na memória coletiva, mas, também (ou sobretudo), no plano sociopolítico. Assim sendo, a Constituição da República Portuguesa (CRP), aprovada em abril de 1976, consagra um novo modelo político, económico e social, estabelecendo, entre outros, que “a organização económico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de produção socialistas”. Apesar das sete revisões constitucionais sofridas, elementos do seu histórico carácter progressista ainda sobrevivem. Perduram, igualmente, no Portugal de hoje, conquistas económicas, políticas e sociais, resultantes da Revolução de Abril e do primeiro texto da CRP aprovado, ainda que tenham sido e continuem a ser atacadas ostensivamente por uma política ao serviço de interesses económicos que subjazem a um modo de produção cujo carácter bárbaro e depredador cada vez mais se acentua. As conquistas de Abril alargaram-se, assim, a vários âmbitos socio-políticos e económicos: a igualdade de direitos entre homerns e mulheres (o Art. 13 da CRP instituiu o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei), o direito à habitação para todos (à data da Revolução, 25% dos portugueses viviam em situações que não respeitavam as condições mínimas de conforto, salubridade e segurança, ou seja, cerca de 2 milhões de portugueses viviam em barracas ou em casas extremamente degradadas e insalubres), o direito à Educação, para todos, o direito à Saúde, universal e gratuito (após uma das setes revisões constitucionais a que foi sujeita, este direito passou a figurar como “tendencialmente gratuito”), o direito à greve, o direito à previdência na situação de desemprego, o direito a uma licença de maternidade de 90 dias, o direito ao divórcio nos casamentos católicos, o salário mínimo e a pensão social, o subsídio de desemprego, o subsídio de férias, o subsídio de Natal a pensionistas, o subsídio vitalício de protecção na velhice, entre outros. Abril também nos trouxe a nacionalização da Banca, dos Seguros, da Electricidade, de Transportes ferroviários e marítimos, entre outros sectores básicos da economia (que, hoje, se encontram, na sua grande maioria, de novo privatizados e entregues a mãos predadoras, seja no plano nacional ou internacional), a gestão democrática das escolas, o controlo da produção (para impedir as então frequentes sabotagens económicas), a reforma agrária (que, a partir de 1977, com a aprovação da “Lei Barreto”, seria, gradualmente, conduzida ao seu fim), o reconhecimento da liberdade sindical ou o poder local democrático (que, ainda que parcialmente destruído, perdura como um espaço de exercício democrático e participativo). As comemorações dos 50 anos de Abril são, pois, o festejo da liberdade e da força da resistência e luta, a memória de quem lutou na clandestinidade, sofreu ou morreu sob as torturas da polícia política, a lembrança da luta contra o colonialismo e contra a violência que lhe subjaz, a voz de uma esperança que, depois de 48 anos de repressão, viu, finalmente, um Portugal Novo erguer-se das cinzas do obscurantismo. Fazer jus a Abril é, deste modo, reivindicar as conquistas e progressos a que Abril deu vida quando, então, se abrem “as portas da claridade / e a nossa gente invadiu / a sua própria cidade” (As Portas que Abril abriu, José CarlosAry dos Santos). Viva o 25 de Abril! Fascismo, nunca mais!
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesNem Hamastão nem Fatahstão (I) “The usual distinction between diplomacy and force is not merely in the instruments, words or bullets, but in the relation between adversaries-in the interplay of motives and the role of communication, understandings, compromise, and restraint”. The Diplomacy of Violence – Thomas Schelling” Netanyahu quer recuperar o controlo total de Gaza, entretanto arrasada e com uma população palestiniana reduzida. Só então será possível imaginar o pós-guerra. O Egipto teme ver as massas de pessoas desesperadas a transbordar e a América passa por um grande embaraço, dado que o pós-guerra em Gaza começa a tomar forma no terreno, antes do papel dos improváveis planos de paz. O facto é que as partes beligerantes, Israel e Hamas, não oferecem sinais tangíveis de um cessar-fogo viável, faltando a ambas objectivos estratégicos realisticamente realizáveis e uma visão duradoura da paz. É agora evidente que a violência do Hamas não criará as condições para melhorar a economia de Gaza nem porá termo à ocupação israelita a curto ou médio prazo. Pelo contrário, pode agravar a primeira e prolongar a segunda no espaço e no tempo, sob o signo de governos de extrema-direita cada vez mais extremados. Do mesmo modo, a ofensiva de Israel não irritará o Hamas nem desradicalizará os palestinianos. Em vez disso, pode provocar no Hamas metamorfoses ainda mais extremistas e radicalizar velhas e novas gerações de palestinianos dentro e fora dos limites de Gaza. O conflito, que provavelmente continuará ao longo deste ano com menos intensidade do que antes, pesa tanto sobre o destino dos 132 reféns israelitas como sobre o dos 2,2 milhões de palestinianos destinados a partilhar uma faixa de terra cada vez mais exígua e miserável. A paz da diplomacia internacional, que deveria ser garantida pela criação de um Estado palestiniano soberano num território contíguo a Israel e com Jerusalém Oriental como capital, corre o risco de se tornar um slogan irrealista e ilustre. Perante a perspectiva de um futuro próximo sem paz, emergem dos escombros de Gaza peças de um possível cenário de pós-guerra. Entre eles, o mais significativo é o êxodo parcial da população palestiniana. As condições socioeconómicas em Gaza eram particularmente preocupantes mesmo antes do conflito. As operações militares israelitas no Norte da Faixa destinavam-se, então, a fazer terra queimada numa zona onde se concentrava a espinha dorsal das infra-estruturas militares do Hamas e duas das suas brigadas mais importantes, as do Norte de Gaza e da Cidade de Gaza, equivalentes, a 60 por cento do total das suas forças. Se estas operações não parecem ter conseguido a descapitalização das chefias militares do movimento armado palestiniano e a destruição de grande parte da sua “tensa rede de túneis subterrâneos”, o mesmo não se pode dizer dos efeitos perturbadores sobre a população civil. Há mais de 1,1 milhões de pessoas deslocadas desta zona, actualmente amontoadas no centro e no sul da Faixa em condições deploráveis. A evacuação de civis ao longo do cone oriental de Gaza e o bombardeamento de campos de refugiados no centro e em Khan Yunis, no sul, também aumentam a pressão demográfica ao longo da fronteira com o Egipto e exacerbam a crise humanitária, agora muito grave. As estimativas da ONU elevam o número total de deslocados a 1,9 milhões, ou seja, 85 por cento da população total, enquanto denunciam a destruição ou a inabitabilidade de mais de 60 por cento das habitações e de cerca de metade dos hospitais, a inacessibilidade de todas as instalações educativas e a falta de água e de eletricidade. À luz destes dados, a probabilidade de um êxodo “voluntário e forçado” para além da fronteira torna-se cada vez mais real. Não o escondem os ministros, os políticos, os militares e os analistas israelitas que, desde o início da guerra, evocam uma segunda “Nakba” (catástrofe), em que a primeira remonta à expulsão dos palestinianos do Estado de Israel em 1948 como efeito da guerra de Israel contra o Hamas e a população de Gaza culpada de a apoiar. A este respeito, é suficiente mencionar o antigo primeiro-ministro Naftali Bennett que, ao negar a existência de civis palestinianos em Gaza, afirma que “estamos a lutar contra os nazis”. O major-general Giora Eiland, autor de um plano autorizado de deslocação de uma parte da população para o Sinai, é ainda mais categórico ao afirmar a necessidade absoluta de fazer de Gaza “um lugar onde nenhum ser humano possa existir” e de combater “não apenas o Hamas, mas toda a população de Gaza “. E não se trata apenas de retórica bélica se o Egipto e a Jordânia intensificarem a acção diplomática para barrar o caminho quer a um eventual plano israelita de deslocação forçada da população palestiniana para o Sinai, Jordânia ou Congo, quer a uma guerra total que tornaria o êxodo inevitável. As cimeiras egípcio-jordana, egípcio-palestiniana e egípcio-jordano-palestiniana do início do ano são um testemunho claro das preocupações crescentes destes países quanto à resolução da questão palestiniana e aos seus efeitos desestabilizadores sobre eles. Há também rumores persistentes de que o presidente egípcio Abdel Fattah el-Sisi está actualmente sob intensa pressão para ceder áreas do Sinai aos palestinianos em troca de ajuda “financeira”. O Egipto está a braços com uma grave crise económica e terá de reembolsar este ano mais de 28 mil milhões de dólares da sua enorme dívida externa. Um segundo elemento fundamental é a criação de zonas-tampão no interior de Gaza e a expansão das zonas de segurança no norte e no leste da Faixa, o que indica a provável persistência de bolsas de resistência armada mesmo no “pós-Hamas”. A liderança política e militar israelita nega querer anexar áreas ao longo da já robusta rede de segurança em torno da Faixa. No entanto, os mesmos dirigentes declararam claramente que pretendem criar não só “zonas-tampão” no interior de Gaza, com o objectivo de impedir que o Hamas se aproxime do continente no futuro, mas também “um cobertor de segurança em torno da Faixa para impedir que a população civil aceda a pé à rede de fronteiras”. A demarcação de uma parte do território palestiniano ao longo do cone com Israel é uma condição prévia do governo de Netanyahu para o pós-guerra. Os Estados árabes da região seriam devidamente informados. A criação de zonas tampão implica a presença de instalações militares e o reforço da capacidade israelita de efectuar incursões no interior da Faixa. Significa também a inacessibilidade destas zonas aos palestinianos e, consequentemente, uma maior pressão demográfica sobre as zonas habitáveis. Quanto ao norte de Gaza, se não for parcialmente anexado, pode tornar-se, na melhor das hipóteses, uma zona militar “temporariamente” fechada, ou seja, confinada. A evacuação dos civis ao longo da linha oriental, provocada pela operação militar israelita de Outubro de 2023 em resposta ao ataque do Hamas, criou desde então um vasto território temporariamente desabitado que se estende por longos troços até à estrada de Salah al-Din, que divide a Faixa longitudinalmente de norte a sul. Para além dos objectivos de segurança israelitas, o regresso dos palestinianos às suas casas e aldeias será também ditado pelo processo de reconstrução, que, segundo algumas estimativas, poderá levar dois a três anos a repor em Gaza os níveis de miséria anteriores à guerra. Um terceiro elemento é o reforço das medidas de segurança no sul de Gaza, que pode significar, no limite, a reocupação da Faixa por Israel. Netanyahu evocou esta possibilidade ao declarar, a 31 de Dezembro de 2023, que “o corredor de Filadélfia deve estar nas nossas mãos … e deve ser fechado” para atingir o objectivo de desmilitarizar Gaza. São 14 quilómetros ao longo da fronteira com o Egipto. O posto fronteiriço de Rafah também se situa aqui. As forças da Autoridade Nacional Palestiniana (ANP) deviam patrulhar este corredor do lado palestiniano da fronteira após a retirada israelita em 2005. A tomada do poder pelo Hamas, dois anos mais tarde, alterou o executor, mas não a substância do acordo, deixando efectivamente ao Egipto a responsabilidade principal por esta passagem e por este corredor. O controlo israelita sobre estas zonas voltaria às condições anteriores a 2005, o que implicaria a reocupação da Faixa. No entanto, não se pode excluir a possibilidade de Netanyahu não ter qualquer intenção de fazer regressar o exército israelita ao longo desse corredor, e de as suas declarações terem apenas como objectivo exercer uma forte pressão sobre o Egipto e os palestinianos, de forma a obter maiores concessões em futuras negociações. Mas o facto é que, se a lógica da segurança prevalecer sobre qualquer visão geopolítica do pós-guerra, Gaza poderá alimentar uma guerrilha desestabilizadora e tornar-se uma “prisão a céu aberto” muito pior do que tem sido. A separação da Cisjordânia seria igualmente decretada de forma de definitiva. Não é, pois, surpreendente que seja o Egipto, cuja segurança nacional está igualmente ligada ao Sinai e, por conseguinte, a Gaza, a estar na primeira linha na oposição às intenções anunciadas por Netanyahu e a exigir, juntamente com os outros Estados da região, um cessar-fogo imediato com uma retirada gradual do exército israelita. O quarto elemento é a mudança de regime em Gaza, tal como na Cisjordânia. O governo israelita recusa-se a lidar com o “pós-guerra” enquanto as operações militares continuarem na Faixa de Gaza. Na sua opinião, qualquer tentativa nesse sentido corre o risco de recompensar politicamente o movimento islamista armado e de criar as condições para um regresso cíclico da violência. No entanto, a forte pressão regional e internacional para oferecer um horizonte político à guerra em curso produziu planos e propostas incluindo em Israel para a gestão do pós-guerra em Gaza. Se, como se espera, Israel exercerá um controlo “temporário” da segurança, uma eventual administração civil não incluirá palestinianos filiados em qualquer facção política ou militar que ainda opere na Faixa. Gaza, como disse o Primeiro-Ministro israelita à imprensa em 16 de Dezembro de 2023, não será “nem Hamastão nem Fatahstão”, sendo Fath a componente política dominante da ANP na Cisjordânia nem mesmo depois da retirada das Forças Armadas israelitas. Se a recusa israelita de prever qualquer presença do Hamas no pós-guerra é categórica, a relação com a ANP poderá, pelo contrário, mudar, desde que esta seja reformada num sentido anagráfico, democrático e ideológico. O que é certo é que a administração de Abu Mazen, o presidente não eleito da ANP, com mais de oitenta anos, é esclerótica, inepta e corrupta. Isto não parece surpreender ninguém, dentro ou fora da Palestina, incluindo os governos israelitas que favoreceram o seu declínio, voluntária ou involuntariamente. No entanto, o ANP, o “herdeiro” dos acordos de Oslo de 1993 e herdeiro da OLP de Yaser Arafat, tem cooperado activa e eficazmente com Israel no sector da segurança desde há décadas. Cooperação que o tornou de facto cúmplice na luta contra o adversário comum, o Hamas, e lhe permitiu suprimir as vozes dissidentes. A sua crescente incapacidade para prevenir e conter as tensões na Cisjordânia tem, no entanto, resultado em frequentes incursões do exército israelita desde o ano passado, o mesmo exército que, no entanto, se tem abstido de intervir contra a violência dos colonos israelitas e de impedir o êxodo dos palestinianos das casas e aldeias sujeitas aos seus ataques. A expansão dos colonatos, a ausência de segurança e de protecção e, agora, também a decisão do Governo israelita de reter centenas de milhões de dólares de receitas da “porta de entrada” e de impedir a entrada de 150000 trabalhadores palestinianos em Israel e nos colonatos, contribuem para a perda de legitimidade da Autoridade de Abu Mazen aos olhos de muitos dos seus concidadãos, dentro e fora dos Territórios Ocupados. Uma sondagem recente confirmou que 90 por cento dos palestinianos exigem a demissão de Abu Mazen, enquanto o Shin Bet, o serviço secreto interno do Estado judaico, alerta Netanyahu para o colapso iminente da própria Autoridade. Quanto aos israelitas, o silêncio da ANP sobre o massacre de civis perpetrado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 pulverizou o seu último grão de “confiança” em Abu Mazen e seus colaboradores. No entanto, a ANP continua a ser, para a comunidade diplomática internacional, a única instituição legítima de um proto-Estado capaz de administrar, uma vez reformada, a Faixa de Gaza na era pós-Hamas. No entanto, a sua reforma exigirá tempo e dinheiro. Enquanto se aguarda a sua conclusão, terá de ser criada uma administração civil transitória. Existem algumas propostas a este respeito, incluindo o plano egípcio e algumas ideias israelitas e americanas. O plano egípcio faz, na realidade, parte de um ambicioso projecto conjunto egípcio-catariano de cessar-fogo, de libertação gradual dos reféns e de criação de um governo provisório para a gestão do pós-guerra e para a preparação de eleições presidenciais e parlamentares palestinianas. Apresentado em 25 de Dezembro de 2023 às partes em conflito, bem como aos Estados da região, à UE e aos Estados Unidos, o plano visa não só pôr fim às hostilidades, mas também preparar o terreno para uma paz duradoura. Embora tenha o mérito indiscutível de abordar as questões humanitárias de ambas as partes, tem igualmente em conta as etapas indispensáveis das negociações entre o Hamas e Israel no que se refere à libertação dos reféns israelitas e dos detidos palestinianos, bem como o papel deste movimento no período pós-guerra. O Hamas e as outras facções palestinianas são chamadas a seleccionar peritos sectoriais para uma administração técnica e transitória de Gaza e da Cisjordânia, a fim de restabelecer os serviços essenciais e criar as condições para a reconciliação intra-palestiniana e a preparação de eleições políticas. Estas últimas medidas permitiriam criar um parceiro palestiniano legítimo e coeso para as futuras negociações com Israel sobre o Estado da Palestina. No entanto, o plano encontrou resistência tanto por parte de Israel como por parte dos palestinianos. Para Israel, o plano não cumpre o objectivo principal de destruir o Hamas ou de o obrigar a render-se com a libertação incondicional dos reféns, para além de desmilitarizar Gaza.
João Luz VozesOlhar para dentro Hoje proponho um exercício desconfortável a quem vai meter um cravo vermelho na lapela e celebrar os 50 anos do 25 de Abril. De que forma honramos a liberdade conquistada com o derrube do fascismo e dignificamos as vidas sacrificadas para levantar o país das trevas? Atenção, para já não me vou dirigir a eleitores do Chega ou de outros simpatizantes de forças políticas saudosistas do fascismo. Já lá vamos. Em primeiro lugar, convido o leitor a um momento de introspecção antes de celebrarmos o dia em que os portugueses se voltaram a emancipar. Lanço um cravo e um ramo de oliveira para ultrapassar um imenso abismo que se cavou logo depois da revolução nas forças à esquerda do espectro político. Fomos aliados no derrube do fascismo, mas a nação precisa exorcizar o demónio da aspiração de querer manter o país amarrado a outro tipo de autocracia. Está mais do que na altura de entender a voz do povo expressa nas eleições constituintes de 1975, passou quase meio século desde então. O povo estava saturado de opressão e não queria uma PIDE com outro nome ou a mera reforma dos cárceres onde a divergência política era sinónimo de tortura e se penalizavam crimes de pensamento. O respeito pela diferença de opinião, pela liberdade para a exprimir e a autonomia para seguir sonhos e ambições são conquistas de Abril que devemos defender intransigentemente. Portanto, olhemos para dentro, sem medo de fazer o exame exaustivo e perceber se temos tumores de fascismo dentro de nós. Porque estes tumores nunca são benignos e exigem extracção imediata. Não basta meter o cravo na lapela e partilhar uma banalidade qualquer no Facebook, o 25 de Abril não deve ser um mero pretexto para beber um copo. Que acções, políticas, regimes, grupos, personalidades defendemos, ou branqueamos confortavelmente, apesar de contrárias ou asfixiantes do homem livre? Em que instâncias abdicamos da defesa da liberdade? E, por favor, não me venham com a cantilena bafiosa da harmonia e da ordem porque ocorre-me logo o António Ferro. A liberdade é turbulenta por natureza, a pluralidade pressupõe sempre um motim contido (ou não), uma agitação, inquietação e mais inquietação, confronto. Onde reinam o primarismo e a unanimidade não existem homens livres. Será que temos centelhas de totalitarismo e primarismo em metástase a espalhar pelo corpo? Uma vez erradicados estes tumores estaremos mais apetrechados para lidar com o ressurgimento da extrema-direita. Pão, tecto e alma É indiscutível que Portugal não só ganhou em liberdades, como cresceu economicamente, se desamarrou do analfabetismo e criou as bases para sistemas nacionais de saúde e de ensino abrangentes. Foram construídas as fundações do Estado de Direito, aprovada a Constituição e a justiça deixou de estar, pelo menos exclusivamente, ao serviço do poder executivo e da opressão do seu povo. Mas tudo isto é ténue, frágil e precisa de cuidado constante. Perder a liberdade é muito mais fácil do que conquistá-la. Para combater este cancro de populismo e da fetichização do totalitarismo precisamos encarar a realidade de que o Chega nasceu no seio do PSD, um partido supostamente social e democrata, já para não dizer social-democrata. Também no antigo CDS militaram e militam fãs de Salazar. Deveríamos estar vacinados para este vírus, mas ele achou terreno fértil para alastrar nos partidos do arco da governação, que agora vêem o chão fugir-lhes debaixo dos pés. A alarvidade é sempre mais apelativa quando assumidamente vil. Outra questão fundamental é não nos levarmos pelos institutos menos civilizados e mergulharmos na mesma lama antidemocrática negando a existência desta parte enorme do eleitorado nacional. Fazer mártires nunca dá bons resultados. Temos de assumir que os problemas que a democracia não tem conseguido resolver em termos das suas responsabilidades sociais e éticas. Todos os casos de corrupção que enchem os jornais, são lenha para esta fogueira antidemocrática que tudo quer reduzir a cinzas, e onde pululam seres que são a personificação da corrupção. Mas as forças do arco da governação têm de se reformar, voltarem-se para a sociedade civil e interromper o ciclo de partidarismo que forma políticos que nunca viveram fora do partido. Este ciclo alimenta o Chega, ou quem quiser surfar a onda da frustração popular. Está na altura de agir, trazer para a luz quem vive no escuro informativo das redes sociais onde a paranoia, xenofobia, violência de Estado e perfídia são resposta para tudo. Não ostracizemos quem é passível de ser salvado do reino da “chaluparia”, nem nos deixemos cair no abismo da clivagem política intransponível, porque aí teremos problemas sérios. É imperioso combater a desinformação com conhecimento, a violência com compaixão, desmontando mitos e retirando o protagonismo ao Chega e ao seu messias, omnipresentes em tudo o que é televisão do país. Seguindo a tendência europeia, uma vez fora do poleiro pseudo-denunciador estas forças tendem a perder força porque não têm soluções para nada. São como aquele cão chato que persegue todos os carros que passam na rua. Se um carro parar, o canino sedento de retribuição cega não sabe o que fazer. Fica a salivar indeciso se morde um pneu, o para-choques, ou se dedica a atenção a outro objecto/animal em movimento. No fim, acaba por seguir o seu caminho com o rabo entre as pernas. Viva a liberdade, viva o 25 de Abril. Sempre!
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireito a desligar (II) A semana passada, analisámos o direito a desligar (ROD sigla em inglês), que significa o direito dos trabalhadores recusarem responder a mensagens electrónicas enviadas pelos empregadores fora das horas de serviço. Esta forma de comunicação foi implementada durante a pandemia porque muitas pessoas trabalhavam a partir de casa, e era inevitável receberem mensagens deste tipo. Actualmente, embora a pandemia esteja em vias de extinção, a situação manteve-se e os trabalhadores continuam a ter de responder a mensagens em períodos em que já não estão a ser pagos. Quem esteja a receber e a responder a mensagens fora das horas de serviço está a fazer horas extraordinárias. Se a empresa não as pagar, está a privar os empregados do seu direito de serem compensados pelo trabalho suplementar. Mas se os empregados só trabalharem nas horas de serviço regulamentares, as empresas não podem lidar com situações de emergência que ocorram fora desse horário. Por conseguinte, as empresas e os trabalhadores precisam de encontrar um equilíbrio entre os interesses de cada uma das partes antes de lidarem com estas questões. A França e a Austrália criaram legislação para regular este assunto. É obrigatório usar a lei para regular as relações entre as empresas e os trabalhadores. No entanto, como as empresas enfrentam situações diferentes, as condições para os trabalhadores aceitarem receber e responder a mensagens electrónicas fora das horas de serviço também variam de caso para caso. Portanto, no presente artigo, vamos analisar métodos alternativos à legislação para resolver o assunto. A França e a Austrália criaram legislação para conceder o ROD aos trabalhadores. Assim que a lei é aprovada, todos têm de lhe obedecer. Trata-se de uma medida obrigatória. Além das obrigatórias, podem ser usadas outras medidas para conceder o ROD aos trabalhadores? A principal razão para levantar esta questão prende-se com o facto de, numa era de grande avanço da informação, ser impossível pedir às empresas que se abstenham completamente de enviar mensagens de trabalho aos empregados. Contudo, pedir aos funcionários que respondam a mensagens electrónicas de trabalho fora das horas de serviço é uma infracção e um incómodo. Reduzir os conflitos e encontrar um equilíbrio entre os interesses de ambas as partes é a chave da resolução do problema. Mas, acima de tudo, há que salientar que cada empresa e cada funcionário têm situações particulares; uma norma obrigatória igual para todos pode vir a ter outras consequências. Assim sendo, se a empresa conseguir chegar a um acordo com os funcionários e encontrar métodos para lidar com a questão das comunicações electrónicas fora das horas de serviço, de acordo com as suas próprias necessidades, será a melhor forma de resolver o problema. A Empresa V é disso um exemplo típico, uma empresa muito famosa no mundo dos negócios. Há muito tempo, a empresa havia instituído uma política exigindo que os funcionários não recebessem e-mails de trabalho depois as 22h. A filosofia da empresa é muito simples. Os funcionários que dispõem de um tempo de descanso adequado têm maior probabilidade de se concentrarem e de serem mais eficientes no trabalho. Para atingir este objectivo, as empresas não podem interferir nos períodos de descanso dos trabalhadores. Por isso, a empresa proíbe o envio de e-mails para funcionários que estão fora das horas de trabalho. Naturalmente, temos também de compreender que este tipo de política só pode proteger os direitos e interesses dos trabalhadores que querem usufruir do direito a desligar, mas não pode impedir aqueles que prescindiram desse direito, de trabalhar depois das 22h, nem pode impedir os funcionários com cargos directivos de tratar dos assuntos pendentes da empresa ou de questões urgentes. É inegável que as empresas que proíbem voluntariamente os funcionários de entrar em contacto com os seus superiores após a saída do trabalho, lhes garantem o tempo de descanso suficiente, e salvaguardam a sua saúde física e mental e a separação entre o trabalho e a vida pessoal. Os funcionários sentir-se-ão certamente bem tratados pela empresa. Mas, acima de tudo, esta decisão é tomada pela direcção da empresa e deve ser seguida por todos os chefes de departamento. Além disso, este tipo de política vai ao encontro da situação operativa real da empresa, e é também a abordagem que lhe é mais adequada. Portanto, esta é a melhor forma de proteger os interesses da empresa e dos trabalhadores e de demonstrar que a entidade patronal se preocupa com os trabalhadores e é uma boa política de ética empresarial. Na era da informação avançada, parece ser impossível que as empresas não contactem os funcionários através de mensagens electrónicas fora das horas de serviço para tratarem de questões de trabalho. Alguém com um cargo administrativo terá muita dificuldade de evitar horas extra invisíveis, porque essa função implica mais que todas as outras muitas horas de trabalho extra. Claro que, os empregados de nível médio e os empregados júniores, não devem realizar muito trabalho extra invisível. Desde que a sociedade em geral reconheça que o uso de mensagens de trabalho eletrónicas é inevitável, devem ser implementadas leis que regulem esta situação, para garantir que os trabalhadores tenham horas de descanso suficientes. Como mencionado acima, a melhor forma de lidar com o ROD é chegar a um consenso entre a empresa e os trabalhadores. Como estes casos são frequentes, parece ser inevitável recorrer à legislação para os resolver. No entanto, a legislação adequada deve deixar espaço para as empresas formularem as suas próprias políticas para garantirem que os seus funcionários possam desfrutar do ROD. Esta é uma garantia legislativa abrangente e a melhor solução para empresas e trabalhadores lidarem com o direito ao descanso. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Rosa Coutinho Cabral VozesO que farei eu com esta revolução? “A paz, o pão Habitação, saúde e educação Só há liberdade a sério quando houver Liberdade de mudar e decidir Quando pertencer ao povo o que o povo produzir” ( Sérgio Godinho) Ao som desta canção, vou a trote puxada pelos deuses marxistas que me orientam no rumo deste trajecto a que chamo vida. Eles têm nomes, Foucault, Nietzsche, Duchamp, Rimbaud, Borges… e de certa forma são os meus únicos amigos. Arrastam-me pelo mundo, que passa diante dos meus olhos como se fosse um filme. Assim corre a imagem da revolução, a única a que assisti, e pergunto: onde estamos nós, os que andámos pelas ruas a gritar: Só há liberdade a sério quando houver…? Lá longe, por trás das músicas de intervenção que animaram a minha adolescência final, ecoa o projecto do Manifesto Comunista: “Anda um espectro pela Europa – o espectro do Comunismo. Todos os poderes da velha Europa se aliaram para uma santa caçada a este espectro…”, fantasma que se alojou nas teorias da revolução que ao mesmo tempo são uma vontade de controlar o curso da história, como se esta fosse uma totalidade fácil de manipular. Sigo as palavras de Bragança de Miranda sobre a Constelação, herdada de Benjamin, como um método de pensar o real sem o aprisionar em linhas totalitárias, mas aceitando tudo o que mexe “trazendo à visibilidade as possibilidades e potencialidades inscritas em cada coisa do real”. E neste real temos claro que seguir a indicação de Bruno, pensar é “especular com imagens” – uma máquina óptica que mostra ou oculta o que está na realidade, como os filmes. As imagens não são extensões da realidade, mas na verdade revelam o processo de construção do pensamento na actualidade. Outro não pode ser o meu. Criamos mundo ao criar imagens. E imagens quando recordamos o que quer que seja. Lembro-me do que aconteceu naquele dia: a brancura de um relâmpago, tomando as palavras de Natália, invadiu o meu país, libertando-o da escuridão de 48 anos em que se afundara desde 1932 com a coroação fascista de Salazar. O clarão amassou a memória que conservo protegida entre mãos, assegurando que nenhuma ideia de história virá estragar. Na minha recordação aquele dia possui uma narrativa própria, como se se fosse a cena de um conto adaptado num filme: Era uma vez o primeiro dia do resto da tua vida… E conservava a imagem da revolução como se pertencesse a filmes que ao longo dos últimos 50 anos se projectaram perante o meu olhar. A ilusão histórica de controlar aquele momento real, arranjado e rearranjado em cada reviravolta das forças políticas, como se nos fosse exterior, e como se não fossemos nós que fabricássemos o real nas suas diferentes constelações. Gosto de fazer parte daquela comunidade que exortava o povo poeticamente nas ruas do meu país. E agora? Quando penso agora naquele tempo, sinto-me a cair do céu, onde devo ter estado à espera de ser lançada no mundo, e depreendo que como todos o SER, devo ter sido lançada tarde de mais e vou partir cedo demais. É a condição da minha estadia no mundo. Na queda existencial não há tempo para perceber nada. O caos espera-nos. Primeiro imagens, numa prosa que guardo no coração e que se aquietam à procura de se escreveram ou inscreverem onde nada perdura. No fundo o material da revolução, qualquer que seja, fala-me o cérebro, é esse mesmo: cortar o fio à meada e não o enrolar de novo nem para reencontrar o caminho, mas para avançar sem medo até chegar ao touro libertador. A condição revolucionária é ficar perdida no labirinto e dar-lhe um novo sentido no jogo da vida que então se inaugura, trabalhando, agindo, trabalhando, num sonho poético, não burguês. Esta é a imagem linda que se liberta da imagem projectada do grande filme da história que, como sabemos, de nada serve. Estamos sempre aprisionados na teoria da produtividade geral de Marx, que mostra a imagem do início do revolucionar: o salto humano que o distancia da physis, a força da empiricidade do existente onde tudo gira assim como a “jaula de ferro” poderosa onde a domesticação humana criará um dos seus pecados originais mais potentes: a propriedade privada. E é nesta clareira que se abrem os problemas, como diria Foucault, que impõem novas respostas, como podemos ler também no manifesto de Marx, novas reconfigurações revolucionárias”, entre opressores e oprimidos que nunca mais tiveram fim. No fundo já era claro em Marx este papel constelar que aparece de cada vez que o homem quer começar de novo. A crise, a urgência, o perigo precisam de respostas. E por um momento, absolutamente poético, o povo unido das revoluções acredita dá-las em conjunto. E por ventura dá. Não sou tão cínica assim. A imagem de uma revolução é assim a de uma reorganização do real, para lá do bem e do mal. Mas isso, creio, as massas que carregam a matéria inflamável para o motor não sabem. São pequenos efeitos, pequenas combinações, pequenas montagens do mundo que tanto podem caber numa obra de Duchamp, como num gesto de Che Guevara. Mas voltando ao meu quarto de brinquedos interior. Aquele em que só entram os convidados que acreditam na liberdade. E brinco para dar sentido à teia imaginária e tornar mais nítida a figura da revolução, relembrando a imagem de Delacroix da Liberdade Guiando o Povo, numa comoção romântica, percebendo que para falar da memória dita histórica, não há centro mas um vazio pronto a ser preenchido como o olhar, recriando um caminho singular de um programa para sempre conhecido como o Movimento das Forças Armadas. Impossível esquecer o anúncio: Aqui, Comando das Forças Armadas, e a marcha (afinal uma marcha inglesa, mas adiante). Um som ao mesmo tempo constituinte e constituído pela História Recente do meu país. Quando pensamos a figura Revolução, não podemos ser hegelianos e achar que o todo é a verdade, mas que a história como um todo é uma escrita teológica, uma ficção afinal, que leva Mallarmé a afirmar que o “próprio pensamento do espírito humano institui a ficção “nas condições gerais da experiência humana”, como aponta Rancière. Pois. Agora corro perigosamente sobre esta coisa a que chamamos real e onde as revoluções – como imagem de desejo de uma erótica política e social – surgem. A revolução é desejada por alguns, produzida no real, acrescentado o real. Porque tudo faz parte do real, fragmentos, lances, gestos, imagens… que a desejam e que a repudiam. E tudo isso jaz no acontecimento revolucionário. É uma imagem caleidoscópica de vontades distintas, num momento em parece prevalecer uma, criando uma imagem de intensa unidade revolucionária. Uma constelação que por um momento institui um novo arranjo do mundo social e político naquele lugar. No meu país, no caso do 25 de Abril. E volto à cena do filme que conservo na minha memória. Faço a montagem dos acontecimentos que doravante me pertencem. Dia 24 de Abril de 1974. Passa das 11horas da noite. Estávamos na sala. Os meus pais ouviam rádio, nós televisão, e não nos escapava o interesse com que as notícias os afectava. E inesperadamente ouvimos a Grândola Vila Morena. Talvez tenhamos ouvido também o Depois do adeus, de Paulo de Carvalho, mas não tinha o mesmo significado e ainda não sabíamos que era a senha para uma revolução. Era noite. O trânsito da Calçada da Estrela aumentava desmedidamente. Abrimos a porta da varanda e, surpresos, vimos uma coluna de camiões militares, carregados de soldados, a descer a calçada. Os meus pais não queriam que nos deixássemos ver pelos soldados. O receio fundamentado de um golpe militar pairava dentro das nossas quatro paredes, desde Portugal e o Futuro escrito pelo General Spínola. E para as gerações mais velhas, eu não passava de uma adolescente, um golpe militar suscitava sempre receio, medo, terror. O som dos veículos pesados aumenta e invade a casa. Parecia que estávamos dentro de um filme. E que a cena estava a ser filmada algures do céu, algures por Montesquieu. Com cuidado fomos ver da varanda da sala. E o filme continuava, como um manuscrito de milhares e milhões de pessoas. As ideias relacionam-se como as coisas, num método singular em que os conceitos, as acções, as invenções e alegres sugestões funcionam como operadores luminosos guiando-nos num mundo novo. Houve partes imediatamente felizes: de manhã fomos avisados para não ir ao liceu. E o que podia ser um acontecimento medonho, transformou-se no início do ano mais bonito da minha vida. O ano em que me sentiria, talvez pela primeira vez, como cidadã do mundo. Portugal sai de uma noite escura e abre aquele porto onde o velho do Restelo clamou os seus receios e Pessoa ditou a sua sábia Mensagem. É uma imagem dialéctica, a imagem da revolução possível que emerge de tudo o que é potencial. A revolução é assim uma imagem potente, devastadora e eufórica. Contrariando Benjamin, a mim agrada-me o que fica de influências mágicas, incandescentes, que não se inclinam submissamente perante o racional. Que permitam escrever que no 25 de Abril a poesia saiu à rua. Nas ruas, nas assembleias de escola, as célebres RGA, nas associações de moradores, eu podia sentir pela primeira vez que intervinha na vida do meu país. Em liberdade e consciência política. Uma poesis delirante mobilizava a juventude e todos os que ansiavam pela liberdade. Tudo parecia possível e à medida dos sonhos acalentados durante 48 anos. Era o tempo de sonhar, e eu também gritava afinal. Os soldados sempre ao lado do povo de um MFA que me conquistou quase imediatamente, passado o receio de um golpe de estado militarista, que pouco a pouco a pouco foi recuando o seu ímpeto revolucionário e acomodando à paz podre da democracia. Era assim – uma alegria ingénua que se derramava nas ruas ao som de várias palavras de ordem de forças políticas que se iam organizando, de governos provisórios que se sucediam no chamado Verão quente até ao 25 de Novembro de 1975. A revolução para muitos morria. O espectro do comunismo morria e era a democracia europeia que avançava a todo o vapor Portugal dentro. Era o tempo de sonhar, e eu também gritava afinal. Os soldados sempre ao lado do povo de um MFA que me conquistou quase imediatamente, passado o receio de um golpe de estado militarista, mas que pouco a pouco a pouco foi recuando o seu ímpeto revolucionário e acomodando à paz podre da democracia. Aquela revolução quase sem sangue derramado, em que como disse Sebastião Salgado o poder popular existia de facto, agonizava aos poucos. As imagens da revolução, discutidas como se pudessem vestir a realidade com um fato completo, esquecem-se que o real é que existe em excesso e convulsivamente com o simbólico, o imaginário e que nos arrasta dentro e fora. O real não tem limites. A nossa vontade pode configurá-lo. Criar uma imagem, desde os mitos às revoluções, projectos de criar um espaço habitável, em condições humanas com o mesmo impulso ditado por Marx: segurança perante um mundo estranho que nos tomba todos os dias na idade da ansiedade, como lembraria Mclhuan. Como a revolução do 25 de Abril. Não há imagem que a consiga representar na totalidade. Foi uma possibilidade de um povo contra o absolutismo do fascismo. Correu bem e mal, já o disse. E caímos todos numa sociedade meio esquizóide onde tudo se junta num Maelstrom incoerente. Para ter o bem há-de se conservar o mal, ou vice versa. Os deuses do deserto venceram a parada. O jogo da vida continua. Temos de agir, trabalhar, caminhar para tentar salvar os projectos de esquerda que nos animavam naquele Abril distante. Há os que sabem que naquele dia a constelação da liberdade, da justiça, da democracia, e do estado social ia tomar forma conforme os protagonistas modelavam o real. A esquerda e a direita passaram a governar a retórica do tempo que veio. Desepero na desilusão de um inferno politiqueriro em que se perdeu quase tudo, gostava de poder conversar com Platão sobre a sua controversa utopia. Era a raiz de mil sonhos ocidentais e já encerrava a perdição dos mesmos. Proibir, censurar, domesticar a liberdade. E a luta continua! Há aqueles que não desistem e encontram ainda um reflexo de prata no horizonte… Há os que se lembram da fome, do analfabetismo, da inexistência de um serviço nacional de saúde, da censura, do medo, da tristeza social daqueles tempos salazarentos… há os que se lembram dos mortos de uma guerra colonial sem sentido… há os que se lembram daqueles povos que nada tinham de portugueses e que se mantinham colonizados quando toda a Europa os libertava das amarras históricas… O que é lamentável é que neste projecto democrático, os partidos não se entendam minimamente para consolidar as conquistas de um Estado Social, na fortificação do Serviço Nacional de Saúde e Educação e fim da fome e da pobreza, por uma vez por todas. O que é também uma pena é que o jogo de opressores e oprimidos continue. Que os escravos estejam à disposição do capitalismo selvagem sem sequer saber que são escravos. Que não andem espectros pelo mundo com novos projectos… Por isso, se calhar, prefirei sempre ser anarquista. Na verdade, adoro todos os dias como o 25 de Abril. Todos os dias em que os homens fogem da arké e se apropriam da poesia – que preferiria que nunca se constituísse como poder… Valeu a pena? Claro que sim! O 25 de Abril será sempre um dia extraordinário que re-arranjou o real, elevando e desatrelando o país de uma continuidade histórica que nos envergonhava e humilhava a todos. O 25 de Abril será sempre o dia em que o regime finalmente terminou a queda da cadeira, iniciada anos antes. O 25 de Abril será sempre o dia em que se fez justiça a todas as censuras literárias, perseguições a estudantes, assassinatos políticos e torturas pela PIDE – será sempre o dia da minha juventude em que a ditadura fascista terminava de vez e que o sol parecia realmente brilhar para todos de igual modo. Uma revolução é sempre uma amputação do presente. É uma imagem pintada com sangue vivo. Acredito que existem sempre pessoas que são afectadas pela luz da mudança, pela máquina que muda e não pela fábrica que mantém. E às vezes é preciso voar dentro da terra, e com tudo o que ela contém dentro do seu peso. Como o voo dos mortos. Os mortos da minha felicidade. Com eles, por eles, e com todos os que hão-de vir por acreditarem num mundo melhor, gritarei Unidos venceremos! Os soldados sempre sempre ao lado do povo. Fascismo Nunca Mais! O Povo Unido Jamais Será Vencido! Palavras de ordem que ecoavam pelas ruas e alimentavam a esperança de melhores tempos para Portugal. Um país livre que podia finalmente chorar os mortos da sua felicidade. E na minha ingenuidade de adolescente eu vivi intensamente aqueles dias, um a um, daquele ano, em que pela primeira vez tinha um lugar na política. Hoje sei, passados 50 anos, que no meu país tratam-nos mal. Abril ainda não se cumpriu – por isso estou tentada a dizer, como o cidadão Kohlaas de Kleist (cito de memória): “num país onde não respeitam os meus direitos eu não quero viver”. e se nos fossemos todos embora? como os enfermeiros e os médicos? o que é que acontecia à cultura portuguesa? Não, por mim falo, eu não desisto, ainda faço parte de pessoas dispostas a lutar para cumprir o SEMPRE de ABRIL! 25 de Abril Sempre, Fascismo nunca mais! “A opressão é uma ofensa ao ser humano que é naturalmente doado à liberdade” (Natália Correia)
Carlos Morais José Vozes25 de Abril – 50 anos: Antes de mais, a ética Foi há 50 anos o 25 de Abril. O dia que marcava o fim de tanta coisa errada e o princípio de tanta coisa certa. O fim da guerra, do atraso, da pobreza, do analfabetismo, do isolamento, da injustiça, da estupidez. Liberdade, Igualdade, Solidariedade. O dia que mudava um país e, sobretudo, mudava as nossas vidas e inaugurava um novo tempo. Um tempo em que se acreditou que era possível. Talvez pela última vez. Um tempo de festa e um tempo de enganos. Ou um tempo de mudança para que tudo conseguisse ficar, mais ou menos, na mesma? 50 anos depois muito melhorou, mas existe uma justiça social por fazer, uma riqueza ansiosa de uma melhor distribuição, um mercado voraz e autofágico a quem ninguém ousa por uma trela. As questões que o 25 de Abril levantou foram, antes de mais, éticas: somos ou não a favor de uma sociedade mais livre e mais justa, onde todos terão à partida os mesmos direitos e onde mecanismos meritocráticos invalidam o estatuto pela mera posse de bens ou fortuna? Somos ou não por uma sociedade onde todos têm direito aos bens básicos como comida e habitação, educação e saúde, sem distinções e independentemente de origens sociais ou atribulações do destino? 50 anos depois parece-nos ser mais urgente ainda colocar as mesmas questões e ouvir com muito cuidado as respostas. Nada do que nos parecia claro e distinto, em termos éticos e políticos, há 50 anos nos surge hoje sob a mesma luz ou com as mesmas possibilidade de concretização. Os contextos mudaram e nós também. A tecnologia passou a dar cartas nos regimes, controlados pelos mercados, a que chamamos de “democracia” e cujas valências sociais e políticas vemos erodir todos os dias. Estamos num ponto em que existimos sob a temerosa sensação de que tudo pode acontecer. Talvez agora que assistimos ao regresso farsola de tiques passadistas e ao aparecimento de múmias que, apressadamente, julgámos definitivamente enterradas, seja tempo de melancolicamente nos perguntarmos como chegámos aqui, o que ignorámos, quantas vezes olhámos para o lado, e como podemos (outra vez) resistir. E, sobretudo adquirirmos a consciência de: o que para nós é um registo de farsa, noutros encontra ecos que nos podem levar a uma tragédia. Os ideais de Abril não alcançam aos 50 anos a sua definitiva maturidade. Pelo contrário, parecem definhar como alguém acometido de precoce doença. Trata-se de uma maleita que está no meio de nós: chama-se indiferença, egoísmo, narcisismo, tiques de uma geração que sonhou mudar o mundo e não foi sequer capaz de se aplanar a si própria, de se manter arreigada aos seus ideais, além de, imersa no frenesim das mudanças, não ter tido a capacidade de passar a sua memória à geração seguinte. Daí que o Hoje Macau tenha entendido trazer o cinquentenário 25 de Abril para a sua capa, durante esta semana, pela mão e visão de artistas, não somente para celebrar a data mais importante da história contemporânea de Portugal, mas sobretudo como sinal de vida de uma inequívoca resposta às questões éticas que o 25 de Abril levantou, respostas essas que deveríamos ter a coragem de ouvir no interior de cada um de nós.
André Namora Ai Portugal VozesAs tretas de Montenegro 1 – MARCELO COM REMORSOS DE CONSCIÊNCIA O Presidente da República que aceitou de imediato a demissão de António Costa e que rejeitando uma proposta do antigo primeiro-ministro no sentido de ir para o seu lugar Mário Centeno, visto que o Partido Socialista tinha uma maioria absoluta para governar, é a mesma pessoa que depois de andar absolutamente calado até “colocar” Luís Montenegro em primeiro-ministro, é a mesma pessoa que agora anda cheio de remorsos de consciência relativamente a António Costa ao ponto de vir a público afirmar que seria bom que um português viesse a ocupar o lugar de presidente do Conselho Europeu, referindo-se indirectamente a António Costa. O Presidente Marcelo sabe bem o mal que fez ao país enquanto não destituiu António Costa apenas com a fobia de colocar lá alguém do seu partido, que por sinal não era Luís Montenegro, mas sim Pedro Passos Coelho. Mas o Presidente da República já anda a falar demais para o que era normal há uns meses. Ao ponto de chegar a afirmar, inacreditavelmente, que Carlos Moedas, o actual presidente da edilidade lisboeta, é uma pessoa indicada para ser candidato a Presidente da República. Será que o Presidente Marcelo não se dá conta do que já foi dizendo, mesmo em tertúlias de amigos? Começou por desejar Passos Coelho para candidato ao seu lugar. Depois, começou a dar a entender que uma pessoa fundamental para o cargo seria alguém com experiência política como Marques Mendes. E agora, vem falar de Carlos Moedas. Pensamos, muito sinceramente, que Marcelo Rebelo de Sousa ficou imensamente perturbado psicologicamente com o “caso das gémeas”, que na verdade lhe retirou imensa popularidade e que ele sabe bem que andou a meter “cunhas” para a cirurgia das gémeas com um gasto de mais de quatro milhões de euros. 2 – A MODA É DIZER MAL DO BENFICA O Sport Lisboa e Benfica é uma instituição de prestígio centenário. A equipa tem um treinador com experiência e sapiência invulgares. Mal chegou ao Benfica o clube foi campeão. Depois, um sector da estrutura do clube iniciou uma campanha junto dos adeptos contra Roger Schmidt porque este não dava satisfações profissionais a quem não tinha nada a ver com a prática desportiva da equipa. A partir daí, tem-se acentuado essa campanha contra o treinador ao nível dos mais diversos comentadores de televisão. Ora, Roger Schmidt é um dos melhores treinadores da Europa e sabe o que faz. Não tem culpa que certos jogadores, influenciados por alguma imprensa desportiva, não pratiquem o futebol que Schmidt ministra no Seixal durante os treinos. Está à vista de toda a gente que existem jogadores que não suam a camisola e que estão constantemente a perder a bola para o adversário, tal como aconteceu no último jogo em França para a Liga Europa. E, isso, é culpa do treinador? Certos adeptos acusam Schmidt de efectuar substituições tardias. Parece mentira. Essa particularidade, vê-se por esse mundo fora do futebol. Obviamente que o treinador realiza as substituições quando se dá conta que o resultado está a correr negativamente e tudo faz para mudar a situação. Mas não, agora é a campanha total para mandar embora o treinador. Pois bem, os benfiquistas se assim querem, pensem só que têm de entregar ao treinador e à sua equipa técnica mais de 30 milhões de euros, porque o contrato é válido até 2026. 2 – AS TRETAS DE MONTENEGRO O actual primeiro-ministro, Luís Montenegro, começou a sua participação da pior forma. Em campanha eleitoral e depois de ter sido eleito afirmou a todos os portugueses que o investimento numa descida do IRS atingiria os 1.500 milhões de euros. Nem imaginam a “feira” a que assistimos durante toda a semana passada com os partidos todos a criticar a grande mentira de Montenegro, porque mais de 1.000 milhões já pertenciam ao plano do Orçamento anterior de António Costa. Este novo governo vai apenas investir entre 200 a 300 milhões. El-rei gritou: embuste! Fraude! Mentira! Propaganda! E que mais epítetos se ouviram por esses canais de rádio e televisão contra a manobra de Montenegro que enganou tudo e todos que o IRS iria ser um bem caído do céu (leia-se AD) para todos os portugueses. O debate extraordinário no Parlamento foi uma vergonha. Nem o primeiro-ministro, nem o ministro das Finanças apareceram no hemiciclo para prestar esclarecimentos sobre o IRS porque andavam a viajar. Ainda nem aqueceram a cadeira dos gabinetes e só pensam na passeata. Até houve um ministro, que sem necessidade nenhuma, foi até Macau. Para quê? Se os portugueses que residem na vossa Região só se sabem queixar que as autoridades portuguesas não ligam nenhuma a Macau… Montenegro começa muito mal. Escolheu para governante um ministro que tinha participado em grandes cambalachos no fabrico de máscaras clínicas quando Portugal foi atingido pelo vírus Covid 19 e era vice-presidente da Câmara de Cascais, havendo alegadamente as maiores suspeitas de corrupção. Escolheu para governante uma senhora que estava na CP e que saiu para a Autoridade da Mobilidade e Transportes. Duas instituições públicas. Inexplicavelmente, a senhora ao deixar a CP levou com ela 80 mil euros de indemnização. Por quê? E mais grave ainda, foi para o novo “tacho” com um salário de 13.440 euros mensais. Algo inacreditável. Um pecúlio superior ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República e ao primeiro-ministro, as três figuras de maior destaque na vida política portuguesa. O novo primeiro-ministro, aos olhos dos portugueses mentiu, fez propaganda sobre o IRS em campanha eleitoral e na apresentação do Programa do Governo dizendo que o investimento seria de 1.500 milhões de euros. Isto foi grave e ainda se mantém a discussão no Parlamento, onde se tem destacado, diga-se a verdade, quem tem mostrado saber de Finanças a sério, a líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua. Esta deputada já demonstrou por A mais B que a AD mentiu aos portugueses.
Hoje Macau VozesO evento diplomático mais importante do ano de 2024 Por Francisco Leandro – Professor Associado da Universidade de Macau Vai decorrer em Macau, no próximo fim-de-semana, o evento diplomático mais importante do ano: a VI Conferência Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Este evento é composto por três momentos, divididos por dois espaços: no dia 21 de Abril, terá lugar o jantar de boas-vindas aos delegados da VI Conferência Ministerial do Fórum Macau, no Centro de Convenções Internacionais, na Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental; no dia 22 de Abril, decorrerá a Cerimónia de Abertura da VI Conferência Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa e no dia 23 de Abril, a Conferência dos Empresários entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Estes dois últimos eventos, terão lugar no Salão Nobre do novíssimo Complexo da Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. São quatro as razões para considerar esta conferência o evento diplomático do ano na RAEM. A primeira, relaciona-se com a consolidação do papel de RAEM no contexto da sua contribuição para os planos nacionais, não só no contexto de “Um País Dois Sistemas”, mas também na política “Um Centro, Uma Plataforma e Uma Base”. O desenvolvimento sustentado e diversificado da RAEM, para além de estar a encaminhar a região para se tornar “Um centro com quatro indústrias nascentes” – “Um Centro” de turismo de nível mundial, facilitando ao mesmo tempo a desenvolvimento de quatro indústrias, nomeadamente: a indústria da saúde de alta qualidade, os serviços financeiros modernos e de nível internacional; as indústrias de alta tecnologia; e a indústria de convenções e exposições – deve estar também atento ao aprofundamento do conceito de Macau como plataforma comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. A segunda, está associada ao facto de terem decorrido cerca de 8 anos (desde 2016), sem contar com a Conferência Ministerial extraordinária que se realizou online em 2022, desde que os representantes dos 10 estados soberanos, tiveram oportunidade de consolidar laços pessoais e institucionais. Ė, portanto, tempo de estabelecer um plano de acção para os próximos 3 anos, que seja capaz de corresponder ao consenso das diferentes expectativas político-diplomáticas e continuar a valorizar o Fórum Macau, como um bem comum e de interesse público. Um plano de acção estratégica que tenha em conta os novos desafios colocados pelas transformações internas dos 9 países de língua portuguesa, bem como os desenvolvimentos da Grande Baia e da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau, em Hengqin. A terceira, prende-se com o facto de ser a primeira vez que a delegação da Guiné Equatorial, membro de pleno direito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (desde 2016 na XI Cimeira, em Brasília) e do Fórum Macau (desde 2022), participará ao mais alto nível, alargando o horizonte das possibilidades de cooperação e a visibilidade africana do Fórum Macau. Finalmente, no momento particularmente tumultuoso da ordem internacional, de um novo dinamismo que a administração do Presidente Lula da Silva veio imprimir às relações Sino-Brasileiras e do recém eleito Governo de Portugal, importa consolidar e alargar a cooperação para o desenvolvimento, num espírito de paz, de modo sustentado, dando passos concretos para que um dia seja possível estabelecer, entre a China e os Países de Língua Portuguesa, uma comunidade de destino partilhado, à semelhança das que a China estabeleceu com o Laos (2019), com a Tailândia (2022), com o Camboja (2023) e com o Quirguistão (2023).
Hoje Macau VozesReforçar o Papel de Macau como Ponte entre a China e os Países de Língua Portuguesa Reforçar o Papel de Macau como Ponte entre a China e os Países de Língua Portuguesa para a Construção de uma Comunidade com um Futuro Partilhado para a Humanidade Liu Xianfa* A 6.ª Conferência Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau) terá lugar em Macau, de 21 a 23 de Abril de 2024. Desde a criação do Fórum Macau, há mais de 20 anos, a China e 9 países portugueses continuaram a levar a cooperação em vários sectores a novos níveis, com vantagens significativas em vários aspectos e múltiplos resultados importantes alcançados. A confiança política mútua foi reforçada e aprofundada. Actualmente, a relação entre a China e os países de língua portuguesa está no seu melhor momento da história. Desde o ano passado, o Presidente Xi Jinping manteve conversações ou reuniões com líderes visitantes dos países de língua portuguesa, incluindo o Presidente Lula do Brasil, o Presidente Lourenço de Angola, o Primeiro-Ministro Xanana de Timor-Leste e o Primeiro-Ministro Maleiane de Moçambique. Foram alcançados importantes consensos sobre o desenvolvimento das relações bilaterais e o aprofundamento da cooperação internacional. A China e os países de língua portuguesa têm sistemas sociais, histórias, culturas e níveis de desenvolvimento diferentes, mas num espírito de respeito mútuo, igualdade e cooperação vantajosa para ambas as partes, sempre se apoiaram mutuamente em questões importantes e lidaram adequadamente com as diferenças, comprometeram em construir uma parceria saudável e estável de longo prazo. Num novo período de intensificação da turbulência e transformação em todo o mundo, tanto a China como os países de língua portuguesa apoiam firmemente a paz e o desenvolvimento e defendem a equidade e a justiça internacionais. Estão unidos na cooperação em áreas de interesse comum para toda a humanidade, como as alterações climáticas, a saúde pública, a prevenção e mitigação de desastres, entre outras. As duas partes trabalharam em conjunto para criar um centro de comunicação sobre prevenção de epidemias em Macau, a fim de melhorar o sistema global de governação da saúde. A China também ajudou a construir estações de monitorização meteorológica marítima e outras instalações para enfrentar catástrofes e alterações climáticas em caso de necessidade nos membros do fórum. A cooperação económica produziu resultados frutíferos. A Iniciativa Faixa e Rota tem desempenhado um importante papel de liderança na cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa. Guiados pelos princípios de ampla consulta, contribuição conjunta e benefícios partilhados, os dois lados avançaram na liberalização e facilitação do comércio e do investimento, bem como na cooperação em matéria de conectividade de infra-estruturas e capacidade de produção. A cooperação na agricultura, protecção ambiental, transportes, comunicações, finanças e outras áreas deu frutos. As medidas relevantes para promover a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa anunciadas pela China na Quinta Reunião Ministerial do Fórum de Macau foram integralmente implementadas. Em 2023, o valor total dos bens importados e exportados entre a China e os países de língua portuguesa foi de 220,9 mil milhões de dólares, um aumento de quase 90 mil milhões de dólares em comparação com há 10 anos. Desde a sua criação em 2013, o Fundo de Cooperação e Desenvolvimento para a China e os Países de Língua Portuguesa apoiou a implementação de 10 projectos com uma contribuição total de 470 milhões de dólares, levando as empresas chinesas a investir mais de 5 mil milhões de dólares nos países de língua portuguesa. Estes projectos abrangem infra-estruturas, agricultura, finanças, cooperação em capacidade de produção e outras áreas-chave. Projetos de cooperação como o Terminal de Contentores de Paranaguá no Brasil, o Parque Agrícola de Moçambique e equipamentos de transmissão e distribuição de energia e abastecimento de água em Angola, que foram concluídos e colocados em operação, promoveram efetivamente o desenvolvimento econômico local e melhorou a vida das pessoas. A apreciação mútua entre civilizações alcançou resultados notáveis. Embora a China e os países de língua portuguesa estejam distantes um do outro, há muitos anos que estão envolvidos em intercâmbios interpessoais e na comunicação civilizacional. Na Dinastia Ming, o Navegador Zheng He visitou a Ilha de Timor e o Porto da Beira em Moçambique, escrevendo uma história de intercâmbios pacíficos e cooperação amigável entre chineses e estrangeiros. Tanto a China como os países de língua portuguesa procuram a independência e opõem-se à hegemonia, defendem a procura de um terreno comum, ao mesmo tempo que reservam as diferenças e abraçam a diversidade, e esforçam-se por abrir novos caminhos, ao mesmo tempo que seguem as boas tradições e defendem os princípios fundamentais. O número de turistas chineses que visitam os países de língua portuguesa está a crescer rapidamente. Os dois lados também reforçaram os contactos educacionais e culturais. As línguas portuguesa e chinesa tornaram-se cada vez mais populares nos países uma da outra. A cooperação entre a China e os países de língua portuguesa nos domínios da cultura, arte e turismo continuou a aproximar as pessoas de ambos os lados, aumentando a compreensão mútua e os sentimentos de amizade. No ano passado, Macau acolheu um seminário sobre homogeneidades culturais entre a China e os países de língua portuguesa e um fórum sobre aprendizagem mútua de civilizações entre a China e os países de língua portuguesa. Os especialistas e académicos participantes apoiam fortemente a Iniciativa de Civilização Global apresentada pelo Presidente Xi Jinping, acreditam que o aprofundamento do intercâmbio, a aprendizagem mútua e a inovação entre as civilizações da China e dos países de língua portuguesa é de grande inspiração e significado prático para todos os países que darem as mãos na construção de uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade. Macau é o primeiro lugar onde as civilizações chinesa e ocidental interagiram e trocaram. É também uma cidade onde a tradição e as civilizações modernas se misturam bem. Este ano assinala-se o 25º aniversário do regresso de Macau à pátria. Hoje, Macau está a aproveitar plenamente as vantagens de “um país, dois sistemas”, implementando plenamente o importante posicionamento de “Um Centro, Uma Plataforma e Uma Base” conferido pelo Governo Central, e aproveitando activamente grandes oportunidades como a Iniciativa Faixa e Rota, a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau e a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin. Acredito que Macau, que serve como uma ponte importante para a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa e como cidade anfitriã permanente do Fórum Macau, dará maiores contribuições à China e aos países de língua portuguesa que trabalham para construir uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade. * Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO Ocidente dividido “Make no mistake, the normative authority of the United States of America lies in ruins. The decision to go to war in Iraq, without the explicit backing of a Security Council Resolution, opened up a deep fissure in the West which continues to divide erstwhile allies and to hinder the attempt to develop a coordinated response to the new threats posed by international terrorism”. The Divided West – Jürgen Habermas (continuação) Revela também a perplexidade dos dirigentes israelitas, que não imaginavam que os terroristas palestinianos fossem tecnicamente capazes de uma tal operação. Como disse o general israelita Giora Eiland, a coligação de direita e de ultra-direita no poder prejudicou gravemente a imagem e a credibilidade de Israel ao lançar a represália de dois meses no interior de Gaza, em vez de se limitar a controlar o “Corredor de Filadelfia” (o corredor Filadelfia é uma zona limite entre a Faixa de Gaza e Egipto. Este corredor, de 100 metros de largura e 14 km de comprimento, poderia ser a única via de passagem para centenas de milhares de palestinianos no caso de um grande ataque do exército israelita em Rafah) e isolar a “Faixa” para obrigar o inimigo a render-se, pelo que “Sentimo-nos vítimas do 7 de Outubro, um ataque frio e impiedoso e agora toda a gente nos considera carniceiros”. Abriu-se um novo capítulo na disputa secular entre judeus e árabes palestinianos. Ninguém sabe nem pode saber onde vai acabar. Depois de se ter afastado a quimera dos dois Estados, uma hipótese que nunca existiu mas que era conveniente para todos, restam três possibilidades, a de um Estado, nenhum ou “cem mil”. No primeiro caso, Israel formalizaria o facto de que, entre o rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, existe apenas um Estado, o seu. O resto são territórios ocupados, corroídos todos os dias pelo impulso dos colonos. É suposto estabelecer-se assim a quota de palestinianos que é tolerável no Estado-nação do povo judeu. Os restantes terão de emigrar, espontaneamente ou não. A 28 de Janeiro de 2024, realizou-se em Jerusalém uma manifestação festiva, com a presença de doze ministros, para anunciar a recolonização de Gaza. Com um mapa detalhado dos colonatos. O ministro das Comunicações, Shlomo Karhi, criou para a ocasião o conceito de “emigração voluntária imposta”. O resultado de com a acção desencadeada pelo Hamas deve, portanto, consistir num grau de limpeza étnica determinado por meras relações de poder. Os “Estados Zero” seriam, em vez disso, a consequência de um conflito alargado com a Cisjordânia, o Líbano e a Síria, mas também para o Irão e os Estados Unidos com os seus respectivos associados. Sem excluir a utilização da “bomba atómica”. Todos os conflitos do Médio Oriente seriam perturbados e redesenhados ou ficariam fora do alcance de qualquer entidade estatal. Israel e os “Territórios”, tal como são actualmente, deixariam de existir. Improvável, mas não impossível. Por “cem mil” entende-se a tribalização paroxística que afecta as populações de Israel, profeticamente denunciada pelo antigo Presidente Reuven Rivlin em 2015. Nos meses que antecederam a guerra, multiplicaram-se os projectos de federalização, de cantonização e de parcelizações diversas, talhados a bisturi no espaço exíguo do Estado judaico. Desde os panfletos da Cisjordânia aos de Israel. A homogeneidade étnico-cultural-religiosa determinaria a divisão de territórios considerados heterogéneos. Um gosto pela escultura que sempre animou os projectos de reconfiguração de espaços estreitos e disputados. Tal como no “Plano Eiland” para Gaza, que na versão de 2008, previa o alargamento da “Faixa de Gaza” a uma fatia do Sinai Egipto em troca de uma parte do Negev (região de Paran) atribuída ao Cairo e 12 por cento da Cisjordânia anexada a Israel. Ou os oito emirados palestinianos entre Gaza e a Cisjordânia, fruto da acrimónia de Mordechai Kedar, antigo oficial dos serviços secretos. A tentativa de resolver o insolúvel convida à auto-destruição. Mas nesta altura a “Caixa de Pandora” já foi aberta. A responsabilidade recai sobre todos os actores envolvidos na região. Deixar às armas a imposição de projectos geopolíticos que serão sempre contestados pelos adversários do momento significa resvalar para a guerra permanente. Potencialmente suicida. Tudo menos uma vitória decisiva. Poder-se-ia estabelecer neste contexto dez dogmas da guerra de Israel contra o Hamas num conflito de longa data que resultou em inúmeras baixas e destruição de ambos os lados em que Primeiro, o Hamas é uma organização terrorista: Um dos dogmas centrais da guerra de Israel contra o Hamas é a rotulagem do grupo como uma organização terrorista. O Hamas tem sido responsável por numerosos actos de terrorismo, incluindo ataques com foguetes contra civis israelitas e a utilização de bombistas suicidas. Este dogma justifica as acções militares de Israel contra o Hamas, enquadrando-as como medidas necessárias para proteger os seus cidadãos da violência. Segundo, Israel tem o direito à auto-defesa: Outro dogma fundamental da guerra de Israel contra o Hamas é a crença no direito do país à auto-defesa. Israel argumenta que as suas acções militares são necessárias para proteger os seus cidadãos dos ataques do Hamas e de outros grupos militantes da região. Este dogma constitui a base das operações militares de Israel em Gaza, incluindo os ataques aéreos e as incursões terrestres. Terceiro, o Hamas utiliza escudos humanos: Israel acusa o Hamas de utilizar escudos humanos, uma táctica em que os militantes se escondem entre os civis para dissuadir os ataques das forças inimigas. Este dogma é utilizado para justificar o ataque de Israel a áreas civis em Gaza, uma vez que os militares israelitas afirmam que o Hamas está deliberadamente a pôr em risco vidas inocentes ao utilizá-las como escudos. Os críticos argumentam que esta justificação constitui uma violação do direito humanitário internacional, que proíbe o ataque intencional a civis durante um conflito armado. Quarto, o bloqueio de Gaza é necessário para a segurança: Israel mantém um bloqueio a Gaza, controlando o fluxo de bens e pessoas que entram e saem do território. Este dogma afirma que o bloqueio é necessário para a segurança de Israel, uma vez que restringe o movimento de armas e militantes para Gaza. Os críticos argumentam que o bloqueio é uma forma de punição colectiva contra a população civil de Gaza, uma vez que restringe o acesso a bens e serviços essenciais. Quinto, a solução de dois Estados é a única via para a paz: Muitos apoiantes da guerra de Israel contra o Hamas argumentam que a solução dos dois Estados é o único caminho viável para a paz na região. Este dogma afirma que a criação de um Estado palestiniano ao lado de Israel é a melhor forma de resolver o conflito e de responder às aspirações de ambos os povos. Os críticos argumentam que a solução dos dois Estados já não é viável devido à expansão contínua dos colonatos israelitas na Cisjordânia e à falta de vontade política de ambas as partes para negociar um acordo de paz duradouro. Sexto, o direito internacional apoia as acções de Israel: Israel afirma que as suas operações militares em Gaza estão em conformidade com o direito internacional, nomeadamente com as leis dos conflitos armados. Este dogma afirma que as acções de Israel são respostas proporcionais e necessárias às ameaças colocadas pelo Hamas e por outros grupos militantes na região. Os críticos argumentam que Israel violou o direito internacional ao visar zonas civis em Gaza, ao utilizar força excessiva e ao ignorar os princípios da distinção e da proporcionalidade. Sétimo, o Hamas rejeita o direito de Israel à existência: Outro dogma central da guerra de Israel contra o Hamas é a rejeição, por parte do grupo, do direito de Israel a existir. O ideário do Hamas apela à destruição de Israel e à criação de um Estado palestiniano no seu lugar. Este dogma é utilizado para justificar as acções militares de Israel contra o Hamas, enquadrando-as como medidas defensivas contra uma ameaça existencial. Os críticos argumentam que a rejeição pelo Hamas do direito de Israel a existir é uma posição política que deve ser abordada através da diplomacia e das negociações, e não da força militar. Oitavo, o papel dos actores externos no conflito: a guerra de Israel contra o Hamas não é apenas um conflito localizado entre duas partes, mas uma luta geopolítica complexa que envolve múltiplos actores externos. Este dogma reconhece a influência de países como o Irão e o Qatar no apoio ao Hamas e a outros grupos militantes na região. Reconhece também o papel dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais no apoio militar e diplomático a Israel. Este dogma salienta a necessidade de cooperação e empenhamento internacionais para abordar as causas profundas do conflito e promover uma resolução pacífica. Nono, o impacto do conflito na população civil: O actual conflito entre Israel e o Hamas tem tido um impacto devastador na população civil de ambos os lados. Este dogma reconhece o sofrimento e as perdas sofridas por pessoas inocentes apanhadas no fogo cruzado do conflito, incluindo crianças, mulheres e idosos. Sublinha a necessidade de assistência humanitária, de protecção dos civis e de respeito pelos direitos humanos no meio de um conflito armado. Este dogma apela a uma maior atenção às dimensões humanitárias do conflito e a um empenhamento na defesa dos princípios do direito internacional humanitário. Décimo, a necessidade de diálogo político e de negociação: Apesar da profunda animosidade e desconfiança entre Israel e o Hamas, reconhece-se a necessidade de diálogo político e de negociação para resolver o conflito. Este dogma sublinha a importância da diplomacia, do compromisso e do reconhecimento mútuo na abordagem das causas profundas do conflito e na obtenção de um acordo de paz sustentável. Apela ao reinício das conversações de paz, à implementação de medidas de confiança e ao envolvimento de mediadores externos para facilitar uma resolução pacífica do conflito. Os dogmas da guerra de Israel contra o Hamas reflectem a natureza complexa e multifacetada do conflito em curso entre as duas partes. Embora cada dogma apresente uma perspectiva diferente sobre as causas e as consequências do conflito, todos eles apontam para a necessidade urgente de uma solução abrangente e sustentável para alcançar a paz e a segurança para o povo de Israel e de Gaza. Só através do diálogo, da negociação e de um verdadeiro empenhamento na defesa dos direitos humanos e do direito internacional será possível quebrar o ciclo de violência e alcançar uma paz duradoura na região.
Amélia Vieira VozesA noite funda do tempo Sem preces o mundo adormece. Estamos no ciclo mais baixo das alvoradas e dessas madrugadas que trouxeram as boas-novas e que passaram a lendas encantadas face a este escurecer de todas as auroras. Como se chegou tão rápido a esta realidade é questão de maior interesse. Nunca seríamos capazes de abranger num só diálogo coisa tamanha, mas por algum lado devemos começar. E comecemos por este instante todo em ebulição guerreira onde faltam soldados e onde a devassa da opinião atingiu níveis de guerrilha e a mordaça do sentido da vida uma caricatura que fere uma certa noção de humano, e veremos que estamos aqui, silenciados no meio do ruído em modo de espera por uma coisa qualquer que virá calamitosa. Não vem como o chamado ladrão na noite – não, não- todos nós estamos formatados para uma disrupção de nível avançado que nos tirará da jaula do nosso [melhor dos mundos] e nem por isso a nossa atenção se volve pertinente, precisa e urgente. Vamos ficando até a corda partir. A Guerra é a Guerra. Ponto. Temos toda uma certa componente guerreira inserida nos genes e dela não parecemos sair, nem distantes nos foram ficando as tormentas do sangue assassino da espécie que a matança elegeu como seu mais alta representante, e nesta exorbitância toda feita de razões, pretextos e códigos armamentistas, vamos flutuando como escribas de um duelo eterno. Só que não. Está tudo à beira de um qualquer fim. Basta abrir o tabuleiro de xadrez e passar ali dois dias seguidos para compreender a perfeição do organismo assassino que integrará os vates, valetes, reis e cavalos da parte potestativa do desejo de ação, que nós veremos como a matéria negra engole toda a formatação do jogo, onde, e sempre, as táticas de defesa, perfídia, crueldade, acabam tão menorizadas como o próprio Xeque- Mate. Dois dias a jogar serão dois anos…ou, dois anos jogando a razão cruente de uma extinção certeira. «O acaso não traz nada de novo, encontra cada um como está» por isso não será de forma abrupta todo este desvincular para um trevoso quaternário onde a memória faltará ao ciclo dos vindouros. Vamos ser desprogramados – grande ” crash”…apagão, apagar… – começar de novo sem a faculdade da memória para bem do ciclo futuro, que desta consciência agreste e difícil não restará nos espelhos aquilo que fora a nossa imagem, creiamos então que todo este fulgor destrutivo será somente o ardil varonil do suposto herói, e que no mais distante dos mundos será finda a insígnia que o segura. Ver para crer? Não se acredita que tenhamos de ver mais do embuste que fora chamado ” evolução” pois que involuímos já com hora marcada para as calendas onde só o Inferno nos nomeia. Gaza derrubou de vez a esperança na inteligência humana, a Europa fartou-se de pensar e está exangue, o muito que resta do planeta deixará a marca da sua futura vinda global, e mesmo assim, atravessada por transformações abissais que não comportam nenhuma sustentação, que outrora falávamos no fim dos Impérios, mas o Fim dos Fins, nunca foi falado, e Impérios são calendas que o nosso imaginário já nem comporta. Se estamos tristes? Não. Não estamos coisa nenhuma. Estamos a festejar a Batalha de Aljubarrota, o 25 de Abril e o 14 de Julho como se isto tudo fosse uma una e grande Festa. Ao menor sinal de empolgamento dizemos logo em coro: estamos contra a escalada dos conflitos! Há um Napoleão que quer ir para a Rússia armado em Valquíria, e lá vamos fazendo os nossos negócios, mudando os sexos (cansados e irreprodutíveis) escalando ainda mais a montanha da irrelevância. Pode haver um senão, como aquele antídoto da Bruxa da Branca de Neve: e se nos galgarem por cima e o bruxedo se desfizer? Pois bem, encontrarão apenas povos desolados a jogar futebol e a palitar os dentes artificiais. As dentadas nas carnes frescas desses caçadores- recolectores desfizeram-se em estrelas «Michelin» de aldrabices gastronómicas tais, que mais vale morrermos todos. Ai ai ai… que não! Afinal foi este o melhor dos mundos…! Até ao dia em que se tornaria também o mais anacrónico. E nunca esquecer que o melhor que a Terra tem, os poetas o fundam. Eles desapareceram no meio deste enxame de banditismo escrevente, mas sem eles, também perdemos de vez a única solução.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireito a desligar (I) Recentemente, algumas estações de televisão de Hong Kong debateram o ‘direito a desligar’ (ROD sigla em inglês) nos seus programas. O ROD significa o direito dos trabalhadores a recusarem responder a mensagens electrónicas dos seus empregadores fora das horas de serviço. Este direito garante a separação completa entre o trabalho e a vida pessoal e evita que a fronteira entre os dois fique indefinida devido à interferência de mensagens electrónicas fora do horário de serviço. Nos últimos anos, o debate sobre o ROD tem-se intensificado, especialmente porque muitas empresas implementaram o tele-trabalho durante a pandemia. Trabalhar a partir de casa requer o recurso às comunicações electrónicas. Agora, a pandemia está gradualmente a desaparecer, mas a prática das comunicações electrónicas mantem-se. Por conseguinte, os trabalhadores vêem-se confrontados com ‘o trabalho extra invisível’. O “trabalho extra invisível ” aumenta as horas de serviço. Se o empregador não pagar este tempo de trabalho extra, está basicamente a explorar o assalariado. Além disso, quando os trabalhadores não conseguem separar o trabalho da vida pessoal, passam a sofrer de stress adicional o que tem efeitos negativos quer a nível físico como a nível emocional, bem como nas relações inter-pessoais. Recentemente, algumas notícias publicadas em Macau assinalavam que a China continental está a considerar incluir o ROD na sua legislação laboral. O artigo 13 da Lei das Relações de Trabalho de Macau estipula que os empregadores devem ter sistemas de informação e registo das horas de trabalho dos seus funcionários. O artigo 20 estipula que o contrato de trabalho tem de incluir o tempo de deslocação e o horário normal de trabalho do funcionário; o artigo 33 estipula que o horário normal de trabalho não pode exceder as 8 horas diárias e as 48 horas semanais. O artigo 36 estipula que o empregador tem de ter o consentimento do funcionário se quiser que ele faça horas extraordinárias. Embora estes artigos não afirmem explicitamente que os empregados têm o ROD, quando as pessoas estão a responder a mensagens electrónicas fora do seu horário de trabalho, estão a fazer horas extraordinárias. Se o empregador não obteve o consentimento do trabalhador nesse sentido, este tem o direito de se recusar a responder. Daqui se depreende que os trabalhadores têm o ROD desde que não tenham aceitado fazer horas extraordinárias. Hong Kong ainda não implementou o ROD e os trabalhadores ainda têm de lidar com o problema das comunicações electrónicas fora das horas de serviço. Uma organização de Hong Kong conduziu um inquérito em 2018 e apurou que 93.5 por cento dos questionados afirmaram ter recebido mensagens electrónicas fora do horário de trabalho. Cerca de 80 por cento afirmavam sentir-se incomodados, cerca de 60 por cento afirmavam que isso teve um impacto negativo na sua vida privada e cerca de 90 por cento concordaram que o ROD devia ser implementado para proteger o direito dos trabalhadores “ao sossego”’. A França implementou o ROD em 2017, uma resposta legal ao impacto das tecnologias avançadas na saúde física e mental dos trabalhadores. A lei francesa indica que deve haver negociações colectivas entre empregadores e empregados sobre esta matéria. Na ausência de uma negociação colectiva, os empregadores devem estabelecer directrizes e têm o dever de lembrar os trabalhadores do seu “direito a desligar”. A lei também estipula que os empregadores que não estabelecem directrizes não serão punidos, mas em caso de conflitos laborais, o tribunal irá considerar se a empresa estabeleceu ou não essas directrizes. A Austrália está a preparar-se para legislar de forma a conferir o “direito a desligar” aos trabalhadores e garantir que não ficarão sujeitos a “contactos poucos razoáveis” fora das horas de serviço. O âmbito de aplicação da nova lei destina-se a regular os contactos de serviço com os empregados fora do horário de trabalho. Os factores abaixo indicados devem ser considerados para determinar se um contacto é ou não razoável. (1) Natureza e urgência do motivo do contacto, (2) Método de contacto (por exemplo, as chamadas telefónicas podem ser mais intrusivas do que os e-mails), (3) O horário normal do funcionário e se é ou não pago pelas horas adicionais fora do local de trabalho, (4) Responsabilidade e posição dos colaboradores na empresa, (5) Situação pessoal do trabalhador. “Por exemplo, pode ser razoável uma empresa esperar que os gestores de topo respondam a e-mails urgentes após o horário de trabalho, mas a mesma situação não se aplica necessariamente aos executivos juniores.” A nova legislação australiana centra-se no contacto fora do horário de trabalho. O âmbito de aplicação da legislação não se limita às mensagens de trabalho electrónicas. Espera-se que a nova legislação reduza o número de contactos desnecessários entre empresas e trabalhadores após o horário do trabalho e que reforce a protecção do direito dos trabalhadores ao descanso. Continuaremos esta análise na próxima semana. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesAté parece que Passos Coelho aderiu ao Chega 1 MARCELO JÁ ABRIU O ESPUMANTE o Presidente da República parece outra pessoa. Agora, anda de escola em escola a dar lições a miudagem que não entende metade do que diz. O seu contentamento diz respeito à garrafa de espumante que já abriu para celebrar a cabala que chefiou para destruir a carreira de António Costa, que na condição de primeiro-ministro começou a enfrentar Marcelo Rebelo de Sousa dando-lhe a entender que Portugal não tinha um governo presidencialista. Marcelo montou um golpe palaciano com a sua amiga procuradora-Geral da República que levou à demissão de António Costa. Marcelo não aceitou um governo de maioria absoluta chefiado por Mário Centeno. Marcelo tinha o objectivo de colocar Luís Montenegro, líder do seu partido (PSD) na chefia de um novo governo que resultasse de eleições antecipadas e assim, conseguiu todos os seus intentos. Anda de vento em popa regozijado ao ver o seu pupilo Montenegro a chefiar o novo governo. 2 PORTUGAL TEM NOVO GOVERNO Luís Montenegro respirou de alívio na semana passada ao ver as moções de rejeição do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda rejeitadas no Parlamento. O novo primeiro-ministro tem prometido este mundo e o outro aos portugueses. Acontece que ninguém sabe onde irá Montenegro buscar os milhares de milhões de euros que diz ir gastar para beneficiar o nível de vida dos portugueses. Um novo governo que recebeu no primeiro debate na Assembleia da República sobre o Programa do Governo as maiores críticas da extrema-direita à extrema-esquerda. Aliás, refira-se, que os tão badalados casos na governação anterior socialista já começaram a fragilizar o governo de Montenegro que nem ainda aqueceu a cadeira. Veio a lume um caso muito grave: as suspeitas de ilegalidades e respectivas buscas na Câmara Municipal de Cascais, visando o actual ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, ex-vice-presidente da edilidade de Cascais e que alegadamente negociou com chineses o terreno e a fabricação de milhares de máscaras clínicas do tempo da pandemia, um negócio de milhões de euros. No entanto, a maioria dos analistas é unânime em não acreditar que este novo governo consiga durar mais de seis meses, inclusivamente porque no passado sábado rebentou uma “bomba” de Montenegro ter mentido aos portugueses sobre o IRS. 3 PARTIDO SOCIALISTA DESCONTENTOU OS SEUS SIMPATIZANTES Pedro Nuno Santos à frente do Partido Socialista deixou o desalento total em muitos dos portugueses que votaram no seu partido. No debate da Assembleia da República sobre o Programa do Governo o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda apresentaram moções de rejeição ao governo de Montenegro. Recorde-se que Pedro Nuno Santos foi o principal negociador e apoiante da chamada geringonça que fez governação com a unidade entre o Partido Socialista, os comunistas e bloquistas. Qual não foi o espanto de milhares de eleitores socialistas ao verem a bancada parlamentar socialista a abster-se na votação das moções de rejeição. Afinal, que Pedro Nuno Santos é este? Um novo político? Que pretende dizer que o seu papel político é de oposição ao governo de Montenegro e depois tudo faz para que o Governo continue nos melhores carris? Os socialistas têm que definir claramente se estão ou não contra a existência deste novo governo apoiado pela extrema-direita. 4 PASSOS COELHO ATÉ PARECE QUE É DO CHEGA o ex-primeiro-ministro do PSD, Pedro Passos Coelho apresentou na semana que findou um livro sob o título “Identidade e Família”. Nem o queiram ler. É possivelmente a página mais negra de um homem que veio da Juventude Social-Democrata, chegou a líder do PSD e a chefe do Executivo. A obra possui matéria inacreditável. Antes de mais, dizer-vos que na apresentação do livro não esteve presente ninguém do PSD. Só se viam caras do CDS e do Chega. A obra de Passos Coelho apela a uma “família natural”. O que será isso? Famílias há muitas e de todos os tipos. Passos Coelho que tanto tem mencionado Sá Carneiro, deve ter-se esquecido com quem vivia o líder do PPD. Passos Coelho discorda com o aborto, com a homossexualidade, e neste particular, observamos a maior contradição quando Passos Coelho teve sempre no seu partido e agora em ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, que se assumiu como homossexual. Passos Coelho não apoia a entrada de imigrantes vindos de África e de outras paragens, esquecendo-se, vergonhosamente, que foi casado com uma senhora de origem africana e tem filhas mulatas. Passos Coelho apresenta no livro as mais diversas teses retrógradas e racistas provocando que o partido da extrema-direita, o Chega, populista, xenófobo e racista, tenha ficado tão agradado com a obra “literária” que logo anunciou que desejava e apoiaria uma candidatura de Passos Coelho para Presidente da República. Este país, está a caminhar para um abismo. Ninguém faz ideia da profundidade do abismo nem a data em que será a queda. O que se sabe é que estamos sem políticos do nível de Sá Carneiro, Mário Soares e Álvaro Cunhal. Aparecem meninos de coro dos mais variantes quadrantes que logo passam a secretários de Estado ou a deputados. Sem experiência e sapiência políticas. Sem a mínima noção do país real, onde milhares de portugueses passam fome e dormem na rua. Governar um país não é só passar a ter um Mercedes e um motorista…
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexo: o segredo para a longevidade dos Abcázios? A Abcázia é um território com uma história de disputa ainda hoje. Após a queda da União Soviética, o território que fica entre o mar negro e as montanhas do Cáucaso, acolhe uma minoria étnica que tem sido alvo de alguma tensão territorial e política. Já foi considerada parcialmente independente, mas vive entre a dependência económica da Rússia e a soberania governativa da Georgia. Trago-vos, contudo, uma outra visão da Abcázia. Uma que foi popularizada especialmente nos anos 70 pelos EUA. Várias reportagens na época incidiram sobre um facto surpreendente: a quantidade de centenários na sua população. Muitos foram visitar aquele que parecia ser o lugar onde estaria o segredo da longevidade. O New York Times escreveu um texto extensíssimo em 1971 sobre os mistérios destes homens e mulheres que pareciam querer fintar a morte. Os depoimentos destes centenários são maravilhosos. Quando questionados sobre a sua longevidade, os Abcázios diziam que era por causa do seu trabalho, dos seus hábitos alimentares e por causa da sua vida sexual. A vida sexual mantinha-se ativa muito para além dos 80 anos de idade. O trabalho dos Abcázios era exigente, com o ar fresco da montanha a abrir-lhe os pulmões. Eles pareciam ter energia e capacidade atlética muito mais vigorosas que muitos citadinos amantes de ginásio. O trabalho era duro, a inclinação montanhosa visível. A alimentação, pasmem-se, era rica em vegetais, cereais integrais e alimentos fermentados, como iogurte e vegetais em pickles. A carne não era consumida diariamente, e peixe não era consumido de todo. O sexo, apesar de se reger por tradições patriarcais, como a recusa completa da mulher que não é virgem na noite do casamento, era vivido entre quatro paredes de forma bastante livre e prazerosa. Na descrição dos etnógrafos que lá estiveram e interagiram havia uma total ausência de culpa. Algo impensável pelos observadores americanos da época. Também havia uma característica importante desta sociedade que, apesar de tudo, não eram apologistas de demonstração pública de afeto. Havia uma integração visível das pessoas mais velhas na sociedade. Não eram postas de lado nem ostracizadas. Muitos casavam-se aos 80 chegando a viver a sua paternidade nessa altura. Para além do respeito que a sociedade lhes nutria, as pessoas não eram “velhas”, eram pessoas que “viviam muito”. E todos tinham como contribuir para o bem comum da comunidade. Os mais velhos talvez trabalhassem menos, mas continuavam a trabalhar, nem que fosse a limpar ervas daninhas. Para eles, o descanso só fazia sentido para o corpo quando havia trabalho. Da mesma forma que só se trabalhava quando havia descanso. Parece-me que eles conseguiam encontrar um equilíbrio bem mais interessante do que as sociedades de cansaço de hoje. Uma equipa de médicos da União Soviética registou a baixa prevalência das doenças clássicas destes que vivem muito, como a osteoporose, artrite, cancro ou demências. Claro que as máquinas propagandistas da época tiveram todo o intuito de promover a mitologia da longevidade. Ora para estimular o consumo de iogurte nos EUA, ora para comprovar a estamina soviética, ao fazer querer que um Abcázio terá chegado aos 165 anos. Fizeram-no uma espécie de herói nacional, com direito a selo comemorativo. Contudo, ainda permanecem dúvidas se alguns destes jovens chegaram para além dos 120. Quis saber como estão os Abcázios atualmente e já pouco se fala deles. A minha descrição no pretérito perfeito tinha uma razão de ser. Não encontro informação se continuam a ganhar na percentagem de centenários, nem informação relativa aos seus estilos de vida, organização social e vidas sexuais. Será que ainda mantêm os hábitos? Já passaram por conflitos armados e outras vicissitudes sociais e políticas, seria relevante perceber se as pessoas que vivem muito se mantém distantes ou simplesmente imunes ao estilo de vida moderno. De tudo do que aprendi dos Abcázios, foi o reconhecimento do sexo na longevidade que mais me surpreendeu. Apesar de cientificamente a longevidade ser uma experiência multifatorial, os Abcázios lá tinham as suas teorias vividas. E para eles havia um reconhecimento e integração do prazer na vida em casal e em sociedade. Podiam ter vidas humildes e de grande trabalho tal como a vida rural vos sugere, mantendo os corpos fortes e tonificados, mas também se experienciava prazer e também se descansava. E se esse equilíbrio não é a melhor fórmula para uma vida longa e bem-vivida, não sei o que será.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO Ocidente dividido “Make no mistake, the normative authority of the United States of America lies in ruins. The decision to go to war in Iraq, without the explicit backing of a Security Council Resolution, opened up a deep fissure in the West which continues to divide erstwhile allies and to hinder the attempt to develop a coordinated response to the new threats posed by international terrorism”. The Divided West Jürgen Habermas O ataque do Hamas a Israel a 7 de Outubro de 2024 não deriva da invasão da Rússia à Ucrânia a 24 de Fevereiro de 2022. Confirma que a introversão americana solicita as ameaças que o caos representa para o Ocidente dividido e as oportunidades de quem usa o caos para se expandir. É o caso do Irão. A dimensão estratégica do “pogrom” do Hamas no interior do Estado judaico desafia a disputa Irão-Estados Unidos-Israel. O jogo dá-se no “Grande Oriente Médio”. Este estende-se desde a intersecção do Mar Negro, do Mar Cáspio e do Cáucaso, da encruzilhada do império russo, turco e persa, para leste até ao Paquistão e ao Afeganistão, para oeste através dos estreitos do Suez, de Babelmândebe e de Ormuz. O Sul da Europa, atento ao seu próprio destino, verá ameaçados os seus interesses (um Mar Mediterrâneo livre e aberto), (evitar uma colisão com o caos) e (estabilização dos vizinhos estrangeiros). Confirmando a urgência de estabilização dos vizinhos estrangeiros (Euroquad), o núcleo ocidental do Mar Mediterrâneo, o menor denominador comum para se afirmar na luta em expansão descontrolada. O futuro da zona, pois falar de região é não perceber o seu interior, depende do resultado do confronto entre o par Estados Unidos-Israel e o Irão, que se apoiam em clientes seleccionados. O objectivo americano e israelita é conter a expansão do império russo e proibir-lhe por todos os meios o acesso à “bomba atómica”. O sonho iraniano é obrigar os Estados Unidos a recuar para a linha Egipto-Chipre e isolar Israel. Não destruí-lo, pois é o inimigo perfeito, útil para legitimar o “eixo de resistência”, o suporte da sua esfera de influência entre o Afeganistão Ocidental e o Oriente, com clientes árabes xiitas e sunitas. Entretanto, a Turquia afirma o seu peso decisivo, pronta a lançá-lo sobre este ou aquele prato da balança, enquanto os sauditas e os petromonarcas do Golfo se adaptam a qualquer acto de equilíbrio para não serem esmagados por concorrentes superiores. A Rússia aproveita a “distracção” americana, que deixa a Ucrânia numa situação desesperada. A China, que, ao contrário da América, extrai da região recursos energéticos essenciais e aí desenvolve os portos de escala das “Rotas Marítimas da Seda”, ostenta uma ligeira honestidade, treinando os seus músculos diplomáticos com vista a um possível futuro hegemónico. No Médio Oriente, Washington encontra-se, portanto, na encruzilhada clássica, a de encurtar as frentes, retirando-se entretanto do Iraque e da Síria, onde é um alvo fácil para as milícias pró-Irão, correndo o risco de agravar a crise em Israel, facilitar o castigo da Rússia e a influência da China. Ou reentrar nela em estilo feroz, admitindo o fracasso do desengajamento gradual disfarçado com o paradoxo de “liderar por trás”, postulado após os desastres da “guerra contra o terrorismo” no Afeganistão e no Iraque. Nesse caso, a sobre extensão das estrelas e das riscas revelar-se-ia monstruosa, pois a guerra quente com a Rússia, morna a ferver contra o Irão, fria mas decisiva contra a China para não falar da Coreia do Norte. Compromissos de intensidade militar inversamente proporcionais às vagas prioridades estratégicas actuais de Washington. Enquanto a única fronteira que realmente interessa à opinião pública americana é a do “Vale do Rio Grande”, onde talvez se decida a corrida para a Casa Branca. Como se isso não bastasse, o eixo com Israel está rachado. Em aparência, porque Biden considera Netanyahu um inimigo pessoal em casa como se fosse um dos líderes do Partido Republicano, bem como o primeiro-ministro mais desastroso da história do Estado judaico. No fundo, isso provoca uma clivagem entre as estratégias e as tácticas de um casal em crise de nervos. Washington tinha a ilusão de poder gerir o Médio Oriente à distância, contando com o entendimento entre Israel, parente e não aliado e o Golfo liderado pelos sauditas, serpentes e não parentes. O ataque do Hamas a Israel e a reacção de Jerusalém, surda aos apelos da administração americana de “não repetir os nossos erros”, ou seja, nada de “guerra contra o terrorismo”, quebraram a confiança e como resultado, mais desordem na “Terra do Caos”. O único grande Estado da região que parece ter sido poupado à ofensiva da desintegração é a Turquia. Todos os outros, incluindo o Irão e Israel, lutam pela sobrevivência. Uma roleta russa mortal, com Ancara a ser a porta giratória entre as entropias ucranianas e do Médio Oriente que se alimentam mutuamente. O Sul da Europa conta muito pouco num espaço que já o viu importante no início do século XX, e depois também durante a Guerra Fria. Será um caso de reaprender algumas lições esquecidas dos nossos antepassados levantinos, capazes de tecer relações oblíquas com potências locais, mais ou menos otomanas. Por exemplo, a economia e o comércio não valem por si, mas são meios necessários para ganhar peso geopolítico, que por sua vez abre novos mercados. O objectivo estratégico é contribuir para evitar o choque de civilizações entre o Ocidente e o Oriente, do qual nós europeus seríamos uma das primeiras vítimas. Neste caso, estamos ao lado dos Estados Unidos e de Israel, mas, juntamente com muitos outros, sabemos que uma guerra potencialmente atómica contra o Irão incendiaria o nosso quintal. E tornaria intransitáveis as águas que nos abrem as rotas oceânicas. A crise do Mar Vermelho, com os Hutis a bloquearem selectivamente o tráfego ao longo do corredor Suez- Babelmândebe e vice-versa, é uma proclamação moderada do que aconteceria em caso de guerra total na região. Seria equivalente a um bloqueio naval. Um desastre a ser evitado com a ajuda de amigos e aliados clássicos. E menos clássicos, como os turcos. Nem que seja pelo facto de serem activos e ambiciosos em toda a nossa vizinhança externa, da Tripolitana aos Balcãs do Adriático, passando pelo Oriente e pelos centros do Mar Mediterrâneo. Que desce do Adriático e do Jónico em direcção ao sul, com a parte ocidental plantada na antiga Líbia e a oriental entre o Suez, Israel e o Oriente. Pontos fulcrais do sistema em que se situa o centro da Europa do Sul e que dão sentido e enfoque ao projeto euro-mediterrânico. Em Israel, com outros europeus, para além do interesse geopolítico, existe uma responsabilidade histórica para com o Estado judaico que fala muito mal dos sul europeus. A esta realidade afastada ou, pior ainda, algebricamente ritualizada, junta-se a maldade oferecida aos palestinianos sob ocupação, que disputam com os israelitas um espaço que ambos sentem como seu. Até 7 de Outubro de 2023, havia um acordo não escrito entre os dirigentes israelitas e palestinianos segundo o qual ninguém tentaria solucionar um problema que só poderia ser resolvido através da aniquilação de um ou de outro povo. Ou de ambos. A simetria entre o poder de Israel e a fraqueza dos palestinianos divididos e sem Estado deixava a Jerusalém uma margem de manobra muito grande para interpretar esta limitação, expandindo entretanto as colónias na Judeia e na Samaria (Cisjordânia). E a subcontratação de Gaza aos Hamas, regulando a entrada de dinheiro do Qatar para manter a sobrevivência precária da “Faixa”. No entanto, continua separada da Cisjordânia, aproximada ao fantasma da “Autoridade Nacional Palestiniana”, portanto controlada por Israel. Com o 7 de Outubro de 2023, este equilíbrio foi quebrado. E a ânsia de uma vitória decisiva, palavra de ordem dos estrategas israelitas, ressoa. Não sabemos até que ponto o Hamas, ou melhor, a sua ala militar, tinha sofrido as consequências do ataque aos “kibutzim” e aos postos militares israelitas em torno da “Faixa”. Mas a ferocidade desse massacre totalmente falhado produziu um tal choque em Israel que este recaiu na armadilha de Gaza, da qual se tinha emancipado em 2005, pensando sufocar a questão palestiniana sob uma eterna borbulha. Irritado com os avisos dos americanos e de uma parte da cúpula militar, Netanyahu desencadeou o castigo colectivo dos habitantes de Gaza, comparados ao Hamas, apelidados de “animais humanos” pelo ministro da Defesa Yoav Gallant. (continua)
Olavo Rasquinho VozesAs Nações Unidas, a Meteorologia, o Esperanto e a Língua Portuguesa Muito se tem comentado sobre a ineficácia da Organização das Nações Unidas na resolução de conflitos internacionais. Na realidade, há fortes razões para tal, e um exemplo flagrante consiste no contexto internacional atual, em que, mercê do uso indiscriminado do direito de veto por parte de alguns membros do Conselho de Segurança, se impede a resolução de conflitos em curso. A ONU é a organização internacional mais abrangente à escala global. Não atua apenas no campo político, desenvolvendo também forte atividade em várias áreas, através de agências especializadas, nomeadamente nos campos da meteorologia, clima e hidrologia (Organização Mundial de Meteorologia – OMM); alimentação e agricultura (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO); aviação (Organização Internacional da Aviação Civil – OACI); trabalho (Organização Internacional do Trabalho – OIT), telecomunicações (União Internacional de Telecomunicações – UIT), educação, ciência e cultura (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO), etc. Além das agências especializadas estão também associadas à ONU diversos fundos e programas, entre os quais sobressaem o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (United Nations Environment Programme – UNEP). Sob os auspícios da OMM e do UNEP foi criado o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), órgão que trata da monitorização das alterações climáticas. Tal como sucede todos os anos, em 23 de março foi comemorado o Dia Meteorológico Mundial pelos estados e territórios-membros de uma destas agências, a Organização Meteorológica Mundial, cuja convenção entrou em vigor nesta data, em 1950. O Dia Meteorológico Mundial é celebrado em 23 de março Macau é território membro da OMM desde 1996, mercê de diligências conjuntas da China e de Portugal. Algo de semelhante havia ocorrido com Hong Kong, que aderiu à OMM desde a sua criação. Após a passagem das administrações portuguesa e britânica para a China, ambas as regiões mantiveram o estatuto de território-membro, o que faz com que a China, em situações importantes da vida da OMM, como na eleição do Secretário-Geral, tenha direito a três votos, na medida em que a Região Administrativa Especial de Macau e a Região Administrativa Especial de Hong Kong dificilmente votariam de forma divergente da mãe-pátria. A atividade da ONU através dos vários programas e agências é altamente meritória, mas, o facto de falhar estrondosamente na resolução de conflitos, tem feito com que se tenha gerado um certo consenso de que esta organização necessita de reestruturação. O próprio Secretário-Geral, António Guterres, tem insistido neste aspeto. Se tal pretensão se vier a concretizar, seria de toda a conveniência que os países de língua oficial portuguesa insistissem na necessidade de o português vir a ser uma das línguas oficiais da ONU, as quais são atualmente: árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo. No entanto, nem sempre foi assim. Quando a ONU foi criada, em 1945, o árabe não fazia parte deste grupo de línguas. Apenas foi aceite em 1973, devido à pressão exercida pelos países árabes. Os países de língua portuguesa poderiam ter diligenciado nessa altura no sentido de o português ser também admitido. Antes de 1974, Portugal não gozava de grande prestígio internacional e era alvo de ostracismo por grande parte dos países membros da ONU. A vigência de uma ditadura e as políticas colonial e do “orgulhosamente sós” impediam o nosso país de ter voz ativa no que se refere à possibilidade de a língua portuguesa também vir a ser adotada. Nessa altura também o Brasil era governado por uma ditadura, que perdurou de 1964 a 1985. Entretanto, com o advento da democracia, foram efetuadas algumas tentativas nesse sentido, mas esbarraram sempre com a falta de consenso por parte dos membros da ONU. Curiosamente, em alguns congressos da OMM, Portugal foi parcialmente bem-sucedido, tendo sido criado um fundo para que a língua portuguesa alcançasse o estatuto de língua de trabalho, para o qual houve contribuição financeira de alguns estados-membros além do nosso país, nomeadamente Angola, Brasil e a Região Administrativa Especial de Macau. Quaisquer que tenham sido os critérios de seleção das línguas oficiais, a realidade é que estão desatualizados, na medida em que, em termos de comunicação internacional e número de falantes, o português é muito mais difundido do que uma das atuais línguas oficiais da ONU. Enquanto o russo é língua oficial em apenas cinco países (Bielorrússia, Cazaquistão, Federação Russa, Quirguistão e Tajiquistão), cujo número de habitantes perfaz, no total, cerca de 190,5 milhões, o português é língua oficial de nove países (Angola, Cabo Verde, Brasil, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) num total de, aproximadamente, 285,6 milhões. É também língua oficial de uma região da China, a RAEM. Houve alguns esforços diplomáticos por parte dos governos dos países de língua portuguesa, mas não tiveram sucesso. Seria necessário continuar a insistir, dado que já foram dados alguns passos. Assim, por exemplo, foi decidido pela 40ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, em 2019, proclamar o dia 5 de maio como Dia Mundial da Língua Portuguesa (World Portuguese Language Day). Como organização abrangente à escala mundial, seria racional que a ONU tivesse adotado uma língua oficial neutra de fácil aprendizagem, o que asseguraria uma maior participação de todos os estados-membros, bem como uma maior eficácia nas discussões. O esperanto (que nesta língua significa “aquele que tem esperança”) poderia ter desempenhado esse papel. Ainda houve tentativas nesse sentido, nomeadamente por meio de uma resolução da Conferência Geral da UNESCO de 1954 (Resolução IV.4.422-4224), conhecida como Resolução de Montevideu, em que se preconizava a adoção do esperanto como língua internacional auxiliar. Em 1985, esta agência especializada da ONU aprovou outra resolução, recomendando que os seus estados-membros estimulassem o ensino dessa língua internacional. O esperanto foi criado pelo judeu polaco Ludwik Lejer Zamenhof (1859-1917), com base em várias línguas, nomeadamente alemão, inglês, italiano, latim, polaco e russo. O objetivo de Zamenhof era que o esperanto se tornasse uma língua que transcendesse nacionalidades e contribuísse para a paz mundial. Ludwik Lejzer Zamenhof Apesar de o esperanto não ter vingado como língua auxiliar da ONU, é reconhecida como ferramenta de grande utilidade para a tradução automática, e faz parte das 64 línguas utilizadas pelo “Google Translate”. Graças à sua simplicidade, o conjunto de dados para a tradução de um texto para esperanto é cerca de cem vezes menor do que para o espanhol ou o alemão. Atendendo a que é largamente admitido que a ONU deva sofrer uma profunda reestruturação, é altura de os meios diplomáticos dos países lusófonos intensificarem esforços no sentido de o português vir a ser admitido como língua oficial das Nações Unidas.