CCM | D’As Entranhas estreia nova peça de teatro

Uma mulher sozinha e palavras, muitas palavras. É este o mote para a nova peça de teatro d’As Entranhas – Associação Cultural, que sobe ao palco do Centro Cultural de Macau na próxima semana. “Home Sweet Home” vai buscar influências literárias de mulheres que escrevem sobre si e as outras, como Adília Lopes, Maria do Rosário Pedreira e Dulce Maria Cardoso

 

O palco “Box II” do Centro Cultural de Macau (CCM) acolhe mais uma peça teatral em português na próxima semana, nomeadamente na quinta e sexta-feira e também no sábado, de 28 a 30 de Novembro.

Trata-se de “Home Sweet Home” uma criação d’As Entranhas Macau – Associação Cultural, um “espectáculo de teatro transdisciplinar” que, conforme descreve o comunicado, é criado a partir de uma selecção de textos compilados e adaptados de autoras portuguesas que, nas suas palavras, escrevem sobre si próprias, as outras mulheres, o corpo e as suas mudanças e também os seus sentimentos.

Assim, as influências literárias para este espectáculo chegam da poetisa Adília Lopes e a sua “Dobra”; “O Meu Corpo Humano”, o mais recente livro de poesia de Maria do Rosário Pedreira; excertos de poemas de Isabel Meirelles, Alexandre O’ Neill e Tóssan; e ainda “Os Meus Sentimentos”, de Dulce Maria Cardoso. Pretende-se que haja uma integração, na dramaturgia, “com o universo biográfico da protagonista”.

Segundo a mesma nota, este espectáculo “é desenvolvido através da pesquisa de comportamentos repetitivos”, pretendendo “explorar o real e a ficção”. Propõe-se ainda “uma reflexão sobre o quotidiano de uma figura feminina, com incidência na dor da perda e na irremediável solidão íntima que está para lá do visível”.

Desta forma, “o espectáculo é um retrato sobre o que se perde, o que permanece e o que resta na existência de uma mulher sozinha, traduzido na passagem do tempo vivido, no envelhecimento do corpo e dos objectos que a rodeiam, infalivelmente partidos, gastos e esquecidos”.

“Home Sweet Home” traz “a dramatização e estilização de fragmentos universais da vida real”, em que “os jogos de palavras e de sentidos misturam-se com a fragilidade desse corpo ‘habitado’ por memórias, mostrando-nos o belo e o terrível do absurdo presente-ausente da vida vivida”.

Laivos de auto-biografia

Neste espectáculo, constrói-se, assim, no palco “um imaginário sobre restos de uma infância nunca deixada, a impossibilidade do amor, a inevitável desilusão e o sentimento de perda face a tudo, de um mundo adulto nunca inteiramente compreendido”.

“Home Sweet Home” é, também, “uma ficção autobiográfica onde os sentidos do real se misturam com as múltiplas ‘vozes’ da personagem”. Criou-se uma “interdisciplinaridade das diversas áreas (teatro, música e vídeo), em que se desconstrói as fronteiras habituais do plano espectador, actor e cena, fragmentando o objecto artístico em vários planos”.

Este espectáculo d’As Entranhas “tem uma forte componente plástica e sonora” e é aconselhável a maiores de 18 anos, sendo interdito a menores de 13.

Vera Paz, que interpreta a peça e assina a dramaturgia do espectáculo encenado por Ricardo Moura, é a directora artística desta associação fundada em 2017, em Macau, e que reúne um conjunto de profissionais de diferentes áreas. Esta entidade “constitui-se como um espaço de acção cultural interdisciplinar que promove a investigação e a difusão da arte contemporânea através da produção de objectos artísticos, nomeadamente espectáculos teatrais, instalações multimédia e exposições”.

Este é o regresso d’As Entranhas aos espectáculos depois de um interregno, pois o último evento ocorreu em 2022, com “Canções de Faca e Alguidar”, um espectáculo musical apresentado na Casa Garden. No ano anterior decorreu, no espaço “Black Box” do Antigo Tribunal “A Boda”. D’As Entranhas tem também uma ligação a Portugal, tendo sido criada, como colectivo, em 1999 numa parceria entre Vera Paz e Ricardo Moura. Só depois ganhou uma extensão em Macau.

19 Nov 2024

Teatro | Novo projecto de Tiago Rodrigues estreia em Lisboa

O dramaturgo e encenador Tiago Rodrigues regressa, em Fevereiro de 2025, à Culturgest, em Lisboa, para a estreia portuguesa da sua mais recente criação, “No Yogurt for the Dead”. O novo espectáculo do director artístico do Festival d’Avignon vai estar em cena no auditório Rui Vilar, na Culturgest, de 19 a 23 de Fevereiro, cerca de um mês após a apresentação de “Hécuba, não Hécuba”, estreada em Julho no festival francês, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. “No Yogurt for the Dead” seguirá depois para o Theatro Circo, em Braga.

Este novo projecto teatral assinala o regresso de Tiago Rodrigues a esta sala de Lisboa depois de, em Abril deste ano, aí ter estreado a peça “Na medida do impossível”, concebida a partir de testemunhos de voluntários da Cruz Vermelha e dos Médicos sem Fronteiras, em campos de refugiados e zonas de conflito.

A peça inspira-se em acontecimentos das últimas semanas de vida do pai de Tiago Rodrigues, o jornalista Rogério Rodrigues (1947-2019), que fez parte das redacções do vespertino Diário de Lisboa, do semanário O Jornal e do diário Público, além de ter dirigido o semanário Grand’Amadora e ter sido director-adjunto d’A Capital.

Quando se encontrava internado, Rogério Rodrigues relatava ao filho as conversas que mantinha com Teresa, uma voluntária do hospital. Um dia, pediu a Tiago Rodrigues um caderno e uma caneta, “para escrever um livro” sobre esse período de internamento e doença.

Segundo a apresentação da peça, “tinha até um título: ‘No Yogurt for the Dead’”, pois Rogério Rodrigues, que sempre detestara iogurte, mudara de opinião, desde que este passara a fazer parte da sua dieta. Após a morte do pai, Tiago abriu o caderno onde encontrou apenas “algumas linhas e manchas”, apenas rabiscos – a mão do pai devia estar demasiado fraca.

“Mais tarde, Teresa contou a Tiago que o pai falava constantemente do livro, querendo combinar nele a experiência de estar hospitalizado com memórias da sua vida, em particular do seu trabalho como jornalista”.

Tiago Rodrigues decidiu então escrever “No Yogurt for the Dead”, sobre uma voluntária que “ouve as histórias de um homem prestes a morrer, e sobre o livro que ele nunca chegou a escrever”.

Périplo na Ásia

Actor, encenador e dramaturgo, Tiago Rodrigues foi director artístico do Teatro Nacional D. Maria II, de Julho de 2014 a Dezembro de 2021 e dirige o Festival d’Avignon, em França, desde Setembro de 2022.

Outras sete peças de Tiago Rodrigues garantem uma digressão internacional do seu teatro, ao longo da temporada de 2024-25: “By Heart”, “Catarina e a beleza de matar fascistas”, “Coro dos amantes”, “Entrelinhas”, “Hécuba, não Hécuba”, “Na medida do impossível” e a sua abordagem de “O Cerejal”.

“By Heart”, depois da etapa sul-coreana, no passado fim de semana, viajará para palcos de França e Suíça, em Fevereiro e Março. “Catarina e a beleza de matar fascistas” estará em Nova Iorque, em Novembro, e em Nicósia, Chipre, em Dezembro deste ano. Em Janeiro regressará a França, para representações em diferentes palcos, estendendo-se ainda a teatros de Lugano e Lausanne, na Suíça.

O “Coro dos Amantes” mantém a digressão por França e Suíça, pelo menos até Maio de 2025.

“Na medida do impossível”, estreada em 2022, irá à Ilha da Reunião, em Novembro, e a Shizuoka, no Japão, em Abril do próximo ano. Ao longo desse mês, “O Cerejal” estará na China, primeiro em Macau, seguindo-se Xangai, Nanquim – Jiangsu e, por fim, Pequim, numa digressão a cumprir de 4 a 27 de Abril de 2025, segundo as datas anunciadas.

28 Out 2024

Hong Kong quer replicar projecto português de teatro para jovens

Hong Kong está interessada em replicar um projecto da maior rede de teatros com financiamento público da Europa que tem os jovens como público-alvo e parte da criação, disse à Lusa a portuguesa Cláudia Belchior. “Já há vários parceiros aqui em Hong Kong que estão muito interessados em trabalhar com os nossos membros europeus e fazer peças em conjunto”, disse a presidente da European Theatre Convention (ETC), fundada em 1988.

A líder da ETC, que reúne 63 teatros de 31 países, incluindo quatro de Portugal, esteve na região para participar na Hong Kong Performing Arts Expo, uma conferência de profissionais das artes de palco, que terminou na sexta-feira.

Na quarta-feira, Belchior foi à Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong (HKICC, na sigla em inglês) explicar o projecto Young Europe (Europa Jovem), que convida dramaturgos a ir às salas de aulas e envolver os jovens na criação de peças.

O director da Escola de Criatividade Lee Shau Kee da HKICC, Yan Pat-to, “ficou muito entusiasmado”. “Tivemos uma reação fantástica”, disse a também assessora artística da Fundação Centro Cultural de Belém.

Possibilidades asiáticas

Embora a 4.ª edição (2011-2014) da Young Europe não tenha contado com a participação de teatros portugueses, Belchior defendeu que o projecto “pode ser feito na Ásia, pode ser feito em Portugal, pode ser feito num outro país europeu”.

O último tema foi “Vozes não dominantes” (‘Non-dominant voices’) e levou à criação de peças sobre assuntos como ‘fat-shaming’ (a discriminação contra pessoas com excesso de peso), suicídio, saúde mental, imigração e religião, sublinhou a presidente da ETC.

“É interessante para os próprios escritores, que percebem que há muito material que é necessário escrever, com outra linguagem, com outros temas, portanto, tem sido uma descoberta incrível”, referiu Belchior.

“As peças são trabalhadas com os jovens (…) e depois são mostradas nas escolas, porque consideramos também que a sala de aula é um espaço mais seguro para eles se manifestarem. E depois trabalhamos com pedagogos”, explicou a dirigente.

O tema do Young Europe para os próximos quatro anos é “Cuidar” (‘Care’), porque, ao olhar “para a Europa toda, há uma grande diferença nos miúdos de 14, 15 anos”, sendo esta “uma geração que cresceu num mundo em conflito”, lamentou a presidente da ETC. “São jovens que falam com muito mais abertura da importância da saúde mental” e dos problemas de isolamento e solidão, sublinhou Belchior, depois de terem também vivido “os anos brutais, fechados” da pandemia de covid-19.

20 Out 2024

Teatro | Directora de grupo detida por suspeita de fraude

Em causa, está um apoio de 269 mil patacas do Fundo do Desenvolvimento Cultural que terá sido utilizado para apoiar um projecto realizado com conteúdos de uma peça de teatro já anteriormente subsidiada

 

Uma directora de um grupo local de teatro foi detida por suspeitas de fraude no valor de 269 mil patacas, nos pedidos de apoios junto do Fundo do Desenvolvimento Cultural (FDC). O caso foi relatado ontem pelo Jornal Ou Mun e em causa está o aproveitamento de conteúdos de uma peça subsidiada para pedir um novo apoio.

Segundo a informação das autoridades, citada pelo jornal, a investigação para o caso foi iniciada pelo Ministério Pública (MP), que pediu a assistência das autoridades policiais.

De acordo com as suspeitas, a directora da companhia de teatro tinha apresentado uma candidatura para receber um apoio do FDC no valor de 269 mil patacas. O projecto incluia uma peça de teatro que tinha estado no palco em 2020 e que mais tarde, no final de 2021, começou a ser transmitida online.

Com o financiamento aprovado, em Maio de 2022, a companhia apresentou o relatório das actividades e os resultados do apoio do FDC.

No entanto, a análise ao relatório levantou suspeitas, uma vez que foi considerado que o conteúdo da peça de teatro era igual ao conteúdo de uma outra peça de teatro da companhia, que em 2019 tinha sido apoiada, também pelo FDC, com um subsídio de 300 mil patacas.

Esta coincidência levou o MP a actuar e de acordo com o Ou Mun depois das primeiras investigações, “alguém” próximo da companhia terá admitido que houve um reaproveitamento de material antigo com “o vinho velho a ser colocado numa garrafa nova”.

Sem colaboração

Por sua vez, segundo o Jornal Ou Mun, as autoridades apontaram que a directora da companhia de teatro é uma residente local com 50 anos e que ao longo das investigações não se mostrou cooperativa, apesar de ter admitido que a utilização de conteúdos antigos é uma prática normal na área. O jornal também não adianta pormenores sobre o grupo de teatro, além de apontar que este não tem fins lucrativos.

De acordo com a polícia, a suspeita foi identificada no dia 22 de Agosto, depois da investigação ter sido iniciada em Fevereiro, A mulher foi detida na sua habitação, em Coloane.

Às autoridades, a equipa de produção e os actores do grupo de trabalho terão todos afirmado que não estiveram envolvidos na produção ou na representação da peça de teatro que está a ser alvo da investigação. Ainda de acordo com a informação oficial, o caso envolve a falsificação de vários documentos.

25 Ago 2023

Luis Miguel Cintra fez um “Pequeno Livro Arquivo” retrospectivo de carreira e de vida

O encenador Luis Miguel Cintra escreveu “Pequeno Livro Arquivo”, uma retrospectiva de 50 anos de carreira, que também é balanço de vida e testemunho de sentimento do fim prematuro, face à ‘subvida’ que afirma estar a viver.

A obra, “Pequeno Livro Arquivo – pensamento, palavras, actos e omissões”, sempre ligada ao Teatro da Cornucópia, que fundou, vai ser apresentada no Teatro Carlos Alberto, no Porto, na próxima quarta-feira, dia 29, por José Tolentino de Mendonça, amigo que empurrou Luis Miguel Cintra a escrever, e que também o ajudou a encontrar uma editora.

“É um balanço, de facto, da vida, e o sentimento de que a vida terminou prematuramente, porque agora é uma ‘subvida’ aquela que estou a viver”, disse o ator e encenador, em entrevista à agência Lusa, expondo as limitações da doença degenerativa de que padece.

“Pequeno Livro Arquivo”, composto de “pensamento, palavras, actos e omissões”, remonta a 2014 quando Luis Miguel Cintra pensou: “Cheguei a velho”.

“Apeteceu-me fazer o balanço do que estava para trás”, recorda agora à Lusa. “Fui rever os textos de representação de cada uma das peças e percebi que ia havendo um fio condutor que ia passando de espetáculo para espetáculo, e que fazia uma história do Teatro [da Cornucópia], com os textos [dos diferentes] dramaturgos, através das várias épocas”.

Teatro de texto

Depois, “tudo seguido, é um retrato meu, uma espécie de autorretrato permanente […], consequência da dramaturgia de cada espectáculo, do meu estado de espírito”. Em cada um, “dizia mais um bocadinho, ou dizia a mesma coisa de outra maneira e por aí adiante”, algo que “ia passando de peça em peça”.

“Já que não posso oferecer-me de outra maneira, ofereço uma revisão da Cornucópia que pode ajudar algumas das pessoas que voltem a interessar-se por fazer teatro de texto”, sublinha o actor sobre “Pequeno Livro Arquivo”.

O livro inclui 60 textos sobre outras tantas peças de outros tantos autores, todos levados a cena na Cornucópia, que só em finais de 1975 encontrou uma ‘casa’, com a sede no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa.

O Misantropo ou o atrabiliário apaixonado”, de Molière, com que a companhia cofundada com Jorge Silva Melo se estreou, em 13 de Outubro de 1973, no antigo Teatro Laura Alves, “O terror e a miséria no III Reich”, de Bertolt Brecht, a primeira montagem após o 25 de Abril, “O labirinto de Creta”, de António José da Silva, “Ricardo III”, de Shakespeare, que o actor protagonizou em 1985, “A sonata dos espectros”, de August Strindberg, “Auto da Feira”, de Gil Vicente”, “Até que, como o quê quase”, de Samuel Beckett, são etapas desse “Pequeno Livro Arquivo”, dividido em nove capítulos, entre o tempo durante e após a Cornucópia, até ao “ponto final”, com dedicatória aos “queridos amigos”.

Ali se cruzam autores como Federico García Lorca, Luigi Pirandello, Heiner Müller, Joe Orton e Raul Brandão, Edward Bond e Almeida Garrett, Pierre Caron de Beaumarchais e Pier Paolo Pasolini, Jacob Lenz, Arthur Honegger, Anton Tchékhov e Friedrich Schiller, Paul Claudel, Arthur Schnitzler, Jean Genet, Reiner Werner Fassbinder e Lope de Vega.

29 Mar 2023

Teatro | Associação Rota das Artes escreve e encena dramaturgia feminina

A Associação Rota das Artes e a encenadora de Macau Cheong Kin I vão orientar cursos de formação a encenadores locais no Verão de 2023. Sob o tema da dramaturgia feminina, serão criadas e encenadas seis peças originais. Enquanto veículo de expressão artística, a escrita teatral será usada para explorar sem tabus as definições de feminilidade

 

“Escrita feminina” é o tema central das próximas sessões de formação em teatro organizadas pela Associação Rota das Artes e a encenadora local Cheong Kin I. Esta será a segunda edição do projecto, que está marcado para o Verão de 2023.

Segundo uma nota de imprensa da Associação Rota das Artes, para esta edição o desafio dirigido a criadores inclui a escrita de seis peças originais, tendo como tema central a dramaturgia feminina. Os artistas de Macau convidados a criar as obras são Chan Sio Fong, Ieong Lai Kei, Lam Lai Sam, Lau Nga Man, Wong Ka Lan e Yo Leong. Os textos serão materializados em leituras encenadas para o público, sob a batuta de Cheong Kin I.

Além da participação de Cheong Kin I, formada em encenação pela Universidade Nacional de Artes de Taipé, Taiwan, o projecto conta ainda com o trabalho de Lin Hsiang Chun, escritora e proprietária da livraria “Júbilo 31 Books”, que analisou, no primeiro ano dos cursos de formação, em 2021, obras ocidentais e japonesas.

Por sua vez, Brena Tai, formada na Universidade Nacional Normal de Taiwan, e Cheng-Han Wu, investigador de teatro da Universidade Nacional de Taiwan, também participam na iniciativa, ao ministrarem cursos sobre literatura feminina. Olivia Chen, encenadora de Taiwan e residente em Macau, vai acompanhar as formandas durante o processo da escrita de peças.

Só chinês

Os cursos de escrita dramatúrgica orientados por Cheong Kin I serão apenas em chinês, sendo que no último ano do projecto, em 2024, serão encenados os dois melhores argumentos. Ao HM, a artista revelou ter como objectivo “explorar diversos formatos de espectáculos que não se limitem às representações teatrais mais convencionais”.
“Procurei, no primeiro ano de formação, integrar e aprofundar as discussões sobre a sexualidade e o género feminino. Mas o objectivo não é apenas abordar a feminilidade como matéria ou tema, mas sim como forma e estrutura, neste caso recorrendo à expressão teatral”, acrescentou.

O tema “escrita feminina” tem como origem as obras de Hélène Cixous, que defendia que as mulheres deveriam escrever sobre elas próprias a fim de fazer face aos sistemas de escrita dominados pelos homens à época, disse a encenadora.

Neste caso, a exploração do tema da feminilidade não se cinge apenas à mulher, mas sim à “tentativa de sair de uma determinada estrutura, um quadro convencional ou ir além de estereótipos”. “É algo que também atinge os homens e pessoas de outros géneros, onde procuramos identificar as vozes ignoradas, esquecidas ou mesmo oprimidas”, adiantou.

27 Jul 2022

Terceiro Acto – Cena 4

Valério pega num cigarro e vai à lareira. Pega num toro de azinho com uma tenaz e junta-o às brasas incandescentes.

Valério
Ainda sonho acordado…

Traz de volta uma brasa e acende o seu cigarro com ela. Deixa-se ficar a olhar para a madeira a pegar fogo.

Valério
Acho que nunca tinha dito isto a ninguém.

Gonçalo
Porquê?

Valério
Porque é que sonho acordado?

Gonçalo
Não, porque é que nunca disseste a ninguém?

Valério
Sei lá… [pausa] Vergonha, talvez.

Gonçalo
[imitando uma mãezinha]
Já não tens vinte anos, filho…!

Valério
Pois não, mas ainda assim…

Gonçalo
Sonhas com o quê?

Valério
Coisas parvas…

Gonçalo
Isso já percebemos. [pausa] Dá-me um exemplo.

Valério
É difícil… [pausa longa] Se estiver a ouvir música, fico a imaginar que sou eu que a estou a tocar, ou a cantar… ou as duas coisas. [pausa] Acho que acontece o mesmo quando vejo um quadro… ou se vejo um jogo de ténis na televisão…

Gonçalo
Imaginas-te o tenista?

Valério
Sim… [pausa] A questão é… se calhar não é questão nenhuma…

Gonçalo
Desembucha, jovem!

Valério
A questão é a duração… e a quantidade que vezes que me acontece o mesmo

Gonçalo
O sonhar acordado?

Valério
Sim… e o facto de me acontecer com esta idade. [imitando uma mãezinha] Já não tens vinte anos, filho…!

Gonçalo
Pois não.

Valério
Pois não… mas a verdade é que acho que já não há remédio. [pausa] Mas não me acontece o mesmo quando leio um livro.

Gonçalo
Não?

Valério
Não. E olha que leio cada vez mais… deve ser da velhice.

Gonçalo
Ou seja, queres brilhar como músico, pintor ou tenista, mas não como escritor.

Valério
Já não vou brilhar em nada.

Gonçalo
No entanto, já escreveste algumas coisas brilhantes.

Valério
Que ninguém leu. [pausa] Mas é qualquer coisa mais profunda do que isso…

Gonçalo
Do que quê?

Valério
Do que o querer brilhar…

Gonçalo
Senta-te no divã e aprofunda lá isso.

Valério regressa à sua cadeira, perto de Gonçalo, e leva o seu milionésimo copo de vinho à boca.

Valério
Escapismo?

Gonçalo
Estás perguntar?

Valério
Estou a falar para o ar.

Gonçalo
Pronto…

Valério
[pausa]
Ou então é uma maneira de me manter activo, com vontade de fazer coisas… [pausa] se não desisto.

Gonçalo
Estás a conjecturar ou é já uma sentença?

Valério
Não estás a ajudar.

Gonçalo
Desculpa, continua…

Valério
A verdade é que é coisa de adolescente, o resto é conversa.

Gonçalo
Julgas que não há outros quarentões a sonhar acordados?

Valério
Não deve haver muitos.

Gonçalo
Se te ajuda achares que és único, tal como te ajuda sonhares acordado, ainda bem para ti.

Valério
Certo. O que não deve faltar por aí é quarentões adolescentes…

Gonçalo
[imitando uma mãezinha]
Já não tens vinte anos, filho…!

Valério
Pois não… [pausa] Mas é uma coisa que eu procuro… é parecido com a depressão.

Gonçalo
Depressão?

Valério
Não falo de depressão profunda, nunca padeci de tal coisa, felizmente… [pausa] Mas há qualquer coisa naquela depressãozinha ligeira… [pausa] Um prazer qualquer quando me deito no sofá e começo a descer na horizontal… pelo poço abaixo… tudo a escurecer à minha volta e a luz a ficar lá em cima… [pausa] Até acho que as duas coisas estão ligadas.

Gonçalo
A depressão…?

Valério
[abrupto]
Zinha!

Gonçalo
A depressãozinha e o sonhar acordado?

Valério
Sim…

Gonçalo
E é qualquer coisa que buscas, tu próprio?

Valério
Activamente, sim… se estiver em casa, então, é o meu desporto preferido. [pausa] Felizmente, já não me masturbo tanto como dantes. [imitando uma mãezinha] Já não tens vinte anos, filho…!

Gonçalo
Pois não.

Valério
Posso até ter à disposição um manancial de coisas para me entreter… filmes, livros… A verdade é que, a maior parte das vezes, ponho música e me deito a olhar para o tecto… [pausa] E… ou aguardo a descida ao poço, activamente, deixo o corpo relaxar, começam as lágrimas a correr… [com uma ponta de vergonha] Mas não me comovo, atenção, não tem nada que ver com comoção… é uma espécie de abandono…

Gonçalo
Isso é quase erótico.

Valério olha para Gonçalo, desagradado com o comentário aparentemente despropositado.

Gonçalo
Falo a sério! Parece que…

Valério
Eu percebo, sim… Sim, é esse abandono. [pausa] Ou então a música eleva-me e eu imagino que sou eu o músico…

Gonçalo
Para fora do poço…

Valério
Não é que estivesse no poço quando me deitei, mas sim… eleva-me… [pausa] para fora do poço, sim.

Gonçalo
[pausa]
E também procuras isso… essa elevação?

Valério
[inabalável]
Bem como a descida.

Gonçalo
[pausa]
Parece-me que tens isso tudo já muito bem dominado… parece a tua hora do ginásio.

Valério
Pois parece.

Gonçalo
E gostas.

Valério parece não saber o que responder, mas também não parece abalado com a afirmação que acabou de ser proferida.

Gonçalo
Cada um com o seu desporto…

Valério
[acanhado]
Já vivo com isto há tanto tempo que já nem penso muito no assunto, confesso.

Gonçalo
O desporto em si não tem nada de errado, se é isso que estás a pensar. Mas é uma droga, mais do que um desporto… sabe-lo bem. Uma droga pesada. [pausa] Há que saber dominá-la… um deslize e já foste.

Valério
Sim… [pausa longa] Se calhar está na hora de terminarmos a consulta, não?

17 Fev 2022

Miguel Castro Caldas, dramaturgo: “O teatro é o texto, e o texto é o fantasma”

O dramaturgo e professor universitário Miguel Castro Caldas é o autor da peça “Se eu vivesse tu morrias”, que este fim-de-semana sobe ao palco da BlackBox no Edifício do Antigo Tribunal. A história do triângulo amoroso de Lívia, que parte do epitáfio de Robespierre, espelha o conflito entre a vida e a morte

 

Qual a sensação de ver um texto seu traduzido para cantonês?

Foi o Dinis Chan que contactou com o Rui Trigão, que trabalha na DGArtes. Queriam fazer algo com autores portugueses em teatro e ele sugeriu este texto. Fui depois contactado pelo Dinis e aceitei. Acho extraordinário e não estava nada à espera. Este espectáculo circulou bastante em Portugal e esteve em França e Itália, mas nunca imaginei que fosse parar à China. É extraordinário passar para uma língua que não conheço. Isso tem qualquer coisa a ver com o espectáculo.

Em que sentido?

Quando dizemos “Se eu vivesse tu morrias” é quando qualquer coisa para existir tem de tomar o lugar de outra coisa que tem de abdicar de existir. Esse é o centro. Eu, a Lígia Soares, o Filipe Pinto, o Miguel Loureiro, o Tiago Barbosa e o Gonçalo Alegria, que construímos este espectáculo, tínhamos a ideia central de que os actores quando preparam um texto fazem uma operação de substituição do texto pelo seu corpo, e as palavras ditas pelas suas vozes. Ao vermos isso, e tomarmos essa consciência, resolvemos fazer um espectáculo em que o texto está visível, pois os actores e o público têm um livro. Eu tinha uma intuição, que era quando os actores estão presentes, há qualquer coisa de fantasmagórico. Há algo que também está presente, mas que não se vê. Comecei a conversar com estes meus colegas sobre isto e chegámos a esta constatação: o teatro é o texto, e o texto é o fantasma. Neste momento, traduzido para cantonês, o fantasma é o texto da língua portuguesa.

Mas também poderá ser o texto em língua chinesa.

Exactamente. Tenho pena de não poder assistir, e disseram que me iam enviar a filmagem da peça. Acho isso extraordinário porque a própria filmagem já é um suporte que não é teatro, é um ecrã. O que vou ver é um texto que eu conheço e um espectáculo que eu fiz, mas não vou perceber nada. Mas ao mesmo tempo, na minha cabeça, tenho a referência do texto que escrevi.

Será um embate com um corpo desconhecido.

É desconhecido, mas que tem algo de reconhecível ao mesmo tempo. Isso é um bocadinho o que acontece com a arte, pois gostamos de ver uma coisa, surpreendente, mas para conseguirmos reconhecer esse desconhecido tem de existir algo reconhecível.

Faz falta traduzir mais teatro português, e fazendo essa tradução o texto funciona da mesma forma em palco?

Sim, deve-se traduzir o máximo possível. A actividade de tradução deveria ser a coisa mais normal. Traduzir é também próprio da interpretação e da percepção. Quando estamos a ver, a perceber, estamos a traduzir. É sempre saudável traduzir, mas claro que o resultado é diferente. As obras de arte são todas traduzíveis, por mais difícil que isso seja.

Como começou a escrever este texto e o que procurou transmitir?

Este texto estreou em 2016. Tinha este ponto de partida, a ideia de que o actor afirma a sua presença real e física em palco. E eu andava com isto na cabeça: isso é verdade, mas talvez não seja preciso sublinhar tanto isso. Achava que havia outra coisa, e no teatro mais ainda. Há a presença do corpo e da personagem, mas há outra natureza de presença. O que seria isso? Rapidamente concluímos que no teatro, de maneira muito literal, o que não está presente é o texto, substituído pelos corpos. Tentámos então fazer uma coisa, colocar o texto em evidência, pôr o público com o texto nas mãos, e fizemos um livro. Assim, o público tem de estar constantemente a decidir se prefere ler ou se vê o espectáculo, porque é impossível fazer as duas coisas ao mesmo tempo. E daí o “Se eu vivesse, tu morrias”. Se eu quiser ler o texto, perco o espectáculo. Se eu quiser ver o espectáculo, morre o texto.

Um dilema que permanece.

Claro. E o texto que escrevi para este espectáculo tem um triângulo amoroso, é a mulher que tem um marido e um amante e em que se jogam todas estas coisas. A impossibilidade de poder ter os dois ao mesmo tempo. São coisas que podem parecer disparatadas, mas que ganham relevância pela forma como foram escritas e apresentadas. O epitáfio do Robespierre é um pseudo-epitáfio, tem a ver com isto, e o espectáculo também. No fim de tudo tem a ver com a morte. O epitáfio de Robespierre diz “Passante, não chores a minha morte, se eu vivesse tu morrias”. Este pseudo-epitáfio é o povo a gozar com Robespierre, porque como se sabe matou muita gente. É a ideia de “se eu estivesse vivo tu estarias morto”, mas tem outra profundidade. Se Robespierre estivesse vivo não haveria espaço para muitos vivos virem a seguir, no sentido em que as pessoas têm de morrer para outras nascerem, é a ordem natural da vida.

Porquê um triângulo amoroso? Pensou abordar esta dualidade vida/morte de outra forma?

Essas questões surgem a partir da história, que é corriqueira, mas penso que a partir dela chegamos a questões mais profundas. Acho que só se compreende vendo o espectáculo ou lendo o texto. A Lívia apaixona-se por um homem, mas tem um marido, e surge essa problemática. Este texto tem um certo sentido de humor. A determinada altura, surge um problema de coração e precisa de fazer um transplante, e acaba por ser o amante que lhe dá o seu próprio coração. Parece uma telenovela, mas não é.

Mas é o amante que dá o coração e não o marido. Tinha aqui alguma mensagem em particular a transmitir?

Não tenho mensagens para transmitir. A maneira como eu encaro o meu trabalho como artista, é problematizar algumas coisas que encontro. Neste caso, é “o que é que desaparece para algo de novo aparecer”? O que vai ser sacrificado? Não é uma mensagem, não faço uma apologia do sacrifício. A minha questão foi ver o que está por detrás, ver se é possível pôr as duas coisas em simultâneo e experimentá-las, ver como funcionam. Os espectadores é que decidem o que querem fazer com isso.

 

Primeira vez

Depois de passar por palcos portugueses como a Culturgest, em Lisboa, e o Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, a peça “Se eu vivesse tu morrias” chega pela primeira vez a Macau, só em chinês, numa tradução inédita em cantonês da autoria de Dinis Chan. O projecto é desenvolvido pelo grupo Theatre Farmers e pela Associação de Irmandade de Teatro Criativo. O espectáculo sobre ao palco no sábado às 15h e às 20h, enquanto que no domingo há uma única sessão às 15h.

25 Nov 2021

Pal Lok e Johnny Tam, curadores do Festival BOK: “O teatro liga as pessoas”

Sobe aos palcos desde 2013 e assume-se como um projecto independente. Em ano de pandemia, o festival BOK foca-se nos artistas locais e do continente asiático e traz o teatro às ruas, para abrir horizontes. Pal Lok e Johnny Tam assumem que o mais importante é divertirem-se e querem partilhar essa felicidade com o público

 

 

Realizam esta edição do festival BOK em plena pandemia, com restrições de convites a artistas de fora. Quais os nomes que gostariam de ter convidado e que ficaram de fora?

Pal Lok (PL) – De facto este ano tivemos de nos focar na Ásia, com artistas locais e também oriundos de Pequim e Xangai.

Johnny Tam (JT) – Temos interesse em diferentes culturas. Já tivemos artistas da Áustria, por exemplo. Normalmente os artistas gostam de viajar pelo mundo, coleccionar diferentes experiências e reunir com outras pessoas. É este tipo de artistas que gostamos de convidar para virem até Macau. Este ano vamos transmitir espectáculos online e o nosso objectivo é partilhar esses espectáculos com outros produtores para que nos possam dar o seu feedback.

PL – Queremos desenvolver, com este festival, bons contactos na área do teatro e das artes performativas. Daí termos planeados estas transmissões de espectáculos em directo, online.

Existe uma característica comum a todos os espectáculos que compõem o cartaz deste ano?

PL – “BOK” remete para o caracter chinês que significa conexão, experiência. Esse é o espírito do nosso festival, e pegamos nisso, num certo sentido de aventura, para explorar novas coisas. O cartaz deste ano tem como slogan “Demo for Mary”, e todos os seis grandes espectáculos estão ligados pela música, é esse o ponto chave desta edição.

Se tivessem de destacar um espectáculo, qual seria?

JT – Recomendo o “Mirror-24 relationships” [de Cindy Ng, Yaya Lam e Hon Chong Chan]. Ela é uma pintora contemporânea e vive em Pequim. O ano passado, quando a convidei para fazer um espectáculo, ela já queria fazer algo que estabelecesse uma conexão com as pessoas, queria retirar lições do público. Recomendei-lhe que fizesse um encontro com o público primeiro. Por isso[nesta iniciativa] falamos sobre 24 diferentes tipos de relações e contactamos primeiro o público antes do espectáculo, perto do mar, por exemplo, ou junto a uma igreja. Depois de todos estes encontros será feita uma performance de pintura em palco para esse mesmo público.

Dar mais espaço e um novo ambiente a projectos de teatro locais é também um dos objectivos principais do BOK? Sem este festival seria mais difícil às associações apresentarem os seus projectos?

PL – Há diferentes festivais de arte em Macau e a maior parte deles são apoiados ou organizados pelo Governo. O mais importante para nós na organização de um festival que não está ligado ao Governo é que os artistas possam explorar mais plataformas. Esse é o espírito do festival BOK, tentar coisas diferentes e não recear as falhas. Damos esse espaço para que eles possam experimentar. Essa é a grande diferença em relação aos festivais ditos oficiais.

A independência é algo bastante importante para o projecto.

PL – Sim, sem dúvida.

Mas isso implica não ter apoio financeiro. Como é organizar este festival sem esse apoio?

PL – Para nós a independência não tem apenas esse significado financeiro. Claro que ajuda, porque este festival tem alguma dimensão e precisamos de ter diferentes apoios, seja de entidades independentes seja do Governo, mesmo que seja só através concessão de espaços para a apresentação de espectáculos. O mais importante são os contactos e as apresentações, uma vez que não estamos limitados a grandes espectáculos, podemos ter mais facilidades nesse aspecto.

A primeira edição deste festival aconteceu em 2013. Desde então têm contribuído para a criação de uma maior relação do teatro com a população local?

PL – Há muitas pessoas aqui a esforçarem-se por fazerem bons espectáculos. Não posso dizer que é apenas por causa do festival BOK que as pessoas têm maior ligação ao teatro. Mas certamente que o nosso festival deu um contributo.

JT – Nos últimos anos temos tentado fazer uma combinação entre um festival de artes e um festival também ligado ao entretenimento. Porque acredito que nem todas as pessoas de Macau podem entrar num teatro e ficar lá duas horas, é difícil para algumas. Mas quando dizemos a alguns amigos para virem porque vão ser apresentados espectáculos num mercado, por exemplo, tentamos transmitir a ideia de que podem usufruir da arte no dia-a-dia. É esta a ideia que queremos passar a todos.

PL – Na verdade, o nosso programa tem duas partes. A primeira, inclui seis espectáculos mais focados na performance teatral propriamente dita. Mas o foco especial é que trabalhamos com artistas e fazemos algumas actuações em espaços que não são teatros, como galerias ou mesmo na rua. A segunda parte do festival, é a nossa tentativa de fazermos uma ligação com o dia-a-dia das pessoas, e aí não nos focamos apenas em quem já tem interesse no teatro, mas sim em pessoas que à partida não estão muito interessadas em arte. Criámos a iniciativa “M Mode 24”, em São Lázaro, com vários acontecimentos ao fim-de-semana. O mais importante é que trabalhamos com proprietários de lojas e artistas dessa zona que ficaram interessados no projecto e tomaram várias iniciativas. “M24” tem a ver com o facto de Macau ser uma cidade de jogo onde as pessoas nunca dormem. Mas o “M”, pode também significar Macau e ainda “Minimal”, no sentido em que as pessoas podem definir os seus próprios projectos e personagens.

É desafiante fazer teatro em Macau nos dias de hoje? Há muitas associações a desenvolverem projectos, mas continua a ser difícil fazer teatro?

JT – É muito desafiante. O teatro é algo que tem muito significado para mim. Nem todos conhecem o teatro, que é um espelho, através dele as pessoas podem conhecer-se a si mesmas e também a sociedade em que estão inseridas. Diria que, neste momento, não tenho um sentido certo para onde devo ir, mas sei que fazer teatro tem um significado para mim. É difícil descrever. Penso que em qualquer lugar é difícil [fazer espectáculos].

As escolas deveriam ter mais programas dedicados ao teatro e às artes no geral?

JT – O teatro está muito relacionado com o pensamento criativo, que faz com que as pessoas tenham uma mente aberta para poderem olhar para todo o mundo e nunca parar de pensar. A arte é uma parte desse pensamento criativo, mas há muitas coisas que podem levar a isso, como a educação, que é muito importante. O teatro também é uma das coisas que pode ajudar a desenvolver pensamento crítico.

PL – Não estamos limitados ao teatro mas a muitos estilos artísticos e outro tipo de programas. Vejo que as pessoas em Macau estão cada vez mais ocupadas se compararmos com há 10 ou 20 anos atrás. Devido ao desenvolvimento da cidade, e com a indústria do jogo, as pessoas estão sempre ocupadas. Quando trabalhava num hotel, não tinha muito tempo para dar atenção aos programas artísticos que aconteciam na cidade. Devíamos viver de outra forma para abrir os nossos corações a coisas interessantes.

Como começou a vossa relação com o teatro?

JT – Todos os anos me pergunto porque é que continuo a fazer isto. Tenho 36 anos mas não me considero um jovem. Os jovens apostam muito na experimentação e eu não sou muito desse género, mas durante este processo posso conhecer as pessoas em Macau. O teatro liga as pessoas, leva-as a partilharem o que pensam e o que querem, os seus desejos. Costumava ser muito reservado, mas quando comecei a fazer teatro, e a dirigir espectáculos, precisava de falar com os actores e produtores, e esse processo fez-me perceber que não estou sozinho. Poderia discutir com eles, expressar as minhas ideias. Percebi que discutir com as pessoas podia ser bom. Isso teve bastante significado para mim.

PL – Não sou apenas curadora de projectos teatrais, às vezes também trabalho na área das artes visuais. Também não me considero jovem, mas ainda sinto o poder das artes e esse toque. Quando faço o planeamento dos espectáculos gosto de dar apoio a cada projecto e de criar coisas com significado. Macau é uma cidade muito pequena e criar projectos com significado é muito importante para a vida das pessoas. Se pararmos de fazer isso as pessoas vão simplesmente continuar a trabalhar e a ter uma vida mais aborrecida. Esta é a minha motivação.

Que expectativas têm para a edição deste ano do festival?

PL – Queremos continuar a criar conteúdos interessantes e espero poder levar estes projectos a outros lugares. Talvez possamos actuar em Portugal, por exemplo. Também esperamos que esta seja uma boa plataforma de partilha, onde os artistas podem expressar as suas ideias, para que as pessoas possam ter um pensamento criativo mais activo. Apenas nos queremos divertir e partilhar esta felicidade.

 

Cartaz plural 

É entre o dia 31 de Julho e 8 de Agosto que acontece a nova edição do festival BOK organizado pelas associações Own Theatre, Macau Experimental Theatre e MyLand Culture. As iniciativas decorrem no bairro de São Lázaro e no Centro de Arte Contemporânea de Macau – Oficinas Navais N.º 2. Uma das duas partes do programa intitula-se “BOK Movement” e inclui seis espectáculos onde a multidisciplinariedade assume um papel principal. Um deles intitula-se “There is no day as usual”, de Iat U Hong, Akitsugu Fukushima e Ivan Wing, e acontece no Centro de Arte Contemporânea de Macau – Oficinas Navais n.º 2 nos dias 4 e 5 de Agosto, às 19h30. No mesmo local, mas às 21h30, acontece “There is no day as usual” seguindo-se uma “After Party”, uma mistura de Djset e espectáculo de multimédia. Por sua vez, o bairro de São Lázaro, nomeadamente em locais como a Calçada da Igreja de São Lázaro, o Albergue SCM e o Armazém do Boi recebem as 100 actividades programadas, numa tentativa de juntar o teatro às pessoas que, por norma, não têm com ele qualquer ligação. O Albergue SCM recebe, entre sábado e 3 de Agosto, das 11h às 22h, a instalação multimédia “Or Bit”, estando também agendada a iniciativa “M Mode 24”.

29 Jul 2021

“Out! Coloane Art Festival” acontece em Junho e promete diversidade

O grupo teatral Rolling Puppet, de Kevin Chio e Teresa Teng Teng, traz em Junho a segunda edição do “Out! Coloane Art Festival”, que acontece no espaço da companhia em Coloane, o “House of Puppets Macau”. A pandemia e o isolamento vivido por muitos no período de confinamento é o tema do espectáculo “Lone Together”. Mas nem só de teatro se fará este festival

 

No próximo mês de Junho, os amantes do teatro e das artes têm em Coloane, no espaço “House of Puppets Macau”, a oportunidade de desfrutarem de diversos espectáculos e assistirem às mais variadas representações artísticas. A companhia teatral “Rolling Puppet – Alternative Theatre” organiza a segunda edição de “Out! Coloane Art Festival”, uma iniciativa que ganha agora um nome diferente depois da edição inaugural que aconteceu no ano passado.

O cartaz deste ano inclui o espectáculo “Lone Together”, que acontece nos dias 19 e 20 de Junho e que tem o lado emocional da pandemia como tema de fundo, conforme contou ao HM Kevin Chio, um dos fundadores da companhia “Rolling Puppet”.

“O ano passado vivemos em confinamento e parámos todas as actividades sociais, deixamos de ver os nossos amigos. A certa altura sentimo-nos muito sozinhos e isolados, mas ao mesmo tempo houve pessoas que sentiram uma certa liberdade para poderem ser elas mesmas, sem multidões, para fazerem o que querem. Então este espectáculo é, ao mesmo tempo, sobre liberdade e isolamento.”

Este não será apenas um espectáculo de marionetas, mas terá outros elementos que ajudam a contar esta história. “Não vamos fazer o tradicional espectáculo de marionetas em que dizemos tudo. Em vez disso vamos ter sete narradores que precisam de parceiros em palco. Alguns deles vão recorrer às marionetas, aos seus corpos ou a alguns objectos. [Haverá números de] stand-up comedy, projecções. Alguns só fazem trabalho físico. Vamos, portanto, ter diferentes estilos”, frisou Kevin Chio.

Apesar de a linguagem base do espectáculo ser o cantonês, sem tradução ou legendas, Kevin Chio acredita que a mensagem poderá ser transmitida a um público estrangeiro.

Em nome da diversidade

Com o “Out! Coloane Art Festival”, Kevin Chio explica que a ideia é trazer diversas expressões artísticas ao público de Macau. A prova disso é que, além de “Lone Together”, que Kevin Chio descreve como uma forma de teatro alternativo, haverá também o “Art Soup Bazar”, com partilha de receitas de sopas ou outros elementos relacionados com este tema. “Teremos um espaço aberto, um bazar onde se pode fazer esta partilha”, de ideias e objectos, apontou.

Acima de tudo, Kevin Chio defende que, nesta segunda edição, o espectro das artes reveladas é maior. “Não nos focamos apenas no teatro com marionetas. Resolvemos apostar nas residências artísticas e temos outras iniciativas que não estão propriamente relacionadas com o teatro. Quisemos trazer uma maior diversidade para promover a arte e um estilo de vida ligado ao espaço que temos em Coloane.”

Kevin Chio recorda que “uma iniciativa destas nunca aconteceu em Coloane”, além de que a primeira edição do festival teve lugar semanas antes da pandemia, “numa fase estranha”. “As coisas agora estão melhores, começamos a ter o nosso próprio espaço, a ter mais pessoas a compreendê-lo. Temos um maior espectro ao nível das artes e do espectáculo”, frisou.

O “Out! Coloane Art Festival” é também o resultado de algumas residências artísticas que o grupo tem acolhido, nos últimos meses, no espaço “House of Puppets Macau”. A ideia era estabelecer um programa de intercâmbio com o grupo “Thinkers’ Studio”, de Taiwan, mas esse projecto foi adiado devido à pandemia.

“Partilhamos com eles o que fomos desenvolvendo. No próximo ano quando a pandemia terminar vamos ter este intercâmbio de artistas com Taiwan”, disse Kevin Chio.

A mudança para Coloane aconteceu em 2018, depois de o tufão Manghkut ter destruído o espaço que os Rolling Puppet tinham na península de Macau. Depressa o grupo conseguiu construir uma forte relação com a comunidade onde se inseriu.

“Temos um café e as pessoas podem vir e conhecer os artistas, em vez de estarmos escondidos num qualquer edifício industrial. [O público] compreende e apoia mais o teatro em Macau. Começámos a ter alguns amigos que nunca tinham ido ao teatro, mas depois de nos conhecerem começaram a ver os nossos espectáculos”, rematou.

17 Mai 2021

Teatro | Dança do Dragão Embriagado no Antigo Tribunal na sexta-feira

O espectáculo Dança do Dragão Embriagado sobe ao palco do Edifício do Antigo Tribunal na sexta-feira e sábado, com a interpretação da companhia local Four Dimension Spatial. Algures entre a dança e a performance teatral, a interpretação vai além da cultura tradicional, integrando aspectos contemporâneos

 

Na próxima sexta-feira e sábado, o Edifício do Antigo Tribunal recebe três espectáculos que aliam dança contemporânea e uma tradicional manifestação cultural bem enraizada no imaginário de Macau. A interpretação da companhia Four Dimension Spatial apresenta na sexta-feira, às 20h, Dança do Dragão Embriagado, seguido de uma conversa.

A performance volta a poder ser vista no sábado, com duas sessões, às 15h e 20h e faz parte do cartaz da 31.ª edição do Festival de Artes de Macau.

Seguindo a linha performativa da companhia local Four Dimension Spatial, que participou em várias edições do Festival Fringe, quem assistir à Dança do Dragão Embriagado terá apenas a manifestação tradicional como contexto para um espectáculo assente num conceito moderno de teatro de dança.

“O trabalho não procura explorar a cultura tradicional da dança do dragão embriagado, procura sim, descobrir que tipo de ‘ritual’ se obterá ao adaptar a formação dessa dança para os dias de hoje”, explica o Instituto Cultural (IC) em comunicado.

Segundo o IC, Dança do Dragão Embriagado é dirigido por Zé e Um Iat Hou, com coreografia de Hong Chan U.
O espectáculo tem a duração de cerca de uma hora, com diálogos ocasionais em cantonense, sem legendas, e o bilhete custa 180 patacas.

Teoria da evolução

As origens ancestrais das festividades do dragão embriagado dividem-se um pouco por toda a China, com manifestações bem diversas. Mais perto de Macau, na província vizinha de Guangdong, a lenda teve como palco o condado de Xiangshan, onde se diz uma epidemia terá deixado muitas pessoas às portas da morte.

O IC recupera o mito descrevendo que “quando os aldeões foram à montanha procurar uma boa receita para combater a epidemia, foram quase mordidos por uma cobra gigante”. Depois do encontro com a criatura, um monge conseguiu salvar os aldeões e cortou a cobra em três pedaços e aí estaria a cura.

O monge deu uma receita para o remédio, com uma mistura de folhas fervidas com água do rio com sangue da cobra. A partir daí, já curados, os aldeões consideraram a serpente gigante como sendo o deus dragão e passaram a realizar a dança do dragão embriagado todos os anos para agradecer a intervenção divina.

A tradição chegou a Macau e passou a ser celebrada pelos vendedores de peixe. Tradicionalmente, no final da tarde do sétimo dia do quarto mês do calendário lunar chinês, os residentes de Macau que se dedicavam à venda e comércio de pesca juntam-se no mercado, onde se sentam à volta de mesas para comer, tradição que se transformou na festividade da “longevidade do arroz”. Durante esta festividade, um dragão de madeira dançava na mesa onde se queima o incenso para pedir bênçãos.

A tradição da dança do dragão embriagado transformou-se mais tarde numa festividade regularmente celebrada e entrou oficialmente no final de Março na Lista Nacional do Património Cultural Imaterial.

12 Mai 2021

Terceiro Acto – Cena 1

Gonçalo escreve à máquina, sentado na mesinha em frente à janela. Tem uma garrafa de vinho aberta e o candeeiro a petróleo aceso. A janela aberta por onde entra o luar e uma brisa nocturna. Gonçalo escreve com intensidade, a percussão das teclas é impiedosa. Batem à porta e Gonçalo assusta-se, como se acordasse de um pesadelo. Abre a porta a medo. É Valério, sorridente. Traz um saco de compras cheio e uma garrafa de vinho na mão. Ele avança para a mesinha, pousa a garrafa de vinho e tira mais quatro garrafas iguais do saco, para além de três pacotes de frutos secos, dois de batatas fritas e um grande frasco de tremoços. Valério repara no montinho de folhas dactilografadas, ao lado da máquina, e passa-lhes o polegar, avaliando a quantidade de texto produzida. Olha para Gonçalo e aquiesce com um trejeito de boca. Aponta para o montinho, como se perguntasse: “posso?” e Gonçalo aquiesce, também com um trejeitozito, como se respondesse “por quem sois!” Valério fecha a janela, pega no montinho e trá-lo até à sua cadeira de madeira onde se senta a ler. Gonçalo vai até à lareira, pega em duas pinhas e pousa-as lá dentro. Depois cobre-as com bastante caruma e acende-as. O lume leva o seu tempo a aparecer. Depois põe dois toros por cima do lume, não deixando que este se apague. Quando lhe parece que tudo corre pelo melhor, volta à mesa para abrir uma das garrafas de vinho. Pega no saca-rolhas…

Valério
[sem olhar para Gonçalo]
Abre já duas.

Gonçalo ri-se discretamente e faz o que o amigo lhe recomendou. Serve dois copos e trá-los para as cadeiras. Dá um dos copos a Valério e pousa a garrafa no chão. Olha para Valério.

Valério
[sem olhar para Gonçalo]
Não me pressiones. [agora fita Gonçalo] Se vais ficar a olhar para mim, paro já!

Gonçalo
Sim, senhor!

Gonçalo levanta-se a vai espreitar a lareira. Os toros ardem bem, nada a apontar. Gonçalo finge que mexe neles com a tenaz, aproveitando para olhar para Valério e adivinhar as reacções do amigo à leitura.

Valério
Pára!

Gonçalo volta aos seus toros ardentes, sem conseguir disfarçar uma gargalhada.

Valério
Ri-te, ri-te…!

Gonçalo vem sentar-se à mesa, olhando pela janela enquanto termina o vinho que tem no copo. Serve-se outra vez e tira a folha que está na máquina e põe-se a ler o que está escrito. Pega num pequeno lápis e vai tirando algumas notas. Quando acaba, vai até à porta do fundo, abre-a e sai de cena, fechando a porta atrás de si.
O tempo passa. Valério termina de ler e pousa as folhas na cadeira de Gonçalo. Serve-se de mais vinho da garrafa que está no chão e olha pensativo pela janela.
Gonçalo volta a entrar e vem sentar-se ao lado do amigo. Os dois ficam em silêncio durante bastante tempo.

Valério
[olhando a janela]
O Joãozinho Neo-Nazi…

Gonçalo
Hmm… [pausa] E…?

Valério
[medindo as palavras]
Estás no bom caminho… às vezes.

Gonçalo
[franzindo o sobrolho]
Às vezes…?

Valério
Calma… deixa-me pensar! [pausa] É interessante… mas fica sempre a sensação de que não acreditas no que estás a escrever e, às tantas, sabe-se lá porquê, boicotas-te… e boicotas a história. [pausa] Mas depois voltas a agarrar-nos… e isso até pode ser interessante… assim como está, digo eu… de boicote, recuperação… novo boicote, nova recuperação… é intrigante, não haja dúvida. As personagens são sólidas, apesar da pouca informação que nos dás delas… e isso é bom. Há mistério… há sensação de local… de sítio… embora estejam numa sala estéril… e isso também é bom. Mas quando estás a chegar às profundezas… a um significado mais alargado… a qualquer coisa mais impenetrável, mas mais absoluta, parece que tens medo… do escuro ou da falta de ar, não faço ideia… e voltas à superfície para nos pregares outra rasteira.

Gonçalo
O que é que queres dizer com…

Valério
[interrompendo]
Não sei! [pausa] Deixa-me pensar mais um bocadinho…

Gonçalo
Não se safa com uma segunda leitura?

Valério
[estranhando a pergunta]
Não se trata de safar. [pausa] É bom que na segunda leitura se mantenham as dúvidas e o mistério…

Valério saca do seu maço e oferece um cigarro a Gonçalo. Tira um para si e acende o isqueiro. Os dois ficam mais algum tempo em silêncio, saboreando os seus pregos fumantes.

Valério
[comprometido]
Fui sair com a minha aluna…
Gonçalo
[travesso]
É preciso chamar a polícia?

Valério
[sorrindo]
Para já, não.

Gonçalo
E como é que isso aconteceu?

Valério
[leva o seu tempo]
Foi…estranho.

Gonçalo
Estranho?

Valério
Sim… [pausa] Foi ela que me abordou… perguntou-me se eu a queria levar a jantar.

Gonçalo
Na faculdade?

Valério
Sim… à saída de uma aula.

Gonçalo
[sorrindo]
E tu, borraste-te todo nas calças…

Valério
Não… foi bastante natural, por acaso.

Gonçalo
Natural?

Valério
[rindo]
Sim, natural é uma palavra horrível… mas não me ocorre nenhuma melhor.

Gonçalo
Eu percebi… [pausa] E foram jantar?

Valério
Fomos, pois.

Valério levanta-se e vai até à porta do fundo, saindo de cena. Gonçalo fica sozinho, contemplando a nuvem de fumo que se espalha pelo tecto da sua cabana nas montanhas.

6 Mai 2021

Teatro | Espectáculo infantil apresenta imaginação como ferramenta de luto

Entre sexta-feira e domingo, o Centro Cultural de Macau exibe a peça de teatro infantil “Até à Lua”, que retrata a história de uma rapariga que aprende a lidar com a perda de um familiar

 

O Teatro de Artes Infantil de Xangai, em colaboração com a companhia espanhola Voilá Producciones, trazem este fim-de-semana ao palco do auditório pequeno do Centro Cultural de Macau (CCM) um conto que tem como protagonista uma rapariga que encontra na imaginação um mecanismo para lidar com as suas emoções. “Até à Lua” é um espectáculo dirigido a crianças e às suas famílias.

A história foca-se em Tara, que passa as férias de Verão na quinta do avô e tem o sonho de um dia se tornar astronauta, com base nas histórias que um familiar lhe conta. “Até ao triste dia em que ele subitamente desaparece e a aventura começa. Acompanhada por um bando de gansos simpáticos, a menina decide voar até à Lua para se reencontrar com o querido avô”, descreve o CCM em comunicado.

Um artigo na revista do CCM explica que o espectáculo “surge da necessidade de expor o mundo adulto através dos olhos de uma criança”, em que se apresenta o contraste do mundo real e a fantasia. O espetáculo é apresentado em mandarim, com legendas em chinês e inglês. Estão agendados seis espetáculos para o fim-de-semana, de aproximadamente 50 minutos. Na sexta-feira decorre às 19h30, enquanto no sábado e no domingo a peça pode ser vista às 11h e às 14h45. No sábado é apresentado ainda um espetáculo adicional às 19h30.

Pensamento independente

A versão original espanhola de “Até à Lua” chegou a palcos espalhados pelo mundo, numa digressão que levou a personagem Tara ao Festival Off de Avignon e à cidade de Buenos Aires.

O espectáculo foi, entretanto, adaptado pelo Teatro de Arte Infantil de Xangai. Ligada ao Instituto de Acção Social na China, a companhia dedica-se a espectáculos para jovens até aos 16 anos e tem como objectivo “estimular a curiosidade das crianças, alargando os limites da imaginação, cultivando mentes e talentos para que explorem o mundo de forma independente”, indica o CCM.

A encenação está a cargo de Cynthia Miranda, dirigindo o elenco que “dá forma a uma história mágica plena de ternura, fantasia e espantosos efeitos de palco”. O elenco conta com Wang Junhao a assumir o papel de Tara, e inclui animação e vídeo mapping de Daniel Garcia.

31 Mar 2021

Primeiro acto – Cena 4

Gonçalo levanta-se e vai até ao lava-loiças, pega num copo e bebe água da torneira. Na divisão ouve- se um copo cair ao chão e a desfazer-se em cacos.

Gonçalo
Parabéns!
Valério
[fora de cena]
Obrigado.

Valério abre a porta e quase que leva com o pano ensopado que Gonçalo lhe atira.
Valério
É um filme ou um livro?
Gonçalo
O quê?
Valério
“O Joãozinho Neo-Nazi vai à guerra”.

Valério volta a sair pela porta. Ouvimo-lo limpar os cacos de vidro. Gonçalo volta para a sua cadeira e serve-se de mais vinho, terminando mais uma garrafa.

Gonçalo
Estás a trocar tudo!
Valério
[fora de cena]
Peço desculpa, meu senhor. Você é tão prolífico que eu já não sei a quantas ando.

Valério sai com os cacos embrulhados no pano, fecha a porta com o pé e aproxima-se do caixote do lixo por baixo do balcão. Passa o pano por água e torce-o. Lava as mãos e regressa à sua cadeira.

Gonçalo
O neo-nazi é o que encontra uma máquina do tempo.
Valério
Pois é!
Gonçalo
O que vai à guerra, ainda não sei quem é.
Valério
Mas é um filme ou é um livro?
Gonçalo
Ainda não sei… é uma imagem… uma cena que me tem surgido algumas vezes… parece-me interessante. Mas é igual a milhares de outras.

Valério
Por ser igual a tantas outras, vais desistir? [pausa] E é igual em quê? Uma situação de guerra? O tal êxtase no meio de tiros e explosões?

Gonçalo
Não vou desistir! Partilhei uma ideia que me anda às voltas na cabeça… nem sei se a vou começar.
Valério
Acaba lá a história do neo-nazi e da máquina do tempo…
Gonçalo
Não gostas no cenário de guerra.

Valério dá-se conta de que o vinho acabou e lá vai ele à mesa abrir outra garrafa.
Valério
Já vais recomeçar!? Acabaste de dizer que é só uma ideia que te anda às voltas na cabeça… nem personagem tens.

Gonçalo
Está bem, mas eu partilhei-a… contei-ta para ouvir a tua reacção!!
Valério
E eu ouvi. e é uma boa ideia. E foi por isso que perguntei se era um filme ou um livro ou uma performance-instalação! Mas tanto pode ser o princípio, o meio ou o fim de alguma coisa… É ou não é verdade? Queres melhor terapeuta do que eu? Falas, falas… eu oiço-te, ajudo-te… mas há limites, caramba!

Gonçalo
Estás irritado porque o vinho está a acabar.
Valério
Não! Estou irritado porque tu esgotas a paciência de qualquer um com tanta insegurança. Quando o vinho acabar, vamos à garrafa de uísque que tens ali no chão, ao lado do caixote do lixo.

Valério regressa à sua cadeira com mais uma garrafa de vinho e volta a encher os dois copos., cambaleando durante a operação. Senta-se e acende um cigarro. Oferece um a Gonçalo e dá-lhe lume. Os dois dão uma longa baforada e ficam em silêncio durante algum tempo.

Valério
Porque é que puseste ali a garrafa?
Gonçalo
Para não a bebermos.
Valério
És tão atencioso…
Gonçalo
Ele está lá deitado… os outros andam de um lado para o outro com os aparelhómetros… usam todos máscara e viseira… é difícil ver-lhes a…

Valério
[interrompendo]
Isso na cena de guerra?
Gonçalo
Não…! Ai a minha vida.
Valério
Recomeças do nada…! Desculpa lá não ter tirado notas, meu anjo.

Gonçalo
Oh…!

Valério
“É difícil ver-lhes a cara…”, continua!
Gonçalo
Sim… e não é por estar de ressaca que ele não se consegue mexer.

Valério
Uau.

Gonçalo
Uau, o quê?
Valério
Porque é bom! Põe-nos logo a pensar… Estará fora do tempo, mas no mesmo espaço? Ou será ao contrário? Sente o corpo, não sente o corpo?

Gonçalo
Foste tu que escreveste a história?!
Valério
[rindo]
Se tivesse sido eu, teria sido publicada!

Valério desata a rir às gargalhadas quando se apercebe de que Gonçalo ficou ofendido com a brincadeira.

Valério
‘Çalinho, ‘çalinho…

Valério aproxima-se do amigo e dá-lhe um beijinho na bochecha e uma cotovelada no braço.
Valério
Vá lá, meu querido… continua.
Gonçalo
[contrariado]
Ele sente o corpo! [pausa] Mas sente-o à distância… não muita… sente o corpo a uns metros… e em movimento… e dá-se conta de que alguns dos cálculos e medições estão também a ser feitos por ele próprio… quer dizer, ele está deitado, não se mexe, mas os números e as leituras aparecem-lhe como se ele estivesse em movimento. [pausa] Vê o que se está passar do ponto de vista de quem está deitado a um canto, como ele próprio está, naquele momento… mas vê também do ponto de vista de quem se movimenta pela estufa, olhando de um lado para o outro, lendo os aparelhómetros e anotando os números… Apercebe-se de que um dos cientistas que entrou na estufa, todo equipado, com máscara, fato, viseira e mais um par de botas… é ele próprio… mas no dia anterior. [pausa] O ele deitado vê o ele em pé no dia anterior… O ele em pé não vê o ele deitado nesse mesmo dia…

Valério
Repete lá isso!
Gonçalo
O ele deitado… [hesita] … vê o ele em pé no dia anterior. [pausa] O ele em pé… não vê o ele deitado nesse mesmo dia.

Valério
Escreveste assim?
Gonçalo
Não me lembro… [pausa] Acho que não.

Valério
É bom.

Gonçalo
[rindo]
Então, acho que sim!
Valério
É bom, tendo em conta o contexto! A seco, parece poesia manhosa… [declama] O ele deitado… vê!… o ele em pé… no dia anterior… O ele em pé… não vê!… o ele deitado… nesse mesmo dia.

4 Mar 2021

Primeiro acto Cena 2

Valério dá mais uma longa baforada no seu cigarro. Gonçalo bebe o vinho todo que tem no copo e pousa-o no chão, ao lado da cadeira. Não se levanta.
Valério
Não ias mijar?
Gonçalo
Depois mudo a fralda.
Valério pega no copo de Gonçalo e serve-lhe mais vinho. Levanta-se e vai até à mesa para escolher outra garrafa. Só passados alguns segundos é que percebe que as garrafas são todas iguais. Tinto, mesma casta e mesmo ano.
Valério
Então e o conto?
Gonçalo
Sim… [pausa] Era uma história de ficção-científica. Valério
Hmmm…
Gonçalo
Era sobre um neo-nazi português que encontra uma máquina do tempo…
Valério interrompe abruptamente o desarrolhamento e desata a rir. Quase que deixa cair a garrafa.
Gonçalo
[rindo]
Pois…
Valério
Continua!
Termina de abrir a garrafa, pousa o saca-rolhas na mesa e regressa ao seu lugar. Enche o seu copo e pousa a garrafa no chão.
Gonçalo
[suspirando]
Encontra uma máquina do tempo… e como sempre sonhou com…
Valério
[interrompendo]
Onde é que ele encontra a máquina?
1
Gonçalo
Onde…? [pausa] Era um estudante, físico teórico… estava envolvido num projecto qualquer como consultor… num laboratório de física experimental.
Valério
Certo!
Gonçalo
E não era uma máquina tipo cabine telefónica…! Não era uma máquina, ponto! Era uma espécie de estufa… criada para reverter a entropia…
Valério
A entropia de quê?
Gonçalo
De quê, o quê?!
Valério
De um objecto, de um corpo celeste…?
Gonçalo
Não, não, de nada… [pausa] … do pó! Se um quarto estiver fechado durante uns anos… sem ninguém lá entrar… quando alguém o abrir, não estará exactamente na mesma.
Valério
Terá pó!
Gonçalo
Que é desorganização, a segunda lei da termodinâmica e tal…
Valério
Certo, continua!
Gonçalo
Ele fica fechado na estufa… não me perguntes porquê, não me lembro!… [pausa] Acho que tinha havido um beberete qualquer, a experiência foi um sucesso… ele foi com uma colega para a estufa, passaram lá um bocado, estavam bebidos – vês, já me estou a lembrar! – … ela vai-se embora e ele adormece lá dentro…
Pega no seu copo de vinho e bebe com avidez até o esvaziar. Valério volta a atestá-lo, aproveita e atesta também o seu.
Gonçalo
[continuando]
… acorda no dia seguinte… abre os olhos, não se consegue mexer… vê que há movimento fora da estufa… estranha o movimento, porque era suposto estarem todos de folga, a curar a ressaca… mas está toda a gente de bata, e luvas, e capacetes, tanto quanto ele pode ver… as paredes da estufa são densas e desfocam bastante… até que alguns entram na estufa para fazer umas medições quaisquer com uns aparelhómetros… [olha para o amigo] Eu tinha isto tudo bem pesquisado, agora não me lembro bem dos detalhes científicos…
2
Valério
Estou a ouvir…
Gonçalo
[acanhado]
… e… eles estão para lá a fazer as tais medições e cálculos e a trocarem informações… números complexos e tal… e não vêem que ele está deitado no chão, a um canto… andam de um lado para o outro…
Valério começa a rir e engasga-se com o fumo do cigarro que tinha acabado de puxar. Tem um ataque de tosse que se agudiza ainda mais com o riso.
Gonçalo
[contrariado]
Pronto… esquece!
Valério
[tossindo]
Desculpa… mas eu [tosse ainda mais]… eu estou a ouvir.
Gonçalo
[amuado]
Oh…!
Valério
[recuperando]
É que estás a contar uma história interessante… uma estufa, a reversão da entropia… um beberete, os dois que se foram comer lá para dentro… mas porquê um neo-nazi? [desata a rir] É que eu estou atento, mas estou sempre a pensar nisso… Porquê!… Um neo-nazi entra num bar… se começas assim, estás à espera que ele parta aquilo tudo!… ainda por cima português! Quê, tem as quinas tatuadas na testa?!.. Não estás é à espera que ele acenda um cachimbo e peça um whiskey de malte… [pausa] Pronto… desculpa.
Gonçalo
[irritado]
E se ele se sentar no balcão, acender um cachimbo e pedir um whiskey de malte…?
Valério
[rindo]
Porque é físico teórico? [pausa] Olha, agora vais fazer birra…
Gonçalo
Não vou nada! [pausa] Mas o que é que tem ele ser…?
Valério
[interrompendo]
À partida, nada… mas então é só um gajo que entra num bar… e que, por acaso, é neo-nazi! Se dizes “o Gandhi entra num bar”, imaginas logo o gajo pequenino, careca, óculozinhos redondos… e ficas à espera de quê?… de cenas à Gandhi!
3
Gonçalo
Cenas à Gandhi!? Mas, então…
Valério
[interrompendo]
Claro que podes começar com “quem-quer-que-seja entra num bar”, mas tens de contar com a expectativa da malta!… “Aquiles entra num bar”… Mas Aquiles porquê?… Está coxo?! É só um tipo vulgaríssimo a quem lhe deram o nome de um semi-deus?… Vou sempre pensar no nome e no porquê do nome e às tantas ele até pode estar a comer caracóis com os pés que eu vou estar sempre a pensar no mesmo…
Gonçalo
Pensas muito, tu…! [irrita-se] E eu não comecei a história assim, na altura! Não foi “um neo-nazi entra numa estufa do tempo”…
Valério
Então não foi por isso que ta recusaram! [desatam-se os dois a rir] Vá, continua… Gonçalo
Agora esperas…
Gonçalo levanta-se e vai direito à porta da direita alta. Entra e fecha a porta atrás de si, deixando Valério sozinho na pequena sala.
4

18 Fev 2021

Nada está perdido

PRIMEIRO ACTO CENA 1

Uma pequena sala escura com paredes empedradas e chão de madeira escura. Ao fundo, dois toros robustos ardem na lareira. Encostado à lareira, um fogão de ferro envelhecido com uma cafeteira ainda a fumegar; do lado oposto, um balcão de madeira com um lava-loiça de pedra onde alguns pratos jazem amontoados. À direita de cena, uma janela com as portadas abertas para uma noite escura. Nem árvores, nem estrelas. Encostada à janela, uma pequena mesa com uma máquina de escrever, algumas garrafas de vinho e um pequeno candeeiro a petróleo. Na esquerda alta, a porta da casa e o bengaleiro, de onde pendem dois casacos de neve e alguns cachecóis. Há alguns quadros pendurados nas paredes: algumas naturezas-mortas, um oficial exibindo as suas condecorações e uma aberração de circo, sem braços e sem pernas, equilibrando uma bola na ponta do seu grande nariz. Ao fundo, na direita alta, uma porta para quem se quiser aventurar para outras divisões. Há livros e jornais espalhados pelo chão da pequena divisão.

Gonçalo está sentado numa cadeira de madeira, ensimesmado, de costas para o fogo. Por cima dele, um lustre dourado e envelhecido com algumas velas acesas. Ao seu lado, estão três garrafas de vinho vazias, pousadas no chão. Valério está ao pé da mesa, abrindo outra garrafa com um saca- rolhas. As labaredas recortam as suas sombras intermitentes nas paredes.

Gonçalo

É mais como se fosse um sopro, agudo… mas às centenas. O calor que me rodeia é insuportável. [pausa] E estou sozinho…
Valério
Sozinho?
Gonçalo
Sim. [pausa] Quando penso nisso… é o que me parece, sim. Que estou sozinho. Só eu e o inimigo… não há ninguém do meu lado. Ou melhor, ninguém a meu lado… porque mesmo que haja, seja quem for… ninguém me poderá valer nessa altura… é cada um por si, cada um consigo próprio e o inimigo, que é comum a todos.
Valério
E o calor, vem de onde?
Gonçalo
Dos fogos… dos rebentamentos. A floresta arde, os morteiros continuam a silvar…
Valério
Ah, é numa floresta!
Gonçalo
[surpreso]
Sim.
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Valério
Não tinhas referido.
Gonçalo
Hmmm… o sol está quase a pôr-se.
Valério
Ajuda a elevação.
Gonçalo
Sim.
Valério pousa o saca-rolhas na mesa e cheira o vinho pelo gargalo. Enche o seu copo e prova o vinho. Depois, vem sentar-se num velho cadeirão, ao lado de Gonçalo. Este bebe o resto que tem no copo e Valério enche-o com o novo néctar.
Valério
Os morteiros continuam a silvar…
Gonçalo
Sim.
Valério
E…?
Gonçalo
Eu encolho-me… no meio de uns arbustos. Tapo os ouvidos… [pausa] A mistura dos cheiros, o sangue queimado e o metal a ferver…[pausa] é…
Valério
Nauseabundo?
Gonçalo
Não… não diria tanto. É… [pausa] perturbador. Valério
Hmmm…
Gonçalo
E é precisamente nessa diferença que está a questão. [pausa] Se fosse nauseabundo, eu continuaria vergado, a vomitar o medo… mas o cheiro do metal ardente… [pausa]… impele-me…
Valério
A olhar para cima?
Gonçalo
Sim. [pausa] E é nesse momento que acontece… o relâmpago interior, fugaz…
Valério
O êxtase?
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Gonçalo
O êxtase, sim. Os sentidos… o conflito dos cheiros, as balas que me sopram ao ouvido, os silvos dos morteiros… uma sobra gigante cobre-me… olho… e lá em cima, no céu alaranjado… um bombardeiro desaparece no meio das nuvens depois de largar a carga mortal… e algures entre o sol e as nuvens há uma… [sorri]… uma presença, uma paz… [pausa] Encho-me de felicidade… e nunca estive tão desprotegido como estou ali, naquele momento. E sou invencível.
Os dois amigos ficam em silêncio durante algum tempo, repisando aquele episódio nas suas cabeças e beberricando o vinho.
Valério
Isso parece um sonho molhado de um neo-nazi!
Os dois desatam a rir, Valério entorna o seu vinho.
Gonçalo
Du bist… du bist… du bist ein schwein!
Valério
Nein, nein, nein… ich bin ein untermenschen!
Gonçalo
Nein, nein, nein! Mein Gott… du bist ein arschloch!
Valério limpa o vinho que caiu em cima de alguns livros, passando a manga da camisola sobre eles, enquanto espreita os títulos. Depois da limpeza, dá-se conta da quantidade de livros espalhados pela pequena divisão.
Valério
Tens livros suficientes para ficares sozinho e nunca te sentires sozinho… [pausa] Isso é perigoso! Gonçalo
Hmmm…
Valério serve-se de vinho, repara que Gonçalo ainda tem o copo a meio e mesmo assim enche-o até quase transbordar.
Gonçalo
Falei-te do primeiro conto que escrevi? E que foi recusado por uma revista?
Valério
Ainda havia revistas a publicar contos e foste recusado? Fala-me disso!
Gonçalo
Primeiro vou mijar.
Ele não se levanta. Valério acende um cigarro e dá duas longas baforadas. Oferece o maço a Gonçalo. Este tira um cigarro e acende-o, dando uma longa baforada. Os dois em silêncio, recordistas em apneia de fumo.

11 Fev 2021

IC | Um herói e festividades portuguesas representados por marionetas

O último mês do ano é marcado por actuações todos os fins de semana – na zona das Casa da Taipa e no Porto Interior – que dão a conhecer desde festividades tradicionais portuguesas ao passado de Macau. O Porto Interior é também ponto de passagem devido a 25 murais pintados por grafitters locais

 

[dropcap]E[/dropcap]ste fim de semana, o Adro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, recebe duas actuações de teatro de marionetas, comunicou o Instituto Cultural (IC). “O Barbeiro” e “O Arraial” são promovidos pela Casa de Portugal e cada um dos espectáculos pode ser visto pelo público em três dias diferentes ao longo do mês. As histórias centram-se num herói português e nas festividades tradicionais lusitanas, respectivamente.

Os dois teatros de marionetas fazem parte de um conjunto de espectáculos que sobe ao palco na Taipa durante os fins de semana de Dezembro. Os eventos, que duram cerca de meia hora, têm todos três sessões por dia: às 14h, 15h30 e às 17h sendo abertos ao público em geral.

Nos dias 12 e 22 de Dezembro é a vez de “O Vendedor de Histórias” dar conhecer ao público elementos da história de Macau, nas Casas da Taipa. A peça de teatro móvel da Associação Teatro de Sonho combina a narração de histórias com teatro de marionetas. Já o “Poema de Pedro e Inês”, da autoria do The Funny Old Tree Theatre Ensemble, acontece nos dias 24 e 25 de Dezembro. A peça não tem lugar fixo, passando pelas Casas da Taipa, o Jardim Municipal da Taipa e a Fonte dos Amores. Explora “a arquitectura portuguesa e a obra de um poeta português para encenar uma história de amor solene”, descreve o IC. Estas duas iniciativas decorrem em cantonense.

Fachadas transformadas

Noutro ponto do território, a zona do Porto Interior recebe todos os fins de semanas a peça “Regresso de Barco” da autoria da Associação de Dança Ieng Chi. Em cada sessão, a rota passa pela Praça de Ponte e Horta, a Rua do Bocage e a Ponte nº9, para contar o passado e presente do Porto Interior. As explicações sobre os ecos do passado são complementadas por actuações de dança ligeira. Há limite de vagas, e as inscrições podem ser feitas através da página electrónica do IC.

Na zona do Porto Interior criaram-se ainda outros pontos artísticos de passagem. Os grafitters de Macau Lam Ka Hou e Anny pintaram 25 murais na fachada dos armazéns da Nam Kwong, na Rua do Almirante Sérgio. “Os murais, baseados na vida quotidiana do Porto Interior, revelam elementos novos e antigos [no local], evidenciando igualmente a fusão entre as culturas chinesa e ocidental que caracteriza esta zona”, diz a nota.

3 Dez 2020

Teatro anatómico

[dropcap]S[/dropcap]ubo a cidade, a rua, as escadas, e ao cimo o meu canto.
(Sala de anatomia. As vísceras por ali em pose de revelação. Em cadernos por abrir por debaixo da pele e segredos por guardar. Ou fechados, temporariamente sós. Há segredos mais sós do que outros. E cadernos mais distantes e livros menos tacteados e abertos mas tudo é uma questão de tempo.).

Na página anterior é uma sala de espera com todos aqueles livros de capas dura para resistir à corrosão do tempo e do esquecimento. E flores secas e animais empalhados.

Bem-vindos ao teatro anatómico. Dizia, à porta, a quem entrava, uma voz nasalada de burlesco. Sentei-me e era uma roda de cadeiras ocupadas mas depois era já a mesa, o teatro e cortinas vermelhas. Como o último acto. Viro-me de lado a esconder os órgãos se ainda é possível. Penso uma pausa. Um corte para café e redefinir a máscara, agora inútil. Na mesa. Chamo-me A. Por hoje passo. Pelas palavras, penso. E um coro monocórdico mas afável, vindo da linha semicircular de cadeiras ali, como em torno de um oráculo, responde a pronto, bom dia A.

Deitada de costas. Um lençol azulado sobre o corpo e até acima dos olhos. E as vozes a soar como uma realidade alheia. Pensava as fronteiras do tempo, finas como as da pele. A ilegibilidade dos órgãos. As coisas escuras e misteriosas por debaixo da pele, da escrita. O caminho mais fácil. Temo as colorações e texturas diferentes, coisas com uma explicação, volumes alterados. Coisas assim. Mas sei que não vão ver o essencial. Perceber para além dos sintomas. De identidade, de sentir, de ser. Um corpo coberto de autocolantes para não haver esquecimento. Observado como num sono descomposto, nas roupas impúdicas e abstraídas, no corpo indiscreto e ausente. Impúdico porque só. Mas sob os olhares expectantes e interrogativos ali em volta.

Amanheceu e um pouco cedo, ainda, para tanta luz. Puxo o lençol como uma névoa de adiamento. Mas oiço passos. Não me preocupam as batas e este lençol com uma janela, que logo retiram por inútil, as luzes fortes, dirigidas e cruas. Perturba-me não entender o que vai dar-se. Desaparecida a janela e o lençol, entendo que é por todo o lado. Pensava ser talvez uma fractura algures no corpo uma daquelas quedas e a memória um pouco ausente. Penso. Será uma daquelas perdas de memória. E penso que me lembro disso, mas da outra vez.

Os instrumentos, no tabuleiro metálico, prenunciam alguma reparação. Ou pior. Doei tudo. Será agora…talvez. E começam sem dor. Vejo que é agora e não dói mas intriga-me. O coração. Não, não, não…deixem estar. Tenho uma lista. Começam pelo coração e sigo-o com os olhos, com um desvelo que não imaginei.

Assim em mãos alheias. E se o deixam cair? Numa das tijelas afadigadas em inox. Descansei. Bordos altos, não há como atirar-se dali abaixo. Fico a ver. Há comentários e subentendidos e o afã de uma curiosidade que julgam prestes a alimentar. Mas desistem. Sorri para o lado. Nem chegaram àquele ponto onde não se alcança Para lá das fibras. Viram tudo e não viram nada. Ainda temi o bisturi, a indecisão e a incisão. O coração – ao contrário dos bolbos que se podem seccionar e voltam a crescer e a refazer-se, ou do fígado – não cresce depois de laminado. Posso descansar. Quando olhei para o lado e o vi partir pensei a parte melhor de mim. Mas depois o cérebro e pensei o mesmo. Não podem ser duas as partes. Melhores. Como se lá atrás na última fila de cadeiras, espero que digam, chegado ao cérebro o bisturi, parece que viveu bem. Se isso se vê.

Depois o fígado. Noto-os indecisos numa suspeita e num aparte irónico. Enfim. Desconfio que houve crime. Eles, em torno de uma coloração específica, de que houve desespero ou álcool. Nunca vão entender a subtileza com que este fígado lidou com o dia após dia, a sós com o coração. O cérebro a amolecer a vontade e o tempo a passar melhor. Entretido. O que é preciso é distrair o tempo. Os pulmões, mais fáceis para todos, ali em torno apertado, sentados e absortos. Pensei que sonho aquele sonho de sempre. Sonho-me a dormir e rodeada de olhares que velam expectantes e desconfortáveis e esperam que acorde. Penso o que interessa a alguém o que mora nestes órgãos. Espero que deixem os olhos para o final para poder ir fazendo as despedidas. Sempre me preocupei com a qualidade das despedidas.

Não vão entender nada, os olhos estranhos. Para trás dos sintomas, o essencial que é invisível aos olhos. A presença discreta de tudo, interior à flor da pele onde cicatrizes nem sempre são maiores. E importante para cobrir, como uma poalha de pudor ou um véu de nivelamento, os órgãos ilegíveis, os músculos desconhecidos, a circulação que não gosta de ser surpreendida numa agitação. Daquelas que arrepiam os pelos indiscretos dos braços. De colorir o rosto, sem remédio, do que se passa fora do alcance da vista.

Melhor assim, que dissecar. Já bastam os pensamentos. E foi nesse momento que me lembrei daqueles grossos volumes cheios de escrita e de sintomas diários. Os diários dos dias. Que devia ter deitado fora. Antes.

Amar é um arrepio, um calafrio enorme, um súbito cair do coração costelas abaixo como se abismo vácuo. Um tremor de susto só de ler sílabas que somadas dão o nome. Como se um espelho do sentir. O simples nome. Um tiro certeiro. Amar assim, ou por se amar, o sintoma ou a causa. Experimentem escrever o nome.

Colocar sensores e terminais de rastreio no cérebro e no coração, e medir a tenção do choque e tirar conclusões. Tento dizer, mas não oiço a voz que não sai. E a toda a volta não vejo máquinas. Somente os instrumentos reluzentes alinhados no tabuleiro. Não leram a marca do ferro a quente ou a tatuagem no flanco. Orlando. Detalhes importantes. Talvez tenham pressa.

E depois umas palmas esparsas, discretas como para não acordar o sono desigual de cada parte. Pouco público. Ainda bem.

Levanto-me intimidada e a querer, apesar de tudo, fazer o meu papel e agradecer. Há que agradecer. Faz parte do trabalho. Levanto-me e levo a mão ao pescoço a segurar o lençol. Chega de nudez. Em desesperante crescendo, a urgência de que caia o pano.

Uma tristeza repentina alojou-se na garganta à falta de lugar próprio. Sobe sem que o possa conter, um grito. Mãe.
Abro a portada e lá está aquele sol brilhante em cada superfície. Hoje amanheceu assim. Lindo. Mas há qualquer coisa neste sol. Qualquer coisa no céu e neste tom de azul. O ar quente. Não sei. Qualquer coisa de hoje. Ou talvez seja de mim. Talvez de um outro lugar de mim. O mesmo de ontem, mas hoje. O mesmo de hoje mas sempre. Ou de sonhar. Ainda bem que nunca me lembro do que sonho. Quase nunca. Olho num último relance o lençol da cama desconfiando surpreender um azulado residual, um par de luvas cirúrgicas caído por ali. Mas não.

15 Jun 2020

Teatro de sombras

Santa Bárbara, Lisboa, 25 Fevereiro

[dropcap]O[/dropcap] tropeção da passagem do ano atirou-me para o colo uma fartura de crias para lamber, aquele momento único em que as nossas mãos tocam o objecto concreto e definido com origem em ideias e palavras. Pode sempre acontecer o inesperado, se não radical que nem cadernos invertidos ou lombadas guilhotinadas, seja a inevitável gralha a estragar a experiência com o seu grasnar. Cultivo essa superstição de encontrar alguma nesta primeira lambidela…

Hesito na cor que pulsa na capa de «A Grande Dama do Chá», trabalho (algures na página) da Elisabete [Gomes] para a viagem do Fernando [Sobral] à Macau dos idos de 1937, aliás, pré-publicada em folhetim no Hoje Macau. Não lhe vou ligar a confirmar se é carmesim o que vejo, mas gosto da ideia de profundidade do vermelho e conter algo de púrpura e ter tido origem em insectos habitantes de paisagens imemoriais. Melhor: não custa imaginar que os lugares, onde as personagens deste romance gastarão as vidas respectivas, multiplicam ao infinito tons e temperaturas do vermelho.

O «porto de almas perdidas», como lhe chama o narrador e mestre marionetista, talvez não chegue a ganhar corpo de protagonista, ao contrário do que se poderia esperar. Macau estende-se pano de fundo (carmesim?), mero entreposto das grandes transações: do amor e da morte, do comércio e do poder, do Oriente e do Ocidente, do ouro da droga, do Céu e do Inferno, da luz e das trevas. Mas talvez esteja enganado. É que o autor constrói com grande ligeireza, a partir de suaves e redundantes pinceladas, um perturbador teatro de sombras. Como um bom chá, o primeiro perfume não revela logo subtilezas ou densidades. As figuras maiores são Jin Shixin, espia ao serviço de uma China milenar, e Cândido Vilaça, saxofonista melancólico, diletante e adiado, como bom português. Ao redor do par apaixonado gravitam mais uma meia dúzia, invariavelmente em jogo entre o óbvio e o enigmático. Serão apenas isso, sobreviventes? Ou acabarão metáforas? Todos cumpriram guiões distintos daqueles em que os encontramos com à guerra às portas da cidade, e talvez daí nasça uma certa urgência em cumprir-se, nem que seja na invisibilidade. Jogadores, claro. «Todos, para o bem e para o mal, jogamos. Uns sabem fazê-lo. A maioria apenas observa os outros a jogar. Nunca arriscam. Nunca tomam decisões. Vêem a vida e a riqueza a passar defronte dos seus olhos.», diz um ex-polícia, oriundo de Xangai, a outra ponta do triângulo, com Hong Kong. São seres de excepção, entre o aventureiro e o desesperado, e até os mais banais levam a sua condição a máximos raros.

O carmesim será a cor do spleen? Os «bonecos» são movimentados pelo vento da narrativa, resistem ou dançam, permitindo as cambiantes não tanto do seu comportamento, como do seu pensamento. Uns tratam de comerciar, outros de espiar, outros gostavam de alcançar a épica de cumprir destinos colectivos, outros de navegar no sonho de tocar em nome próprio, de ter um nome. Pergunto-me se, afinal, não serão todos e cada um emanações da cidade. Não se perde uma única oportunidade, claro, para suscitar reflexões, e não apenas em torno da capitulação perante os prazeres e a droga, a luminiscência do ouro, o valor da tradição ou a traição enquanto lugar comum do humano. O encontro de civilizações suscita,a cada passo, perplexidades. Vejamos este diálogo em varanda de hotel, com o jazz por fundo.

«– Em Xangai foi possível juntar o Oriente e o Ocidente. Tal como aqui, em Macau.
Jin Shixin voltou a cabeça:
– Não será assim, senhor Ezequiel. O Ocidente subjugou o Oriente. Sequestrou-lhe a alma com o vício e o
comércio sem regras. E chama a isso irmandade?
– Os próprios orientais não estão isentos de culpa, menina Jin.
– O que é a culpa, senhor Ezequiel? Pecar muito, rezar e, depois, ser absolvido, como se nada tivesse acontecido?»

O Fernando serve-nos um belo chá, que pode ser tomada sem a mínima preocupação, mera degustação de imaginar baías ao fim do dia. Mas temo que outros fins se ocultem nesta narrativa que se lê enquanto o diabo esfrega um olho. E os portugueses, nisto? Diz o saxofonista: «Portugal foi uma grande potência porque controlou as veias do mundo, os oceanos. Quando outros o fizeram a sua missão terminou. Em Portugal consideramos a eternidade e o destino como o mar que está defronte de nós. É o fim, depois do fim.»

Esta colecção da Arranha-céus, de que este romance este é apenas o sexto volume, parte de uma ideia simples: país com o nosso passado possui extrema riqueza apenas aflorada. Ou seja, aqui cabem os resultados dos diversos géneros que podem ser usados na exploração, além do inevitável romance histórico, o maltratado memorialismo, em versão de autobiografia, diário, correspondência, enfim, relato de viagens, ou a biografia, de carácter mais investigativo ou romanceada. A curiosidade por tais temas surge transversal e com público potencial mais vasto. E por nisso acreditarmos, fomos generosos no formato, na paginação e sua gestão do branco, no corpo do texto. Para conforto máximo do leitor. A referência ao género surge apenas na contracapa e na folha de rosto, com discrição, sublinhando que são as histórias o que aqui nos interessa. Apesar da sua forte identidade visual , não tinha título exacto até este momento, em que passará a chamar-se H, de hora, história ou histórias, sem esquecer o carácter arquitectónico da letra maiúscula.

12 Mar 2020

Teatro | CCM apresenta “Do Pó às Cinzas” em Setembro 

Começam a ser vendidos este domingo bilhetes para a nova produção teatral que sobe ao palco do Centro Cultural de Macau de 20 a 22 de Setembro. “Do Pó às Cinzas” é uma encenação da responsabilidade de Fredric Mao, encenador de Hong Kong

 

[dropcap]O[/dropcap] Centro Cultural de Macau (CCM) apresenta a peça “Do Pó às Cinzas”, estando programados três espectáculos que estarão em cena no pequeno auditório do CCM de 20 a 22 de Setembro. Os bilhetes começam a ser vendidos este domingo.

Encenada pelo icónico mestre do teatro de Hong Kong Fredric Mao e escrita pelo prolífico dramaturgo Nick Yu, “Do Pó às Cinzas” é uma viagem de amor e ódio criada em jeito de homenagem ao lendário escritor e prémio Nobel da Literatura Harold Pinter. A peça leva ao palco um intenso turbilhão de emoções inspirada em “Cinza às Cinzas”, uma das mais reconhecidas peças de Pinter.

Adoptando o tom desconcertante do dramaturgo britânico, o trabalho de Yu funciona enquanto metáfora dos impulsos de luxúria e paixão que incessantemente comandam as vidas das pessoas. Interpretada em Cantonense por seis actores locais, “Do Pó às Cinzas” aborda a crença tradicional chinesa da incarnação para compor personagens em diversas variações existenciais. Uma história de dois casais, cujos caminhos se entrecruzam em quatro situações distintas que se repetem.

Esta produção é o epílogo de um projecto de residência artística lançado pelo CCM o ano passado e uma excelente oportunidade para um grupo de actores locais abraçarem um desafio de longa duração integrando uma equipa profissional sob a direcção de um mestre encenador.

Mestres consagrados

Fredric Mao Chun-fai, o encenador desta peça, está há 40 anos ligado ao mundo da dramaturgia, não só através da encenação mas também através do estudo e do ensino a jovens artistas. Com 72 anos de idade, Fredric Mao tem agora um novo projecto depois de ter levado em cena um espectáculo em Hong Kong, em Fevereiro deste ano, que teve como objectivo rejuvenescer a antiga ópera cantonense.

Harold Pinter nasceu em 1930 em Londres, Reino Unido, e ingressou na vida teatral como actor. Em 1957, Pinter escreveu a primeira peça, “The Room” e ao longo da carreira a sua obra catapultou o britânico como um dos autores fundamentais do teatro contemporâneo.

Ao longo da carreira, Pinter escreveu mais de 30 peças, que foram traduzidas e encenadas em todo o mundo. Além do teatro, o autor também escreveu para rádio, televisão e cinema, onde colaborou com Joseph Losey.

26 Jul 2019

Portuguesa Maria do Céu Guerra considerada a melhor actriz da Europa

[dropcap]A[/dropcap] actriz portuguesa Maria do Céu Guerra foi considerada a melhor da Europa pelo Festival Internacional de Teatro – Actor of Europe, revelou hoje a companhia teatral A Barraca. Maria do Céu Guerra receberá o prémio no sábado, na abertura daquele festival, que decorrerá no Lago de Prespa, nos Balcãs, na fronteira entre Macedónia, Albânia e Grécia.

O prémio de honra “Actress of Europe” é atribuído desde 2003 por um comité para reconhecer o percurso artístico de uma personalidade do teatro e o contributo criativo para a memória colectiva da civilização europeia, lê-se na página oficial do festival.

“Aos 75 anos, é uma das mais extraordinárias actrizes do teatro português e a alma da companhia teatral independente A Barraca”, sustenta o comité, presidido por Jordan Plevnes. Em comunicado, A Barraca refere que este prémio “reconhece o enorme mérito de trabalho teatral e humanista de uma das figuras maiores do Teatro e da Cultura em Portugal”.

Maria do Céu Guerra de Oliveira e Silva nasceu em Lisboa, a 26 de Maio de 1943, frequentou a licenciatura de Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, período em que começou a interessar-se pelo teatro, e fez parte do grupo fundador da Casa da Comédia.

A actriz estreou-se nesta companhia, em 1965, na peça “Deseja-se Mulher”, de Almada Negreiros, encenada por Fernando Amado. Nos cinco anos seguintes, profissionalizou-se no Teatro Experimental de Cascais, onde participou num vasto conjunto de peças dirigidas por Carlos Avilez, das quais se destacam “Esopaida”, de António José da Silva, “Auto da Mofina Mendes”, de Gil Vicente, “A Maluquinha de Arroios”, de André Brun, “A Casa de Bernarda Alba” e “Bodas de Sangue”, de Federico García Lorca, “D. Quixote”, de Yves Jamiaque, “Fedra”, de Jean Racine, “O Comissário de Polícia”, de Gervásio Lobato, e “Um Chapéu de Palha de Itália”, de Eugène Labiche.

Na década de 1970, participou em vários elencos de teatro de revista e de comédia, tendo colaborado com Laura Alves e Adolfo Marsillach, na peça “Tartufo”, de Moliére, e regressado à Casa da Comédia, onde trabalhou com Morais e Castro e Luís de Lima.

Após do 25 de Abril, fez parte do grupo fundador do Teatro Àdóque-Cooperativa de Trabalhadores de Teatro, logo em 1974, e, no ano seguinte, fundou a companhia de teatro A Barraca, onde desde então tem centrado a sua actividade teatral.

Nesta companhia realizou várias digressões em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente no Brasil, tendo feito parte dos elencos de peças como “D. João VI” (1978), de Hélder Costa, “Calamity Jane” (1986), com textos, adaptação e dramaturgia da atriz e de Hélder Costa, “A Cantora Careca” (1992), de Eugene Ionesco, e “O Avarento” (1994), de Molière, entre outras.

Em Agosto de 1985, foi distinguida como Dama da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada e, nove anos depois, recebeu o grau de Comendadora da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2006, estreou, no Teatro de Pesquisa A Comuna, “Todos os que Caem”, de Samuel Beckett, com encenação de João Mota, interpretação que lhe valeu um Globo de Ouro SIC/Caras.

O desempenho no filme “Os Gatos não têm Vertigens” (2015), de António-Pedro Vasconcelos, valeu-lhe um Globo de Ouro de Melhor Actriz de Cinema e o Prémio Sophia para a Melhor Actriz.

No cinema, Maria do Céu Guerra estreou-se em “O Mal-Amado” (1974), de Fernando Matos Silva, tendo participado também em “Crónica dos Bons Malandros” (1984), de Fernando Lopes, “A Moura Encantada” (1985), de Manuel Costa e Silva, “Saudades para Dona Genciana” (1986), de Eduardo Geada, “Os Cornos de Cronos” (1991), de José Fonseca e Costa, e em “O Anjo da Guarda” (1998), de Margarida Gil, entre outros.

Na televisão, além da peça “O Pranto de Maria Parda” (1998), de Gil Vicente, participou em séries e telenovelas como “Residencial Tejo” (1999-2002), “Vamos Contar Mentiras” (1985), “Jardins Proibidos” (2014-2015), e “A Impostora” (2016), entre outras, assim como na adaptação de “Calamity Jane” (1987), pelo realizador Hélder Duarte. Em Janeiro deste ano o Prémio Vasco Graça Moura-Cidadania Cultural.

4 Jul 2019

Teatro | Cai Fora faz percurso interactivo pela cidade

[dropcap]A[/dropcap] companhia teatral local “Cai Fora” apresenta na sexta-feira “A Viagem de Curry Bone 2019”, uma história que se baseia num guia turístico com o mesmo nome e que vai dar a volta pela cidade, todos os dias de 3 a 10 de Maio, pelas 20h.

A proposta reúne as experiências de Curry Bone na Terra dos Anões, onde se diz que “há apenas ruas e museus e as ruas tornaram-se lugares populares para descobrir: aqui não há ruínas mas relíquias, e não há morte mas revitalização”, pode ler-se no programa do Instituto Cultural (IC).

“A Viagem de Curry Bone” estreou em 2009, causando um profundo impacto no público com a sua sátira ao desenvolvimento urbano e a sua busca de reconhecimento identitário. Após alguns anos de silêncio, Curry Bone está de volta, desta vez passando da sala de espectáculos para o ar livre”.

O guia turístico Curry Bone tem também aplicação de telemóvel – Curry Bone’s Travel – que pode ser descarregada e levada para o percurso.

Os espectadores, viajantes nesta experiência, devem levar o telemóvel e os auscultadores. O trajecto dura 2 horas e 30 minutos, com áudio em cantonense, para maiores de 13 anos. Os bilhetes custam 150 patacas.

A companhia “Cai Fora” tem desenvolvido obras que são um diálogo entre a história e o desenvolvimento urbano. Criada em 2001, não desenvolve apenas trabalhos de teatro e de dança, produzindo trabalhos multidisciplinares que “são caracterizados pelo uso hábil da linguagem teatral poética e estética na composição de fábulas contemporâneas sobre a cidade urbana”, segundo o IC. O grupo macaense já integrou o FAM de 2013, com a peça “Um Mundo de Jogo”.

30 Abr 2019

Sombras Chinesas | Criada a primeira Associação de Teatro em Macau

A primeira Associação de Teatro de Sombras Chinesas em Macau foi criada no passado mês de Janeiro. A iniciativa é de António Inácio que pretende, desta forma, levar esta arte aos países de língua portuguesa e ao mundo

[dropcap]A[dropcap]Associação de Teatro de Sombras Chinesas de Macau foi fundada no passado mês de Janeiro para colmatar a ausência de uma entidade que se dedicasse à investigação e desenvolvimento de actividades a partir desta forma de arte.

Para António Inácio, presidente da associação, a criação de um grupo que represente o teatro de sombras chinesas “é um dever” e vem na sequência de uma promessa feita a si próprio há 21 anos, depois de um encontro em Pequim com o responsável de uma trupe da capital. “Foi nessa altura que também entrei em contacto pela primeira vez com as marionetas e com esta arte”, apontou ao HM.

No entanto, o projecto não avançou na altura porque as facilidades de comunicação “não eram as que existem hoje em dia”, afirmou.

No ano passado, 21 anos depois do primeiro contacto, António Inácio regressou a Pequim e aproveitou o momento para marcar novo encontro com o responsável “que é também herdeiro da quinta geração da arte de teatro de sombras da China”. “O destino permitiu que nos encontrássemos apesar de se ter passado tanto tempo, e este foi o primeiro passo para formar a associação em Macau”.

Necessidades quase esquecidas

A existência desta entidade em Macau era uma necessidade: “o teatro de sombras chinesas foi reconhecido pela UNESCO em 2011 como património mundial imaterial da humanidade e numa altura em que a China está a avançar com a política ‘Uma faixa, uma rota’, é importante que Macau assuma uma posição em que possa servir de plataforma de divulgação desta arte do espectáculo”.

António Inácio recorda ainda que o teatro de sombras acompanhou a antiga rota da seda tendo por esse meio chegado ao Médio Oriente, à Turquia, à Grécia e mesmo a França. “Foi esta rota que acabou por levar as máscaras e os espetáculos para vários países”, aponta.

Através da política “uma faixa uma rota” o responsável quer “devolver esta tradição à própria rota da seda e alargar os destinos da divulgação, primeiro pelos países de língua portuguesa e depois pelo mundo inteiro”.

Na agenda

Para já, a associação recentemente criada ainda se está a organizar e a promover contactos com companhias ligadas a esta área tanto na China continental como noutras regiões.

Entretanto, é necessário constituir um grupo local, e para a formação de actores, músicos e técnicos António Inácio conta com a possibilidade de intercâmbio com várias regiões da China para que os interessados de Macau possam vir a ser formados.

A transmissão de conhecimentos pode ainda passar pela aprendizagem com os “grandes mestres” chineses. “Há muitos mestres de marionetas chinesas que se encontram isolados em várias partes do país e são estas pessoas que também queremos chamar para virem ensinar os de cá”, aponta.

Promover palestras e oficinas para aprender a representação e confecção de marionetas, e criar um museu de teatro de sombras no território são metas que a associação também quer atingir. “Há um museu em Nanjin que já mostrou interesse em transferir peças para Macau. Agora é necessário ter pessoas interessadas e os devidos apoios”, sublinhou.

“Queremos ainda realizar o primeiro festival internacional do teatro de sombras em Macau ainda este ano, se possível”, avança. Contudo a missão apresenta-se algo utópica até porque o objectivo seria “reunir 20 grupos chineses e 20 grupos estrangeiros”. Os contactos já estão em andamento nomeadamente com países com tradição em teatro de sombras como a Indonésia, a Malásia, Singapura, Tailândia e Camboja.

Modernizar para atrair

António Inácio considera ainda que há dificuldades a ultrapassar nomeadamente para atrair pessoas que se dediquem ao ofício. “O teatro de sombras não é uma coisa moderna e está a deixar de atrair jovens. Os interessados são normalmente idosos ou crianças, salvo raras excepções”. Para colmatar esta dificuldade é necessário atrair jovens e assegurar que esta possa ser uma carreira reconhecida.

Na manga, estão ainda algumas inovações a serem feitas aos conteúdos. Às histórias clássicas que normalmente servem de suporte ao teatro de sombras chinesas, podem ser acrescentados outros argumentos, como a “história do Titanic, que é muito conhecida e mais internacional”. A nível técnico o responsável quer integrar as novas tecnologias, principalmente na área da iluminação.

 

7 Mar 2019

Raízes e copas

Web, nenhures, 5 Janeiro

[dropcap]O[/dropcap] meloso natalício não muda grande coisa na folhagem das árvores despidas, menos ainda nos múltiplos brancos contidos na neve que nem tomba na cidade. Com a estação chegam os tiques próprios das ditas, como este de comprar a correr disquito ou livrito para oferecer, à falta de melhor.

Multiplicam-se as listas dos melhores do ano, fingindo que se lê por cá ou ao menos que se respeitam os livros. Enfim, a miséria habitual, que apesar de costumeira se amisera mais e sem piedade. Contudo, brilham excepções. A mais divertida, atenta e reveladora de extremo amor ao livro encontra-se no blogue do Henrique [Manuel Bento Fialho], «Antologia do Esquecimento»: http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/2019/01/o-melhor-dos-livros-em-2018.html A melhor lista dos melhores contém mais de trinta itens confirmando que, para o seu autor, o livro é um mundo a ser abordado de todas as perspectivas, por menores que sejam. Não creio que inclua livros de cujo conteúdo não tenha gostado, mas pega-lhes pelas minúcias do contentor: capas e contracapas, primeira e segunda badana, cortes superior, dianteiro e inferior, lombada, guardas, sobrecapa e cinta, formato e impressão, folha de rosto e índice, cólofon e notas de rodapé, mas também título, texto de contracapa ou epígrafe ou dedicatória ou agradecimento, além de prefácio e posfácio. Isto além das mais tradicionais capas, ilustrações, fotografias, colecções, tradução ou… livro do ano, que no caso foram dois e de imagens. Um divertimento, que nem por isso deixa de desenhar panorama dos mais completos.

Horta Seca, Lisboa, 6 Janeiro

Falho redondamente, como convém aos anafados, os desejos: descansar e planear. As urgências, ainda elas, muitas que resultam do incumprimento do planeado. Desprezando a electrónica, a minha arrumação assenta em papel, profusos papéis, que desenham do ano ao momento. O electrocardiograma dos meus dias sai em folhas A6, nas quais assinalo rugas, ideias, afazeres, telefonemas, pagamentos, nomes, projectos, gatafunhos. Não seria mais fácil em cadernos, que também frequento? Talvez, mas estes fragmentos são portáteis, podem tanto gritar-me o imediato como sussurrar o horizonte. Consigo juntá-los para harmonizar um mapa, uma hierarquia de prioridades. Embora resulte dissonância, alegre, mas dissonância. Ler os que foram sobrando relembra-me o óbvio. Afinal, não evitam o atropelo ou o esquecimento, menos ainda o acumular de irresolvidos. Pela simples razão de que não esticam o tempo. Quanto perdi com esta inutilidade?

Casa da Cultura, Setúbal, 11 Janeiro

Esta sessão da «Filosofia a pés juntos» tinha a Justiça por tema e logo a radical arqueologia do António [de Castro Caeiro] revelava uma surpresa. Para o grego, a injustiça resulta da humana ambição de querer ter mais, de fazer disso o seu horizonte. Até ao ponto ganancioso do meu tudo metamorfosear em nada o do outro. Injustiça continha, então e sobretudo, a ideia de denúncia. E pessoal. O processo visava que o injusto entendesse o erro e o confessasse publicamente. Dizê-lo era meio caminho para a resolução. O acento punha-se no trabalho interior do próprio, mais que em acusação externa. Daí a conclusão maior de que melhor seria sofrer uma injustiça do que cometê-la. A conversa expandiu-se, e muito, mas este pensamento-raiz ainda brilha que nem copa.

Acácio de Paiva, Lisboa, 12 Janeiro

Manhã de sábado em Alvalade, com uma luz de fazer esquecer o frio. Ambiente ideal para espreitar os trabalhos mais recentes do multi-talentoso Simão [Palmeirim]. Não falo agora nem da música, nem das investigações em torno da geometria ou sobre Almada [Negreiros], mas das pinturas. Vi-me em paisagens de tom negro onde o monumental não abafa a minúcia, o gesto, a composição. Entrei no miolo de máquinas, transmudadas do absoluto concreto para um abstracto contido. Cada pasta parecia mala devolvida de mundos por haver. Depois o papel rasgou-se janela, e surgiu um contínuo de umbrais feitos de cor e paciência. A repetição não tem que ser o igual multiplicado. Bebemos longo café e falámos ainda de Philip Glass. Vem aí exposição.

Povo, Lisboa, 14 Janeiro

Para sessão em torno da «Poesia do KWY», o Alex [Cortez] chamou-me ao microfone. Em ambiente aprimorado pelo Nuno [Miguel Guedes], e comentado propiciamente pelas cordas do [Vítor] Rua, que transliterou e pensou encontrar-se em Bukoswki, ouviram-se as vozes da Paula André enquadrando o relâmpago que foi projecto único, que dizia o portuguesinho Ká Wamos Yndo com letras que não havia, do tonitruante Manuel João [Vieira], brincando com anónimos e o episódico João Garcia de Medeiros, e do Miguel [Feraso Cabral] a evocar Manoel de Castro. Pensando nas contaminações (imagem, palavra, nomes) levei nos lábios para estragar o Helder [Macedo], capaz de descrever como ninguém o que foram aquelas lúcidas noites, o António José Forte, com sorrisos a doer-lhe nos lábios, e o José Manuel Simões: «Um quadro, como um poema, é demasiado pequeno para conter um coração. Por isso ele cresce, ilude os limites estreitos do caixilho, expande-se e fica a flutuar, qual cúpula, globo ou aquário, palpitante e rubro, exposto aos olhares clínicos e turísticos de quem se aproxima e contempla.»

Teatro da Rainha, Caldas da Rainha, 15 Janeiro

A noite aconteceu, enorme. E lúcida. Os que se afastem do convívio com os palcos (de teatro, que os de concerto são outra música) perdem, sem o saber, contacto com a realidade, com o oxigénio. Por isto. O Henrique [Manuel Bento Fialho] resolveu recomeçar o ciclo lunar do «Diga 33 – Poesia no Teatro» com os supermanos, António [de Castro Caeiro] e José [Anjos]. A singeleza da encenação (foto na página de Graça Ezequiel) potenciou a cumplicidade entre os dois, com leituras, comentários e música. O Henrique manuseou a curiosidade como ferramenta e pôs o António a explicar-nos que o destino se faz corda de ringue nas nossas mãos, sendo o boxe apenas uma das possibilidades, cada qual tendo na mão a escolha de modalidades, combates, até de adversários. Ilustrou depois os versos ditos do Anjos à viola, antes de o fazer com lanterna, no fecho: «um quadrado de terra na cidade/ um verão de amendoeira/ uma flor, uma pedra luminescente no peito/ da igreja/ a respiração ainda quente de uma boca derrotada/ um dia cruel/um gato de sombra que nasceu da invenção/ de uma escada/ e a sombra de um gato que morreu/ como a divisão de uma casa// a dor à volta da qual tudo se constrói.»

Horta Seca, Lisboa, 18 Janeiro

A Escola de Escritas do Luís [Carmelo] abriu «Crateras», colecção que recolhe textos dos que se vão cruzando aquela ideia. Começou com o «Tenham uma Boa Vida», do Francisco Resende, que evoca experiência do lugar, e a Ana Margarida de Carvalho, que em «Primeira Linha de Fogo», investiga o (sem) sentido das fronteiras em que nos entrincheiramos.

23 Jan 2019