David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAumento de impostos em Hong Kong O Governo de Hong Kong efectuou uma consulta no passado dia 17 de Dezembro, para auscultar o público sobre o orçamento de 2024-25. Em relação à possibilidade de vir a haver um aumento de impostos, as opiniões dividem-se entre os que são a favor e os que são contra esta medida. Poucos serão os que ficam contentes por ficarem a saber que o Governo vai aumentar os impostos e poucos também que tenham vontade de os pagar. Mas porque é que desta vez houve uma reacção inesperada com várias pessoas a apoiarem o aumento de impostos? O principal motivo para isso acontecer é o déficit de 177,7 mil milhões do Governo de Hong Kong que tem nas reservas fiscais apenas 675 mil milhões. O ano passado, as despesas do Governo atingiram os 761 mil milhões. Com base nestes números, as actuais reservas fiscais não são suficientes para suportar os custos operacionais deste ano do Executivo. Simplificando, se as receitas não aumentarem, as reservas fiscais acabam dentro de um ano. Esta situação financeira não é aceitável. Quer se trate de uma família ou de uma empresa, se as receitas não são suficientes para cobrir as despesas, significa que existe um problema financeiro. Em circunstâncias normais, o funcionamento fica comprometido. Se existirem circunstâncias excepcionais, tais como uma epidemia que ainda não passou completamente, o problema agrava-se. Anteriormente, Hong Kong tinha reservas excedentárias na ordem dos biliões. No entanto, à medida que a população envelhece, as despesas da segurança social aumentam de dia para dia, para não falar dos enormes gastos decorrentes da pandemia. Para resolver esta situação é necessário que haja entrada de dinheiro. As receitas base do Governo de Hong Kong, como os impostos sobre rendimento comercial, os impostos sobre salários, os impostos de selo, etc., não são suficientes para cobrir estas despesas. A maior fatia das receitas do Governo vem da venda de propriedades. Contudo, os quatro anos de epidemia afectaram profundamente a economia e as receitas sobre a venda de propriedades baixaram significativamente. Existem mesmo casos em que as propriedades não se conseguem vender. Com receitas inferiores às despesas, as reservas fiscais vão diminuindo. O aumento de impostos pode resolver estes problemas. O sistema fiscal de Hong Kong sempre foi mundialmente famoso por ser simples e por aplicar impostos com taxas baixas. Este sistema atraiu muitas empresas estrangeiras para Hong Kong e o Governo sempre se esforçou para manter esta reputação. O aumento de impostos vai complicar todo o sistema fiscal e por isso até agora o Executivo ainda não fez alterações a este nível, mas isso não quer dizer que não as venha a fazer. Há muito que o Governo de Hong Kong tem consciência da diminuição progressiva das reservas fiscais. Por isso, nos últimos três anos, foram tomadas várias medidas para aumentar as receitas. Por exemplo, o Hong Kong Jockey Club vai ter de pagar mais 2,4 mil milhões anuais, durante cinco anos, pelas apostas de futebol. O Governo também criou uma isenção fiscal sobre o pagamento de rendas. Os inquilinos podem ter benefícios fiscais, se os proprietários pagarem os impostos sobre os alugueres. No passado, o imposto de selo sobre a compra e venda de acções tinha vindo a aumentar progressivamente, tendo-se tornado o segundo mais caro do mundo. Só recentemente é que foi reduzido. Tudo isto aumentou as receitas do Governo de Hong Kong. As medidas acima mencionadas só puderam aumentar as receitas até um certo ponto, mas não resolveram completamente o problema do déficit fiscal. Sem um aumento significativo das receitas provenientes dos impostos, o Governo de Hong Kong pode ter dificuldade de continuar a operar. Além disso, o envelhecimento da população aumentou as despesas de saúde e o valor das pensões. Estes problemas só são resolvidos com uma injecção de dinheiro e será aos impostos que esse dinheiro se pode ir buscar. É por este motivo que grande parte da sociedade de Hong Kong apoia o aumento de impostos. Existe um velho ditado chinês que diz, ‘Uma mulher inteligente tem dificuldade em cozinhar sem arroz’, o que é bem verdade. Macau, do outro lado do mar, tem uma situação completamente diferente. Nesta cidade ninguém pede aumento de impostos porque não existe necessidade, os impostos pagos pela indústria do jogo, a maior de Macau, são suficientes para manter as contas do Governo equilibradas. Naturalmente, a questão do aumento de impostos não se coloca em Macau. Com este modelo os outros sectores económicos podem pagar impostos muito baixos, o que é uma vantagem e por isso ninguém se preocupa com este assunto. Existem sempre duas formas de aumentar as receitas. A primeira é o aumento das taxas e a segunda a criação de novos impostos. É mais eficaz aumentar as taxas dos impostos já existentes que são os mais estáveis. Os impostos sobre rendimentos comerciais e sobre salários são relativamente estáveis em Hong Kong. A subida das taxas destes dois impostos pode aumentar as receitas do Governo. No entanto, o Executivo declarou que não tem pressa de mexer nestes impostos e claro que não tem pressa porque ninguém gosta de ouvir falar em aumento de impostos. Na segunda forma, a criação de novos impostos, as taxas dos impostos existentes não sobem, mas surgem outros para aumentar as receitas governamentais. Um exemplo disso é o ‘land departure tax’ (imposto sobre saídas por terra) que foi proposto por algumas pessoas em Hong Kong. Como muitos residentes de Hong Kong gostam de fazer compras na China continental, a cobrança de um imposto sobre as saídas por terra pode reduzir o fluxo de pessoas que vai gastar dinheiro fora da cidade e simultaneamente serviria para aumentar as receitas do Governo, matando assim dois coelhos com uma só cajadada. Claro que a implementação deste imposto levantaria muitos problemas. Por exemplo, não seria compatível com a integração de Hong Kong na Área da Grande Baía. Além disso, seria extremamente injusto impor esta taxa a pessoas que vivem na China continental e que trabalham em Hong Kong. O Governo de Hong Kong enfrenta um dilema em relação à subida de impostos. Sem o aumento das taxas, a situação financeira ficará instável e a sua notação de crédito diminuirá, o que afectará directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro internacional. Vai haver descontentamento social quando os impostos forem aumentados, e os que forem afectados terão sempre diversas razões para se oporem aos aumentos. Posso apenas dizer que o Governo de Hong Kong vai viver tempos difíceis. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Carlos Coutinho VozesChumbo neles! OPERAÇÃO Chumbo Fundido (em hebraico בצע עופרת יצוקה, transcrito como Mivtza Oferet Yetsuká, “chumbo fundido”, também chamada, incorretamente, “Operação Chumbo Grosso”) é uma grande ofensiva militar das tropas de Israel na Faixa de Gaza. Arrancou no dia 27 de dezembro de 2008, sexto dia da festa judaica de Hanucá, e nunca mais cessou. Todavia, na maior parte do mundo árabe e na generalidade dos países sem vassalagem aos EUA, à EU e à NATO, o morticínio ficou conhecido como o Massacre de Gaza (em árabe مجزرة غزة). O ataque israelita ocorreu dias após o fim de um cessar-fogo que vigorou por seis meses, conforme havia sido acordado entre o governo de Israel e representantes do Hamas, maioritário no Conselho Legislativo da Palestina com jurisdição sobre a Faixa de Gaza. Como Telavive não suspendeu o bloqueio à Faixa de Gaza e não cessou os ataques ao território da Palestina, militantes do Hamas anunciaram o encerramento oficial da trégua e passaram a lançar foguetes caseiros, tipo Qassam, em direção ao Sul do território israelita. Dias depois do anúncio do fim do cessar-fogo, o próprio grupo palestiniano ofereceu uma proposta para renovar a trégua, condicionando-a ao fim do bloqueio israelita ao território palestino. Todavia, já em 27 de dezembro de 2008, iniciou-se a mais intensa operação militar contra um território palestiniano desde a Guerra dos Seis Dias (1967). Oficialmente, o objectivo da operação era interromper os ataques de foguetes do Hamas contra o território israelita que, sintomaticamente, não tinha fronteiras legais – ia do Rio Jordão até ao mar. No primeiro dia da ofensiva militar, a Força Aérea israelita lançou, em quatro minutos, mais de cem bombas contra bases, escritórios e campos de treino do Hamas nas principais cidades da Faixa de Gaza, entre as quais Gaza, Beit Hanoun, Khan Younis e Rafah. Também foram alvos de ataques as infraestruturas civis, incluindo casas e escolas. Israel diz que destes locais são disparados muitos dos foguetes palestinianos ou servem para esconder munições. Logo, não seriam alvos civis. A marinha sionista também reforçou o bloqueio e bombardeou alvos na Faixa de Gaza, o que resultou num incidente com o barco de uma organização pacifista, que trazia ajuda médica para a população de Gaza. Militantes do Hamas, em resposta, intensificaram os ataques de foguetes e morteiros em direcção ao Sul de Israel, atingindo cidades como Bersebá e Asdode. Na noite de 3 de janeiro de 2009, começou a ofensiva por terra, com tropas e tanques israelitas a entrarem no território da Palestina, a que eles chamam Samaria. Em 17 de janeiro, o primeiro-ministro israelita Ehud Omert anunciou uma trégua unilateral, a vigorar a partir da madrugada do dis seguinte. O Hamas anunciou um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza. O representante do grupo, Ayman Taha, afirmou que a trégua valeria por uma semana, para que os israelitas pudessem retirar as suas tropas da região. O Exército de Israel declarou que retiraria suas tropas da Faixa de Gaza até à posse de Barack Obama na Presidência dos EUA, no dia 20 de janeiro. No dia seguinte, Israel completou a retirada das suas tropas da Faixa de Gaza, no dia 1 de junho uma comissão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, chefiada pelo juiz sul-africano, Richard Goldstone, foi à Faixa de Gaza, para investigar possíveis violações dos direitos humanos, durante a ofensiva israelita. Em 15 de setembro de 2009, a comissão apresentou seu relatório, concluindo que Israel “cometeu crimes de guerra” e “contra a Humanidade”, considerando que “o plano visava, pelo menos em parte, a população de Gaza como um todo”. O mesmo relatório reconheceu que o lançamento de foguetes pelos insurgentes palestinianos também configura crimes de guerra. Segundo a ONG israelita de direitos humanos B’Tselem, a “Operação Chumbo Fundido” resultou na morte de 1387 palestinianos, mais de metade deles, civis, sendo que 773 deles não participaram nos combates, e incluindo 320 jovens ou crianças (252 com menos de 16 anos) e 111 mulheres. Do lado de Israel, houve 13 mortos, sendo três deles por “fogo amigo”. Em junho de 2008, representantes do Hamas e do governo israelita chegaram a um acordo de cessar-fogo na região, mediado pelo Egipto, com duração de seis meses, e que expirou no dia 19 de dezembro. O grupo palestiniano decidiu não o renovar, visto entender que Israel não havia cumprido o seu compromisso de suspender o bloqueio imposto à Faixa de Gaza. Mesmo depois de 2005, quando realizou a remoção dos 8 mil colonos dos assentamentos judaicos da Faixa de Gaza, Telavive continuou a controlar o espaço aéreo da Faixa, o seu mar territorial e todas as passagens de fronteira. Era o início do grande bloqueio israelita (com apoio egípcio) ao território palestiniano, que tem impedido a entrada de alimentos, combustíveis, água e medicamentos, além de dificultar enormemente o comércio em Gaza e Palestina, bem como o acesso dos palestinianos aos seus locais de trabalho. Da mesma forma, o boicote económico do Ocidente americanizado continua a estrangular a economia local. Em 4 de novembro de 2008, Israel violou a trégua com o Hamas, ao realizar, na Faixa de Gaza, uma incursão contra militantes do grupo palestiniano, matando seis milicianos e deixando outros três feridos. No dia seguinte, os militantes do Hamas responderam, lançando mais de 20 foguetes contra o sul de Israel. No dia 14 de Novembro, as forças israelitas realizaram novos bombardeamentos massivos. Com o final do cessar-fogo, segundo o jornal “El País”, que não esconde a sua simpatia por Israel, mais de 200 foguetes caseiros do tipo Qassam foram lançados por militantes palestinianos contra o Sul do território israelita, sem causar mortes, o que serviu de pretexto aos líderes sionistas “para darem luz verde ao início da ofensiva”, segundo o jornal israelita “Haaretz”. No dia 23 de dezembro, o Hamas havia dito estar aberto à trégua, desde que o bloqueio à Faixa de Gaza fosse suspenso. Em 26 de Dezembro, o governo de Telavive autorizou temporariamente a entrada de suprimentos em Gaza, que vive uma grave crise humanitária, pois Israel vinha bloqueando o acesso ao território palestiniano havia já 18 meses. Agora, até a manhã de Natal pôde ter como prenda para os amigos e cúmplices de Israel o bombardeamento mais mortífero dos últimos meses em qualquer parte do mundo.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesQuando o dinheiro vale mais do que a vida A Semana passada, foi divulgada uma notícia que faz pensar. Durante a manhã do dia 8 de Dezembro, um turista de Taiwan sofreu um acidente em Banguecoque, na Tailândia, e o condutor fugiu. Quando a ambulância chegou foi logo assistido e transportado para um hospital privado que ficava a 500 metros do local do acidente. No entanto, este hospital recusou prestar-lhe assistência alegando que era estrangeiro e que seria difícil cobrar as despesas do tratamento, ainda mais por não estarem presentes familiares. Os paramédicos não tiveram outra alternativa senão transportá-lo para um hospital público situado a 10 quilómetros de distância e o acidentado acabou por falecer no caminho. Este incidente expõe um problema grave, ou seja, a vida humana tem menos valor do que o dinheiro. Porque é que o hospital agiu desta forma? Cada um de nós tem apenas uma vida. Ao recusar-se a cuidar de um paciente receando não poder cobrar-lhe o tratamento, o hospital não estará a mostrar que o valor da vida não é igual para todos? Este hospital está apenas ao serviço dos ricos? Assim, aos doentes que não podem pagar só lhes resta esperar a morte. Esta situação é assustadora. A grande maioria das pessoas compreende esta realidade. Por conseguinte, o incidente causou revolta na sociedade tailandesa. O Ministro da Saúde da Tailândia pediu uma investigação do caso. A Tailândia implementou a “Lei para a Instalações Hospitalares” que estipula que todos os hospitais têm de prestar assistência aos doentes urgentes até eles estarem fora de perigo. Quem violar a lei fica sujeito a uma pena que pode ir até dois anos de prisão ou a uma multa que pode chegar aos 40.000 Baht, aproximadamente 9.000 patacas. A lei também estipula que, se um médico quebrar a ética profissional, pode ser multado até 100.000 Baht, aproximadamente 23.000 patacas. A China tem leis semelhantes à “Lei de Instalações Hospitalares” da Tailândia. No 15.º encontro do Comité Permanente do 13.º Congresso Nacional do Povo, realizado a 28 de Dezembro de 2019, foi aprovada a “Lei de Bases da Medicina e da Promoção da Saúde”, que entrou em vigor a 1 de Junho de 2020. Este conjunto de leis estipula claramente que os hospitais não podem recusar ou adiar a prestação de cuidados médicos a doentes por estes não poderem pagar os tratamentos e pôs fim a situações em que as pessoas não eram socorridas por falta de recursos financeiros. A 20 de Dezembro de 2008, em Hong Kong, um homem desmaiou à porta do Hospital C. A equipa administrativa deste hospital alegando que o incidente tinha ocorrido fora das suas instalações sugeriu aos familiares que chamassem uma ambulância e, como tal, não pediram ajuda aos médicos. Dois minutos mais tarde, um médico que trabalhava no serviço de cirurgia do Hospital C passou por acaso e viu o doente e constatou que já não tinha pulsação. Devido ao congestionamento do trânsito, a ambulância levou 20 minutos a chegar e o paciente faleceu. Este caso foi muito criticado pelos habitantes de Hong Kong. Acredita-se que os funcionários apenas seguiram as instruções do Hospital C, e por isso não levaram o doente para as Urgências e disseram à família para chamar uma ambulância. Tratou-se de um acto de recusa de prestação de assistência. No entanto, o médico que tentou ajudar o doente não foi criticado. Ao recusar-se a cuidar de um paciente receando não poder cobrar-lhe o tratamento, o hospital não estará a mostrar que o valor da vida não é igual para todos? O exemplo do Hospital C demonstra ainda que, ao investigar incidentes em hospitais privados que se recusam a prestar primeiros socorros aos pacientes, duas situações diferentes devem ser distinguidas: a recusa por parte da administração hospitalar e a recusa por parte dos médicos. Para além das diferentes responsabilidades e das diferentes punições que se aplicam, a recusa dos médicos de prestação de socorro a doentes graves viola o código de ética profissional – salvar vidas e cuidar dos enfermos. É pouco provável que um médico que se comporte desta forma seja adequado para continuar a exercer. Após analisar as questões dos hospitais privados e dos médicos na Tailândia, quem viaja deve em primeiro lugar prestar atenção à sua segurança pessoal. Durante as férias de Natal e de Ano Novo o fluxo de turistas aumenta. Este incidente deve lembrar às pessoas que quando viajam devem pensar com antecedência nas questões que se relacionam com segurança e despesas de saúde. Embora a pandemia tenha vindo gradualmente a dissipar-se, ainda existem algumas consequências. Estamos no Inverno e os germes estão mais activos. Antes de viajar, é necessário ficar a saber as condições da prestação de cuidados de saúde no nosso destino e também devemos tomar as vacinas recomendadas para fortalecer o sistema imunitário e evitar doenças infecciosas. Em segundo lugar, se tivermos um acidente, como é que vamos pagar as despesas hospitalares? A forma mais simples é fazer um seguro de viagens e levar a apólice connosco. Em caso de acidente, podemos mostrar a apólice no hospital e garantir que recebemos assistência. É também importante escrever nos documentos do seguro o nome e o contacto das pessoas a que se deve ligar em caso de emergência, para que possam ser avisados e para que os médicos possam tomar decisões de forma rápida e ainda para que não subsistam quaisquer dúvidas sobre o pagamento das despesas. Em terceiro lugar, viajar acompanhado é sempre melhor do que viajar sozinho. Em caso de acidente, os companheiros ajudam-se uns aos outros. Se o companheiro de viagem conhecer os familiares do paciente, pode contactá-los e tomar providências para que o doente regresse a casa, onde pode continuar a receber tratamento. Quem viaja deve também informar os familiares do seu destino e itinerário. Estas medidas devem ser tomadas antes de qualquer viagem. Viajar deixa as pessoas felizes, mas os acidentes podem estragar essa felicidade. Apenas cautelando as medidas de segurança se pode garantir uma viagem bem-sucedida. Esperamos também que o Governo tailandês anuncie os resultados da investigação o mais depressa possível para que os familiares possam ser indemnizados, à luz das leis da Tailândia.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesGrandes e pequenas tarefas Quando o Chefe do Executivo Ho Iat Seng apresentou o Relatório das LAG para o ano financeiro de 2024, afirmou que deveriam ser cumpridas três grandes tarefas em 2024, a saber, celebrar calorosamente o 75.º aniversário da implantação da República Popular da China, o 25.º aniversário do Retorno de Macau à Pátria, e a concretização, com êxito, das metas da primeira fase da Construção da Zona de Cooperação Aprofundada Guangdong-Macau em Hengqin. Confio plenamente que o Chefe do Executivo se encarregará de fazer cumprir estes objectivos. Antes de mais, a concepção e desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada Guangdong-Macau em Hengqin faz parte do planeamento estabelecido pelo país. Macau apenas tem de seguir as políticas neste sentido e dedicar toda a mão de obra e recursos materiais à sua execução, uma vez que não haverá empreendimento que não possa ser realizado, tal como a conclusão do “Novo Bairro de Macau” na Zona de Cooperação Aprofundada. Actualmente, face à complexidade e constante mudança dos acontecimentos internacionais, a capacidade da Zona de Cooperação Aprofundada Guangdong-Macau em Hengqin para ajudar no futuro crescimento da “diversificação das indústrias 1+4”, vai depender de Macau vir a atingir as metas da segunda fase da Construção da Zona de Cooperação Aprofundada Guangdong-Macau em Hengqin. Em relação ao 25.º aniversário do Regresso de Macau à Pátria, a questão não é tanto sobre a forma de o celebrar, mas mais sobre a forma como se realizará a próxima eleição do Chefe do Executivo, que será realizada no próximo ano juntamente com a aprovação da proposta de revisão da Lei Eleitoral para o Chefe do Executivo. No passado, estas eleições, excepto a primeira onde houve dois, têm por norma apenas um candidato. A reeleição do Chefe do Executivo para um segundo mandato é uma prática comum em Macau, bastante diferente da RAE de Hong Kong. Embora Ho Iat Seng ainda não tenha anunciado publicamente a sua recandidatura, a sua recente visita a Pequim para informar o Presidente Xi Jinping; “sobre a situação actual de Macau e os trabalhos desenvolvidos pela RAEM durante o corrente ano”, foi plenamente reconhecida pelo Governo Central e, até agora, ninguém se candidatou às eleições. Salvo qualquer incidente, a reeleição de Ho Iat Seng para um segundo mandato não deve ter nenhum entrave. Por último, celebrar calorosamente o 75.º aniversário da implantação da República Popular da China em Macau não será nada difícil, uma vez que Macau é conhecido por ser morada de todo o tipo de associações. Desde que o Governo da RAEM disponha dos recursos e envide esforços, as celebrações vão ser certamente grandiosas e espectaculares. Ao executar estas três grandes tarefas com eficiência, Ho Iat Seng também deve prestar atenção a três tarefas menores. Sem dúvida que o desempenho do 6.º Governo da RAEM foi prejudicado pela pandemia e, no rescaldo, ficaram muitos problemas sociais que causam preocupação. Em primeiro lugar, o aumento dos casos de suicídio em 2023 de alguma forma reflecte situações desesperadas que não foram identificadas. Mas mudando de assunto, quanto à capacidade de Macau vir a tornar-se uma Cidade Criativa da Gastronomia ou uma Cidade de Espectáculos, só há uma coisa a dizer: não pode tornar-se uma cidade triste. Assim sendo, é preciso encontrar líderes capazes para encabeçar o 6.º Governo da RAEM. A segunda tarefa menor consiste em melhorar o enquadramento económico e empresarial de Macau para que os cidadãos e os micro, pequenos e médios empresários possam finalmente respirar. Ouço muitas vezes representantes do Governo de Macau referirem-se a “dar a conhecer bem a história Macau”, no entanto as lojas fechadas nas ruas contam outra história. A derradeira tarefa menor versará o encorajamento da expressão das diversas opiniões. Com Macau governado por patriotas e servido por funcionários versados em administração e consultoria, a implementação das políticas em Macau, corre sempre muito bem. No entanto, contar apenas com vozes “construtivas” ou “tranquilizadoras” não é suficiente para que quem detém o poder reflicta sobre a sua actuação. Em Macau, não faltam patriotas, especialistas ou académicos, o que falta são pessoas com vontade e coragem de dizerem a verdade. A este respeito, depois de excluir os poucos indivíduos especiais que ainda estão em observação, seria adequado dar oportunidades às pessoas com ideias próprias de expressarem as suas opiniões fora dos quadros dos poderes públicos. Se as três grandes tarefas forem realizáveis, as três tarefas menores associadas à subsistência das pessoas devem ser facilmente cumpridas.
Carlos Coutinho VozesGuerra em família Muitas vezes, quando a noite é longa e o sono se atrasa na chegada, acontece-me navegar em águas indestrinçáveis, como se intimar fosse o mesmo que tornar íntimo e muito menos exequível do que intimidar. Tal como programa, vizinho muito próximo de pogrom, pode significar a maneira de ser de uma pessoa que é favorável à relva, não importando que grama seja uma erva infestante e prejudicial à agricultura. É talvez por isso que há os que gramam e os que não gramam isto ou aquilo, assim como os brasileiros falam do gramado que, para nós, é simplesmente o relvado de um estádio ou de um solo que sofre o uso intensivo de certas atividades desvitalizadoras das ervinhas rasteiras. Diz-se que pogrom é uma especial concretização de um programa que consiste no exercício de uma perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso tolerada ou aprovada pelas autoridades locais, como aconteceu em Berlim, antes, durante e depois da Noite de Cristal, e como está a acontecer no Donbass russofalante, na Faixa de Gaza e em toda a Cisjordânia ocupada. Pensando bem, o pogrom, com ou sem um programa bem definido, foi um ataque violento e massivo, a destruição de um ambiente coletivo – casas, negócios e centros religiosos – que varreu o Sul da Rússia czarista e ortodoxa, vitimizando cerca de 2 milhões de judeus, entre 1880 e 1920, mas, historicamente, tem sido o termo mais usado para denominar atos massivos de grande violência, espontânea ou premeditada, contra judeus, protestantes, eslavos e outras minorias étnicas da Europa. Na Rússia saída da Revolução de Outubro, como é bem sabido, o Exército Branco, acompanhado por diversas tropas europeias, alegando lutar contra o “complô judaico-bolchevique”, flagelou muitas cidades e aldeias, usando crueldades inenarráveis. Na pequena cidade de Fastov, po exemplo, o Exército Voluntário de Denikine, assassinou mais de 1500 judeus – principalmente idosos, mulheres e crianças –, estimando-se em cerca de 150 mil o saldo dos morticínios perpetrados em pogroms na Ucrânia e por todo o Sul da Rússia. Tudo isto me fez rever conceitos como semitismo e sionismo, descobrindo que o termo semita tem como principal origem um conjunto linguístico composto por uma família de vários povos, entre os quais se destacam os árabes e os hebraicos que compartilham as mesmas raízes culturais. O étimo semita aparece no Génesis 5:32 como a linhagem de descendentes de Sem, filho de Noé. Modernamente, as línguas semíticas estão incluídas na família camito-semítica. Há que reconhecer que, historicamente, esses povos tiveram grande influência cultural em metade do mundo, pois as três grandes religiões monoteístas – o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo – possuem raízes semitas. Dadas as diversas migrações, não podemos falar de um grupo étnico homogéneo, mas sabe-se que são muitas as línguas compõem a família semítica. Por exemplo: o hebraico acadiano, o ugarítico, o fenício, o hebraico, o aramaico, o árabe, o etíope, o gala, o afar-saho, o amorita, o caldeu, o maltês e a tigrínia. Após a morte de Moisés, sob a direção de Deus, Josué, como é sabido, levou os judeus para as terras que são hoje Israel. Quem não sabe fica a saber e só acredita quem quiser. Depois, os hebreus sofreram diversas invasões e a religião tornou-se no principal elo entre eles. No século I d.n.e., os judeus acabaram mesmo por ser dispersos pelos romanos, dando origem à milenar diáspora judaica. Os judeus europeus subdividiram-se também, formando dois subgrupos, o dos sefarditas (Sefarad é o nome da Espanha em hebraico) e o dos asquenazes. Estes foram em grandes hordas para terras da Europa central e para países eslavos da Europa oriental. Sabemos que os sefarditas migraram para a Península Ibérica e que, seguidamente, sofreram outra dispersão, em 1492, estabelecendo-se então em países do Norte da África e da Europa Central, bem como na Itália. O século XX ficou tragicamente marcado por diversos acontecimentos envolvendo os dois povos semitas remanescentes: os árabes e os hebreus. Com o fim da Primeira Guerra Mundial e o desmoronamento do Império Otomano, as regiões da Síria e do Líbano ficaram sob o domínio da França. As outras áreas, inclusive a Palestina, passaram para as mãos da Grã-Bretanha. A ocupação pela França e pela Grã-Bretanha provocou fortes reações entre os árabes. Foi nesse contexto que surgiu no Egipto a Irmandade Muçulmana, berço do fundamentalismo islâmico. Ora, a Síria só ganhou de facto o seu reconhecimento em 17 de abril de 1946 e o Líbano em 22 de novembro de 1943. À Inglaterra, nessa barafunda, coube a Palestina (incluídos os territórios da atual Jordânia e de Israel) e Mesopotâmia (o Iraque de hoje). Os respetivos governantes, na sua maioria reis, obtiveram assim áreas extremamente ricas em petróleo e ganharam meios económicos para se desenvolverem. No mesmo período, já em 1948, começou a fase de criação do estado de Israel em território palestiniano, gerando a divergência entre árabes e judeus. Desde então, aquela região é abalada por diversas guerras e se mantém em clima de permanente conflito. Actualmente, as principais regiões de cultura árabe compreendem todos os países norte-africanos, desde a África Saariana até o Médio Oriente, além de regiões isoladas no Irão. Outras vertentes semitas são a dos amáricos e a dos oromos, localizadas na Etiópia e na Eritreia, bem como as dos arameus e assírios, no Líbano e no Norte do Iraque. Quanto a sionismo e antissionismo não há muito a dilucidar aqui, dado serem realidades insanas decorrentes de todas as voltas e reviravoltas do processo histórico em que se inserem. Como expressão canónica, o sionismo, em hebraico ציונות (Tsiyonut) só se mostrou ao mundo com a categoria de um movimento político no final do século XIX. Na Europa central e oriental, foi logo associado, pela maioria dos seus líderes, à colonização da Palestina que consideravam “ocupada por estranhos”. O termo sionismo é derivado da palavra Sion (em hebraico, ציון) que significa elevado. Originalmente, Sião ou Sion eram as colinas que circundam a “Terra Santa”, onde existiu uma fortaleza com o mesmo nome. Durante o reinado de David, Sião tornou-se num abusivo “Reino de Jerusalém” ou “Terra de Israel”. O uso do termo sionismo surgiu durante um debate público realizado em Viena em 1892 na noite de 23 de janeiro de 1892, cunhado por Nathan Birnbaum, um escritor judeu local que fundara em 1885 a revista “Selbstemanzipation!” (Autodeterminação!). No entanto, considera-se que o pai oficial do sionismo foi o jornalista e escritor austríaco Theodor Herzl no seu livro “Der Judenstaat“ (O Estado Judeu). Acontece que até um historiador israelita, Benny Morris, isento de infidelidades factuais, considera em “The Arab-Israeli War”, livro publicado logo em 1948: “É evidente que os acontecimentos de 1948 na Palestina foram uma limpeza étnica executada pelos judeus nas zonas árabes. (…) Os métodos terroristas, de inspiração nazi e fascista, levados a cabo pelo Irgun (“Organização Militar Nacional na Terra de Israel”, liderado por Menachem Begin, futuro primeiro-ministro de Israel), foram denunciados no mesmo ano por diversos intelectuais judeus, entre os quais Albert Einstein e Hannah Arendt, numa carta aberta publicada em “The New York Times”. Já no século XX, quando Begin organizou o governo, tornou-se num infame genocida, prática em que Netanyauhu se tem vindo também a especializar.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesJogo de poder Creio que será mais adequado descrever o debate das diversas áreas governativas na Assembleia Legislativa como uma sessão de perguntas e respostas. As estações televisivas de Macau provavelmente não registaram as taxas de audiência do debate, mas o empenho dos membros do Governo e dos deputados em manter a sessão em funcionamento até tarde é digno de apreço. Todos os deputados em funções foram cuidadosamente seleccionados pela Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa, pelo que são patriotas que amam Macau. Os que entre eles foram escolhidos por sufrágio directo e que lutam para fazer ouvir as suas opiniões, estão a ser criticados por quererem ficar sob as “luzes da ribalta” e obter mais votos nas próximas eleições. As palavras doces podem, por vezes, tornar-se cansativas para quem as ouve quando a presença das vozes radicais desaparece. Qualquer jogo tem de ter regras e as regras não podem ser adicionadas ou subtraídas arbitrariamente, caso contrário o jogo deixa de ser justo e interessante. A Assembleia Legislativa já aprovou na generalidade a proposta de revisão da “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM”. Os deputados aprovaram, por unanimidade, a revisão sem qualquer objecção. Um dos objectivos da revisão é a inclusão de sete critérios de apreciação da qualificação dos indivíduos que se candidatam às eleições da Assembleia Legislativa, definidos em 2021 pela Comissão de Assuntos Eleitorais da VII Legislatura para “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM”, eliminando assim antecipadamente as falhas legais e agindo de forma a evitar serem criticados por “meter o carro à frente dos bois”. A discussão na especialidade da revisão da “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM” foi entregue à 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, que também se ocupou da revisão da “Lei Eleitoral para o Chefe do Executivo”. Nestas duas propostas de revisão, é avançado que a apreciação da qualificação dos indivíduos que se candidatam às eleições deve ser feita pela Comissão de Defesa da Segurança do Estado. Aqueles cuja candidatura seja considerada inelegível não podem apresentar reclamação junto da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa/do Chefe do Executivo, nem interpor recurso contencioso junto dos tribunais em relação à decisão de inelegibilidade tomada pela Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa/do Chefe do Executivo com base nos pareceres de apreciação. Segundo o Artigo 24.º do Capítulo III da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, os residentes permanentes da RAEM têm o direito de eleger e de ser eleitos, nos termos da lei. Mesmo que uma pessoa seja privada de elegibilidade para se candidatar pela Comissão de Defesa da Segurança do Estado, de acordo com a lei, tem de lhe ser concedido o direito de apresentar reclamação ou interpor recurso contencioso, para salvaguardar os seus direitos cívicos. Tomemos como exemplo o caso de desclassificação dos 21 indivíduos que pretendiam candidatar-se às eleições para a Assembleia Legislativa em 2021. Embora as reclamações e os recursos contenciosos apresentados por alguns deles não tenham sido aceites, pelo menos os interessados e o público em geral puderam ter acesso aos conteúdos do parecer de apreciação e aos motivos apresentados para justificar a desclassificação. Foi proporcionada alguma transparência sobre a actuação dos poderes públicos. Agora, a revisão da “Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM” estipula que quem é considerado inelegível para se candidatar às eleições não pode apresentar reclamação junto da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa, nem interpor recurso contencioso junto dos tribunais em relação à decisão de inelegibilidade. No entanto, a pessoa desclassificada tem de ter acesso ao parecer de apreciação para ficar a conhecer os motivos da decisão. Em certa medida, a política pode ser considerada um jogo de poder. O historiador britânico Lord Acton afirmou, “O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Desde que tenhamos em mente o princípio de que “o poder é concedido pelo povo e deve ser usado para servir o povo”, o jogo pode continuar.
Hoje Macau Sexanálise VozesOs gaydares e a sua (in)utilidade científica A literatura em psicologia tem vindo a estudar um fenómeno que há muito entrou na cultura popular: os “gaydares”. Um suposto radar que informa se alguém é homossexual ou heterossexual. Há pessoas que dizem tê-lo mais afinado do que outras. Supostamente, os “gaydares” funcionam de forma heurística, ou seja, basta analisar a cara ou ouvir a voz de uma pessoa para saber se é gay ou lésbica. Os estudos em psicologia parecem mostrar que a probabilidade de acertar numa caracterização correcta é maior que o acaso, mas ainda assim, com uma margem de erro grande. Também a inteligência artificial, com base nesses estudos, parece conseguir distinguir as caras gays e lésbicas com alguma exatidão. Rapidamente as fontes de informação mediática vieram com títulos sensacionalistas sobre o assunto, o que levou vários investigadores a interrogarem-se sobre as implicações desta investigação. Normalmente, olhando para estes estudos, salta-se para a conclusão precipitada de que existem indicadores faciais e vocais que ditam quem é homossexual e quem não é. Mas na verdade, estes estudos somente mostram que a categorização com base em estereótipos pode funcionar. O procedimento é simples: mostram-se fotografias ou clips áudios de pessoas a falar e pedem ao participante que classifique se a pessoa é heterossexual ou homossexual. Estes indicadores que estão a ser apanhados pelo “radar” têm mais que ver com indicadores de não-conformidade de género, do que orientação sexual. Por exemplo, quando alguém se depara um homem com trejeitos mais afeminados, irá assumir que é homossexual. Contudo, a orientação sexual é vivida de forma bem mais complexa. Há evidência de que identificação pessoal nem sempre se alinha com o comportamento sexual. Como é que se assume, por isso, que a orientação sexual é, de facto, algo facilmente perceptível a olho nu? Nos estudos para a existência de um suposto “bidar”, i.e., um radar para identificar as pessoas bissexuais, verificou-se que a sensibilidade do radar, nestes casos, já é bastante débil. Principalmente em relação a homens bissexuais. Este corpo de literatura só está a confirmar que existem processos de reificação de estereótipos sexuais, e essa reificação tem os seus riscos e consequências. Estudar os “gaydares” como um fenómeno psicológico é uma forma de legitimar o uso de estereótipos como fonte de informação fidedigna, quando não o são. Os estereótipos são só uma forma simples de categorizar, um processo cognitivo automático. Não são um processo sofisticado de compreensão do mundo vivo. São alimentados por viéses cognitivos que precisam de ser continuamente escrutinados. Num estudo em que informaram um grupo de pessoas que o “gaydar é real” e a outra em que “o gaydar é estereotipar”, repararam que no primeiro grupo se usou com legitimidade o termo “gaydar” para normalizar os estereótipos que estavam continuamente a ser perpetuados. Outros estudos também mostraram que o uso de “gaydares” podem ter associação a formas de discriminação, preconceito e violência para com as pessoas que se identificam como LGBTQIA+. Os “gaydares” devem continuar a ser objecto de investigação científica, mas precisam de ser contextualizados. O que falta nos estudos sobre esta temática, e na forma como se discutem estas questões no dia-a-dia, é uma reflexão aprofundada e complexa em que se conceptualiza orientação sexual, conformidade de género, identidade e comportamento. Ao mesmo tempo, é preciso produzir conteúdos, científicos e não-científicos com a consciência de que eles têm efeitos no mundo. Refletir sobre o que se estuda, e porquê, precisa de ser nutrido por uma consciência social e humana para uma ciência mais impactante e relevante para o dia-a-dia das pessoas.
Hoje Macau VozesDireito de resposta de Rita Santos Excelentíssimo Senhor Dr. Carlos Morais José Director do Jornal Hoje Macau Pátio da Sé, Nº 22, Edf. Tak Fok, R/C, Macau Assunto: Pedido de publicação de um Direito de Resposta acerca do artigo “Comunidades | Secção do PS nega envio de abaixo-assinado por Rita Santos”, da autoria da jornalista Andreia Sofia Silva – Jornal Hoje Macau 12 de Dezembro de 2023 Exmo. Senhor Director, Ao abrigo do Direito de Resposta consignado na Lei de imprensa, e enquanto membro do Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Portuguesas, e Presidente do Conselho Regional da Ásia e Oceânia do CCP, para os devidos efeitos concernente à publicação mencionada no assunto em epígrafe, venho por esta via solicitar a publicação deste esclarecimento relativamente ao conteúdo do artigo “Comunidades | Secção do PS nega envio de abaixo-assinado por Rita Santos”, da autoria da jornalista Andreia Sofia Silva – Jornal Hoje Macau, 12 de Dezembro de 2023. Ontem, fui informada pela jornalista Andreia Sofia Silva que iria ser publicado hoje, no jornal Hoje Macau, um artigo em que a Secção do PS em Macau, por iniciativa do seu coordenador, faria afirmações atentatórias da minha integridade moral e do meu bom nome, solicitando, caso fosse o meu desejo, que as comentasse, permitindo assim o princípio do contraditório. Embora grata pela oportunidade, optei for enviar um relato dos factos, e das actividades, inerentes à minha breve visita a Lisboa, entre 8 e 14 de Novembro de 2023, no âmbito da última reunião do Conselho Permanente do CCP, antes da realização das eleições para o Conselho das Comunidades Portugueses, que tiveram lugar no dia 26 de Novembro de 2023, que, contrariamente ao que foi anunciado no artigo, não foi motivo de publicação em comunicados de imprensa, e do qual venho por este meio reproduzir na íntegra: “Rita Santos, na qualidade de Conselheira e membro do Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Portugueses, e Presidente do Conselho Regional da Ásia e Oceânia, realizou uma breve visita a Lisboa, entre 8 e 14 de Novembro de 2023, no âmbito da última reunião, na Assembleia da República Portuguesa, do Conselho Permanente do CCP, antes da realização das eleições para o Conselho das Comunidades Portugueses, que se realizaram a 26 de Novembro de 2023. O programa da visita incluiu reuniões internas com o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Dr. Paulo Cafôfo, onde foram abordados temas como a discussão do orçamento do CCP para 2024 e o plano estratégico para as Comunidades, uma reunião com o Director Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Dr. Embaixador Luís de Almeida Ferraz, para tratar de assuntos relacionados com os Postos Consulares, Apoios Sociais, e Apoios às Associações, no decorrer da qual Rita Santos aproveitou a oportunidade para entregar os abaixo-assinados dirigidos aos Secretário de Estado das Comunidades, e ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. João Gomes Cravinho, relativos ao atraso na renovação de documentação, através do Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, uma reunião com a (COREPE), da Comissão Nacional de Eleições, sobre os atos eleitorais nas Comunidades, incluindo procedimentos e questões a melhorar para a participação cívica, e encontros com a Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, e com os grupos parlamentares dos diversos partidos. Após a última reunião com o SEC, Dr. Paulo Cafôfo, e durante a sessão de encerramento dos trabalhos, na Sala do Protocolo do Palácio das Necessidades, Rita Santos voltou a dar conhecimento da entrega das missivas que solicitavam os seus bons ofícios e do MNE, no sentido de serem resolvidos os problemas de falta de pessoal e dos atrasos na renovação dos documentos a cidadãos Portugueses no Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, tendo este respondido que estavam a ser diligenciados todos os esforços para a resolução daquelas preocupações. Actualmente, e após o resultado positivo da lista que liderou às eleições ao novo mandato do Conselho das Comunidades Portuguesas, pelo Círculo da China, Tóquio, Banguecoque, Seul e Singapura, Rita Santos salientou que o enfoque dos membros eleitos é o da implementação do plano de acção do programa eleitoral a que se propuseram, e que recebeu o apoio inequívoco dos cidadãos e das instituições e associações de matriz Portuguesa, com quem mantiveram contactos, e que se manifestou através da participação inusitada da comunidade Portuguesa local no recente plebiscito ao CCP, a 26 de Novembro de 2023.” Esta opção não visou, portanto, e conforme a minha informação à jornalista Andreia Silva, constituir qualquer resposta ao teor das informações do coordenador da Secção do PS em Macau, porquanto depreendi que fossem a título particular, uma vez que, de acordo com a informação que me foi referida por responsáveis do PS, em Portugal, elas não representavam a posição do Partido. Neste contexto, solicitava, que ao abrigo deste Direito de Resposta, fosse publicada na íntegra a informação que enviei à jornalista Andreia Silva, referente ao assunto em questão, porquanto nele está esclarecido o assunto relativo aos abaixo-assinados. Foi o que tinha solicitado anteriormente, precisamente para que a informação não aparecesse descontextualizada, o que infelizmente se veio a verificar. Quanto às acusações contidas no artigo, não sei qual o seu fundamento, intenção ou motivação, pelo não poderei formular conjecturas sobre o seu teor, porquanto é necessário saber diferenciar o que é uma opinião de um eventual “achincalhamento” ou “ataque gratuito”, que apesar de ser enunciado de forma personalizada, acaba também por envolver, de forma lamentável, o nome e a reputação insuspeitas, de cidadãos Portugueses legitimamente eleitos para representar os interesses das Comunidades Portuguesas, através do Círculo da China, Tóquio, Banguecoque, Seul e Singapura, do Conselho das Comunidades Portuguesas. Finalmente e em jeito de conclusão não preciso de mentir para poder sobreviver ou obter quaisquer dividendos dos partidos políticos portugueses. Grata pela atenção dispensada, aproveito a oportunidade para apresentar a V. Exa., Sr. Director do Jornal Hoje Macau, os meus melhores cumprimentos. Macau, aos 12 de Dezembro de 2023 A Presidente do Conselho Regional das Asia e Oceânia das Comunidades Portuguesas Rita Santos Relativamente ao direito de resposta apresentado por Rita Santos, cumpre-me responder o seguinte: Rita Santos foi contactada no final da tarde desta segunda-feira a propósito das declarações prestadas a este jornal por parte de Vítor Moutinho, coordenador da secção do Partido Socialista (PS) em Macau, para efeitos de contraditório, em prol do cumprimento das regras jornalísticas e do equilíbrio da informação. Desde o início que Rita Santos foi devidamente informada, em mensagens escritas via Whatsapp, do teor das declarações de Vítor Moutinho e que as mesmas eram feitas na qualidade de coordenador da secção, como é facilmente comprovável através da visualização das mensagens trocadas, não havendo, portanto, fundamento para que Rita Santos venha dizer que pensou que as declarações foram dadas “a título particular” como refere. Além disso, nunca me informou que falou com membros do PS e que estes defenderam que a posição de Vítor Moutinho “não representava a posição do partido”. De frisar ainda que a resposta escrita de Rita Santos, e que surge citada neste direito de resposta, é uma cópia de dezenas de comunicados de imprensa enviados às redacções. Só depois é que a visada foi novamente confrontada se tinha, ou não, enviado o referido abaixo-assinado ao Governo português, tendo respondido que sim, refutando as acusações de Moutinho. Sobre esta resposta escrita, nada me obriga a citá-lo na íntegra, pois como jornalista cabe-me seleccionar a informação que melhor explica o contexto e as posições dos visados nos artigos jornalísticos. Foi isso que foi feito com a resposta de Rita Santos. Andreia Sofia Silva
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLicenças de maternidade e paternidade Recentemente, surgiram boas notícias para os casais de Hong Kong que estão a planear ter filhos. Para além dos cinco dias de licença de paternidade e das 14 semanas de licença de maternidade estipuladas pela Lei Laboral de Hong Kong, podem ainda desfrutar de um subsídio contemplado no Orçamento para 2023. Cada um dos progenitores pode receber 20.000 dólares de Hong Kong (HKD). Mas os empregados a tempo inteiro do H Bank receberam ainda melhores notícias. A partir de 1 de Janeiro de 2024, a licença de maternidade para as trabalhadoras a tempo inteiro deste banco passa de 16 para 20 semanas e a licença de paternidade de 10 para 40 dias. Criar uma criança implica muitos gastos de tempo e de dinheiro, bem como muito esforço. Até que o filho complete a sua formação, os pais despendem grandes somas em alimentação, vestuário, alojamento, transportes, educação, etc. O subsídio que vão passar a receber pode dar apoio financeiro às famílias para ajudar a reduzir os encargos. Na verdade, não representa uma grande ajuda, mas é melhor do que nada. Acredita-se que ninguém vá ter filhos só para receber o subsídio. No entanto, do ponto de vista social, a concessão deste apoio era inevitável. Segundo dados estatísticos de 2022, em Hong Kong, cada mulher tem em média 0,7 bebés. Se esta tendência se mantiver, a população de Hong Kong vai sofrer uma diminuição acentuada. Agora, o H Bank aumentou significativamente as licenças de maternidade e de paternidade para os empregados a tempo inteiro. Acredita-se que com esta medida o banco pode atrair trabalhadores competentes, com um aumento de custos operacionais limitado e cumprindo a sua responsabilidade social. O declínio da taxa de natalidade em Hong Kong, combinado com o aumento da emigração reduziram a força de trabalho na cidade, pelo que os bancos têm mais dificuldade de contratar funcionários. Embora possam aumentar os salários para tornar os lugares disponíveis mais atractivos, se o fizerem só aumentam os encargos. Além disso, o preço dos terrenos em Hong Kong é elevado e as rendas são caras e por isso as despesas operacionais dos bancos já são muito altas. Acresce ainda outro factor, os Estados Unidos subiram significativamente as taxas de juro das poupanças. Com o dólar de Hong Kong e o dólar dos EUA indexados, as taxas de juro das poupanças em Hong Kong também precisam de subir significativamente. A subida das taxas de juro das poupanças fará subir os custos operacionais dos bancos, e vários factores não vão ser conducentes à capacidade dos bancos para competir no mercado. Segundo a comunicação social, cerca de 52 por cento dos trabalhadores do H Bank são mulheres. Embora as notícias não tenham mencionado a percentagem que está em idade fértil, acredita-se que nem todas as trabalhadoras irão beneficiar destas novas medidas. Pela lógica, o mesmo se aplica aos homens. Por aqui pode ver-se que o aumento das licenças de maternidade e de paternidade implicará um aumento limitado de custos operacionais para os bancos. O aumento das licenças de maternidade e de paternidade dá aos empregados mais tempo para se ocuparem das suas famílias. Para além disso, este tipo de benefício faz com que os trabalhadores sintam que o banco se preocupa com o bem-estar das suas famílias e que toma conta delas, o que está de acordo com os valores tradicionais chineses de respeito à família. Estas medidas também farão com que os empregados trabalhem mais libertos de pressões familiares e o banco passa a receber em troca benefícios não quantificáveis. Outra mais-valia que este benefício traz ao banco, é o cumprimento da responsabilidade social. A responsabilidade social é um dos vectores da administração empresarial. Os bancos não podem apenas procurar a maximização dos lucros, também têm de ter em conta as questões sociais. No contexto actual de declínio da taxa de natalidade, o H Bank aumentou a licença de maternidade e de paternidade dos seus empregados. Isto não só permite que eles tenham mais tempo para se ocuparem das suas famílias, como também beneficia Hong Kong. Este procedimento será certamente reconhecido pelos accionistas do banco. Actualmente em Macau, cada um dos pais de um recém-nascido recebe 5,418 patacas. O Artigo 54.º, n.º 1, da Lei Laboral de Macau estipula que a mãe pode desfrutar de 70 dias de licença de maternidade, o que representa 10 semanas. O n.º 1 do artigo 56.º-A estipula que os pais têm direito a cinco dias úteis de licença de paternidade. Estas condições, quando comparadas com as de Hong Kong, são menos vantajosas. Em 2022, nasceram 4.344 bebés em Macau, e a taxa de natalidade estava nos 6.4 por cento. Embora este seja um mínimo histórico desde que os registos começaram em 1985, representa uma taxa de natalidade muito mais elevada do que a de Hong Kong. De acordo com dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, o número de pessoas com mais de 65 anos vai aumentar dos 12.2 por cento, registado em 2021, para 14.2 por cento em 2023 e para 20.9 por cento em 2041. A população de Macau está a envelhecer e a cidade tem de lidar com as questões demográficas. Partindo do princípio que Macau está a passar por alterações demográficas, irão as grandes empresas de Macau seguir o exemplo do H Bank para beneficiarem a cidade e ganharem o reconhecimento dos seus accionistas? O H Bank também tem uma sucursal em Macau. Ainda não se sabe se as medidas que o banco implementou em Hong Kong serão extensíveis à sucursal de Macau. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Hoje Macau VozesModernização da China é um modelo da sustentabilidade Por Júlio Biquer* Com mais de 1,4 mil milhões de habitantes, ou seja, 18% da população mundial, com uma imensidão territorial de características geográficas adversas e uma realidade populacional e histórica atípica, a modernização da China, como disse o Xi Jinping, o seu presidente, “… é a mais difícil e, ao mesmo tempo, a mais grandiosa.” Para a modernização da China, vários caminhos foram antes explorados, depois da guerra do Ópio em 1840, começaram várias tentativas: o Governo Nacional da República da China (1912-1949 d.C.), o Movimento de Autofortalecimento, tentou com o método de aprendizagem das tecnologias industriais e militares do Ocidente, a Reforma dos Cem Dias e a Revolução Xinhai também procuraram estabelecer monarquia constitucional ou república ao estilo ocidental. Mas estas fórmulas copiadas do ocidente não tiveram êxitos. Com a liderança do Partido Comunista da China, o povo chinês encontrou o caminho certo para independência nacional, libertação popular e prosperidade do país. O PCCh estudou e usou o marxismo para promover a modernização socialista com base nas realidades da China. Entendendo que não podemos copiar modelos e tentar implementá-los sem ter em conta a própria realidade, no entanto, deve ser através das experiências baseadas nas realidades nacionais. Consciente que o mais importante é resolver o problema do povo, dando-lhes o que precisam, inspirando na sabedoria política tradicional chinesa para garantir a paz, estabilidade e o bem-estar não só do povo chinês, mas do mundo. A modernização, ato ou efeito de modernizar ou atualizar, tido hoje como ocidentalização, é na verdade nada mais que a reorganização de acordo com os métodos ou tendências avançadas. Nos dias de hoje, se considera os objetivos de desenvolvimentos sustentáveis como vetor fundamental da modernização. A China seguiu esta direção, fazendo com que a sua modernização anda de mãos dadas com a proteção do meio ambiente, inclusão social, erradicação da pobreza, paz, abundância material equilibrado com a cultura e a ética e tudo fora da lógica expansionismo ou da dominação. Modernização verde e inclusiva A convivência harmoniosa entre o homem e a natureza é a ideia central da filosofia da tradição chinesa e está enraizado nos seus genes culturais. Tomando como exemplo as duas escolas com maiores influências; confucionismo e o taoísmo. Para estas escolas “A natureza não fala, mas garante a rotação das quatro estações e o crescimento de todos os seres.” E o Chuang Tzu defendia que “Vivemos com a natureza e somos um só.” Estas filosofias tradicionais amigo do ambiente, são tidos em consideração na política de modernização da China, numa das declarações do Presidente Xi Jinping, afirmou que a “dotação per capita de energia e outros recursos naturais da China é absolutamente insuficiente, e o desenvolvimento acelerado do país é restringido pela esta dotação e pelo meio-ambiente’’. O País Ganhou o prémio Campeões da Terra pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a maior honraria ambiental da ONU. E ocupa o 1º lugar do ranking mundial em vários domínios de desenvolvimento verde. Tem a maior escala de desenvolvimento e uso de energia renovável, o maior volume de produção e venda de veículos de nova energia, a melhoria mais rápida da qualidade do ar, o maior aumento nos recursos florestais, e a maior área de floresta plantada. Desde a fundação da República Popular da China, particularmente depois da entrada na nova era do socialismo com as características chinesas, sob a liderança do Partido Comunista da China (PCCh), o seu empenho no desenvolvimento económico e social tem como objetivo final alcançar a prosperidade inclusiva. Por isso garantiu a disponibilidade de alimentos per capita que chega a mais de 470 kg, superior à linha de segurança alimentar internacional de 400 kg. O rácio da renda disponível per capita dos residentes urbanos perante a dos residentes rurais caiu para 2,45:1, comparando com 2,88:1 de uma década atrás e conseguiu tirar quase 100 milhões de pessoas rurais da pobreza, dando assim um passo a mais para a prosperidade comum. Equilíbrio material, cultural e ética A China sempre trabalhou para a abundância material. Na Dinastia de Song, era uma das gigantes das trocas comerciais do mundo. Sob a liderança do Partido Comunista da China, estabeleceu uma nova China e reduziu de forma exponencial a pobreza. Só por título de exemplo segundo as fontes chineses, a renda disponível per capita aumentou de 49,7 yuans em 1949 para 37.000 yuans em 2022, permitindo uma população de mais de 1,4 mil milhões de pessoas viver uma vida moderadamente próspera em todos os aspetos. Os maiores sistemas de educação, de segurança social e de saúde do mundo são estabelecidos no país. Conseguiu preservar a sua cultura de forma intacta, a civilização chinesa é a única no mundo que não sofreu interrupções. Escrita do oráculo em ossos, poesia e cantos populares, terracotas e porcelanas clássicas, pavilhões e jardins requintados…são exemplos vivos. O país lidera o ranking mundial de património cultural imaterial da UNESCO, com 43 projetos na lista. Grandes projetos como Arqueologia da China oferecem suporte para estudo e análise sobre a origem da civilização chinesa. Paz e desenvolvimento A modernização, o desenvolvimento de uma civilização muita das vezes são acompanhados de expansão territorial, colonização e outras formas de dominação. Mas a China decide prosseguir seguindo um caminho diferente, o caminho do desenvolvimento pacífico, conforme inscrito na sua lei magna. Na filosofia dos governadores chineses “governar é promover coexistência de todos na harmonia” e para o povo “a fortuna nasce da harmonia’’, esta “cultura de harmonia” é também trazida na Arte da Guerra de Sun Tzu, para ele, “o líder habilidoso subjuga as tropas inimigas sem nem ao menos lutar” mostrando claramente a consciência da “valorização da paz”. Preocupado com a paz mundial formulou e está praticando proactivamente os Cincos Princípios da Coexistência Pacífica, a China é hoje o maior contribuinte de forças de manutenção da paz da ONU entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, bem como o único dos cinco Estados com armas nucleares que se compromete a não ser o primeiro a utilizá-los. Para a realização do sonho chinês é imprescindível um ambiente interno e externo pacífico e estável. Conclusão É inegável o salto gigantesco dado pela China, que não podemos trazer neste trabalho, todas as grandes mudanças realizadas sob liderança do PCCh, mas alguns indicadores interessantes trazem de forma patente, a imagem de uma China modernizada. Portanto, a China é um exemplo em termos do equilíbrio entre a modernização, a cultura, ética e os objetivos do desenvolvimento sustentável, na medida em que partiu da sua própria experiência, idealizou e implementou um sistema híbrido, funcional e sustentável. * Presidente do Instituto Nacional da Juventude (INJ). Secretário Geral Adjunto da Juventude Africana Amílcar Cabral (JAAC-PAIGC)
André Namora Ai Portugal VozesAsas sem voar Há mais de 50 anos que se fala de um novo aeroporto para Lisboa e há 13 anos que um engenheiro que terminou o curso no Instituto Superior Técnico com 20 valores e que ao longo da vida nunca foi consultado para nada por não pertencer a qualquer partido político, transmitiu-me que o novo aeroporto de Lisboa em Alcochete nunca poderia acontecer porque existiam vários aquíferos no subsolo local. Incompreensivelmente foi Alcochete que a Comissão Técnica para estudar a localização do novo aeroporto aconselhou como o melhor local. Dizem que não há bruxas, mas parece que as há. Acontece que a contestação a Alcochete tem sido tema de vários especialistas durante a semana passada. A Comissão Técnica indicou as mais variadas vantagens de Alcochete, mas lembremo-nos de um pormenor: dizem que em sete anos será construída a primeira fase e custará milhares de milhões de euros. Sete anos? À boa maneira portuguesa a derrapagem financeira é sempre uma realidade e os prazos de construção nunca foram cumpridos em obra alguma. Depois, a opção por um novo aeroporto deve-se ao quase congestionamento do aeroporto da Portela. Ora, se está no limite da operacionalidade vai ainda esperar sete anos por uma pista na primeira fase? Antes de mais, não acreditamos que o aeroporto esteja pronto dentro de 10 ou mais anos. Isto, quando nos lembramos que na China se têm construído bons aeroportos em cerca de dois anos. A tal Comissão Técnica estudou nove locais e agora afirmou que a segunda melhor opção seria em Vendas Novas, mas o Estado teria de gastar muitos milhões em indemnizações de terrenos privados. Lembrar ainda que um aeroporto em Alcochete obrigará a despesas extras monumentais como uma terceira ponte entre Lisboa e a margem sul e a uma ferrovia de alta velocidade (TGV). Tantos locais em estudo, desprezando à partida, o local que seria mais vantajoso para um país pobre, e que, esse local já tem as estruturas construídas e está em pleno funcionamento, como é o aeroporto de Beja. Não foi por acaso que os alemães em 1964 construíram em Beja uma base aérea militar. O local é extenso, plano e facilitador de desenvolvimento. Beja, com um comboio de alta velocidade ligando a cidade alentejana a Lisboa ou com autocarros de luxo ficaria ao serviço da capital lisboeta a um tempo muito menor que vários aeroportos do mundo. Em Beja podiam-se construir mais duas pistas e desenvolver as estruturas técnicas necessárias por um terço do dinheiro que se planeia gastar com Alcochete, com a agravante de poder servir também o turismo para o Algarve. Este, é o país que temos. Não se aproveita o bom existente para se sonhar com megalomanias de gastos assustadores num país em crise e com dois milhões de pobres. Há 50 anos que andam por decidir e agora anuncia-se um projecto de enorme envergadura para daqui a dez anos ou mais. E não queremos entrar por um parâmetro que tem sido comentado: a corrupção que alegadamente fará parte da construção do aeroporto em Alcochete. Porquê? Primeiramente porque já nos habituámos a ver ministros e autarcas a serem detidos ou demitidos pela prática da corrupção. Em segundo lugar já houve lóbis que adquiriram terrenos ou imóveis em Alcochete porque já sabiam (?) onde seria a localização do novo aeroporto. Seja como for, só lá para Maio ou Junho do próximo ano é que o novo Governo que saia das eleições legislativas de 10 de Março irá tomar uma decisão. Contudo, não faremos uma crítica aos muitos especialistas da Comissão Técnica que estudou a localização. Quem somos nós para contestar os técnicos prestigiados que fizeram parte da referida comissão. Mas, também assistimos a outras individualidades de enorme conhecimento técnico que já contestaram a localização do aeroporto em Alcochete. E no meio disto tudo temos a ANA, presidida pelo cavaquista José Luís Arnaut, que já veio anunciar que irá apresentar uma queixa contra a Comissão Técnica. Obviamente que à Ana, que tem um contrato de longa duração na gestão do aeroporto Humberto Delgado e que em nada lhe interessa que um novo aeroporto lhe retire a galinha dos ovos de ouro. Arnaut quer que o aeroporto Humberto Delgado continue a operar e que Montijo seja o anexo… quando a Comissão Técnica provou por A mais B que Montijo seria absolutamente impraticável. A procissão vai no adro há 50 anos e se formos pessimistas nem daqui a 20 anos teremos um novo aeroporto internacional a funcionar em pleno. O Partido Socialista ainda vai eleger o novo secretário-geral. Por um lado, Pedro Nuno Santos há muito que ficou desautorizado por ter escolhido Alcochete sem dar qualquer cavaco ao primeiro-ministro. José Luís Carneiro entende que terá de haver um entendimento com o PSD para qualquer decisão sobre a matéria. O PSD anunciou que ainda vai criar uma comissão de estudo sobre a matéria. Muita água irá correr por baixo das pontes. No entanto, quem tem metido mais água até aos dias de hoje, têm sido todos quantos nos governam nos últimos 50 anos.
Roderick Ptak VozesA Doutrina Monroe: 200 Anos de Padecimento Há duzentos anos, no início de Dezembro de 1823, o Presidente americano James Monroe proferiu um discurso no Congresso onde enfatizou a sua visão para o futuro da política externa dos Estados Unidos. Mais tarde, esta visão ficou conhecida como a Doutrina Monroe. Entre outras coisas, Monroe propagandeava a existência de duas esferas. Declarou que deixava de ser tolerável que as potências europeias continuassem a interferir nas Américas. Simultaneamente, ameaçava que Washington entraria em acção se os europeus ignorassem esta nova regra. A América passaria a ser para os americanos; as potências coloniais europeias deveriam manter-se afastadas do Novo Mundo. O contexto político da nova doutrina configurava um cenário complexo. A Grã-Bretanha estava em ascensão. A França tinha perdido algumas colónias, mas continuava a ser a rival da Grã-Bretanha. A Rússia tinha passado a marcar presença no Norte do Pacífico e no Alasca. Muitas das colónias espanholas da América do Sul e da América Central tinham-se tornado independentes. Washington temia que as potências europeias tentassem reverter a situação. Os EUA tinham acabado de expandir o seu território ao anexarem a Louisiana e a Flórida. Embora Washington não tenha conseguido incorporar vastas zonas, agora pertencentes ao Canadá, a economia americana crescia, e foi-se tornando gradualmente evidente que a América ia tentar expandir a sua influência política ao Pacífico e ainda mais além – contra os interesses da Espanha, da Rússia e de outros países. Historiadores sugeriram alguns factores que possam ter motivado o discurso programático de Monroe. Um desses factores era o interesse económico de longa data nos novos mercados emergentes. O comércio entre os Estados Unidos e o universo onde se fala castelhano era ainda diminuto em comparação com o comércio entre os americanos e outras zonas, mas havia planos para explorar o mundo latino através de empresas americanas. A ideologia é outro aspecto a ter em consideração. Visto de uma perspectiva de maior alcance, este factor passou a ser um elemento dominante na política dos EUA. Simplificando, Monroe estava convencido de que o seu país tinha uma missão especial: Acreditava na superioridade dos EUA. Era suposto Washington exportar o modelo republicano americano, que ele acreditava ser mais progressista do que outras formas de governação. Os EUA tinham o dever de propagar as ideias americanas pelo mundo; A América agia bem, enquanto os outros agiam mal. Estes ideais entrosam no princípio do chamado “destino manifesto” – um princípio com dimensões religiosas. Nos seus corações, os líderes políticos de Washington opunham-se ao Catolicismo; favoreciam as ideias Protestantes e Calvinistas. Pregavam a liberdade, mas na essência a sua “jihad” ideológica servia os interesses nacionais ou, mais precisamente, os interesses de capitalistas gananciosos. Especialistas em História americana analisaram como a “doutrina Monroe” foi posta em acção durante o séc. XIX e em períodos mais recentes. A Guatemala é um exemplo negro desta doutrina. Na década de 50 do séc. XX, a CIA interveio com sucesso neste país – para apoiar a “United Fruit Company”, uma grande empresa americana. Cuba é outro exemplo. Tentou defender os seus legítimos interesses contra a pressão de Washington. No entanto, as elites “iluminadas” da Casa Branca e do Pentágono ignoraram esses interesses. Nos anos 60, estas fricções quase conduziram a um conflito nuclear com a União Soviética. Muito depois, tropas americanas desembarcaram na ilha de Granada, apenas para mencionar mais uma de muitas histórias tristes. O panorama no Pacífico não era melhor. Já no séc. XIX, os Estados Unidos anexaram o Havai. Também forçaram o Japão a abrir as suas portas e instaram os japoneses a expandir-se ao continente asiático. A ideia era levar o Japão a impedir o fortalecimento das posições russas no Nordeste asiático. A China foi vítima deste processo. Os americanos estavam envolvidos no tráfico de ópio e de trabalhadores chineses para a América. Evidentemente, a “constituição liberal” tinha algumas deficiências. Milhares morreram durante a longa viagem através do Oceano Pacífico. Infelizmente, Macau serviu como porto no comércio de “coolies”, mas era a procura americana que incrementava este negócio sujo e Hong Kong passou a toma-lhe as rédeas. Isto porque os britânicos também transportavam milhares de chineses para o Sudeste asiático e para outros destinos. Em resumo, a “Doutrina Monroe” legitimava Washington para gradualmente expandir as suas “fronteiras” para Oeste, através do Oceano Pacífico em direcção à costa Leste da Ásia, em prol dos interesses dos empresários e dos políticos racistas que acreditavam serem melhores e mais civilizados do que os outros. Depois da 2ª. Guerra Mundial, a chamada “Doutrina Truman” e a “Política de confinamento” americana tornaram-se os novos rótulos para as antigas ideias de Monroe. A América proclamava a liberdade e a independência, mais apoiava muitos governantes criminosos em todo o mundo, porque estes indivíduos serviam as necessidades económicas americanas. Mas pior do que isso: As tropas americanas intervieram na Coreia e no Vietname. Apesar de enormes quantidades de bombas químicas terem sido lançadas durante a guerra do Vietname, esta terrível “aventura” do imperialismo americano terminou em desastre. Podíamos argumentar que, nessa altura, poderia ter havido um ponto de viragem na História da política externa de Washington. Outra faceta desta questão foi a crise das Ilhas Falkland (ou Ilhas Malvinas). Os britânicos travaram teimosamente uma guerra contra a Argentina. Estranhamente, os EUA não intervieram. A atitude passiva de Washington não estava claramente em consonância com a antiga ideia de que a América deveria pertencer aos americanos. O que é que isto nos diz? Diz-nos que Washington e Londres se movem na mesma direcção. Com efeito, os dois já se tinham tornado aliados há muito tempo. Washington aceitou o seu antigo professor na qualidade de parceiro júnior. Ambos estavam empenhados em explorar terceiros. Mais recentemente, lutaram juntos no Médio Oriente. Actualmente, jogam o jogo de “divide et impera” no continente europeu. Entretanto, a “liaison” anglo-americana também conduziu ao tratado AUKUS e à ideia dos chamados “Cinco Olhos”, uma espécie de aliança dos serviços secretos dos cinco países anglófonos mais poderosos, os EUA, a Grã-Bretanha, a Austrália, a Nova Zelândia, e – paradoxalmente – o Canadá (“paradoxalmente”, porque o Canadá é bilingue). Até onde podemos observar, a “doutrina Monroe”, embrulhada em novas e coloridas vestimentas, está bem viva. Centenas de livros muito vendidos, escritos por académicos e políticos dos Estados Unidos, dão conselhos sobre o que o público e os líderes locais norte-americanos devem fazer: Não devem apenas estar atentos ao universo latino, mas também devem prestar atenção a todas as áreas deste planeta, e devem preparar-se para intervenções militares e também para outro tipo de intervenções. O direito dos povos à auto-determinação não é claramente compatível com a ideologia de Washington. Washington ignorou mais do que uma vez a voz das Nações Unidas. Os slogans “Excepcionalismo americano” e “América em primeiro lugar” tornaram-se ingredientes importantes da política americana. Colocar a culpa nos outros é mais uma ferramenta. A América criou uma identidade para si própria– uma identidade cheia de contradições. Isso explica o “cultivo” sistemático de imagens negativas: Indivíduos, comunidades e países que não querem aceitar o “American way” são inimigos potenciais. Passam a ser considerados responsáveis por todo o mal e por todas as desgraças que acontecem à nossa volta. Uma vez a Grã-Bretanha ensinou o mundo a enegrecer a história dos ibéricos e do catolicismo. Nasceu daí a “leyenda negra”. Entretanto, existem muitas “leyendas” deste tipo. Uma delas é que a China é agressiva, que deseja controlar tudo através da iniciativa “Nova Rota da Seda”. Notícias falsas, mentiras, e manipulação da opinião pública de outros países – todos estes elementos “enriqueceram” o catálogo de ferramentas das políticas originais de Monroe. A China tentou persuadir Biden a agir com sensatez, mas irão estas tentativas de “détente” ajudar? Poderá uma ideologia cegar uma nação? Duzentos anos de uma doutrina que causou muito sofrimento e ameaça o mundo de muitas maneiras: não há certamente nada para celebrar, mas devemos, pelo menos, chamar a atenção para este perigo permanente e para a ideologia absurda que lhe está subjacente.
Olavo Rasquinho VozesCOP28 – A raposa na capoeira No ano em que se atingiram emissões recordes de gases de efeito de estufa (GEE) e em que se alcançou o valor mais alto da temperatura média global, está a decorrer no Dubai a 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP28). Este encontro internacional teve início no dia 30 de Novembro e terminará em 12 de Dezembro de 2023. Estranhamente, o governo dos Emirados Árabes Unidos (EAU) nomeou como Presidente da Conferência o chefe da empresa petrolífera estatal Sultan Al Jaber. É difícil compreender como esta presidência poderá defender o ponto de vista do IPCC e do Secretário-Geral da ONU, em cujo discurso de abertura recorreu à metáfora “não podemos salvar um planeta em chamas com uma mangueira de combustíveis fósseis”. Essa nomeação foi na realidade um erro de “casting”, e uma manifestação clara de conflito de interesses. É como se tivesse deixado a capoeira à guarda da raposa. Sultan Al Jaber não disfarça a sua relutância em relação aos objetivos das COP, chegando a afirmar, em resposta a uma pergunta feita durante uma conferência via Internet, alguns dias antes do início da COP28, que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis não permitiria o desenvolvimento sustentável “a menos que se queira levar o mundo de volta às cavernas”. No entanto, perante numerosas críticas, veio mais tarde a afirmar que esta frase havia sido retirada do contexto. Uma das condições para a realização de eventos sob os auspícios das Nações Unidas deveria ser o respeito pelos princípios que esta organização advoga. Países onde os direitos humanos mais básicos não são respeitados e onde prevalecem leis que violam a dignidade humana, não deveriam ser aceites para colaborar em eventos das Nações Unidas que possam contribuir para o branqueamento dos respetivos regimes. Neste caso o país anfitrião, onde é frequente a repressão sobre os seus cidadãos por delitos de opinião, está muito longe de respeitar esses direitos. Para ilustrar esta triste realidade pode-se referir a campanha da Amnistia Internacional, que decorre atualmente, para a libertação de Ahmed Mansoor, poeta e defensor dos direitos humanos, preso nos Emirados Árabes Unidos desde 2017. Em defesa da ONU poder-se-ia alegar que, para a realização de eventos desta natureza, que implicam elevadas despesas, seria de fechar os olhos a certos aspetos relacionados com os governos dos países anfitriões. Mas nem sempre os fins justificam os meios. Constitui, no entanto, um fator positivo o anúncio de contribuições para o chamado Fundo de Perdas e Danos, com o qual se pretende compensar os países mais vulneráveis às alterações climáticas, que são também os que menos contribuíram para essas alterações. Neste âmbito Portugal contribui com cinco milhões de euros, conforme anunciou o primeiro-ministro português na sua alocução na COP28, no passado dia 2. Além deste compromisso, Portugal apoiará Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, reconvertendo parte da dívida em prol de ações tendo em vista a transição energética naqueles países. Pode-se também considerar um sinal positivo o facto de a China e os EUA terem acordado, num recente encontro entre Xi Jinping e Joe Biden, sobre a necessidade de reduzir as emissões dos GEE, em especial do metano, um dos que mais contribuem para o aquecimento global. Os chefes de estado dos dois maiores emissores deste gás, ultrapassando discordâncias que os dividem, concordaram em estabelecer novos compromissos tendo em vista mitigar as consequências das alterações climáticas. Foi também reiterado pelos chefes dos dois Estados o compromisso assumido pelo G20 de continuarem os esforços para triplicar a produção de energia renovável à escala global, até 2030. Tal como muitas outras intenções que não se concretizaram, estes compromissos poderão cair em saco roto, mas o facto de ter havido esta concordância já demonstra uma predisposição das duas grandes potências em intensificar esforços no sentido da descarbonização da atmosfera terrestre. As eleições de Joe Biden como Presidente dos EUA (2020) e de Lula da Silva no Brasil (2022) deram esperança à comunidade científica de que haveria um maior empenhamento na luta contra as alterações climáticas. Na realidade, no Brasil, estão a ser tomadas medidas para corrigir os graves atropelos que a administração de Jair Bolsonaro havia introduzido na legislação referente à desflorestação da Amazónia e, nos EUA, foi recuperado o compromisso de cumprimento do Acordo de Paris, do qual Trump se havia retirado. Entretanto, na Argentina, o segundo maior país da América do Sul, instalou-se a incerteza no futuro com a eleição recente do autointitulado anarcocapitalista Javier Milei, que foi prontamente felicitado por Trump, Bolsonaro e outros líderes de extrema-direita. Entre as medidas por ele preconizadas consta acabar com o Ministério do Ambiente, além do Ministério da Cultura, entre outros, e o não cumprimento do Acordo de Paris. As perspetivas também não são muito animadoras no que se refere às eleições para a presidência dos Estados Unidos da América, em 2024, atendendo a sondagens que dão a maioria a Trump nas intenções de voto, em Estados chave. Resta a esperança de que a justiça americana siga os mesmos passos da justiça brasileira, na medida em que o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil rejeitou um recurso do ex-presidente e confirmou o seu impedimento de concorrer a eleições, por abuso de poder político, durante oito anos. Como os desafios à democracia no Brasil parecem ter sido passados a papel químico do que aconteceu nos EUA, é provável que o julgamento de Trump venha ter epílogo semelhante, visto que um tribunal de recursos dos EUA decidiu recentemente que o ex-presidente deverá responder pelo papel que teve na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. A sua responsabilização pelo sucedido seria uma benesse para a humanidade em geral, considerando que está em jogo cumprimento do acordo de Paris num dos países mais poluentes do globo. O descontentamento por alguma ineficácia dos governantes e a exploração de aspetos negativos que as democracias ainda não conseguiram resolver, aliado à fraca memória dos povos, têm feito com que essa onda de extrema-direita ameace as democracias, o que poderá refletir-se no não cumprimento das medidas preconizadas nas várias COP. Na União Europeia há 25 países com deputados de extrema-direita nos respetivos parlamentos e 5 no governo (Eslováquia, Hungria, Itália, Letónia e Polónia). Pretende-se nesta Conferência, entre muitos outros assuntos, avaliar o progresso da implementação do Acordo de Paris. Certamente se concluirá que ainda se está muito longe de limitar o aquecimento global aos almejados 1,5 °C até ao fim do século. Note-se que, segundo a Organização Meteorológica Mundial, a temperatura média global em 2022 foi de cerca de 1,15 °C acima da média referente ao período 1850-1900. Apesar dos retrocessos nas políticas ambientais em alguns países, permanece a esperança de que a COP28 clarifique alguns aspetos dos compromissos previamente assumidos e contribua para o estabelecimento de políticas mais agressivas no que se refere à diminuição drástica da exploração dos combustíveis fósseis. Entretanto, esperemos que as Nações Unidas escolham melhor os países anfitriões das futuras COP. *Meteorologista
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesUma perseguição de 40 anos A semana passada, a comunicação social de Hong Kong publicou uma notícia sobre uma perseguição que durou 40 anos. À época, um indivíduo que hoje tem 60 anos, invadiu uma casa, violou uma jovem de 13 anos que lá vivia e fugiu sem deixar rasto. Passados 25 anos, a polícia de Hong Kong identificou o criminoso através de uma impressão digital, e agora, conseguiu finalmente detê-lo. O homem foi condenado a sete anos de prisão. O caso ocorreu em Janeiro de 1983. O criminoso, que na altura tinha vinte anos de idade, levava consigo uma faca, perseguiu a jovem estudante na escada do prédio, violou-a e roubou-lhe cerca de 100 dólares. Durante a investigação, a polícia recolheu uma impressão digital, mas o caso não pôde ser resolvido porque a identidade do criminoso era desconhecida. Em 2008, os investigadores já puderam usar um sistema mais aperfeiçoado de ´reconhecimento de impressões digitais e o criminoso foi identificado, mas não pôde ser localizado. Em Agosto de 2021, foi finalmente encontrado em Tsuen Wan, onde foi detido. Depois do ataque, a vítima passou a sofrer de depressão e foi acompanhada por psiquiatras e psicólogos desde que abandonou os estudos no final do ensino obrigatório. Esta jovem faleceu em 1999 com apenas 29 anos. O prédio onde ocorreu o incidente, o Sun Fat Estate, em Tuen Mun, foi demolido. O Tribunal de Primeira Instância do Tribunal Superior de Hong Kong julgou o caso. O réu declarou-se culpado da violação, mas não foi acusado de roubo. O juiz declarou que o ataque tinha provocado graves traumas à vítima, tendo feito com que ela não tivesse podido viver uma vida normal. O tribunal tinha estabelecido à partida uma pena de 10 anos de prisão. Tendo em conta a confissão do réu, o tribunal acabou por sentenciá-lo a sete anos de encarceramento. Este caso merece alguma análise porque apresenta três dificuldades. Em primeiro lugar, o crime ocorreu há 40 anos. Embora a polícia tenha recolhido impressões digitais do agressor num armário na casa da vítima, não encontraram correspondência porque o sistema na época não estava informatizado, o que dificultou a investigação. Entretanto o tempo passou e o edifício foi demolido, tornando impossível uma perícia posterior. Além disso, as impressões digitais no armário apenas podiam provar que o criminoso tinha estado em casa da vítima. Tocar no armário não constitui um crime. Entrar em casa da vítima sem o seu consentimento é um comportamento inadequado, mas é apenas uma prova circunstancial. A polícia precisava de mais elementos para provar que o agressor tinha invadido a casa e cometido o crime. Em segundo lugar, o sémen recolhido e os traumatismos vaginais provavam que a vítima tinha sido sexualmente agredida. Contudo, como a jovem já tinha falecido, não pôde testemunhar nem ser contra-interrogada em tribunal, o que aumentava as hipóteses do réu não ser condenado. Em terceiro lugar, não existiam provas suficientes. A vítima tinha declarado na altura que o criminoso a tinha perseguido até casa sob a ameaça de uma faca e que lhe tinha roubado cerca de100 dólares. Este facto aponta para o crime de assalto à mão armada e o uso de armas pode provocar ferimentos. É um crime grave. Actualmente, sem o testemunho da vítima, iria ser difícil provar que o réu tinha usado uma faca para a obrigar a deixá-lo entrar em casa e para a roubar. E onde estavam os 100 dólares roubados? A prova do dinheiro roubado deveria ser apresentada em tribunal. À semelhança da situação anterior, a falta deste elemento dificultava que o tribunal provasse que tinha havido roubo. Por isso foi prudente a polícia arquivar a investigação deste crime. Soube-se pelos jornais que o réu tinha confessado no início do julgamento, o que acelerou o processo. Como o réu não contestou as provas, o juiz pôde condená-lo directamente. Pensem sobre isto, se inicialmente, o réu se tivesse recusado a admitir a culpa, a credibilidade das provas teria de ter sido confirmada. Como a vítima já tinha falecido, não existiam testemunhos contra o acusado. Fica por saber se o arguido poderia ter sido condenado apenas com base nas provas recolhidas pela polícia no local do crime. O caso ocorreu há 40 anos, a vítima já faleceu, o local do crime foi demolido, e mesmo com todos estes factores desfavoráveis o criminoso não escapou à alçada da lei. Foi realmente uma rede de acontecimentos felizes que levou à condenação. A vítima já faleceu, paz à sua alma. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesAs lágrimas de Costa Não foram lágrimas de crocodilo. O primeiro-ministro António Costa emocionou-se no momento em que a sua bancada parlamentar o aplaudiu em pé durante vários minutos como sinal de gratidão, na última sessão no Parlamento na qualidade de chefe do Executivo oficialmente eleito. António Costa emocionou-se por culpa própria. Como todos sabemos estamos perante um político muito experiente e que começou a ouvir falar de política em criança porque o seu pai era comunista. António Costa exerceu os mais variados cargos, nomeadamente presidente da Câmara de Lisboa, deputado e ministro da República. Costa esteve a governar durante oito anos e ultimamente percorreu os corredores do palácio de S. Bento com maioria absoluta. No entanto, a sua culpa deveu-se às suas próprias escolhas de colaboradores. Teve no Governo ministros, secretários de Estado e assessores que pediram a demissão ou foram excluídos da máquina governativa. Escolheu um chefe de Gabinete socratista que já tinha um passado cheio de ilegalidades. A sua escolha foi o seu fim de ciclo. Das duas, uma. Ou António Costa se precipitou ao pedir a demissão ao Presidente da República ou sentiu que estaria envolvido, ou envolveram-no alegadamente em negociatas à margem da lei. A investigação que decorre no Supremo Tribunal à sua pessoa dará resposta e esta nossa dúvida. É do conhecimento geral que a corrupção grassa na governação nacional e regional. Cada vez mais temos autarcas que são obrigados a deixar o cargo devido a peculato, falsificação de documentos ou recebimentos ilícitos. A corrupção tem sido o grande cancro da gestão nacional de quem tem poder. E António Costa para pedir de imediato a demissão assim que a Procuradoria Geral da República incluiu o seu nome num comunicado que salientava a existência de investigações a ilegalidades, deixou os portugueses perplexos. A maioria gostava de Costa e deu-lhe uma maioria absoluta por confiar na sua seriedade e na sua experiência. No decorrer da sua carreira política nunca lhe foi apontado o dedo para um qualquer caso à margem da lei. O que se sabia era que confiava em demasia nos seus colaboradores e deixava alguns em roda livre. Tal como aconteceu com Pedro Nuno Santos e João Galamba. Nuno Santos teve a pouca vergonha de decidir sozinho, sem dar conhecimento ao primeiro-ministro, a localização do novo aeroporto de Lisboa com a agravante de anunciar a continuação do aeroporto Humberto Delgado, a existência de um pequeno aeroporto no Montijo e um de grande envergadura em Alcochete. Logo não faltaram os críticos que o governante se tinha deixado corromper. António Costa anulou de imediato o despacho do seu ministro das Infraestruturas e mais tarde, o mesmo ministro, meteu os pés pelas mãos no caso da TAP e acabou por se ir embora. Este era o estilo de colaboradores que António Costa tinha na sua governação. Possivelmente veio a pagar caro por tudo isto e só nos falta saber se esses mesmos colaboradores o entalaram numa teia que se sabia ser generalizada em tudo o que fosse projectos de grande envergadura como o caso do hidrogénio em Sines e do lítio no norte do país. Na classificação dos países onde existe mais corrupção, Portugal está nos lugares cimeiros. Ora, voltamos ao mesmo, ou Costa deixava que os seus ministros, e o seu maior amigo Lacerda Machado, fizessem o que queriam e não tinha conhecimento ou, então, sabia de tudo e será julgado pela justiça. Inacreditavelmente é esse mesmo Pedro Nuno Santos que se candidata à liderança do Partido Socialista e as sondagens indicam que poderá derrotar José Luís Carneiro. Se Nuno Santos vier a ser líder dos socialistas e futuro primeiro-ministro não nos admirávamos nada se um dia assistíssemos à demissão de outro primeiro-ministro… Há quem comente que António Costa não merecia sair em lágrimas. Que deixou um legado positivo. Que o país está melhor. Que conseguiu controlar o deficit e baixar a dívida pública. Que foi o único primeiro-ministro que ajudou os portugueses em dificuldade de pagar o arrendamento das suas casas, portugueses esses que recebem e vão receber durante cinco anos a quantia mensal de 200 euros. Os seus contactos internacionais foram aplaudidos pelas mais diferentes personalidades políticas. Portugal está melhor com menos desempregados, isso é inegável, mas Costa obviamente que cometeu erros como todo o cidadão, mesmo que não seja governante. O país vai para eleições legislativas antecipadas em 10 de Março do próximo ano e ainda não sabemos quem é o novo secretário-geral socialista que irá defrontar o cavaquista Luís Montenegro. O país também não merecia isto, não temos poder financeiro para estar constantemente a gastar milhões de euros em eleições e se muita gente já anda farta dos políticos e a extrema-direita está a avançar por todo o lado, é preciso moralizar o sistema e voltar a dar confiança aos portugueses, mas na nossa modesta opinião não será com criaturas como Nuno Santos à frente de um Governo que a agulha mudará o carril. Despedimo-nos de António Costa agradecendo o que muito fez pelos seus compatriotas e simultaneamente condenamo-lo por ter sido tão ingénuo ou sem liderança no que lhe era devido.
Carlos Coutinho VozesFilosofando e o 25N ARISTÓTELES ‘et alia’, filosofando à grande e à grega, definiram como autarcia a situação em que o Estado controla todos os recursos necessários à sua subsistência de forma autónoma, afirmando a sua independência contra qualquer interferência estrangeira, ou, quando muito, como uma sociedade que se basta a si mesma, pelo que nunca aceitariam a designação de um presidente de câmara ou de freguesia como autarca, mesmo que fosse português ou membro da CPLP. Autarquismo, por isso, seria a eliminação do governo geral em favor do autogoverno, assim como patriarca seria o homem mais importante de uma família ou aquele que chefia uma família. Isto, entre os judeus e mesmo entre povos mais antigos. Já matriarca é um termo que apenas foi adoptado eruditamente no século XIX no âmbito dos estudos antropológicos, para indicar uma figura da mulher e mãe que assume uma posição dominante num determinado grupo social. Nas sociedades modernas, todavia, as matriarcas são geralmente mulheres já avós que, num modelo familiar alargado, têm um papel preponderante e, por vezes, despótico na sua relação com os outros membros da família. Na Biologia, nomeadamente no caso dos cavalos, a matriarca é uma égua, normalmente a de mais idade, que usufrui de uma posição superior à das outras éguas, em geral todas aparentadas, e respectivos potros. No caso dos felinos, especialmente os gatos, matriarca é a fêmea que ostenta três cores na pelagem. Os machos que apresentam as três cores são quase todos inférteis, isto é, geneticamente incapazes de se reproduziram. Também com os marsupiais é patriarca ou matriarca o elemento de maior grau hierárquico na família. Quanto aos cardeais, o caso mais notório é o do patriarca de Lisboa, de momento um tal D. Rui Valério que é também o bispo das Forças Armadas, sem nunca ter dado um tiro. Pelo menos que eu saiba. A Infopédia especifica que se trata do “nome dado aos chefes político-religiosos que dirigiram os Hebreus durante a sua vida nómada e que foram anteriores aos Juízes”. O que eu conhecia era a fase inicial da espécie humana em que matriarcado (do grego antigo μητέρος, metéros, mãe, e ἀρχή, arché, origem, ou regra) sinónimo de ginecocracia (em grego hodierno, γυναικοκρατία), algumas vezes citado como ginocracia. Em algumas culturas, a mulher ainda é líder da família e a transmissão de bens, assim como do poder tribal, se faz através dos membros do sexo feminino do grupo. Na dimensão religiosa, muitas vezes o matriarcado tem sido associado à adoração de divindades femininas da fertilidade e da maternidade. James Frazer, J. J. Bachofen, Walter Burkert Robert Graves, James Mellaart e Marila Gimbutas desenolveram a teoria segundo a qual todas as divindades da Europa e da bacia do Mar Egeu são oriundas de uma deusa matriarca pré-indo-europeia (Neolítico). Segundo esses especialistas, a religião da deusa mãe era a base de toda a Pré-História das civilizações antigas e a Deusa seria o fundamento sócio-religioso do matriarcado. Na mitologia nórdica há referências às sociedades matriarcais, como as Elvens e outros povos pré-históricos que habitaram nas regiões da Escandinávia. Algumas teorias dizem que o uso de armas duplas (dual wield) foi desenvolvido especialmente para mulheres, pela dificuldade de carregarem escudos muito pesados. Não é, no entanto, o mesmo que matrilinearidade onde as crianças são identificadas em função das mães em vez dos pais, e famílias estendidas e alianças tribais formam linhas consanguíneas femininas conjuntas. Por exemplo, na tradição judaica Halakha, somente uma pessoa nascida de mãe judia é automaticamente considerada judia. Portanto, a herança judaica é passada de mãe para filho. É também diferente de matrifocalidade que alguns antropólogos usam para descrever sociedades em que a autoridade materna é proeminente nas relações domésticas, devendo o marido juntar-se à família da esposa, em vez de a esposa mudar-se para a tribo do marido. Assim, matriarcado seria uma combinação de múltiplos factores. Inclui matrilinearidade e matrifocalidade, sendo que o mais importante é as mulheres serem encarregadas da distribuição de bens do clã e, especialmente, das fontes de sustento. A maioria dos antropólogos afirma que não existem sociedades conhecidas que sejam inequivocamente matriarcais. De acordo com J. M. Adovasio, Olga Soffer e Jake Page, não se conhece de facto nenhum matriarcado verdadeiro que tenha existido. A antropóloga Joan Bamberger argumentou que o registo histórico não contém fontes primárias sobre qualquer sociedade dominada por mulheres. A lista ‘human cultural universals’, do antropólogo Donald Brown, (as características compartilhadas por quase todas as sociedades humanas actuais) inclui os homens como sendo o “elemento dominante” nos assuntos políticos públicos, que ele afirma ser a opinião contemporânea da antropologia dominante. Existem, contudo, algumas divergências e possíveis excepções. A crença de que um governo das mulheres precedeu o governo dos homens foi, de acordo com Haviland, “sustentada por muitos intelectuais do século XIX”. A hipótese sobreviveu até o século XX e foi notavelmente duradoura no contexto do feminismo e, especialmente, do ‘feminismo de segunda onda’, mas a hipótese está em grande parte desacreditada. Eis por que Carlos Moedas se esforça tanto por ser um autarca arcaico, levando às suas celebrações do 25 de Novembro na autarquia lisboeta convidados da direita troglodita e também o cada vez mais inquietante almirante Gouveia e Melo, aquele chefão que castigou os 13 subordinados seus que se recusaram a patrulhar o Atlântico num vazo de guerra comprovadamente apto a afundar-se. * Para que não se perca a noção do que significa esta efeméride que concentra a devoção da grande vilanagem, respigo: António Barreto – “Hoje, 25 de novembro, é dia de festa. Apesar de ser data controversa e detestada por alguns (…)” Espero que não tenha dado o badagaio à Maria Filomena Mónica, ao ler isto no “Público”, porque o que parece é que o seu marido e ex-sociólogo do Pingo Doce a largou para ir de braço dado com Carlos Moedas à Festa dos Biltres. Manuel M. Gomes, fingindo desconhecer a “Lei Barreto”, afirma que “o que se passa hoje no Alentejo é simplesmente vergonhoso, desumano e imoral. A exploração do próximo é algo que pensava não existir a este nível em Portugal, mas infelizmente estou profundamente errado. Já agora, gostava de saber e, para isso, peço ajuda aos jornalistas. O que aconteceu aos que há um ano foram detidos em Odemira?” E, pergunto eu, o que vai acontecer aos que continuam a seguir a lei do Barreto no Alentejo, no Ribatejo e até em Trás-os-Montes? José Pacheco Pereira – “Ter ‘ideologia’ é normal e saudável em democracia e é de supor, por exemplo, que os socialistas sejam socialistas. (…) Há anos que reclamo de governos sem qualquer resposta o esclarecimento documental sobre muitos aspetos da negociação com a troika, que permitam saber que medidas são da autoria da troika ou dos governos Sócrates e Passos-Portas-troika, mas duvido que haja sequer um registo fiável desses contactos, em especial quando se sabia que um ministro português usava um computador de um membro da troika para enviar correspondência”. Basílio Horta – “Estávamos organizados com o PS à frente. O PS era o grande dinamizador e o grande organizador dessa reação. Nunca se soube donde vieram as armas, mas que vieram, vieram. Se houvesse alguma coisa dessas, era uma guerra civil. Eu estava em Celorico de Basto. O CDS tinha uma grande força em Celorico de Basto, o segundo concelho onde o CDS tinha a maior força e estávamos à espera do que poderia acontecer. Havia realmente armas. (Eu) já as trazia de Fafe. Não era eu, era o grupo em que eu estava integrado. Ali era mais PS. Não havia PSD. (…) O Cardeal António Ribeiro, que era muito meu amigo e esteve no meu casamento e no batizado das minhas filhas, achava que o CDS vinha dividir a direita, que não havia razão nenhuma para dividir a direita, que não havia razão nenhuma para haver CDS”, até porque, lembro eu, como o Pacheco Pereira reconheceu, a horda do partido único fascista havia-se transferido para dentro do PSD, então PPD. E o Basílio, presidente agora da Câmara de Sintra, à frente do PS, faz questão de frisar que “o dr. Mário Soares era uma figura, uma coisa que hoje nos falta.” Para que conste.
David Chan VozesMendicidade A semana passada, a comunicação social noticiou a presença de muitos mendigos oriundos da China nas ruas de Banguecoque, na Tailândia. Este caso pode estar relacionado com tráfico de seres humanos. A polícia tailandesa já anteriormente tinha descoberto uma rapariga na rua que dizia ser chinesa e que envergava um uniforme escolar. Tinha perdido dois dedos e na cara tinha queimaduras, possivelmente provocadas por ácido. A jovem disse ter chegado este mês e afirmou desconhecer que era proibido mendigar na Tailândia. Além deste caso, apareceram recentemente nas ruas tailandesas muitos mendigos chineses. Apresentam todos mutilações e estão desfigurados. Entraram naquele país com vistos de turistas. Uma investigação policial preliminar apurou que cada um deles consegue obter cerca de 2.300 dólares de Hong Kong por dia. Alguns afirmam ter-se voluntariado para mendigar e que o dinheiro obtido é usado para as suas despesas pessoais. No entanto, as autoridades tailandesas suspeitam que estejam a ser vítimas de tráfico humano. A polícia prendeu seis destes mendigos e acusou-os ao abrigo da “Lei de Controlo da Mendicidade”, e um deles foi repatriado para a China. Em 2006, três pessoas não residentes de Macau mendigavam em áreas densamente povoadas como a Avenida de Almeida Ribeiro, a Rua do Campo e a Avenida de Horta e Costa, o que causou preocupação. O Departamento de Imigração deportou-os de acordo com a legislação que regula estas situações e ficaram impedidos de regressar a Macau durante um certo período de tempo. Em Fevereiro de 2023, a comunicação social deu conta da presença de dois mendigos no Distrito de Yuen Long, em Hong Kong. Um deles usava um chapéu de pescador, sentava-se de pernas cruzadas e a seu lado estava o outro mendigo, com músculos aparentemente atrofiados e sentado numa cadeira de rodas. A deficiência deste último provocava a compaixão das pessoas levando-as a dar esmolas generosas. Alguns transeuntes que os ficaram a observar perceberam que em 45 minutos os dois mendigos recolhiam mais de mil dólares de Hong Kong. Depois de os seguir, viram os dois mendigos a andar livremente na rua. A seguir, sentaram-se a comer, tendo ao lado umas próteses de mãos e pés, os adereços para simular a deficiência. Tinham também sido vistos a mendigar em To Kwa Wan e em Tseung Kwan O. De acordo com a Secção 26A da Portaria das Contraordenações Sumárias, da Legislação de Hong Kong, qualquer pessoa que mendigue ou que receba esmolas em locais públicos, está a cometer uma infracção penal punível com uma multa que pode ir até 2.000 dólares de Hong Kong ou com pena de prisão até um ano. Em Hong Kong, encontram-se mendigos por todo o lado. Na ponte pedonal que vai dar ao Departamento de Imigração em Wan Chai, estava um homem com a mão esquerda mutilada e uma prótese no pé. Sentava-se no chão e cantava para pedir esmola. Os internautas chamavam-lhe o “profissional alternativo” de Hong Kong. Em Macau, existe um vasto conjunto de leis que regulam a mendicidade. O Artigo 6.º, n.º 2, ponto 15 da Lei n.º 14/2018 “Corpo de Polícia de Segurança Pública” estipula que a Polícia de Segurança Pública deverá controlar e impedir que os mendigos perturbem de qualquer forma a vida normal dos residentes. Deve ainda encaminhá-los para os órgãos de assistência social. Além disso, o artigo 285.º do Código Penal de Macau estipula que quem usar um menor com menos de 16 anos ou uma pessoa mentalmente incapaz para mendigar é punido com uma pena até três anos de prisão. A legislação de Hong Kong que regula a mendicidade foi promulgada em 1844. Esta lei, designada por “Portaria para a Boa Ordem e para o Saneamento”, proibia a mendicidade. O tribunal determinava a severidade da pena de acordo com o grau de incómodo que os mendigos provocassem à sociedade. Podiam ser condenados ao pagamento de multas, a penas de prisão ou a trabalhos forçados. A mendicidade afecta seriamente a imagem de uma região e deve ser erradicada. Se a mendicidade for proibida numa região, a polícia local deve considerar a possibilidade de processar os mendigos para impedir que a situação se agrave. Se se vier a determinar que os mendigos entraram num país ilegalmente ou se para lá foram dedicar-se a trabalhos incompatíveis com o seu estatuto de turistas, as autoridades locais devem processá-los e deportar os responsáveis. Claro que a questão mais importante é apurar se está envolvido tráfico de seres humanos. O tráfico humano é um crime grave, algo que é inaceitável para a comunidade internacional e que tem de ser banido. Se for descoberto durante a investigação que alguém precisa mendigar devido a problemas financeiros, o Governo pode lidar com a situação de acordo com a sua própria legislação e com o sistema de segurança social. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesBanco alimentar ajuda a pagar a casa Todos conhecemos Christine Lagarde, a senhora que mais parece um homem, que é a presidente do Banco Central Europeu e que tem deixado milhares de famílias em pânico com a subida das taxas de juro, o que provoca o aumento da prestação das casas que foram compradas através de crédito bancário. Especialmente os casais jovens que compraram casa têm andado numa roda viva para conseguirem pagar a prestação da casa que adquiriram. No entanto, na semana passada chegou-nos uma informação quase inacreditável que fomos confirmar e que dizia respeito a muitos casais jovens que estavam a usar o Banco Alimentar contra a fome para poderem fazer frente ao pagamento da prestação mensal de suas casas. Dirigimo-nos a Alcântara, onde está situado o Banco Alimentar e confirmámos que o número de casais que recolhem alimentos tem aumentado nos últimos meses. Um aumento que se deve a esses casais não poderem gastar dinheiro na alimentação para guardar o dinheiro para pagar a casa ao banco onde realizaram o contrato de compra. Tentámos ver alguém nesta situação e conseguimos falar com Daniela e Fernando que saiam com sacos cheios de géneros alimentícios. Mantivemos uma conversa e Daniela começou por nos confirmar que tinam vindo ao Banco Alimentar porque tinham dois filhos menores e o dinheiro não chegava para pagar as despesas, muito menos para uma alimentação digna para o conjunto familiar. “Comprámos a casa e a prestação tinha um valor acessível, mas com o aumento das taxas de juro anunciadas pela presidente do Banco central Europeu, a nossa prestação da casa passou quase para o dobro… a vinda aqui ao Banco Alimentar é a nossa salvação, pois não temos dinheiro suficiente para os comestíveis”, disse-nos Daniela e o marido Fernando retorquiu: “Não sei onde vamos parar. Nós e milhares de famílias. Alguns dos nossos amigos já venderam a casa. A inflação para os dois por cento no segundo semestre de 2025… como se atreve a falar assim se continuamos com a inflação alta e podendo subir a qualquer momento. Os dois por cento quanto a mim nem a sonhar. Ela só soube aumentar as taxas de juro e os jovens recolheram-se em casa dos pais. Nós é que sofremos e de que maneira. É um facto real a sua pergunta no sentido se vimos aqui ao Banco Alimentar porque o rendimento não chega para enfrentar as despesas da família. Não tenho vergonha em vir buscar comida e outros géneros, como compotas e enlatados para que os nossos miúdos não passem dificuldades”, salientou Fernando que nos acrescentou que já venderam o carro e que por sorte o pai da Daniela emprestou-lhes um automóvel já velhote, mas que dá perfeitamente para irem carregar os alimentos. De resto, usam os transportes públicos. E é este país que temos. Jovens que sonharam ter a sua casinha e que se vêem a braços com uma prestação que aumenta a toda a hora e que torna impossível manter a situação. Tudo isto com a banca a dar milhões de lucro e toda “contentinha” a ganhar milhões na venda das casas que são entregues ao banco por incumprimento do pagamento acordado. A prestação da casa ao banco continua a subir. Em alguns empréstimos, significa uma subida de quase 60 por cento na prestação. Comprar casa é cada vez mais difícil e exige um esforço cada vez maior. A perda de poder de compra e a subida acentuada dos juros dificultam o pagamento dos empréstimos. Os bancos já estão a registar uma queda no número de pedidos para a compra de casa. A escalada dos juros continua (e parece ter vindo para ficar), o que significa que a prestação da casa a pagar ao banco não para de aumentar. Em Julho, a prestação média do crédito habitação fixou-se em 370 euros, mais nove euros que em Junho e mais 106 euros que em Julho de 2022. Trata-se de um aumento de 40,2 por cento em termos homólogos, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Considerando a totalidade dos contratos, dos 370 euros de prestação, 204 euros (55 por cento) correspondem a pagamento de juros e 166 euros (45 por cento a capital amortizado). Neste sentido, como é que não havemos de assistir cada vez mais os nossos jovens a emigrar? A compra de casa passou a ser um luxo para ricos.
Mário Duarte Vozes70.º Grande Prémio de Macau, a outra efeméride Mário Duarte Duque * Este ano, volveram também 10 anos sobre as circunstâncias pelas quais se subtraiu ao edifício do Grande Prémio a sua Torre de Controlo original. A iniciativa foi movida pelo Sr. Eng. Costa Antunes em 2013, enquanto Coordenador da Comissão do Grande Prémio, com o propósito de desde logo ampliar o edifício com uma nova torre de controlo, recusando-se a consultar o autor da obra de arquitectura que granjeara o Prémio de Arquitectura da Associação dos Arquitectos de Macau de 1992 para edifícios institucionais. A questão foi notada pela comunicação social em Fevereiro de 2013, e também pelo autor da obra de arquitectura, tendo aquele dirigente assegurado que a iniciativa não se tratava de uma modificação à obra de arquitectura, mas de uma obra inteiramente nova feita por fases e, nesse caso, a consulta ao autor da obra original era desnecessária. Em ocasião seguinte, o autor da obra de arquitectura esclareceu a mesma comunicação social que na RAEM só existem obras feitas por fases quando fazem parte do mesmo projecto, cujo licenciamento se encontra em curso. De outra forma, a obra é isolada, como esta efectivamente era. Esse esclarecimento motivou o dirigente ter apelidado o autor da obra de arquitectura de mentiroso no seu contacto seguinte com a comunicação social, e de ter expressado, em nome da RAEM, que não mais iria invocar o nome do autor da obra de arquitectura no futuro. Na gíria, dir-se-ia: cada tiro, cada melro. O incidente determinou a intervenção do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura da RAEM, em Julho de 2013, que assegurou ao autor da obra de arquitectura ter havido comunicação deficiente por parte da Comissão do Grande Prémio de Macau e que, em circunstância alguma, a RAEM deixaria de invocar o nome do autor da obra; ou não estivesse em causa uma disposição da própria Lei Básica. Nesse seguimento, em Maio de 2013, o mesmo dirigente moveu e obteve autorização para a adjudicação de serviços de projecto de reconstrução do Edifício do Grande Prémio, denominado fase 2, com que deu início ao licenciamento da obra de reconstrução do edifício do Grande Prémio, em Junho de 2013, junto da DSSOPT, onde não se encontrava efectivamente em curso. Em Julho de 2013, começaram os trabalhos na Torre de Controlo, entretanto denominados fase 1. Em Agosto de 2013, a Comissão do Grande Prémio de Macau obteve autorização para a abertura do concurso público para a adjudicação da empreitada denominada “Obras de Demolições no Edifício do Grande Prémio de Macau” e, em Outubro de 2013, obteve autorização para adjudicar esses trabalhos. Em Outubro de 2013, os trabalhos na Torre de Controlo tiveram licença de utilização e, em Novembro de 2013, realizou-se o 60.º Grande Prémio. Surpreendentemente, logo em Janeiro de 2014, o Sr. Eng. Costa Antunes moveu e obteve autorização para a extinção de todo o procedimento de adjudicação das obras de demolição do Edifício do Grande Prémio e, em consequência disso, extinguir-se-ia por si o licenciamento da mesma obra, i.e. da fase 2, no caso de não ter continuidade por mais de 6 meses. A razão da extinção dos trabalhos de demolição do edifício do Grande Prémio teve por fundamento que a realização dessa obra comprometeria a realização do 61.º Grande Prémio de Macau. Como também comprometeria qualquer das edições seguintes do Grande Prémio, e nem sequer os anos da pandemia, entre 2020 e 2023, em que foi difícil trazer pilotos e equipas a Macau, serviram de oportunidade para programar tal obra. Em suma, o tempo revelou que não houve uma obra inteiramente nova feita por fases, que o dirigente sequer tinha condições para realizar uma obra inteiramente nova, apenas teve condições para decepar um corpo arquitectónico, nele instalando um implante, para o qual a consulta ao autor da obra de arquitectura era efectivamente devida. O tempo geralmente encarrega-se de revelar quais e como resvalam os actos de governação que assentam em narrativas ficcionadas. *Autor da obra de arquitectura
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesNão pode haver caos em Macau No discurso de apresentação das Linhas de Acção Governativa para o Ano Financeiro de 2024, Ho Iat Seng, Chefe do Executivo de Macau, salientou que “Não pode haver caos em Macau”. Quando interrogado pelos jornalistas na conferência de imprensa, declarou que é necessário tomar precauções e que os websites do Governo sofrem muitos ataques informáticos diariamente, por isso “os alarmes estão sempre a disparar.” Houve uma altura em que alguns bancos de Macau tinham balcões onde o cliente se colocava ao lado do funcionário para facilitar a comunicação. Mas como estes balcões estavam mais sujeitos a assaltos, foram substituídos pelos tradicionais. Todos os bancos têm alarmes de emergência, mas não disparam a toda a hora. Desde que exista uma gestão de risco eficaz, reforço da detecção de emergências e vigilância permanente, lida-se bem com as situações de perigo. O constante disparar dos alarmes incomoda toda a gente e pode provocar neuroses. “Não pode haver caos em Macau” é a linha inultrapassável que o Chefe do Executivo tem de defender vigorosamente, assim como todos os residentes e associações de Macau. Prevenir é sempre melhor do que remediar, por isso é importante identificar as causas que podem provocar o caos. A História serve de espelho. Os acontecimentos turbulentos que tiveram lugar em Macau ao longo dos últimos 60 anos devem servir de referência para prevenir os tumultos e o caos. Em Dezembro de 1966, um litígio por causa de obras ilegais na Taipa desencadeou um conflito de grande escala entre a administração portuguesa de Macau e os habitantes locais. Documentos de órgãos governamentais de Macau foram espalhados pelas ruas, uma estátua de bronze foi derrubada e alguns habitantes morreram durante o conflito. Nem mesmo o consulado britânico foi poupado. Nessa altura, podia dizer-se que Macau estava “caótico”. O conflito não foi resolvido pela força, mas sim mediado por Ho Yin (importante líder da comunidade chinesa de Macau) juntamente com outras pessoas sensatas oriundas da China e de Portugal. Macau acabou por recuperar da turbulência do conflito ao fim de poucos anos. Em 1974, deu-se a Revolução dos Cravos em Portugal, e em 1975, Portugal anunciou a sua retirada de todas as colónias. Nesse período, a China e Portugal ainda não tinham estabelecido relações diplomáticas. Como é que iria funcionar a descolonização de Macau? Se esta questão não tivesse sido bem resolvida, Macau teria mergulhado no caos social. Frequentemente, os problemas políticos requerem governantes com sabedoria política para se resolverem. A ausência de relações diplomáticas entre a China e Portugal não significou a ausência de negociações. O “Estatuto Orgânico de Macau” e a “Constituição da República Portuguesa” foram promulgados em Macau em 1976 para facilitar as disposições que levaram Macau a tornar-se uma “região especial”. Com o estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e Portugal em 1979, todos estes problemas se tornaram coisa do passado. Uma crise potencial foi resolvida de forma invisível. As convulsões que ocorreram em Pequim na viragem da Primavera para o Verão de 1989 levaram a que as associações de Macau e os cidadãos fizessem manifestações constantes. Estas convulsões só terminaram a 9 de Junho de 1989. Neste período agitado, algumas pessoas sugeriram que os residentes que tivessem depositado dinheiro em bancos chineses o deveriam levantar em sinal de protesto, e se isso tivesse acontecido poderia ter ocorrido a qualquer momento uma crise financeira. Ng Kuok Cheong, que na altura era funcionário de um banco chinês de Macau e também um manifestante activo, analisou a situação racionalmente, instou o público a não provocar uma corrida aos bancos e conseguiu evitar que as pessoas agissem intempestivamente. Ng ajudou a evitar uma crise financeira. O “Incidente de 29 de Março” em 1990, a “Manifestação do Primeiro de Maio” e a “Manifestação do Dia da Transferência de Soberania de Macau” em 2007 não tiveram um impacto devastador em Macau. Além disso, quando a administração portuguesa de Macau começou a fazer o registo dos residentes ilegais, resolveu um dos maiores problemas. Nessa época, o Governo da RAEM respondeu aos manifestantes com a realização de múltiplos concertos e actuações, para oferecer ao público uma variedade de escolhas, tendo ainda implementando o Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico, que dura até aos dias de hoje. O Plano amenizou vários conflitos porque permitiu devolver às pessoas o que outrora lhes tinha sido tirado. Relativamente ao movimento que se opôs à Proposta de Lei intitulada “Regime de Garantia dos Titulares do Cargo de Chefe do Executivo e dos Principais Cargos a Aguardar Posse, em Efectividade e Após Cessação de Funções” em 2014, Chui Sai On, o então Chefe do Executivo, agiu de forma decisiva e corajosa, e anunciou a retirada da Proposta de Lei, evitando assim uma crise que teria provocado conflitos e o caos. Existe um ditado chinês que reza o seguinte: o governante é como um barco e o povo como a água. A água pode transportar o barco, mas também o pode afundar. Na verdade, quem decide se o barco flutua ou afunda é o comandante. Por isso, não podemos culpar o iceberg pelo afundamento do Titanic!
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPara onde vão as dick pics que ninguém recebe? O envio de dick pics, “fotografias de pénis”, são agora um comportamento clássico, e infeliz, da comunicação digital contemporânea. Todas as mulheres heterossexuais que conheço, em aplicações de engate, já foram premiadas com uma fotografia de um pénis não solicitado. A fotografia explicita é provavelmente recebida mais com desdém e repugnação do que contentamento ou satisfação. “Era mesmo isto que eu queria” jamais terá sido dito por alguém que recebeu uma fotografia-surpresa. A imagem cai do céu cibernético que certamente aloja as muitas fotografias de pénis que se urgem, independentemente de o mundo estar preparado para as receber. Como a chuva, que não pede para cair. Mas a chuva não tem o poder de escolha que se espera ao ser humano. Esse tem o dever de agir de acordo com o contexto em que está inserido. O envio destas fotografias de pénis é tão comum que as aplicações de engate desenvolveram estratégias de gestão da etiqueta de comunicação digital para as contrariar. Considerado uma forma de assédio digital, as aplicações conseguem filtrar as imagens para que o recipiente possa escolher ver o pénis que foi enviado, se assim o entender. Curioso é como a pessoa que recebe a fotografia fica mais embaraçada, do que a pessoa que se expôs a tirá-la. Acredito que estas fotos se equivalem aos exibicionistas de outrora que, diz-nos o estereótipo, andam de gabardine bege, sem nada por baixo, a mostrarem-se aos transeuntes que passeiam no parque. A tecnologia possibilitou formas bem mais simples para conseguir o mesmo efeito. Em qualquer um dos casos, não é claro os motivos para o exibicionismo. Num contexto de exibicionismo puro, o que torna a prática excitante é esta forma forçosa de se mostrar, e a reacção atrapalhada de quem assiste. Estudos focados no envio das dick pics, contudo, não mostram com certeza a evidência desta tendência. Ora já se demonstrou que pessoas que enviam fotografias dos seus genitais têm níveis altos de narcisismo, ora também já se mostrou que são pessoas com auto-estima baixa. Num estudo qualitativo com jovens adultos heterossexuais, estes explicaram que enviam as fotos para se mostrarem, mas também para elogiar a recipiente. Em alguns casos o envio traz a esperança de receber imagens explicitas de volta. Neste mesmo estudo as jovens raparigas mostraram que achavam esta estratégia muito ineficaz: mostrando de forma clara e dolorosa o desencontro de expectativas de género e das suas relações. A educação sexual parece que ainda está muito distante destes jovens. Contudo, a concomitância de fotografias de pénis e sua não solicitação pode fechar a importância de discutir que (1) não há nada de errado em tirar uma fotografia ao pénis e (2) o seu envio não é problemático quando é consensual. Nas coisas humanas, e em especial as coisas do sexo, o contexto deve importar bem mais para o nosso comportamento do que reacções fisiológicas do corpo. Da mesma forma que um adolescente se recordará de como até uma brisa durante uma aula de educação física incita uma erecção, também saberá que o contexto não deverá permitir que se masturbe à frente de todos. Se, numa aplicação de engate, um homem fica com uma erecção porque viu uma fotografia de uma miúda gira, pode fotografá-la, mas não precisa de partilhá-la. O acto de fotografar pode ser uma estratégia de auto-conhecimento, e até de auto-cuidado, quando é feito para seu individual prazer e excitação. Depois, se se conhecer alguém com o mesmo entusiasmo pela troca de imagens explicitas, é uma forma tão boa de criar intimidade e ligação como qualquer outra. Há quem se mostre preocupado com a excessiva demonização das dick pics e as consequências negativas para a representação do falo. Mas é preciso desconstruir que o problema não é do pénis, nem de este servir de modelo fotográfico. As dick pics que ninguém recebe de surpresa são bem mais importantes para a descoberta e gestão do desejo de cada um. Podem ficar nas nuvens digitais sem pressa de vir ao mundo, como uma técnica de auto-prazer e admiração dos corpos. As dick pics que ninguém recebe criam o espólio fálico que pode ser tão importante como prazeroso para as pessoas em processos de auto-conhecimento, essenciais para uma sexualidade plena.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesEntre Hong Kong e Shenzhen (II) A semana passada, analisámos o caso de residentes de Hong Kong que foram morar para Shenzhen. Chamam-lhes os “itinerantes de Hong Kong”. Existem muitas razões para este fenómeno. A principal é o custo de vida em Hong Kong, muito mais elevado do que em Shenzhen. Quem auferir de um salário de Hong Kong e residir em Shenzhen tem “um salário alto e despesas mais baixas”. Acresce ainda outro factor. Devido à economia ainda não ter recuperado depois da pandemia, os salários em Hong Kong não aumentaram significativamente, mas o preço das casas tem subido. Morar em Shenzhen permite ter acesso a habitações mais espaçosas e mais baratas, o que resulta em mais conforto e menos despesas. A situação em Macau é bastante diferente. O território de Macau é pequeno e a cidade é muito populosa, pelo que a qualidade de vida não será a ideal. O custo de vida de Macau é mais alto do que em Zhuhai, mas quando os residentes querem viajar para norte para ir às compras, têm de fazer uma reserva por cada deslocação. Se por qualquer motivo, a pessoa não viajar depois de ter feito a reserva, esta fica sem efeito para a próxima deslocação. Neste aspecto, comparadas com Hong Kong, estas disposições são menos convenientes. As matrículas dos carros de Macau também estão licenciadas em Zhuhai, o que facilita as viagens entre as duas cidades; neste aspecto, os residentes de Macau estão mais beneficiados do que os de Hong Kong. Macau fica a pouca distância da fronteira de Gongbei e do Porto de Qingmao. Portanto, se uma pessoa morar em Zhuhai e trabalhar em Macau o tempo que leva a deslocar-se é relativamente curto. Um grande número de continentais trabalha em Macau, mas vive em Zhuhai e todos os dias atravessa a fronteira. As pessoas de Macau tendem a ter mais facilidade de viver na China continental do que as pessoas de Hong Kong. Atravessar todos os dias a fronteira, para ir e vir do trabalho, consome muito tempo. Se vale a pena perder tempo para poupar dinheiro, é uma questão que terá várias respostas. Do ponto de vista de gestão financeira familiar, enquanto a economia não recuperar completamente, é um método que garante a redução das despesas e o aumento das poupanças para uma emergência. No entanto, se estas famílias tiverem filhos em idade escolar, os jovens terão de se levantar às cinco da manhã, o que é muito difícil. Os jovens que começam a trabalhar não têm salários elevados e para eles será boa ideia morar além-fronteira para reduzir despesas e fazer algumas poupanças de modo a, mais tarde, conseguirem comprar uma casa no seu local de origem. Além disso, os jovens gostam de ter um estilo de vida confortável e uma casa espaçosa é indispensável. Viver do outro lado da fronteira implica mais espaço, rendas mais baixa o que será bastante conveniente. Quem não quer ir logo para casa depois do trabalho e desfrutar de um espaço amplo? Com os preços da habitação a disparar, é boa ideia encontrar uma casa para lá da fronteira com um preço acessível que permita poupar dinheiro para mais tarde se puder regressar à região de origem; agir desta forma é também sinal de que se está a fazer uma gestão financeira prudente. A Área da Grande Baía está a desenvolver-se a passos largos. A tendência geral é morar de um lado da fronteira e trabalhar do outro lado. Esta tendência promove o intercâmbio cultural entre as cidades do continente, Macau e Hong Kong e reforça o entendimento mútuo. Claro que o preço que se paga por esta opção é o tempo gasto nas deslocações. Vai depender de cada pessoa considerar se isso vale a pena. A palavra “itinerante” aplica-se a alguém que vagueia e não tem morada fixa. Usar este adjectivo para identificar as pessoas de Hong Kong que trabalham na cidade e moram para lá da fronteira dá-nos uma imagem muito concreta de uma vida sujeita a muitas tensões. A amargura que encerra é difícil de descrever. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Amélia Vieira VozesCânticos A legenda de um português falado enquanto língua mundial parece-nos agora não estar vedada nas longínquas Nações. Por cá, falamo-lo por coisas tangíveis, mas por vezes basta escutar os que estão longe para saber que distante está a pátria dos grandes iniciados que a pensaram e continuam. Estamos por aqui envoltos em nevoeiros, e tão disformes, que desejamos os Cânticos, mas eles por vezes se nos negam. Estamos combatendo em densa treva.- Não há casas, não há sítios, não há lares, não há vigília. Concomitantemente a estes Cânticos produzidos, fui encontrar ainda a Oriente esta semana, um interlúdio em nossas funções alagadas, dando-me conta que os que nunca partiram não sabem da volta que nos foi destinada. «Via do Meio» e para o Alto! Assim devemos seguir. É Setembro, é Outubro, e vivenciamos o instante em que os acontecimentos se dão. Neste tempo vivemo-los mais ao centro, mais por dentro, a igualdade está presente e é tranquila toda esta Estação. O Museu de Macau em Lisboa é um reduto silencioso, mas extremamente vivo – e foram precisos séculos para se compreender que a linguagem é uma longa viagem nos confins da nossa humaníssima condição. Traduzimos. Agora talvez com carácter de urgência, que a China é a placa tectónica que desliza, e não podemos alienar-nos pensando que se trata apenas de economia, que quando ela se dá em amplo escalão, já os povos tinham construído suas bases de pensamento. Que o português será sempre falado, e se formos para os antigos espaços africanos, brasileiros, nos iremos ainda deparar com o melhor da linguagem, e perguntarmo-nos do porquê da nossa desdita. Seria ainda mor vantagem ao português continental, falar e escrever, língua projectável. Mas isso já não se passa. A insensibilidade para o Verbo atingiu as raias de auto-exclusão, e as pessoas falam de coisas, de dogmas, martírios, mas a linguagem nunca deverá ser apenas uma componente moral ou sensitiva, unitária, factual, que a língua cresce e se congrega a todos os futuros adjectivos que a presidem. A linguagem que produz efeitos moralistas é uma antecâmara para a morte colectiva, que a língua existe para compor o Poema, e ser de todos nós língua entendível. Ou seja, nós temos funções, economia, amplexos de personalidade, mas tudo isto não reverbera no transbordo de uma língua bem mais vasta que as nossas abastanças ou necessidades. O aparelho fonador é o amplexo para aquilo que formaria em nós capacidade falante – esse sopro – mas na palavra escrita, é onde foi construída a nossa origem, afinal “palavras leva-as o vento” e não deixa ser um transtorno reconhecer da falta de espaço ambiental para a produção gráfica de termos novos. Porquê? O grafismo inicial destes alfabetos que afinal não passam de construções visuais, esbarraram diante das imposições visualizantes das imagens de cada um, e de todos, e a conceptualidade da ideia de Verbo, esmoreceu. Um poeta, por exemplo, não necessita ser compreendido, por outro lado, o culto da personalidade ainda lhe é estranho, e devemos interrogar-nos acerca disto mesmo nos nossos pensamentos, que sentimentos, afinal, todos nós temos. Mas valerá o sentir confessional, personalizado e fechado, abranger apenas este domínio? Claro que não! O primeiro impulso poético foi épico, e só séculos mais tarde nos vamos encontrar amarfanhadamente e cheios de nós em cintilações egóticas. Não devemos expandir demasiado mesmo que o desejo seja louco – trilhar sempre a via do meio – e seguir adiante no vasto entendimento, que as conclusões são anátemas de muita injustiça, e nada se vislumbra até a Nuvem passar. Quero dizer que a tendência didáctica, escolástica, permanece activa nos ideais da Nação, mas agora contempladas como um mercado mais, que tem na sombra os dilectos, e que um dia quando acordarmos nos trarão ainda um português indisfarçável. Uma língua de Mar! Se valeu a pena? Valeu, sim! Os nossos sonhos nunca recapitulam, e ficamos escrevendo Cânticos até ser outra vez no mundo, uma qualquer outra noite escura. Mas sabei que estamos atentos! Um certo horror percorre as nossas veias por ver a maré cheia da retrogradação, a bestialidade e o dogma. Estamos metidos num problema que os nossos pesadelos (outrora já tão leves) não equacionaram. Porém, e quando for necessário, o nosso colete de vento será o de um soldado. Entre os ingovernáveis trilhos do confessionalismo, do intimismo e da notória falta de pudor de cada um, existe ainda o Poema, que se não for esse além, cosmonáutico, astral, inserido e completado nos céus, será apenas um refrão de sangue e vísceras. Naturalmente, e passe a saúde, esse conceito de Bem tão em voga, doenças ainda existem que serão antídotos para tais blasfémias. Ter saúde não significa ser-se são- que ela se nega ainda aos ressentidos- tal como à pobreza se nega o pão. Nós, vamos continuar, e ser o lado melhorado destas saudáveis e sacrificadas gentes, que precisam dos seus poetas, por que sem eles toda a estrada é estreita e vamos ainda necessitar das vozes acesas, dos locais fermentados pelas presenças, e se nada disto for tolerável, questionável, valorizado e condutor de diferença, o que andámos a fazer perder-se-á na voragem efémera dos dias. A literatura de género, e o género imposto ao código literária, tende agora para um estilismo sem causa, por uma razão simples: sabe-se escrever ou não se sabe. O que cada um extrai da sua natureza sexualizante não deve perturbar a palavra em nenhum dos sentidos da marcha, nem tão pouco conferir arrojos capciosos que insultem as partes. Dito assim, a Poesia é definidora de um poder de síntese que a torna sem dúvida o mais aperfeiçoado registo da linguagem, e se o imponderável é o reino onde todos nos confrontamos, requer-se ainda transgressão e sublimação, em frente de uma Humanidade onde cada palavra pode ter ainda um poder salvífico. Andámos demasiado tempo a brincar com coisas sérias! Fizemos muitos «SNIS» inventados à boa maneira de entretenimento, mas o autor do seu Poema não é um diletante, nem um prazeroso amante de “poesia” isso são cargas letais para caminhos livres e rigorosos, como deve ser o de um poeta. Um Cântico à República saída na madrugada de 4 de Outubro da rua de Campo de Ourique, sede do antigo Centro Escolar Democrático. Aqui, findaram os saraus! A Poesia iria continuar em marcha como todos os vivos que se abastecem de seu próprio visionarismo.
Carlos Coutinho VozesCurvas e contracurvas EMPANQUEI no étimo “calamento” por mero acaso e tenho consciência de que não é fácil explicar-me, até a mim mesmo, de forma cabal e satisfatória. A primeira vez que vi esta palavra escrita foi quando a encontrei a nomear um romance notável de Romeu Correia, que só li anos depois. Apenas mais tarde vim a saber que calamento era também o que muitos presos políticos faziam nos interrogatórios da PIDE, sob tortura – cerrar os dentes e nada dizer. “Nem um pio”, explicou-me certo dia no Museu do Neorrealismo, em Vila Franca de Xira, o então director do “Avante!”, Dias Lourenço. Mas não foi com esta significação que Romeu Correia utilizou essa palavra terrível. É que calamento era, desde séculos antes, um pedaço de corda de sisal que tinha numa ponta um barquito de pesca ou as mãos de um pescador e, na outra, um peso que prendia a precária embarcação desses famintos violadores do mar onde fosse preciso. As comunidades de ílhavos e de algarvios que vieram, respectivamente, do mar salgado e da ria de Aveiro, bem como do sotavento algarvio, instalaram-se lado a lado com uma inultrapassável faixa de separação entre ele, perpendicular à costa, instaurando rivalidades e correspondentes lutas e violências recíprocas que a miséria gerava. Ao ponto de um rapaz de marca ílhava que ousasse namorar uma rapariga proveniente de Portimão poder ser perseguido e às vezes até sovado. No século XX, o escritor almadense ainda verificou comportamentos colectivos destes e eu, num engasgamento das minhas emoções, a acabei por ser encaminhado para topónimos como Trafaria e Caparica, redutos destas atávicas tradições. Há quem diga que o nome Trafaria deriva do facto de ter havido ali muitas redes de pesca, designadas localmente como tarrafas. Terá chegado ao conhecimento do Marquês Pombal que, na chusma de cabanas miseráveis da povoação piscatória, se escondiam muitos refratários à tropa e que, por isso, a mandou incendiar, missão que coube ao chefe da Polícia, um tal Pina Manique, poupando apenas os que se integrassem legalmente nas fileiras militares e assim deixassem de sobreviver por expedientes perigosos para as populações e para o Reino. Não parando na minha pesquisa, descobri que Trafaria significava o fim da terra conhecida dos algarvios e, muito antes disso, viera de Almaraza – do árabe al-maraje, ou seja, lugar por onde se sobe. Já Caparica terá resultado de étimos latinos – cappar, cappari ou capparis, provindos do grego kapparis que significa alcaparra. Terá, portanto, sido um alcaparral, sendo que, em vários lugares de Trás-os-Montes, alcaparra é uma saborosa azeitona descaroçada que já comi em Miranda e recomendo. Também se admite que o topónimo resulte de aí ter existido um cabo de areia, (“parte final”), lodo ou outro material macio – “rk” , “ser mole, macio” – pelo que aqaberik pode ter evoluído para qaberik e por fim para qaperik. Calcula-se que a cidade da Costa de Caparica, onde já visitei o Convento dos Capuchos, a Igreja de Nossa Senhora do Monte de Caparica e a Fortaleza da Torre Velha, tenha tido para os romanos uma importância semelhante às de Alcochete, Montijo e Sesimbra. Lá no alto, fica Sobreda, a antiga Suvereda rodeada de sobreiros de que falou Fernão Lopes e é hoje uma vila arejada ao lado da Capa Rica (Costa e Charneca de Caparica) onde morou, quase até à morte, um velho amigo meu, o Gabriel Raimundo, que frequentou a Sorbonne, a Aliance Française e a Universidade de Lovaina, tendo andado pelo maio de 68. Fundador em Paris de “Portugal Cá & Lá”, foi mais tarde jornalista do “Diário de Notícias” no tempo de Saramago e seguidamente de “o diário”, comigo, antes de partir para Cabo Verde como formador e redator da “Voz di Povo”. Este rijo beirão de Tortosendo foi preso em 1971, perto de Vilar Formoso, pela Guardia Civil, com mais cinco companheiros portugueses e logo encarcerado em Salamanca. Vinha para Portugal, integrado na luta clandestina antifascista. O que são as curvas e contracurvas da memória… Martinhando ESTE ano, o Dia de S. Martinho mais parecia, logo de manhã, o Dia de S. João – a madrugada evoluiu para um nascer do sol amarelíssimo e durante as trevas tinha havido estrelas incontáveis, brisas suaves e cantigas de festa facultadas pelos pássaros noturnos. Depois, já quase ao fim da manhã, o céu ficou cinzento e a chuva não se fez rogada. Pelas onze horas, mastigando umas castanhas assadas quase a escaldar, já estávamos na esplanada do costume, nos nossos fins de semana. Íamos temperando o calor na boca com uns goles aspirados de um tinto novo que este ano é de excelente qualidade, celebrando o Dia de S. Martinho, quando chegou o filho do mais careca de nós todos. Vinha a arfar, armado com um computador portátil. Sacudiu o capuz e os ombros molhados, para logo se sentar na mesa que continuava livre, ao nosso lado. Assobiou para o balcão, fez uns acenos com as duas mãos e, quando a empregada coxa se aproximou, pediu-lhe uma bica dupla e um copo de água. Esta, com uma vénia e uma tossidela inexplicável, deu meia volta e, quando voltou com a bandeja quase ao nível dos joelhos, trazia também um pires com duas castanhas assadas e um rebuçado. Disse-lhe: – Oferta da casa. – Obrigadíssimo. O pai, apontando-lhe a maquineta, ordenou: – Larga isso e senta-te com a gente. – Tenho umas coisas para ver, enquanto a chuva não para. Posso? Foi evidente uma certa arrogância na asserção do jovem. Martinho, julgo eu. Na nossa mesa, trocámos olhares uns com os outros e voltámos a atacar o prato das castanhas e as taças de tintol. Nisto, apareceu a namorada do Martinho que se ocupou a esvaziar uma garrafa de cerveja preta e lhe atirou: – Afinal, hoje não é só o teu dia. Vai ao Google. E ele foi. Descobriu e disse-nos que na China se estava no Dia dos Solteiros, ou Guanggun Jie (em chinês 光棍节), um festival de entretenimento que celebra o orgulho em ser solteiro e já se transformou num dos principais dias de comércio on-line no mundo. Em casa, fui também ao Google e fiquei a saber que a coisa começou na Universidade de Nanquim, em 1993, inicialmente só entre os homens, sendo logo a seguir um evento popular em várias universidades chinesas durante a década. O milionário festival continua cada vez mais a servir para a socialização entre solteiros, contando com eventos de encontro às cegas para que os interessados abandonem, à sorte e sem culpar ninguém, a vida de solteiros. O ano de 2011 marcou o chamado Dia dos Solteiros do Século com várias ações promocionais do evento, visando, principalmente, atrair jovens consumidores acríticos e ávidos de novidade. Já no Reino Unido, o que se celebra é o Dia do Armistício, visto que no dia 11 de novembro de 1918, a na “undécima hora do undécimo dia do undécimo mês”, foi assinado pelos Aliados e pelo Império Otomano, em Compiègne, França, o fim das hostilidades na Frente Ocidental. Após a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido e a maior parte dos países da Commonwealth decidiram unir as celebrações do Dia do Armistício e estabelecer o Dia da Lembrança (Remembrance Day), um feriado criado para honrar os militares e civis envolvidos no maior conflito do século XX. Nos EUA a data também é comemorada junto com o feriado do Dia dos Veteranos.