André Namora Ai Portugal VozesA Justiça é só para pobres Antes de mais, neste meu primeiro contacto com os leitores no Ano Novo do Dragão quero desejar a todos um ano cheio de felicidade e prosperidade, e como dizem por aí: Kung Hei Fat Choi. Por aqui, a semana que passou deixou os portugueses ainda mais desolados com a Justiça. Tudo nesta tutela parece um descalabro. Os casos de investigação judicial têm-se sucedido e muitas vezes deixam a sociedade perplexa com um possível paradigma de defesa dos suspeitos de enorme e constante actividade ligada à corrupção. Há umas semanas, uma senhora de certa idade, com imensas dificuldades de sobrevivência, num hipermercado introduziu três latas de conserva na sua mala. Ao sair do estabelecimento os detectores assinalaram algo não pago no interior da mala. A segurança do hipermercado chamou a polícia, a senhora foi revistada, detectaram as latas de conserva, foi logo detida e presente a um tribunal foi sentenciada. Por outro lado, o Ministério Público e a Polícia Judiciária andaram quase dois anos a investigar várias personalidades da Madeira, incluindo o presidente do Governo regional, Miguel Albuquerque, e o presidente da Câmara Municipal do Funchal. Decidiram reunir todos os meios e num avião da Força Aérea seguiram para a Madeira cerca de cem agentes e procuradores onde realizaram várias buscas tendo decidido deter o presidente da edilidade madeirense e dois empresários que alegadamente conseguiam obter a concessão da maioria das grandes obras de construção civil naquele arquipélago. As suspeitas eram mais que muitas. Recebimento de dinheiro vivo, descoberta de envelopes com muitos milhares de euros na casa do presidente da Câmara e de sua mãe, que o motorista da Câmara efectuou vários depósitos bancários na conta do autarca presidente. As suspeitas judiciais concluíram que a empresa de construção civil em causa oferecia benesses às autoridades investigadas em troca da aprovação das obras no valor de milhões de euros. O presidente do Governo regional foi indiciado como arguido e depois de alguns dias lá se demitiu provocando a queda do Governo e o mesmo a situar-se em gestão e a aguardar-se uma decisão do Presidente da República para o caso de se decidir por eleições antecipadas, à semelhança do que acontecera com o primeiro-ministro António Costa. Miguel Albuquerque chegou ao ponto de adquirir um terreno com uma casa em ruínas, construiu um palacete que está transformado em alojamento local sem que as Finanças tivessem alterado o valor do IMI a pagar. Os detidos viram iniciar-se o processo de decisão judicial que a Constituição insere que deve ser tomada em 48 horas. Ora, a partir desse momento o país assistiu a um descalabro absoluto na relação Ministério Público com o juiz de instrução criminal a quem foi entregue a análise das acusações. Vergonhosamente os detidos estiveram privados da liberdade e encurralados numa cela, sem condições, das instalações da Polícia Judiciária. Os advogados de defesa solicitaram, por duas vezes, a liberdade dos detidos, o que foi recusado pelo juiz. Se o juiz não aceitou a pretensão dos advogados de defesa é lógico que qualquer cidadão pense que se tratava de um caso gravíssimo. Mas não, ao fim de 21 dias o juiz de instrução criminal decidiu surpreendentemente pela libertação dos detidos pronunciando que não existiam quaisquer indícios de crime. O Ministério Público nem queria acreditar na decisão sobre as medidas de coação e já requereu da decisão do juiz. Inclusivamente a Procuradoria-Geral da República emitiu um comunicado onde salienta “existir indício de crime”. O paradoxo é de tal forma inconsequente que observamos dois factos concretos: o presidente do Governo regional e o presidente da Câmara Municipal do Funchal demitiram-se, dando a entender que os factos eram passíveis de grande gravidade. Na Madeira, há muitas décadas que se suspeita de casos de corrupção ao mais alto nível da governação. E quando aconteceu uma investigação a sério, eis que um juiz permite que a lei seja violada com a detenção de três cidadãos durante 21 dias e depois envia-os em liberdade. Segundo as nossas fontes, que não conseguimos confirmar, o juiz em causa terá sido colega de curso de dois advogados de defesa deste caso de corrupção, branqueamento de capitais, de fraude fiscal e até diamantes entregues a Miguel Albuquerque e ao presidente da edilidade. Recorde-se, que este autarca tinha trabalhado para a empresa em causa que tem obtido a concessão das grandes obras na Madeira. E algo de mais grave, quando as mesmas fontes nos informaram que o juiz deste processo já tinha sido castigado por ofensas a um arguido noutro processo e que a pessoa que testemunhou contra o juiz foi precisamente uma procuradora deste caso da Madeira, levando a pensar que a decisão surpreendente do juiz se tratou apenas de uma vingança contra a referida procuradora. Depois, temos a posição do Presidente da República que, num caso desta gravidade, tendo percorrido os seus dois mandatos de Chefe de Estado como um comentador quase diário de todo e qualquer caso, agora veio afirmar que não comentava casos judiciais. As críticas a Marcelo Rebelo de Sousa, ao juiz em causa e à procuradora-Geral da República têm sido uma constante dos mais variados quadrantes, nomeadamente do ex-presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que já requereu ao Presidente da República que convoque o Conselho de Estado antes das eleições de 10 de Março, a fim de se debater a reforma necessária e urgente na Justiça. Rui Rio, ex-presidente do PSD também se pronunciou contra a morosidade na justiça e a leviandade de três cidadãos estarem privados da liberdade contra todas as regras dos direitos humanos. Uma coisa é certa, está instalada uma tensão muito significativa entre o Ministério Público e os juízes. E isto não é bom para um Estado que se diz democrático e de bem. A Justiça há muito que passa por momentos de degradação e não há dúvidas de que necessita de uma reforma urgente. Basta lembrarmo-nos dos adiamentos judiciais dos casos BES e José Sócrates. Mas, o pior de tudo é que o povo tem a consciência absoluta de que a Justiça é só para pobre…
Amélia Vieira VozesBELA ADORMECIDA Roubam-nos a paz, e que paz viria, se ela não for igual aquela paz que noutros havia? É uma situação que nos inquieta o estilhaçar da serenidade por essa manobra insidiosa da sociedade gradualmente esfomeada em salvo-conduto para o ronco demagogo, instalado, empolgado, estéril e opressivo, um abrasão de indelicadeza que ecoa nos confins da Terra. Estamos demasiado vibráteis com restos de mortandade e configurações grotescas para retorno à “cápsula” onde se instala toda a substância que é a favor da vida, define um centro, irriga o ser, e se vê melhor que entre multidões. O sono, esse deleitoso ritmo do universo, pareceu contrariar os mais frenéticos aposentos da hiperactividade, e a luta para manter tão natural condição foi varrida a ansiolíticos e corrigida com a vigília da regularidade mórbida. Coisas simples e boas elevadas à condição de dilema, corrobora ainda mais o desgaste, que para tudo se tem de dar para manter a trepidação em alta frequência, que o mito da felicidade se dá por enervamento constante, recorrendo cada vez mais a plenitudes sem sentido. Nós já padecemos de tudo de todas as maneiras, já esperámos a salvação por outrem, quando não ele, por um grupo, e mais eloquente e mordaz, por esferas sociais. Dos receituários experimentámos alguns, convivemos com mestres da alegria, fomo-nos abaixo em alguns ataques de riso, e das ideologias havia um cimento tão duro que as dispensámos. Dito assim, ficaram-nos então os ritmos gregários, as finalidades, o tempo certo para adormecer as lágrimas, ficar duro de compreensão, e ainda legitimar a herança de um progresso que consideramos invencível. Neste desfile de objectores de consciência vêm agora dizer-nos que não temos Defesa. – Nem Defesa nem Agravo! Assim, só estamos em sintonia com o Mercado. Somos Mercantis. É evidente a médio e longo prazo que vamos todos ser outra qualquer coisa e, para bem dos conquistadores, sabemos bastante de mercadoria, e não vale a pena andar a esconder os valores em estantes de Código Penal nem na lúbrica jornada de invasores ao fisco, que a mais-valia vai dar directamente ao invasor que se esforçou para não morrermos de martírios governativos e de péssimas conclusões. Aí podem serenar os mais nervosos da sociedade que não dorme para recarregar forças, e se mesmo assim, se estiverem possuídos de eloquente trepidação, terão de abrandar para não colocar rédeas ao sinistro que os apanhou como presas amedrontadas. Com este acabrunhamento inesperado os grandes compulsivos terão a oportunidade de pôr os sonos em dia e se lhes faltar combustível podem sempre começar a andar a pé e fazer grandes paragens dormindo a ver as estrelas. As dissidências com o fervor que lhes assiste, terão sonhos visionários, e cobertos de lã dos últimos pastores, reversar-se-ão pela tomada de uma identidade desfeita. Aqueles que conseguem já conquistar Marte devem achar de menor monta uma conquista da Europa em modalidades várias (que ela se mantém bastante contrária a qualquer sossego) mas, e dada a explosão de centros vibratórios cósmicos onde até o sol pode fazer a sua tempestade, eu, aqui, neste Fevereiro, vejo o espectro de Gengis Khan a atravessar já a Beira Litoral. Isto tudo acontece porquê? Por que estamos na Grande Roda- tudo vai, tudo vem, assim é o caminho da imortalidade- o que fazemos deixa rasto, o que não fizemos atormenta-nos, só que tudo vai e volta mas de uma outra maneira. Por ora a gincana das competências está alinhada com a situação, e é vê-las como se não houvesse amanhã. Mas amanhã virá, e não será para muitos os «amanhãs que cantam» que em estado de coma induzido ainda permaneceremos. Talvez não seja tarde nem cedo, nestas propostas ancestrais que passaram pelo grupo, forjando a célula (família) fomos aqueles que serviram a condição. Uns mais, outros menos, outros nada: mas quem sabe se essa negação lhes era devida? Tal qual aqueles que a serviram. Por ora não sabemos. Desejaríamos que tudo finda-se num indulto universal e capacidade de ver, mas o belo sono ainda não chegou, que as tormentas têm veios fundos como a própria memória que construímos unida por fileiras em rota de colisão com a paz trazida por estrelas muito mais distantes. Porém, a paz, pode ser dispensada. Aqui, só desejamos um tranquilo sono, e que quem nos beije finde o anterior ciclo, e com ele sejamos despertados.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDia de Não-Namorados O Dia dos Namorados pode ser um dia difícil. Seria bom se fosse opcional, mas desde cedo, como na escola primária, vemos uma tentativa de institucionalizá-lo. Quando estava na 2.ª classe, a professora criou uma caixa de correio para celebrar o Dia dos Namorados, onde se podiam deixar cartas anónimas para as paixões secretas. Crianças de 7 anos têm uma compreensão muito madura do amor romântico, certo? No âmago do meu ser, eu sabia que não ia receber uma carta. E assim foi, era a mal-amada, e todos na turma deram conta disso. Se o Dia dos Namorados é difícil, é porque o tornaram assim. Tornou-se o triunfo da existência de um parceiro romântico, ou a desilusão da sua ausência. Entretanto, tomei conhecimento de um conjunto de estratégias e actividades para tornar o Dia dos Namorados mais alternativo. Aqui, explanarei algumas opções que encontrei. Vou excluir desde já o mais óbvio: tempo para cuidar de si próprio. No Dia dos Namorados, parece-me a estratégia mais eficaz para não mergulhar no frenesim. De repente, somos invadidos por menus de jantar para namorados, promoções, vendas temáticas e, claro, redes sociais empenhadas em tornar o dia miserável. Evitar. Para quem não quer ser lembrado de que o dia existe, pode ser possível bloquear notificações relacionadas com o dia. Este ano, uma empresa de comércio questionou-me se gostaria de ser contactada sobre o tema. Uma interpelação simpática, senti que era uma tentativa de dar controlo ao consumidor sobre a avalanche de conteúdos amorosos. Com um pouco mais de pesquisa, percebi que existem outras formas mais sofisticadas de bloquear conteúdos nas redes sociais. É só perguntar ao motor de busca favorito, descarregar as aplicações recomendadas e aplicar filtros para não receber informação sobre “namorados”, “amor” ou “São Valentim”. Contrariar. Na tentativa de dar espaço aos que não se revêem no dia, há quem celebre a antítese do Dia de São Valentim, que já tem rituais e imagética associada. Falo-vos de festas temáticas com roupa e até comida decorada com o tema do amor não correspondido. São os corações partidos a jorrar sangue, uma paleta de cores mais sombrias, em vez do habitual vermelho e cor-de-rosa. Acusações de que o cupido é estúpido ou que o amor não existe. Chutam uma piñata em forma de coração até a estilhaçarem toda. Os mais sérios vão optar por tornar o dia uma consciencialização para os solteiros e espalhar outro tipo de amor para quem precisa. Enraivecer. Não há nada como apaziguar um coração partido com acções de puro desdém. Um abrigo animal em Ohio, nos EUA, em troca de um donativo, oferece a possibilidade de escrever o nome do ex-namorado ou ex-namorada numa caixa de areia onde os gatos para adopção irão urinar e defecar à vontade. O abrigo prometeu fazer um vídeo público de todas as contribuições e dos momentos de alívio dos animais, e irá publicá-lo no Dia dos Namorados. O zoológico de San Antonio, no Texas, também preparou uma actividade de angariação de fundos ainda mais, digamos, assertiva desta raiva. Dependendo da quantia, o zoológico pode dar o nome do/a ex- a uma barata ou a um rato, que será devidamente consumido por um dos residentes do zoológico. Por 150 dólares, eles filmam a presa a ser devorada e depois enviam a filmagem ao ex- a quem a acção é dedicada. Alegadamente, todos os donativos servirão para ajudar os espaços a continuar o seu trabalho na protecção da biodiversidade e bem-estar animal. Estas acções tentam oferecer novas formas de dar significado ao dia, mas não deixam de perpetuar a capitalização do amor romântico (ou a sua zanga com ele). Não quero desvalorizar o simbolismo do dia nem o desconforto que ele gera. Talvez me caiba sugerir uma reflexão sobre como estão associadas a ele memórias e emoções que materializam um ponto muito sensível da existência humana: a prova de que somos aceites ou rejeitados. E essa dicotomia precisa de ser desconstruída com muito carinho. A celebração do amor é sempre bem-vinda, mas talvez seja necessário expandi-la para o amor que nutrem por vocês próprios, pela família, amigos, amantes, amigos coloridos e até aqueles que ficaram para trás. Talvez perceber que a presença de um parceiro romântico na vida não é sinal de triunfo, nem a sua ausência um sinal de falhanço. O amor que traz uma carta no Dia dos Namorados não é o indicador de sucesso nem a condição prévia para a aceitação pessoal.
Paul Chan Wai Chi VozesCidade de cristal Há muito tempo, a “Radio Hong Kong” tinha um programa chamado “The Glass Ball of Happiness” (A Bola de Cristal da Felicidade). A frase de abertura do programa era, “a bola de cristal da felicidade caiu ao chão e desfez-se em mil cacos. Algumas pessoas apanharam mais pedaços enquanto outras apanharam menos”. Na verdade, quando a bola de cristal se parte, a felicidade deixa de existir. Hong Kong e Macau são duas pérolas reluzentes do sul da China que deveriam ser preservadas e protegidas. Seria uma pena se se estilhaçassem. A BBC NEWS da China publicou recentemente um artigo com o seguinte título “O Index Hang Seng fechou num mínimo histórico. Será que Hong Kong está a caminho de se tornar a relíquia de um centro financeiro internacional ou ainda espera avançar da estagnação para a prosperidade?” O artigo também mencionava que o mercado de acções da Índia tinha ultrapassado o de Hong Kong, tendo-se classificado pela primeira vez como o quarto maior a nível mundial. Como residente de Macau, cidade vizinha de Hong Kong, não desejo de todo que Hong Kong se torne a relíquia de um centro financeiro internacional e a maior parte das pessoas desejará que passe da estagnação para a prosperidade. O Chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee Ka-chiu, deu início a 30 de Janeiro último, a uma longa consulta pública, com a duração de um mês, sobre a promulgação de leis de segurança nacional, da responsabilidade do seu Governo, de acordo com o Artigo 23 da Lei Básica da cidade. No mesmo dia, o Index Hang Seng caiu, ao contrário de subir, fechando nos 15.703.45 pontos. Se o Governo de Hong Kong quer que o mercado de acções volte a conquistar a confiança da cidade, e que a Pérola do Oriente recupere o seu brilho, além de tentar o seu melhor para o bem de Hong Kong, é também importante que ajude a cidade a “voltar à normalidade” e a seguir o “caminho da reconciliação”. Em Hong Kong, a promulgação de leis de acordo com o Artigo 23 da Lei Básica da cidade representa a observância das responsabilidades constitucionais, e todos são responsáveis pela salvaguarda da segurança nacional. Depois da promulgação de leis de acordo com o Artigo 23, o Governo de Hong Kong deve compreender os conteúdos do Artigo 45 que estipula que (o método de selecção do Chefe do Executivo será especificado em função da situação real na Região Administrativa Especial de Hong Kong e de acordo com o princípio de progresso gradual e ordenado. O objectivo final do Artigo 45 é que a selecção do Chefe do Executivo seja feita por sufrágio universal mediante a nomeação de uma comissão amplamente representativa, de acordo com os procedimentos democráticos. O Artigo 68 estipula que o método de formação do Conselho Legislativo será especificado em função da situação real na Região Administrativa Especial de Hong Kong e de acordo com o princípio de progresso gradual e ordenado. O objectivo final deste artigo da Lei Básica é que a eleição de todos os deputados do Conselho Legislativo seja feita por sufrágio universal. Acredito que Hong Kong possa “avançar da estagnação para a prosperidade” com sucesso. A “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado” de Macau foi promulgada em 2009 e alterada em meados de 2023. No entanto, as leis, por si só, não são suficientes. Ao longo da última década, Macau, como um todo, alcançou basicamente um consenso no que respeita à salvaguarda da segurança nacional através da cooperação cordial entre pessoas de todas as classes sociais e associações de todos os sectores. Mesmo que o controlo político esteja mais reforçado, não se desencadearam tumultos. Pelo contrário, devido à excessiva concentração de poder dentro do sistema e à perda de contraditório, os problemas surgem uns atrás dos outros quando existe menos capacidade governativa e falta de supervisão. Segundo os dados publicados pelos Serviços de Saúde de Macau, foram reportados em Macau 88 casos de suicídio em 2023, o número mais alto desde o regresso de Macau à soberania chinesa. De acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde, considera-se que uma zona tem uma taxa de suicídio alta quando, anualmente, 13 em cada 100.000 pessoas terminam com a própria vida. Assim sendo, Macau já atingiu uma taxa elevada de suicídio. Não se pode negar que o Governo da RAEM deu o seu melhor para implementar mecanismos de salvaguarda dos quatro principais aspectos (pilares) da saúde mental dos residentes – emocional, social, financeiro e saúde física. Estes pilares foram definidos pela Organização Mundial de Saúde através de coordenação inter-departamental entre os Serviços de Saúde, o Instituto de Acção Social e a Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude, e através de colaboração entre organizações e associações de cariz comunitário, para facultar serviços de saúde mental aos residentes. No entanto, face às mudanças no ambiente social e a outros factores, ainda existe margem para aperfeiçoamento da acção do Governo na área do bem-estar psíquico. Para transformar Macau numa “Cidade do Espectáculo” e numa “Cidade do Desporto” e não numa cidade de tristeza, o Governo da RAEM deve ter sempre muito presente a saúde física, mental e espiritual dos residentes. Enquanto o sector do jogo está a passar por profundos ajustes, o Governo da RAEM deve lutar para criar um clima favorável a todos os negócios e profissões e para criar mais oportunidades de trabalho para os seus residentes. Antigamente, o Governo da RAEM realizava eventos de larga escala no Dia do Trabalhador (1º de Maio) e no aniversário do estabelecimento de RAE de Macau (20 de Dezembro). Recentemente, foi apresentado um a mega-concerto da boys band Seventeen, da Coreia do Sul, no Estádio do Centro Desportivo Olímpico na Taipa, e a Selecção Nacional de Futebol portuguesa também se deslocou a Macau há alguns anos para treinar, pelo que Macau tem a experiência e o conhecimento para realizar eventos grandiosos. Se o Governo da RAEM dedicar este ano mais energia à criação de eventos desportivos e de entretenimento, acredito que Macau sobreviverá às pesadas restrições auto-impostas.
Amélia Vieira VozesDragão Havia um adágio oriental que dizia: «se é Rato, nunca deixe fugir um Dragão» queria então tal máxima referir-se à grande complementaridade existente entre o roedor e a fera alada de grande ignição. Ora, deixar fugir um dragão, é aspecto de grande monta, sobretudo por um roedor pequenino, todo enervado, e creiam-me, em posse mesmo assim de ilimitados recursos. Mas, vamos a ele! Dragão abre o Ano Lunar Chinês no dia 4 de Fevereiro deste 2024, geralmente é no primeiro dia da Lua-Nova, que o calendário é lunar, nesse arranque marcado por um Bestiário formidável onde as festividades abundam. Buda não convoca os animais para nada, dá-lhes tarefas, impõe-lhes registos, coordena tempos e ainda características, o que é ligeiramente diferente de um Francisco que a todos atende com a mesma benevolência. A China tremeu há quatro anos no início do Ano do Rato, que sendo como já disse de carácter lunar, se deu por isso um pouco mais cedo, 25 de em Janeiro de 2020, e todos arredaram pé da festa que estava a começar concomitante ao alarme público, daí o trauma ” Ratatouille” que justamente lhes advém, pois não sendo povo de espectro visionário tremia já pela má qualificação das lembranças de anteriores outros anos. Podemos dizer que se perdeu um dos festejos mais bonitos do mundo tendo por epicentro do mal o seu próprio território. Ninguém pensava muito bem na pandemia, mas de como deixar de festejar uma data quase sagrada. Bom, o ano passou, mais tarde outros vieram, como o do Gato que agora se despede (que Gato com Rato pode dar barafunda, mas nada que não se possa solucionar). E agora? Agora, como dizemos em bom (mau) português, é que vão ser elas! Estamos no Ano do Dragão. Este nosso Dragão é de polaridade Yang, ou seja, imponente, varonil, dogmático, e porque não, na sua extrema composição, titânico. O facto de ser Dragão de Madeira (vários elementos distributivos na mandala) dá-lhe um duplo sentido de ignição, o que pode antever uma labareda que desnorteará ainda mais o mundo, se não tanto, pelo menos tórrido será. E estaremos atentos, que muita coisa vai arder de modo metafórico ou literal, pois que somos chegados ao instante inflamatório mais impactante na rede global. Os pequenos prazeres podem definitivamente estar em causa, pois que, ou serão grandes deleites, ou derrotas totais. Há este afã de totalidade que não nos deixará prosseguir na moleza sedentária, o que pode indicar que estaremos cilindrados em nossos espaços interiores, e nos exteriores, pulverizados. Das coisas boas, é que será certamente um Ano magnânimo. Mas, para onde corremos nesta fogueira acelerativa que troca deuses por escravos, e esquece a benigna capacidade de acender fogueiras?! Em termos geopolíticos a China enceta a sua inusitada marcha expansionista, a Europa no seu derradeiro emblema, a mudança que é por demais evidente num acelerativo e confuso instante diante de todos a acontecer, que o fogo frio da Rússia ditará ainda um código onde nos precipitaremos como reféns, para que no fim das ilusões nos reste sobreviver da melhor maneira, que o nosso Dragão do ano que inicia trará a borrasca aos enfatuados desperdícios fátuos diante daqueles cuja ilusão só produziu “néons” e clarões artificiais. Estamos agora no sul europeu e as temperaturas são demasiado altas, o que faz prever um Estio quentíssimo por um Dragão cuspindo fogo em nossos flancos, que a energia mantida para aquecimento se fez divisiva na busca de tórridos tormentos e já não aguentaremos o que virá seguido do ardil mucoso deste ser mitológico. A Oriente há uma encantada festa a ser vivida, e nós seguiremos a flama já um pouco entorpecidos, mas ainda não vencidos. O que virá por aí será de grande monta e de complexas lutas, Putin estará em pleno no seu Ano, e é só levá-lo a respirar no outeiro dos emergentes. Poder-se-ia dizer: cheira a esturro! Mas já estava assim. Por exemplo, em Lisboa cheira a azeitonas. – É o que todos dizem, mas eu, odorífica extremosa, nunca inalei o cheiro de uma azeitona. Se o ridículo matasse nestas latitudes prestes a sucumbirem, há muito que estaríamos todos mortos. Também vou engalanar-me para o festivo instante, que o Carnaval me derruba, e a torpeza da sua modalidade me é ainda estranha. – Bem-vindo, Dragão. Afinal é o Ano anunciado para todos aqueles que não desejam morrer de tédio, que esta agitação não passa de um aglomerado de espectros em luta contra uma liquidadora mudança que a todos liberte. Piromania à parte, que se dê já por extinta tal doença humana, que vem aí a grande Labareda.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesExecução adiada A semana passada, falámos sobre o caso de um condenado submetido duas vezes ao processo de execução. O caso aconteceu nos Estados Unidos, mais precisamente no Alabama. Da primeira vez, a injecção letal que lhe foi administrada não funcionou. Da segunda vez, foi usado nitrogénio e o prisioneiro morreu por asfixia. Este foi o primeiro caso a nível mundial de utilização deste gás numa execução. Este método causa um sofrimento muito prolongado, o condenado fica em agonia durante 22 minutos. Além disso, o facto de este homem ter passado duas vezes pela experiência de uma execução iminente, implicou que tenha “morrido duas vezes”. Este acontecimento vai contra o princípio “um crime, um castigo” e é injusto para o condenado. No entanto, se tivesse sobrevivido, o Governo teria falhado a missão de fazer cumprir a decisão do tribunal. Se isso tivesse acontecido, o público e a família da vítima teriam ficado revoltados. O Governo Federal estava, portanto, perante um dilema. Mas, o mais importante, é que apenas onze minutos antes da execução, o Governo Federal recebeu a decisão do tribunal que analisou o recurso de prisioneiro, no sentido de confirmar a pena de morte, por isso o estado tinha de agir em conformidade com esta decisão. Hoje, vamos analisar a pena de morte no Japão e explorar a questão do sentimento dos executores. Um homem tinha lançado fogo à Japan’s Kyoto Animation Company, no qual morreram 36 pessoas e outras 33 ficaram feridas. O Tribunal Distrital de Kyoto proferiu a sentença no passado dia 25 de Janeiro. O réu foi considerado culpado e condenado à morte. No entanto, existem algumas questões que podem pôr em causa a aplicação da pena de morte. Uma delas prende-se com um dos mais importantes cultos no Japão, o Aum Shinrikyo. O Governo japonês considerou o líder deste grupo culpado do ataque com gás sarin no metro de Tóquio. Este caso ocorreu em Março de 1995 e provocou 13 mortes e ferimentos em 6.500 pessoas. A 27 de Fevereiro de 2004, o responsável da seita foi condenado à morte. Mas só a 6 de Julho de 2018 é que a execução foi efectuada. A demora foi motivada por recursos sucessivos. Entre o momento do ataque e o momento da execução decorreram 23 anos. Porque é que esta demora foi tão grande? A comunicação social assinalou que, embora o ministro da Justiça japonês tenha o poder de assinar ordens de execução, para evitar injustiças, muitas vezes recusa-se a assinar. Esta “falta de vontade”, aliada ao facto de o Código Penal japonês dar aos condenados à morte o direito a múltiplos recursos, tem como resultado grandes adiamentos nas execuções. A longa espera a que ficam sujeitos estes prisioneiros é mitigada por condições de vida muito favoráveis. Desfrutam de instalações limpas, de uma dieta equilibrada e podem apanhar banhos de sol de 15 minutos três vezes por semana. Podem celebrar o Natal e o Ano Novo. Perante a perspectiva da execução, estes condenados têm atitudes diferentes. Alguns trabalham arduamente para juntarem dinheiro para deixar às famílias, mas a maioria vive aterrorizada. O medo da morte tortura-os constantemente. Esta pressão psicológica é um tipo de tortura, que os pode levar à loucura e ao suicídio. Podem andar na cela de um lado para o outro como animais enjaulados, bater com a cabeça nas grades e tentar apanhar as armas dos guardas para se suicidarem. Em 1975, na Prisão deFukuoka, depois de um condenado ter sabido da execução de um companheiro, cortou os pulsos. Depois de ter sido socorrido, foi enviado para um hospital psiquiátrico. Embora o prisioneiro tenha sido salvo, o guarda foi demitido por negligência. Ao fim desta longa espera, o dia da execução acaba por chegar. Os guardas responsáveis pelo cumprimento da pena recebem o nome de “executores”. Os executores avisam os condenados com uma hora de antecedência. Depois de serem informados, os condenados reagem de maneiras diferentes. Alguns suspiram de alívio, enquanto outros ficam tão aterrorizados que caiem no chão e por vezes ficam incontinentes. Uma hora mais tarde, o prisioneiro pode confessar-se, escrever uma nota para a família, comer qualquer coisa e fumar. Depois disso, é-lhe colocado um capuz e levado para o local de execução. No Japão, os condenados à morte são enforcados. O prisioneiro dirige-se para a forca algemado de mãos e com os pés atados, e fica à espera em cima do alçapão. Três executores primem o botão simultaneamente na sala ao lado, o alçapão abre-se e o condenado é enforcado. A corda estrangula-o, a coluna vertebral quebra-se e morre sufocado. Numa entrevista transmitida na televisão, um dos executores disse que apenas um dos três botões abre o alçapão e por isso nenhum deles sabe qual foi o responsável pela morte do prisioneiro. O objectivo desta medida é a redução da pressão psicológica dos carrascos. No final, recebem um pagamento suplementar e são compensados com um dia de folga. No entanto, o pagamento que recebem pela execução é gasto em sacrifícios e incenso, e o dia de folga é passadoa visitaras sepulturas dos condenados erezam para que na próxima vida venham a ser pessoas de bem. Os guardas designados para a execução não têm o direito de recusar e têm de se forçar a aceitar a missão. Quem não conseguir desempenhar esta tarefa tem de se demitir ou pedir a transferência para uma prisão onde não haja execuções. Por isso, quem tem mais probabilidades de ser escolhido para esta função são guardas com mais de dez anos de experiência, que não tenham familiares hospitalizados, que não estejam a planear casar-se e, no caso de serem mulheres, que não estejam grávidas, porque estas pessoas pela sua experiência e condições familiares reúnem condições para ser menos afectadas por esta tarefa ingrata. Se a pena de morte significa a aplicação da justiça e o conforto da família das vítimas, então não deverão os Estados Unidos equacionar forma de não se voltar a repetir o caso do condenado do Alabama que “morreu duas vezes”? Qual a solução? Como é que o Japão deve lidar com a demora na execução das penas de morte? É obrigação dos executores fazer cumprir a sentença, pelo que recebem um pagamento adicional. Estes pagamentos podem apaziguá-los e acalmar a sua “confusão interior”? Que método pode reduzir a ansiedade dos executores? Em Macau e Hong Kong, duas cidades onde não existe pena de morte, só podemos especular sobre os sentimentos dos condenados à morte e dos seus executores a partir do que lemos nos jornais. Até que ponto os podemos entender? Quais são os nossos sentimentos?
André Namora Ai Portugal VozesMacacadas portistas Entre 2013 e 2018, quando o Sport Lisboa e Benfica conquistou vários campeonatos nacionais de futebol, lembro-me perfeitamente do que li por parte dos detractores do Benfica. Essencialmente, que o Benfica “comprava” os árbitros e essa era a razão de tantos títulos. Esqueciam-se os críticos que o Benfica teve durante essas vitórias, dos melhores jogadores que passaram por Portugal. Mas, esqueceram-se do fundamental: que o presidente do FC Porto foi levado a tribunal como suspeito do famoso caso ‘Apito Dourado’ e da “fruta” para os árbitros. Recordo-me perfeitamente que nessa altura, Pinto da Costa entrou no tribunal ladeado e protegido por um grupo enorme pertencente à claque oficial do FC Porto, os chamados ‘Super Dragões’, onde já figurava Fernando Madureira, mais conhecido pelo ´macaco’, como chefe da claque. Constatou-se em 2018 que os portistas tinham memória curta quando criticaram as vitórias do Benfica com a “ajuda” dos árbitros. Na semana passada, este facto mereceu a recordação de tudo o que se passou nas hostes portistas quando a PSP entrou pela casa de Madureira, fez buscas, encontrou grande quantidade de dinheiro, de drogas, de material pirotécnico e uma arma, para além de os telemóveis seu e da sua mulher, os quais devem ter dado aos investigadores imenso conteúdo comprometedor entre Madureira e a Direcção da SAD do FC Porto. A verdade é que foram 12 pessoas detidas ligadas a Madureira e ao FC Porto. Inclusivamente Madureira e sua mulher declaravam às Finanças um rendimento mensal de dois mil euros e, no entanto, estão a construir uma casa no valor de milhões de euros junto à praia de Gaia. Naturalmente que este caso não é virgem. Madureira já esteve incluído há mais de 15 anos em vários processos judiciais e ao livrar-se da prisão convenceu-se em absoluto que seria intocável porque tinha a protecção do presidente do FC Porto. E esta acção policial teve a ver precisamente com a última Assembleia-Geral dos portistas onde o grupo de Madureira – às ordens de funcionários do FC Porto que foram agora detidos – agrediu e ameaçou quantos se encontravam no pavilhão e que fossem adeptos da candidatura de André Villas-Boas à presidência do FC Porto. O grupo de Madureira, o célebre ´Super Dragões´, por diversas vezes já tinha ameaçado um grande número de adeptos de outros clubes, jogadores do FC Porto que desejavam deixar o clube, um treinador estrangeiro e árbitros que se negavam a deixar-se corromper. O volume de acções alegadamente criminosas teve agora o seu epílogo nesta “Operação Pretoriano”, um nome que eu apenas entendo dirigir-se directamente ao patrão Pinto da Costa, já que a esquadra pretoriana de Madureira teve sempre as costas quentes do presidente portista. Em face deste escândalo, contactámos uma fonte amiga policial do Porto que nos disse: “Ó meu caro, as acusações ao macaco e ao seu grupo são mais que muitas, existem provas de venda de drogas, de controlo de prostituição de brasileiras, de branqueamento de capitais, de milhares de euros escondidos em casa incluindo atrás do televisor e no interior do sofá, de vendas de bilhetes para jogos a um preço excessivo, fuga ao fisco, ameaças a colegas meus que realizavam patrulhamento junto dos estádios, compra de carros de topo de gama sem justificação coincidente com os rendimentos declarados à Autoridade Fiscal e não tenho dúvidas que haverá mais pessoas a serem nomeadas como arguidas e para se fazer justiça o macaco terá de ficar em prisão preventiva”. Esta opinião demonstra bem que não se trata de uma simples claque que ia para os estádios de futebol gritar em apoio ao seu clube. O caso poderá ser muito mais grave quando a investigação do Ministério Público apresentar provas ao tribunal que na estrutura do FC Porto é que as ordens eram dadas ao grupo de Madureira. Obviamente que há um portista que respira de alívio e estará a pensar que os seus apoiantes não irão ter receio de votar em si. Falamos de André Villas-Boas a quem os seus apoiantes, por mais que uma vez, lhe transmitiram ter receio em ir votar nas próximas eleições para a presidência do FC Porto devido às ameaças que andavam a receber dos cabecilhas do grupo de Madureira agora detidos. À hora que escrevemos esta crónica, os detidos continuavam a ser ouvidos pelo juiz de instrução criminal e as nossas fontes informaram-nos que alguns dos detidos não queriam falar à justiça, mas que o advogado de Madureira tinha-o convencido a prestar declarações. Tudo está em aberto no que deu muito que falar durante a última semana e os interrogatórios poderão ir até entre hoje e quarta-feira, contudo, o que se pode extrair deste facto é que as claques “oficiais” não têm razão de existir e que o futebol deve ser um espectáculo desportivo pacífico e ao qual os pais possam levar os seus filhotes sem medo de violência nas bancadas.
Olavo Rasquinho VozesA criosfera e o clima A forma simplista de nos referirmos ao clima, definindo-o como um sistema constituído por cinco componentes (atmosfera, litosfera, hidrosfera, criosfera e biosfera) que interagem entre si, esconde uma verdade bem mais profunda que consiste no facto de se tratar de um sistema altamente complexo, o que levou o climatologista português Professor José Pinto Peixoto (JPP) (1922-1996), inspirado nas Confissões de Santo Agostinho1, a afirmar: “Quid est clima? (O que é o clima?) Si nemo a me quaerat, scio! (Se ninguém me perguntar, eu sei o que é!) Si quaerenti explicare velim, nescio! (Se me perguntarem e eu quiser explicar, eu não sei!)” Este sistema, de acordo com JPP e Abraham Oort na obra “Physics of Climate”2, escrita em coautoria (1992), está sempre a evoluir e deve ser considerado como uma entidade com vida própria (“[…] the climate is always evolving and it must be regarded as a living entity”). Devido à confusão que por vezes se estabelece entre “tempo” e “clima”, talvez seja conveniente relembrar que são conceitos bem diferentes. Não é correto usar a expressão “condições climatéricas”, frequentemente referida para designar “condições meteorológicas” ou o “tempo”. Recordo-me frequentemente do desabafo de um colega meteorologista que se queixava que «sentia o ouvido arranhar» quando ouvia tal expressão. Por outro lado, o termo “climatérico”, não se deve empregar quando se pretende referir o “clima”. Trata-se de um galicismo que se pode confundir com “climactérico”, palavra que em medicina se refere ao período em que se verificam alterações físicas e psíquicas consideráveis (como, por exemplo, a menopausa e a andropausa). Para aumentar a confusão, e segundo o acordo ortográfico de 1990 (AO90), esse termo médico pode-se também escrever “climatérico”, como, aliás, é referido no Brasil. Os conceitos de “clima” e “tempo” são diferentes. O primeiro refere-se, numa determinada região, às condições meteorológicas médias durante um período mais ou menos longo, de preferência não inferior a trinta anos, enquanto “tempo” (“condições meteorológicas” ou “estado do tempo”) se refere ao que está a acontecer ou a um período relativamente curto. Assim, por exemplo, não se deve afirmar que “o espetáculo ao ar livre foi adiado devido às condições climatéricas”, mas sim “o espetáculo ao ar livre foi adiado devido às condições meteorológicas”. Todas as componentes do sistema climático têm grande importância e, embora a atmosfera seja a componente central, não se pode desprezar o papel que a criosfera desempenha, a qual está a diminuir de extensão em ritmo acelerado devido à fusão do gelo que a compõe. A implicação desta realidade sobre a sustentabilidade da vida na terra justifica que lhe dediquemos alguma atenção. A criosfera é constituída por grandes massas de gelo e de neve continentais, glaciares, gelo marinho, lagos e rios congelados, solo permanentemente congelado (permafrost), solo sazonalmente congelado e precipitação sólida. A redução da área abrangida pelas camadas de gelo e de neve está a provocar diminuição do albedo3 (ou coeficiente de reflexão) médio do planeta. Quanto mais branca é uma superfície, maior é a radiação refletida, ou seja, maior o albedo. A neve e o gelo têm um albedo relativamente elevado, enquanto a água líquida tem um albedo menor, o que faz com que quanto menor for a área abrangida pelo gelo e neve, menor será a radiação solar refletida e, consequentemente, maior a radiação absorvida pelos oceanos. Nas últimas décadas, devido aos gases de efeito de estufa (GEE), o aquecimento global tem causado o degelo de parte significativa da criosfera, o que, juntamente com a dilatação das massas de água oceânicas, também provocada por este aquecimento, continuará a provocar a subida do nível do mar. Segundo o “Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas sobre o Oceano e a Criosfera num Clima em Alteração” (The Intergovernmental Panel on Climate Change Special Report on the Ocean and Cryosphere in a Changing Climate), a taxa de aumento médio global do nível do mar, no período 2006-2015, foi cerca de 2,5 vezes a taxa referente ao período 1901-1990. Por outro lado, a fusão do gelo contido no permafrost implica a libertação de metano, um dos mais poderosos GEE, o que também contribui para a aceleração do aquecimento global. O eventual desaparecimento de toda a criosfera, que atinge uma espessura de cerca de 4 km na parte leste da Antártida e 3 km na Gronelândia, teria consequências drásticas para a sustentabilidade do nosso planeta. Segundo cálculos de cientistas que colaboram com o IPCC, o desaparecimento total dos glaciares implicaria uma subida do nível médio do mar de cerca de 40 cm, a fusão das camadas de gelo da Gronelândia causaria um aumento de 7,2 m e se todo o gelo da Antártida fundisse a subida seria de cerca de 58 m! Entretanto, na segunda metade do século passado, a fusão parcial do gelo dos glaciares e das calotas polares já causaram um aumento do nível do mar de cerca de 2,5 cm, acrescido de cerca de 1 cm devido à fusão parcial do gelo que cobre a Gronelândia. Antevê-se que o ritmo desta subida continuará a aumentar, o que terá como implicações o aumento do fluxo migratório de populações que habitam zonas do litoral mais baixas, nomeadamente em algumas ilhas do Pacífico e do Índico e, num futuro a médio e longo prazo, também dos habitantes das zonas baixas do litoral de alguns países como Bangladeche, China, Índia e Países Baixos. Imagens de satélite da NASA permitem constatar que a área abrangida pela extensão mínima do gelo marinho no Ártico, em 2012, era cerca de metade da extensão mínima referente a 1979. De acordo com o IPCC, as alterações que se antevê que ocorram na criosfera e nos oceanos até ao fim do século XXI, dependem dos cenários de emissões de GEE adotados nos modelos climáticos. Assim, por exemplo, num cenário de altas emissões, as consequências serão bem mais graves do que num cenário de baixas emissões. No entanto, em qualquer dos cenários, a perda de massa de gelo, a degradação do permafrost e o aquecimento, a acidificação e a desoxigenação dos oceanos levar-nos-ão a situações em que a adaptação às alterações climáticas se torna cada vez mais difícil. Referências “Quid est ergo tempus?/Si nemo ex me quaerat, scio/si quaerenti explicare uelim, néscio” (Santo Agostinho, em “Confissões”) Traduzida em mais de vinte línguas, esta obra, publicada em 1992 pelo American Institute of Physics de Nova Iorque, explica como os fenómenos ambientais interagem à escala global, recorrendo a uma abordagem integrada das componentes do sistema climático. O albedo de uma superfície que reflete toda a radiação incidente é 1, enquanto o de uma superfície negra ideal, que absorve toda a radiação é 0. O albedo médio do globo terrestre é cerca de 0,3. O do gelo marinho é entre 0,5 e 0,7 e o do mar alto é cerca de 0,06.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPena de morte No passado dia 25, foi usado pela primeira vez nos Estados Unidos nitrogénio na execução de um prisioneiro condenado à morte. Ao mesmo tempo, um prisioneiro foi executado no Japão e essa execução foi relatada pelo carrasco. Neste artigo faremos uma reflexão sobre a pena de morte. No Alabama, um prisioneiro que tinha assassinado uma mulher a troco de 1.000 dólares foi condenado à pena de morte, através da administração de uma injecção intra-venosa, um procedimento inovador. A execução teve lugar em 2022, mas o procedimento correu mal e o prisioneiro, mesmo tendo recebido várias injecções não morreu. O homem posteriormente processou o estado do Alabama, alegando que tinha sido sujeito a um trauma muito grave. A repetição do procedimento violaria a Oitava Emenda da Constituição dos EUA e seria considerado tratamento cruel e invulgar. No Tribunal de Primeira Instância o prisioneiro perdeu o caso. Seguidamente, apelou para o Tribunal Federal, mas o Governo estatal ignorou o recurso e manteve a decisão. Finalmente, minutos antes da execução, o perdão foi recusado e a sentença acabou por ser aplicada. Neste caso, existem vários aspectos dignos de atenção. Primeiro, devemos reflectir sobre a decisão do Governo estatal. A execução de prisioneiros é a implementação da decisão do tribunal e um acto em defesa da justiça, o que merece respeito. Este respeito decorre do cumprimento, por parte do Governo estatal, da decisão do tribunal e está em consonância com o espírito do Estado de direito. No entanto, antes de o juiz que ia analisar o recurso ter tido oportunidade de se pronunciar, o Governo estatal optou por dar seguimento à execução, ignorando claramente a lei. Pensemos sobre isto, se o Tribunal tivesse decidido a favor do prisioneiro, a execução teria de ser adiada, de acordo com a lei, mas como o Governo estatal não esperou pela decisão do tribunal ele não teve essa oportunidade. Perguntemo-nos, este Governo estatal rege-se pela lei? Obedece ao princípio do Estado de Direito? Que consequências podem ter estas acções? Embora neste caso, a decisão do tribunal não viesse a alterar a decisão, a actuação do Governo estatal ao ignorar a lei não deixa de ser condenável. Se não houver melhoramentos, a credibilidade deste Governo ficará prejudicada de futuro. Segundo, da primeira vez, o insucesso da execução não foi culpa do prisioneiro. Para ele, o castigo já tinha sido aplicado. Assim, o Governo tem o poder de voltar a submetê-lo à mesma punição, não tendo ele cometido um novo crime? Independentemente da existência ou não de uma disposição legal, fazê-lo passar uma segunda vez pelo processo de execução é uma questão altamente controversa. Ora vejamos, se alguém é condenado à pena de morte, a condenação obedece ao princípio “um crime, um castigo”. Depois da primeira tentativa, o prisioneiro foi submetido a um processo muito doloroso, mas teve sorte e não morreu. Mas se tiver de passar outra vez pelo mesmo procedimento, estamos perante um caso de “múltiplos castigos para um crime” o que não é justo. Mas se não for executado, também é injusto para os familiares da pessoa que ele matou, porque efectivamente da primeira vez a pena de morte não foi aplicada. Este assunto divide a opinião pública e os dois pontos de vista são incompatíveis. Só podemos esperar que a bondade e o perdão possam com o tempo reduzir a controvérsia. Terceiro, o Governo estatal tinha optado por um método de execução inovador, a utilização de nitrogénio, usado pela primeira vez para este fim nos Estados Unidos. Primeiro, o condenado é colocado num colete de forças e é-lhe aplicada uma máscara por onde é injectado o gás. Sem oxigénio, morre rapidamente por asfixia. As pessoas que assistiram a esta execução afirmaram que o homem lutou desesperadamente, espumando da boca e que tentou sem sucesso libertar-se da máscara. Agonizou durante 22 minutos. Há certos princípios que devem ser seguidos na execução da pena de morte. Os condenados à pena máxima merecem-na porque cometeram crimes graves. No entanto, o processo de execução não deve ser excessivamente doloroso. Após ser condenado, a execução dever ser efectuada o mais rapidamente possível. O cumprimento destas condições releva respeito pelos prisioneiros e é também uma demonstração de humanidade. Existem muitas formas de executar a pena de morte. O método mais comum é a administração de uma injecção letal. As drogas injectadas têm um efeito hipnótico e fazem parar o coração, pelo que a morte ocorre durante o sono. Desta forma, os condenados morrem pacificamente. O homem que sobreviveu à primeira tentativa de execução recebeu a injecção letal, mas possivelmente porque as drogas não estavam bem doseadas não morreu. Outro método bastante usado, é a cadeira eléctrica, no qual a morte é provocada por vários choques de alta voltagem. Como as pessoas têm condições físicas diferentes e uma resistência diferente à electricidade, não é raro alguns condenados sobreviverem a este método. Existe ainda o pelotão de fuzilamento. Este método também não é doloroso. Desde que as balas atinjam o coração o prisioneiro morre pacificamente. Seja qual for o método aplicado, deve ser assegurado que o executado não passa por um processo muito doloroso. Se existir uma primeira tentativa de execução falhada, levanta-se necessariamente a questão da justiça de uma segunda tentativa. Este artigo focou-se na questão de fazer passar um prisioneiro duas vezes por um processo de execução, mas sabemos qual é que é a atitude das pessoas quando têm de encarar a pena de morte? Como é que os executores se sentem quando têm de aplicar a pena? O artigo da próxima semana vai analisar estas questões a partir de casos de pena de morte no Japão. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesO Bailinho da Madeira A maioria dos caros leitores devem lembrar-se do cantor madeirense, Max, e da sua célebre canção o Bailinho da Madeira. Só que a música agora é outra. Há muitas décadas que a Região Autónoma da Madeira liderada por Alberto João Jardim já deixava os portugueses perplexos com as decisões que o ex-chefe do Executivo madeirense tomava deixando rabos de palha. Reinou até poder e deixou a governar a Madeira o seu delfim Miguel Albuquerque. Este, começou por afirmar que ganharia eleições por maioria absoluta, caso contrário, demitia-se. Não aconteceu e teve de se valer do PAN local para poder continuar na cadeira do poder. Albuquerque, sabem bem os madeirenses, fez sempre o que quis e o que lhe apeteceu com aquele ar de monárquico arrogante. As desconfianças de negociatas obscuras, o compadrio com empresas de amigos, a colocação como presidente da Câmara Municipal do Funchal do seu maior amigo e braço direito, foram sempre uma constante. As pessoas interrogavam-se como era possível uma offshore ter o direito de não dar satisfações nenhumas ao Governo central, a não ser pedir dinheiro. O tempo foi passando e a situação na Madeira passou a ser escandalosa no que tocava a ajustes directos de obras, de concursos públicos irregulares ou ilegais, autorizações para certos grupos hoteleiros e rejeitando outros interessados, compras extravagantes dos mais diferentes materiais e inserção dos mais diversos militantes do PSD regional em lugares-chave da administração pública. Chegou ao ponto de se aproveitar da fama mundial de Cristiano Ronaldo para se promover junto do povo madeirense. O seu Governo gastou milhões de euros deixando sempre um grande número de habitantes da ilha vivendo na miséria em casas quase em ruína. Na semana passada assistimos ao Bailinho da Madeira em forma secreta com um avião da Força Aérea a transportar inspectores da Polícia Judiciária, procuradores e juízes em direcção ao Funchal. A comitiva judicial entrou a matar e realizou as mais diversas buscas, incluindo na casa de Miguel Albuquerque. A primeira conclusão foi a ligação corruptiva entre um grupo português de construção civil e as autoridades madeirenses. Até dinheiro vivo encontraram na casa do presidente da edilidade funchalense e da sua mãe, bem como depósitos bancários injustificados nas suas contas. Foram de imediato detidos o presidente da Câmara do Funchal e dois empresários do referido grupo de construção civil, que pela divulgação de alguns factos ficou a saber-se que os concursos públicos das obras seriam alegadamente fraudulentos para que o tal grupo os vencesse. Mais: o presidente do Governo regional, Miguel Albuquerque, foi constituído arguido e sem qualquer ética e dignidade política, anunciou logo que não se demitia. Neste sentido, o líder do PSD nacional, Luís Montenegro, fechou-se em copas, quando anteriormente teve apressadamente a decisão de anunciar que António Costa se devia demitir depois do tal parágrafo do comunicado da Procuradoria-Geral da República. Desta feita nem uma palavra no sentido de retirar imediatamente a confiança política a Miguel Albuquerque, que acabava de ser suspeito de corrupção e de outros crimes. O ambiente político chegou ao rubro com todos os partidos, excepto os que fazem parte da nova Aliança Democrática, a exigirem a demissão de Albuquerque. Na sexta-feira, Albuquerque já não tinha mais condições políticas para continuar no cargo e anunciou a sua demissão. Depois, assistimos à vergonhosa actuação do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa, que tinha ouvido de viva voz o pedido de demissão do primeiro-ministro António Costa, e acto contínuo, anunciou a dissolução da Assembleia da República e marcou eleições antecipadas e nem aceitou a proposta do Partido Socialista, que tinha a maioria absoluta, de continuar a governar Portugal com outro primeiro-ministro. No caso da Madeira, o Presidente Marcelo, ex-líder do PSD, não teve o mesmo critério político e deixou que o Governo madeirense continuasse no activo com outro político do PSD Madeira à frente do Executivo. Dois pesos e duas medidas contraditórias que vieram manchar, mais uma vez, o mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, que cada vez perde mais popularidade junto do povo. O Presidente Marcelo apenas tinha de dissolver a Assembleia Legislativa regional e marcar eleições assim que a lei o permitisse, no caso concreto para o mês de Março. Como devem imaginar assistimos ao aproveitamento político da situação por parte do Chega de André Ventura, que esfregou as mãos de contente na esperança de conseguir obter uma votação superior ao PSD devido à inoperância de Luís Montenegro, nas próximas eleições de 10 de Março. Naturalmente que este caso é gravíssimo quando estão em causa vários crimes graves por parte das autoridades madeirenses, especialmente a detenção do presidente da Câmara do Funchal, o homem de maior confiança de Miguel Albuquerque. Estamos perante mais um caso que fará correr muita água por baixo das pontes, já que será o tribunal a decidir o futuro dos suspeitos por corrupção em grande escala e de outros crimes graves. No entanto, lembremo-nos do caso Sócrates, que na semana passada voltou ao início passados anos e voltou a ser acusado de vários crimes na companhia de vários arguidos e cujo “caso Marquês” continuará para as calendas. Quanto aos ilhéus irão continuar num Bailinho da Madeira com fanfarra repleta de interrogações.
Carlos Coutinho VozesCemitérios pacificados e cadáveres adiados UMA boa espreguiçadela, após o despertar e logo seguida do duche matinal, pode render um dia descontraído, se não começarmos por esbarrar em notícias como esta: a de que, impudicamente, os partidos neonazis europeus – por exemplo, a mais lepenizada extrema-direita francesa e a revanchista peste papista polaca – lideram as sondagens, tal como acontece na Áustria, na Alemanha e na Suécia, crescendo também alegremente em Portugal. Estas forças de má catadura vão conquistar entre 183 e 197 dos 720 lugares na próxima legislatura do Parlamento Europeu (PE), 25% do total de representações nacionais, ultrapassando os 25% necessários para escolha dos titulares dos cargos de topo nas instituições comunitárias e para a aprovação de legislação comunitária. É isto que se pode ver embasbacadamente num estudo do European Centre on Foreign Relations que, no dizer especialista nestes assuntos Kevin Cunningham, participante no referido estudo, já se antevê: “A composição do PE vai deslocar-se acentuadamente para a direita nas eleições de Junho, o que poderá ter implicações significativas para a capacidade da Comissão Europeia.” A horda neonazi, sob o título bem-sonante Identidade e Democracia deverá ocupar a terceira maior bancada do PE. Dá para ir à janela e gritar “aqui d’el rei!” O que deu a um professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa chamado Nuno Severiano Teixeira, que foi ministro da Administração Interna, com Guterres, e ministro e da Defesa Nacional, com Sócrates, e é agora director do Instituto Português de Relações Internacionais, foi fingir que Netanyahu é um pacato israelita sem pecados demonstráveis e que “na Rússia, Putin concorre, em Março, para o seu quinto mandato e não enfrentará qualquer oposição real. Todos os opositores possíveis estão presos, exilados ou envenenados. A vitória é certa e a coroação imperial também.” Não espantaria Nuno Severiano, pelos vistos, que alguns milhares de cadáveres fossem encontrados entre os destroços da Faixa de Gaza, nas valas comuns do Vietname, nos calabouços de Guantánamo ou entre as ruínas iraquianas. Mesmo assim, não me entra no bestunto a ideia de que as rapinas neocoloniais de alguns membros da NATO, bem como a perda da soberania nacional pelos 27 sócios da União Europeia, chegue para justificar o comportamento dos nazificados judeus de Israel e que estes, sob a compreensão ou mesmo a protecção de certas democracias liberais, possam impune e livremente proceder ao genocídio que prosseguem na Faixa de Gaza e na Palestina Ocupada, indo ao ponto de destruir cemitérios e deixar cadáveres a descoberto entre os destroços. Segundo a televisão norte-americana, a americaníssima CNN bem nossa conhecida, pelo menos 16 cemitérios da Faixa de Gaza foram completamente arrasados pelo Exército israelita, o que, aliás, classifica como “uma prática sistemática”. Por outro lado, já em Dezembro, “The New York Times” reportava imagens de satélite que mostram imagens de 6 cemitérios da Faixa de Gaza muito danificados em consequência de uma acção militar sionista. Cadáveres adiados FARIA hoje 470 anos um infeliz rei misógino e sedento de glória que se chamava Sebastião e, ao contrário do que Fernando Pessoa escreveu 400 anos mais tarde, foi um cadáver adiado por pouco mais de uma década, mas nunca procriou. No torvelinho da lendas e mitos que entram na nossa história, teremos ficado com a memória embotada, a pontos de nem repararmos no belo erro do poeta da “Mensagem”? Confirme-se, então: Louco, sim, louco, porque quis grandeza Qual a Sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que há. Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nela ia. Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria? Sebastião I de Portugal e Algarves, que encabeçou uma cruzada para Alcácer Quibir no dia 4 de agosto de 1578 e foi tema de lendas e narrativas, apelidado como “o Desejado”, “o Encoberto” e “o Adormecido”, ascendeu ao trono muito jovem, com apenas 3 anos, após a morte de seu avô, o Rei D. João III, sendo por isso, instaurada em Lisboa uma regência durante a sua menoridade, primeiro pela sua avó, a Rainha Catarina da Áustria e, depois, pelo seu tio-avô o cardeal D. Henrique, o filho de rei que foi o primeiro grande chefe da Inquisição em Portugal. Muitas foram as hipóteses geradas pela morte do tresloucado Sebastiãozinho, considerando algumas que o efeminado rei cruzado não morreu durante a batalha de Alcácer Quibir, visto haver sido raptado, pouco depois do desembarque e levado para essa cidade mourisca e providencial. O que é certo é que ele começou a governar com apenas 17 anos e logo se lançou na sua aventura africana, assim fornecendo a diversos tipos de portugueses a inebriante e salvífica crença de que haveria de regressar à pátria numa manhã de nevoeiro como a que tenho neste momento à beira-Tejo. Mas lendas, crenças e mistificações patrioteiras é o que mais abunda nos programas escolares de antigamente e mesmo na cabeça de muitos professores em exercício. A própria cidade de Lisboa ainda é geralmente apregoada como uma conquista do fogoso príncipe vimaranense filho da Tareja condessa portucalense, depois de uma conversa tida algures com um Cristo enorme rodeado de anjos, num dos vários Ouriques que havia a norte e a sul do Tejo. É pena que assim continuemos, já que algo idêntico se passa com a velhíssima cidade de Lisboa, sendo certo que até nas universidades e academias é geral a ignorância sobre a criação fenícia da Alis Ubo (Enseada Amena), topónimo que calcorreou um milenar percurso fonético até estanciar com a designação atual. Só que teve de passar pelo nome romano de Felicitas Julia Olisipo, pelo árabe Al-ashbuna e pelo Lyxbone, como aparece na carta intitulada “De repugnatione lyxbonensi”, assinada pelo erudito cruzado britânico Osberno, um eclesiástico amante de lanças e espadas, e se encontra no acervo na Universidade de Cambridge, tal como outra, mais sucinta, subscrita por Arnulfo, também cruzado no cerco, conquista e saque de Lisboa. Em 1147, quando os predadores, a caminho de novas rapinas, seguiram para oriente, entregaram a Afonso Henriques, o catolicíssimo rei minhoto, filho de uma autoproclamada rainha e de um conde francês, uma urbe formidavelmente evoluída com cerca de 20 mil residentes. Muitos lhe chamavam então qualquer coisa parecida com Lisboa, designação que frequentes vezes aparece nos documentos na forma abreviada de Lx. Felizmente, é já vasta e muito saudável a historiografia actual em que me foi possível escabichar a matéria deste meu descontraído apontamento.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAdeus, Jockey Club O encerramento do Macau Jockey Club foi uma das principais notícias da semana passada na cidade. A 15 de Janeiro último, o Governo de Macau e o Jockey Club assinaram um documento que pôs fim ao contrato de concessão do espaço para corridas de cavalos. Em 2018, o Governo prolongou a validade da concessão até 31 de Agosto de 2042. Devido a dificuldades administrativas, o Jockey Club pediu o fim do contrato. A partir do próximo dia 1 de Abril o Jockey Club irá suspender todos os eventos, mas irá manter as instalações para os seus membros. Actualmente, o Jockey Club tem 254 trabalhadores locais e 316 trabalhadores estrangeiros. O clube afirmou que, de acordo com a lei, vai pagar indemnizações pelos despedimentos. Os 289 cavalos serão transferidos para a China continental até ao final de Março de 2025. O Governo afirmou que, após o fim da franquia do Jockey Club, retomará o hipódromo para uso futuro e também que não voltará a aceitar ofertas públicas para conceder o espaço para fins hípicos. O Jockey Club tem mais um ano para usar as instalações. O acordo entre o Jockey Club e o Governo é encarado de várias maneiras pela sociedade. Primeiro, o Jockey Club vai transferir 289 cavalos para a China continental. Ao contrário do que aconteceu com o encerramento do canídromo onde viviam os galgos, na sequência do qual os cães puderam ser adoptados pelos residentes, quando o Jockey Club fechar, é muito pouco provável que os habitantes de Macau possam vir a adoptar os cavalos. O que preocupa mais as pessoas que defendem os direitos dos animais é se eles serão bem tratados depois de deixarem Macau, e se alguns animais mais fracos e doentes conseguirão sobreviver. Segundo, após o fim da franquia do Jockey Club, o Governo vai reaver o terreno para uso futuro. Os edifícios que se encontram em frente ao hipódromo têm uma exelente vista. Com o encerramento do espaço, o preço destas casas pode ser afectado. No entanto, ainda não se sabe a que poderá ser destinado, pelo que para já, terá pouco impacto no valor das propriedades. Além disso, o hipódromo tem uma grande área relvada. Após a saída do Jockey Club, e antes que o espaço seja destinado a outro uso, o local pode ser aberto ao público como espaço de lazer, permitindo que as famílias possam descontrair e fazer picnics ao ar livre. Não seria óptimo poder desfrutar de banhos de sol dentro da cidade? Terceiro, o Governo vai deixar de aceitar licitações públicas para fins hípicos, o que significa que deixará de haver corridas de cavalos em Macau. Alguns internautas sugeriram que se deveria considerar a possibilidade de passar a gestão do Jockey Club a outra empresa para que as corridas de cavalos continuem a existir. Devido a dificuldades de vária ordem, o Jockey Club acumulou perdas no valor de 2,5 mil milhões o que o conduziu ao seu encerramento. Não se sabe se o Jockey Club passaria a dar lucro se fosse gerido por outra empresa. No mundo dos negócios, as empresas têm de avaliar todos os factores antes de fazer investimentos. Antes que haja mais informação, é improvável que qualquer empresa queira assumir a gestão do Jockey Club. Mas mais do que isso, o Governo deixou bem claro que não voltará a aceitar ofertas públicas para conceder o recinto para fins hípicos. Pedir ao Governo que aceite uma nova empresa gestora do Jockey Club é pedir-lhe que mude a sua decisão, o que é extremamente difícil. Sem o Jockey Club, aos fãs das corridas de cavalos restarão apenas as memórias. Por isso mesmo, o pedido da reabertura do clube gerido por uma nova empresa deve ser considerado, não apenas por motivos comerciais, mas também por motivos sentimentais. O Jockey Club tem uma história de 44 anos. O clube não só contém as memórias dos fãs, mas também as memórias de uma geração. Nos anos 80 do século passado, quando os Governos da China e da Grã-Bretanha estavam a negociar a questão de Hong Kong, existia uma frase célebre que dizia o seguinte: “As corridas de cavalos e os bailes hão-de sempre existir.” (馬照跑, 舞照跳) Com isto queria-se dizer que Hong Kong continuaria a ser estável e próspero após a reunificação. Depois das negociações sino-britânicas terem terminado, começaram de imediato as negociações luso-chinesas. A ideia de que “as corridas de cavalos e os bailes hão-de sempre existir” também se aplicava a Macau, porque nesta cidade também existiam corridas de cavalos. Não é de estranhar que as memórias colectivas em torno destas corridas dessem à comunidade uma voz em defesa da sua continuidade, e que as pessoas peçam que se entregue a gestão do Jockey Club a uma nova empresa. Quarto, o Jockey Club tem mais um ano para usar as instalações para resolver a questão do destino dos cavalos. Durante este período, poderá reconsiderar-se a abertura do hipódromo para que os residentes e os turistas possam tirar fotos com os cavalos? Os residentes podiam tirar fotos que ficavam como lembrança, os turistas podiam ter mais um lugar para visitar e a sociedade teria mais uma actividade para revitalizar a economia, e todos saíam a ganhar. Se fosse construído um Museu do Jockey Club no espaço do hipódromo que reunisse as memórias colectivas, à semelhança do Museu do Grande Prémio de Macau, junto da Universidade Politécnica, poderíamos vir a ter mais uma atracção turística. O Jockey Club vai deixar-nos em breve, e nós ficamos profundamente tristes. Digamos-lhe adeus. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesO congresso dos desiludidos Na semana passada realizou-se o 5.º Congresso dos Jornalistas. Como tenho o hábito de escrever num blogue sobre jornalismo fui convidado como observador para o congresso. Foi-me totalmente impossível estar presente porque resido longe de Lisboa. No entanto, acompanhei pela comunicação social o discurso do Presidente da República na abertura dos trabalhos e fiquei profundamente chocado com as verdades proferidas pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa, de quem me lembro bem dos tempos em que foi jornalista no Expresso. O Presidente Marcelo meteu o dedo na ferida quando afirmou que acima de tudo é necessária muita transparência sobre a propriedade dos jornais, rádios ou televisões. Nada mais certo. Os jornalistas que trabalham para o Global Media Group vivem momentos de angústia porque não receberam os salários de Dezembro e muito menos o subsídio de Natal. Alegadamente ninguém consegue divulgar quem são os accionistas do Grupo e qual a razão de o Ministério Público não levar a efeito uma investigação sobre o assunto. O Congresso dos Jornalistas tentou debater e abordar os problemas da classe. Não conseguiu porque a lista é infindável. Antes do 25 de Abril os jornalistas como Cáceres Monteiro, Baptista-Bastos, Joaquim Letria, José Carlos Vasconcelos, Carlos Albino, Augusto Vilela, Ruella Ramos, Herculano Carreira, Raul Rego ou Assis Pacheco enfrentavam a censura sem receio de serem presos pela PIDE. Escreviam o que conseguiam que o lápis azul não riscasse e lutavam por um dia existir liberdade de informação em Portugal. No Congresso, a maioria dos presentes era composta por jovens sonhadores para quem o jornalismo é a melhor forma de servir o povo em termos de notícias, investigação ou reportagem. São jovens que sentem que se não existe censura oficial existe a censura de quem serve os patrões nos cargos de direcção ou são obrigados a autocensurar os temas que obtêm, antes que sejam despedidos. São jovens que recebem um salário mínimo, muitos a recibos verdes e impossibilitados, tais como outros jovens, de contrair família e comprar uma casa. O jornalismo de hoje, seja nos jornais, rádio ou televisão é tão desinteressante que os potenciais leitores, ouvintes ou espectadores optam pelas redes sociais ou pela informação que obtêm nos telemóveis. A venda de jornais está em decadência e uma vendedora de jornais de um quiosque na cidade do Porto transmitiu-me que nunca devolveu tantas sobras de jornais como agora. Neste sentido, qual o futuro que os actuais jornalistas podem esperar? Nem sequer têm ao seu lado, nas redacções, jornalistas seniores que lhes ajudem a fundamentar um artigo com dados históricos de há 40, 50 ou 60 anos. Os donos de jornais só querem contratar jornalistas cuja despesa seja mínima e conheço alguns jornalistas que até usam o seu próprio computador. Os meus caros leitores não fazem ideia quantos dos presentes no Congresso já me escreveram, sabendo que tenho alguns amigos em Macau, da possibilidade de irem trabalhar para a RAEM. Obviamente que lhes respondo não conhecer directores de jornais em Macau que os possam contratar e limito-me a aconselhá-los que entrem em contacto com os jornais macaenses na perspectiva de terem uma resposta positiva. São jovens com o curso superior de jornalismo, são sonhadores de um dia poderem ter a liberdade de escrever o que lhes vem à mente. O debate sobre jornalismo é peculiar e imprevisível. Em nenhum órgão de comunicação social temos profissionais com a liberdade total que prometeram em 25 de Abril de 1974. E depois, acontece o que mais nos entristece. Muitos jornalistas são obrigados ao mercenarismo e a trocar o seu talento por algo pecuniário em troca de uma entrevista. Um crime no jornalismo. Recordo o jornalista do semanário ‘Tempo’, Nuno Rocha, que um dia me disse que no seu jornal começavam a trabalhar estagiários impreparados e com mentalidade mercenária que apenas estavam a visar obter um lugar em qualquer lado que lhes desse muito dinheiro por fora. Nuno Rocha tinha razão. Alguns deixaram o seu jornal e debandaram para a vida fácil de apenas escreverem sob a “ordem do dono”. As conclusões do Congresso dos Jornalistas não as consegui obter, mas tenho a certeza que o maior número dos presentes saiu da sala muito desiludido, porque não viram soluções para os seus problemas. A esses, dou-lhes um conselho: criem uma cooperativa de informação e sejam o director, o chefe de redacção, o editor de um jornal que prime essencialmente pela liberdade de informação e pela independência. Não podem ficar desiludidos. Não pode ter sido o Congresso dos desiludidos. Têm de lutar muito pela sua carreira contra ventos e tempestades. No essencial, têm de mostrar que o jornalismo é uma das profissões mais nobres que existem no mundo. A amargura reinante hoje no seio dos jornalistas portugueses tem de dar lugar à alegria de o seu nome ser honrado e louvado até ao fim da carreira.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesOnde o legado de Gao Yaojie não chegou Em 2013 dei aulas numa universidade privada na China. Os alunos esforçavam-se para serem rebeldes. Queriam dar a entender que sabiam do mundo, que já tinham tido experiências. Fumavam nos intervalos ainda que não fosse permitido. Falavam sobre sexo e amor. Um aluno, sem medos, dizia-me que gostava de homens. Senti que ele quis chocar, com a sua frontalidade, mas a descrição chinesa não era a minha norma. A mim nada me chocava particularmente. Fui a quinta professora naquele ano lectivo, aguentei-me um semestre inteiro. A turma era muito desinteressada naquilo que se devia trabalhar, e, para quem ensina, a sensação era de exaustão constante. As aulas eram de conversação em inglês, por isso tentei falar sobre esses temas que eles tanto queriam falar. Tentei puxá-los com migalhas para o que estava a acontecer naquela sala de aula. Se eles queriam falar sobre sexo, então falámos sobre saúde sexual também. Pensei que se no ocidente a educação sexual tem falta de educação para o prazer, imaginei que a educação sexual na China estivesse, simplesmente, em falta. Quando mencionei o VIH, deparei-me com total desinteresse e desinformação. Diziam que sabiam o que era, que era um problema das crianças nas zonas rurais. E eu, fiquei estupefacta. Talvez a única vez que me chocaram. Primeiro, porque não sabia do flagelo da SIDA nas zonas rurais, especialmente em Henan. Segundo, porque assisti a uma estratégia retórica que justificava o distanciamento. Ao reduzir o vírus da SIDA a uma população que lhes era distante, conseguiam distanciar-se o suficiente do problema para julgá-lo fora do seu alcance. Foi aí que lhes perguntei: quais são as formas de transmissão do vírus da SIDA? Ninguém soube responder. Quando a 10 de Dezembro de 2023 morreu Gao Yaojie, lembrei-me deste episódio. O legado de Gao Yaojie é imenso, e diria, até, maravilhoso. A sua resiliência é quase heróica. Desde a resistir à opressão da revolução cultural, que a impediu de exercer ginecologia durante 7 anos, altura em que a obrigaram a limpar casas de banho no Hospital, até à tentativa de suicídio, falhada, que a orientou para a total devoção aos outros com menos recursos e possibilidades. Ela tentou denunciar uma crise que em muito poderia ter sido prevenida. Cerca de um milhão de pessoas contraiu o vírus da SIDA na província de Henan, nas zonas rurais, por má prática e gestão na recolha de sangue. Uma crise de saúde pública e social alastrou-se a partir dos meados dos anos 90. Crianças órfãs com o vírus foram deixadas ao abandono, o estigma obrigando-as ao distanciamento. Gao Yaojie ter-se-á revoltado. Era ignorada, mas resistia. Não deixava de fazer o seu trabalho ao tentar aliviar o sofrimento a que assistia. Inclusive, comprava do seu próprio bolso medicação que aliviasse os sintomas destas pessoas. Também imprimia panfletos informativos sobre o vírus e sobre a sua transmissão. Nas grandes cidades o vírus da SIDA era um pouco mais conhecido. A sua transmissão sexual provavelmente mais claramente discutida, principalmente no âmbito do comércio do sexo. Nas zonas rurais a morte parecia ter-se alastrado sem ninguém perceber bem porquê. Até que foi Gao Yaojie, já reformada, que desvendou o mistério, e muito tentou responsabilizar os culpados, ainda que implicasse um escândalo governamental. Em vez de abafar tudo o que estava a acontecer, quis prevenir mais contágio. Tentou informar que para além do risco de doar sangue nestas unidades móveis sem cuidados de higiene alguns, que as relações sexuais, bem como a transferência de fluidos no parto e na amamentação também ajudavam na propagação do vírus. Morreu exilada, mas reconhecida por muitos na China, e fora dela. Talvez o seu legado não tenha chegado tão longe quanto gostássemos. A prova é esta história, anedótica, dos miúdos rebeldes que sabiam muito sobre sexo, mas não tanto sobre os seus riscos. Apesar do vírus já não ser a sentença de morte que foi no passado, o risco de contágio ainda existe. Recomenda-se que pessoas com uma actividade sexual activa tomem as devidas precauções e que se testem com alguma regularidade para o vírus da SIDA e outras infeções sexualmente transmissíveis: o legado de Gao Yaojie que ainda importa manter vivo.
Hoje Macau VozesSobre o fim das corridas de cavalos em Macau Jorge Godinho* A indústria do jogo é rica e diversificada e, sobretudo, muito dinâmica. Alguns jogos crescem e atraem muita procura, como o bacará ou as apostas desportivas. Outras tipologias de jogo, pelo contrário, perdem terreno e vão sendo aos poucos abandonadas pelo público apostador. É o caso, olhando para a realidade de Macau, das apostas em corridas de cavalos, ou, olhando para Portugal, do totobola ou do bingo. As preferências e modas mudam, as várias gerações têm diferentes prioridades, a tecnologia evolui e potencia novos formatos de jogo. Deste modo, mudam os interesses dos jogadores; e o comportamento dos jogadores nunca é totalmente previsível. Falamos muito dos jogos que têm grande sucesso e pouco dos que vão perdendo popularidade, procura e receita. Coloca-se aqui uma questão de fundo: quando uma tipologia de jogo começa a ter cada vez menos procura, o que deve o regulador fazer? Deve fechar ou deve tentar “salvar” a operação? Por vezes tenta-se “salvar” uma certa tipologia de jogo moribunda através da atribuição à empresa que a explora de mais ou novas espécies de jogo, como slot machines. Nos Estados Unidos fala-se a este propósito de “racinos” (horse racing+casino), ou seja, operações de corridas de cavalos onde também existem máquinas de jogo para ajudar a financiar a operação e de a tornar sustentável. Esta opção foi adoptada em Macau perante o falhanço financeiro das lotarias instantâneas (as chamadas “raspadinhas”), que nunca se implantaram, e existem hoje apenas de forma puramente nominal. A exploração começou em Dezembro de 1984, mas nunca teve grande sucesso. Como forma de “salvar” a operação, a concessionária respectiva foi autorizada em 1998 a operar igualmente apostas desportivas à cota. As lotarias instantâneas continuam a existir, mas têm uma receita bruta mínima, muito próxima do zero. A ligação com as apostas desportivas parece ser a única explicação para sua continuidade. Com efeito, perante a ausência de procura, o que se fez em 1998, ainda durante a administração portuguesa, foi atribuir à concessionária da exploração das lotarias instantâneas o direito de operar uma nova e completamente diferente tipologia de jogo: as apostas desportivas (que foram denominadas de “lotarias desportivas”). Esta forma de “salvar” um segmento da indústria do jogo não nos parece correcta. Desde logo porque na prática não é uma “salvação”, mas sim uma transformação. Na verdade, o regulador acaba quase sempre por andar a correr atrás do mercado e não há muito que possa fazer. Se não existe uma procura sustentada, nomeadamente porque uma tipologia de jogo passou de moda ou perdeu o interesse do público, ou só é procurada por uma população envelhecida que joga cada vez menos, é difícil ou impossível ressuscitar uma procura que não existe. Em Portugal, em relação ao totobola (que está moribundo e irremediavelmente ferido de morte) não se coloca a necessidade de o “salvar” visto que gravita no universo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que oferece uma vasta gama de tipologias de jogo. Nomeadamente, foi recentemente lançada pela Santa Casa uma nova lotaria transnacional denominada «EuroDreams». Este problema ocorre hoje nos bingos em Portugal, que sucessivos Governos tentam sem sucesso “salvar” da extinção. Perante a cada vez mais reduzida procura desta tipologia de jogo, os operadores dos bingos oferecem uma solução: segundo notícias vindas a público, pretendem operar “bingo electrónico” ou mesmo apostas desportivas; passando assim, na prática, a operar tipologias de jogo muito diversas. Na nossa opinião, tal não deve acontecer. Quando a procura não existe ou é insuficiente, e a operação de uma certa tipologia de jogo não é sustentável, só resta encarar a realidade de frente e encerrar a actividade. Assim, cabe reconhecer que a decisão do Governo de Macau, anunciada em 15 de Janeiro de 2024, de rescindir o contrato de concessão das apostas em corridas de cavalos, era a única possível. * Professor de direito do jogo jg.macau@gmail.com
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAcidentes de aviação O voo 516 da Japan Airlines colidiu com um avião da Guarda Costeira quando se preparava para aterrar no Aeroporto Haneda, em Tóquio, durante a tarde do passado dia 2 de Janeiro. As 379 pessoas que seguiam a bordo da aeronave da JAL escaparam com vida, mas dos 6 ocupantes do avião da Guarda Costeira apenas o comandante sobreviveu. A comunicação social divulgou o registo das conversas entre os dois pilotos e a torre de controlo, pelo que se pôde perceber que o avião da Guarda Costeira teve autorização para descolar. O Governo japonês declarou ter recuperado a caixa negra deste último e a Polícia Metropolitana de Tóquio destacou uma equipa para levar a cabo uma investigação, existindo a suspeita de negligência empresarial. Quando ocorreu o acidente, o avião pegou fogo e o trem de aterragem desabou, fazendo com que o nariz do avião da JAL ficasse virado para baixo e a cauda para cima. Os passageiros foram evacuados por duas saídas da parte da frente e por uma outra da parte de trás, para as quais tiveram de escalar no meio de fumo espesso. Devido à intensidade do fogo, apenas estas três saídas estavam acessíveis. Apesar de todas as dificuldades, a tripulação do avião da JAL conseguiu evacuar todos os passageiros em apenas 90 segundos. A rapidez da resposta foi surpreendente. Claro que o facto de as pessoas não se terem preocupado em recuperar as bagagens também ajudou à rápida evacuação. Não admira que Ed Galea, professor e director do Centro de Engenharia de Segurança contra Incêndios da Universidade de Greenwich, no Reino Unido, tenha dito que a evacuação da JAL foi um “milagre”. Graham Braithwaite, professor de segurança e investigação de acidentes na Universidade de Cranfield, no Reino Unido, disse que foi um desastre ocorrido há quase 40 anos que tornou a JAL uma companhia aérea altamente segura. A 12 de Agosto de 1985, o voo 123 da JAL caiu enquanto ia de Tóquio para Osaka, tendo morrido 520 pessoas das 524 que se encontravam a bordo. O acidente aconteceu porque os mecânicos da Boeing, não os da JAL, não tinham reparado devidamente a cauda do avião depois de este ter sofrido uma colisão muitos anos antes. Por este motivo, o desgaste mecânico deu origem a uma explosão que danificou uma das asas e o sistema hidráulico. O avião acabou por perder o controlo e despenhou-se a cerca de 100 quilómetros de Tóquio, 44 minutos depois de ter descolado. Foi o desastre aéreo mais mortal da história da aviação. Os japoneses fazem questão de aprender com os erros e de assegurar que estes não se repitam. Em 2005, a JAL dedicou uma zona das suas instalações para que fossem expostos os destroços do avião e onde se explicava em detalhe as causas do acidente. Embora os aviões sejam um dos meios de transporte mais seguros, os acidentes ainda podem acontecer. Dados do U.S. National Transportation Safety Board (Conselho Nacional de Segurança de Transporte dos EUA) demonstram que, desde que os passageiros tomem as medidas correctas, continua a existir uma percentagem de 76,6 por cento de hipóteses de sobrevivência mesmo em casos de acidentes graves. As medidas de segurança são as seguintes: Em primeiro lugar, quando se compra um bilhete, é preferível escolher um lugar nas cinco filas a seguir à saída de emergência. Se acontecer um acidente, os passageiros que estão mais perto da saída de emergência saem imediatamente. Em segundo lugar, a maior parte dos acidentes ocorrem nos 3 minutos a seguir à descolagem e nos 8 minutos que antecedem a aterragem. Nestes períodos, os passageiros devem estar acordados, usar sapatos rasos, não sapatos com saltos, não devem tomar bebidas alcoólicas e devem apertar sempre os cintos de segurança. Em terceiro lugar, 90 segundos após o acidente, as chamas vão queimar a fuselagem da aeronave. Por isso, é preferível que os passageiros fujam durante os 90 segundos que precedem o incêndio, abandonando a bagagem para evitar adiar a evacuação. Muitas pessoas viajam no Ano Novo. Os turistas devem viajar com amigos para tomarem conta uns dos outros. Também devem comunicar aos familiares em que avião viajam e qual o itinerário para que possam entrar em contacto e receber apoio se for caso disso. Devemos prestar mais atenção às medidas de segurança quando viajamos de avião. Claro que também é indispensável adquirir um seguro que inclua assistência médica para garantir que podemos ter cuidados de saúde na eventualidade de um acidente. Estas são as regras para viagens felizes e devemos obedecer-lhes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesA verdade escondida A democracia em Portugal atravessa momentos de grande degradação e preocupação. Tudo teve o seu início quando o Presidente da República iniciou um diferendo contínuo como primeiro-ministro. Marcelo Rebelo de Sousa habituou-se desde os tempos de jornalista no Expresso a criar factos políticos. Nesse tempo, lembramo-nos dos conteúdos polémicos dos seus artigos, os quais nunca eram provados. Depois, como comentador televisivo pronunciava-se de modo que deixava sempre a dúvida em quem ouvia as suas teses políticas. Eleito Chefe de Estado demitiu um Governo e mais tarde nunca perdoou que o Partido Socialista obtivesse uma maioria absoluta. A fim de não destruir a popularidade angariada percorreu alguns anos a dar a ideia que estava ao lado das decisões de António Costa. Até que se começou a perceber que Marcelo Rebelo de Sousa não estava nada interessado na continuação de Costa no poder e os observadores políticos independentes deixaram a ideia que estava a nascer uma cabala versus contra-revolução chefiada por Rebelo de Sousa de modo bem escondido, para não se dizer de índole secreta, entre os políticos e comentadores televisivos de direita. A gravidade dessa desconfiança veio a descambar numa aliança sobejamente declarada entre a procuradora-geral da República e o próprio Marcelo. Ao ponto de termos assistido à incompreensível inserção de um parágrafo num comunicado da Procuradoria-Geral da República que denunciava uma investigação judicial que atingia o primeiro-ministro. Obviamente que António Costa a partir desse facto não tinha outra opção senão pedir a demissão da chefia do Governo. Marcelo Rebelo de Sousa deve ter dormido descansado e pensado que as suas intenções estavam em marcha. Isto, porque o próprio Conselho de Estado não patenteou uma maioria a favor da dissolução da Assembleia da República. O Presidente Marcelo podia perfeitamente ter aceitado a proposta de António Costa, de que o seu partido com uma maioria absoluta poderia continuar a governar com um novo primeiro-ministro. Não foi o que aconteceu. Marcelo Rebelo de Sousa usou de imediato os seus poderes e aceitou a demissão de António Costa e marcou eleições legislativas antecipadas. De imediato, a direita chefiada por Luís Montenegro, um político com telhados de vidro e sem qualquer experiência governativa, recebeu logo o apoio de Marcelo Rebelo de Sousa para se manter como líder do PSD quando no interior do partido os militantes desejavam uma mudança na liderança para Passos Coelho ou para Carlos Moedas. Montenegro venceu o diferendo e consequentemente muitas personalidades têm abandonado o PSD, inclusivamente o prestigiado deputado Maló de Abreu. No entanto, Montenegro tinha de cumprir as intenções contra-revolucionárias do Presidente Marcelo e, nesse sentido, constituiu uma Aliança Democrática (AD) que ainda veio piorar o ambiente no seio dos sociais-democratas. Naturalmente que a cabala está há muito tempo escondida e agora ninguém nos convence que Montenegro não haverá de mudar de ideias quando disse que nada queria com o Chega. A dita AD se obtiver uma maioria relativa está na cara que chamará o Chega para conseguir formar uma maioria absoluta e governar. Ora aí está, a cabala em todo o seu esplendor, a democracia com neonazis no Governo correrá o perigo de descambar em mais censura – como se tem verificado no Global Media Group, do chinês de Macau Kevin Ho e que tanto tem dado que falar -, mais prepotência, mais privatizações, mais despedimentos de trabalhadores de esquerda e em resumo, uma democracia fantoche que reduziria salários, pensões e subsídios sociais. O povo voltaria a sofrer mais do que presentemente acontece e os grandes projectos seriam imbuídos de muito mais corrupção. Em face de tudo isto, Marcelo rebelo de Sousa tem sido indubitavelmente o chefe da “verdade escondida”. Uma verdade triste porque introduziu muitos factos políticos, desde o pedido de demissão de João Galamba, à detenção do chefe de Gabinete e do melhor amigo de António Costa, mas que o juiz do processo decidiu pela sua liberdade por falta de provas do Ministério Público (MP). Um MP que tem sido contestado em todos os areópagos da política decente, ou seja, dos colunistas independentes e dos próprios políticos socialistas e não só. O MP que resolveu manter vários ministros sob escuta telefónica durante vários anos, o que por si só demonstra que existia uma cabala para demitir o Governo chefiado por António Costa. Contudo, a cabala dos direitistas ainda não terminou: agora as setas estão viradas diariamente contra o alvo Pedro Nuno Santos e todos os males e toda os erros têm sido apontados ao novo líder socialista. A intenção é clara: a esquerda política não pode vencer as eleições de 10 de Março, porque isso seria uma heregia para quem tanto sonha em voltar ao poder deixando Portugal com um défice negativo e com uma maior dívida pública, porque essa é a prática generalizada em Portugal e nos outros países onde a extrema-direita mete o pé. Abordámos anteriormente o papel do Chega, que no maior cariz de populismo atreveu-se a anunciar que pretendia ser governo. O Chega não é o que alguns pensam. Não é um partido popular, os portugueses na sua grande maioria não querem regressar ao 24 de Abril de 1974. E veremos que no dia das eleições milhares de indecisos se vão recordar dos tempos da PIDE, das prisões, das torturas e das deportações, decidindo por não votar no Chega. As sondagens quase sempre se têm enganado e aqueles que já projectam para o Chega uma percentagem a rondar os 20 pontos, podem estar certos que o Chega não terá mais do que 15 por cento. O povo habituou-se a protestar, mas também a viver em democracia. Nesse sentido, é caso para escrever a velha máxima de que “o fascismo não passará”, mesmo com verdades escondidas.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesEstejamos alerta em 2024 Ao entrarmos em 2024, quero antes de mais nada desejar aos nossos leitores um ano seguro e feliz. Comparado com a Ucrânia e com Gaza, onde a guerra ainda continua, Macau pode considerar que tem sorte. Mas as pessoas têm de enfrentar a realidade, especialmente os jornalistas, que não podem contar apenas histórias bonitas, porque 2024 vai ser um ano repleto de dificuldades e de desafios para a Humanidade. O Index Hang Seng de Hong Kong fechou nos 19.781,41 pontos a 30 de Dezembro de 2022 e nos 17.047.39 pontos a 29 de Dezembro de 2023, o que representou uma queda de mais de 2.000 pontos. Caiu abaixo do nível de sustentabilidade fixado nos 17.500 pontos. Embora o Governo de Hong Kong tenha feito todos os esforços para promover a vida nocturna da cidade durante os feriados de Natal, a situação socio-económica não melhorou. Na China continental, devido ao enquadramento financeiro e à falta de confiança das pessoas na aquisição de casa própria, muitas empresas imobiliárias chinesas, como a Evergrande, a Country Garden, a Sunac China, a Kaisa, a Shimao e o R&F Group, lutam pela sobrevivência. Embora as autoridades responsáveis tenham feito todos os possíveis para ajustar diversas políticas, o rebentamento da bolha do sector imobiliário não pode ser descartado. Se, em 2024, o PIB da China não conseguir atingir o esperado crescimento de 5 por cento, a sua economia em termos globais será fortemente atingida. Enquanto cidade pequena, Macau é apoiada pela Pátria, pela Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, e também pelo sector do jogo e pelas suas abundantes reservas financeiras. Desde que o Governo da RAE não cometa erros graves, não vai ser difícil manter as necessidades básicas dos residentes. Olhando para os Chefes dos três Executivos da RAE de Macau nos últimos 25 anos, percebemos que Ho Hau Wah era um homem de visão com uma equipa de elite. Chui Sai On possuía uma mente aberta e assumia responsabilidades o que contribuiu para a prosperidade de Macau. O actual Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, foi posto à prova com a pandemia de COVID-19, que surgiu logo após a sua tomada de posse, tendo provado ser um homem dinâmico. Por várias razões, Macau está actualmente carregado de problemas, sendo estes os principais: 1) A traça das diversas instalações de apoio da Zona A só pode ser feita depois da conclusão do Aterro da “Zona A” dos Novos Aterros Urbanos; 2) a Construção da rede do Metro Ligeiro é cara e a construção da Linha Leste acabou por precisar de subsídios do Governo Central; 3) As obras de escavação rodoviária estão sem fim à vista em diversas zonas de Macau; 4) O plano de redução de funcionários dos departamentos governamentais transformou-se no recrutamento de mais funcionários públicos, o que acarretou enormes despesas; 5) Macau carece de elementos que atraiam o investimento e o turismo estrangeiros. Mas desde que o Governo da RAEM não cometa erros graves e que vá avançando aos poucos com cuidado, todos os problemas se tornarão coisa do passado. Em contrapartida, o actual cenário global, em termos políticos e económicos é complexo e hostil, à medida que em várias zonas a confrontação parece estar iminente. A Ucrânia fica muito longe de Macau e os mísseis que caem em Gaza não conseguem atingir Hong Kong nem Macau. Mesmo que rebente uma guerra na península da Coreia ou que a Índia e o Paquistão entrem em conflito, nada disto afectará Macau. No entanto, mal haja uma alteração das relações entre a China e Taiwan, o impacto que se sentirá em Macau vai alterar a vida das pessoas. Em 2024 haverá eleições tanto em Taiwan como nos Estados Unidos e o resultado destas eleições vai ter impacto no futuro da China. A “reunificação” pacífica de Taiwan com a China é a aspiração de todos os patriotas, e o método para atingir este objectivo é um teste que requer imensa sensatez. 2024 é, portanto, um ano para aderir aos valores orientados para as pessoas e para o avanço da paz. 2024 é um ano em que todos temos de estar alerta!
Anabela Canas VozesA senhora – 1 O autocarro apinhado balançava perigosamente. Uma espécie de inconsciência leviana nas curvas, na pressa de entregar tudo aquilo aos lugares próprios. Virou numa ponte inesperada, entranhou-se na zona norte no cinzento do betão e em poucos minutos todo o lugar que corria em película contínua nas janelas deixou de desfiar referências reconhecíveis. Poderia ter descido na primeira paragem desconhecida mas deixou-se irresistivelmente entranhar um pouco mais. No final, os limites do território nunca permitiriam ir tão longe que fosse difícil o retorno. Saiu na última paragem. Fisicamente. A senhora, cujo elemento distintivo era aquela maneira de avançar pelas ruas sem dar a entender que estava completamente perdida, ali, pela zona da Areia Preta, talvez. Como em viagem delineada por antecipação. Uma zona qualquer da cidade onde o autocarro, velozmente – como se numa decisão súbita, obstinada e irónica – desembocara depois da última paragem reconhecida e que ela, por distracção ou vontade inconsciente, deixara passar. A existir, ela, transportava talvez o sonho de desconhecer. Depois, era, vendo de fora, evidente que não tinha objectivo nem horário a guiá-la ao avançar levemente pelas ruas. Dobrar ou não dobrar uma esquina ou outra, avançar rapidamente ou parar a dar tempo a uma decisão qualquer, fruto do mesmo princípio aleatório. Atravessar numa passadeira como se o mundo fosse do outro lado da rua. E inflectir o rumo na mesma passadeira porque uma ideia súbita e desconhecida, a um olhar exterior, lhe mudava o rumo. No entanto, eram quatro scooters alinhadas e coloridas, a impedir a transição para o passeio. Ou um café do outro lado da rua a reter-lhe o olhar nas figuras ali para estar. Homens, mais velhos do que novos. Com jornais dobrados em seis num canudo achatado, coberto de caracteres coloridos. Bules de chá com boqueiras de plástico amarelado. Rumo aleatório e ausente de intenção, como um esvoaçar à deriva. De sentimentos, talvez. ∞ Prédios anódinos. Altos, uns mais do que outros, muito cinzentos e sujos numa amálgama indiferenciada sem cor nítida, mas como se humedecida. Redesenhados por tramas de ferro. Acrescentos. Medos. Tipologia cinzenta como a disposição. Neutra. Da senhora alheada, cujo elemento distintivo era destoar na zona norte da cidade. Ruas e ruas. Lojas que se sucedem a entornar-se para o passeio cinzento, como o céu também cinzento acima dos prédios, numa simetria perfeita. E caracteres vermelhos indecifráveis nos anúncios e letreiros que crivavam o sopé de torres indiscriminadas. Como latas de coca-cola espalmadas sobre as portas amplas a deixar a rua entrar. E pessoas. Que não eram a senhora com o ar seguro e passos errantes, que já passou ali mais de três vezes na última meia hora e nem tem a certeza de ter sido naquela rua. Naquele cruzamento. Ela – que se distraiu das esquinas viradas e volta para trás sem se aperceber ou fazer questão. Reconhece o velho muito franzido de pele e muito encolhido de ossos. Alto, contudo. Muito mal fornecido de carnes, mas repleto da densidade de anos de idade. Que a olha sem vergonha da curiosidade. Num olhar quase invisível de olhos pretos, ou pelo menos ensombrados, a espreitar pelas frestas estreitas desenhadas entre rugas do rosto, talvez a medir a estranheza daquele seu ser estrangeiro ali. A fumar, como se tudo fizesse parte daquele cigarro atemporal e duradouro. De perna fina cruzada, no banco de fórmica castanha e de fechar e abrir. Sentado desde a manhã cedo até ao fim da tarde. Era o que parecia. O homem velho que chegara ali novo, quatro décadas antes desse dia, não sabia como e continuava a ter, quando se esquecia e ironicamente, medo da própria sombra. E aprendera com os pais e estes com os seus, a arte de recortar sombras. Não se lhe dirigiu. Talvez desviasse o olhar. Sabia que, no momento em que disfarçada ou vencida a timidez, parasse de escolher a pessoa perfeita, sob palpite falível, a quem dirigir a pergunta, até aí bem resguardada de olhares indiferentes, de como reencontrar a zona conhecida da cidade – se isso existe – que rua seguir a direito, ou que autocarro de destino a sul, e do lado certo da rua, todas as mãos, à vez se elevariam displicentemente ao lado de rostos de olhar desviado para outra coisa, agitando-se levemente mas com convicção, numa negativa, uma recusa de estabelecer contacto. Quase como um dizer adeus: um segue, segue. Mas se nada chegaria a ter perguntado ainda, é a muda questão que ficará a remoer nela, subliminar às imagens que se sucedem. Uma cartografia de sinais que agrupavam géneros de pessoas e gestos. A recusa da estranheza daquela pessoa que é a senhora que não deve deixar de ser estranha, nem de avançar por ruas que não são suas ou de querer voltar ou não a uma outra camada de cidade naquela. Que também não sendo sua, também, não a obriga a fazer perguntas que a isolam. Pode guardá-las para si. E escolher a espessura da pele. Aberturas largas. Para um mundo encantado de bichos ou raízes, enfrascados numa quietude e silêncio de misteriosa composição, de texturas indecifráveis, em tons de amarelos envelhecidos pelas oxidações do tempo, ressequidos e aproximados numa harmonia visual. Já ali passara várias vezes, ou por outra farmácia em tudo semelhante. Não resiste a entrar naquele cenário de castanhos dourados e cheiro fortemente acre, ervas e raízes e pedaços ou raspas de coisas estranhas. Pensa na dor de cabeça. Na insónia. Possibilidades e infusões. Ensaia gestos a completar as poucas palavras num cantonense sem rigor no tom. Sem partículas gramaticais a compor frase que se entenda. A mímica da dor de cabeça e a do sono que não vem. À vez. Para não baralhar a audiência entre vendedores e fregueses. Todos com a mesma expressão de absurda perplexidade e desentendimento, de que, mais do que dores de cabeça a mais e sono a menos do que o necessário para diluir a pantalha luminosa incansável que lhe povoava a mente, havia ali uma loucura qualquer. Sem entendimento possível. Em que fechar os olhos num rosto apoiado na mão, fosse coisa de estrangeiros e não de bichos comuns. O bálsamo T. não despertou do seu sono e o chá para esquecer ou dormir, permaneceu entre os outros castanhos, amarelados e esverdeados (Continua…)
Rosa Coutinho Cabral VozesConstelação Natália no ano de 2023 Aparentemente deixei de escrever aqui, mas não. O tempo verbal é outro: não tenho escrito. Estive, na realidade, muito ocupada com a Natália Correia. Foi um ano em que vivi com o fantasma dela e nem sempre foi fácil. Encenei uma peça, fiz um filme, montei uma instalação-performance, uma conferência e uma outra instalação. Como disse: foi muita coisa. Agora posso dar notícia de tudo. Os meus dedos estão libertos para pensar enquanto deixam letras e mais letras que não têm outro sentido senão o de se escreverem para além de mim. Mas comigo. Poderia dizer que o meu coração está feliz com este horizonte, mas não. Foi uma carga muito pesada e ressinto-me muito agora: cansaço, ilusões e desilusões, ainda mal refeita do trabalho. Mas, voltemos a essa mulher que colocou acima de qualquer suspeita o epítome da liberdade a favor do vento e a desfavor de uma vida simples. Sim, a vida nunca seria simples desde que a mãe lhe dera a comer a cultura clássica e o gosto pela música em Colheres de Prata, título da peça que encenei. A vida seria, ao fim e ao cabo, sublinhada pela alegria feroz dos que têm dificuldade em vivê-la como os demais. Ser diferente é uma factura que custa a pagar e traz o riso da morte para muito perto. A morte anda a rondar, a rondar, para na realidade amparar a queda no vazio que espreita em cada derrota que não se aceita. Natália não se deixava abater, por isso o ensaio cinematográfico que fiz sobre ela se chamou A Mulher que Morreu de Pé. Natália acompanhou o aparecimento e a queda do Estado Novo. O advento e a queda de uma revolução, segundo as suas aspirações, com o 25 de Abril de 1974. Foi a principal crítica do processo democrático, então instalado em Portugal, nunca deixando e ser um das pessoas mais irreverentes e mais democráticas de Portugal. Mas comecemos do princípio. Era uma vez uma menina pequenina chamada Natália, enfeitada de pérolas, hortênsias e mar, que sempre se colocou ao lado dos que que revolucionam os seus actos – os verdadeiros revolucionários. Por isso entrevistou Norton de Matos, Fez parte da campanha de Humberto Delgado, defendeu desde sempre, e sempre até morrer, a liberdade de expressão dos escritores, artistas, intelectuais. Era uma mulher de coragem. Uma Guerreira amazónica. Dava o peito às balas: assim a descreveram os meus actores num casting poético que integra o filme e a peça Colheres de Prata. Mas, acrescentaram era uma mulher solitária e frágil que a maior parte dos amigos abandonou, porque ela, com efeito, também os abandonou. Creio que os hipócritas. Não lhe serviam no pé. Ela era uma multipétala de talentos – demasiado grande para os demais que a envolviam. Cantava, representava, escrevia romances, teatro, poesia, e tinha uma feroz habilidade como comentadora social e política, revelada, entre outros temas, na defesa dos direitos da mulher que cedo afastou do femininismo dominado pelo americanismo, atribuindo-lhe um nome diferente: femininismo, porque defendia o que de feminino todos podemos ter – homens e mulheres. E que essa sensibilidade era adequada ao que mais importante havia de defender como deputada – a cultura e a forma como essa mesma cultura modelava mentalidades e determinava a forma de fazer política, e a política ela mesma. Foi a sua vida e a forma como a viveu que mais marcas deixou nos que dela ousam falar. Fait-divers, anedotas, instrumentalidades menores do seu carácter. Claro que uma vida também é isso, como a de Cesariny, que tanto admirava: gente de língua afiada, punho cerrado. No entanto foram as palavras escritas na sua poesia, criando a constelação Natália numa geometria de ligações improváveis entre o barroco, o surrealismo e o romantismo, que faz dela um génio maior, ou um pequeno deus que podemos ter à mão na estante da nossa casa. A figuralidade que transita da procura de um ponto cândido onde a poesia mais não fosse que poesia, e a escrita o que eleva o homem de si próprio – caminho que repousa numa antiquíssima idade da terra em que a espiritualidade pagã e descrucificada a mimava ainda, a tornava possível, potenciando – ao fim e ao cabo, os seus arrufos com o mundo. Com Vitorino Nemésio sonhou o independentismo do seu arquipélago, correspondendo às aspirações de alguns, mas felizmente falhando o seu propósito. Natália construi uma persona dramática que ainda hoje fantasmagoriza a cultura portuguesa. Não se pode viver bem com ela, mas ignorá-la será muito pior. – Não se pode conter e abarcar tudo o que esta mulher fez, pensou, quis, mas ignorar a demanda deste desejo ainda pior será. A verdade é que a sua grande vontade de ser reconhecida na sua Ilha-Mãe nunca se chegou a concretizar. Mesmo quando tso apontava para obter o reconhecimento numa exposição sobre a sua obra em São Miguel, a morte roubou a essa açoreana o momento de ser resgatada pelo seu arquipélago, que considerava o último reduto da nacionalidade portuguesa. O seu querido Espírito Santo não a ajudou. Morreu a escassos dias de concretizar este sonho que o Governo Regional levou tempo demais a concretizar. De tudo o que sinto, o que sinto mais pena é de não a ter conhecido. Não ter estado presente nas tertúlias antifascistas da sua casa na Rodrigues Sampaio, e no seu Botequim da liberdade. Natália, apesar do que dela dizem, foi antifascista toda a vida, antes de depois do 25 de Abril, movimento a que esteve ligada desde o primeiro momento. O medo de se abater de novo sobre o país o estigma da ditadura levou-a a fazer um movimento ao centro, à social democracia. Quem a pode criticar? Eu não. Aceito que o tenha feito. Foi mais um gesto de liberdade ao arrepio da moda do tempo, que desenha um percurso político peculiar: aproxima-se do PS, via Mário Soares, de quem se afasta progressivamente. Depois, por defender o amor verdadeiro de Sá Carneiro por Snu Abcassis, aceita entrar no PSD momento demais conhecido pelas suas intervenções como deputada, a favor da legalização do aborto, defesa dos direitos das mulheres e da cultura, No revés de múltiplas desobediências partidárias, segue-se o seu apoio à a campanha de Lurdes Pintassilgo à presidência, e mais tarde, no seu último contributo como parlamentar, ser deputada independente do PRD. O que me interessa sublinhar nesta mulher que inventou a Mátria e a Frátria, como valores superlativos do comportamento humano, que representou a cultura e a literatura portuguesa mundo fora, é que até ao fim dos seus dias interveio como “um general sem medo” na defesa de causas: a defesa do património, dos direitos de autor e direitos humanos, integrou movimentos humanitários pela paz, abraçando justas causas como a da libertação da Palestina. Já muito só, e doente, fundou com José Saramago, Urbano Tavares Rodrigues e Manuel da Fonseca, um ano antes de morrer, a Frente Nacional para a Defesa da Cultura. De tudo o que pude fazer para encontrar a minha Natália nestes anos em que trabalhei, para além da coincidência de ambas sermos afastadas de São Miguel, muito cedo, e de termos vivido um dos momentos mais importantes da vida política das História Recente de Portugal, o 25 de Abril de 1974, só consegui reter uma ténue marca: a cicatriz de Natália que ma acompanhará toda a vida. Obrigada Natália.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA eleição de Trump O Supremo Tribunal do Colorado decidiu no passado dia 19 de Dezembro que o ex-Presidente Donald Trump violou a Constituição dos Estados Unidos devido ao seu alegado envolvimento em 2021 no ataque ao Capitólio, declarando que, naquele Estado, não reúne condições para se candidatar às eleições primárias. Trump recorreu da decisão junto do Supremo Tribunal Federal e o recurso foi aceite. Isto significa que os tribunais americanos decidirão se Trump poderá ou não ser o candidato republicano às eleições presidenciais. Como é muito provável que Trump venha a representar o Partido Republicano nestas eleições, a decisão dos tribunais influenciará directamente a escolha do próximo Presidente dos Estados Unidos. O caso começou no Tribunal Distrital do Colorado. Um grupo de pessoas entrou com uma acção judicial alegando que Trump não tinha condições para participar nas eleições primárias no Colorado. Depois de perder nesta instância, o grupo recorreu ao Supremo Tribunal do Estado. O Supremo decidiu por 4 contra 3 que Trump não estava habilitado a concorrer às eleições devido ao seu envolvimento no ataque ao Capitólio. Trump violou o Artigo 3 da 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos. O Artigo 3 da 14ª Emenda da Constituição dos EUA foi redigido pelo antigo Presidente Abraham Lincoln em Julho de 1861 durante a Guerra Civil. Este artigo reflectia a aposta de Lincoln na justiça e legalidade das escolhas dos americanos e lançava as bases para que os Estados Unidos nunca mais se envolvessem em conflitos armados internos. Foi aprovado em 1868, três anos depois do fim da Guerra Civil. O artigo estipula que todos os membros do Congresso, funcionários do Governo e de órgãos governamentais, agentes de autoridade e funcionários de órgãos judiciais que tenham jurado defender a Constituição dos Estados Unidos, e que estejam no exercício das suas funções, se participarem em motins ou rebeliões ficarão impedidos de se candidatar ao Congresso, à Presidência e à Vice-Presidência, e não podem ocupar qualquer cargo público. Mas o caso do Colorado não foi único. O Secretário de Estado do Maine anunciou a 28 de Dezembro último, que Trump seria desclassificado como candidato republicano às primárias. Trump recorreu. Em contrapartida, o Minnesota decidiu em Novemvro passado que Trump tinha condições para se candidatar às primárias, tendo-se passado o mesmo no Michigan. Embora alguns grupos tenham contestado a legalidade da candidatura entrando com uma acção a 18 de Dezembro, o Supremo Tribunal do Estado decidiu a 27 de Dezembro a favor de Trump, com o fundamento de que as questões levantadas pelos eleitores não devem ser analisadas pelo tribunal. A partir destes incidentes, podemos prever que outros semelhantes lhes sucederão. Mas Trump entrou com uma acção directamente no Supremo Tribunal Federal sem passar pelos tribunais estaduais, e espera naturalmente vir a ter a última palavra e resolver o assunto de vez. Derek Muller, um professor americano de lei eleitoral disse que a decisão do Colorado constituiu uma grande ameaça para a campanha de Trump e que de alguma forma incentivou tribunais de outros estados a seguirem-lhe o exemplo. O Supremo Tribunal Federal já deferiu o recurso de Trump, agora resta saber a decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, dominado pelos conservadores. A frase “o caso foi aceite, mas o veredicto é desconhecido” é a melhor maneira de descrever a situação actual de Trump. Como é que uma questão eleitoral pode ser resolvida em Tribunal? Ronna McDaniel, Presidente do Comité Nacional Republicano, afirmou que as decisões dos tribunais interferem nas eleições, o que é uma boa afirmação. É claro que é impossível que os Estados Unidos permitam que quem participou em motins ou rebeliões se candidate à presidência do país. Os motins e as rebeliões estão claramente definidos na lei. A partir daqui, é adequado que os tribunais determinem se Trump tem ou não condições para se candidatar à Presidência. No entanto, Trump nunca foi julgado pelo ataque ao Capitólio e, portanto, nunca foi condenado por este crime. Se agora se alegar que ele violou o Artigo 3 da 14ª Emenda da Constituição, é o mesmo que condená-lo sem julgamento legal. Obviamente, que a frase proferida pelo Supremo Tribunal do Michigan “as questões levantadas pelos eleitores não devem ser analisadas por este tribunal” não pode ser o único princípio jurídico a ser utilizado para a resolução do problema. Independentemente do rumo que as coisas tomem, podemos ter a certeza que este processo vai chegar ao fim muito em breve. Para além de Trump e do Partido Republicano quererem obter resultados o mais depressa possível, o tribunal também compreende que se não tomar uma decisão rápida, não será possível saber quem vai ser o candidato republicano, o que desagradará aos americanos. Estas questões vão para lá de saber se Trump tem condições para se candidatar às primárias. Mesmo assumindo que Trump ganha a acção, a eleição fica sempre ensombrada. O Artigo 3.º da 14.ª Emenda à Constituição regula motins e rebeliões. Pode imaginar-se o impacto do envolvimento de um candidato presidencial numa destas situações. Além disso, Trump esteve recentemente ligado a numerosos casos. Por exemplo, em Nova Ior que, esteve envolvido num caso de fraude comercial, tendo o Procurador-Geral do Estado pedido uma indemnização de 370 milhões de dólares e recomendado que o tribunal emitisse uma ordem proibindo-o a ele, aos seus dois filhos e às pessoas envolvidas no caso de realizarem operações comerciais no Estado de Nova Iorque para o resto da vida. Este processo revela desonestidade e não o vou agora analisar agora porque já o fiz em colunas anteriores. O caso de Nova Iorque e o do Capitólio terão um grande impacto nas eleições presidenciais. A candidatura de Trump vai depender da decisão do tribunal. Trump tem de ultrapassar este obstáculo antes que os eleitores possam decidir o seu futuro. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesAno novo, preços novos Antes de mais, neste meu primeiro contacto com os queridos leitores em 2024 desejo a todos a maior felicidade e prosperidade ao longo do novo ano. 1 – Portugal entrou em 2024 cheio de preocupação e incógnita devido às mudanças sociais que se apresentam devido essencialmente ao encarecimento do nível de vida de os portugueses que já começaram a fazer contas à vida. A maioria dos preços nos mais distintos paradigmas vão aumentar. Terminou a medida do IVA zero para um número diverso de produtos essenciais. Quase tudo aumenta de preço e quem vai ao supermercado denota uma viragem negativa para enfrentar o seu nível de vida. Os bens alimentares aumentaram de preço, os produtos de higiene aumentaram, os preços da roupa aumentaram, as rendas de casa aumentaram, segundo a lei, de um modo muito perturbador e doloroso para quem vive com dificuldades. Por exemplo, um cidadão com 200 euros de reforma, terá um aumento de seis por cento, o que dá 12 euros mensais, dando apenas para comprar um frango assado com batatas fritas. O preço das casas também já inflacionou e os gurus das imobiliárias já atacaram no aumento dos preços com a sempre esfarrapada desculpa da inflação, quando esta tem diminuído. Os portugueses vão passar um ano de grande dificuldade. Os salários aumentaram um pouco, o salário mínimo passou para 820 euros, mas os impostos indirectos aumentaram em demasia, nomeadamente, o tabaco, as bebidas alcoólicas e a tarifa dos táxis. Contudo, o mais desolador é o aumento no preço da electricidade, do gás natural, dos transportes públicos e das operadoras de telecomunicações. Quem tem telemóvel e televisão associados a um contrato com a Vodafone, NOS ou MEO vai sentir imenso quando receber a próxima factura. Até as portagens nas autoestradas já aumentaram 2,04 por cento. É muito para quem usa diariamente as autoestradas. O único aumento que não se esperava e que está a chocar os mais pobres é o aumento do preço do pão. Há famílias que o alimento dos filhos é à base de pão com qualquer acompanhamento possível. A vida vai ser difícil, mas os portugueses apoiam-se na sua resiliência e na esperança. Algo poderá mudar a partir das eleições antecipadas de 10 de Março. Depende se o novo Governo eleito trará estabilidade, confiança e melhoria no nível de vida, nunca esquecendo os mais desprotegidos que já atingem cerca de quatro milhões de pessoas. 2 – Quanto à política, eleições, alianças, novo governo, tivemos neste fim de semana o Congresso do Partido Socialista. E surpresa das surpresas, o novo secretário-geral, Pedro Nuno Santos, apareceu uma nova pessoa. Deixou de se o líder da Juventude Socialista, para apresentar-se como verdadeiro líder dos socialistas, com um discurso realista, moderado, apelativo à união e de um cariz pouco volátil. Pedro Nuno Santos, como indicam as sondagens, poderá vir a ser o novo primeiro-ministro e o seu discurso no Congresso demonstrou um homem que humildemente pediu desculpas pelos erros eventualmente cometidos, mas prometeu que o povo tem de melhorar o seu nível de vida. Prometeu que o investimento na habitação, saúde e educação tem de ser de uma maneira a que a própria classe média tenha uma casa digna, que as mais de 15 horas de espera nas urgências dos hospitais têm de acabar e que os professores terão de ter os incentivos necessários para que os problemas existentes na classe venham a terminar e que os jovens sintam vontade de optar pelo professorado. O Congresso do PS mostrou um gesto de grande dignidade, o abraço apertado entre dois adversários que agora irão caminhar juntos, referimo-nos a José Luís Carneiro e a Pedro Nuno Santos. Este, na qualidade de novo líder socialista não deixou de louvar a governação de António Costa e de indicar tudo o que foi feito em desenvolvimento do país nos últimos oito anos. Esperemos que possa cumprir o que afirmou aos delegados presentes no auditório da Feira Internacional de Lisboa. O mais importante é que as eleições tragam uma decisão que não prejudique quem já muito sofre. Com uma vitória da aliança direitista assistiremos certamente à privatização de quase tudo e, tenho dúvidas, que seja algo de bom para os mais pobres. Se o Partido Socialista vencer, o povo conta para já com um novo líder activo, peremptório e cheio de vontade de realizar trabalho que provoque uma melhoria significativa na vida dos portugueses. A pré-campanha eleitoral já se iniciou e confirma-se que Luís Montenegro não devia ter sido o líder do PSD. Os sociais-democratas não descolam nas sondagens, continuam longe dos socialistas e negaram-se a uma aliança com o Chega, o partido da extrema-direita que tem cativado cada vez mais os descontentes. Acrescente-se que, se o PS vencer as eleições, Pedro Nuno Santos é um apologista em toda a dimensão para a criação de uma nova geringonça.
Olavo Rasquinho VozesEvolução do clima no terceiro milénio Terminado o ano 2023, é altura de se fazer um breve balanço das alterações climáticas durante os primeiros 23 anos do presente milénio. Consultando relatórios de vários organismos internacionais, nomeadamente Organização Meteorológica Mundial (OMM) e Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas 1 (IPCC), chega-se à conclusão de que as alterações do clima se têm acentuado no decorrer deste milénio, o que contribui para atrasar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2, estabelecidos em 2015, na “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” 3. Os 13º e 14º objetivos desta Agenda estão relacionados com, respetivamente, “Ação Climática” (Tomar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos) e “Vida Subaquática” (Conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável). A realidade mostra-nos que algumas das antevisões do IPCC foram ultrapassadas no que se refere ao grau de gravidade, em especial relativamente ao aquecimento global. Este, a continuar a acentuar-se, além de contribuir para o não cumprimento da “Agenda 2030”, leva-nos a duvidar da concretização do principal objetivo do Acordo de Paris: limitar, até ao final do século XXI, o aumento da temperatura média global a menos de 2 graus Celsius, de preferência até 1,5 graus, tendo como referência os níveis pré-industriais. Da consulta dos relatórios da OMM e do IPCC ressaltam as seguintes principais evidências ocorridas no atual milénio: Continuação do aumento de: concentrações na atmosfera dos três gases de efeito de estufa mais importantes (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso); taxas de aquecimento e acidificação dos oceanos; frequência e intensidade de ondas de calor em terra e nos oceanos; fusão do gelo nas calotas polares, Gronelândia e glaciares; subida do nível do mar. A Gronelândia e a Antártida perderam mais 38% de gelo na década 2011-2020 em comparação com a década 2001-2010; A extensão do gelo no Ártico continua em declínio; Eventos meteorológicos extremos, nomeadamente ciclones tropicais e ondas de calor, causaram elevado número de vítimas mortais e danos económicos consideráveis. A temperatura média do globo atingiu, em 2023, o valor mais alto de sempre desde que há registos, ultrapassando o recorde anterior de 2016. O incremento que o aquecimento global sofreu nestes dois anos foi em parte devido ao episódio do El Niño que ocorreu em 2016 e o que está em desenvolvimento desde meados de 2023. Tanto o El Niño como La Niña são fenómenos característicos da variabilidade climática, não devendo ser confundidos com alterações climáticas. Segundo a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC) 4 a variabilidade climática tem causas naturais e perdura durante períodos relativamente curtos, enquanto as alterações climáticas são atribuídas à atividade humana e repercutem-se por muito mais tempo. Como consequência da subida do nível do mar, pequenas nações instaladas em atóis, no Pacífico e no Índico, estão cada vez mais em risco de se tornarem inabitáveis. São exemplos, no Pacífico, países como Kiribati, Ilhas Marshall e Tuvalu e, no Índico, as Maldivas. Também vastas regiões de países não insulares sofrerão as consequências da subida do nível do mar, como Bangladesh, China, Índia e Países Baixos. Calcula-se que quase 900 milhões de pessoas vivendo em zonas costeiras baixas poderão ter de ser deslocadas se, entretanto, não se conseguir desacelerar as alterações climáticas ou não forem tomadas medidas significativas de adaptação. Ironicamente, a grande maioria das populações mais afetadas são as que menos têm contribuído para essas alterações. Entretanto, graças a um sistema de avisos meteorológicos cada vez mais eficiente, as perdas humanas devidas a fenómenos meteorológicos têm diminuído, contrariamente ao que tem acontecido em relação a danos materiais. Neste aspeto, a OMM tem desempenhado um papel primordial, coordenando, à escala mundial, um sistema de avisos meteorológicos precoces que permitem os governos e as populações tomarem medidas face à aproximação e passagem de fenómenos gravosos como ciclones, tornados, linhas de borrasca, etc. A inexistência deste sistema de avisos em alguns países, ou o seu deficiente funcionamento, tem-se refletido, por vezes, em desastres que ceifaram a vida de muitos milhares de seres humanos. Foi o que aconteceu com o ciclone extremamente severo Nargis, em maio de 2008, em Mianmar (antiga Birmânia), onde as autoridades militares ignoraram os avisos meteorológicos emanados pelos países vizinhos. Cerca de 48 horas antes do ciclone ter atingido a costa de Mianmar, o serviço meteorológico da Índia avisou as autoridades birmanesas sobre o perigo iminente, tendo sido prevista uma maré de tempestade de grandes proporções. As autoridades não tomaram as devidas medidas de evacuação das populações da região densamente povoada do delta do rio Irrawaddy, o que ocasionou um dos maiores desastres naturais que atingiram aquele país. A contagem das vítimas feita pelas autoridades parou em cerca de 138.000, número manifestamente inferior à realidade. Quase dezasseis anos depois desta tragédia, Mianmar progrediu significativamente na preparação para enfrentar as consequências de catástrofes, mas a relação entre o governo ditatorial e as agências internacionais continua tensa, o que põe potencialmente vidas em risco. Apesar do agravamento do estado do clima, nem tudo é negativo. Devido à concretização das medidas preconizadas no “Protocolo de Montreal” 5 (1987), que consistiram na eliminação progressiva da produção e uso de químicos que empobrecem a ozonosfera, esta camada tem vindo a ser reconstituída. Este acordo é um bom exemplo do que a humanidade pode alcançar quando são tomadas ações conjuntas para defender a sustentabilidade da vida no nosso planeta. Também se pode considerar uma boa notícia o facto de no texto final do relatório da COP28, que decorreu no Dubai entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023, constar pela primeira vez nos quase 30 anos de relatórios das COP, a necessidade de se abandonar progressivamente, até 2050, os combustíveis fósseis no setor energético. Entretanto, quanto mais atrasarmos as ações de combate às alterações climáticas, maiores serão os riscos para o desenvolvimento sustentável do nosso planeta. É, portanto, necessário aprofundar sinergias tendo em vista o combate a essas alterações, as quais constituem o maior desafio deste primeiro século do terceiro milénio. Meteorologista Referências: Intergovernmental Pannel on Climate Change Sustainable Development Goals – SDG The 2030 Agenda for Sustainable Development United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC Montreal Protocol on Substances that Deplete the Ozone Layer
Amélia Vieira VozesJerusalém «A cidade santa de Jerusalém» traduz nesta nobilíssima expressão um oxímero e o que a reveste não foi jamais conseguido, os abismos não serão menos santos que as suas colinas- que eles não olham para penhascos- e se não é a santidade que a governa, nem por isso todos se sentem próximos dela. «Todos dizem que chegaram a Jerusalém (judeus, cristãos, muçulmanos, socialistas, anarquistas e reformadores do mundo) acudiram a Jerusalém, não tanto para a construírem ou serem construídos por ela, mas para serem crucificados ou para crucificarem outros. Há uma desordem mental muito arreigada, uma reconhecida doença mental chamada «síndrome de Jerusalém»: uma pessoa chega, inala o ar puro e maravilhoso da montanha e, de repente, inflama-se e pega fogo a uma mesquita, a uma igreja ou a uma sinagoga.» Assim a descreveu Amos Oz e, sem dúvida, que deve haver na sua origem uma qualquer influência alucinatória que ao longo dos tempos contribuiu para severas lutas, acontecimentos únicos, transcendência e queda, desolação e esplendor. Vimos como pela Porta dos Leões o movimento sionista conseguiu finalmente entrar e fazer que os judeus ausentes do Monte do Templo por mil e oitocentos anos caminhassem em júbilo destronando camadas de culturas instaladas junto ao Muro Ocidental. David já tinha conquistado a cidade aos jebuseus e Maomé feito a sua viagem nocturna, Jesus entrado para celebrar a Páscoa, intricando a cidade numa seminal fundação religiosa de que nunca saiu. Jerusalém é santa, Jerusalém é noiva. Todos a disputam, por ela a humanidade enlouquece. Não será uma torrente de leite e mel e muitas vezes transforma-se mesmo num jorrar de sangue e fel, e nem mesmo assim perde a brancura da sua santidade e o encanto do seu legado. Agora são os arménios na Cidade Velha a chorar as ofensivas, estão ali há oitocentos anos, não crescem nem diminuem, fazendo parte intrínseca da paisagem, e claro, quem por lá andar pode sempre testar a possibilidade de estar entrando num outro umbral. Nem Adriano tão cheio de seu Império consegue nomear por muito tempo o nome sombrio de Élia Capitolina, que o Templo destruído, não consentiu, nem o povo da Judeia alguma vez ousou pronunciar, em consequência, foram proibidos por séculos de lá entrar. Depois de persas e romanos, só no Califado, já sob o domínio árabe, os judeus tiveram autorização para regressar. Mas viriam os cruzados, que matariam uns e outros até ao extermínio. [Jerusalém, a Bela das Nações, foi palco da avaria rotineira da sede de conquista e da uma eloquência passional] No turbilhão lançado podemos estar confrontados com um tipo de atracção fatal que, e voltando a Oz, enlouquece povos, nativos, e quiçá os de passagem, um umbigo nevrálgico para onde converge a saga do mundo para transcender do infortúnio de uma demasiada, e ainda, humana condição. Que somos atraídos para os centros do milagre, e somos dirigidos como taumaturgos por visões celestiais cuja presença ao não se dar, pode reverter em pasmo e dor. Por pouco tempo seria o anfitrião Saladino bem sucedido, viriam mamelucos agora correr com os cristãos, logo após ter ficado saqueada por tártaros. E a Bela não descansa! Mas vai adormecer por alguns séculos na regência do domínio otomano, não que tivesse estado parada, mas menos abrupta dentro das suas muralhas que se quebravam com trombetas. Esta Jerusalém quase vira Feiticeira no amplo emaranhado das transfigurações de uns e de outros, mas, como sabemos, ela será sempre a cidade de Deus. Nos tempos bíblicos parece que tinha o odor do Paraíso, que as suas cercanias cheiravam a pinheiros, cedros, árvores de fruto, rosas de Sharon, e crê-se que corria pelos seus desfiladeiros leite e mel. Os santos homens comiam gafanhotos, alimentavam-se de néctar, oravam, enchiam os pés de areia e por ali seguiam o trilho de um percurso de retorno ao céu. Ao lado do Mar Morto ainda podiam andar sobre as águas vencendo assim a lei da gravidade… e ainda em seus rios há pássaros com asas. Todos nós já fizemos esta viagem nocturna como Maomé, e lá nos encontrámos com a sarça-ardente, os profetas, e o cheiro a rosas… todos caminhamos, somos expulsos, retornamos e choramos na margem de um qualquer Sião. E todos achamos que esse sonho foi único, profético e só nosso. Mas não! Esta é a saga humana. E talvez Borges responda a este último parágrafo «Sei que perdi tantas coisas que não poderia contá-las e que essas perdas são agora o que é meu. Israel aconteceu quando era apenas uma antiga nostalgia. Não há outros paraísos que não sejam paraísos perdidos».