Educar os adolescentes para a gestão financeira

Publicámos há pouco tempo um artigo sobre a educação que os pais deveriam dar aos filhos na gestão do dinheiro que recebem nos envelopes vermelhos, para que possam incorporar a noção de gestão financeira. A semana passada, alguns órgãos de comunicação social de Macau divulgaram uma notícia sobre um homem de Jinan, na China continental, que ensina ao filho a melhor forma de administrar o seu dinheiro. Hoje vamos analisar as semelhanças e as diferenças entre estes casos.

O pai de Jinan deu início a um plano de poupança para o seu filho de 10 anos em Janeiro de 2022. Sempre que a criança cumpre os seus deveres, é recompensada com dinheiro. Quando atinge os 50 CNY, se este valor ficar à guarda dos pais por mais de um mês, recebe 10por cento de juros. Após um ano, a criança tem um total de 1570 CNY. Assim, para além de aprender algumas lides domésticas e a concentrar-se nos estudos, a criança não vai gastar o seu dinheiro de forma impensada e também aprende a comprar apenas os produtos mais caros quando estão com alguma promoção especial.

Conforme foi noticiado, o pai ensina ao filho três princípios financeiros essenciais. Primeiro, procura o pote de ouro. Segundo, poupa. Terceiro, tempo é dinheiro.

Ao cumprir as tarefas domésticas e as tarefas escolares, o filho vai ganhando uma moeda atrás da outra, resultado do seu esforço, que, acumuladas, se transformam no seu primeiro pote de ouro. Este procedimento já se mantém há um ano, o que fará o jovem perceber que ganhar dinheiro implica trabalho. A partir do momento em que toma consciência deste facto, no futuro, o jovem irá dar valor a cada centavo porque fica a saber que não se ganha nada sem esforço.

O pai encoraja o filho a ganhar dinheiro e a poupá-lo. A grande maioria das pessoas sustenta-se através do seu próprio trabalho, poupa o que consegue e cria e o pote de ouro. Criar uma poupança requer perseverança. Se a vontade não for firme, não se consegue poupar porque estamos sempre a ser tentados por uma série de coisas. O pai sugere que o filho entregue os ganhos todos os meses para o impedir de gastar dinheiro à toa e para evitar a situação “chapa ganha, chapa gasta”.

Ao dar ao filho um juro sobre o dinheiro que guarda, o pai está a dizer-lhe indirectamente que o dinheiro pode render se for acumulado ao longo do tempo. A criança compreende o princípio e cumpre-o à risca. Desta forma, não vai desistir facilmente e a sua riqueza irá acumular-se aos poucos, à medida que o tempo passa. É bem verdade que a água que pinga sem parar desgasta uma pedra, mas não um dia de trabalho.

O pai tem as melhores intenções ao ensinar ao seu filho os princípios da gestão financeira. Ensinar o filho a valorizar o dinheiro, a compreender a necessidade de poupar e também a compreender que tempo é dinheiro.

Desde que se mantenha fiel a estes três princípios, vai certamente encorajar o filho a ter futuramente uma gestão correcta do seu dinheiro, pelo que será mais fácil para o jovem vir a acumular a sua própria fortuna. Quem beneficia desta lição não é apenas o filho, mas também a família que vier a ter depois de se casar.

Claro que algumas pessoas comentaram que cumprir as tarefas domésticas pode implicar que a criança não faça tão bem os trabalhos da escola e que o que uma criança deve fazer é estudar. Mas não deveria este jovem aplicar-se nos estudos sem recompensas?

Pela mesma lógica, o trabalho doméstico deveria ser apenas responsabilidade dos pais. Fazer o trabalho doméstico em conjunto implica uma espécie de partilha de responsabilidades e ajuda a solidificar as relações familiares. Neste caso, o pai recompensa o filho por fazer alguns trabalhos domésticos e por estudar com dedicação. Recompensar um filho por fazer o que deve fazer pode não ser conceptualmente correcto.

Existe alguma verdade quando se diz que não se deve recompensar alguém que não faz mais do que a sua obrigação. Do ponto de vista dos pais, optar por esta abordagem pode fazer com que as crianças criem algumas noções erradas. Portanto, devemos ter cuidado quando pretendemos ensinar gestão financeira às nossas crianças através deste método. Mas, por outro lado, o que pode um miúdo de 10 anos fazer se não fizer bem os trabalhos domésticos ou os seus deveres da escola?

Os três princípios financeiros acima mencionados são tão simples que todos os compreendem, mas nem todos os seguem. Se já é difícil para um adulto cumprir estes princípios, quanto mais para uma criança imatura? Cultivar o conceito correcto de gestão financeira nos jovens deve começar quando são pequenos e quanto mais cedo melhor. O pai de que temos vindo a falar tem, de facto, as melhores intenções quando pretende ensinar ao filho o valor da gestão financeira.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau
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14 Fev 2023

Quem trabalha?

Portugal está a viver um dos momentos sociais mais conturbados dos últimos anos. As paralisações profissionais prosseguem de uma forma contínua, diversificada e, em alguns casos, absurda. Os professores não dão aulas há semanas e mais de 100 mil manifestaram-se em Lisboa, no sábado, os agricultores pegaram em trezentos tractores e foram em marcha lenta pela estrada fora protestando que a ministra da Agricultura é uma incompetente e que desejam a sua demissão, os oficiais de justiça vieram para a rua protestar contra a falta de meios para trabalhar e os tribunais estão cada vez mais inoperacionais, os comboios resolveram parar e os restantes trabalhadores pobres que se lixem e que faltem ao trabalho.

Um caso chocante passou-se num Centro de Saúde de Lisboa. Uma senhora acabada de ter alta hospitalar após uma cirurgia a um pulmão, passados dois dias teria obrigatoriamente de mudar o penso. Ao chegar ao Centro de Saúde, uma funcionária rude e malcriada da recepção disse-lhe que podia ir-se embora que os enfermeiros estavam em greve.

A funcionária nem se dignou em perguntar a um enfermeiro se poderia abrir uma excepção para um caso urgente. A senhora que foi operada, é pobre, que fez o sacrifício de pagar um táxi e deslocar-se com a ajuda de uma amiga para ser tratada teve de voltar para casa e com indicações de ir ao Centro de Saúde no dia seguinte. Estamos autenticamente num mundo cão.

As greves sucedem-se, ora, nos transportes marítimos Lisboa/Barreiro, ora, no Metropolitano de Lisboa, sem que os sindicatos se convençam que os seus direitos terminam quando começam os direitos do povinho. Milhares de trabalhadores têm ficado sem possibilidade de ir trabalhar devido à onda constante de greves nas mais diversas profissões.

Numa estação ferroviária da linha de Lisboa-Sintra ouvimos um cidadão a perguntar: “Mas quem é que trabalha neste país?”, referindo-se ao número exagerado de greves e manifestações que têm decorrido em Portugal.

Não está em causa o direito à greve, mas sim o bom senso de quem dirige o sindicalismo. Há casos em que alguns sindicatos não estão preocupados em negociações. O que lhes interessa é “mostrar serviço”… Portugal não pode continuar com o descontentamento do povo cada vez maior. Pelas ruas apenas ouvimos insultos aos políticos dos mais diversos partidos, aos membros do Governo, aos deputados. Isto, é perigoso porque as instituições populistas cativam cada vez mais os descontentes e, um dia, não se admirem de a dita democracia – que segundo o The Economist está na cauda da Europa – ficar em perigo e o país ser governado por um grupo organizado neo-fascista.

O Governo tem uma maioria absoluta e em vez de construir obra que se veja com os milhões de euros vindos da Europa, tem-se perdido em questiúnculas internas, demissões de ministros e secretários de Estado, directoras disto e daquilo que rescindem da função. Não pode ser. António Costa tem de colocar um travão no obsceno e entrar na realidade da situação social que está a ficar cada vez mais degradada. Os pobres já optam entre o medicamento ou a comida. É chocante ver cada vez mais sem-abrigo a dormir na rua.

E ainda por cima as autoridades brincam com o fogo. Assistimos na semana passada à tragédia do terramoto no sul da Turquia e no norte da Síria. Milhares de mortos e outros tantos desaparecidos. Pois, toda a gente sabe que Lisboa é uma das zonas mais inconstantes no aspecto sísmico e os especialistas já afirmaram na televisão que podemos ter algo de semelhante ao que aconteceu na Turquia e Síria.

Pois, ainda não houve um governante sequer que se lembrasse de mandar efectuar um levantamento de quantos pavilhões desportivos temos em Portugal e nesse sentido mandar comprar nas diversas fábricas de colchões alguns milhares que ficassem guardados para o caso de nos acontecer uma tragédia. No mínimo, já teríamos colchões preparados para que os desalojados dos prédios que ruíssem pudessem dormir com algum aconchego. Nem isto passa pela cabeça de quem diz que trabalha para bem do povo. Afinal, neste país, quem é que trabalha?

13 Fev 2023

O sexo e a morte

Os franceses chamam ao orgasmo le petite mort. Uma pequena morte para os que vivem no limbo da vida, a roçarem os limites da sensação de transcendência. O Freud não lhes conferiu tal ligação. Ao invés dicotomizou duas pulsões que regem a vida. A pulsão da morte ou da destruição e a pulsão do prazer, a libido. Para os que intelectualizam a maneira das coisas, os opostos significam pouco quando coexistem de forma tão inequívoca.
Quanto mais sexo se tem, mais vida se ganha. Ou seja, quem tem mais orgasmos reduz a sua mortalidade, dizem-nos os cientistas. Mas quando se fala do sexo a par da morte sugere-se uma visão mais metafórica. Talvez mais animal também. Se a morte é o que devemos à natureza que nos criou de carne e osso, o sexo é o que devemos à nossa natureza. Um com o outro, nunca sem.
A velhice é um espaço de receios contaminada pela morte e nem por isso por menos sexo. As pessoas sabem que o seu caminho pode torná-las menos conscientes da civilização que as rodeia. Por consequência, os outros respondem com horror à sua desadequação. O sexo é-lhes apagado porque erroneamente achamos que o sexo só existe na vitalidade da juventude e dos seus momentos fugazes e irrefletidos. O sexo é como se não existisse. Ao ver a minha família a envelhecer e a desaparecer em cognição e pensamento vejo que o sexo continua lá. Talvez não da mesma forma. A minha avó manda beijos aos homens e o meu pai manda piropos às mulheres como nunca o vi mandar. Uma força de vitalidade que tenta contrariar o mundo das profundezas de Hades, o deus da morte. Fazem-se cambalhotas para fintar a negatividade ou a inação que é a degeneração. Um mecanismo para manter a vitalidade animal.
Mas na pulsão libidinal está algo ainda mais básico que o sexo: está o afecto, o toque e o carinho. Esse é o sustento mais importante para a nossa sobrevivência, o antídoto da morte. Nos anos 50 realizou-se um estudo que mostrou o poder do toque. Harry Harlow mostrou que para a sobrevivência de macacos bebés era necessário algo mais para além da comida e água. Para a sua sobrevivência precisavam do conforto dos braços da mãe macaca, um outro tipo de sustento. O sustento que aguenta o caminho para o desconhecido. O sustento que é tantas vezes posto de parte, ignorado ou posto para segundo plano, como se a única necessidade humana de sobrevivência fosse um tecto, uma refeição e pouco mais.
O vislumbre da morte precisa tanto de sexo como o sexo precisa da morte. Se não fosse a mortalidade, a força libidinal não teria tanta expressão e vontade de contrariar a decadência dos corpos. É também pelo sexo que nos aproximamos desse estado de perda e dissolução, de não sabermos quem somos nem por onde vamos. Como uma dança que transporta simplicidade de se ser, o Freud tinha razão. O Eros, o prazer, e o Thanatos, a morte, podem bem ser as pedras basilares das nossas vidas.

10 Fev 2023

44 anos de Relações Portugal-China: ampliar os benefícios mútuos da parceria estratégica

Por Rui Lourido

 

A 8 de fevereiro de 2023 comemoram-se os 44 anos de relações diplomáticas, estabelecidas entre Portugal e a China. Portugal tem, nos últimos anos, participado do Cinturão e Rota, iniciativa lançada há 10 anos pela China, contribuindo desta forma para uma comunidade de futuro compartilhado entre os dois países.

Em abril de 2022, o primeiro-ministro português, António Costa, reafirmou mais uma vez, não só a defesa do aprofundamento da cooperação entre Portugal e China, a ambição de Portugal ser um aliado da China na abertura de grandes mercados como o da União Europeia (UE), da América Latina e da África, em especial com os países de língua portuguesa. Estas declarações do primeiro-ministro foram proferidas na cerimónia de abertura da reunião extraordinária ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau). Na sua intervenção, defendeu ser importante a intensificação dos investimentos chineses para a recuperação das economias dos países de língua portuguesa, atingidas pelo impacto da pandemia de Covid-19 e pela guerra na Ucrânia. Por sua vez, o Fórum de Macau informou que o seu fundo alavancou um investimento total de mais de 4 mil milhões de dólares (3,7 mil milhões de euros), através de empresas chinesas, junto dos países de língua portuguesa.

O agravamento das tenções internacionais, motivadas pela guerra e pela tentativa de isolar a China, tem criado limitações a países, como Portugal, que tem uma longa tradição de relacionamento intenso com a China. Contudo, o facto de Portugal ser a nação europeia com as mais longas (desde o século XVI) relações pacíficas e de amizade com a China, é um motivo de orgulho nacional. A circunstância de Portugal ter sido, igualmente, pioneiro na difusão da sofisticada e avançada civilização chinesa às restantes nações ocidentais (o que viria a influenciar a moda europeia, com um gosto à chinesa – a Chinoiserie), consubstancia a ponte civilizacional mais duradoura e profunda entre a Europa e a China.

Para reforçar o relacionamento pacífico em nível mundial, a China criou em 2013 a iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês). Nestes 10 anos de existência, a iniciativa demonstrou ter contribuído para o desenvolvimento económico dos países participantes, com base em benefícios mútuos e na não ingerência nos assuntos internos. Proliferaram infraestruturas para o desenvolvimento social, como estradas, pontes, caminhos de ferro modernos e velozes, hospitais e equipamentos de saúde, entre outros. Mas esta cooperação não foi só na Ásia e na África, também na Europa, a abertura da China contribuiu para evitar a recessão económica do mundo no período de pandemia e continua a contribuir para o seu desenvolvimento económico. Nomeadamente a iniciativa transporta por via marítima (por ex. até aos portos gregos) e por via-férrea, até à Polónia, Alemanha e Espanha, entre outras nações, inúmeros comboios de mercadorias essenciais.

Portugal foi um dos 57 países fundadores do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII, em 2015), um dos pilares para o investimento no Cinturão e Rota. Entre as largas dezenas de países que têm vindo a assinar acordos de participação nesta iniciativa, Portugal também assinou o seu acordo, em dezembro de 2018, durante a visita de Estado do presidente da China, Xi Jinping. Na altura, foram igualmente assinados pelos dois países, 17 acordos de cooperação (incluindo 10 memorandos de entendimento), abrangendo múltiplas áreas, da cultura à energia, comércio e serviços, transportes, novas tecnologias como o 5G. Estes acordos têm vindo a potenciar a cooperação bilateral Portugal-China e em mercados terceiros. O Porto de Sines e a sua ligação à rede ferroviária transeuropeia e eurasiática serão igualmente valorizados.

A China é o maior parceiro comercial de Portugal na Ásia. De acordo com os dados de estatísticas dos Serviços da Alfândega da China, as trocas comerciais entre a China e Portugal aumentaram em 2022. As trocas comerciais entre janeiro e dezembro totalizaram 8.424.476 mil Euros, as exportações da China foram de 5.587.011 mil euros e as importações da China foram de 2.837.465 mil euros. Estes valores representaram uma variação homóloga total de 2.4%. Com os países de língua portuguesa, as trocas comerciais de janeiro a dezembro de 2022 foram de 200.077 mil milhões euros, registando um aumento homólogo de 6.27%[1].

O embaixador da China em Portugal, Zhao Bentang, tem destacado o importante papel de Portugal como “um parceiro endógeno” para o reforço do Cinturão e Rota. Este embaixador afirmou que as relações entre os dois países são exemplares e que a China colaborará com Portugal, promovendo a cooperação bilateral em todas as áreas, para atingir novos patamares de desenvolvimento. Estas declarações têm vindo a ser reafirmadas, como aconteceu na abertura da 3ª Conferência Internacional de Cooperação Portugal-China, promovida pelo Observatório da China e pela União das Associações de Cooperação Amizade Portugal-China (dezembro 2021), que contou com a presença do ministro do Mar português, e do secretário de Estado para a Internacionalização, e, recentemente, aquando das comemorações do Ano Novo Chinês 2023.

Portugal tem aprofundado a sua parceria estratégica com a China, a qual apreciou a posição do governo de Portugal de reafirmar a política da existência de uma só China, cuja capital é Beijing.

Consideramos fundamental reativar o Acordo Global de Investimento entre a UE e a China, assinado em 2020, e suspenso no ano seguinte, pois é o acordo mais favorável ao desenvolvimento da Europa e a sua implementação contribuirá significativamente para ultrapassar a atual crise económica europeia.

Por outro lado, Portugal e a Europa necessitam de reafirmar a autonomia dos seus interesses estratégicos, recusando o clima de Guerra Fria e de clivagem entre blocos geopolíticos, neste mundo multipolar, para poderem contribuir determinantemente para a paz e para a resolução dos principais problemas da humanidade, como são as alterações climáticas e o crescimento do fosso entre pobres e ricos. É urgente a colaboração entre todas as nações para melhorar a governança global e criarmos uma comunidade de futuro compartilhado da humanidade.

 

 

[1] https://www.forumchinaplp.org.mo/pt/as-trocas-comerciais-entre-a-china-e-os-paises-de-lingua-portuguesa-de-janeiro-a-dezembro-de-2022-foram-de-214829-mil-milhoes-de-dolares/

9 Fev 2023

Vá-se lá saber porquê…

CHAMA-SE Harald Kujat, é alemão e, em 2005, ainda era o presidente do Comité Militar da NATO, em Bruxelas. Tem também no seu currículo – ou no seu cadastro, não sei – a nota de que desempenhou o mais alto cargo na Bundeswehr, as Forças Armadas do seu país. O que sei é que, no dia 18 de Janeiro, deu a um jornal suíço, o “Zeits-Chehen-im-Focus.cgs”, uma entrevista muita esclarecedora que os média portugueses do sistema ou não viram ou não os deixaram ver tal como grande parte dos seus congéneres na Europa.

Então, não é que o homem tem o descaramento de afirmar, relativamente à tragédia ucraniana, que “esta guerra podia ter sido impedida e devia ter sido impedida”? E acrescenta: “Talvez um dia se faça a pergunta de quem quis esta guerra, quem não a quis impedir e quem não a pôde impedir.”

Perante um desabafo destes, só posso imaginar que o general está entre os que não conseguiram impedir o trágico desporto de Zelenski, Stoltenberg, Ursula von der Leyen e Joe Biden, este o dono deles todos, e que isso ainda hoje lhe dói, apesar de ser alemão e ter sido o que foi na NATO.

Surpreendo-me ao verificar que um general de topo da Aliança Atlântica, que sabe muito bem o que são os tubarões e os outros predadores que ciclicamente vão a Davos acertar contas, seja capaz de pensar e afirmar que “não, esta guerra não é pela nossa liberdade. Os problemas de fundo que conduziram à guerra e que fazem com que ela ainda decorra, embora pudesse ter acabado há muito, são bem diferentes. (…) O objectivo (dos EUA) é enfraquecer a Rússia, do ponto de vista político, económico e militar, a tal grau que depois se possa virar para o seu rival geopolítico, o único capaz como potência mundial: a China”.

Kujat lembra também que, de acordo com informações fidedignas, o então primeiro-ministro britânico Boris Johnson interveio em Kiev a 9 de Abril (de 2022), para impedir a assinatura do acordo Ucrânia-Rússia alcançado nas negociações realizadas em Istambul”.

E pergunta: “Quem fez explodir o Nordstream 2?”

Como é sabido, Angela Merkel, depois muito apertada em e em Bruxelas, lá confessou “apenas ter assinado os acordos Minsk II (2015) para dar tempo à Ucrânia e a Ucrânia usou esse tempo para construir a suas Forças Armadas. O ex-presidente francês François Hollande confirmou isso mesmo.”

A minha sorte é ainda haver jornais como o “Avante!”, onde Jorge Cadima pôde escarrapachar isto e muito mais na edição de 2 de Fevereiro. Mas, para saber mais da presidente da União Europeia, tive de suar as estopinhas, talvez por serem escassos os dados que poderiam interessar-me especialmente neste breve apontamento.

Lá fui pesquisando à minha maneira e pouco mais apurei que Ursula von der Leyen ter sido acusada de plágio na sua tese de doutoramento na Faculdade de Medicina em Hanôver, Alemanha. Casou-se, apesar disso, ou por causa disso, com o director executivo de uma empresa de engenharia biomédica e aprendeu tanto com ele que, em 2013, a tal chanceler filha de padre fez dela ministra da Defesa, podendo assim chefiar à sua maneira a Bundeswehr que nem depois de Hitler mudou de nome.

É daí que vão sair uns quantos Leopard 2 para a Ucrânia, onde a guerra vai continuar, até estar outra pronta para eclodir, porque a indústria de armamento precisa de clientes e não deve contribuir para a vaga de desemprego que flagela os EUA e a própria Alemanha já em recessão.

 

À tarde

AVERROIS, que já foi embora há 854 anos, disse coisas que me fazem pensar muito sempre que oiço frau Ursula von der Leyen, uma loiraça alemã que se delicia com tropas e guerras, onde quer que seja.

Chamava-se Abu Alualide Maomé ibne Amade ibne Maomé ibne Ruxide, nasceu em Córdova num tempo cruel em que viver era uma aventura dos diabos e foi morrer a Marraquexe, em Marrocos. Era um supersábio, ou polímata, porque sabia tudo sobre medicina, filosofia, teologia, medicina, astronomia, matemática, física, jurisprudência, direito islâmico e linguística. Serviu muitas vezes tanto de juiz como de médico, mas nem por ser um neoaristotélico, se coibiu de criticar o seu avatar grego. Só muitos séculos depois, um outro génio que dava pelo nome de Leonardo Da Vinci, o conseguiu imitar em desarricanços de polímata.

Nasceu em Córdova, em 1126, numa família de juízes proeminentes — um seu avô era o célebre juiz supremo da cidade —, mas em 1195 foi alvo de várias acusações, provavelmente por razões políticas, exilou-se em Lucena. Era forte defensor do aristotelismo que tanto agradava a alguns eminentes teólogos católicos, até porque verberava as tendências neoplatónicas de pensadores muçulmanos anteriores, como Alfarábi e Avicena, que também eram polímatas, mas não tanto.

O seu pensamento gerou brutais controvérsias na cristandade latina, desencadeando um movimento filosófico baseado em seus ensinamentos, Averroísmo, mereceu a condenação pela Igreja Católica em 1270 e 1277.

Embora enfraquecido pelas críticas de um teólogo como Tomás de Aquino, que via na mulher a sede do mal, o averroísmo latino permaneceu e atraiu importantes seguidores, durante o século XVI, e a verdade é que, ainda hoje, o celibato é uma condenação irremissível para os eclesiásticos católicos.

No âmbito religioso, a interpretação do Corão por Averróis estabelece que há verdades óbvias para o povo, místicas para o teólogo e científicas para o filósofo. E todas podem estar em desacordo umas com as outras. Então, havendo o conflito, os textos devem ser interpretados alegoricamente. É daí que decorre a ideia herética de que existem duas verdades, em que uma proposição pode ser teologicamente falsa e filosoficamente verdadeira. E vice-versa.

Averróis teve o favor e a protecção de vários sultões, até que foi desterrado para Marrocos, onde faleceu pouco depois, na corte de Iacube Almançor. Deste Almançor terão muito que dizer os portugueses, mas isso não é agora para aqui chamado. Rafael pintou Averróis em Atenas, uma cidade onde ele nunca esteve. Vá-se lá saber porquê…

8 Fev 2023

Redução dos tempos de pausa

Uma das mais importantes notícias que circulou a semana passada em Macau, foi a anunciada redução dos tempos de pausa dos trabalhadores da operadora de jogo Wynn. De acordo com a comunicação social, a Wynn notificou verbalmente os funcionários sobre a alteração dos períodos de descanso. A alteração visava encurtar os tempos de pausa.

É costume os funcionários dos casinos terem pausas durante os períodos de trabalho. Muitas funções que exigem um elevado grau de concentração têm intervalos para descanso. Os condutores de autocarros são disso exemplo. Em Hong Kong, estes condutores descansam 5 a 10 minutos por cada hora de condução, para que possam reduzir a fadiga e para que os acidentes possam ser evitados. Ao proporcionarem este tipo de descanso aos condutores as empresas reduzem a possibilidade de sofrerem acidentes. Este método faz parte da política preventiva das empresas.

A Associação Novo Macau pelos Direitos dos Trabalhadores do Jogo de Macau estava preocupada com esta notícia e também a Direcção para os Assuntos Laborais, que exerce o poder de supervisão sobre esta questão, nos termos do artigo 92.º da Lei das Relações Laborais. Depois do que lhe foi comunicado, a Wynn voltou atrás na sua pretensão e os direitos e interesses dos trabalhadores não foram prejudicados. Podemos afirmar que o problema se resolveu numa “primeira instância”.

Mesmo assim, toda esta questão tocou em vários pontos sensíveis que provocaram várias repercussões na sociedade de Macau. Em primeiro lugar, a redução do tempo de descanso levanta a dúvida se deverá ser feita uma emenda aos contratos de trabalho. O tempo de descanso do funcionário está claramente consagrado no contrato de trabalho e só pode ser alterado de mútuo acordo, pelo que uma emenda unilateral é inválida.

Se o tempo de descanso não estiver estipulado no contrato, o tempo que for concedido para este fim a partir do seu primeiro dia de trabalho, passará a funcionar como “norma”. Claro que uma norma não é um contrato escrito assinado pelo empregador e pelo empregado, por isso ainda é duvidoso que possa constituir parte do contrato de trabalho.

Em segundo lugar, embora não possamos ver os contratos de trabalho de todos os empregados, nem as normas específicas estabelecidas para cada um, sabemos que se pretendia reduzir o tempo de pausa de todos, o que iria prejudicar a imagem da operadora de jogo Wynn. Embora esta modificação não tenha sido implementada, nem tenham sido lesados os interesses dos trabalhadores, na medida em que foram mantidas as disposições originais, a operadora poderia na mesma considerar a promoção de algumas actividades de carácter solidário para melhorar a sua imagem e colocar ênfase na sua responsabilidade empresarial, para com a sociedade onde opera.

Em terceiro lugar, a pretensão de reduzir os tempos de pausa surgiu a seguir à reabertura de fronteiras entre a China continental e Macau. Após a reabertura, a recessão económica de Macau começou a ser ultrapassada e os casinos voltaram a estar cheios. Será porque há muito mais clientes e menos empregados que a empresa queria reduzir os tempos de pausa? Se tiver sido o caso, para além de terem de contratar mais pessoas, deverão os empregadores discutir com os seus funcionários as condições para o pagamento de horas extraordinárias, para assim fazerem frente à vaga de turistas? Se se chegar a um acordo sobre as condições de pagamento do tempo extra de forma harmoniosa, os funcionários ficarão satisfeitos e a imagem da empresa vai melhorar. Ambas as partes ganharão alguma coisa.

Os funcionários afectados pela redução das pausas que se pretendia implementar incluíam os croupiers, os empregados que distribuem as cartas pelos jogadores. Esta função é muito importante. Se os croupiers cometerem erros que prejudiquem os clientes o casino tem de os compensar. Os casinos em Macau são altamente competitivos.

Se os clientes tiverem uma experiência desagradável, podem não voltar e o casino fica prejudicado. Além disso, os croupiers têm de estar concentrados e sempre atentos para conseguirem lidar com clientes que têm reacções mais emotivas quando perdem dinheiro. Por isso, as pausas no trabalho são extremamente importantes para os croupiers e também para o casino. Estes funcionários estão protegidos pela lei. À medida que o número de croupiers aumenta, a competição entre eles torna-se cada vez mais intensa. Desvalorizar o impacto do incidente da “redução do tempo de pausa” pode afectar o futuro recrutamento de funcionários da Wynn.

Este incidente acabou por não lesar os interesses dos trabalhadores e a empresa também não foi prejudicada. Desde que sejam organizadas mais actividades de cariz social para melhorar a imagem da empresa, este caso pode facilmente ser esquecido. Depois da recuperação económica, a Wynn só pode continuar a crescer se mantiver uma boa reputação.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
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7 Fev 2023

Os pais andam a arder

Portugal está a viver momentos muito caóticos no que respeita à situação dos pais. Os seus filhos não têm aulas há muitos dias porque os professores andam em guerra com o Governo e realizam greves distritais por todo o país e manifestações de protesto com milhares de presenças.

Os pais têm razão quanto à sua desorientação mental. Os professores têm mais que razão porque há décadas que não são respeitados, não sobem na carreira, têm salários vergonhosos, não têm condições materiais nas escolas, fazem horas extraordinárias que não lhes são pagas. Os professores resolveram gritar basta! E irem para a rua na companhia dos filhos.

Os professores são, ao fim e ao cabo, os educadores dos homens de amanhã, dedicam-se desmesuradamente à função e ainda levam trabalhos para casa para prepararem a lição do dia seguinte. Há professores que há mais de 20 anos que nem sobem na carreira nem veem o seu pecúlio aumentar. Antes pelo contrário. Tal como a população portuguesa a inflação veio estragar ainda mais a situação precária das famílias. Tudo está mais caro e neste aspecto nota-se um oportunismo ignóbil. Há comerciantes que se aproveitaram do “tudo está mais caro”, para aumentar preços em produtos que já tinha há dois e três anos em armazém.

Os professores têm-se manifestado em gigantescas acções de protesto e as reivindicações são imensas, especialmente a defesa da escola pública. As negociações que os diversos dirigentes de diferentes sindicatos, especialmente a Fenprof, têm mantido com o ministro da Educação tem sido uma montanha que pariu um rato.

Nada avança de concreto. Incrivelmente, o Governo até decretou serviços mínimos nas escolas e ameaçou com requisição civil caso não fossem cumpridos esses serviços mínimos, algo que vai frontalmente contra o direito à greve. O líder da Fenprof, Mário Nogueira, já anunciou que a questão só pode ter uma solução, que é a participação nas negociações do primeiro-ministro António Costa. Não se vislumbra uma solução razoável que leve os professores a parar com a onda de greves.

E aqui, é que entra o sofrimento dos pais dos alunos. Mães que deixam de poder ir trabalhar para ficarem com as crianças em casa. Pais que levam as crianças diariamente à escola no sentido de confirmarem se haverá aulas. Debalde. Voltam para trás, têm de entregar os filhos aos avós, quando estes existem, e chegam atrasados ao trabalho.

São semanas com os alunos sem aulas. Alguns pais já se pronunciaram afirmando que o ano lectivo está perdido. Os pais andam com a mente a arder numa situação desesperada em que alguns deles, já nem sabem como viver.

Obviamente, que todo este fogo de protesto professoral e de alunos sem aulas resulta em algo muito grave. A criançada e os adolescentes aumentaram o seu tempo de permanência nos telemóveis, computadores e tablets. E segundo uma nossa fonte da Polícia Judiciária, a criminalidade tem aumentado assustadoramente devido os indivíduos, alguns organizados em gangues informáticos. Que têm tentado ludibriado as meninas que se encostam num banco de jardim ou no seu quarto privado em casa. Os contactos sucedem-se, as mensagens mentirosas e tentadoras subiram em catadupa e os jovens têm sido ludibriados das mais diversas formas, desde o assédio sexual ao roubo de dinheiro que os bandidos sacam aos jovens através do MBWay.

Na semana passada a Polícia Judiciária descobriu um caso tristíssimo e relacionado com o que referimos. Uma jovem de 14 anos, na altura, manteve mensagens com um indivíduo de 48 anos e, mais tarde, o fulano foi a Leiria raptar a jovem que estava desaparecida há oito meses e que fechada numa casa em Évora, manteve um relacionamento íntimo com o indivíduo.

Casos destes sucedem-se e alguns mais graves. Há pais que gostam muito de inserir nas redes sociais fotografias dos seus filhos menores, sem terem a mínima ideia que existem mafias que passam o tempo a procurar imagens de meninas ou meninos que sejam bonitos, a fim de descobrir a morada ou a escola dessas crianças, as quais vêm a ser raptadas.

O povinho não faz a mínima ideia de quantos casos acontecem por ano de crianças que desaparecem e que depois são vendidas para adopção, ou violadas ou ainda levadas para um continente diferente. Os pais têm de tomar medidas radicais, têm de controlar com quem os filhos estão a falar no computador até à meia-noite, até às duas horas ou quatro da madrugada fechados no seu quarto. No dia seguinte a criança ou adolescente vai para a escola cheio de sono e dorme nas aulas.

O professor não pode tomar qualquer posição contra os dorminhocos antes que seja alvo de violência. O ensino, a educação dos menores está nas ruas da amargura e estes professores em protesto, encontram-se essencialmente preocupados com a futura geração que está a ser alvo de incompetência ou teimosia política, dos grupos de criminosos e de algum desleixo de certos pais.

5 Fev 2023

É um coelho ou um tigre disfarçado?

O Ano do Tigre (2022) foi realmente difícil para todos. Com a mudança para o Ano do Coelho a 22 de Janeiro de 2023, tudo parece ter melhorado. O levantamento das medidas de prevenção e controlo da pandemia por parte da China continental e a retoma da circulação entre Macau e Hong Kong, permitiram um grande afluxo de turistas a Macau nas últimas semanas.

Além disso, o Governo da RAEM instituiu vários benefícios para incrementar o turismo local, e mesmo que ainda se sinta a falta de turistas estrangeiros, os locais emblemáticos de Macau voltaram a ter o movimento que tinham antes da pandemia e o mercado local já está a prosperar novamente.

No entanto, apesar do actual movimento na cidade, é preciso ponderar os danos causados à economia durante os últimos três anos, altura em que a luta contra a pandemia fez parte da vida diária dos habitantes da cidade; mas também devemos pensar na dor daqueles que perderam os seus entes queridos devido à Covid-19 quando o Governo da RAEM decidiu de um dia para o outro ajustar as políticas de prevenção epidémicas. E depois do Ano do Tigre comedor de homens, o que se segue? Será que vamos ter um coelho adorável ou apenas um tigre com uma máscara de coelhinho?

Segundo o Relatório sobre a Situação Económica Mundial e Perspectivas para 2023, elaborado pelas Nações Unidas, prevê-se que o crescimento da produção mundial desacelere de cerca de 3,0 por cento em 2022 para 1,9 por cento em 2023.

Esta projecção é amplamente influenciada por uma série de factores como o rescaldo da pandemia, a guerra na Ucrânia, a crise climática, as desvalorizações cambiais, o aumento da pressão da balança de pagamentos e o agravamento dos riscos de sustentabilidade da dívida, pelas subidas rápidas das taxas de juro, o aumento da inflação e as crises alimentar e energética a nível global.

O agravamento de apenas um dos factores dos que acabámos de mencionar é suficiente para trazer o caos e consequências desastrosas para todo o mundo. Não há absolutamente nada que uma única pessoa possa fazer para evitar que qualquer uma destas situações se agrave. Só mediante o estabelecimento de um conjunto de valores universais e com a eleição de bons líderes podemos criar sociedades saudáveis onde não exista espaço para as tragédias voltarem a acontecer.

Os tempos mais conturbados são por vezes o início de tempos auspiciosos. Depois de três anos de pandemia, a China, Hong Kong, Macau e Taiwan passaram por muitas mudanças económicas e políticas. Se conseguirmos reflectir profundamente sobre as mudanças, juntar os nossos saberes e unir os nossos esforços, não é difícil encontrar um novo caminho.

Tomemos a Ucrânia como exemplo. Na operação militar especial lançada pela Rússia, que já dura praticamente há um ano, é expectável que ambos os países saiam a perder. Um final a breve trecho desta guerra, por via das armas ou de conversações de paz, será de vital importância, não só para os beligerantes como para o resto da humanidade.

Durante os saldos do Ano Novo Chinês, comprei um par de sapatos de desporto de marca. Por acaso reparei que muito destes sapatos são “Made in India” ou “Made in Vietnam”. É inegável que o efeito borboleta desencadeado pela política e economia globais está a espalhar-se largamente no mundo pós-pandémico. Existe um provérbio chinês que diz o seguinte “um coelho astuto tem três tocas”, para não ser caçado pelos seus predadores. Infelizmente, no cenário actual, há quem muito fale mas pouco acerte e os mentirosos abundam. Um coelho nunca fará mal a um ser humano.

Só um tigre mascarado de coelhinho é que o pode fazer. Por isso, é importante saber se algum deles está mascarado. Conhecer a verdade e dizê-la é da maior importância.

3 Fev 2023

A indústria pecuária e as alterações climáticas

Normalmente, quando se fala de alterações climáticas, o nosso pensamento associa-as imediatamente aos combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo, gás natural). Na realidade, a sua combustão liberta gases de efeito de estufa (GEE), os quais são a principal causa do aquecimento global e, consequentemente, das alterações climáticas. Os gases de efeito de estufa absorvem radiação emitida pelo sol (de pequeno comprimento de onda) e emitem radiação de grande comprimento de onda, na forma de calor, que aquece a Terra. Agem como se fossem um cobertor que envolve o globo terrestre.

De uma maneira simplista, pode-se afirmar que o clima é caracterizado pelo comportamento médio dos fenómenos meteorológicos numa determinada região, durante um período de pelo menos de 30 anos, conforme recomendação da Organização Meteorológica Mundial.

O conceito de clima é, no entanto, de tal maneira complexo, que até eminentes climatologistas se inibem em o definir. O Professor José Pinto Peixoto (1922-1996), o mais ilustre meteorologista e climatologista português, e um dos mais importantes a nível mundial, para ilustrar esta complexidade costumava afirmar, com um certo sentido de humor, «eu sei o que é o clima, mas se me pedirem para o definir eu não sei», numa alusão ao pensamento de Santo Agostinho quando se referia ao tempo nas suas “Confissões”: “Quid est ergo tempus ?/Si nemo ex me quaerat, scio/si quaerenti explicare uelim, néscio” (O que é o tempo?/ Se ninguém me perguntar, eu sei o que é/ Se me perguntarem e eu quiser explicar, eu não sei!).

O sistema climático é composto pela atmosfera, hidrosfera, criosfera, litosfera e biosfera. A interação destas componentes, ativada pela energia solar, comanda o comportamento dos fenómenos meteorológicos e, consequentemente, do clima. Sendo a atmosfera a componente com ação mais direta neste sistema não é de estranhar que a alteração da sua composição se reflita no clima à escala global.

Apesar dos esforços das Nações Unidas através das suas agências especializadas, que se traduzem nomeadamente no Protocolo de Quioto e em vinte e sete Conferências das Partes (Conferences of the Parties – COP), a realidade é que os valores da concentração do dióxido de carbono, o principal gás de efeito de estufa, em vez de diminuírem, têm aumentado. A concentração média de CO2 à escala global é atualmente aproximadamente 420 partes por milhão (ppm) enquanto que no início da era industrial era cerca de 280 ppm.

Há cerca de 12 mil anos o homo sapiens deixou de ser nómada e passou a organizar-se em assentamentos que a pouco e pouco deram origem a aldeias, vilas e cidades. Deixando de praticar a atividade de recoletores-caçadores, os nossos ancestrais sedentarizaram-se e dedicaram-se à agricultura e à domesticação de animais selvagens, que passaram a ser explorados não só para alimentação, mas também para executar tarefas, como trabalhos agrícolas, transporte de pessoas e bens, etc.

À medida que a população mundial tem vindo a aumentar, estas práticas também se intensificaram, o que levou à adaptação de terrenos de modo a torná-los próprios para a agricultura, resultando na destruição de florestas e, consequentemente, na diminuição da biodiversidade. No caso da Amazónia, o desmatamento está intimamente ligado à criação de pastagens para o gado bovino.

O aumento da população fez também com que se procedesse à criação e abate intensivo de animais, o que se tornou numa gigantesca indústria.

Embora não seja dada a mesma ênfase aos estragos que a pecuária provoca no ambiente, comparativamente aos combustíveis fósseis, a realidade é que essa indústria, devido à desflorestação, ao pastoreio intensivo e deterioração do solo em vastas regiões, é uma das principais causas da degradação do ambiente e do aquecimento global. Assim sendo, não se compreende a não tomada de medidas significativas no que se refere à reformulação dessa indústria.

No entanto, na última Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade Biológica (COP15), logrou-se alcançar o Quadro Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal, em que se preconizam medidas que poderão levar ao corte de subsídios à pecuária intensiva.

A indústria da carne implica a emissão de GEE, principalmente metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), os quais são caracterizados por elevado potencial de aquecimento global. Para efeitos comparativos no que se refere à capacidade para contribuir para o aquecimento global, convencionou-se estabelecer o conceito “Potencial de Aquecimento Global” (Global Warming Potential – GWP) que nos permite avaliar a quantidade de calor que um GEE retém na atmosfera em comparação com o dióxido de carbono.

Atribuindo ao dióxido de carbono o valor do Potencial de Aquecimento Global igual a 1, o GWP do metano e óxido nitroso são, respetivamente, cerca de 25 e 298. No entanto, a duração da permanência do metano na atmosfera é de cerca de dez anos, a do óxido nitroso mais de cem anos, enquanto que a do dióxido de carbono é superior a mil anos.

Apesar de os GEE produzidos pela indústria pecuária não terem merecido tanta atenção por parte do IPCC como os produzidos pela combustão de combustíveis fósseis, a realidade é que a produção industrial de carne é responsável pela injeção na atmosfera de grandes quantidades de GEE. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Food and Agriculture Organization – FAO), 18% de todas as emissões dos gases do efeito estufa globais são provenientes da pecuária e a poluição causada por esta indústria tem grande impacto não só na atmosfera, mas também no solo e na água. Cerca de 60% dos gases gerados na produção de alimentos proveem da indústria da carne.

Ainda segundo a FAO, para produzir 1kg de carne bovina são necessários aproximadamente 15.400 litros de água, recurso natural que está a tornar-se cada vez mais escasso. Estima-se que o consumo diário de uma pessoa que come regularmente carne é de cerca de 5.000 litros de água, enquanto que um vegetariano consome cerca de metade.

Para que a atmosfera não sofra as consequências drásticas do aumento da concentração dos GEE, são necessários esforços não só no que se refere à diminuição drástica da utilização de combustíveis fósseis, mas também no sentido de restringir práticas relacionadas com a indústria pecuária. Para que tal se concretize, não compete apenas aos governos e às empresas pecuárias tomarem medidas nesse sentido, mas também a todos nós. A principal medida, além das que estão relacionadas com a redução do recurso aos combustíveis fósseis, poderá resumir-se ao seguinte: consumir menos carne e não contribuir para o desperdício de alimentos.

Calcula-se que cerca de um terço dos alimentos é desperdiçado nos países avançados. Perante esta realidade, os governos deveriam inspirar-se na campanha lançada pelo Presidente da China, Xi Jinping, que considerou o hábito de desperdiçar comida como chocante e preocupante. Na sequência desta campanha alguns restaurantes agiram no sentido de diminuir o desperdício.

Além da emissão de GEE, a indústria pecuária está associada à disseminação de doenças que afetam os humanos. São utilizadas quantidades exageradas de antibióticos a fim de se prevenirem doenças nos animais e acelerar o seu crescimento. Não se trata apenas de uma preocupação com a saúde animal, mas de medidas para aumentar a produtividade e, consequentemente, os lucros. Esta prática tem como consequência o aumento da resistência de bactérias que podem afetar a saúde dos que se alimentam de carne.

A indústria pecuária implica também práticas nada éticas em relação ao bem-estar animal. É habitual, nos aviários, manterem-se as luzes acesas durante longos períodos para que os animais comam quase continuamente, contrariando o seu ritmo biológico.

Em suma, comer menos produtos provenientes da indústria pecuária contribui não só para uma maior sustentabilidade do nosso planeta, mas também para a redução da propagação de doenças nos humanos como, por exemplo, obesidade, doença das vacas loucas, infeções causadas pelas bactérias E. Coli, MRSA, salmonela, etc.

*Meteorologista

2 Fev 2023

Gerir o envelope vermelho

Este é o primeiro artigo publicado depois do Ano Novo Chinês, quero desejar a todos os leitores um feliz ano novo, muita saúde e tudo de bom.

O Ano Novo chinês e o “envelope vermelho” são inseparáveis. O envelope vermelho é designado por “lai-si”, o que significa bênçãos e votos de felicidades. Dentro do envelope vermelho está dinheiro para concretizar esses votos.

O conceito de bênção e felicidades contido nos envelopes vermelhos, foi, com o aumento do materialismo, sendo gradualmente substituído por dinheiro, e criou-se o equívoco de que “quanto mais dinheiro, maior a bênção”. Mas o significado do envelope vermelho deste ano parece ter ido mais longe.

Em Jiangsu, na China continental, dois gémeos de 13 anos, um rapaz e uma rapariga, moveram um processo contra o pai para reaverem cerca de 16.800 dólares do envelope vermelho.

A imprensa noticiou que os pais dos gémeos estão divorciados e que os jovens estão a ser criados pela mãe. Antes de processarem o pai tentaram muitas vezes reaver este dinheiro, mas como nunca conseguiram, seguiram para tribunal. O tribunal considerou que o envelope vermelho é um “presente” e é propriedade daquele a quem está endereçado, como seja, neste caso, propriedade dos gémeos. Como os jovens residem com a mãe, o conteúdo dos vários envelopes vermelhos que receberam deve ser entregue à progenitora.

Houve alvoroço depois do caso ter sido publicado online. A maioria dos internautas pensa que é errado usar este método para recuperar o dinheiro. Mas parece ter sido a única forma de os gémeos recuperarem o seu dinheiro.

O processo contra o pai desencadeou uma discussão entre os internautas sobre o que os pais devem fazer com o dinheiro dos envelopes vermelhos destinados aos filhos, o que levou a outro incidente. Em Taiwan, China, uma mãe teve de assinar um recibo afirmando ter recebido 6.500 NT$6.500 destinados ao filho e que os devolveria na integra depois de o jovem completar a sua formatura na Universidade.

Por qualquer razão desconhecida, a expressão “devolver na íntegra” foi grafada como “não devolver de todo”. Os internautas também têm debatido este aspecto, dizendo que a pessoa que redigiu o recibo era inculta e escreveu uma frase muito importante dando-lhe o sentido contrário. Alguns internautas também responderam ironicamente, dizendo que esta pode ser uma forma de as mães educarem os seus filhos, para que as crianças compreendam a importância de escrever correctamente.

Na sociedade actual, a informação é rapidamente divulgada através das redes sociais, e os jovens de hoje em dia têm muito mais acesso às notícias do que no passado. Por isso, estes jovens desenvolvem as suas próprias opiniões sobre como lidar com o dinheiro dos envelopes vermelhos e, como tal, esta passou a ser também uma preocupação dos pais no Ano Novo chinês.

Podem dá-lo imediatamente aos filhos e deixar a gestão ao seu encargo. Claro que a preocupação é que os jovens o gastem todo rapidamente. Podem ainda considerar chegar a um consenso e entregar aos filhos de imediato apenas parte do dinheiro dos envelopes vermelhos. Desta forma, depois das crianças gastarem a sua parte do dinheiro em compras, os pais podem ajudá-los a perceber a diferença entre aquilo que é “necessário” e o que é “desejado”. Com o dinheiro que os pais guardam, pode ser aberta uma conta bancária onde se podem ir depositando dinheiro sempre que possível, para os jovens aprenderem como é importante economizar.

Existem muitas maneiras de os pais lidarem com o dinheiro dos envelopes vermelhos destinados aos filhos, e cada um dos métodos tem as suas vantagens. A responsabilidade dos pais é proteger os interesses dos filhos, por isso qualquer método que maximize esses interesses é um bom método. Na lei, o superior interesse não se traduz em dinheiro, refere-se aos benefícios que a criança pode receber.

Deixemos as crianças compreenderem que ‘Lai-si” significa bênção sincera, amor e cuidado e eduquemo-las para que tenham um conceito correcto de gestão financeira, para que desenvolvam bons hábitos de poupança e para usarem de forma correcta o dinheiro dos envelopes vermelhos, e estamos a zelar pelos seus superiores interesses. As crianças compreenderão as razões que presidem à gestão dinheiro dos envelopes vermelhos e os membros da família vão relacionar-se mais harmoniosamente. Desta forma, estaremos em consonância com o significado do Ano Novo Chinês- reunião familiar e uma vida melhor em conjunto.

Embora os gémeos ganhassem o processo contra pai, quem vai beneficiar de imediato é a mãe.
Em termos legais, congratulamo-nos sempre que um bem é devolvido ao seu proprietário. Mas mais importante, é passarmos os valores e o significado do ‘lai-si’. Terem ganhado o caso, não implicou que os gémeos tenham ficado a compreender a melhor forma de lidar com o dinheiro dos envelopes vermelhos. Para isso é preciso que a mãe os eduque nesse sentido. Se isso for feito, este tipo de casos não volta a existir.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

31 Jan 2023

De repente, a corrupção

Kung Hei Fat Choi a todos os amigos leitores neste novo ano do Coelho. No regresso ao vosso contacto, venho dizer-vos que em Portugal a maioria do povo anda baralhada. De repente, de um momento para o outro, mais mês, menos mês, a Polícia Judiciária (PJ) parece que foi fundada em 2022. De repente, a corrupção é o tema generalizado nos média e nas conversas de café.

De repente, começámos a ouvir que um grande número de autarcas, e não só, era suspeito em factos ilegais e repletos de corrupção. Primeiramente, salientando o que se tem passado apenas recentemente, veio a lume que o secretário de Estado-Adjunto do primeiro ministro tinha feito desaparecer da Câmara Municipal de Caminha a quantia de 300 mil euros para uma obra que até hoje não existe. Obviamente, demitiu-se. Da investigação nada se sabe. Mais tarde, a PJ começa a descobrir actos de corrupção nas mais diversas edilidades.

Em Espinho, o escândalo é enorme, porque esteve muitos anos no cargo de presidente da edilidade um senhor do PSD, íntimo amigo de Luís Montenegro, líder dos social-democratas, que passou da Câmara de Espinho para deputado da Assembleia da República e onde era o vice-presidente da bancada parlamentar laranja. O senhor também já renunciou aos cargos.

Mas, a PJ sobre Espinho, deteve o actual presidente socialista da Câmara e outros altos funcionários por suspeita de corrupção, começando o presidente edil por ser acusado de ter recebido 50 mil euros para facilitar uma obra de um empresário amigo, igualmente amigo de Luís Montenegro, que por sinal, corre à boca cheia em Espinho que é proprietário de um prédio com piscina no terraço. Este mesmo Montenegro, que nem tem capacidade para ser secretário de Estado e já anda a pedir eleições antecipadas e a pronunciar-se como possível novo primeiro-ministro.

Parece que estamos a baralhar num jogo de cartas, mas não. A PJ ainda na semana passada invadiu as instalações da edilidade de Setúbal, presidida por um socialista, suspeitando de corrupção e de outros actos ilícitos como ajustes directos em obras na cidade setubalense e cuja investigação inclui também a antecessora edil comunista que esteve à frente da edilidade setubalense durante vários anos. E logo no dia seguinte, calhou a vez à autarquia de Mesão Frio, onde a PJ recolheu diversos documentos que podem prejudicar gravemente o autarca presidente.

No entanto, o mais vergonhoso destas investigações que, de repente, a PJ tem levado a efeito, passou-se na Câmara Municipal de Lisboa, a maior do país. Já estão mais de 10 crimes em investigação. Já se acusa o arquitecto Manuel Salgado que enquanto braço-direito do ex-presidente Fernando Medina, teria cometido erros ou ilegalidades gravíssimas.

Afinal, existe mesmo um baralho de cartas porque já alguns políticos da extrema-direita, – especialmente o radical André Ventura que realizou neste fim de semana mais uma auto Convenção para se manter como líder do Chega – pretendem a demissão de Fernando Medina de ministro das Finanças, quando a PJ nunca fez uma pergunta sequer a Medina sobre os actos de corrupção na edilidade lisboeta e já avançam com a possibilidade de um novo Governo.

O povinho já está farto de ouvir falar todos os dias em cambalachos. Um dos factos que tem dado que falar, foram as obras no Hospital Militar de Lisboa e cujos custos derraparam para cerca de três milhões de euros e que já levou à acusação de civis e militares.

O próprio ex-ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, foi acusado pelos extremistas de direita de ter mentido no Parlamento dizendo que não tinha conhecimento dos custos extraordinários e agora vem-se a saber que o actual ministro dos Negócios Estrangeiros sabia de tudo. Este ministro, não tem qualquer vergonha em ser sócio de uma imobiliária e em simultâneo governante do país. Já houve quem ironizasse dizendo que a venda dos imóveis da empresa do ministro é para financiar o armamento a enviar para a Ucrânia… só não entendemos uma coisa: se Putin é um bandido e se temos de enviar material bélico para combater a Rússia, porque é que Portugal ainda não cortou relações diplomáticas com a Rússia?…

Mas, por nos referirmos à edilidade da capital, o baralho de carta resvalou, na passada quinta-feira, para a estrutura que a Câmara de Lisboa está a construir junto ao rio Tejo para a visita do Papa Francisco que virá em Agosto próximo presidir à Jornada Mundial da Juventude, e onde irão estar presentes mais de um milhão de jovens. A celeuma que deu lugar em todos os noticiários e que até já meteu ao barulho o Presidente da República, prende-se com os custos do altar-palco, na ordem de mais de quatro milhões de euros, onde irá sentar-se o Papa. A discussão também se tem situado nas estruturas várias que a edilidade de Lisboa pretende construir em vários locais da capital.

O que se dá a entender ao povinho é que os exageros dos custos se prendem com a possível corrupção e com ajustes directos que estão a ser realizados. De certo modo, a discussão é quase absurda e chega a um ponto que enoja. O patriarca de Lisboa veio dizer que transmitiu todos os custos do evento a Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente respondeu que nunca teve conhecimento dos gastos totais para o encontro da juventude. O representante do Governo nas obras em causa, o célebre ex-vereador da Câmara de Lisboa por razões tristes, foi para a televisão afirmar que o palco tinha um custo exagerado e que o presidente da Câmara, Carlos Moedas, estava a gasta dinheiro dos contribuintes de uma forma inacreditável. O que Sá Fernandes não soube dizer aos espectadores foi que aquele enorme espaço onde se vai realizar o evento, irá servir no futuro para os mais diversos espectáculos, e quem não nos diz que será a continuação urbana do presente Parque das Nações que nasceu do lixo no tempo em que se realizou a Expo-98.

A corrupção existe em todo o país e nos mais diversos departamentos estatais com ligações a empresas de construção civil. Portugal é um dos países onde menos se combate a corrupção generalizada, mas, felizmente, a PJ parece ter adquirido outros meios humanos e materiais que a tem levado a uma actividade surpreendente e à detenção dos mais diversos indivíduos “importantes” deste país. Bem, vale mais tarde do que nunca.

30 Jan 2023

É obra!

AGORA que o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros revelou a sua ternura pelos beligerantes ucranianos e até acha muito boa a generosa política de beneficência da NATO na guerra da Ucrânia, mesmo que isso resulte em mais tempo para morrerem ucranianos, russos e outros infelizes de duvidosa proveniência (mercenários internacionais, polacos e letões com dupla nacionalidade arranjada à pressa), a CNN, que nem sequer esconde as suas simpatias e as dos seus donos por Zelensky, atreve-se a informar que João Gomes Cravinho participa no capital de uma empresa imobiliária juntamente com um sócio condenado por fraude fiscal. Francamente…

A empresa em causa, de nome Eurolocarno, tem como sócio um tal Marcos Lagoa, condenado no processo que lesou os CTT, através da venda de imóveis e já teve também como sócio António Barão, que participou num negócio que lesou o Novo Banco em 270 de euros, deixando-nos a nós a pagar.

Eu acredito piamente na sinceridade do ministro quando revelou à CNN que não tinha conhecimento dos problemas judiciais dos sócios. Então não é comovente a candura de uma alma que entra numa sociedade empresarial com tão notórios desconhecidos? Então isto não é tudo boa gente?

E não bastava sabermos que o ministro João Gomes Cravinho, enquanto pôde, fingiu não saber que a derrapagem do Hospital Militar de Belém triplicou os custos, quando ele era ministro da Defesa? Despesa que foi orçamentada, recorde-se, como de 750 mil euros e passou rapidamente para mais de 3 milhões. Que nós todos tivemos de pagar, como não podia deixar de ser, até porque num estado de direito é assim mesmo que se procede.

E não temos de lhe agradecer a sua imensa e magnânima influência nas decisões estratégicas da NATO que, sentindo que a credibilidade da Aliança Atlântica estava a entrar em défice, ordenou a Zelensky uma lavagem profunda na sujeira governamental de Kiev, dadas as personalidades que rodeiam o excelso Presidente?
Vejamos os primeiros resultados:

Em menos de 24 horas, segundo o britânico “The Guardian”, “contabilizam-se já 11 saídas do poder em Kiev. E nos últimos 4 dias, são já 12. A lista prossegue com a demissão de 5 governadores regionais: Valentina Reznichenko, da região de Dnipropetrovsk, Oleksandra Starukha, da região de Zaporíjia, Oleksiy Kuleba, governador de Kiev, Dymtro Zhivytskyi, da região de Sumy, e, por fim, Yaroslav Yanushevich, governador da região de Kherson. Por fim, para já, Oleg Nemchinov, secretário do gabinete da presidência, confirmou também a saída de Vitaliy Muzychenko, vice-ministro da Política Social.”

Vyacheslav Negoda, ministro-adjunto do Desenvolvimento dos Territórios da Ucrânia, demitiu-se do cargo. Também Ivan Lukerya, ministro-adjunto das Comunidades, assim como o ministro adjunto da Defesa, Vyacheslav Shapovalov, apresentaram a demissão. O procurador-geral-adjunto da Ucrânia, Oleksiy Symonenko, foi ontem corrido do cargo, durante uma reunião de altos funcionários.

Então, não seria de ter mais compreensão pelo nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, pelo nosso Primeiro-Ministro e pelo nosso Presidente da República?

À tarde

ATÉ no Vaticano a guerra está muito acesa, embora se desenrole sobre as alcatifas e à meia luz na Cúria, ora rastejando, ora trepando pelas paredes carregadas de santos e beatificados, clérigos e não tonsurados.

Ao que consta, uma carta com remetente do Vaticano deixou os bispos alemães em estado de choque e de candeias à avessas com o Papa Francisco e a sua governança da Igreja Católica, porque se diz na incendiária missiva que os bispos germânicos não podem de maneira alguma criar um órgão de governo independente para gerir a igreja no seu país.

Tal órgão foi aprovado em Setembro, em Frankfurt, por bispos e leigos seus cúmplices, no sentido se superar “a estrutura rígida, fechada, opaca que terá contribuído para manter impunes, durante muitos anos, os casos de abusos sexuais no seu interior”. Muitos dos quais, ao que também constava, eram virilmente praticados por clérigos alemães.

“Desejamos deixar claro que nem o caminho sinodal, nem nenhum organismo por ele estabelecido, nem nenhuma conferência episcopal tem competências para estabelecer um conselho sinodal a nível nacional, diocesano ou paroquial”, diz a tal carta datada de 16 de Janeiro.

Quem fala assim não é gago. O Papa Francisco, que está perfeitamente de acordo, vem a Lisboa encontrar-se com a juventude mundial e já prometeu resignar a seguir. Encontra-se em adiantado estado de preparação um palco à beira do Trancão que vai custar mais de 6 milhões de euros. É obra!

Viva a comissão fabriqueira!

No final, os custos da vinda do Papa a Lisboa poderão ultrapassar os 80 milhões. Para isso e muito mais é que existem os contribuintes e os impostos, graças a Deus.
Viva a Pátria que é uma nação valente!
Vivam os heróis do mar e o nobre povo!

27 Jan 2023

A visibilidade trans

As mulheres trans são continuamente excluídas e discriminadas. A probabilidade de um adolescente trans desenvolver ideação suicida, ou tentar o suicídio, é de 5 a 7 vezes maior ao de um adolescente heterossexual e cisgénero, isto é, que se identifica com o género designado à nascença. A discriminação está no acesso ao trabalho, na educação ou na saúde. Uma discriminação estrutural que retira espaço ao direito de se ser trans.

No dia 19 de Janeiro, no Teatro São Luiz em Lisboa, uma mulher trans assaltou o palco. Em cena estava uma peça com duas personagens trans em que uma era representada por uma actriz trans, e a outra, a personagem principal, por um actor cis. A Keyla Brasil num acto de coragem saltou para o palco e conseguiu trazer ao holofote teatral uma tendência discriminatória e de exclusão, que ainda não tinha entrado no debate público: as histórias e narrativas trans precisam de ser contadas pelos corpos trans, até nas artes performativas. A produção da peça vai agora contratar uma actriz trans para ser a personagem principal.

Uns aplaudiram a coragem. Foi uma batalha vencida pela representatividade e visibilidade que não descura a reforma necessária no processo de selecção de artistas. Outros mostraram indignação pela forma como esta batalha foi ganha. A Keyla apareceu no palco semi-nua, expondo toda a violência a que é diariamente submetida. Falou do sexo oral que faz em troco de dinheiro, pelas poucas oportunidades no mundo do trabalho, falou da arma que lhe apontaram à cabeça, falou dos assassinatos constantes, violentos, nas tentativas de apagamento que ela, e muitas outras, estão sujeitas. Apontou o dedo ao homem que foi escolhido para o papel e quis responsabilizá-lo pelo apagamento das vivências e narrativas trans.

A forma poderosa como esta batalha foi ganha, ainda que falte travar uma guerra, foi alvo de intenso escrutínio público. Muitos queixaram-se que foi um método “violento”, apesar de concordarem com a premissa de base: se não é com a história de uma mulher trans que o corpo e a alma trans têm visibilidade, então quando? Muitas activistas trans já tinham contactado a companhia de teatro exigindo respostas e mudança. Sugeriram boicotes e nada aconteceu.

A mudança só veio depois, com a acção “violenta” da Keyla, carregada de tensão, antagonismo e conflito daquele que provoca desconforto. Mas esta “violência” é só um sintoma, uma resposta à violência que é vivida. De um lugar onde a outra realidade mundana nada se assemelha porque se vive distante. A “violência” de ver uma peça de teatro abruptamente terminada é que parece mais importante para os proponentes desta discussão.

Quando os actores cisgénero recebem papéis trans, eles encaram-nos como o desafio da sua carreira. Jared Leto ganhou um Óscar ao fazê-lo. Mas esta não é uma condição de desafio que possa ser apropriada pela indústria criativa sem uma reflexão profunda sobre o seu papel na contínua exclusão de artistas trans nos seus projectos. A condição trans não é um adereço, como activistas reclamam, para catapultar carreiras.

Muitas vezes produtores optam por homens e vestem-nos de mulheres, porque as actrizes trans não reflectem os seus próprios estereótipos ou ideias pré-concebidas. A máquina de exclusão está oleada e em funcionamento, não é a responsabilidade de uma pessoa transfóbica. Desde os produtores, ao encenador e até ao actor que aceita fazer o papel, todos contribuem para isso.

Recentemente Hale Berry e a Scarlet Johanson recusaram papeis de homens trans porque foram confrontadas com a pouca representatividade trans em diálogo com as pessoas que mais são afectadas por estas escolhas.

Mas a minha voz não é a que mais interessa neste debate, ouçam as pessoas trans que tentam consciencializar sobre as muitas formas de como estão a ser invisibilizadas. Elas lutam de muitas outras formas também, fazem-no na discussão de ideias, na academia, nas manifestações na rua e no seu dia-a-dia. O confronto ou a violência é tão parte desta luta como a diplomacia. Neste caso, a suposta “violência” foi o resultado de uma não-escuta. Do outro lado onde nos situamos, pede-se reflexão. Se vos chocou, confrontem o desconforto e interroguem-se de onde vem.

Reflictam sobre as oportunidades perdidas de fazer de forma diferente, e de dar espaço a outras pessoas ou realidades. Nós não vemos pessoas trans em posições de destaque, protagonizando séries, a serem pivots de telejornal ou a contracenarem em peças de teatro. Com os níveis de saúde mental desta minoria sexual absolutamente desastrosos (e vergonhosos nos olhos de qualquer profissional de saúde), as pessoas trans precisam de saber que o mundo deve ter – e tem – espaço para todas.

26 Jan 2023

Depois da pandemia

A epidemia da Gripe Espanhola (1918 to 1920) provocou um número de infecções e de mortes sem precedentes. Foi considerada a mais mortal depois da Peste Negra (uma epidemia global da praga bubónica que atingiu a Europa e a Ásia em meados do séc. XIV). Os impactos da Gripe Espanhola não foram de modo algum inferiores aos da actual COVID-19. A partir do século passado, diversas pandemias assolaram a humanidade como a SARS, a MERS, a Gripe das Aves, a Gripe A, a Cólera e a SIDA, ameaças que persistem até aos nossos dias e que assustam a população mundial. Para além da pandemia, as questões políticas também ameaçam vir a causar mudanças sem precedentes na ordem mundial, que permaneceu praticamente invariável ao longo do último século.

Em 1911, a Revolução na China, também conhecida como Revolução Xinhai, pôs fim ao regime imperial, permitindo que o país enveredasse por um caminho que o conduziria à República. No entanto, a esta revolução seguiu-se a restauração do regime imperial, ao qual sucedeu um período de domínio dos senhores da guerra. Todas estas convulsões não tinham tido precedentes na História da China. Na Europa, a Primeira Guerra Mundial (1914 to 1918) deu origem ao primeiro país comunista, a União Soviética, que trouxe mudanças sem precedentes no sistema político a nível mundial.

A Segunda Guerra Mundial e a Guerra Civil Chinesa (travada entre o Governo liderado pelo Kuomintang e as forças da República da China e o as do Partido Comunista Chinês) trouxeram mudanças que ainda hoje se continuam a desenrolar. As mudanças podem ser uma bênção ou uma maldição dependendo de quem as lidera e assume o poder.

O ano de 2023 será difícil. A operação militar especial das forças russas na Ucrânia, que já dura há praticamente um ano, deve ter consumido muitas vidas e recursos militares do país. Só as despesas que a Rússia tem com os mercenários do Wagner Group representam custos astronómicos. O uso de Putin dos recursos energéticos como arma (o petróleo e o gás natural) para ameaçar os países europeus perdeu força devido a um Inverno com temperaturas amenas.

Pelo contrário, a dependência energética europeia da Rússia está a mudar e as sanções dos países ocidentais contra a Rússia mantêm-se firmes. Desde que a Ucrânia não envie tropas para atacar a Rússia, e se limite a defender e tentar recuperar os seus próprios territórios, não há qualquer razão para a Rússia lançar ataques nucleares. Se Putin lançar um ataque nuclear apressadamente, está condenado a falhar. A guerra russo-ucraniana não vai durar para sempre. A melhor forma seria terminar a guerra através de conversações de paz, mediadas por um terceiro país ou pelas Nações Unidas e proceder a uma retirada bem calculada. Caso contrário, em breve teremos uma guerra desastrosa como já não se via há um século.

Mas para além da ameaça da guerra, a segurança nacional também pode ser abalada por problemas de ordem económica. De acordo com os dados divulgados, no dia 17 deste mês, pelo Serviço Nacional de Estatística e Censos da China o crescimento económico do país em 2022 foi de 3 por cento, muito abaixo dos 5.5 por cento esperados. Em termos demográficos, a China registou um crescimento negativo pela primeira vez em 61 anos, com um decréscimo de 850.000 pessoas. Isto significa que a China perdeu o seu dividendo demográfico e entrou numa era de envelhecimento da população. Se o crescimento demográfico negativo se tornar uma tendência, o que acontecerá à China no futuro?

A China declarou há algum tempo que o seu crescimento económico anual deveria ser mantido pelo menos nos 6 por cento, caso contrário, surgiriam problemas socio-económicos. Infelizmente, acabou por pagar um preço muito elevado depois de adoptar a política nacional da “meta dinâmica de infecção zero” durante três anos para combater a pandemia. Mas acredito que serão feitos ajustes às políticas vigentes na reunião do Congresso Nacional Popular e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, que terão lugar no próximo mês de Março, para que a economia chinesa e os vários aspectos de ordem social possam voltar ao normal o mais rapidamente possível, uma vez que estas alterações criarão condições favoráveis para um desenvolvimento positivo.

Depois de ajustar as medidas de combate à pandemia, Macau está a esforçar-se para obter uma receita anual, a partir da taxação sobre o jogo, de 130 mil milhões de patacas em 2023, o que é uma abordagem pragmática. As centenas de milhões da reserva financeira obtidas pelos dois anteriores Chefes do Executivo da cidade podem não conseguir suportar as enormes despesas anuais do Governo da RAEM por muito mais tempo. Uma vez que a economia é a base da estabilidade social, se o Governo conseguir impedir a deterioração da qualidade de vida dos residentes e lutar pelo objectivo de uma governação orientada para o serviço social para evitar o caos, estará a dar a maior contribuição para a segurança nacional.

25 Jan 2023

Percebi!

CUMPRIDO um mês sobre o solstício de inverno, o sol já aquece um bocadinho mais e o dia cresceu alguns minutos. Já não era sem tempo, dirá qualquer cidadão da minha e das outras ruas de Portugal. Mas vai arrepender-se do desabafo, porque já cá estão a chegar os gelos, as neves e os ventos desastrosos que andam a matar gente por todo e hemisfério norte.

Em contrapartida, no hemisfério político que também está a norte, a temperatura não para de subir. Enquanto em Davos, Suíça, os donos da alta finança e da grande indústria discutem que ordens dar à NATO e seus capatazes nacionais, sete generais israelenses na reserva subscrevem uma carta aberta que o “Haaretz” publicou, reportando a manifestação em Telavive de dezenas de milhares de judeus alarmados com os planos do seu primeiro-ministro, Benjamin Natanyahu.

O objetivo de curto prazo deste neofascista réu de corrupção e de outras tranquibérnias, é retirar poder ao Supremo Tribunal e deixar o Parlamento sem um organismo que possa decretar a inconstitucionalidade de qualquer lei, mas o objetivo imediato é a anexação pura e simples da Cisjordânia, que divide em Samaria e Judeia, significando estas a parte principal da Palestina mártir ainda não totalmente ocupada.

Os sete generais, que são tão hebreus e sionistas como os outros compatriotas seus, escrevem que existem riscos de ser assim criada “uma nova realidade que levará a uma crise de segurança, diplomática e social”.

Os políticos – frisam os signatários da carta aberta – desconhecem, por um lado, “o que está envolvido na administração da vida e segurança nos territórios” e por outro, têm “uma crença religiosa na anexação, primeiro de facto e depois de jure de território na Judeia e Samaria. O resultado será o desmoronamento e a eliminação da Autoridade Palestiniana”, apesar de reconhecida pela ONU e pelo resto do mundo.

Perante notícias destas, preparei-me para aceitar e até reforçar a indignação dos portugueses – Governo e cidadãos – e qual não foi a minha surpresa? Isabel Santos, eurodeputada e dirigente do PS, aparece hoje no “Público” a rasgar as vestes por Macau, clamando contra o “desprezo da ditadura de Pequim pelos mais elementares direitos, liberdades e garantias”. Aux armes, citoyens!

Tadinhos dos herdeiros de Stanley Ho, o rei do jogo de Macau e do Estoril! – suspirei.
Sobre Israel, silêncio absoluto da Isabel e do Estado Maior do Largo do Rato.
Como é possível?
Espremendo os miolos, lembrei-me de uma biografia exemplar, a do pai e avatar da Isabel, o falecido António de Almeida Santos, Presidente da Assembleia da República e da Assembleia Geral da GEO Capital – Investimentos Estratégicos que foi, ao lado do impoluto Mário Soares e do seu devoto Jorge Coelho, um indómito defensor da Ota para sede do Aeroporto Internacional de Lisboa.

Sei que Macau ensinou muito ao ministro que tentou lavar as mãos com a água do Douro em Entre-os-Rios, demitindo-se estrondosamente para poder ascender a CEO do santo Grupo Mota-Engil luso-angolano. Sempre se deu bem com Almeida Santos e este, nascido em Seia muito antes dos incêndios na Serra da Estrela, começou por ser o talentoso Toninho que tocava guitarra em Coimbra e depois foi para Lourenço Marques, hoje Maputo, advogar e não sei se fazer algo mais.

Quando voltou, tornou-se o estrumador especial e providencial do terreno jurídico-constitucional, onde capciosamente se opôs a Álvaro Cunhal e onde o PS e o PPD puseram a semente da UGT, que brotou, medrou e está a dar os sumarentos frutos de que se alimenta a gulosa tríade dominante na Comissão Permanente da Concertação Social, constituída pelas confederações patronais da indústria, do comércio e da agricultura.
Ah, percebi!

À tarde

EVITA Perón, que não viveu o suficiente para ouvir a Madona cantar “Don’t Cry for Me, Argentina” (“Não chores por mim, Argentina”), chamou “descamisados” aos muitos milhares de pobres que se manifestavam na década de 60, na Praça de Maio, em Buenos Aires, frente ao palácio do Governo, a Casa Rosada.

“Para mim”, explicou mais tarde a esbelta primeira dama, “descamisado é o (…) que ama, sofre e goza como povo, mesmo que não se vista como povo. Descamisado é o que esteve na Praça de Maio no 17 de outubro, ou quis estar.

Descamisado é o povo, culturalmente inferior, que aceita, com honra, essa inferioridade, porque, no fundo, se sente forte, por meio do seu líder, e potencialmente superior, porque, por seu intermédio, se sente ascender a uma nova dignidade.”

Para o comum dos portugueses, “descamisado” tem quase só a ver com as maçarocas do milho e significa “despojado do folhelho”. Daí, as tão celebradas desfolhadas. Ou seja, sem a casca ou, numa interpretação mais livre, sem a capa do poder, como agora o ex-ministro Matos Fernandes chamou ao grupo de WhatsApp que criou para os inocentes jantares-convívio que têm juntado outros ex-ministros dos governos de António Costa (Marta Temido, Siza Vieira, Brandão Rodrigues, Alexandra Leitão, João Leão e Graça Fonseca).

A ideia dos repastos dos descamisados começou depois das últimas eleições legislativas e o próximo convívio de faca e garfo já deverá contar com Pedro Nuno Santos.

O que me intriga em toda esta inocência é que nenhum deles é pobre e até inclui o atual ministro hipernatista João Cravinho. Quem vai escrever os próximos capítulos da novela? E vão ser em estilo jocoso, dramático ou claramente conspirativo, à moda de Le Carré?

*

SÃO mais de 40 milhões (Portugal multiplicado por 4) os curdos divididos por 5 países: Turquia, Irão, Síria, Iraque e Arménia. O seu país natural e necessário continua adiado por vontade dos EUA, da NATO e da própria ONU que nem disto querem ouvir falar.
Será por Saladino ter sido um curdo e haver conquistado grande parte o ocidente cristão?
E não haverá na mártir Ucrânia quem levante esta questão aos dois contendores?

19 Jan 2023

Política da China à COVID-19 é científica, direcionada e eficaz

Liu Xianfa*

Recentemente, à luz da evolução da situação, a China vem aprimorando as suas políticas à COVID-19 que adoptam as medidas contra a Classe B, em vez das doenças infecciosas mais graves da Classe A, de acordo com a lei. Este é um ajustamento na abordagem de resposta da China com base numa avaliação abrangente da mutação do vírus, da situação da COVID-19 e dos esforços de resposta contínuos, incluindo uma alta taxa de vacinas. Isso ajuda a tornar a resposta mais baseada na ciência, direccionada e eficaz, restaurar a normalidade no trabalho e na vida do povo, atender às necessidades médicas e de saúde regulares e minimizar o impacto da COVID-19 nas operações económicas e sociais.

No entanto, alguns países, desconsiderando a ciência e os fatos, insistiram em tomar medidas discriminatórias de entrada com restrição contra a China. Alguns medias ocidentais desacreditaram o ajustamento da política à COVID-19 da China, alegando que a resposta da China falhou. Eles exageraram deliberadamente e até deturparam o ajustamento da política na China, mas evitaram relatar as deficiências e o alto preço pago na resposta à COVID-19 nos seus próprios países.

Na verdade, isso não passa de padrões duplos e é claramente contra a ética jornalística.

Desde que a COVID-19 começou, a China sempre colocou a vida do seu povo acima de tudo, fez o melhor esforço para proteger a vida e a saúde do povo e despejou todos os recursos no tratamento de todos os pacientes. Nos últimos três anos, temos respondendo com eficácia a cinco ondas globais da COVID-19 e evitando infecções generalizadas com a cepa original e a variante de Delta, que são relativamente mais patogénicas do que as outras variantes. A China reduziu muito o número de casos graves e mortes, ganhou um tempo precioso para o desenvolvimento, aplicação de vacinas e terapêuticas, e para preparar suprimentos médicos e outros recursos. As conquistas estão aí para todos verem.

Recentemente, à medida que a virulência das subvariantes de Omicron diminui, a experiência de resposta e absorção de vacinas chinesas aumentam, a China rebaixou o gerenciamento do vírus e mudou o foco para a proteção da saúde e a prevenção de casos graves. Trata-se de uma mudança oportuna e necessária, fundamentada na ciência e adoptada numa perspectiva de longo prazo, ainda tendo o povo como centro. Não significa de forma alguma o abandono do vírus ou a saída total das medidas de prevenção e controle. Continuamos a fazer todos os esforços para atender às necessidades de drogas do povo e proteger grupos-chave e residentes rurais, para garantir que suas medidas sejam bem direccionadas e eficazes.

Muitas províncias passaram já pelo pico de infecção e a vida das pessoas está gradualmente voltando ao normal. Os factos provaram que a China está bem preparada para a batalha e nós temos confiança e capacidade para conquistar novas vitórias. Aqueles que exageram que “o sistema médico da China está entrando em colapso” são meros boatos.

Desde o início da COVID-19, a China não apenas protegeu a vida, a saúde e a segurança do próprio povo, mas também ressaltou activamente à comunidade internacional que se unisse na luta contra a epidemia. Assumimos primeiramente vacinas como bens públicos internacionais. Até agora, fornecemos 2,2 mil milhões de doses de vacinas e uma grande quantidade de materiais anti-epidémicos para o mundo, especialmente países em desenvolvimento.

Como o trabalho de prevenção e controlo entrou em um novo estágio, a China implementou novas políticas de maneira suave e ordenada e optimizou ainda mais as políticas de entrada e saída, tornando os intercâmbios de pessoal chinês e estrangeiro mais fácil. O nosso potencial económico e a nossa vitalidade serão libertados ainda mais, e uma série de políticas recém-introduzidas terá um efeito sobreposto, que continuará a trazer mais benefícios para manter a estabilidade e a suavidade das cadeias internacionais de abastecimento e indústria, promovendo uma cooperação mutuamente benéfica entre os países, e impulsionando a recuperação e o crescimento da economia mundial.

Acções falam mais alto que palavras. Com os factos acima mencionados, todas as pessoas sem preconceito obterão uma compreensão objectiva e abrangente do ajustamento da política da China. Acreditamos firmemente que, com base na experiência da luta contra a COVID-19 nos últimos três anos, a China será capaz de coordenar efetivamente a prevenção e o controle da epidemia com os desenvolvimentos económico e social e obter a vitória final na luta contra a epidemia. A optimização e o ajustamento contínuos das políticas de prevenção e controlo da epidemia da China também fornecerão uma turbina mais estável e confiável para a recuperação da economia mundial e ajudarão o mundo a acabar com a epidemia o mais rápido possível.

*Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Macau

18 Jan 2023

Aumentar a idade da reforma

A comunicação social assinalou a semana passada que o Governo francês propôs o aumento da idade da reforma para 62/64 anos. Além do aumento da idade, para ter direito à pensão completa os trabalhadores terão de ter 43 anos de descontos. A proposta vai ser debatida no Parlamento francês no próximo mês de Fevereiro, mas os sindicatos já estão a agendar greves de protesto.

Actualmente, os vários países e regiões têm diferentes idades de reforma. Na China continental, os homens reformam-se aos 60 anos e as mulheres aos 50. No entanto, a China implementou um sistema que prevê o alargamento da idade de reforma. A partir de 1 de Março de 2022, em Jiangsu, desde que o trabalhador concorde, pode adiar pelo menos por um ano a sua reforma.

Em Hong Kong não existe legislação que regule a idade da reforma, mas os funcionários públicos aposentam-se aos 65 anos e os membros das forças de segurança aos 60. O Regime do Fundo de Previdência Obrigatório de Hong Kong estipula claramente que os residentes têm de ter pelo menos 65 anos para poderem usufruir dos seus benefícios.

Além disso, Hong Kong também tem outros apoios sociais para pessoas com mais de 65 anos, como as habitações para seniores, cartões para residentes seniores e pensões de velhice.

Em Macau a idade de reforma para os funcionários públicos é 65 anos, e também podem usufruir de habitações para a terceira idade, pensões de velhice e cartões de transportes com descontos.

Em Abril de 2022, o Japão implementou a “Emenda à Lei da Segurança no Emprego para Cidadãos Seniores” e aumentou a idade da reforma dos 65 para os 70 anos. Esta disposição é puramente voluntária e não obrigatória por lei. O Japão também tem um sistema de pensões e os cidadãos japoneses que atingem a idade de 65 podem recebê-la.

A idade de reforma nos Estados Unidos varia consoante o ano de nascimento do trabalhador. Quem nasceu antes de 1960, reforma-se aos 62 anos. Quem nasceu depois de 1960 reforma-se aos 67. Os Estados Unidos têm um sistema de pensões, e o montante da reforma é calculado a partir dos rendimentos do contribuinte e do montante dos impostos pagos ao Estado ao longo da sua vida activa.

O Reino Unido tem um sistema de segurança social a nível nacional e a idade da reforma varia entre os 66 e os 68 anos. Os cidadãos britânicos que tenham trabalhado pelo menos 10 anos podem receber benefícios sociais e o montante é ajustado de acordo com o salário médio anual e o índice da inflação.

Os diversos sistemas de pensões têm normas diferentes, mas parece certo que em todo o lado existe uma tendência para aumentar a idade da reforma. Hoje em dia, os jovens concluem os cursos universitários por volta dos 22 anos.

Se se reformarem aos 65 anos trabalham apenas 43 anos. Com o avanço da ciência e da tecnologia na área da saúde, a esperança média de vida aumenta. A idade média de reforma em Hong Kong e em Macau é de 65 anos, o que quer dizer que, em média, depois da reforma uma pessoa viverá mais 20 anos. Imaginando que esta pessoa terá uma carreira de 43 anos de trabalho, vai precisar de se preparar para um ano de reforma a cada dois anos de trabalho, e este encargo financeiro é significativo.

A pensão que o Governo proporciona aos residentes faz parte da sua responsabilidade de cuidar dos idosos. Com o crescimento da população idosa, a sociedade exige que as pensões sejam cada vez mais altas e o encargo do Governo torna-se cada vez mais pesado. Embora todos se devam preparar para a reforma e ter um plano de pensão privado, mas, como podemos ver pelo exemplo acima mencionado, isso implica que a cada dois anos de trabalho deva poupar para um ano de reforma, o que representa um elevado encargo financeiro. Uma maneira de resolver este problema é aumentar a idade da reforma.

Aumentar a idade da reforma significa que as pessoas podem trabalhar por mais alguns anos. Durante esse período, o Governo pode arrecadar mais impostos e a população activa da cidade não diminui. Os trabalhadores mais velhos com uma larga experiência e grandes aptidões profissionais são sempre úteis nas empresas.

Claro que a produtividade pode decair com a idade. No entanto, o lado negativo desta situação, como os franceses nos lembraram ao combaterem a proposta de alargamento da idade da reforma, é as pessoas não puderem desfrutar com tranquilidade do descanso que merecem ao fim de uma vida de trabalho.

O regime de segurança social de Macau exige que as pessoas trabalhem pelo menos 30 anos antes de receberem na totalidade a pensão de velhice de 4.862 patacas. Como, a partir de 2026 Macau passará a ser uma sociedade envelhecida, o pagamento de pensões vai aumentar. O aumento da idade de reforma em Macau é um factor a ser considerado.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

17 Jan 2023

Portugal do nosso descontentamento

Os portugueses vivem momentos perturbados. Estabilidade e confiança no governo de maioria absoluta não existe. Todas as semanas assistimos a casos que fazem perder a credibilidade de quem nos governa. Na semana passada a Polícia Judiciária chegou à terra natal de Luís Montenegro e deteve o presidente socialista da Câmara Municipal de Espinho e mais três funcionários superiores. São suspeitos de corrupção e de outros factos ilegais. O presidente edil, Miguel Reis, estava no cargo há pouco mais de um ano e após a detenção pediu logo a exoneração do cargo.

A corrupção em Espinho é apontada já há muitos anos, desde que Pinto Moreira, social-democrato, era presidente da edilidade e que após o mandato foi para a vice-presidente do grupo parlamentar do PSD e que na passada quinta-feira renunciou ao cargo. Como sabemos o povo tem votado em maioria no PSD e no PS e por essa razão sente-se ludibriado e desolado.

Não passa uma semana sem casos que enchem as páginas dos jornais. Casos de ilegalidade, de falta de ética republicana e de falta de moral. Uma fonte do Ministério Público transmitiu-nos que não existem meios para investigar o número de autarcas de quem desconfiam ser suspeitos da maior corrupção no país.

A interligação entre empresários da construção civil e presidentes das Câmaras Municipais é íntima e conflui em negociatas escandalosas onde se mudam os planos directores municipais para dar lugar a empreendimentos de milhões de euros, indo algum dinheiro parar aos bolsos dos autarcas. Assim, o país perde a confiança total em quem administra este país.

O caso de Espinho é um pequeno exemplo de que a função que obrigatoriamente deveria ser séria e em benefício de quem paga os impostos redonda em actos contra a lei. A seriedade nas diversas regiões do país não impera e todo o povo sabe que a vida quotidiana se torna cada vez mais difícil.

O poder de compra dos cidadãos tem diminuído e já temos cerca de quatro milhões de portugueses no limite da pobreza, muitos que passaram a viver à custa de familiares e amigos. Para vos dar um exemplo, um português com uma reforma de 300 euros pretendeu que a Segurança Social lhe passasse uma declaração para que pudesse dirigir-se à companhia de electricidade e obter uma tarifa social de consumo energético. A declaração foi-lhe negada porque foi-lhe transmitido que as reformas foram aumentadas. Que balela mais incrível quando o aumento que os reformados tiveram situaram-se em uns míseros euros.

O primeiro-ministro vai ao Parlamento e não responde concretamente às perguntas dos deputados. O Presidente da República é confrontado com os casos ilegais de governantes e escusa-se afirmando que aguarda as decisões do Governo. Quais decisões? Simplesmente factos graves como destituir a administração da TAP depois de uma sua administradora sair da empresa e ter recebido uma indemnização de 500 mil euros, quando a TAP se encontra em reestruturação tendo já despedido cerca de três mil trabalhadores e depois de ter recebido do governo ima injecção financeira de mais de três mil milhões de euros, dinheiro do povo.

Os deputados quiseram também saber o que faria o Governo no caso da secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, que deixou o Governo e ia trabalhar para uma empresa que tutelou e a quem entregou mais de cinco milhões de euros. Ia trabalhar, mas depois das críticas de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa desistiu de ingressar na dita empresa. É que a lei é bem clara, qualquer governante só pode ir trabalhar para uma instituição que tenha tutelado após três anos. A falta de legalidade e de ética moral desta governante bradou aos céus e os portugueses não aguentam mais, assistindo a casos de corrupção e ilegalidade atrás uns dos outros.

Na rua as manifestações de desagrado e protesto seguem-se diariamente. Na semana passada estiveram a reivindicar os sus direitos os trabalhadores da banca e os professores continuam em greve e milhões de alunos sem aulas e os seus pais desesperados sem poder ir trabalhar para ficarem em casa com os filhos. Há estudantes que não têm aulas de português quase há um ano, já não referindo que o estudo do épico Camões foi retirado do ensino. Para os amigos leitores de Macau aconselho a que se deixem estar, porque não irão encontrar o mesmo país quando decidiram ir trabalhar para Macau.

Contudo, há uma referência positiva que se impõe: os 50 anos de existência do semanário Expresso, um jornal que teve o seu início no tempo da ditadura, mas que sempre lutou pela liberdade de expressão. Esta, é uma homenagem merecida a quantos passaram pelas páginas do Expresso. Como sabem, muitos jornais fecharam as suas portas pelas mais diferentes razões, mas manter um jornal 50 anos com qualidade e um jornalismo de referência é obra. A todos os jornalistas que lutaram pela referida liberdade deixamos os nossos maiores encómios.

16 Jan 2023

Não posso crer

Ainda não consegui superar a minha velha dificuldade em pensar racional e friamente em certas pessoas antigas, mitificadas ou não, porque, apesar de todos os esforços que faço para me adaptar a uma norma ética no seu e no meu tempo, acabo sempre por descobrir que cada preconceito que estrangulo é sistematicamente substituído por outro, quase sempre o seu inverso.

A ética de Aristóteles ou Plutarco opõe-se mesmo à de Cristo e de Espártaco?
E a razão dos cátaros é maior ou menor que a dos iluminados?
E a resistência pacífica de Francisco de Assis e a de Gandhi causaram menos ou mais mortos que a luta armada, na Europa, na Ásia, e na Africa?

E o calculismo de Maquiavel é mais lúcido e menos justo que o de Giordano Bruno e de Lutero?
Como definir ou simplesmente contabilizar o saldo da contradição entre ambas as escolhas?
Como avaliar a necessidade do predador e a da presa?

Como não perguntar como Garrett quantos pobres são precisos para fazer um rico?
Mais concretamente, como enriqueceram os brasileiros de torna-viagem?

Assaltam-me estas questões, quando, por exemplo, me ponho a pensar na personalidade do Infante D. Henrique ou na de Luís de Camões. Um deixou morrer o irmão numa enxovia prisional de Marrocos para não devolver a cidade sarracena que havia conquistado e deixar saquear no meio de um morticínio, além de ser filho de rei e comandante de corsários no Mediterrâneo. Comandou drasticamente, com a insanidade da sua misoginia, o início da globalização económica mercantil e amoral, bem como a escravatura como um objetivo económico.

E como avaliar a honorabilidade de Camões sabendo dos seus poucos escrúpulos nos dias e noites de Lisboa, da Ilha de Moçambique, de Macau, etc., sabendo-o um marginal, um zaragateiro contumaz e, tantas vezes, um alcoólatra completamente destrambelhado? Tudo isto apesar da sua dimensão enquanto persona genial só comparável na Europa a Homero, a Petrarca e a Shakespeare.

E como distinguir a responsabilidade de um pedófilo, de um toureiro, ou de um vendedor de droga a miúdos e graúdos nas imediações das escolas e de certos cafés, como o da minha rua?

Porque não deixaram nem os gregos, nem Marx uma noção intemporal da diferença ontológica entre o moral e o imoral, até porque como amoral apenas sei do pragmatismo?

Mao terá cometido erros e talvez alguns graves, tal tomo todos seus sucessores, incluindo o actual, mas o que estamos a ver é um desempobrecimento de milhões de chineses e o fulgurante progresso do seu país. É caso para recordar o autocrata Marquês de Pombal e questionarmo-nos se o despotismo esclarecido foi uma perversão ou uma salvífica emergência.

Não gostaria de chafurdar no pântano do relativismo e muito menos no conforto insano do pensamento norte-americano, tantas vezes imitado pelos britânicos e por tantos outros, mas a pandemia de antivalores e de outros vírus de ocasião, mas temo que seja mesmo um risco muito sério para quem dá prioridade à sobrevivência e ao sucesso pessoal ou coletivo. Veja-se a história do Cristianismo e de todas as outras religiões e desígnios nacionais.

Quem sabe se o papa emérito não estaria ainda traumatizado pelo escândalo de pedofilia que envolveu o seu mano Padre Georg e o arranhou também a ele, quando ambos eram sacerdotes em Munique…

À tarde

Ninguém esperava, julgo eu, que o ano de 2023, além das sequelas da pandemia e da continuação do morticínio russo-ucraniano, tivesse também de suportar a carga de ridículo que Lula não conseguiu evitar num Brasil já tão ferido de tragédias e de irrisão.

Já tinha caído no esquecimento a postura bacoca da Presidente Dilma Rousseff, quando decretou que passaria a ser tratada por “Presidenta”, acabando corrida de Brasília por sofrer um “impeachment” injusto que teve outras razões, mas aparece agora algo ainda mais patético – a nova ministra da Cultura do enorme Brasil, a cantora baiana Margareth Menezes, já descobriu e mandou usar três géneros na morfologia dos substantivos. Exemplo: todos, todas e “todes”.

Não sei se este dislate resulta de pressões vindas de algum ‘lobby’ do universo LGTBI, que eu muito estranharia ver acatar por uma dengosa e morena filha da Baía, ou se é apenas uma ressonância da castiça pronúncia da beirã Alcains, onde o seu mais célebre filho, o ex-Presidente Eanes, aprendeu a falar.

O que sei é que ainda não logrei serenar, entre o riso e a náusea, vendo que vários ministros de Lula já começaram a também dizer “todes”.

Será que o novo Presidente vai ceder à palermice inqualificável da sua ministra da Cultura que corre o risco de ser vazada para o Ministério da Coltura, onde Bolsonaro aprendeu a falar?
Não posso crer. Nem com um Colt apontado à minha cabeça.

13 Jan 2023

Ano do Gato

Começa assim na primeira Lua-Nova do Ano um ciclo a Oriente, que é também um momento de grande festividade, um rito de passagem repleto de significado dando a Buda o que é de Buda, que notificou como nas fábulas os animais.

O ciclo das doze Luas iria marcar cada Ano e inscrever na mandala as características de cada um, entrando este com as prerrogativas do nosso amado felino. No entanto, é também designado por Ano da Lebre ou do Coelho, existindo sem dúvida a conexão lunar que os associa, que seres míticos como o Dragão, estarão sem dúvida associados a Anos solares (mesmo que o horóscopo seja lunar) e o Cavalo, o Macaco, o Tigre, a virtudes mais “yang” num certo calor que marcará as suas regências.

É altura de calmaria! – Um Ano de Água no contraponto deste Bestiário trará enfoque ao elemento assinalado, esperando-se por isso manifestações aquosas de monta como bons banhos, óptimas viagens de barco… e na pior das hipóteses, naufrágios, tsunamis, chuvas torrenciais… a chamada «água pela barba» que quem as tiver, melhor será que estejam de molho.

No início de 2020 a China pareceu assustada com o singular Ano do Rato tendo razões para isso. As Festividades quase foram canceladas quando muitos estavam já a caminho quais Flautistas de Hamelin ao rebentar da temida pandemia.

Era aquele Ano do Rato que só se produziria ( reproduziria ?) de sessenta em sessenta anos sob a égide do Metal, que neste caso competiu com o vil metal, e tão dado como nefasto que cumpriu à regra a sua missão. Por isso (que mais coisas se passam ainda do lado do Sol Nascente) nada de superstições acerca do Gato, que mesmo que seja negro, será antídoto para um mal que não passa e parece recrudescer. Que o faça em silêncio, como fazem todos os felinos, e não se grite daqui: obscurantismo… de retro satanás… digam já…! Não digam nada, que a China não é um Parlatório.

E salve-se a qualidade social destes festejos cuja cor, alegria, fantasia e grande performance, corroboram o grande poder imaginativo, quase onírico, de um mundo que pouco lembramos agora de forma salutar. Há muito mais mundo para além da economia, da pandemia, da democracia, da tecnocracia e da autoridade política. Há os povos, os seus emblemas, os seus ritos, os seus cultos ( que os incultos não cumprem passagens nem estão alinhados com o movimento dos céus).

O desdém tristonho do aglomerado europeu tentou pela prática do prático valor dos instintos, (bizarramente apelidado de científico para as nomenclaturas de culto pragmático) esquecer a demanda dos povos em suas naturezas transcendentes, e fez-se então nestas gentes, nestes povos, prestes a morrerem de estrangulamento inoperacional, uma jangada deitada às águas infernais, estrebuchando a maioria em manifestações insolentes perdendo o ritmo dos questionamentos.

Esta via oral é uma reminiscência defeituosa das teorias, uma reverberação alargada de um ciclo civilizacional que não se soube cumprir. Nós vivemos todos muito bem sem ter Partido, Regime, mas falhas as regras civilizacionais nada subsistirá, que também este aspecto para um tempo próximo será de somenos: preparam-se as hostes para a aniquilação progressiva de uma Humanidade chegada a seu términus, suplantada por todas as formas de inteligência a seguir que nos hão de fazer inúteis. Se ao menos levássemos connosco uma certa saudade do remoto transcender… Nem isso! Morreremos como inqualificáveis herdeiros de coisa nenhuma.

Entrados que somos então no Ano do Gato (Lebre e Coelho são herbívoros) e testada a infalibilidade dos sondadores dos céus, este pequeno carnívoro nos irá conduzir a um ciclo novo. Sim, ele é um carnívoro, e tenho uma pena muito grande que não se respeite por quimérica partidarização a sua natureza. Isso não nos deverá preocupar. É assim!

Nós, a espécie dominante, devemos e podemos fazer escolhas, mas amar a vida não é condicionar os seres aos nossos dogmas: «Tu podes não comer carne, mas não te esqueças de a dar ao teu Tigre e ao teu Gato, caso contrário serão eles que te devorarão». Um felino não existe para ser bom ou mau, isso são juízos de valor, eles existem na Terra para nos indicar também que a beleza é terrível tal como o anjo de Rilke. A ambivalência de que são portadores não nos encaminha para uma conquista sem que haja muitos danos, mas que a beleza por fim enfim, e para sempre, esse grande elo divino que nossas prazenteiras essências temem ver de frente. A Beleza é Terrível?! Sim, é terrível. Para nós, que vamos em busca, a Beleza será tudo aquilo em que nos devemos tornar sem nenhum padecimento.

Os heráldicos seres — Águia, Touro, Leão e Anjo — ornam a imagem do Mundo dos arquétipos a Ocidente onde uma dançarina orlada por forma oval olha os Tempos defendida por estes personagens seus guardiões… que o Mundo não é plano, nem as teorias personalistas e conspiratórias entram no seio destes mistérios, mas na realidade a Oriente, entramos no Ano do Gato que nos fará sinais vindos de ângulos impensáveis. Estou certa que será um imponente Ano! Deveria temê-lo orientalmente falando? Não. O amor, ao não ser real por constatações diversas, sobe ainda assim, ao existir, como um Gato à Árvore mais alta para que testemunhemos a diferença entre nomeá-lo e saber sê-lo. Bom Ano para todos.

12 Jan 2023

Congelar óvulos e o direito à fertilidade

Em Dezembro 2022 a Jennifer Aniston, numa entrevista muito honesta, falou sobre a dificuldade em engravidar. O insucesso de todo o processo pô-la a pensar nos ‘ses’ da sua vida. Um desses ‘ses’ teria envolvido congelar os óvulos quando era mais nova. Um conselho que ela tentou passar à audiência da sua entrevista.

“Façam o favor a si próprias: congelem os vossos óvulos.” Nas redes sociais começou-se a discutir isso. Imediatamente fui falar com uma amiga que estava a passar por um processo de inseminação artificial. Ela disse-me que aconselharia também a todas as mulheres que conhece. O procedimento exige a estimulação de produção de ovócitos, a sua remoção e o congelamento. O processo pode ser doloroso e ter alguns efeitos secundários, mas garante óvulos saudáveis numa fase posterior de vida.

Há uns 10 anos só um grupo muito estrito de mulheres é que fazia este procedimento: mulheres a lutar contra doença oncológica. Mas os números são claros de outras motivações que se insurgem. Chama-se congelamento de óvulos social para aquelas pessoas que decidem fazê-lo por razões sociais. Que razões sociais são essas? As mulheres fazem-no porque prevêem que pode ser importante nos seus planos de vida. A mulher nasce com uma quantidade definida de óvulos. Inicialmente, de forma gradual, a reserva começa a reduzir. Mas a partir dos 35 anos há uma aceleração deste processo. Assim, bem informadas, as mulheres decidem congelar óvulos nos 20, ou no início dos 30.

Para a mulher dita moderna esta é uma forma de planeamento e controlo da maternidade. A mulher moderna sabe que a estabilidade financeira e emocional só chegará depois dos 35. Também sabe que encontrar uma parceira ou parceiro ideal pode ser um processo lento e moroso. Mas a mulher moderna precisa de ter muito dinheiro para ser assim organizada – uns quantos milhares para assegurar a apólice de seguro da maternidade. Há custos associados à remoção, congelamento e armazenamento. Dado o seu caracter social, é um procedimento não comparticipado.

Apesar de ser visto como uma ferramenta de empoderamento das mulheres, para investir nas suas carreiras e conseguir ser mães em diferentes fases de vida, o empoderamento só é acessível a algumas. Para além do mais, há quem discuta que o seguro não é tão seguro assim. O congelamento dos óvulos é uma oportunidade, não é um embrião.

Por mais que as celebridades e as amigas aconselhem, há que pensar no grande esquema das coisas. Uma narrativa desta natureza assume que a fertilidade é um problema individual a necessitar de soluções individuais, que só um grupo da população consegue garantir. As condições de trabalho, de estabilidade profissional e financeira que possa garantir o bem-estar de uma criança, vem cada vez mais tarde, e isso não é da responsabilidade de cada uma. Este mecanismo de empoderamento precisa também de refletir sobre os ambientes propícios à fertilidade e à maternidade. Não vos custará muito verificar as fracas políticas de apoio à natalidade que não têm a consideração o tempo ou a exigência financeira que é ter uma criança. Se a decisão de ter uma criança é adiada, muitas vezes não é por capricho, é por necessidade.

O direito à fertilidade precisa de ser amplamente considerado nas suas formas multi-facetadas. A possibilidade de escolha de uma maternidade tardia é, claro, maravilhosa. É possível manter essa possibilidade em aberto para quem tenha os recursos para fazê-lo. Mas não deixa de ser uma estratégia que é individual e elitista. O reconhecimento que este é um procedimento de empoderamento, também precisa de vir acompanhado de uma consciência dos contextos em que esse direito à fertilidade é continuamente retirado e descurado.

11 Jan 2023

Gozar a reforma na Grande Baía

Um estudo feito em Hong Kong apontou que 57.9 por cento dos inquiridos pretendem desfrutar da reforma na Área da Grande Baía. Shenzhen e Guangzhou são as primeiras escolhas, aparentemente porque nestas cidades o custo de vida é mais baixo. A comunicação social assinalou que as alterações ao Fundo de Previdência Obrigatório, o aumento do âmbito de aplicação dos vouchers de saúde e dos incentivos fiscais e a manutenção do estatuto de contribuinte de Hong Kong, tornaram a Área da Grande Baía o local mais atractivo para se viver depois da reforma.

Não é surpreendente que os residentes de Hong Kong tenham esta opinião. As Nações Unidas assinalaram que quando a percentagem de idosos é superior a 14 por cento estamos perante uma sociedade envelhecida. Em 2022, viviam em Hong Kong 1 milhão e 520 mil pessoas com mais de 65 anos, num total de 7 milhões e 290 mil habitantes.

Estes números apontam para uma percentagem de idosos na ordem dos 20.9 por cento em relação ao total da população, ou seja, um em cada cinco habitantes é idoso. O Census and Statistics Department of the Hong Kong Government prevê que a percentagem de idosos continue a aumentar, atingindo os 30 por cento em 2037, num total de 2 milhões e 580 mil pessoas, ou seja, nessa altura, existirão 3 idosos por cada 10 habitantes. Deste modo, percebemos que Hong Kong já é uma sociedade envelhecida.

O aumento do envelhecimento da população acarreta sérias implicações para a sociedade. Em primeiro lugar, a percentagem da população em idade activa diminui. O Census and Statistics Department of the Hong Kong Government prevê que em 2024, Hong Kong terá 3 milhões e 650 mil residentes em idade activa, o que representa 50 por cento do total da população.

O aumento da percentagem de idosos, acompanhado pelo decréscimo da percentagem de população em idade activa, vai naturalmente fazer baixar o PIB. Em segundo lugar, à medida que a população envelhece, aumenta o encargo que os filhos têm com os pais. De acordo com um estudo feito em Hong Kong, mais de metade dos inquiridos dão aos pais entre 3.000 a 7.000 dólares de Hong Kong (HKD) por mês, o que representa 10 por cento a 24 por cento do rendimento médio familiar, estimado nesse ano em 28.700 HKD.

A diminuição do rendimento dos filhos vai afectar a compra de casas, reduzir os fundos para a educação da geração seguinte e assim por diante. Três gerações de uma família podem ser afectadas. Em terceiro lugar, à medida que a população envelhece, as despesas do Governo relacionadas com a Segurança Social aumentam e a pressão nas finanças públicas cresce de dia para dia.

A população de Macau também está a envelhecer. O relatório emitido pela “Projecção da População de Macau 2016-2036” assinala que em 2026, a percentagem de pessoas com mais de 65 anos representará 16 por cento do total da população, aproximadamente 157.600 indivíduos, o que de acordo com os padrões das Nações Unidas indica a existência de uma população envelhecida. Segundo os dados dos Serviços de Estatística e Censos de Macau, relativos a 2020, 12.9 por cento da população tinha mais de 65 anos, valor que se aproxima da marca a partir da qual as Nações Unidas consideram que uma sociedade está envelhecida.

Actualmente, o Governo de Macau dá aos idosos uma pensão anual de 9.000 patacas, uma pensão mensal de 3.740, um cheque pecuniário de 10.000 e ainda 7.000 patacas anuais provenientes do Regime de Previdência Central Não Obrigatório. Se nos basearmos nestes cálculos, o Governo de Macau dá a cada idoso cerca de 6.200 patacas mensais e ainda acesso a serviços de saúde grátis ou de baixo custo e uma comparticipação para transportes. Todos estes apoios são bons para os mais velhos.

Em termos de habitação, foram criados os “apartamentos para idosos”, que fornecem algo semelhante a serviços de hotelaria aos seus ocupantes. Estes apartamentos embora sejam privados encontram-se inseridos num programa de habitação social, o que permite que os futuros locatários vão podendo contribuir com um valor mensal antes de os ocuparem. À partida, as pessoas com menos posses não podem aceder a estes apartamentos. Simultaneamente, Macau não tem um plano de “hipoteca inversa”. Os idosos não podem “emprestar” as suas propriedades aos Bancos, de forma a receberem um rendimento mensal vitalício.

No seu todo, os vários benefícios dados pelo Governo de Macau aos idosos são bastante bons, mas a China continental tem condições bastante melhores. A China continental é muito vasta, e pode proporcionar aos idosos espaços vitais alargados. O ar é mais puro do que em Macau e mais saudável para os idosos. O custo de vida também é relativamente baixo, o que é conveniente para quem tem poucos rendimentos. Mas acima de tudo, muitos residentes de Macau têm familiares na Área da Grande Baía.

Portanto, desde que um apoio suplementar seja dado aos idosos de Macau que decidam residir na Área da Grande Baía, muitos se sentirão atraídos para aí passarem o tempo das suas reformas. Por exemplo, como atrás mencionado, os vouchers de saúde de Hong Kong podem ser usados na China continental, um factor a ser considerado em Macau. Além disso, a Lei de Macau tem regulamentos claros sobre a distribuição dos fundos do Regime de Previdência Central Não Obrigatório.

Em primeiro lugar, o Governo de Macau tem de ter um excedente orçamental. Em segundo lugar, os beneficiários têm de residir em Macau pelo menos 183 dias por ano. Se esta última condição desaparecer, os idosos de Macau não perdem os fundos do Regime de Previdência Central Não Obrigatório se forem viver para a Área da Grande Baía.

O custo de vida mais baixo, o ar mais puro e mais espaço vital são boas condições que podem atrair os idosos de Macau a passarem o seu tempo de reforma na China continental. A Área da Grande Baía fica perto de Macau e o tempo de deslocação não é longo. Além disso, muitos residentes de Macau têm parentes na Área da Grande Baía. Se houver mais apoio, haverá muitos idosos de Macau dispostos a viver na Grande Baía para aí gozarem os seus dias de reforma.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

10 Jan 2023

Portugal é um paraíso

Há alguns anos passei por Vinhais. Era uma localidade pobre com cerca de quatro mil habitantes, no distrito de Bragança e uma sub-região do Alto de Trás-os-Montes. Sede de município com 35 freguesias.

Pouco ou nada tinha que atraísse o visitante. A dada altura foi para presidente da edilidade o socialista Américo Afonso Pereira e um amigo que residia em Vinhais foi-me informando que a terra estava a ter um desenvolvimento surpreendente e as obras estavam a aparecer como cogumelos. É uma região marcada por lameiros (prados permanentes), com grandes extensões de carvalhos negros, soutos de castanheiros e searas de trigo e essencialmente centeio, sendo o maior produtor nacional de castanhas.

No território existe uma particularidade que vale a pena realçar: rochas de xisto que os arqueólogos indicam ter uma idade de mais de 400 milhões de anos. Com o decorrer dos anos sob a batuta do edil socialista Afonso Pereira casado com a secretária de Estado da Agricultura que tomou posse na semana passada.

E aqui é que começa o espanto: o casal tem várias contas bancárias conjuntas e o marido está acusado pelo Ministério Público de corrupção e de não ter declarado ao fisco centenas de milhares de euros. Segundo as autoridades judiciais que pedem o julgamento do autarca, acusando-o entre outros factos de informar alguns amigos de terrenos que ele próprio iria oficializar na Câmara como locais para habitação, logo, os amigos adquiriam esses extensos terrenos.

Resultou que a investigação judicial concluiu que o casal recebia anualmente muito mais dinheiro nas suas contas bancárias do que o pecúlio indicado às Finanças e cujas contas bancárias já foram arrestadas.

A bronca está lançada. É mais um caso no Governo português onde já 10 dos seus membros saíram empurrados pelas costas em face de casos que bradaram aos céus, incluindo um ministro que sem dar satisfação a ninguém anunciou que seriam construídos dois novos aeroportos, no Montijo e Alcochete, e que o de Lisboa seria completamente remodelado e melhorado. Desta vez, a semana terminou com a vergonha de uma secretária de Estado que acabara de tomar posse estar metida em cambalachos quando foi funcionária da Câmara de Vinhais com o marido em presidente da autarquia. E já se pede a demissão da ministra da Agricultura.

Mas, neste país só reina a corrupção? Claro que não. Há gente séria, competente, dedicada. Essas pessoas não as vimos a ser convidadas para governar seriamente o país. Como é que pode ser possível que o primeiro-ministro escolha uma pessoa para governante quando antecipadamente lhe chamam a atenção da possibilidade de existir investigação e até acusação de actos ilegais que comportam essa escolha? Porquê é que tem de ser uma secretária de Estado para a Agricultura uma cidadã que juntamente com o seu marido está debaixo do foro judicial? O povo começa a não tolerar que assiduamente os políticos se dediquem ao que não é legal.

A políticos que passam de uma fracção de um prédio para uma vivenda de luxo com piscina em Cascais ou em Sintra. O povo está farto de políticos que saem de um cargo bem remunerado e repleto de mordomias e que entram de seguida em outra função que um salário escandaloso, como salários mensais na ordem dos 30 mil euros, com carro conduzido por um motorista. O povo está farto de deputados que ao deixarem o parlamento ficam a receber vitaliciamente uma reforma choruda. O povo está farto de ouvir o Presidente da República a mandar recados para o Governo sem agir com as competências que lhe estão destinadas, nomeadamente a promoção de eleições antecipadas, porque o Governo não governa.

Portugal está a passar uma crise grave. Os pobres estão cada vez mais pobres. Os funcionários públicos e os trabalhadores das empresas privadas voltaram ao hábito de levar para o local de trabalho as suas lancheiras com o almoço. A própria classe média está a sentir a inflação galopante que já a priva de ir jantar fora ou passar o fim de semana num turismo rural. Isso acabou. Os cidadãos estão a perder o poder de compra e vão ao supermercado olhar primeiramente para os preços e só depois é que escolhem os poucos produtos para consumir. Um exemplo simples: tenho um vizinho que é engenheiro.

Todas as semanas comprava uma garrafa de vinho e mensalmente uma de whisky. O referido engenheiro transmitiu-me que já não compra qualquer tipo de bebida alcoólica porque o orçamento familiar não chega para desvarios. Desvarios? Beber uma garrafinha de vinho por semana passou a ser um desvario? É um exemplo realista e simples da situação em que nos encontramos. Tal como o grande número de pessoas que está a vender os seus automóveis por não conseguir pagar o combustível e a manutenção dos veículos.

Portugal está a receber milhares de milhões de euros da União Europeia e ninguém vê qualquer progresso e onde é que esse dinheiro é empregue. Os hospitais estão a atender os doentes nas urgências ao fim de 13 horas. E não se constroem mais estabelecimentos hospitalares, não se evita que os médicos e enfermeiros emigrem ou que abandonem o Serviço Nacional de Saúde e optem pelos hospitais privados.

As estradas do interior do país vão-se degradando e em parte alguma aparecem os operários para as reparar as mesmas. As greves sucedem-se semanalmente e no ensino há alunos que chegam a não ter aulas durante uma ou duas semanas porque os professores entraram em greve, ou reformaram-se ou ainda, foram para o estrangeiro.

Assim não dá, não é viver, não existe esperança de melhores dias. Dois milhões de portugueses estão no limite da pobreza vivendo em más condições habitacionais sem se construir um bairro social. Portugal é óptimo, sabem para quem? Para os estrangeiros que vêm gozar o bom clima ou adquirir uma casa para viver depois de se reformarem na Dinamarca, Holanda, Alemanha ou outo país qualquer. Para esses europeus, Portugal é um paraíso.

9 Jan 2023

A vitória da sobrevivência

Os ajustes radicais feitos pelo Governo de Macau às políticas de prevenção da epidemia fizeram com que, em apenas duas semanas, o número de pessoas infectadas atingisse os objectivos do Governo.

Após pouco mais de uma semana de propagação do vírus, a maior parte dos infectados recuperou e ganhou anti-corpos. Mas, para além da criação de imunidade de grupo na população, muitos idosos faleceram neste período. Alguns morreram devido ao frio, outros porque eram doentes crónicos, outros ainda devido à idade muito avançada e, finalmente, alguns morreram de covid-19.

Devido ao critério usado para fins estatísticos, o número oficial de mortes por covid é bastante inferior ao estimado pela comunidade. A única prova concreta é o facto de os espaços destinados a velórios só estarem disponíveis para marcação a partir do início de Fevereiro.

O Inverno é a estação em que habitualmente morrem mais pessoas idosas e o Novo Ano Lunar é a época de reunião das famílias. A decisão sobre as medidas de combate à epidemia a adoptar é da responsabilidade do Governo e dos especialistas de saúde. A distribuição de kits de apoio ao combate à epidemia para todos os residentes de Macau, feita pelo Governo da RAE, ajudou a aliviar a severidade das infecções em certa medida, no entanto, estes kits não podem ressuscitar as vidas perdidas. Depois de atravessar esta vaga epidémica, a própria sobrevivência já é uma vitória.

Mas para além do direito à vida, devemos também valorizar a qualidade do nosso dia a dia. Se, com a abertura ao exterior, Macau irá recuperar a vitalidade anterior, é uma questão mais complexa do que o combate às infecções.

De acordo com informações de pessoas amigas, as receitas brutas provenientes dos jogos de fortuna ou azar em 2019 atingiram 292,34 mil milhões de patacas. Mais tarde, devido a factores como a pandemia, as medidas anti-corrupção e as restrições à saída de capitais da China continental, bem como a questões relacionadas com as salas VIP dos casinos, as receitas brutas provenientes dos jogos de fortuna ou azar em 2020 foram de 60,32 mil milhões de patacas. Em 2021, as receitas brutas atingiram os 87,54 mil milhões de patacas e apenas 42,2 mil milhões de patacas em 2022. Anteriormente, o Governo da RAE esperava que Macau se tornasse a cidade com a mais rápida recuperação económica, com uma estimativa de receitas anuais provenientes do jogo na ordem dos 130 mil milhões de Patacas. Infelizmente estas expectativas saíram goradas.

É fácil contar histórias com um final feliz, mas, depois dos contos das “Mil e Uma Noites”, o Governo da RAE tem de enfrentar o desafio da realidade. A acção é a única forma de testar a verdade. Para Macau atingir a prosperidade e a estabilidade não se pode recorrer a nobres ascendências, nem à retórica pomposa, ou às leis rigorosas, mas sim à capacidade dos membros do Governo.

Durante a epidemia, se as pessoas quiserem sobreviver, têm de se proteger e de se alimentar bem. Se Macau quiser sobreviver, deve primeiro revitalizar a sua economia e fazer face às despesas. Na qualidade de principal sector económico de Macau, a indústria do jogo deve dar o seu melhor para recuperar a vitalidade. Só voltando a restaurar Macau como Centro Mundial de Turismo e Lazer, se poderá ter oportunidade de impulsionar a recuperação das outras indústrias. 1 +1 + 1 + 1 é igual a 4. Sem a indústria do jogo, os outros quatro sectores terão dificuldade em prosperar.

Há algum tempo, o Governo da RAE afirmou estar confiante de que a receita anual proveniente do jogo atingiria em 2023 os 130 mil milhões de patacas. Na verdade, as estimativas não oficiais apontam para valores na ordem dos cinco mil milhões de patacas, em 2023. A forma de atingir os objectivos é da responsabilidade do Governo de Macau e disso depende a sobrevivência da cidade. Macau precisa de pessoas de acção e não de contadores de histórias.

5 Jan 2023