Entre Shenzhen e Hong Kong (I)

As constantes deslocações dos habitantes de Macau ao continente tornaram-se populares nos dias que correm. Estas pessoas atravessam diariamente a fronteira dirigindo-se ao Norte para fazer compras. Esta tendência é considerada irreversível. A situação também se verifica em Hong Kong. Todos os fins de semana e feriados, um grande número de residentes de Hong Kong deixam a região em direcção à China continental para se abastecer. O tráfego de Hong Kong para norte tornou-se cada vez mais frequente.

Mas o contrário também se verifica. Recentemente, numa publicação na Internet é dito que 50.000 pessoas entram diariamente em Hong Kong através do Futian Port, sendo em grande parte residentes da cidade. Na sua maioria vivem em Shenzhen, mas trabalham em Hong Kong e já começaram a ser apelidados de “itinerantes de Hong Kong”. No artigo, colocava-se a seguinte questão:
“Será que viver em Shenzhen e trabalhar em Hong Kong se tornou uma nova tendência?” Esta questão levantou um debate geral. Se virmos bem, existem muitos residentes de Macau que trabalham na cidade, mas vivem em Zhuhai. É uma situação semelhante à de Hong Kong?

Um jornal online entrevistou dois destes “itinerantes de Hong Kong”, uma mulher e um homem. A mulher assinalou que o território de Hong Kong é pequeno e muito populoso. O apartamento que alugou em Shenzhen por 5.000 yuans, tem 500m2, o que lhe permitiu adoptar vários gatos. Mas também disse que esta opção tem um custo: o aumento significativo do tempo de deslocação entre a casa e o trabalho. Se um dia sair do trabalho mais tarde, no dia seguinte custa-lhe muito regressar.

O outro “itinerante”, um homem, disse que divide uma casa com amigos em Shenzhen e que pagam uma renda de 1.600 yuans. Viver em Shenzhen permite poupar na renda, mas devido ao tempo de deslocação, tem de se deitar e levantar cedo e não lhe resta tempo para se divertir. Além disso, para poder descansar mais um pouco, tem de viajar no comboio em primeira classe o que também representa um custo acrescido.

Porque é que os residentes de Hong Kong estão a morar em Shenzhen? Um dos motivos é o elevado preço da habitação. O custo de vida em Hong Kong é mais alto do que em Shenzhen. Quem usufrui de um salário de Hong Kong e paga uma casa em Shenzhen, terá “rendimentos altos e despesas baixas”. Recentemente, muitos residentes de Hong Kong passaram a ir a restaurantes da China continental, o que é um exemplo ilustrativo.

O custo de vida em Hong Kong é sem dúvida um factor que contribui para esta deriva. Uma vez que a economia ainda não recuperou após a epidemia, os salários não aumentaram significativamente, mas os preços da habitação continuam a subir. Viver em Shenzhen implica ter acesso a casas mais espaçosas e menos dispendiosas, portanto, a poder poupar dinheiro. Por isso, esta tornou-se a opção para muitas pessoas. Tomando como exemplo o Distrito de Luohu, perto da fronteira de Shenzhen, vemos que, na generalidade, o aluguer mensal de um apartamento é de 3.000 yuans. Quem quiser comprar casa própria paga em média 3 milhões de yuans. Para quem receba um salário médio em Hong Kong, apesar acréscimo do custo das deslocações, estes valores ainda são aceitáveis e muito inferiores aos de Hong Kong.

A movimentação dos habitantes de Hong Kong que fazem compras no Norte também promove a mudança da residência para Shenzhen. Para que uma viatura de Hong Kong se desloque para a China continental, o seu proprietário precisa de requisitar autorização com dois dias de antecedência. Estas viaturas não podem permanecer na China continental por mais de 30 dias de cada vez, e no total que não podem ultrapassar os 180 dias por ano. Com estes regulamentos acaba por ser mais fácil viver numa cidade e trabalhar na outra.

Claro que é preciso salientar que se o local de trabalho ou a casa do “itinerante” ficarem longe da fronteira, o tempo de deslocação será muito maior. Na próxima semana, veremos o que se passa em Macau.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
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14 Nov 2023

O imprudente obviamente ruiu

Podem não acreditar, mas José Sócrates continua na berlinda. Em Portugal, na semana passada, rebentou a “bomba” que há muito se esperava. O primeiro-ministro António Costa pediu a demissão ao Presidente da República, este aceitou, ouviu os partidos políticos e o Conselho de Estado e marcou eleições legislativas para o próximo 10 de Março.

O país ficou atónito, ninguém estava à espera que as palavras sem pudor escritas numa rede social pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça salientando que o país era um antro de corrupção, viessem a terreiro tão depressa provocar a queda de um governo de maioria absoluta. Naturalmente que o senhor presidente do Supremo Tribunal já sabia de tudo, até porque as investigações do Ministério Público (MP) começaram em 2019 com a tal história do ministro João Galamba e as minas de exploração de lítio.

Vamos aos factos: primeiramente ao imprudente-mor, o primeiro-ministro António Costa. Como é possível que um homem com tantas décadas de vida política nos mais diversos cargos e tendo enfrentado “guerras” com António José Seguro e José Sócrates, tenha escolhido para o seu governo vários socratistas?

Como é possível que António Costa imprudentemente, ou não, tenha escolhido para chefe de Gabinete um indivíduo socratista até à quinta casa que só tem tido problemas de ilegalidades e ainda por cima escondia o dinheiro que ia sacando entre os livros e caixas de garrafas de vinho, como foi descoberto no seu gabinete do Palácio de São Bento? António Costa, das duas, uma. Ou é mesmo um imprudente nato ou quis que se realizassem as mais diferentes negociatas nos mais diversos projectos em curso. A que propósito é que a “imprudência” de António Costa chega ao ponto de introduzir o seu melhor amigo, Diogo Lacerda Machado, – que por sinal esteve em Macau, tal como outro atingido neste imbróglio político, Jorge Oliveira – em todos os meandros e decisões a tomar pelo Governo?

Lacerda Machado é suspeito de ter corrompido gravemente o chefe de Gabinete, Vítor Escária, do primeiro-ministro. Bem, sobre suspeitas estamos atordoados. Então, eu que sou um simples cidadão e sou informado que só por escrever umas coisitas incómodas para este regime de corruptos e de incompetentes tenho o meu telefone sob escuta, como é que um assessor ministerial, um chefe de Gabinete, um secretário de Estado, um ministro e um primeiro-ministro se põem a falar ao telefone de factos graves, alguns ilegais e que alegadamente os colocam sob suspeita de corrupção, não pensando que estarão as suas conversas a ser gravadas?

Neste particular, por acaso a montanha pariu um rato porque as escutas que o MP apresentou aos advogados de defesa dos detidos não há matéria nenhuma que possa incriminar os seus clientes e outros arguidos como ministros, autarcas e empresários. Aliás, o triste último parágrafo do comunicado da Procuradoria-Geral da República, focando a suspeita sobre o primeiro-ministro e que ao fim e ao cabo derruba um governo de maioria absoluta é de uma gravidade tal, que levou um dos comentadores televisivos a dizer que tudo isto se tratou de um golpe de Estado constitucional.

E por outro lado, o MP também deixou atónitos todos os observadores políticos quando entra pela primeira vez na história da democracia em 50 anos, pelo Palácio de S. Bento a dentro com a PSP. PSP? Porquê? Se a Polícia Judiciária é que é a instituição para investigar e realizar buscas do foro criminal? O país ainda tem muita sorte em não assistir a uma greve indeterminada dos inspectores magoados e enxovalhados da Polícia Judiciária.

A história desta demissão do primeiro-mistro mais “imprudente” da política portuguesa por se ter rodeado por todos os lados de socratistas, que têm um curso superior de corrupção, será feita daqui a 10 ou 20 anos, possivelmente com o conhecimento de factos que hoje em dia não passam de conspirações, nomeadamente uma vingança do Presidente Marcelo, ou do antigo primeiro-ministro José Sócrates que ia tendo toda a informação dos cambalachos ministeriais, ou ainda de alguém muito importante na Comissão Europeia que não estava nada interessado em ver António Costa no topo da política europeia com um cargo em Bruxelas.

A verdade histórica vai demorar a ser conhecida. O que não demorou nada foi o povo estranhar como é que António Costa nomeia “imprudentemente” João Galamba para ministro das Infraestruturas, uma pasta que mexe com milhares de milhões de euros e depois não o demite quando o Presidente Marcelo assim o solicitou. O que é certo é a existências de muitas nuvens escuras em todo este baralho de compadrios entre ministros e autarcas, gabinete do primeiro-ministro e o maior amigo de António Costa, a aprovação de projectos megalómanos e sem viabilidade futura como o lítio e o hidrogénio. Um governo de maioria absoluta que ruiu deixando muita gente sem dormir.

As nossas fontes indicam-nos que há centenas de políticos envolvidos nos cambalachos, mas que o MP, nem com as escutas, os vai conseguir meter na prisão. Resta-nos saber quem será o novo líder do PS e se o PSD cai em si e decide fazer o mesmo, porque com Luís Montenegro perderá as eleições pela certa. Há muito que sabíamos que nada em Portugal acontecia com transparência, sem suspeitas de corrupção e compadrio. Os casos sucederam-se. Chamaram-lhes “casos e casinhos” e o povo tristemente a olhar para tudo isto e a ficar cada vez mais sem poder pagar a casa, dar escola aos filhos e até comprar medicamentos.

13 Nov 2023

Adeus, democratas

Ng Kuok Cheong, que desempenhou as funções de deputado na Assembleia Legislativa de Macau durante cerca de 30 anos, publicou o livro “Democrats” em Hong Kong, em Janeiro de 1990, (民主派) na já extinta Evergreen Book Store (青文書屋). Em Agosto de 2013, a Associação de Novo Macau lançou uma nova edição deste livro com o título “Democrats – Discussion on Political Affairs”.

Em Julho de 2021, Ng Kuok Cheong foi o 2.º candidato da lista da Associação Próspero Macau Democrático, à eleição para a Assembleia Legislativa por sufrágio directo (Eleições para a 7.ª Assembleia Legislativa, 2021), mas foi declarado inelegível pela Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa. Depois disso, e com as mudanças graduais na cena política, a chamada “facção liberal de mente aberta” de Macau deixou de existir. Ter-se-ão transformado os “democratas” num capítulo da História?

Em Julho de 2023, o Conselho Legislativo de Hong Kong aprovou a “Portaria dos Conselhos Distritais (Alteração) 2023” com base nas propostas de melhoria da governação a nível distrital apresentadas pelo Governo de Hong Kong. Nessa altura, houve quem perguntasse se, depois da restruturação, continuaria a haver espaço político para a participação dos democratas nas eleições distritais. Claro que continuam a existir pessoas esperançosas que pensam que tudo é possível e que os democratas devem continuar a tentar.

Recentemente, iniciou-se o processo da Eleição Ordinária de 2023 ao Conselho Distrital de Hong Kong, cujo período de nomeação terminou a 30 de Outubro.

Os actuais desenvolvimentos demonstraram que nenhum dos membros do Democratic Party (Partido Democrata), da Hong Kong Association for Democracy and of People’s Livelihood (ADPL) e também nenhum dos democratas independentes que pretendiam candidatar-se a esta eleição conseguiram ser nomeados pelas três comissões do distrito que representavam depois da restruturação (Comissão de Área, Comissão Distrital de Combate ao Crime e Comissão Distrital de Segurança Contra Incêndios) e por isso foram eliminados à partida.

Na verdade, não sei se o colunista “Prophet Lee” do Ming Pao Daily News of Hong Kong é semelhante aos “profetas” mencionados na Bíblia, ou se faz previsões com base em informação obtida através de certos canais. A 16 de Outubro, antes do início do período de nomeações, o “Prophet Lee” escreveu um artigo no Ming Pao intitulado “Candidatos do Partido Democrata Falham Candidatura Antes do Início do Período de Nomeação”. No artigo, discernia sobre os motivos que levavam os candidatos deste partido a não terem hipóteses de ser nomeados para a Eleição Ordinária de 2023 ao Conselho Distrital. No final, todos os candidatos do campo pró-democracia tiveram a mesma sorte, resultando no desaparecimento dos democratas do Conselho Distrital de Hong Kong, o que acontece pela primeira vez desde 1985.

Em Macau, uma vez que a composição da Assembleia Municipal (semelhante na sua natureza ao Conselho Distrital de Hong Kong) foi revista, todos os membros dos organismos consultivos competentes passaram a ser seleccionados por nomeação. Embora as candidaturas por auto-recomendação para estes organismos consultivos sejam aceites, tanto quanto sei, a sua taxa de sucesso é zero. Após a desqualificação dos candidatos que concorrem às Eleições para a 7ª Assembleia Legislativa (2021), a cena política de Macau entrou numa nova era de uniformidade muito antes de o mesmo ter acontecido em Hong Kong.

As políticas resultam de contextos concretos e só são alteradas de acordo com os desenvolvimentos das situações concretas, mas não mudam ao sabor dos desejos pessoais de cada um. Após a sua saída da arena política, será o Partido Democrata de Hong Kong capaz de existir e funcionar como um grupo de pressão e continuar a receber o apoio das pessoas e, em última análise, conquistar a aceitação de partidos importantes com as suas palavras e acções? Para que isto aconteça vai ser preciso tempo e perseverança.

Em Macau, Ng Kuok Cheong e Au Kam San, que fundaram em conjunto a União de Macau para o Desenvolvimento da Democracia, a Associação de Novo Macau e a Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário de Macau, foram-se retirando gradualmente da cena política depois de 2021. Do grupo de jovens recém-chegados, uns foram à procura de melhores empregos, outros emigraram, ou envolveram-se nos seus negócios, e acabaram por deixar a política. As águas do Lago Nam Van de Macau têm estado estagnadas desde essa altura. Há muitos anos que Ng Kuok Cheong enfrenta as ondas da política e tem experiências incontáveis. Podemos afirmar sem medo de falhar que ele é um dicionário ambulante da política de Macau. Se vier a haver uma nova edição revista do seu livro “Democrats”, seria muito inspirador se nele Ng Kuok Cheong nos falasse sobre a sua carreira política de décadas. Estou ansioso por isso.

10 Nov 2023

Direitos dos casais do mesmo sexo (II)

A semana passada, analisámos dois casos de casais do mesmo sexo que não conseguiram candidatar-se à compra de casa ao abrigo do programa de habitação social em Hong Kong. Ambos entraram com acções judiciais contra a Kong Housing Authority (Autoridade para a Habitação de Hong Kong) e ganharam os processos. O estatuto social dos casais do mesmo sexo em Hong Kong está mais protegido.

De qualquer modo, existem ainda aspectos sobre os quais vale a pena reflectir. Quer estejamos perante casamentos heterossexuais ou perante casamentos homossexuais, existem questões que se levantam sempre como a parentalidade, as relações entre o casal e as heranças.

O Tribunal de Última Instância de Hong Kong apontou no caso Shum Zijie que o não reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo pelo Governo de Hong Kong não é ilegal, mas, acrescenta, devem ser estabelecidos “canais alternativos” para permitir que a relação entre casais do mesmo sexo seja legalmente reconhecida. Não há dúvida que esta decisão ajuda ao maior reconhecimento do casamento homossexual. Embora os casais do mesmo sexo não possam ter filhos, podem adoptar crianças. Isto em si não é uma questão especial, mas os casais do mesmo sexo podem vir a ter problemas no que diz respeito a heranças.

A legislação de Hong Kong protege a liberdade do testador, ou seja, uma pessoa, na plena posse das suas capacidades mentais, é livre de deixar os seus bens a quem bem entender. Por exemplo, no caso de um casal do mesmo sexo, ambos podem deixar os bens ao outro, e essa vontade não pode ser contestada.

No entanto, se o testamento não for feito, de acordo com a lei sucessória de Hong Kong, os bens irão para os familiares mais próximos do falecido e o seu parceiro fica sem nada. Enquanto Hong Kong não reconhecer na íntegra os direitos dos casais do mesmo sexo, só através do testamento se pode garantir que os bens passam para o parceiro e, desta forma, assegurar que a herança é transmitida sem problemas.

Macau é uma cidade tradicional que só reconhece o casamento entre pessoa de sexos diferentes. Por conseguinte, a discussão que temos vindo a ter sobre direitos de casais do mesmo sexo não se aplica aqui. Mas existem outras considerações a fazer no que diz respeito a testamentos. O Código Civil de Macau tem uma disposição para “herança especial” (Legítima), o que significa que, independentemente de ter sido feito testamento, uma parte dos seus bens do falecido/a será sempre deixada ao cônjuge e aos filhos. Se não tiver sido feito testamento, os bens são herdados na totalidade pelos familiares. Por este motivo, as disposições estabelecidas na herança especial são relativamente pouco importantes.

No entanto, mesmo que o falecido tenha feito testamento para distribuir os seus bens, por exemplo, para legar parte deles a obras de caridade, em primeiro lugar, os herdeiros recebem a sua parte e só depois o restante será atribuído ao legatário. Portanto, fazer um testamento pode ajudar a melhor realizar os desejos da pessoa após a sua morte.

Neste mundo em que vivemos, existem casamentos “monogâmicos”, casamentos “poligâmicos”, casamentos entre pessoas de sexos diferentes e casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Estes casamentos são reconhecidos ou não consoante a legislação dos diversos países e regiões. Por conseguinte, as questões matrimoniais são relativamente complexas e é difícil chegar a uma conclusão. No entanto, a questão sucessória é relativamente clara. Desde que o falecido tenha feito testamento, os seus bens podem ser distribuídos de acordo com a sua vontade. Fazer testamento assegura que a sua vontade será cumprida e também protege os interesses da sua família. Então, porque não fazê-lo?

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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7 Nov 2023

Pais destroçados por burlas

É possível que esteja a acontecer a nível mundial, mas em Portugal o fenómeno está a generalizar-se e a deixar mães e pais completamente destroçados devido às burlas de que são alvo de uma forma que engana especialmente os mais intimamente ligados aos filhos. Eu explico: acontece por quase todo o país que uma mãe ou um pai recebe uma mensagem no telemóvel deste género: “- Olá mãe, o meu telefone avariou e estou a falar-te aqui por outro de um amigo. Desculpa, estar a incomodar-te, mas tive aqui um problema e precisava da tua ajuda.” A mãe responde: “- Então, Ricardo o que te aconteceu? Ó querido mas do que é que precisas?”

Os filhos normalmente estão longe. Se os pais vivem no Porto, o filho pode estar a estudar ou a trabalhar em Lisboa, em Londres, Paris, Dubai ou outra qualquer cidade do estrangeiro. E o diálogo, via mensagem por telemóvel continua: “- Não te preocupes, mãe. Eu depois explico-te. Só que agora tenho mesmo que resolver este problema e agradeço que me faças uma transferência de 950 euros para a conta que eu te vou dar. Obrigado, querida mãe.”

A mãe, amedrontada responde: “- Mas querido Ricardo porque tem de ser para outra conta que não a tua habitual?” Resposta: “- Mãezinha, a minha outra conta foi bloqueada, depois explico-te tudo e amanhã mesmo devolvo-te os 950 euros. Peço-te o grande favor que envies pelo multibanco para a conta FT40 3356 0000 425400981 830 6.”

A mãe, que adora o seu Ricardo, sem pensar em mais nada, apenas que o seu filho deve estar a passar por um problema grave e que terá de lhe resolver de imediato o problema, sai pela porta fora e dirige-se à primeira caixa ATM que encontra e transfere para a conta indicada os 950 euros. Pronto. A burla está consumada. Não se tratava de filho nenhum.

A mãe saudosa não pensou duas vezes. Parar um pouco para pensar, olhar para o visor da linha whatsApp, ver o número de telefone que podia observar no cimo do visor. Responder que iria ligar-lhe para falar com o filho de viva voz e ainda cometeu um erro fatal em pronunciar logo o nome do filho, algo que nunca se deve fazer.

Casos como este estão a acontecer todos os dias nas mais diversas localidades. As nossas fontes na Polícia Judiciária informaram-nos que é um caos o que está a acontecer. O pai ou a mãe que estão a receber mensagens no telemóvel, na sua grande maioria acredita de imediato que é o filho que está a escrever-lhe em aflição. O sentimentalismo e o amor dos pais são de tal forma que se dirigem em acto contínuo a uma caixa de multibanco para transferir as diferentes quantias solicitadas pelos burlões.

É inacreditável o que está a acontecer. Uma senhora que conhecemos, viúva, que vive de uma reforma muito baixa, foi abordada por um falso filho, cujo verdadeiro filho reside em Inglaterra, e transferiu 350 euros ficando doze dias sem praticamente comer ou fazer frente a outras despesas.

Desde já, aviso os amigos leitores que tomem uma especial e profunda atenção a casos como este. Se receberem uma mensagem do vosso “filho” que se encontra em Hong Kong, Austrália, Canadá ou Tailândia, não respondam nem mantenham diálogo.

Liguem de imediato para o vosso filho e confirmarão que estavam a ser alvo de uma burla. Estes casos são graves porque o instinto paternal decide que o apoio tem de ser dado de imediato ao querido filho e os burlões estão precisamente a aproveitarem-se dessa particularidade para conseguirem o objectivo e ganhar muito dinheiro. Uma das nossas fontes policiais informou-nos que pelas suas estatísticas existem indivíduos que estão a obter cerca de 5000 euros por dia e que em Portugal a rede mafiosa está a obter cerca de 1 milhão de euros por mês. Quase inacreditável.

Trata-se de um fenómeno horrível, de aproveitamento total do amor paterno e da inconsciência e desconhecimento tecnológico da maioria das pessoas atingida. Aqui fica um aviso sério, mas essencialmente a constatação de um fenómeno que está a deixar muitas famílias destroçadas assim que sentem que foram roubadas.

6 Nov 2023

Pontes e muros

Num mundo em que ainda se constroem e reforçam barreiras físicas entre povos de culturas, regimes políticos ou religiões diferentes, é reconfortante saber que existem também ações em sentido contrário que consistem na construção de pontes que reforçam os laços de amizade entre os povos.

Talvez a barreira atual mais irracional e antinatural é a que divide a península da Coreia em dois estados. Desde 1953 os coreanos do Norte e do Sul permanecem fisicamente separados, fruto da intolerância e irracionalidade humanas. Uma faixa de aproximadamente 250 km de comprimento e 4 km de largura impede as relações entre os coreanos do Norte e os do Sul. Esta zona de separação inclui Panmujom (localidade na Coreia do Sul onde foi assinado o Armistício em 1953), a Linha de Demarcação Militar, que se estende aproximadamente ao longo do paralelo 38° N, e a Zona Desmilitarizada, conhecida internacionalmente por DMZ (do inglês DeMilitarized Zone). Esta zona tampão está cercada por arame farpado, minas terrestres e forças militares.

Um outro exemplo de barreira consiste no muro que separa os EUA e o México, tão criticado pelo partido democrático quando na oposição, mas que ainda permanece mesmo depois de Trump ter perdido as eleições em 2020. Também o muro que separa o Estado de Israel da Faixa de Gaza ilustra a separação entre povos de culturas e religiões diferentes.

Mas não é apenas nas Américas, no Médio-Oriente ou na Ásia que existem estas barreiras. A queda do Muro de Berlim, construído em 1961 e derrubado em 1989, poderia ser o prenúncio de uma Europa sem barreiras entre os povos. No entanto, a ânsia de notoriedade por parte de um estado euro-asiático com tendências párias fez com que novas barreiras estejam a ser construídas, como acontece com a que está a ser levantada entre a Finlândia e Federação Russa. Também entre a Polónia e a Bielorrússia se ergueu recentemente uma barreira de arame farpado a fim de evitar a invasão de migrantes arremessados pelo regime bielorrusso, com o intuito de criar problemas aos vizinhos polacos. Ainda na Europa foram levantadas outras barreiras, nomeadamente entre a Hungria e a Sérvia e entre a Bulgária e a Turquia, com o intuito de dificultar o fluxo migratório. Entre a República da Irlanda (membro da União Europeia) e a Irlanda do Norte (pertencente ao Reino Unido), embora não se trate de barreiras físicas, foram criados, no contexto do Brexit, pontos de controlo que dificultam o trânsito de mercadorias.

A República de Chipre, pertencente à União Europeia, está separada da designada República Turca de Chipre do Norte, pela chamada Linha Verde, à qual corresponde no terreno, não propriamente a um muro, mas a uma sequência de inestéticos amontoados de pedras, veículos degradados, entulho, sacos de serapilheira cheios de terra, etc. Esta situação perdura desde 1974, aquando da invasão da ilha por tropas turcas.

Contrariando a tendência de criar obstruções entre os povos, são frequentes as atitudes amistosas, como a geminação de cidades de países diferentes. Assim, por exemplo, entre Portugal e a China, com o intuito de promover a cooperação em várias áreas (nomeadamente intercâmbio cultural, turístico e económico), são consideradas cidades-irmãs: Porto e Macau; Lisboa e Pequim; Coimbra e Xangai; Cascais e Zhuhai.

Também entre Portugal e o Japão há exemplos de atitudes deste tipo, como a geminação entre Lisboa e Tóquio; Porto e Nagasaki; Vila Nova de Gaia e Iwata. Outro exemplo de manifestação de amizade por parte do Japão em relação a Portugal consiste na atitude das autoridades do município de Chiba, cidade sensivelmente à mesma latitude do Cabo da Roca. Em homenagem a Portugal foi erigido um monumento no Cabo Inubo onde está gravado “Cabo Inubo e Cabo da Roca – Monumento à Amizade – Aqui, onde o mar se acaba e a terra começa”, em analogia com monumento erigido no Cabo da Roca, onde se pode ler uma das estrofes do canto III de Os Lusíadas “Onde a terra se acaba e o mar começa”. Ainda no município de Chiba, na estação ferroviária de Inubo, encontra-se um mosaico que consta de um mapa português da Ásia, datado de 1630. Em tempos em que se constroem muros entre os povos, é gratificante constatar que também se edificam pontes.

Meteorologista

3 Nov 2023

Um soutien com mamilos e o colapso climático

Há uns dias foi lançado no mercado um soutien com mamilos incorporados, protuberantes. Não me apetece dizer a marca porque não quero facilitar a publicidade do produto. Também não quero dizer o nome da pessoa que o criou e que o publicita. Mas posso dar pistas. Participou num reality show com a sua família e tem quatro filhos com o apelido de um ponto cardeal. Usou o famoso vestido de Marilyn Monroe numa Met Gala. Tem sido acusada de revitalizar o culto da magreza quando até era famosa pelas curvas.

A sua criação é uma provocação a vários níveis e uma bênção em poucos. Comecemos pela maior vantagem de um soutien com mamilos: para as pessoas que não os têm. Sobreviventes do cancro da mama têm vindo a agradecer a existência do produto. Colmata o que a reconstrução mamária não consegue que é um mamilo endurecido. Este soutien, para algumas pessoas, pode ajudar na auto-imagem e auto-estima. Mas agora é preciso apontar as múltiplas formas que um soutien com mamilos também pode ser problemático, até porque ele não foi criado tendo em conta este nicho de mercado. Não podemos dar-lhes tantos louros.

Apresentado como uma forma de “libertar o mamilo”, a existência deste soutien parece-me um esforço pseudo-alinhado. Libertar o mamilo, leia-se, é o grito pela libertação dos soutiens e não pretende uma conquista alargada do objecto que mais controla mamas. Quer-se a libertação dos apetrechos que enformam as mamas para mais cheias, mais redondas, ou mais empertigadas quando elas, humildemente, não o são. Libertar o mamilo enquanto ele se esconde e é substituído por um enchimento de soutien é mais uma forma de opressão. Nada contra a quem for usá-lo, mas é preciso uma incitação de revolta contra o esforço colectivo de impor uma forma aceitável de mamilos, continuando a prender os outros.

Mas a criação do soutien nem é o pior desta história. O pior foi o tiro certeiro da controvérsia nas redes sociais. O soutien com mamilos quis equiparar-se a um problema demasiado delicado e urgente. A criadora do soutien anuncia que com as calotes polares a derreterem cada vez mais que “cada um oferece as soluções que as suas habilidades lhes permitem”. Portanto, o soutien vem resolver um problema: num mundo cada vez mais quente, os mamilos afrouxam-se e dilatam-se. Num esforço de prevenir isso, este soutien é criado para os mamilos permanecem duros, enquanto as calotes polares derretem. Um anúncio com imensa piada, mas ao mesmo tempo, sem piada alguma.

A criadora de um soutien inútil face a um colapso climático diz que não teme ser cancelada. Ela inteligentemente pôs o dedo numa ferida que muita gente tem aberta. A percepção da total inadequação e incapacidade humana de lidar com um planeta em colapso, e ainda faz pouco disso. Produz um soutien que teria passado despercebido como mais uma coisa que existe para colmatar uma necessidade que é fabricada pela cultura popular. Mas ao invés, envolve-o numa narrativa onde põe a cru a hipocrisia da beleza e do culto do corpo, mas fá-lo alinhado com um investimento científico que não partilha dos mesmos valores e preocupações. Caso houvesse qualquer dúvida, produtos destes não fazem nada pelo colapso climático, muito pelo contrário. A criação de necessidades supérfluas que gastam recursos e produzem emissões na sua produção e transporte são, na verdade, a raiz de todo o problema que se vive.

Contudo, há uma perspicácia que não pode ser ignorada. A irritação de fígado é o combustível que os algoritmos precisam, para a publicidade gratuita que lhe garante. Ainda que seja uma sátira, não deixa de ser um discurso que poderá ressoar nas pessoas, dependendo do seu sistema de valores. Num mundo de desinformação atroz, uma miúda de 12 anos pode bem levar a sério a influencer que cria soutiens para parecer que tem sempre frio, enquanto as temperaturas do planeta aquecem. E o colapso climático fica para trás, permanece no pano de fundo que vai revelando um apocalipse iminente, nos silêncios daqueles que ainda não têm vontade de discutir o que nos espera de forma séria, informada e crítica

1 Nov 2023

Direitos de casais do mesmo sexo (I)

O Hong Kong Court of Appeal (Tribunal de Recurso de Hong Kong) proferiu uma sentença há pouco tempo, determinando que a política de habitação da Hong Kong Housing Authority (Autoridade de Habitação de Hong Kong) e o “regime social de aquisição de casa própria” não reconhecem as relações homossexuais. A Autoridade da Habitação perdeu o recurso. O Tribunal de Recurso definiu também o estatuto dos casais do mesmo sexo em Hong Kong.

Num destes casos, o casamento tinha sido celebrado em 2017 no Reino Unido. Embora um deles tenha comprado casa em Hong Kong, ao abrigo do regime social de aquisição de habitação, o parceiro não tinha direito ao alojamento porque, segundo os regulamentos da Autoridade de Habitação de Hong Kong, só os conjugues de sexo diferente e os filhos com menos de 18 anos são considerados “membros da família”. O proprietário da habitação entrou com uma acção judicial para proteger os direitos do seu parceiro.

No outro caso, os dois são residentes de Hong Kong e casaram-se no Canadá. Este casal viu a sua candidatura à habitação social ser rejeitada com o fundamento de pertencerem ao mesmo sexo.

Devido à enorme semelhança entre os dois casos, o Tribunal de Recurso realizou uma audiência conjunta. Em resposta, a Autoridade da Habitação apelou com dois argumentos importantes, ambos rejeitados pelo tribunal. O primeiro alegava que a política da Autoridade da Habitação é evitar que casais do mesmo sexo adquiram apartamentos sociais, para que possam aumentar as hipóteses de compra por parte dos casais heterossexuais. A este respeito, o Tribunal de Recurso considerou que a compra de habitação própria por casais de sexos opostos não era um problema no caso em apreço. O Tribunal adiantou ainda que não existem provas de que a compra de habitação por casais do mesmo sexo diminua as hipóteses de compra dos casais de sexos diferentes. Essa afirmação é apenas uma conjectura. Por conseguinte, o Tribunal de Recurso rejeitou este argumento.

No segundo argumento, a Autoridade da Habitação assinalava que o Governo constrói habitações sociais para encorajar os residentes de Hong Kong a formarem famílias e a terem filhos. No entanto, os casais do mesmo sexo não podem ter filhos, por isso não são alvo destas políticas. O Tribunal de Recurso rejeitou este argumento e salientou que, ao tratar os pedidos de habitação social, a Autoridade da Habitação não rejeita as candidaturas de casais heterossexuais inférteis, nem dos que não querem ter filhos, nem dos que têm filhos adoptados. O Tribunal de Recurso não concordou com a rejeição por parte da Autoridade da Habitação das candidaturas à habitação social feitas por casais homossexuais.

Se a Autoridade de Habitação não recorrer para o Tribunal de Última Instância de Hong Kong, estes dois casos ficam encerrados ao nível do Tribunal de Recurso e a sua deliberação constituirá a decisão final. Isto significa que, a partir de agora, os casais do mesmo sexo podem candidatar-se à compra de habitações sociais e que os seus direitos estão ainda mais protegidos. Mas há ainda algo sobre o qual vale a pena reflectir. Continuaremos com esta análise na próxima semana.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Universidade Politécnica de Macau
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31 Out 2023

11 mil sem-abrigo em quatro anos

Antes de mais, quero informar-vos que hoje faz três anos que este jornal único no panorama do jornalismo e do grafismo português publica os meus textos. O meu agradecimento ao director Carlos Morais José e aos leitores.

Não fazia a mínima ideia do que poderia escrever sobre o que acontece em Portugal se passamos todo o tempo a ouvir os canais de rádio e televisão a falarem do conflito Israel-Palestina em sessões contínuas de 24 sobre 24 horas. Naturalmente, que Portugal vive com crises na Saúde, no Ensino e no tecido social. O que mais me chocou na semana passada foi a informação de que os sem-abrigo aumentaram 78 por cento em quatro anos por todo o país: são cerca de 11 mil, entre homens, mulheres, jovens, idosos, estrangeiros e famílias inteiras. Precisamente na mesma semana em que me deparei com um jovem deitado na rua, na entrada de um prédio, com um copo de plástico à sua frente. Parei impressionado, deixei algum dinheiro no copo e o jovem abriu os olhos. Perguntei-lhe porque era sem-abrigo. Respondeu-me que os pais o expulsaram de casa ao terem conhecimento que andava a consumir drogas. O jovem é licenciado em gestão e após dormir na rua e lavar-se na casa de banho de um café, vai trabalhar numa empresa média a recibos verdes.

Ainda me recordo quando o Presidente Marcelo andou pelas ruas de Lisboa a contactar com sem-abrigo e afirmou que iria terminar com esta tragédia. Passaram mais de dois anos e o que constatamos é que cada vez mais assistimos a compatriotas a dormir na rua. Nem todos são drogados ou alcoólicos, foram despejados por não conseguir pagar a renda ou ficaram desempregados e após um litígio com a mulher, ela pô-lo fora de casa. Os dramas são da maior variedade e a realidade é que o governo fala muito do problema da habitação, mas não vimos construir casas de renda acessível ou moradias pequenas para quem nada tem.

11 mil a mais em quatro anos a dormir nas ruas é trágico e o pior é que nada acontece. Os turistas passam, olham, comentam e não acreditam que a capital lisboeta tenha tanta gente na miséria. As tendas de lona têm aumentado por todos os bairros e albergam pais e filhos que ficaram sem casa por não conseguir pagar a prestação do imóvel que tinham adquirido com crédito bancário. No entanto, estes números que vos apresento reportam-se a 2022 e sabemos que este ano houve um aumento substancial de sem-abrigo.

O número de sem-abrigo aumentou bastante e foi transversal, de portugueses a estrangeiros, de jovens a idosos. Só este ano registaram-se mais cerca de 25 por cento, essencialmente devido ao agravamento das condições de vida, à imigração e ao aumento de consumo de drogas. Em Lisboa, nunca vimos tantas tendas. E o fenómeno dos sem-abrigo mudou. Antes, eram essencialmente homens com problemas de saúde mental ou dependência. Agora o perfil é muito variado. Há famílias inteiras sem casa. Gastam-se milhões de euros e as pessoas continuam na rua ou num umbral de uma porta de um prédio dependentes da caridade dos transeuntes. Há quase 11 mil sem-abrigo nos últimos quatro anos e o PRR (ajuda europeia) não tem um euro para lhes dar casa. O único dinheiro que existe é para respostas de emergência e temporárias. Continua-se a falhar na resolução do problema.

Segundo Renato Alves, da Comunidade Vida e Paz, as respostas que existem não chegam para todas as pessoas actualmente a viver na rua. “Os centros de acolhimento estão cheios. Temos uma unidade para 40 pessoas sempre lotada. E as instituições estão a atravessar muitas dificuldades pela subida de custos, ausência de apoios e descida de donativos.”

No passado Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, o Presidente Marcelo pediu novas abordagens e modelos de acção no combate à pobreza, alegando que o país não se pode conformar com quase dois milhões de pobres. Mas, na minha óptica a ferida que foi aberta entre Belém e S. Bento deve ter levado as palavras do Presidente da República a entrarem por um ouvido do primeiro-ministro e a saírem pelo outro. O governo sabe que a pobreza e a situação dos sem-abrigo são uma chaga na governação do país e, contudo, continuamos a assistir a vidas miseráveis de reformados que auferem uma pensão entre 150 e 400 euros. São milhares de famílias que não podem pagar renda de casa, não podem comer dignamente, não podem comprar medicamentos, não podem pagar a água e a luz e no meio disto tudo, temos o nosso “ilustre” jornalismo apenas preocupado com os “terroristas” do Hamas, existindo jornalistas a quem devia ser retirada a Carteira Profissional por apenas tomarem posição a favor de Israel.

30 Out 2023

Escolhas irracionais

Sun Tzu, um estratega militar da antiga China, declarou explicitamente no primeiro capítulo da sua grande obra “A Arte da Guerra”, intitulado “Planos de Avaliação”, que a guerra é uma questão de vida ou de morte. A decisão de entrar em confronto directo deve ser cuidadosamente ponderada, bem como devem ser avaliados os factores que podem determinar a vitória ou a derrota, a estratégia, a capacidade de combate do exército e a qualidade e quantidade do material bélico.

A Faixa de Gaza é uma zona densamente povoada que depende de Israel para o abastecimento de água, electricidade e combustíveis. A capacidade militar do Hamas é muito inferior à de Israel. Por isso, quando ocorre um conflito de larga escala entre ambos, os palestinianos que vivem em Gaza vão sofrer inevitavelmente. A 7 de Outubro, quando os militantes do Hamas atacaram Israel, deveriam ter tido uma consciência muito clara dos prós e contras desse acto. Eles também sabiam que Israel iria retaliar sem piedade, exigindo “Olho por olho, dente por dente”. Mas independentemente das razões que motivam o actual conflito israelo- palestiniano, se os líderes se preocuparem com o bem-estar dos seus povos, têm de tomar decisões mais racionais!

Quando o romancista japonês Haruki Murakami recebeu o Prémio Jerusalém para a Liberdade do Indivíduo na Sociedade de Israel em 2009, fez um discurso sobre o tema “Sempre do lado do ovo”, que transmitia a seguinte mensagem, “Somos todos seres humanos, indivíduos que transcendem a nacionalidade, a raça e a religião, e somos todos frágeis ovos confrontados com uma parede sólida chamada ‘O Sistema’.” Murakami acreditava que para abrir fendas no “Sistema”, “temos de usar a nossa crença na absoluta singularidade das nossas almas e procurar o conforto de nos advém da união com o próximo”.

Antes de o exército israelita entrar em Gaza para aniquilar o Hamas, muitos países esforçaram-se para mediar o conflito. O Ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, apelou a um cessar-fogo imediato e ao fim da guerra e o Presidente americano Joe Biden propôs que o Hamas libertasse todos os reféns e que negociasse o cessar-fogo. Enquanto os conflitos estão numa fase inicial, é importante fazer escolhas racionais.

As escolhas irracionais trazem infortúnio e as escolhas racionais trazem felicidade aos povos. Enquanto alguém que nasceu e foi criado em Macau, testemunhei dois acontecimentos significativos a este respeito.

Durante o Motim 12-3, que ocorreu em Macau a 3 de Dezembro de 1966, o governo colonial declarou a lei marcial e a guarnição portuguesa foi enviada para patrulhar a cidade e reprimir os protestos. Felizmente, o Governador de Macau, que tinha acabado de assumir funções, e Ho Yin, na altura Presidente da Associação Comercial Chinesa de Macau, trabalharam em conjunto para resolver os conflitos e as contradições sociais, para que as vidas dos residentes de Macau, e o seu bem-estar, fossem salvaguardados. O caos pode ser eliminado através do uso da força, mas não resolve os problemas. Só as escolhas racionais podem levar as pessoas a encontrar o caminho para a felicidade.

Outro acontecimento impressionante ocorreu em 1974, depois da Revolução dos Cravos em Portugal. O novo Governo anunciou a descolonização de todos os territórios ultramarinos, e Macau, que à data era uma província portuguesas, não foi excepção. Do ponto de vista da China, era com grande alegria que via regressar de imediato a cidade à sua administração. Mas considerando que a questão de Hong Kong ainda não estava resolvida e a situação no seu todo, os líderes chineses da época decidiram adiar o regresso de Macau à soberania chinesa. Os factos provaram que depois da assinatura da Declaração Conjunta Sino-Britânica e da Declaração Conjunta Sino-Portuguesa, o regresso de Hong Kong e de Macau à China correu sem problemas. Querendo com isto dizer, que a resolução dos problemas políticos requer sabedoria política.

Afinal de contas, as escolhas irracionais apenas comprometem a segurança regional e nacional e ameaçam a paz mundial.

27 Out 2023

Os sapos fingem-se de mortos para não terem sexo

Recentemente, vários jornais fizeram notícia de um estudo inédito em comportamento animal. Especificamente, do sapo comum europeu. Parece que o envolvimento sexual dos sapos não é pacífico. O macho prende-se à fêmea de tal forma forçosa que, em alguns casos, leva à sua morte. São sapos insistentes do seu desejo e instinto, querem copular à força, muito menos com o devido consentimento. A investigação mostrou, contudo, que os sapos fêmea não são passíveis à coerção do sapo macho. Os sapos fêmea simulam a sua morte para se escapulirem da sua insistência. No mundo dos sapos onde o consentimento, pelo menos, não é verbal, o sapo comum europeu desenvolveu estratégias para evitar o coito e as suas forças de coerção

Este exemplo do mundo animal ressoa em algumas experiências da sexualidade humana, onde até se pode comunicar de forma verbal e inequívoca. Em muitas situações é mais fácil fingir a morte do que dizer “não”. Em casos de violação o “não”, e a resistência física, pode espicaçar ainda mais a coerção. No livro “Amanhã o sexo voltará a ser bom” da autora Elizabeth Angel, explana-se de como o “não” enraivece agressores, quiçá humilham-nos, e a instrumentalização, ou a desumanização, do corpo da mulher prevalece. Também adianta que a total inação, apesar de ser protetora para evitar o escalamento da agressão, pode ser usada em tribunal contra a vítima: “Não mostrou suficientemente que não queria”.

Esta é a lógica que assume a ausência de um “não” como a presença do consentimento; um acompanhamento “óbvio” das teorias sobre a sexualidade e erotismo, onde se assume a dança dos corpos, sem reflectir que, por vezes, eles podem não saber como o outro quer dançar. Começou, então, a defender-se a presença do “sim”, para evitar assumpções demasiado esticadas. Só dizendo “sim”, em todas as suas fases, é que o consentimento assenta.

Elizabeth Angel, contudo, reflete também sobre a complexidade do “sim”. Para uma mulher afirmar que quer sexo, que quer ter prazer, ou que ousa a experimentar ou arriscar, abre um precedente onde o “não” já não é ouvido da mesma forma. Analisando a argumentação dos casos em tribunal de violação, frequentemente utilizam dados como o número de parceiros, outras experiências sexuais, e até o tipo de roupa interior, para responsabilizar a mulher pela violência sexual que exerceram sobre ela. A autora fala sobre como esta teoria de consentimento simplificada – onde basta dizer “sim” – encosta-se à “cultura da confiança”. Uma cultura que invisibiliza as dinâmicas relacionais, a bagagem emocional dos proponentes ou o contexto social em que vivemos. E que, pelas palavras da autora, ignora também o “facto de que as mulheres são frequentemente punidas por assumirem posições sexualmente assertivas que são instigadas a incorporar”.

Depois do movimento #metoo que assolou as sociedades ocidentais de forma mais intensa, era preciso procurar fórmulas para prevenir estes abusos. Todo um conjunto de temas foram abordados, conversas interessantes e necessárias correram a imprensa e a literatura. Há quem tenha desenvolvido aplicações onde se assina um contrato de consentimento para o sexo. Claro que a solução é precária: o consentimento pode mudar ao longo de todo o encontro e, acima do tudo, o consentimento não é um processo desprovido de contexto. Aplicações como estas continuam a não resolver os desequilíbrios de poder, hiatos no conhecimento, níveis distintos de à-vontade ou até suprimir níveis de auto-conhecimento que são essenciais para uma relação saudável com o sexo. O consentimento está intimamente ligado à vontade e ao desejo individual e do outro. Este inclui-se num espectro de experiências, e não está limitado à divisão categórica entre querer ou não querer sexo. O consentimento também precisa de ser teorizado em relação ao sexo que se quer e de como tê-lo. Desde o bom sexo, ao mau, ao violento, o consentimento é o acordo que as pessoas vão negociando (ou a ausência dele) e que resulta em cada uma destas configurações.

A informar estes processos estão padrões comportamentais, crenças, cânones culturais e religiosos que precisam de ser revisitados. No universo dos sapos aprendemos que nem tudo tem de ser como é. Nem por impulso, instinto ou desejo. Fingir de mortas, ainda que possivelmente uma resposta ao medo, ou uma resposta deliberada para o evitamento, não deixa de ser uma estratégia para contestar o que se julgava inevitável.

24 Out 2023

Subsídio de nascimento

O subsídio de nascimento é um benefício incluído no sistema de Segurança Social de Macau e tem actualmente o valor de 5.418 patacas. Imaginando que esta quantia subia para 20.000 patacas, sentir-se-iam os residentes da cidade encorajados a ter mais filhos?

Circulam notícias na Internet que o Governo da cidade vai atribuir um subsídio de nascimento de 20.000 dólares de Hong Kong (HKD) para aumentar a taxa de natalidade na cidade vizinha. Esta fonte também assinalava que esta será uma política de longa duração.

Como todos sabemos, Hong Kong tem uma taxa de natalidade baixa. Durante a pandemia, nasceram anualmente menos de 50.000 bebés. Verificaram-se cerca de 32.500 nascimentos em 2022. Para uma população de 7,5 milhões, este número significa uma taxa de natalidade de apenas 0.43%, que é na verdade muito baixa.

O impacto social de uma taxa de natalidade baixa é óbvio, significa que no futuro a percentagem de pessoas no activo será igualmente baixa. À medida que a população activa diminui, a produtividade também diminui, conduzindo a uma retracção da economia. Uma taxa de natalidade baixa também significa que a próxima geração vai ter mais encargos financeiros mais pesados com a geração que a precede. Na década de 70 do séc. XX, registavam-se cerca de 130.000 nascimentos por ano em Hong Kong e agora registam-se apenas cerca de 32.500. Comparando estes números, escusado será dizer quanto aumentará o encargo financeiro da próxima geração com os cuidados a prestar aos seus progenitores.

A sociedade também tem de encarar o problema do envelhecimento da população. Actualmente, a percentagem de habitantes de Hong Kong com mais de 65 anos é superior a 20% do total da população. O envelhecimento da população, a par de uma taxa de natalidade baixa, vai reduzir a força de trabalho. Para lidar com este problema, o Governo de Hong Kong tem de aumentar os benefícios para os idosos. Todos estes dados não são conducentes ao desenvolvimento económico de Hong Kong.

Partindo do princípio de que o subsídio de nascimento sobe para os 20.0000 HKD, se nascerem 10.000 bebés o Governo vai despender 2 mil milhões. Imaginando que depois do Executivo de Hong Kong implementar esta medida, nascem 50.000 crianças, o total ascende a 10 mil milhões. A julgar pela actual situação financeira global do Governo de Hong Kong, ainda é comportável. Portanto, não é surpreendente que devido a vários factores, as notícias referentes ao aumento deste subsídio circulem na Internet.

A questão-chave é a seguinte: poderá o subsídio de 20.000 HKD levar as pessoas terem vontade de ter mais filhos?

Todos sabemos que depois de um bebé nascer, os pais, para além de terem de o criar, têm de lhe garantir a sua educação e pagar as despesas de saúde. Depois de crescer, é preciso ajudá-lo a arranjar uma casa. Como é que todos estes problemas podem ser resolvidos com um subsídio de nascimento de 20.000 HKD? Apenas podemos dizer que este subsídio dá algum apoio aos pais, mas é uma gota de água no oceano. Estes irão gastar muitíssimo mais a criar o filho até que atinja a idade adulta.

Em Macau, nasceram 1.907 bebés no primeiro semestre de 2023. No segundo trimestre deste ano a população local atingia as 678.800 pessoas. Baseados nestes dados, estima-se que a taxa de natalidade em Macau, relativa a 2023, seja de cerca de 0.56%. O impacto de uma taxa de natalidade baixa já foi mencionado anteriormente. No entanto, Macau sempre acolheu trabalhadores estrangeiros. A aceitação destes trabalhadores em Macau é muito maior do que em Hong Kong, o que é positivo para reforçar a força de trabalho. Em Macau, se o pai e a a mãe solicitarem o subsídio de nascimento podem receber 11.000 patacas. Se a notícia divulgada na Internet estiver correcta, Hong Kong vai atribuir um subsídio de nascimento de 20.000 HKD. Em comparação, o subsídio de Hong Kong é mais alto, mas em Macau esta política veio para ficar e a estabilidade é um dos factores mais importantes, promovendo a vontade das pessoas procriarem. Além disso, o Governo de Macau distribui anualmente verbas aos residentes na forma de cheques pecuniários no valor de 10.000 patacas. Estes incentivos económicos não são, de modo algum, comparáveis ao subsídio de nascimento único de Hong Kong.

Como acima foi referido, depois de o bebé nascer, os pais têm de o criar, dar-lhe comida, roupas, casa e transporte o que representa uma quantia incalculável, mas este dinheiro é gasto de boa vontade porque amam os filhos acima de tudo.

Do ponto de vista da administração pública, a provisão do Governo para os subsídios de nascimento pode certamente aumentar a vontade dos residentes de terem mais filhos. Desde que a população seja suficiente, a economia desenvolver-se-á naturalmente de forma constante e todos beneficiarão.

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24 Out 2023

Gatinhos

JORGE Almeida Fernandes relembrou há dias no “Público” que o Hamas nasceu com apoio de Israel para debilitar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) que gozava de simpatia generalizada em grande parte do mundo e era presidida por Yasser Arafat, uma figura cimeira o século XX que morreu envenenado pela Mossad, a polícia secreta de Israel.

De tudo isto eu sabia e até bem mais: que o apoio israelita ao Hamas era de ordem técnica, financeira e diplomática, explicitamente acompanhado pelos EUA e complementado por cumplicidades dentro da NATO e, sobretudo, francesas e britânicas, dados os interesses de Londres e Paris no Médio Oriente e na África.

Assim como não posso ignorar o terrorismo de estado praticado por Israel ao longo dos últimos 75 anos e a expansão de colonatos ilegais e novos colonatos com impunidade garantida por Telaviv.

Quando a ONU definiu a existência de dois estados e decidiu colocar um cordão militar entre eles, Israel, espantosamente, rejeitou esse dispositivo multinacional de separação de forças armadas e Washington nada fez para que a vontade repetidamente reiterada pela comunidade internacional fosse cumprida.

Hoje tomei nota de que o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que já vi referido como “excremento de Beja” e possuidor de uma personalidade semelhante à da perfumada Zita Seabra e à do herói nazi ucraniano Stepan Bandera, acusou por estes dias a extrema-esquerda de “conivência com terroristas”.

No comentário de Ana Sá Lopes, também no “Público”, ontem, o que Moedas parece desejar é que “todos sejamos animais” domésticos. “Antes fôssemos animais: haveria mais empatia, se tivessem sido 3000 gatinhos mortos em Israel e na Palestina e não o número de pessoas de carne e osso dos dois lados.”

Assinala a jornalista que “os termos da discussão pública – mesmo nas mais altas instâncias (da União Europeia), a começar pela presidente da Comissão – são indignos e limitam-se à desumanidade que é a de cada um escolher o seu morto. Isto é barbárie”.

De facto, Ursula von der Leiden, aquela insignificante loiraça que, comprovadamente, vampirizou relatórios técnicos e científicos para subir na vida, alegadamente, por mérito próprio, foi a Israel na sexta-feira, acompanhada da sua alma gêmea Roberta Metsola, presidente o Parlamento Europeu, que a ouviu dizer que os israelitas podiam fazer aos palestinianos o que quisessem, porque a sua Europa os acompanharia cegamente.

Perante esta miséria moral, há quem pense que a senhora Ursula ainda não superou o possível remorso geracional, de terem os seus ascendentes familiares e amigos mais próximos participado no Holocausto.

Talvez o mesmo aconteça com o chanceler Scholz que aparece apaixonado pela ‘blitzkrieg’, mas os EUA, que têm somado alguns desaires na vasta envolvente do Mar Negro e que veem a Turquia, a Arábia Saudita, o Irão, o Egito, a Rússia, a Índia e a China a navegarem em águas circunstancialmente afins, não podem apreciar este belicismo acéfalo, quando muitas movimentações que lhe são hostis juntam forças no Indo-Pacífico.

Biden não teve outro remédio senão mandar o seu aflito secretário de Estado, Anthony Blinken, à zona e andar de governo em governo a aconselhar cabeça fria. De seguida, até precisou de declarar pubicamente:

“A nossa humanidade – o valor que atribuímos à vida humana é o que nos torna quem somos. E é um dos nossos maiores pontos fortes. É por isso que é importante tomar todas as precauções possíveis para evitar ferir civis. Por isso lamentamos a perda de todas as vidas inocentes, de civis de todas as religiões, de todas as nacionalidades, que foram mortos.”

Apenas acredita nesta hipocrisia quem não sabe de Vietnames, Coreias, Cambojas, Iraques, Líbias, etc., mas, quando há interesses maiores em jogo, não há que estranhar esta modalidade seráfica do pragmatismo bem norte-americana.

20 Out 2023

Cooperação Faixa e Rota: Zarpar novamente após 10 anos de Sucesso e Glória

Por Liu Xianfa *

Em 18 de Outubro de 2023, o terceiro Fórum Faixa e Rota para a Cooperação Internacional foi inaugurado em Pequim, com representantes de mais de 140 países e mais de 30 organizações internacionais participando neste grande evento. Na cerimónia de abertura, o presidente chinês, Xi Jinping, analisou a grande jornada de 10 anos da cooperação Faixa e Rota, resumiu as suas realizações e experiência notáveis, e delineou solenemente oito medidas principais para apoiar a cooperação de alta qualidade da Faixa e Rota, dando início a um novo capítulo da cooperação Faixa e Rota na próxima década de ouro.

A cooperação Faixa e Rota é uma sinfonia magnífica de história e realidade.

A Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), enraizada na história, responde a questões levantadas pela realidade. Na história, os nossos antepassados criaram uma Rota da Seda terrestre ligando a Ásia, a Europa e a África, e abriram uma Rota da Seda marítima ligando o Oriente e o Ocidente, iniciando uma nova fase de intercâmbios amigáveis entre os povos e moldando o espírito da Rota da Seda que caracteriza por paz e cooperação, abertura e inclusão, aprendizagem mútua e benefício mútuo. Em 2013, o presidente Xi Jinping revelou a BRI e revigorou as antigas rotas da seda na nova era. Actualmente, o mundo está a passar por grandes mudanças nunca vistas num século. A globalização económica enfrenta contracorrentes e a economia mundial enfrenta o risco de recessão. Cerca de 90% dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas “descarrilaram” e quase um terço dos objectivos estagnou ou até regrediu. A atenção do mundo está focada em Pequim, esperando que a China lidere o caminho. Neste momento crítico, o Presidente Xi Jinping, no seu discurso de abertura, declarou que a China dará oito passos importantes, incluindo a construção de uma rede multidimensional de conectividade rodoviária e de cintura, o apoio a uma economia mundial aberta, a realização de cooperação prática para apoiar uma Faixa e Rota de alta qualidade, promoção do desenvolvimento verde, avanço da inovação científica e tecnológica, apoio ao intercâmbio entre pessoas, promoção da cooperação baseada na integridade do Cinturão e Rota e fortalecimento da construção institucional para a cooperação internacional Faixa e Rota, injectando assim um forte impulso na cooperação Faixa e Rota de alta qualidade e modernização mundial.

A cooperação Cinturão e Rota é uma convergência perfeita de conceitos e práticas.

É excelente tanto em ideias quanto em resultados reais. A BRI está alinhada com o conceito de uma comunidade global de futuro partilhado e foi bem recebida pela comunidade internacional como um bem público e uma plataforma de cooperação, e alcançou resultados sólidos. Mais de 150 países e mais de 30 organizações internacionais assinaram documentos de cooperação Faixa e Rota com a China, estabelecendo mais de 3.000 projectos de cooperação, gerando quase um bilião de dólares americanos em investimentos e registrando conquistas frutíferas na conectividade física, institucional e interpessoal: foi lançado um grande número de projectos emblemáticos e programas “pequenos mas inteligentes”; a cooperação na Rota da Seda da Saúde, na Rota da Seda Verde, na Rota da Seda Digital e na Rota da Seda da Inovação registou progressos constantes; foram criadas mais de 20 plataformas especializadas de cooperação multilateral; os intercâmbios e a conectividade entre pessoas foram aprofundados. Foram estabelecidos importantes princípios orientadores para a cooperação de alta qualidade Faixa e Rota, que incluem o princípio de “planear juntos, construir juntos e beneficiar juntos”, a filosofia da cooperação aberta, verde e limpa, e o objectivo de procurar cooperações de alto-padrão, centrada nas pessoas e sustentável. Todas estas conquistas florescentes compuseram uma sinfonia inspiradora na nova era.

A cooperação Cinturão e Rota beneficia tanto a China como o mundo.

A BRI, proposta pela China, pertence ao mundo inteiro. Sob a orientação da BRI, a China está a abrir ainda mais as suas portas ao mundo, com as suas regiões do interior a transformarem-se de “laterais” em “avançados”, e as regiões costeiras a atingirem novos patamares na sua abertura. O mercado da China tornou-se ainda mais integrado com o mercado global. A BRI injectou um novo impulso na economia global, criou novas oportunidades para o desenvolvimento global e melhorou a capacidade de desenvolvimento e o bem-estar das pessoas das partes interessadas.

As pesquisas mostram que, devido à BRI, o custo do comércio global foi reduzido em 1,8%, o comércio entre os países participantes aumentou entre 2,8% e 9,7%, o comércio global aumentou entre 1,7% e 6,2% e o rendimento global aumentou 0,7 % e 2,9%. Até 2030, os projetos de transportes da BRI poderão ajudar a retirar 7,6 milhões de pessoas da pobreza extrema e 32 milhões de pessoas da pobreza moderada. O secretário-geral da ONU, António Guterres, elogiou o facto de a BRI ter trazido esperança e progresso a milhares de milhões de pessoas no mundo.

Dez anos é apenas o prólogo. Enfrentando mudanças que têm consequências para o mundo, para os nossos tempos e para a história, a BRI, zarpando novamente a partir de um novo ponto histórico, abrirá definitivamente uma nova janela de oportunidade para a China e o mundo com produtos de maior qualidade e desenvolvimento de maior nível, e tornará realidade o desejo das pessoas por uma vida feliz em um ritmo mais rápido.

* Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau.

19 Out 2023

A que aspiram os americanos?

O antigo Presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o actual Presidente Joe Biden anunciaram que se vão candidatar à corrida presidencial de 2024. Segundo as últimas notícias, muitos estados ainda não decidiram qual o candidato que vão apoiar, sendo a Pensilvânia um deles. Sondagens recentes mostravam que a taxa de aprovação de Trump neste estado era 9% superior à de Biden.

A diferença entre Trump e Biden é o primeiro estar envolvido em vários processos judiciais. Trump foi processado por evasão fiscal e por falsificação de documentos relacionados com os seus negócios. Embora o resultado destes processos seja imprevisível, a sua existência terá impacto nas eleições presidenciais. O julgamento terá início no próximo mês. Existe, portanto, a possibilidade de Trump ser eleito Presidente antes de se saber o desfecho do julgamento. Uma vez que o Presidente dos Estados Unidos goza de imunidade judicial durante o seu mandato, o processo será suspenso por quatro anos. Adiar um julgamento não é do interesse de nenhuma das partes. Para já, o resultado é desconhecido, mas mais cedo ou mais tarde será revelado.

A honestidade é muito importante. Certa vez, académicos americanos da área de gestão fizeram um estudo sobre valores universais. Os resultados experimentais provam que, independentemente da classe social dos inquiridos, todos defendiam que a honestidade, a equidade e a justiça são princípios basilares.

A honestidade também é fundamental na vida quotidiana. Pelo contrário, a desonestidade dificulta a interacção das pessoas umas com as outras e faz com que tenham medo de ser enganadas. A honestidade é extremamente importante para alguns profissionais, especialmente contabilistas, advogados, analistas financeiros, etc. Se estes profissionais forem desonestos e cometerem crimes como fraude, falsificação de contabilidade etc., quando forem condenados em tribunal, deixam de poder exercer.

Crimes como evasão fiscal e falsificação de documentos revelam desonestidade e a experiência diz-nos que têm impacto nas eleições. No entanto, os resultados das sondagens na Pensilvânia são inesperados. Os eleitores deste estado não parecem ter ficado impressionados com o envolvimento de Trump em processos judiciais e continuam a apoiá-lo. Quer isto dizer que os valores universais dos americanos estão a mudar?

A honestidade é um valor da moral universal. A moralidade é um padrão pessoal de comportamento. Através da educação, ajudamos as pessoas a entender a forma de se comportarem. A ética empresarial é o padrão de comportamento nos negócios. Nos anos 1960, os Estados Unidos começaram a estudar a ética empresarial e mais tarde organizaram os dados da pesquisa e criaram uma disciplina independente. Quando as Universidades leccionam estas matérias, ensinam os alunos a serem honestos e a conduzirem as suas empresas de forma a terem consciência da ética empresarial. Posteriormente, a ética empresarial tornou-se também objecto de investigação académica. Tudo isto ilustra a importância da moralidade.

Trump esteve também envolvido em escândalos sexuais, que, no entanto, não tiveram grandes consequências. Por outro lado, o caso extra-conjugal do ex-Presidente Clinton causou um alvoroço nos Estados Unidos à época, chegando a haver quem pedisse a sua demissão. Comparando as exigências morais dos americanos naquela época com as de hoje, voltamos a perguntar, estarão os valores morais dos americanos a mudar?

Quando o julgamento dos casos de evasão fiscal e de falsificação de documentos chegar ao fim, os americanos vão ficar a saber se Trump é ou não desonesto. Este assunto preocupa-os e nós não vamos tirar ilações. O que preocupa a comunidade internacional é saber se os valores universais dos americanos estão a mudar e que qualidades querem ver no próximo Presidente. Afinal de contas, a comunidade internacional quer ter líderes íntegros com bons valores morais. Quando os jornalistas interrogaram o ex-Presidente Obama sobre escutas que os Estados Unidos fariam a líderes de outros países, ele respondeu frontalmente e disse que são coisas que acontecem em todo o lado. Esta resposta pôs fim a uma turbulência política. Por aqui se vê que a honestidade também pode ser uma boa habilidade política, desde que seja usada correctamente.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politéncico de Macau
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17 Out 2023

Carta de Agradecimento

(Imagem de Edgar Martins)

10 de outubro de 2023

A todos:

Escrevo esta carta com o coração pleno de reconhecimento e gratidão.

Chamo-me Angélico Sousa e fui vítima de um grave acidente de trânsito ocorrido no Túnel Gongbei, em Zhuhai, no dia 25 de Setembro de 2023.

Deste trágico acidente resultou a perda do meu amado filho, Noel Tomás Wang de Sousa.

Após o acidente, tive o privilégio de ser atendido pela equipe dedicada de médicos e enfermeiros do Hospital Integrado de Medicina Tradicional Chinesa e Ocidental de Zhuhai; o seu profissionalismo, cuidado e dedicação permitiram-me iniciar o processo de recuperação física, mesmo enquanto lidava com a mais extrema dor emocional.

Este acidente captou a atenção de muitos em Macau e, por esse motivo, sinto que devo vir por este meio expressar o meu profundo reconhecimento a todos.

Em especial, quero agradecer ao Gabinete para os Assuntos de Taiwan, Hong Kong e Macau, ao Departamento Municipal de Segurança Pública de Zhuhai, ao Destacamento da Polícia Rodoviária Hong Kong-Zhuhai-Macau, à Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, aos Serviços de Rodovia de Zhuhai, à Brigada Portuária de Zhuhai, à Melco Resorts & Entertainment Ltd. de Macau, à Fundação da Santa Casa da Misericórdia de Macau, à União Geral das Associações dos Moradores de Macau, ao Consulado Geral de Portugal em Macau e Cantão e, bem assim, a vários dos meus antigos amigos da TDM.

A sua assistência, preocupação e apoio durante este período difícil têm sido inestimáveis para mim.

A bondade de todos vós deu-me força e deu-me esperança.

Com profunda gratidão,

Angélico Sousa

17 Out 2023

A guerra do orçamento de Estado

Portugal, e o mundo, passou os dias da semana passada a assistir assustadoramente à invasão do Hamas a território israelita e aos bombardeamentos de Israel à Faixa de Gaza, conflito que certamente irá durar muitas semanas. Entretanto, o ministro das Finanças, Fernando Medina, veio anunciar as principais medidas do Orçamento do Estado para 2024. Uma verdadeira panóplia de divergências. Que estranho é para o observador independente que o Orçamento do Estado tenha merecido a crítica atroz de todos os partidos políticas da extrema direita à extrema esquerda, excepto obviamente do Partido Socialista.

A estranheza deve-se apenas à dúvida latente se um Orçamento do Estado não tem nada de positivo para bem do povo. Naturalmente que tem. Os partidos políticos que fazem oposição à maioria absoluta socialista não sabem minimamente esclarecer os potenciais seus militantes. Só dizer mal, por vezes, paga-se muito caro e não será por acaso que nas últimas sondagens, o PSD tem o pior resultado da sua história na tendência de voto dos potenciais eleitores.

O Orçamento do Estado tem efectivamente, dentro dos limites que é possível, muitos benefícios para a população, designadamente para os sectores críticos da Saúde, Educação e Habitação. Aumenta os salários dos funcionários públicos, mantém o apoio ao pagamento das rendas de casa das famílias que se encontram em dificuldade e apresenta uma série de medidas estruturais que vários economistas e empreendedores já aplaudiram.

Não se pode pegar na crítica por dá cá aquela palha e anunciar em alta voz, em certos casos, com laivos de histeria, que o orçamento é uma decepção, sem pensar calmamente que todo um processo de enquadramento financeiro para um orçamento estatal deriva das possibilidades que a União Europeia concede. O Governo mexeu em termos positivos no IRS para jovens, o que levará muitos deles a não abandonar o país.

Apresenta um plano, pela primeira vez, para a construção de centenas de habitações para jovens e não só. Um qualquer governo merece crítica acérrima quando entra na asneira ou na incompetência. Ora, um Orçamento do Estado é um documento que leva meses a executar com a maior dificuldade no acordo entre Ministérios. O primeiro-ministro António Costa salientou que é o Orçamento do Estado possível. A única coisa de que pode ser criticado é que dá com uma mão mas retira com a outra.

No Orçamento do Estado para 2024 naturalmente que nem tudo são rosas. Veremos: o Estado vai cobrar em impostos 167 milhões de euros por dia. Segundo o PSD os impostos vão subir de 24,9 para 25, 2% do PIB. 60 mil milhões de euros é o valor a ser cobrado em 2024; Pobrezinhos mas, cada vez, menos caloteiros. A dívida pública, em 2024, vai ficar nos 98,9% do PIB. Vamos pagar menos pelo custo do dinheiro. Se em 2024 tivéssemos a mesma dívida de 2015 cada português teria de pagar em 2024, 230 euros. Afinal, os críticos terão de meter algo dentro do saco porque relativamente aos funcionários públicos é claro que haverá um benefício significativo: os funcionários públicos vão ser aumentados entre 3% e 6,8%. Têm direito a 715 milhões de euros no próximo ano.

O problema que mais tem dado que falar é o que referimos anteriormente em que os críticos do Governo acusam que o orçamento dá com uma mão e tira com a outra devido aos impostos indirectos. São aqueles impostos, quase invisíveis. As taxas nos produtos dos supermercados, na gasolina, no tabaco, no IUC dos carros e aqui é que torcemos o nariz porque o aumento é de 8,9%. Se o povo quer poupar terá de ir menos ao supermercado, terá de andar menos de carro, terá de deixar de fumar e beber menos.

Vejam só os números dos aumentos: IVA cresce 7,9 %, o imposto nos produtos petrolíferos sobe 13,4%, o tabaco tem um aumento de 14%, o álcool vai subir 17, 4%. E finalmente o IUC dos carros anteriores a 2007 terá uma subida de 21%, o que leva as pessoas a pensar que a intenção é acabar com os carros com mais anos e que o povinho compre um carro novo. Como é isso possível, se quem tem um carro comprado antes de 2007 mal tem dinheiro para o manter?

Por outro lado, o investimento público cresce 24,2%. Sendo assim, vamos esperar que os serviços estatais comecem a servir o público com o mínimo de dignidade, sem longas esperas, sem não atenderem os telefones e sem abordarem o público com sete pedras na mão. E acima de tudo, esperemos que a Polícia Judiciária deixe de responder a uma queixa-crime que um cidadão apresente, só ao fim de dois ou três anos, porque a PJ é quem mais vai receber, nada mais que 282 milhões de euros.

Quanto ao problema dos professores podem esperar sentados no que respeita aos seis anos, seis meses e 23 dias que pretendem receber. Em 2024, os professores que sejam colocados em Lisboa ou Algarve e a sua residência fique a mais de 70 quilómetros podem candidatar-se a um subsídio de habitação. E vivó velho. Muitos professores deveriam pensar bem se não valeria a pena irem leccionar para Macau, que está com dificuldades de docentes na Escola Portuguesa, devido à falta de residência, mas que pensamos ser uma obrigação da Fundação da Escola Portuguesa arranjar casas para professores.

Enfim, foi uma semana em que as televisões misturaram Orçamento do Estado com massacres e invasões no Médio Oriente, quando a verdadeira guerra esteve em Portugal entre a classe política. Tristemente.

16 Out 2023

Pela espada matas, pela espada morrerás

O título deste artigo foi tirado de Mateus 26:52-54, que cita Jesus quando ele se dirigiu a Pedro que, revoltado com a prisão do Messias, empunhava na mão uma espada. Jesus compreendia que fazer justiça pelas próprias mãos não resolvia os problemas e desejava ser julgado de acordo com a Lei, mesmo que o julgamento não fosse justo, porque queria que o mundo soubesse que o sangue de um inocente nunca é derramado em vão. Os factos provam que Jesus, que foi crucificado, foi o verdadeiro vencedor.

O Império Romano há muito que não existe, mas a Igreja fundada por Cristo permanece firme nestes tempos conturbados e passou a ser a consciência moral da sociedade.

Os cristãos de Macau que tenham feito uma peregrinação à Terra Santa ou que tenham estado ema Jerusalém, terão compreendido o problema que se arrasta desde há muito tempo entre judeus e palestinianos. Mas para resolver este conflito com 2.000 anos, não se pode depender apenas da força.

Em 1993, foi assinada na presença do Primeiro-Ministro israelita Yitzhak Rabin, do líder da OLP, Yasser Arafat e do Presidente dos EUA, Bill Clinton, a Declaração de Princípios sobre a Autonomia Provisória da Palestina, conhecida como “Acordo de Oslo”.
Esperava-se que este acordo viesse a resolver as relações desde há muito hostis entre os dois lados. É uma pena que o tiroteio ocorrido numa Praça central de Telavive, a 4 de Novembro de 1995, tenha não só tirado a vida a Yitzhak Rabin, um homem de paz, como também tenha mantido aceso o conflito sangrento entre Israel e a Palestina até aos nossos dias.

Da mesma forma, o assassinato de Song Jiaoren, na estação de Caminhos de Ferro de Xangai a 20 de Março de 1913, estilhaçou o sonho democrático da China. Song Jiaoren morreu dois dias depois de ser atingido, sem ainda ter completado 31 anos de idade, e a China ficou mergulhada num longo período de turbulência.

Se a violência política pudesse resolver problemas, hoje em dia a China ainda seria governada pela família de Yuan Shikai. Quando o Hamas lançou um ataque surpresa contra Israel, no passado dia 7 de Outubro, o resultado já estava à vista. Quem pela espada mata, pela espada morrerá. A questão é saber quantos inocentes perderão a vida?

A humanidade esquece-se sempre das lições da História e do sofrimento causado pelas guerras. Reparei que a cada 80 anos é travada uma guerra evitável, sempre porque alguém toma uma má decisão na altura errada, trazendo consigo tristeza e dor que jamais serão apagadas. Por exemplo, em 1860, as forças britânicas e francesas aliadas tomaram Pequim e queimaram o Antigo Palácio de Verão, causando danos irreparáveis a relíquias culturais da China. Durante a Guerra Civil Americana em 1861, morreram muitos soldados.

Cerca de 80 anos mais tarde, a II Guerra Mundial chegava ao fim, deixando um rasto de destruição de bens e de vidas humanas astronómico. Se todos os problemas pudessem ser resolvidos pela força, Alexandre, o Grande e Genghis Khan teriam sido únicos líderes do mundo.

A desintegração sempre traz à tona dores e tristezas e a paz e harmonia é o que todos desejam. Para lidar com eficácia com o actual problema da desintegração, devemos seguir o “modelo vietnamita” ou o “modelo alemão”? Afinal de contas, a força é apenas uma moeda de troca nas negociações políticas e as questões políticas têm de ser resolvidas por meios políticos.

13 Out 2023

Ciber segurança

Recentemente, as questões de ciber segurança estiverem em foco em Hong Kong. Há pouco tempo, a empresa Cyberport foi atacada e os seus dados foram roubados, para os recuperar a Cyberport teria de pagar 300.000 US dólares. ´Também o sistema informático do Hong Kong Consumer Council foi vítima de um ataque. Desta vez, os piratas informáticos exigiram um pagamento de 500.000 US dólares para repor os ficheiros. Ambas as organizações declararam que não vão pagar as quantias exigidas.

Em ambos os casos, os piratas informáticos usaram a Internet para atacar os sistemas informáticos, roubar os dados e exigir os pagamentos. A opção de não lhes pagar é correcta, porque se e pagar uma vez abre-se as portas a uma chantagem que não vai ter fim. Alguns peritos informáticos salientaram que, certa vez, uma empresa pagou para recuperar os seus ficheiros. No mês seguinte, sofreu 28 ataques. Por aqui se pode ver que pagar aos chantagistas só dá azo a que a chantagem não pare.

A questão-chave é apostar na segurança de forma a impedir os ataques. Nos dois casos acima mencionados, nos ficheiros roubados existiam dados de antigos clientes e de antigos empregados. Quando é que estes dados vão ser necessários? Por exemplo, um antigo cliente pode ter de apresentar documentos a repartições governamentais com o seu historial para provar a sua situação financeira. Quando um antigo empregado é contratado por outra organização, pode ter de fazer prova das suas actividades anteriores. Ou seja, as organizações têm de armazenar todos os dados porque podem ser necessários no futuro. Será que se pode considerar armazenar este tipo de dados num sistema de intranet a que não se possa aceder através da Internet? A intranet não está ligada ao mundo exterior, e os piratas informáticos não têm forma de penetrar neste sistema, pelo que os dados ficam em segurança. Além disso, será que certos dados podem ser apagados após um determinado período de tempo? Por exemplo, após sete anos. Se não houver dados, o interesse no roubo desaparece.

O caso dos Bancos é diferente, porque a sua actividade depende da transacção de dados. Após a conclusão da transação, os dados têm imediatamente de ser actualizados, caso contrário, as consequências da perda de informação serão muito sérias. Os actuais sistemas informáticos guardam automaticamente uma cópia no computador? Se o sistema for atacado, haverá assim uma cópia de segurança e nem todos os dados serão perdidos. Simultaneamente, as empresas ainda podem criar um terceiro sistema informático para ser usado apenas em situações de emergência. Com este sistema em triplicado, mesmo que haja intromissão, os prejuízos serão minimizados.

A Lei de Protecção de Dados Pessoais de Singapura estipula que as empresas devem apostar em fortes sistemas de segurança, caso contrário, terão de pagar uma multa equivalente a um ano de rendimentos. A lei é simples, mas o que é complicado é atingir os níveis de segurança pretendidos. Quanto mais complexo for o sistema informático, maior terá de ser o investimento em segurança. Esta lei, também fornece indicações sobre a implementação das medidas de segurança conforme o sistema informático em vigor em cada empresa. Depois de terem ocorridos os dois incidentes anteriormente referidos, haverá necessidade de alterar a Lei da Privacidade de Dados Pessoais de Hong Kong e de optar por uma abordagem semelhante à de Singapura para garantir mais protecção às empresas e organizações?

Algumas pessoas podem perguntar, por que não aumentar as penas para os crimes informáticos? Existe apenas uma razão. O facto de os piratas informáticos e de as vítimas estarem na maior parte das vezes em países, ou regiões, diferentes torna muito difícil levar os infractores a comparecerem perante a justiça. Por conseguinte, endurecer as penas terá muito pouco efeito no combate ao crime informático internacional.

A nível individual também é necessário prestar muita atenção à segurança informática. Além de instalar software antivírus, também precisamos de actualizar os nossos computadores pessoais de tempos a tempos. O alvo dos piratas informáticos são os dados e os dados são armazenados no disco rígido do computador. Se o disco rígido não armazenar dados, mesmo que seja atacado, só precisamos de voltar a formatá-lo e o problema está resolvido. Por conseguinte, armazenar os dados num disco externo, que só ligamos ao computador em caso de necessidade, reduz largamente a possibilidades de ataques via Internet.

Em Macau, não tem havido notícias de ataques informáticos. Para estarmos preparados para o pior, devemos primeiro instalar o software antivírus no computador, actualizar o sistema informático, apagar dados antigos, fazer cópias de segurança, estar sempre atentos e encarar a hipótese de aumentar as medidas de segurança para prevenir ataques internacionais ilimitados.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politéncico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

10 Out 2023

Estrangeiros na tropa é uma aberração

Não sei que ideias mais absurdas podem aparecer na esfera política deste país. No âmbito das Forças Armadas, ao nível dos quadros superiores reina a revolta com a ideia que tem sido gerada de aceitar nas Forças Armadas cidadãos estrangeiros – atribuindo-lhes, em troca do serviço, cidadania, e ultrapassando assim a necessidade de haver revisão constitucional, porque a nossa Constituição é peremptória: só cidadãos portugueses podem integrar as Forças Armadas.

Toda esta ideia absurda deve-se à diminuição gradual de jovens interessados em integrar as Forças Armadas. Porquê? Porque precisamente o Ministério da Defesa não modifica a actual situação miserável dos militares que obtém um salário baixo e não têm condições sociais para manter a família.

A ideia absurda tem ganho força na bancada parlamentar do PS com o presidente da Comissão de Defesa, Marcos Perestrelo, a mostrar-se favorável ao ingresso de estrangeiros sem sequer colocar o domínio do português como dever necessário. Por outro lado, o major-general Vieira Borges concorda com a ideia desde que apenas fosse restrita a cidadãos da CPLP.

Por seu turno, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa já se mostrou mais favorável à ideia, mas tem vindo a regredir a sua posição, parecendo agora aproximar-se da ministra da Defesa, que é cautelosa quanto à solução. Naturalmente que a ministra tem de ser cautelosa, porque para sermos sérios, o que aconteceria era darmos a cidadania portuguesa a mercenários. Um outro socialista, Pedro Pinto, nem lhe interessa a origem dos mercenários, apenas o domínio da língua portuguesa.

Marcos Perestrelo, por exemplo, não concretiza em que moldes se daria a obtenção de cidadania, alegando que é preciso reflectir. Sem se comprometer com uma ideia concreta, ressalva que no processo de obtenção da nacionalidade, a questão da língua é relevante, mas ainda assim refere-se-lhe como uma barreira ultrapassável. Para Perestrelo, a atribuição de cidadania a estrangeiros que quiserem integrar as Forças Armadas portuguesas seria, em abstracto, a melhor solução – escusando-se assim a uma revisão constitucional e ao apoio do maior partido da oposição, o PSD.

O major-general Vieira Borges propõe que, no âmbito da CPLP, se abra um regime especial para aqueles que queiram ingressar nas Forças Armadas. Os pretendentes devem estar, segundo este militar, pelo menos, um ano em Portugal – que lhes garantirá a dupla cidadania – e depois cumpridos todos os requisitos ordinários para entrar nas Forças Armadas (nomeadamente habilitações literárias), poderão tentar alistar-se. A proposta de Vieira Borges é mais conservadora do que as ideias de Perestrelo ou Sousa Pinto. E por que razão especificamente um ano? O militar afirmou que seria o mínimo para alguém perceber o país. Mas, estará à espera que uns fulanos que vêm enfiar-se nas Forças Armadas apenas porque precisam de dinheiro, autênticos mercenários, estejam muito interessados a gastar tempo em “perceber” o país? Há cada lírico.

Desde que cumprimos o serviço militar que conhecemos muitos militares e militares na reserva e contactámos alguns. Todos foram unânimes em discordar da ideia de contratar estrangeiros. Um deles, mostrou-me um jornal com declarações do capitão de Abril, Vasco Lourenço. Lourenço não tem papas na língua afirmando: “Acho uma aberração só própria das mentes que não têm a mínima ideia do que é a instituição militar em Portugal”.

E acrescenta: “Um indivíduo que venha para o serviço militar de um país a que não pertence é um mercenário, não posso chamar outra coisa”. Lourenço ressalva não ter problemas em que portugueses nacionalizados se alistem no Exército, mas observa que esta cidadania não deve poder ser adquirida de um dia para o outro”. Questionado sobre o argumento da lusofonia, Lourenço é determinante: “No grupo Wagner também devem falar várias línguas. Não brinquem comigo, ou são portugueses ou são mercenários. Uma coisa são Forças Armadas, outra são forças com armas”, considerou.

Por fim, o presidente da Associação 25 de Abril rematou: “Criem condições para que as Forças Armadas se sintam prestigiadas e que, quando saem do país, fiquem com as costas familiares protegidas. Façam isso e as Forças Armadas podem voltar a ter mais efectivos do que os necessários”.

Estamos perante uma ideia, verdadeiramente absurda e que deve ser rejeitada por todos os portugueses. Portugal não precisa de mercenários. O único factor que realmente mobilizará os jovens a ingressar no Exército, Marinha ou Força Aérea é a mudança de paradigma que se tem de registar nas condições remuneratórias dos militares e acabar com os quartéis onde as camaratas, casas de banho e a generalidade das instalações nem para porcos serviriam.

9 Out 2023

O poder do erótico

O erótico abraça o prazer, essa capacidade fisiológica que tanto minimizamos. Não sabemos dar espaço ao prazer nas nossas vidas. Muitas autoras negras norte-americanas têm vindo a alertar para esta incapacidade que precisa de se transformar em empoderamento. Desde os anos 70, Audre Lorde, e nos últimos anos, adrienee maree brown, defendem uma ideia muito simples. As ideias mais simples são as mais revolucionárias: o erótico é poder. Quem pratica o erótico pratica pleasure activism. Não se trata de um ativismo pelo orgasmo, apesar de esse ainda ser muito relevante. O erótico como arma política implica entender os obstáculos ao prazer, e reconstituir o acesso ao erótico e ao sensual, de forma genuinamente inteira.

No prazer cabe a re-invenção. O erótico oferece o contacto com o centro de si, alinhar a sensação de cabeça aos pés com a terra que habitamos, unir-se com a capacidade infinita de se ser e gozar. Essa capacidade que nos dizem difícil, porque é devassa, pecaminosa ou inconcebível, é uma arma política quando praticada, de tão negada que é. O erótico é a forma utópica de viver o presente. A sensação do corpo que nos segue, mas que pode comandar, é descurada em prol de formas tortuosas. A culpa, a repreensão, ou o medo sobrepõem-se ao estar-com que se quer simples e descomplicado.

O erótico não pode ser minimizado ao orgasmo, ou à pornografia. Audre Lorde, no seu ensaio sobre o poder do erótico, defende reclamar o erótico na forma inteira de sentir. Avança ainda que não deve ser confundida com a pornografia, porque esta, na verdade, revela-se o oposto do erótico.

A pornografia tem um guião, um desenlace planeado. O erótico exige o deixar sentir, deixar-se ir. Descobrir, em contacto, a vontade de se concretizar em pleno. Tal como o orgasmo, este pode ser mecanizado e performado, ou pode ser genuíno, naturalizado, improvisado. Ter um orgasmo antes do trabalho, antes de uma tarefa aborrecida, antes de um trabalho criativo, é o que muitas ativistas pelo prazer defendem. Abrir as portas do erótico através do orgasmo é provavelmente o caminho mais rápido de entrar, mas não fica por aí.

Como um mergulho pela riqueza da interioridade, o erótico e a sensualidade dão sentido e integram a complexidade humana. Na conceptualização de Audre Lorde, a função do erótico é interligar paradoxos e polaridades, os que dicotomizam espiritualidade da política, ou a arte da ciência. No erótico há um encontro que também se estende ao encontro com o outro, no desabrochar de sensações que se multiplicam. Assim se materializa a filosofia Ubuntu. Eu existo porque nós existimos. Limites que se desvanecem momentaneamente.

E claro, uma outra função do erótico que a autora defende, é a capacidade de encontrar ainda mais alegria e mais paixão na forma de existência. Na forma como o corpo ressoa as coisas belas da vida. Admirar arte, ouvir música, dançar ou fazer amor. No erótico encontram-se outros ritmos de danças nunca dançadas. O poder do erótico está na capacidade reivindicativa de ir contra o que conhecemos e aprendemos, e procurar lá dentro os mais íntimos desejos e vontades.

6 Out 2023

Tufões, furacões, medicanes e outros fenómenos meteorológicos

Antigamente, os nossos ancestrais saíam das suas cavernas, ou não, em função do tempo. Faziam-no para caçar ou recoletar os produtos necessários à sua subsistência. É provável que tentassem inferir as condições meteorológicas durante as quais se dedicariam às suas tarefas, recorrendo à observação das nuvens, do vento e de outros parâmetros meteorológicos. Observando e prevendo o comportamento da atmosfera, estavam a praticar, sem terem consciência disso, o que está na base de uma das ciências mais antigas, a Meteorologia.

Apesar da sua antiguidade, ainda somos surpreendidos pelo facto de, esporadicamente, surgirem termos meteorológicos novos. É com certa frequência que os media se referem a “rios atmosféricos” para designarem extensas zonas da atmosfera em forma de corredor, caracterizadas por grande concentração de vapor de água e que frequentemente dão origem a fortes precipitações, por vezes com graves consequências.

Outro termo, “meteotsunamis” (ou tsunamis meteorológicos), que aparece mais raramente, refere-se a perturbações da superfície do mar causadas pela variação brusca da pressão atmosférica, associadas ao movimento rápido de frentes frias e linhas de borrasca (formações de cumulonimbus dispostos em linha) muito ativas. Os meteotsunamis são caracterizados por ondulação de grande comprimento de onda, a qual, ao atingir as zonas costeiras, provoca efeitos semelhantes aos dos tsunamis, embora geralmente com menor intensidade.

A expressão “maré de tempestade” (storm surge, em inglês) já entrou no léxico habitual, mas o seu significado ainda não é compreendido por muitas populações das regiões do litoral, o que tem causado milhares de vítimas. A pressão atmosférica muito baixa, associada a ciclones extratropicais e tropicais muito intensos, faz com que o nível do mar se sobre-eleve, e a água superficial seja arrastada pelo vento, invadindo as zonas costeiras baixas. Quando a pressão diminui 1 hectopascal (ou milibar) o nível do mar sofre uma elevação de aproximadamente 1cm, o que implica que, quando um ciclone com a pressão muito baixa no seu centro se desloca, é acompanhado por esta sobre-elevação, o que faz com que a agitação marítima atinja a costa por vezes com um nível superior a um metro em relação ao normal.

Foi o que aconteceu na passagem do furacão Katrina na região de Nova Orleães, em agosto de 2005, o que causou cerca de 1800 mortos. Analogamente, em novembro de 2013, o tufão Haiyan provocou cerca de 6000 mortos nas Filipinas, em grande parte devido à maré de tempestade associada. Também o tufão Hato, em agosto de 2017, foi caracterizado por uma maré de tempestade que provocou forte inundação em algumas zonas baixas de Macau. Neste caso, o facto de a passagem do tufão ter coincidido com a maré astronómica alta agravou a situação, na medida em que houve uma sobreposição de três fatores: a maré de tempestade, a preia-mar e o vento forte.

Há algumas semanas reapareceu, nos meios de comunicação social, o termo “medicane”, usado para designar fenómenos meteorológicos relativamente raros, que ocorrem no Mediterrâneo, e que consistem em depressões híbridas, com características simultaneamente de depressões extratropicais e de ciclones tropicais.

O mais recente destes fenómenos formou-se a partir de uma perturbação do campo da pressão sobre o Mar Egeu, em 4 de setembro de 2023, que se deslocou para sul da Grécia, provocando precipitação intensa e inundações neste país, causando mais de uma dezena de vítimas mortais. A tempestade, que foi denominada Daniel pelo serviço meteorológico grego, atravessou o Mediterrâneo e, no dia 10, atingiu o Nordeste da Líbia, causando precipitação extraordinariamente intensa. A estação meteorológica de Al-Bayda, relativamente próxima da cidade de Derna, registou 414,1 mm entre as 08:00 horas do dia 10 e as 08:00 horas de 11 de setembro. Como referência pode-se mencionar que esta precipitação, que ocorreu em apenas 24 horas, correspondeu a cerca de 75% da precipitação anual média em Lisboa e cerca de 22% do que chove anualmente, em média, em Macau.

4 Out 2023

Depois de tocar o fundo

Depois de três anos de pandemia, Hong Kong e Macau têm defrontado vários problemas no processo de recuperação económica. Se os Governos das duas cidades não procurarem soluções pragmáticas, e se preocuparem apenas com “contar bonitas histórias de Hong Kong” e “bonitas histórias de Macau”, os problemas só irão agravar-se.

No passado dia 26, o Hang Seng Index de Hong Kong fechou em 17,466.90 pontos, atingindo a cotação mais baixa desde 28 de Novembro de 2022. Conseguir segurar os 17.500 pontos será um factor-chave que afectará a subida ou a queda do mercado de acções da cidade num futuro próximo.

Enquanto Hong Kong afirma que está num período de transacção do caos para a ordem, e da estabilidade para a prosperidade, existe uma nova de vaga de emigração de residentes e algumas escolas foram fechadas ou mudaram de direcção devido ao número insuficiente de estudantes.

Perante esta situação, Anthony Cheung Bing-leung, o antigo Secretário dos Transportes e da Habitação de Hong Kong, viu-se obrigado a publicar um artigo no Ming Pao (um jornal de Hong Kong de língua chinesa) declarando que, “A actual imagem de Hong Kong é confusa e ambígua.

Devido à turbulência política e às reviravoltas dos últimos anos, bem como a implementação da Lei da República Popular da China sobre a Salvaguarda da Segurança Nacional na Região Administrativa Especial de Hong Kong, alguns estrangeiros duvidaram que Hong Kong continuasse a ser a cidade e o mercado que era, e perguntam-se se não seria a sua crescente sujeição ao controlo político a causa de perda de diversidade e inclusão. Hong Kong não carece de atenção internacional. Mas nos últimos anos, Hong Kong é vista como um local complicado que alberga negatividade, o que está a alterar a sua imagem internacional. Embora o Governo de Hong Kong entoe diariamente canções de louvor à cidade, tem também de procurar entender a percepção que dela têm do exterior”.

Quanto a Macau, que não tem atraído muita atenção internacional, a da RAEM foi implementada em 2009, que efectivamente assegurou a estabilidade e manteve um estado de harmonia na região, assegurando simultaneamente a liberdade a diversidade e a inclusão desfrutadas em Macau.

Em 2021, embora não se tenham verificado nesta cidade incidentes sociais semelhantes aos de Hong Kong, o Governo da RAEM decidiu aperfeiçoar o seu regime eleitoral, Numa acto sem precedentes, desclassificou candidatos de vários grupos que concorriam às eleições para a Assembleia Legislativa. As drásticas mudanças no cenário político de Macau criaram situações que não podem ser ultrapassadas com a mera aplicação de paliativos. O desempenho e as capacidades de supervisão do Governo da RAEM enfraqueceram ao mesmo tempo que a cidade sofreu os efeitos de três anos de pandemia. Se não fossem as reservas acumuladas ao loora.

O Governo da RAEM pensa que tudo está a melhorar e a acompanhar o ritmo de desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, mas também deve ter em conta a mão cheia de incidentes sociais infelizes que aconteceram nos últimos anos. De acordo com as estatísticas oficiais, houve 80 casos de suicídio em Macau em 2022. No primeiro trimestre de 2023, foram reportados 23 suicídios e no segundo, 24, o que é digno de atenção. O slogan “quatro níveis de prevenção concertada e quatro abordagens interligadas”, para lidar com o problema da saúde mental, que o Governo da RAEM sempre enfatiza não pode ter apenas um papel limitado. Afinal de contas, a prática é o único caminho para testar a verdade.

Não nego a importância do serviço comunitário, mas deve ter-se em linha de conta as condições económicas e sociais para que possa ser eficaz. Uma cidade sem esperança pode facilmente dar origem a sentimentos negativos entre os seus residentes. Por um lado, o Governo da RAEM dá grande importância à recuperação económica, mas por outro lado, controla rigorosamente a atribuição de subsídios a organizações sem fins lucrativos. Considerando as preocupantes estatísticas de suicídio acima mencionadas, deverá o Governo alocar mais fundos destinados especificamente a instituições de bem-estar social?

O Instituto de Acção Social fez todos os possíveis para incentivar os residentes a cuidarem da sua saúde mental e da dos seus familiares e amigos. Em caso de necessidade, podem ligar para a Linha aberta para Aconselhamento Psicológico da Cáritas de Macau ou para a Linha de Aconselhamento do Instituto de Acção Social para falarem sobre as suas preocupações e procurarem ajuda. No entanto, se existirem vários factores sociais desfavoráveis, pode ser difícil melhorar o bem-estar emocional das pessoas afectadas.

A Bíblia diz-nos que quando Moisés conduziu o povo de Israel na sua fuga do Egipto até às margens do Mar Vermelho, o exército egípcio os perseguiu. Em desespero, os israelitas acusaram Moisés, dizendo “Trouxeste-nos para o deserto para morrermos, porque não havia sepulturas no Egipto?” Moisés acabou por conduzir o seu povo através do Mar Vermelho em direcção à Terra Prometida – a terra do leite e do mel, fazendo assim desaparecer os seus receios. Os maiores temores surgem quando não há esperança. Só dando esperanças às pessoas elas podem ver o dia de amanhã. Por isso pergunto: onde está o Moisés dos nossos dias?

29 Set 2023

Cooperação China-Portugal na construção da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota produz resultados abrangentes

Por Zhao Bentang, Embaixador da China em Portugal

O presidente Xi Jinping propôs a iniciativa Uma Faixa, Uma Rota em 2013, a qual foi acolhida positivamente pela comunidade internacional. Ao longo de 10 anos, a China e os demais países envolvidos coordenaram políticas, alinharam planos de desenvolvimento, implementaram projetos de conectividade, promoveram a facilitação do comércio e do investimento, e construíram uma importante plataforma de cooperação internacional.

A iniciativa chinesa tornou-se um caminho rumo ao desenvolvimento, uma via de oportunidades e uma rota de prosperidade.

Em dezembro de 2018, durante a visita de Estado do Presidente Xi Jinping a Portugal, a China e Portugal assinaram um memorando de entendimento sobre a cooperação na construção da iniciativa Cinturão e Rota. Em abril de 2019, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, visitou a China e participou no segundo Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional. Os líderes dos dois países realizaram visitas recíprocas em menos de meio ano, elevando a parceria estratégica abrangente China-Portugal a novos patamares.

Actualmente, a cooperação na construção da iniciativa chinesa entre a China e Portugal encontra-se em um novo ponto de partida. Ambas as partes estão comprometidas em avançar, aproveitar oportunidades, respeitar mutuamente os princípios da igualdade e continuar a melhorar a cooperação prática, enriquecendo ainda mais o conteúdo da parceria estratégica abrangente bilateral.

A cooperação China-Portugal na construção da iniciativa recorre a vantagens naturais. Portugal é uma nação antiga de navegação, o ponto de partida europeu na antiga Rota da Seda Marítima e um importante hub que conecta a Rota da Seda Terrestre e a Rota da Seda Marítima. É, por isso, um parceiro natural. Portugal é um dos membros fundadores do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, foi um dos primeiros países da Europa Ocidental a assinar um acordo de cooperação na construção da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota com a China, o primeiro país da União Europeia a estabelecer uma “parceria azul” oficial com a China e o primeiro país da zona do euro a emitir títulos denominados em renminbi.

A China é o maior parceiro comercial de Portugal na Ásia, enquanto que, por seu turno, Portugal é um dos principais destinos do investimento chinês na Europa. As excelentes condições geográficas e a sólida disponibilidade para a cooperação estabeleceram uma base para a cooperação entre a China e Portugal.

Nos últimos anos, o comércio bilateral entre a China e Portugal cresceu rapidamente, ultrapassando US$ 6 mil milhões em 2018 e atingindo mais de US$ 9 mil milhões em 2022, alcançando um novo recorde histórico. Isso é ainda mais notável, considerando os desafios da pandemia e a lentidão da recuperação econômica global. Os investimentos chineses em Portugal abrangem diversas áreas, tendo aumentando de € 9 mil milhões em 2018 para € 11,2 mil milhões em 2022. Os produtos portugueses exportados para a China têm assistido a um aumento tanto em variedade quanto em quantidade, com produtos como carne de porco preto, vinho e cerveja ganhando popularidade entre os consumidores chineses.

Mais de 40 universidades chinesas oferecem cursos de língua portuguesa, enquanto Portugal tem cinco institutos Confúcio e diversas escolas públicas e privadas oferecendo cursos de chinês. Esses resultados de cooperação beneficiam diretamente as populações de ambos países, promovendo também a troca cultural e a compreensão mútua.

Tanto a China quanto Portugal enfrentam desafios econômicos, sociais e de desenvolvimento. A China está disponível para trabalhar em conjunto com Portugal no sentido de continuar a alinhar a iniciativa Cinturão e Rota com a estratégia de desenvolvimento de Portugal, promover uma cooperação sólida nos campos da sustentabilidade, digitalização, inovação e economia do mar.

A China valoriza o papel de Portugal na União Europeia e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e está disponível para expandir ainda mais a cooperação de mercado trilateral ou multilateral para beneficiar mais países e povos.

“Há centenas de anos, porcelanas azuis e brancas da China navegaram pelo oceano até Portugal, fundindo-se com as técnicas locais de produção de cerâmica, criando o encantador ‘azul de Portugal'”, escreveu o Presidente Xi Jinping em um artigo assinado em nome do povo chinês, nas vésperas de sua visita de Estado a Portugal, em 2018, destacando a amizade duradoura e profunda entre os dois países.

Acreditamos que, no futuro, a cooperação China-Portugal na construção da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota continuará a impulsionar o desenvolvimento contínuo da parceria estratégica abrangente China-Portugal, em benefício dos povos de ambos os países.

26 Set 2023