Previsões para o mundo em 2023

O ano de 2023 faz de fronteira entre o fim do 8º período (yun) de 20 anos, que começou a 4 de Fevereiro de 2004 às 19h56m e finalizará às 16h28m de 4 de Fevereiro de 2024, quando abre o 9º período. O Grande Ciclo de 540 anos, Da Yuan (大元) é dividido em três Zheng Yuan (正元), com 180 anos cada e dentro de cada um existe San Yuan Jiu Yun (三元九运), três ciclos de 60 anos: o ciclo alto (shang yuan 上元) contém os períodos (运, yun) 1, 2, 3 de vinte anos cada um; o ciclo médio (zhong yuan中元) inclui os períodos (yun) 4, 5 e 6; e o ciclo baixo (xia yuan下元) inclui o período 7 (1984-2004), o período 8 (2004-2024) e o período 9 (2024-2044). Encontradas no quadrado mágico Luo Shu as direcções do posicionamento das nove Estrelas Voadoras para 2023, deixamos aqui as previsões por nós entendidas das feitas por Lei Koi Meng (Edward Li), sobre o que ocorrerá no mundo.

Na direcção Centro (com o Elemento Terra), onde se encontra a China, este ano está dominada pela benéfica estrela voadora 4 Verde (Si Lü) (Madeira), com aspectos positivos e negativos no actual período 8, representa refinamento e educação. Para a China é um ano de muitos desafios pois a política de combate à pandemia colocou o país nos últimos três anos com a economia estagnada e os efeitos negativos aparecerão totalmente este ano. Já quanto ao mercado imobiliário haverá fortes mudanças e o choque dessa grande onda trará um impacto negativo a envolver todos os sectores da sociedade, sobretudo industriais e comerciais. Prevê-se a ocorrência de um tremor de terra de grande amplitude.

Na direcção Norte (com o Elemento Água), correspondente a Beijing [capital da República Popular da China] e à Federação Russa, estará a benéfica estrela voadora 9 Púrpura/Roxo (Jiu Zi) (Fogo). Representar harmonia e paz, cooperação e o visionar do advir, é uma Estrela Ampliadora dos efeitos das outras estrelas, pelo bem, assim como no mal. É também a secundária Estrela da Riqueza pois 2023 é um ano de mudança e no ano 2024 inicia-se o Período 9 que faz dela a Estrela da Riqueza do Futuro e Estrela da Felicidade.

Nas relações exteriores, a China terá relações mais activas e profundas com os países do Sudeste asiáticos e haverá maior cooperação com a Federação Russa e Médio Oriente. A Rússia este ano economicamente estará melhor e a imagem que dela é transmitida irá mudar. Como em 2022, na altura em que a guerra na Ucrânia começou, o Fogo era forte, pois a Madeira estava sob Madeira, e este ano em Agosto o Fogo encontrar-se-á já muito fraco, espera-se daí poder ser um sinal para a guerra parar.

Na direcção Sul (Fogo), que compreende a Grande Baía, Macau, Hong Kong e países da Oceânia, está a benéfica estrela voadora 8 Branco (Ba Bai) (Terra), Estrela da Prosperidade e Saúde, a melhor e de mais sorte entre todas as nove estrelas voadoras. Com o início da política de abertura, este ano na Grande Baía imediatamente os frutos aparecem, levando a rápidos ganhos e grandes proveitos económicos e sociais, sendo na China a zona que mais rapidamente chega à normalidade. Para o Feng Shui, a zona da Grande Baía no ano de 2025 será a mais bafejada de toda a China e este ano, contará com novos investimentos provenientes da Bolsa de Hong Kong, incluindo dinheiro do Médio Oriente e Coreia do Norte. Já a Austrália e Nova Zelândia mudarão a política com a China, resultando daí boas notícias para as suas economias.

Na direcção Oeste (Metal), onde a Europa Ocidental e Grã-Bretanha se situam, está a benéfica estrela voadora 6 Branco (Liu Bai) (Metal), Estrela da Bênção Celeste com potencial de inesperadas vantagens e riquezas, mas enfraquecida no período 8 do ciclo do Feng Shui. A morte da Rainha, que representava o poder da Grã-Bretanha no mundo, levou à perda de influência nos restantes países normalmente seus aliados e assim, o seu foco vira-se para reparar a relação com a União Europeia. Ano em que espera para ver o que ocorrerá. A Europa economicamente fraca, com grande inflação, contará com constantes e variadas manifestações de protesto nas ruas. Havendo diferentes argumentos como resolver a situação, ocorrem nas discussões grandes divergências entre os países europeus, perdendo-se a unidade. França e Alemanha unir-se-ão e abrirão a comunicação com a China para uma cooperação económica. As relações com os EUA ficarão complicadas.

Na direcção Leste (Madeira), EUA, Japão e Taiwan encontram-se sob a influência da maligna estrela voadora 2 Preto (Er Hei) (Terra), Estrela da Doença que traz longas e incuráveis enfermidades. Nos EUA será um dos anos mais perigosos para a economia e mesmo na política haverá grandes confrontações entre os dois partidos, tendo de enfrentar muitas manifestações contra a inflação e desemprego. Ao mesmo tempo terá de lidar com a pandemia e diversas catástrofes naturais. Nas relações exteriores enfrenta uma grande competição e para proteger o poder do dólar as suas finanças irão cair num buraco negro, puxando o mundo para esse redemoinho. Já o Japão escolhe não seguir as medidas para combater a inflação, usadas nas políticas do sistema financeiro mundial, levando a sua economia a ficar em maus lençóis. Nas relações com os países vizinhos envereda por uma política de confrontação, o que trará grandes trabalhos ao governo. Outros graves problemas que terá pela frente estão ligados aos desastres naturais devido à influência da estrela Er Hei. Taiwan continuará a criar pequeno ruído e a imagem clara aparecerá em 2024.

Na direcção Sudoeste (Terra), que corresponde ao Médio Oriente e Índia, encontra-se a benéfica estrela voadora 1 Branco (Yi Bai) (Água), Estrela da Prosperidade para o que vem, traz sucesso pelo posicionamento político e boas relações de amizade. Para estes países este ano como há a cooperação com novos parceiros no plano económico ocorrerão mudanças, trazendo novas oportunidades e a conquista de novos espaços de actuação e investimento. Mas por outro lado, a instabilidade política causará problemas. A Índia estará muito ocupada a tratar dos desastres naturais e na economia terá uma nova política a alavancar um novo desenvolvimento.

Na direcção Sudeste (Madeira), onde se posicionam os nove países do Sudeste da Ásia, estará a maligna estrela voadora 3 Jade (San Bi), (Madeira), Estrela de Conflito Beligerante, a trazer disputas e caos. Nas questões políticas os países como a Malásia, Myanmar, Camboja, Tailândia, Laos, têm os governos instáveis, com muitos problemas a ocorre, havendo constantes conflitos bélicos entre as diferentes facções em cada país, a não lhes dar estabilidade. A Indonésia, com a quarta maior população do mundo, após a reunião do G20 mostrou as suas qualificações conseguindo fazer o equilíbrio entre Ocidente e Oriente, criando aí uma base sustentável para o mundo, e colocou o país numa importante posição nas relações internacionais. Singapura, ao abrir mais cedo do que os restantes países, colocou-se um passo à frente, conseguindo assim na região ganhar mais espaço de actuação política e económica.

Na direcção Noroeste (Metal), onde se situam os países da Escandinávia, está a maligna estrela voadora 5 Amarelo (Wu Huang), (Terra), Estrela da Fatalidade e da Ruína de forte pendor negativo. Traz má sorte, instabilidade e é causadora de obstáculos e problemas de maligna influência. Os cinco países do Norte da Europa continuarão como no ano anterior com relações externas tensas e mesmo mais agravadas, logo a situação piorará.

Na direcção Nordeste (Terra), nas Coreias, encontra-se a maligna estrela voadora 7 Vermelho (Qi Chi) (Metal), estrela de energia violenta, a trazer injúrias, muitas disputas e perdas financeiras. O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un tem aparecido acompanhado pela filha e como para o bazi a filha representa o poder do pai (zhengguan) tal indica para este ano o país apresentar uma abertura ao mundo com uma nova imagem e daí o estar focado num novo desenvolvimento económico. Na Coreia do Sul politicamente o governo não está estável, levando a complicar as relações com o Norte, podendo originar atritos, mas sem graves problemas.

A nível mundial, este ano será muito seco devido à falta de água, colocando problemas à agricultura e haverá devastadoras pragas de gafanhotos. Logo a comida, tal como a água irá rarear. Os problemas de saúde estarão também em primeiro plano por todo o mundo.

27 Jan 2023

2023 Ano de Água Coelho

O ano lunar de 2023 começa a 22 de Janeiro e terminará a 8 de Fevereiro de 2024, sendo que para o Feng Shui o início do ano do Coelho é o dia 4 de Fevereiro de 2023, quando se celebra o Lichun, Princípio da Primavera.

Este ano haverá um duplo Lichun, por isso será bom para casar e um duplo mês lunar a ocorrer na segunda lua.
A China, com uma existência de setenta e oito ciclos, cada um de 60 anos, para este ano apresenta o número 40 a corresponder a Gui Mao (癸卯, em cantonense kouai máo), ‘Coelho correndo para a floresta’.

No Caule Celeste, o Elemento Gui (癸), Água yin, tem a direcção Norte, e no Ramo Terrestre, Mao (卯) Coelho/Lebre (nome comum Tù) é regido pelo Elemento Madeira yin, com direcção Leste.

Água alimenta a Madeira, o que é uma boa cooperação entre os elementos, mas o problema está na Água yin pois é pouca e é toda absorvida pela madeira, o que representa o ano a manter-se ainda seco. 2023 será uma cópia do ano de 2022, com a diferença de ser menos intenso, pois o ano transacto era Água yang e Madeira yang e este ano será de Água yin e Madeira yin. Assim os problemas ocorridos no ano anterior, as catástrofes, como a guerra, tremores de terra, erupções de vulcões, desastres de avião e a pandemia continuarão, mas serão mais leves e diluídos. Gui Mao (癸卯 Água yin e Madeira yin) combinado com a palavra-chave de pandemia Wu Xu (戊戌) leva à manutenção da situação de Fogo, mas tudo irá continuar a ocorrer, no entanto, com menor intensidade. Devido aos três anos de pandemia e aos problemas económicos por ela causados, que levaram a um buraco negro financeiro, já com as pessoas habituadas à recessão, tal não as apavora, nem provocará nenhum choque e assim a confiança pode voltar a aparecer, sendo a saúde o foco principal para 2023.

FUN TAI SOI

Este ano o Tai Soi (Deus do Ano) localiza-se na região Leste (75°-105°), devendo evitar-se a direcção oposta (255°-285°) para praticar actividades de peso e fazer reconstruções.

Os efeitos do Tai Soi começam após o Lichun, 4 de Fevereiro de 2023, quando se inicia a Primavera, no momento em que o Sol está em 315° da eclíptica. No Fan Tai Soi (ofende o Deus do Ano), o Coelho encontra-se em Zhi Tai Soi, contra o Deus do Ano e em oposição, o Galo está em Chong Tai Soi, a colidir com o Tai Soi do Ano. Já o Rato, está em Xing Tai Soi, significando Xing ser julgado pelo Deus do Ano. Em Po Tai Soi estão os nativos de Cavalo sendo por isso fácil ocorrer-lhes danos, devidos a encontrarem-se entre os seis que se combinam (no grupo de Rato, Tigre, Coelho, Dragão, Serpente, Cavalo). Os nativos de Dragão estão em Hai Tai Soi, magoado pelo Tai Soi pois o animal com que combina, o Galo está a colidir com o Tai Soi do Ano.

O mês do Coelho ocorre entre 6 de Março e 4 de Abril de 2023. Nos dias de Coelho e de Galo deve evitar-se iniciar qualquer actividade e em 2023 eles ocorrem no dia 8 de Fevereiro, o do Galo, e seis dias depois, 14 de Fevereiro o dia de Coelho. Também entre as 5 e as 7 horas da manhã (Coelho) ou 17 e 19 horas da tarde (Galo) são períodos a evitar tomar decisões.

Para o ano de Água Coelho, os nativos de Macaco e Cabra estarão no topo da boa sorte, sendo os melhores colocados no Zodíaco. Os nativos de Cão e Tigre estão propensos a saltitar por entre namoricos. Já os nativos de Búfalo e Serpente não contarão com a ajuda de boas estrelas da sorte. Os nativos de Porco, se fugirem para fora do habitual e fizerem algo que normalmente não realizam terão surpresas e sucesso.

Macau está em Fan Tai Soi, pois renasceu no ano do Coelho em 20 de Dezembro de 1999, e o seu bazi não gosta nada de Água, como ocorreu em 2022 com forte Água (yang), sendo o de 2023 Água yin, o que leva a que este ano tudo seja menos complicado, mas falta-lhe Fogo, para conseguir recuperar os níveis que anteriormente alcançou. Tal só ocorrerá em pleno no ano de 2026, Bingwu (丙午), cujo ramo terreste é Wu (午), cavalo, Elemento fogo yang e direcção Sul e caule celeste Bing(丙) Fogo yang, com a direcção Sul.

PI SHI, DEUS DO ANO

O Deus do Ano (Tai Sui, em cantonense Tai Soi) de 2023 é o Grande General Pi Shi, reconhecido por acções militares heróicas e administrar com justiça o território a si confiado, no entanto, no fim da vida desgraçou-se devido ao consumo de muito vinho, sendo açoitado com vara de bétula após constantes bebedeiras.

Pi Shi nasceu com o nome Pi Xi em Yu Yang (hoje arredores de Tianjin) na dinastia Wei do Norte (386-534) filho do General Pi Bao Zi, que logo com tenra idade o colocou a praticar artes marciais, onde ganhou competências tácticas e ampla visão estratégica. Daí a facilidade com que foi promovido a general, atribuindo-lhe o Imperador Wen Cheng Di (Gaozong, cujo nome próprio era Tuoba Jun, 452-465) o mais alto grau da carreira militar. Vivia-se uma época muito turbulenta, com constantes mudanças políticas e sociais e a dinastia Wei do Norte procurava unificar o Norte da China e terminar com o caótico período dos Dezasseis Reinos.

Pi Xi era um guerreiro muito competente e conseguiu impressionantes vitórias nas batalhas que travou. Conteve a invasão da tribo estrangeira Tuyuhun à região que representa hoje a prefeitura de Wuwei na província de Gansu e consolidou as fronteiras. Ao ganhar esse conflito, o Imperador colocou-o à frente da guarnição de Cinco Zhou (Cinco Estados). Como era justo e um bom organizador, os locais ficaram muito contentes e agradecidos pelo seu excelente trabalho, contribuindo para dar dignidade à carreira militar. Assim, conquistou um forte apoio das populações locais, sendo glorificado ainda em vida por todo o seu percurso meritório.

Uma das suas maiores proezas ocorreu em Novembro do ano 477 na área de Chouchi [onde se situava o antigo Reino de Chouchi (c.184-371), hoje a prefeitura de Cheng (Cheng Xian) em Gansu] quando o então Imperador Xiao Wen Di (471-499), na Era Taihe (477-499) o enviou para aí combater uma rebelião chefiada por Yang Wen Du. No mês seguinte dominou a revolta e após capturar o líder, cortou-lhe a cabeça e enviou-a para a capital Datong.

Devido a tal sucesso, foi colocado a governar em vários outros locais, mas em Yuzhou acabou por cair em desgraça, sendo uma das principais razões beber de mais. Foi punido com açoites, os seus títulos retirados e acabou por ser demitido.

Por volta do ano 484, Pi Xi passou desta vida já com uma idade avançada, mas manteve a reputação de herói. As suas contribuições nunca foram esquecidas e, após a sua morte, recuperou a honra e o bom nome e o governo restitui-lhe a sua posição como Grande General, oferecendo-lhe o título de Gonggong pelos grandes serviços prestados ao Reino Wei do Norte.

O dia de ir ao templo oferecer sacrifícios ao Deus do Ano General Pi Shi é o oitavo da primeira Lua, que ocorre a 29 de Janeiro de 2023.

25 Jan 2023

Primeira expedição marítima de Zheng He (IV)

Com a queda da dinastia Song do Sul (1127-1279) e a ocupação da China pela dinastia Yuan (1271-1368), os mongóis estabeleceram um grande império a atravessar o continente asiático até ao Médio Oriente, dominando a Ásia Central e parte da Índia. Devido à Pax Mongolorum ficavam assim desimpedidos os caminhos comerciais terrestres e, como eram um povo das estepes, sem ligação ao mar, apesar de ensaiarem uma expansão marítima, com tentativas frustradas de conquistar o Japão em 1274 e 1281, entregaram a administração dos seus portos com os respectivos juncos a oficiais estrangeiros, sobretudo mercadores árabes a viverem na China há já algumas gerações.

Quando a dinastia Ming chegou ao trono em 1368, os juncos foram proibidos de se fazer ao mar e sair do país e passaram até 1398 a navegar apenas no Grande Canal e por os rios da China. Os caminhos terrestres para Ocidente continuaram controlados pelos mongóis, sendo as costas do Sudeste Asiático percorridas por barcos de mercadores indianos do Gujerate, sobretudo do porto de Cambaia, alguns da península Arábica, de Java, dos arquipélagos da Malásia e das Filipinas, existindo uns quantos mercadores chineses desrespeitadores das leis do país, logo piratas, a manter contactos com as comunidades ultramarinas.

Em 1403, uma armada chinesa comandada pelo Almirante Yin Ching aportava em Malaca, encontrando aí barcos de comerciantes do Índico a fazer negócio. Com uma posição geográfica privilegiada, Malaca começava a dar os primeiros passos para se afirmar como um novo território. O então hindu príncipe Parameswara em 1390 fora coroado Maharaja de Palembang, mas tentando tornar o reino independente logo uma expedição de Java o atacou, obrigando-o a fugir de barco para a península da Malásia, onde havia duas forças em conflito, o Sião e Majapahit. Parameswara pouco depois de chegar à península matou o governante siamês em Tanma-hsi e colocou-se como Rei.

Após um ataque dos Tai, em 1398 partia para Malaca, então ainda uma aldeia piscatória onde se estabeleceu. Aí tentava formar um reino, mas devido à sua inexperiência, era constantemente substituído pelos vizinhos Tai, do reino do Sião. Este o cenário encontrado pelo Almirante Yin Ching em 1403 e, por isso, dois anos depois, Zheng He na sua primeira viagem em vez de ir a Malaca seguiu para o reino do Sião.

PARTIDA DO PORTO DE LIUJIA

A Noroeste da cidade de Nanjing, pelas águas do Rio Jia saíram dos estaleiros de Longjiang muitos dos juncos que, seguindo pelo Yangtzé, navegaram até ao porto de Liujia em Taicang, prefeitura de Suzhou na província de Jiangsu, para se reunirem aos muitos barcos aí já ancorados que os esperavam. Na cidade de Taicang (太仓) existia a povoação Liuhe (浏河) onde no Palácio de Tian Fei, um dos quatro maiores templos a Mazu na dinastia Yuan, Zheng He foi pedir à deusa protecção para a viagem, como era tradição dos mareantes.

Em Taicang foram recrutados um grande número de experientes marinheiros, pois durante a dinastia Yuan fora um dos principais portos da China de onde era o arroz transportado via marítima para chegar à capital Dadu (Beijing), devido à dificuldade do trajecto por o Grande Canal. No porto de Liujia, na povoação Liuhe, nos baochuan foram embarcadas mais de um milhão de toneladas de mercadorias, preciosos e delicados produtos como tecidos de seda, porcelana, chá e moedas de cobre, para trocas e prendas aos soberanos dos reinos a visitar.

No porto de Liujia (刘家港), parte da armada aguardava no estuário do Rio Yangtzé, onde não faltavam já dezenas de juncos, com sete mastros e 28 zhang de comprimento e doze de largura, uns preparados com cisternas para água potável, outros para o transporte de mantimentos, animais vivos para consumo durante a viagem e a servirem de hortas para produzir vegetais, como soja, excelente em vitaminas e contra o escorbuto.

A partida ocorreu no dia 15 da sexta lua do terceiro ano do reinado do Imperador Yongle (11 de Julho de 1405).
O Almirante chefe da armada Zheng He ia instalado no maior dos baochuan e ao seu redor barcos mais pequenos de 24 e 18 zhang com seis e cinco mastros para transporte de tropas e de combate, com uma grande mobilidade, usando ainda uma arma do tempo da dinastia Sui, a “lança explosiva”. Seguiram até Wuhumen, em Fujian, onde foram feitos os últimos preparativos e se juntaram à armada muitos juncos provenientes de vários portos chineses de Zhejiang, Fujian e Guangdong.

Reunida toda a frota em Humen, província de Guangdong, em Dezembro de 1405 a armada avançou ao longo da costa pelo Mar do Sul da China, tendo o Almirante Zheng He a coadjuvá-lo como vice-comandante Wang Jinghong, entre outros Grandes Eunucos. A tripulação totalizava 27.800 homens distribuídos por 62 grandes e médios juncos, os barcos do Tesouro e 255 embarcações mais pequenas, seguindo muitos oficiais, astrónomos, intérpretes, geomantes, milhares de marinheiros e soldados, assim como cronistas, médicos, comerciantes e outro pessoal.

PORTOS VISITADOS

Pelo Mar do Sul da China atingiram na última semana do ano de 1405 a cidade de Qui Nhon, no reino de Champa (hoje parte da costa do Vietname), e avançando para Sudoeste chegaram devido ao bom vento três dias depois a Zhenla, para retribuir a visita diplomática da embaixada daí enviada durante o reinado do Imperador Hongwu.

Seguiram para Surabaya, em Java, onde intervêm num problema de sucessão do trono, mas foram apanhados no meio do conflito local. Mais de cem dos seus homens morreram e quando todos pediam ao Almirante Zheng He para serem tomadas medidas militares, este declinou e preferiu aceitar as desculpas dos nativos.

Partiram para Palembang, na ilha de Sumatra e a caminho do Sião (XianLo, Tailândia) a armada foi apanhada por uma terrível tempestade. Nesse momento de aflição apareceu a Zheng He a protectora deusa Tian Fei que evitou uma tragédia.

Após o Sião, atravessando o estreito de Malaca foram pelo Sul das ilhas de Nicobar até ao Sri Lanka, onde a Sudoeste aportaram em Beruwala. Depois seguiram para Cochim (Kezhi) e chegaram a Calicute (Guli), um dos importantes portos do Oceano Índico de especiarias e têxteis, onde foi deixada uma estela e uma embaixada embarcou para visitar a China.

A armada no regresso encontrou-se em 1407 com uma frota de navios piratas, que controlava a navegação no mar do Sudeste da Ásia e aterrorizava a população de Palembang, em Sumatra, onde existia uma grande comunidade da diáspora chinesa. Após derrotá-los no Estreito de Malaca, trouxe o chefe cantonense Chen Zhuyi e os sobreviventes do bando para serem executados em Nanjing, granjeando-lhe assim uma imensa simpatia e o estreitamento das relações com os países e reinos da região, por deixar esse mar livre de pirataria. Em Palembang embarcou também uma embaixada para a China, que regressaria na 2.ª viagem.

A primeira expedição marítima de Zheng He chegou a Nanjing no segundo dia do nono mês lunar do quinto ano do reinado do Imperador Yongle (2 de Outubro de 1407).

13 Jan 2023

Nanjing e o estaleiro dos barcos do Tesouro

Actual capital da província de Jiangsu, Nanjing de 1386 a 1421 foi capital da dinastia Ming e era a maior cidade comercial do Celeste Império, contando com uma população de 1 milhão de pessoas. De barco chegámos após navegar pelo Changjiang (Rio Longo, mais conhecido por Yangtzé) e trazíamos como objectivo visitar os lugares ligados a Zheng He e procurar os estaleiros onde foram construídos os juncos do Tesouro das expedições marítimas ao Oceano Índico ocorridas entre 1405 e 1433.

Em meados dos anos 90 do século XX, percorrendo a pé a zona Noroeste de Nanjing, junto ao Changjiang, entrando numa área muito degradada de casas de tijolo em ruínas fomos encontrar um local onde num ramal de água uns quantos barcos ancorados serviam de casas de habitação. Hoje sabemos ali ter havido uma doca ligada aos estaleiros que produziram juncos para as viagens marítimas de Zheng He. Em fundo, olhando para nascente estava a ponte de Nanjing com 1,5 km de extensão sobre o Rio Yangtzé, construção em ferro do ano de 1968 com dois tabuleiros, o superior para carros e o de baixo para os comboios.

O príncipe de Yan, Zhu Di escolheu Ma He em 1390 para trabalhar com ele e em 1402, quando ocupou o trono da dinastia Ming como Imperador Yongle (1402-24), trouxe-o para a capital, promovendo-o a chefe dos eunucos, entregando-lhe a gestão dos assuntos gerais do palácio imperial. Ma He (1371-1433) em Nanjing tinha a sua residência, local de trabalho e centro de logística para armazenar os utensílios destinados à armada na Rua Mafujie (Maliujia), espaço com 74 salas a ocupar 2,4 hectares, existente ainda no reinado do sétimo Imperador Qing Xianfeng (1851-1861).

Ardeu durante a Revolta Taiping, quando em Março de 1853 o exército Taiping entrou em Nanjing e matando todos os manchus fez da cidade, com o nome de Tianjing, a capital do Grande Reino da Paz Celestial. Para comemorar o 580º Aniversário da primeira viagem marítima de Zheng He, o Governo Municipal de Nanjing em 1985 ordenou a construção do Parque Zheng He, ampliado vinte anos depois. Hoje, situado no distrito Qin Huai, na Rua Taiping nan encontra-se a Praça Zheng He onde está uma das estátuas do Admirável Almirante e por trás, o Jardim com o nome desse grande navegador.

Como o geomante Yuan Gong muito tempo antes tinha prognosticado que aos quarenta anos Zhu Di subiria ao trono da China, agora como Imperador Yongle questionava o filho deste, o oficial civil Yuan Zhong Che se Ma He seria a pessoa indicada para levar avante a empresa de liderar uma expedição ao Mar do Oeste. Com resposta afirmativa, o Imperador em 1404 mudou o nome de Ma He para Zheng He e designou-o Almirante da Armada, então já em preparação.

Estaleiros da dinastia Ming

Muitos dos juncos para essa armada foram construídos no estaleiro situado a Noroeste de Nanjing, na zona de San Che He, compreendida entre as aldeias de Zhong Bao e Shang Bao, ao longo do Changjiang onde existiam sete longas docas secas (zuo tang) dispostas paralelamente na direcção Nordeste a fazerem um ângulo de 62°. Segundo alguns investigadores, nessa área estariam dois diferentes estaleiros de épocas distintas, o Longjiang feito no reinado do Imperador Hongwu e o do Tesouro construído no terceiro ano do reinado de Yongle, mas há quem contraponha ser de data anterior e 1405 corresponder apenas ao nome dado, baochuan chang.

Ocupando uma área de mil mu (666.700 m²) no recinto do estaleiro viviam cerca de 20 mil pessoas e para nele entrar os empregados tinham de mostrar um dístico específico, bilhete de identidade onde constava o posto que ocupavam. Aí existiam os departamentos administrativos, locais para os trabalhadores, com centenas de casas para morarem, mercado e também armazéns. Laborava-se dia e noite e havia capacidade para construir simultaneamente mais de uma centena de barcos. Aqui o Imperador Yongle ordenou fazer ou reparar 2787 juncos.

O livro da dinastia Ming, Longjiang Chuan Chang Zhi 《龙江船廠志》 refere a organização do trabalho nos estaleiros, onde entre as docas havia sete grandes locais para específicos trabalhos, como o de criar e escolher os modelos dos juncos, realizar os cálculos para as diferentes partes dos barcos, o ligado à metalurgia, fazerem-se cabos e cordas e as velas. No departamento dedicado às madeiras existiam várias secções: numa eram armazenadas, marcando-se as proveniências com algarismos a servir também para indicar a qual parte da embarcação eram destinadas. Existiam mais treze pequenos locais para outros propósitos. Tudo ficava registado e quando havia necessidade de se fazer alguma reparação era fácil localizar o material para substituir e a quem se deveria responsabilizar, tal como se prevenia comportamentos de corrupção.

Usando o modelo do junco de Fujian, o Fuchuan, com o casco em V, realizando algumas transformações criou-se entre outros o barco do Tesouro, baochuan com mais de 120 metros de comprimento, 50 metros de largura e nove mastros, que deslocava 8 mil toneladas.

A meio do estaleiro, entre a primeira e a quarta doca estava o templo a Tian Fei, chamado pelos locais Niang Niang Miao e quando um junco ficava pronto realizava-se uma cerimónia onde a deusa era convidada a percorrer o interior da embarcação, havendo nos barcos um local especial para o altar. Inundada a doca com a água do Rio Jia saia o junco a navegar para entrar no Yangtzé.

Parque Baochuan

Em 2014 voltámos a Nanjing à procura dos Estaleiros do Tesouro (Baochuan chang), situados fora da muralha da cidade e trazíamos agora a localização, pois os trabalhos arqueológicos iniciados em 2003 estavam já realizados em Setembro de 2004, tendo sido aberto no ano seguinte o Parque Baochuan como atracção turística e museu. Apenas uma doca dos estaleiros fora estudada pois o local das restantes seis tinha sido ocupado por edifícios de habitação devido à expansão da cidade.

A doca número 6 tinha 421 metros de comprimento e 41 de largura, havendo nela 3,5 metros de altura de lodo de onde foram retirados 1500 artefactos, sobretudo madeiras, algumas pintadas, pregos e cerâmica. Muito se questionou sobre as dimensões dos barcos do Tesouro, que segundo o livro Ming Shi 《明史》《明史列传第一百九十二宦官二》 o baochuan contava com 44 zhang de comprimento e 18 de largura. Mas Ma Huan (马欢), que como tradutor viajou na armada de Zheng He, refere ter o maior baochuan 44,4 zhang e de largura 18 zhang, enquanto o de tamanho médio contava com 37 zhang de comprimento e 15 de largura. Se 1 zhang corresponde a 3,333 metros então esta doca não tinha largura suficiente para a construção do baochuan maior e daí as dúvidas de muitos investigadores do real tamanho do barco, algo inacreditável.

Deste estaleiro saiu parte dos navios da armada e os baochuan feitos com madeiras preciosas, onde seguiria o Almirante Zheng He e transportava os exóticos produtos chineses para trocar por os de grande valor, como âmbar-cinzento, especiarias, pedras preciosas e outros tesouros, sendo daí o nome do maior junco da armada.

2 Jan 2023

As 7 viagens oceânicas de Zheng He (parte I)

No dia 11 de Julho de 2005 foi pela primeira vez comemorado na China o Dia do Mar, data a assinalar os 600 anos do início da primeira viagem marítima de Zheng He. Na altura esteve patente no Museu Marítimo de Macau uma exposição com o título “Rumo a Ocidente – As viagens de Zheng He”, onde se pôde ver, para além de vários modelos de juncos, os itinerários dessas viagens e conhecer o grande contributo das invenções chinesas na História marítima da navegação. Sem nos dar os antecedentes das sete viagens marítimas comandadas pelo Almirante Zheng He, permitiu-nos viajar com o que sobrara da História dessa grande aventura realizada entre 1405 e 1433. Aos trinta países e regiões, chegou uma imensa armada sempre com mais de 200 barcos, onde constava o baochuan, conhecido como o barco do Tesouro, com o propósito de desenvolver a influência da dinastia Ming e estreitar relações através da troca de produtos luxuosos: lacas, sedas, chá e porcelana.
Era o culminar de muitos séculos de experiência de navegação, pois já no ano de 97 uma delegação chefiada por Gan Ying chegara a um porto do Golfo Pérsico. No século XII, os juncos tinham capacidade para viajar cinco mil milhas náuticas sem aportar e navegar sem costa à vista, não necessitando de parar no Sri Lanka quando se dirigiam para o Mar Arábico. Nos finais de Novembro partiam da China e em quarenta dias chegavam a Sumatra (actual Indonésia) com a ajuda dos ventos. Aí esperavam até à Primavera do ano seguinte para, de novo com a ajuda dos ventos, atingir o Golfo Pérsico em sessenta dias, e à China regressavam em Maio/Junho. Quando se dirigiam às costas do Malabar usavam o porto indiano de Quilon, dominado na altura por mercadores chineses. Ainda hoje disseminada na costa indiana encontra-se um sistema de pesca chinês, a rede de abater, redes quadrangulares que se levantam facilmente por um sistema de alavanca feito de bambus e cordas. Nas “Cartas Náuticas de Zheng He” ficaram registadas 56 rotas distintas, indicadas com os cursos das viagens e suas durações, bem como as localizações de ilhas, rios, portos, profundidades dos cursos de água, bancos de areia, recifes e outros obstáculos encontrados, para facilitar a navegação às embarcações de diferentes calados.
Poucos anos tinham passado desde o regresso da última expedição ao Oceano Índico da Armada do Tesouro, comandada pelo Almirante Zheng He, quando foi destruída a documentação oficial de todas essas sete viagens marítimas. Estava-se nas primeiras décadas do século XV e a China afastou-se do mar, sendo Malaca o porto mais longínquo onde iam os comerciantes chineses.

Trabalho de campo

A Rota da Seda, designação dada aos inúmeros caminhos para Oeste a atravessar montanhas e desertos para ligar Impérios tão distantes como o da China e o Romano, foi pela primeira vez referida em 1875 por o geógrafo Ferdinand von Richtofen. Má escolha de nome, pois muitas vezes não era a seda o produto mais importante transportado e daí a porcelana e o chá lhe tomariam a denominação. Os caminhos terrestres dividiam-se em dois percursos: os caminhos do Oeste, por desertos, estepes e montanhas; e os do Sudoeste, por montanhas e rios. Mas existiu também a Rota Marítima da Seda, pelos mares e oceanos que, pela segurança da navegação, após apreendido o mar e apesar dos piratas, foi sempre um caminho aberto ao longo dos séculos, sobretudo ganhando importância quando os caminhos terrestres se fechavam.
Até iniciar as minhas investigações sobre a seda em 1991, pouco ou nada se ouvira sobre essas Rotas e desde então tenho vindo a percorrê-las e a estudá-las, tanto em livros, como nos locais de produção dessas mercadorias e portos para onde eram levadas. Pouco estudados estavam os barcos, tal como as mercadorias transportadas e as rotas que seguiam, sendo diminuto o material disponível nos museus até então visitados. A maioria dos barcos repousa ainda no fundo dos mares, guardando um mundo de conhecimentos e cobertos por séculos de sedimentos. No Museu Marítimo de Macau, aliada à História das embarcações chinesas, encontrava-se explicada a viagem marítima dos portugueses, iniciada na mesma altura em que a China da dinastia Ming se retirava dos mares.
Só nos princípios do século XX apareceu a primeira tese sobre as viagens de Zheng He, escrita por Liang Qichao, abrindo assim à memória um capítulo da História chinesa esquecida por mais de quatro séculos. Em trabalho de campo foram descobertas populações ligadas de alguma maneira ao Almirante Zheng He, como os seus familiares de Yunnan, os guardiões do seu túmulo numa aldeia do clã Zheng, próximo de Nanjing, ou os habitantes de uma ilha no Quénia que acreditam ser descendentes dos marinheiros chineses. Outros registos históricos ganharam luz, como as estelas espalhadas tanto na China, como em Malaca, na actual Malásia, em Galle, no Sri Lanka, e em Calicute, na Índia, tal como os azulejos da sinagoga de Cochim, ou os restos de cerâmica chinesa, datada daquele período, encontrada pela costa oriental de África. Eram estes até 2003 os documentos à disposição dos investigadores, a permitir ter a esperança de um dia conseguir-se reconstituir estas viagens com mais precisão.
Quando em 2005 se preparavam as comemorações para os 600 anos das sete viagens marítimas de Zheng He tinha já falado com historiadores de alguns desses portos visitados e elaborado o percurso dessas expedições marítimas, algo até então indisponível em livro. Daí ter escrito para a Revista Macau um artigo sobre o tema, com o título “As 7 viagens oceânicas de Zheng He” que, apesar de estar já paginado, não foi publicado pois, segundo o editor, faltavam as fontes. Assim, o meu artigo passou para outras mãos e, caricatamente, foi escrito por quem pouco percebia do assunto. Usando algumas das minhas fotografias e os resumos das expedições colocados no mapa dessas viagens, foram as fontes validadas por historiadores questionados ao telefone para confirmar se podia ser verdade o que eu referira, tendo sido publicado em Junho de 2006 o artigo “Zheng He o explorador chinês”.
Desde então visitei muitos dos portos chineses ligados à Rota Marítima da Seda, assim como muito mais informações têm vindo a ser conhecidas e trabalhadas por historiadores. Por isso pretendo desenvolver esta História nas páginas deste jornal.

26 Nov 2022

Estudos de Macau – Fábricas de vinho liu-pun

Com licença especial emitida pela repartição da Fazenda Pública, a 15 de Julho de 1892, recomeçou a venda, fabrico e importação de vinho liu-pun em Macau, na Taipa e em Coloane, mas apenas para quem obtivera licença para esse fim.
Antes de 1892, na colónia de Macau existiam mais de dez fábricas de produção de vinho, mas com o novo exclusivo de liu-pun, celebrado em Abril desse ano, estas contam-se pelo número de licenças passadas. Assim, para o período de três meses, entre 31 de Julho e 15 de Outubro de 1892, fica-se a saber existirem catorze licenças para o fabrico de liu-pun em Macau, quatro na Taipa e sete em Coloane. No semestre seguinte, até 14 de Abril de 1893, era menos uma licença para o fabrico de vinho em Macau e nas ilhas mantinham-se as existentes.
No ano de 1896, havia em Macau apenas duas fábricas de liu-pun com sete trabalhadores. O tema do vinho liu-pun desapareceu dos jornais e do Boletin Oficial, onde os assuntos focavam outros e novos monopólios de géneros comerciais, assinalando O Echo Macaense os impostos que as mercadorias pagavam em Macau.
Assim, este jornal a 18 de Julho de 1894 referia: “Quando a peste negra recrudesceu em Hongkong, e se acentuou o êxodo dos chineses, espalhou-se o boato de que algumas firmas chinesas, conhecidas como casas de consignação, tencionavam mudar-se para Macau, e seria uma fortuna se assim acontecesse. Infelizmente, além das desvantagens do porto, antolhou-se logo outro estorvo grande, que há muito tempo tem sido apontado como um sério obstáculo ao desenvolvimento do comércio e da navegação do porto de Macau, a saber, o imposto de tonelagem. Já em relatórios oficiais se tem chamado a atenção do governo da metrópole sobre a inconveniência de manter esse imposto em 50 réis por tonelada, que pelo câmbio actual equivale a 7 avos e 8 milésimos de pataca, enquanto em Hongkong esse mesmo imposto não passa de um avo e em Singapura de dois avos. Não mereceu o assunto consideração alguma da parte do governo da metrópole, e os vapores de Hainan e da costa d’ Oeste que traziam a Macau vários produtos para daqui serem distribuídos para os portos do interior, continuam a fugir do nosso porto, preferindo fazer as descargas em Hongkong, donde vem depois no vapor de carreira esses géneros, que constituem a exportação de Macau para os portos chineses. Por este sistema, o governo não lucra nada com esse imposto, ao mesmo tempo que Macau se vê na necessidade de tornar-se cada vez mais dependente de Hongkong, do qual é hoje apenas um porto sucursal, porque daí procedem todos os géneros comerciais, que não podem vir directamente a Macau, tanto pelo mau estado do porto, como pela taxa proibitiva do imposto de tonelagem.”
Mas não era apenas esse imposto! Num texto do mesmo jornal de 1 de Agosto de 1894 assinala-se: “Estipulado no artigo 4.º da convenção de Beijing, os produtos chineses que tiverem já pago os direito aduaneiros e a taxa likin antes de entrar em Macau ficariam isentos de pagar novamente aqueles impostos quando reexportados para os portos chineses, ficando somente sujeitos ao pagamento da taxa denominada Siao-hao. No entanto, em Macau são de novo onerados com a taxa likin ao serem reexportados para os portos chineses.”
Daí o grande decréscimo da actividade industrial e comercial em Macau, onde em 1910 continuavam a existir apenas duas fábricas de produção de vinho, tendo aumentado o número de trabalhadores para 27.

AUMENTO DE PRODUÇÃO

Em 1922, existiam 43 fábricas de vinho liu-pun, três firmas a vendê-lo por grosso, 59 de importação e exportação e 98 de venda a retalho. Havia ainda oito firmas de vinho europeu. Registado pela metrópole em 1926, existiam em Macau 17 destilatórios com produção anual de 600 mil patacas.
Beatriz Basto da Silva, citando Jaime do Inso, refere no ano de 1929 Macau ter 54 fábricas de vinho chinês (destilação de arroz a que se juntam infusões conforme o paladar ou o efeito, até medicinal, pretendido).
As autoridades, no início de Fevereiro de 1929, souberam que, sob falsas declarações prestadas por alguns exportadores de vinho chinês liu-pun, a maior parte do álcool importado para fabrico do mesmo vinho era reexportado sem sofrer alterações; o Governo da Colónia necessitando de pôr cobro a semelhante abuso a fim de evitar os inconvenientes que resultam, quer para a fiscalização quer para os serviços estatísticos, só pode obviar aos inconvenientes apontados, sujeitando as exportações do vinho chinês liu-pun e do álcool à fiscalização do Estado, tendo em consideração o que foi exposto pelo Inspector dos Impostos de Consumo.
O Conselho do Governo aprovou e o Governador interino da Colónia de Macau, usando da competência que lhe confere o n.º 7.º do artigo 70.º da Carta Orgânica, determinava: “Artigo 1.º Os exportadores do vinho chinês liu-pun e do álcool ficam obrigados a declarar na Inspecção dos Impostos de Consumo, antes de efectuarem qualquer exportação dos artigos indicados a data em que se realizará a exportação, a espécie do artigo a exportar, o seu meio de transporte, o seu peso bruto e o seu valor em moeda local. Artigo 2.º A Inspecção dos Impostos de Consumo passará a competente licença de exportação para cada espécie de artigo a exportar se entender que essa licença pode ser imediatamente concedida, tendo a bona fide do exportador. Artigo 3.º Sempre que a Inspecção dos Impostos de Consumo tenha dúvidas sobre a legitimidade da declaração prestada pelo exportador poderá suspender a concessão da competente licença para proceder às necessárias averiguações. Artigo 4.º Qualquer exportador que transgrida as disposições deste diploma será punido com a multa de $10 a $50. § único: Em caso de reincidência será punido com a multa correspondente ao décuplo da importância paga pela transgressão anterior. Macau, 6 de Abril de 1929, o Governador interino João Pereira Magalhães.” Diploma novamente publicado para corrigir o que saíra incorrecto a 2 de Fevereiro e assinado por o Governador Artur Tamagnini de Sousa Barbosa.
Em 1932, a indústria de vinho chinês liu-pun classificava-se em décimo lugar na escala da produção ($250.000,00), sendo exercida por mais de cinquenta fábricas das quais cinco estabelecidas na Taipa e outras cinco em Coloane. Quanto aos importadores e exportadores de vinho chinês eram dezanove, encontrando-se doze na Rua Almirante Sérgio. A exportação fazia-se por intermédio de Hong Kong para Singapura, Penang, Califórnia e ainda para os territórios limítrofes. No entanto, esta indústria ia decrescendo de importância pois os chineses começaram a adoptar o uso de bebidas espirituosas estrangeiras, sobretudo whisky e brandy, que os comerciantes ingleses tinham conseguido introduzir no grande mercado da China.
Apesar de todas as contingências, em 1932, os industriais de Macau mantinham a sua produção, embora um tanto reduzida pela enorme concorrência de fabricantes, alguns dos quais iam empregando álcool de açúcar no seu fabrico, o que, no dizer dos entendidos, lhe tirava a genuinidade.

12 Out 2022

Espécies de vinho liu-pun

No Boletim Official do Governo da Província de Macau e Timor de 4 de Março de 1893, o inspector da fazenda apresenta o número de licenças e respectiva cobrança para negócio de Liu-pun em Macau, na Taipa e Colovane em relação ao período decorrido de 15 de Janeiro a 14 de Abril de 1893. Em Macau existiam 24 licenças para importação do Liu-pun que renderam à fazenda 345,000; para o fabrico de vinho 13 licenças pagaram 260,000; para a venda por grosso 41 renderam 501,500 e venda a retalho 136 licenças pagaram 669,500. Só na península de Macau a fazenda arrecadou em três meses um total de 1.776,000 patacas. Quanto à Taipa e Colovane não foram emitidas licenças para importação de vinho e as 11 licenças para o fabrico renderam à fazenda 87,500; as 21 licenças para venda por grosso 107,500 e na venda a retalho 7 pagaram 21,000, perfazendo em três meses um total de rendimento de 216,000 patacas.

No resumo comparativo deste mapa com os publicados nos Boletins Oficiais n.º 31 e n.º 46 da série de 1892, o número de licenças concedidas para o trimestre de 31 de Julho a 15 de Outubro de 1892 foi de 229, sendo 246 nos três meses seguintes, de 31 de Outubro de 1892 a 15 de Janeiro de 1893, e 253 de 31 de Janeiro a 15 de Abril de 1893, logo mais 24 licenças que desde o início. Enquanto a importância cobrada até 31 de Julho de 1892 com relação a três meses que findou em 15 de Outubro foi de $1,640,000, no trimestre seguinte para o período que acabou a 15-1-1893 foi de $1,888,500 e $1,992,000 até 15-4-1893, logo mais $353,000 que o previsto no início. O valor anual do imposto calculado a 31-7-1892 era de $6,560,000, a 31-10-1892 de $7,554,000 e para 31 de Janeiro a 15 de Abril de 1893 de $7,600,000, logo mais $1040,000 do que o estimado a 31 de Julho de 1892.

O Echo Macaense refere a 17-10-1893: “a câmara municipal ainda quer lançar 17% sobre o imposto do vinho liu-pun, sem se lembrar que este vinho é género alimentício de primeira necessidade, e que para implantar esse imposto o governo viu-se em embaraços de que não convém suscitar a recordação.”

A 5 de Março de 1894 na repartição de Fazenda se procederá, perante o inspector de fazenda Arthur Tamagnini Barbosa, à venda, em hasta pública, de 168 bules de vinho liu-pun das espécies: Ung-ka-pi 84 bules, Mui-kuai-lu 36 bules e o mesmo número de Si-kuoc-kung e 12 bules de In-ch’an-lu, apreendidos em harmonia com as instrucções para a arrecadação e fiscalização do imposto sobre o dito vinho em Macau, Taipa e Colovane de 16 de Julho de 1892.

O imposto indirecto sobre o vinho liu-pun no ano de 1894-95 rendeu à fazenda 7:067.00 patacas e no ano seguinte (1895-96) 6:667.33. Em 1896-97 deu 6:092.00 patacas; 6:595.51 no ano de 1897-98 e em 1898-99 a fazenda recebeu 6:855.58 das licenças; em 1899-1900 foi de 6:738.57; em 1900-01 rendeu 6:606.75; em 1901-02 facturou 6:683.50 e no ano de 1902-03 o valor de 6:457.50 patacas.

Por acórdão do conselho de província de 3 de Maio de 1889 e decreto de 31 de Janeiro de 1895 para as receitas do Leal Senado foi autorizado o Imposto municipal directo de 2% sobre o valor dos exclusivos. Daí relativo ao ano económico de 1895-96 a Câmara recebeu $188,75 do exclusivo da licença da venda de liu-pun, $150 em 1896-97, $120,50 em 1897-98 e $110 em 1898-99 como refere o B.O. de 16-7-1898, valor rectificado para 125,82 patacas no B.O. n.º 51 de 1899.

No B.O. n.º 30 de 1899 o Inspector da Fazenda faz público que no dia 3 de Agosto se procederá à adjudicação em hasta pública, por licitação verbal, do vinho liu-pun abaixo designado: Vinho de limão 2 boiões, 4 de vinho de abrunho, 1 de vinho de pera, 20 boiões de vinho de gramma, 21 de arroz preto e 4 de arroz branco; 28 potes de vinho de Ung-ka-pi e 6 garrafas de vinho medicinal. Nesse mesmo ano, o inspector da fazenda Arthur Tamagnini Barbosa publica o anúncio da arrematação a 23 de Novembro de 1440 boiões de liu-pun e a amostra desse vinho estaria patente na casernaria da fazenda. Mais 104 boiões de vinho liu-pun vão em hasta pública à adjudicação a 26 de Dezembro de 1899.

Nova legislação

O vinho liu-pun passou nas duas primeiras décadas do século XX sem referência no B.O. e apenas aparece em 1913 o convite aos proprietários das casas de venda por grosso e fabrico de vinhos chineses para comparecerem a uma reunião a 1 de Abril na Procuratura Administrativa dos negócios sínicos.

No diploma legislativo n.º 55 de 24 de Outubro de 1923 a Fazenda lançava um imposto adicional de 5% sobre a contribuição predial e licenças comerciais e industriais cobradas para pagar o seguro feito por o Tesouro Provincial contra incêndio dos bens móveis e imóveis da Colónia.

No B.O. de 22-11-1924 aparece aprovado o diploma provincial n.º 50 onde estão fixadas as taxas das licenças para o vinho liu-pun em Macau, Taipa e Coloane, estabelecidas pelo disposto no artigo 3.º do regulamento aprovado pela portaria provincial n.º 102 de 16 de Junho de 1892. Passam a ser: Em Macau, as taxas das licenças para fabricar, importar e exportar ou vender por grosso são de 100,00 patacas e para venda a retalho de 60,00. Na Taipa, fábrica, importação e exportação ou venda por grosso pagam 60,00 e venda a retalho 36,00. Sobre essas taxas continua incidindo o adicional de 5%, estabelecido pelas disposições do artigo 10.º do diploma legislativo n.º 55 de 24-10-1923.

O Diploma legislativo provincial n.º 45, publicado no B.O. de 27-8-1927, aprovava o regulamento para a cobrança do imposto sobre bebidas para Macau e Ilhas, e ao contrário dos vinhos chineses, que não pagavam imposto, por o Artigo 3.º o liu-pun continuava a ter as taxas fixadas no diploma provincial n.º 50 e por portaria provincial n.º 102.

No Boletim Oficial da Colónia de Macau de 29 de Dezembro de 1928 aparece o Diploma legislativo N.º 45 a actualizar o imposto sobre o vinho liu-pun e alterar algumas das disposições do respectivo regulamento. No ano seguinte, nesse diploma é substituído o artigo 3.º, suas alíneas e § único, como refere o Governador Artur Tamagnini de Sousa Barbosa no B.O. de 28-12-1929:

27 Set 2022

Licenças para o Liu pun

Antes da arrematação do exclusivo de liu-pun a 2 de Abril de 1892 era imensa a quantidade desse vinho importado anualmente por Macau, não sendo este só consumido nesta cidade, mas a maior parte era reexportado para Hongkong, como mostra a estatística do capitão do porto publicada no Boletim da Província de 24-4-1890. Aí se refere no ano de 1887 a quantidade exportada para Hongkong foi de 13.234 boiões, que rendeu 11.910,60 patacas.

Segundo O Macaense de 28-4-1892: “Calcula-se pelas estatísticas d’alfândega da Lapa que da China vem anualmente para Macau 132.000 boiões de vinho liu-pun. Dessa enorme quantidade, mais de 100.000 são daqui reexportados, porque os 32.000 boiões restantes e o vinho que é aqui fabricado em mais de dez fábricas, representam 50.000 boiões, que são o máximo da cifra do consumo local.” No entanto o B.O. apresenta os números do 1.º semestre de 1892 referindo ter-se importado 18.795 boiões no valor de 20.674,50 e exportado 6347 boiões no valor de 6.981,70 patacas.

Após celebrado a 6 de Abril de 1892 o novo exclusivo de liu-pun em Macau, ao vinho chinês passou-se a cobrar um imposto de 11 a 20%, o que levou os negociantes chineses da cidade a avisar o governo da colónia para este comércio e muitas outras indústrias poderem derivar para outros pontos, vindo assim a sofrer particularmente os hãos de consignação e as lojas d’arroz que vendem e fabricam o vinho.

O Ofício do Leal Senado datado de 10-5-1892 foi apresentado ao Ministro e Secretário d’ Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar acompanhado por o requerimento dos negociantes chineses a pedir a abolição do exclusivo do Liu-pun e a conservação da franquia do Porto de Macau. O Rei, após tomar conhecimento do ocorrido em Macau devido a uma inexacta compreensão do alcance, moral e financeiro, da imposição sobre o Liu-pun, por autorização telegráfica a 20 de Junho, anuía no projecto elaborado por o inspector de fazenda. Mas já o Governador da Província, alegando o arrematante não ter cumprido com todas as suas obrigações, rescindira a 14 de Junho o referido contrato.

Em anúncio no B.O. de 23 de Junho de 1892 o Governador faz público: A contar de 15 de Julho, a ninguém é permitido vender, fabricar e importar vinho Liu-pun em Macau na Taipa e em Coloane, sem que tenha para esse fim obtido licença especial passada por a repartição da Fazenda Pública. As pessoas que a partir do dia 15 de Julho queiram vender por grosso ou a retalho, fabricar ou importar, vinho Liu-pun, em qualquer das localidades mencionadas, apresentarão as suas declarações em papel selado nesta repartição até ao dia 5 de Julho e no dia seguinte, pela 1 hora da tarde comparecerão na repartição, a fim de, perante a comissão, se lhes designar a taxa que cada um terá de pagar. Sendo por dois anos o prazo máximo por que se concedem as licenças, a taxa poderá ser paga uma só vez, por ano, por semestre ou por trimestre mas sempre adiantadamente. A ninguém mais, além dos licenciados pela forma que aqui se consigna, é permitido importar, fabricar e vender vinho Lui-pun, sob pena da multa de cinquenta patacas e confisco de todo o vinho encontrado no estabelecimento não licenciado.

Em virtude da substituição do exclusivo de liu-pun pelo sistema de licenças, mais de 40 negociantes de arroz e de vinho descontentes com as taxas que se lhes pretendia impor, reuniram-se na noite de 6 de Julho sem prévia licença da autoridade competente e pelas 8 horas foram presos, sendo mais tarde libertados.

No Boletim Oficial do Governo da Província de Macau e Timor de 4-8-1892 aparece a Portaria n.º 107 onde o Governador Custódio Miguel de Borja refere ter tido conhecimento

Regime de licenças

No B.O. de 4-8-1892 aparece o mapa das licenças concedidas entre 31 de Julho a 15 de Outubro para importação, fabrico e venda do vinho Liu-pun em Macau, Taipa e Coloane, em conformidade com o Decreto de 1-10-1891 e as instruções em vigor pela Portaria provincial n.º 102 de 16-7-1892. Assim, em Macau a importância cobrada até 31 de Julho de 1892 com relação a três meses que findavam a 15 de Outubro foi de $1,640,000, sendo 11 o número de licenças para importar Liu-pun, num valor parcial de $600,00; as licenças para o fabrico deste vinho foram 14 que deram $710,00; quanto à venda por grosso havia 43 licenças que renderam $1870,00 e na venda a retalho 122 num valor de $2518,00. Na Taipa, as 4 licenças para o fabrico de Liu-pun pagavam $120,00; para venda por grosso 12 e 8 licenças de venda a retalho, rendendo respectivamente $240,00 e $102,00. Já para Coloane, 7 eram as licenças para o fabrico que pagavam $230; para a venda por grosso 8 pagavam $170,00, mas não fora passada nenhuma licença para a venda a retalho. Assim o total de licenças era de 229 que rendiam anualmente $6560,00.

No B.O. n.º 46 de 17-11-1892 é apresentada por a Repartição de Fazenda de Macau a Nota do número de licenças e respectiva cobrança para negócio de Liu-pun no período de 15-10-1892 a 14-1-1893. Para Macau existiam 22 licenças de importação do vinho Liu-pun que rendiam 315,000; para o fabrico de vinho 13 que pagaram 160,000; para a venda por grosso 42 licenças que renderam à fazenda 500,000 e venda a retalho existiam 131 licenças que pagaram 693,500. A fazenda arrecadou em três meses só na península de Macau, um total de 1.668,500. Já para a Taipa, a única licença de importação rendeu 10,000; para o fabrico 11 licenças no valor de 87,500; para a venda por grosso 21 que pagavam 107,500; e na venda a retalho foram passadas 5 licenças que renderam 15,000, dando no total 220,000.

O número de licenças concedidas até 31-7-1892 e relativas ao período que findou em 15-10-1892 foi de 229, que renderam em três meses $1,640,000. Comparando com as 246 cobradas até 31-10-1892 e relativas ao período que findou em 15-1-1893, foram mais 17 licenças, e renderam $1,888,500, mais $248,500 que no trimestre anterior. O valor anual do imposto calculado a 31-7-1892 foi de $6,560,000 e a 31 de Outubro de $7,554,000, logo mais $994,000. Assim escrevia a Fazenda a 31-10-1892.

19 Set 2022

Causas da greve

“Organizou o governo uma repartição de fazenda provincial, com numeroso pessoal, sendo os seus chefes muito bem remunerados em comparação dos outros funcionários. Há quem diga que estes empregados julgam que pelo facto de receberem eles uns vencimentos por assim dizer excepcionais, devem considerar Macau como colónia destinada à exploração fiscal e nada mais, e por isso tratam de espremer o povo chinês o mais possível. É assim que se explicam as odiosas execuções por dívidas de vinte a trinta avos.

É por isso que se arrombaram com machados as portas das casas do negociante Chou-sin-ip para cobrar direitos de contribuição de registos lançados até sobre lucros do espólio de Chou-on, acumulados por oito anos depois da morte do pai adoptante do executado. É por isso que acabaram com os avaliadores do valor locativo dos prédios para se poder aumentar o imposto predial. É por isso que se criou o exclusivo de liu-pun, e que houve receio de que viessem a criar-se outros exclusivos sobre salitre, enxofre, tabaco, etc.”

Assim explica O Macaense de 22 de Abril de 1892 o antecedente das causas da greve e continua, “Todos estes factos provam o propósito deliberado de uma exploração fiscal indefinida que amedrontou os chineses, e tende a sufocar o comércio, sendo certo que por outro lado nenhuma compensação lhes oferece o governo, e o crescente assoreamento do porto se vai tornando em espectro da morte para a navegação deste porto. Dizem os chineses que a greve é uma manifestação para conter essa exploração que o comércio não pode suportar, e quando não o consigam, então tratarão de abandonar Macau, como centenares deles já fizeram. Eis a explicação da greve.”

Já a 13 de Abril O Macaense falava no zum-zum em forma de boato propalado na cidade – pretenderem os chineses assassinar o Sr. Arthur Tamagnini Barbosa – “foi desmentido pelas averiguações oficiais. Essa ameaça não passou senão de uma balela”.

Intervenção oficiosa

Na reunião do conselho do governo na manhã de 21 de Abril de 1892 saiu um edital do governo para ser publicado no dia seguinte, mas graças ao Visconde de Senna Fernandes e de alguns chineses influentes, a greve terminou logo na manhã do dia 22.

O Macaense a 28 de Abril refere: “Serenou, finalmente, a tempestade, graças à intervenção puramente oficiosa de entidades particulares. Sobre esta intervenção, vimos na portaria provincial, n.º 42 de 25 de Abril de 1892 uma espécie de censura que surpreendeu toda a gente, porque ninguém se convence de que o Sr. Visconde de Senna Fernandes tivesse intervindo na questão, sem estar d’ acordo com S. Exa. o Governador da província. Admira-nos que nessa portaria se dissesse que o governo tolerava essa intervenção oficiosa, quando é sabido que nas greves há sempre intervenção solicitada de terceiros independentes, que procuram conciliar os interessados, servindo-se de medianeiros para pacificar os ânimos.

A 22 de Abril já O Macaense dizia: “Todos os que conhecem a índole dos chineses, sabem que quando eles se coligam, por juramento solene, para fazer ou deixar de fazer uma coisa, quase nunca o quebram.” “Os chineses sobre serem teimosos e persistentes, são fleumáticos.” “Quando os negociantes de peixe desta cidade fizeram greve e disseram que se iam estabelecer na ilha fronteira a Macau, as nossas autoridades riram-se da ameaça; mas eles sempre para lá foram e o comércio de peixe salgado que era tão próspero, não sofreu pouco com isso. Ora eles que se haviam resolvido a não abrir as lojas enquanto se não abolisse o imposto de liu-pun, é claro que o que tinham melhor do seu estava em lugar seguro, e deviam estar dispostos a sofrer as consequências, podendo quando muito ser obrigados a sair de Macau, indo estabelecer-se em outra parte.

O edital do governo não os demoveria decerto do seu propósito, porque eles confiam na união que lhes dá força; e à mínima violência que houvesse, não faltariam de certo espíritos malévolos que promovessem a desordem para fins de rapinagem, ou de vingança. [Reflexão sobre o ocorrido a 21 de Abril na reunião no Hospital.] O meio mais certo e que todos esperavam, era o incêndio. Já vimos como ontem, quando se deu o sinal de incêndio, viram-se obrigados os altos funcionários da colónia a puxar as bombas. Em uma das estâncias de madeira de Patane descobriu-se hoje que muitas traves estavam humedecidas de petróleo. As casas de Lucau e de Ho-lin-vong estavam indigitadas para pasto das chamas. Ora imaginem que arrebenta o incêndio em dois ou três pontos da cidade. Como combatê-lo sem pessoal suficiente?”

Noutra parte do texto o articulista ironiza: . É verdade, não o negamos; era isto muito factível e quase certo, sobretudo se se houvesse publicado o edital segundo as deliberações do conselho do governo; resolveu-se o Sr. Visconde de Senna Fernandes a constituir-se único responsável pelas taxas de liu-pun, por espaço de 6 meses, ficando assim os negociantes de Macau isentos de pagar o imposto durante esse tempo até que o governo de Lisboa resolva a questão. Sendo esta resolução comunicada aos principais lojistas, foi logo por todos aceite, e eles deliberaram terminar a greve, comprometendo-se a abrir as lojas. Este compromisso tomado às 9 horas da noite de ontem [21 de Abril], teve hoje pela manhã o seu inteiro cumprimento, pois às 6 horas estavam todas as lojas abertas.”

“Só Deus sabe até onde chegariam se se prolongasse mais tempo, e se fosse agravada com as medidas violentas que o governo provincial tencionava empregar.”

Louvores

O Governador da colónia, após lhe terem sido apresentados os relatórios acerca dos acontecimentos sucedidos em Macau nos dias 20 e 21 de Abril, em que teve lugar a greve dos comerciantes, no B.O. de 28 de Abril de 1892 louva pelos serviços prestados o comandante geral da guarda policial, coronel António Joaquim Garcia, os oficiais e mais praças sob seu comando; o capitão do porto, capitão de mar-e-guerra Albano Alves Branco, o seu imediato, capitão tenente Wenceslau José de Souza Moraes, o 2.º tenente da armada José António Arantes Pedroso Júnior, os oficiais e mais praças da estação naval sob seu comando, e as praças da polícia marítima; o comandante do 1.º batalhão do regimento d’infantaria do ultramar, major Júlio Luiz Felner, oficiais e praças do seu comando; o administrador da comunidade chinesa, bacharel Bazílio Alberto Vaz Pinto da Veiga, o administrador do concelho Albino António Pacheco, bem como o alferes da guarda policial Adolpho Correia Bettencourt, encarregado de o auxiliar no exercício das suas funções administrativas, e o chefe da repartição do expediente sínico Pedro Nolasco da Silva; louvor pela dedicação, zelo, energia com que executaram e fizeram executar as ordens superiores por ocasião da referida greve dos comerciantes chineses, contribuindo assim eficazmente para a manutenção da ordem e do respeito à lei.

13 Set 2022

Para terminar com a greve

A 13 de Abril de 1892 O Macaense, publicado às quintas-feiras, noticia não haver nenhuma novidade e a cidade continuar a viver em paz, conservando-se os chineses no mais completo sossego, apesar de após a criação do exclusivo de liu-pun correr o receio de aparecerem novos exclusivos, sobre salitre, enxofre, tabaco, etc.. “Consta-nos que a câmara municipal dirigiu ao Sr. Governador um ofício a retransmitir a representação dos chineses” [transcritos nos dois artigos anteriores].

Refere a 22 de Abril O Macaense, que desta vez saiu um dia mais tarde, na sexta-feira: “Depois das sucessivas petições que os chineses haviam dirigido (…) sobreveio uma calma completa, parecendo que a agitação tinha cessado e os ânimos estavam sossegados. É que a bonança era aparente, mas prenhe de tempestades.

De repente, na tarde de 19 do corrente, correu o boato de que no dia seguinte ia haver greve geral, tanto assim que reinava grande actividade nas lojas do bazar, onde afluía numerosa gente para compra de arroz, lenha e outros géneros necessários ao sustento diário.

Soube-se então que os chineses, a quem se havia proibido fazer reuniões em Macau, sem prévia participação às autoridades competentes, faziam os seus meetings na Lapa, onde se decidiu fazer a greve.

Muitas pessoas, porém, não queriam acreditar que os chineses levassem avante o seu plano, e esperavam que tudo ficaria em águas de bacalhau, quando na manhã do dia 20 do corrente se viu, com surpresa geral, que a greve era uma triste realidade.

Não há memória de ter havido nesta cidade, desde a sua fundação, uma manifestação tão geral. Todas as lojas chinesas de Macau fecharam-se. Apenas se conservaram abertas as casas de jogo do fantan e das lotarias pac-a-piu e vae-seng, que estiveram vazias por falta de jogadores.

O Sr. Administrador do concelho, acompanhado de uma escolta de polícia, percorria as ruas fazendo abrir à força algumas lojas de arroz, que se vendia por preço exagerado. A maioria das lojas continuaram fechadas até ontem.”

O governo estabeleceu um celeiro de arroz na Rua Central para fornecimento do público e ordenou “o arrombamento de algumas lojas de arroz, porque o artigo 275.º do código penal proíbe ao mercador que vende para uso do público géneros necessários ao sustento diário esconder suas provisões, ou recusar vendê-las a qualquer comprador, com quanto este artigo venha no capítulo de Monopólio e não tenha aplicação na hipótese em questão.

Infelizmente, porém, parece que o governo provincial andava mais sôfrego de ver a solução da crise,” e “estava firmemente resolvido a fazer terminar até com violência a greve no começo do terceiro dia. Para esse fim tinha-se reunido o conselho do governo na manhã do seguinte dia (que foi ontem, 21 do corrente) e consta-nos que tomaram unanimemente as seguintes deliberações: 1ª. –

Que o governo não deveria ceder, nem transigir; 2ª. – Que devia haver-se com prudência, empregando primeiro meios suasórios para os chineses abrirem; a fortaleza do Monte daria um tiro, e se logo depois não se abrissem todas as lojas, o governo mandaria abrir à força as que se conservassem fechadas, e processaria os que fossem encontrados nelas, e além disso tomaria conta de todos os objectos existentes fazendo funcionar as lojas e remetendo o produto à tesouraria de fazenda.

Quando nos chegou isto ao conhecimento, foi uma verdadeira surpresa, porque pensávamos que a atitude do governo seria sempre moderada, e jamais agressiva.” (…) “O conselho do governo, porém não entendeu assim. Considerou a greve sob um prisma diferente, quando a verdade é que o código penal só proíbe a greve dos mercadores dos géneros necessários ao sustento diário, sendo o seu fim o monopólio, e não outro qualquer, e a pena da lei resume-se simplesmente em multa, conforme a renda do mercador, de um a seis meses.”

“O edital do governo teria sido publicado hoje [22 de Abril] se não tivesse acabado esta manhã a greve, graças ao patriotismo do Sr. Visconde de Senna Fernandes e de alguns chineses influentes, e ao edital do Leal Senado que concorreu em parte para acalmar os ânimos…”

Reunião no hospital

“Alguns arrematantes dos exclusivos fiscais, sobretudo o chinês Lucau, vendo-se gravemente lesado nos seus interesses, e compreendendo o grave risco em que incorriam os seus negócios, os seus bens, e a tranquilidade pública, da paralisação total do comércio, solicitou do governo licença para um meeting no hospital chinês. (…) Ao meeting, que se realizou ontem [21de Abril] ao meio dia, assistiram os srs. Procurador dos negócios sínicos, o primeiro intérprete-sinólogo Pedro Nolasco da Silva, e uns cinquenta principais negociantes chineses, presidentes ou chefes das agremiações industriais desta cidade, e o proprietário deste jornal [O Macaense] Sr. Secundino Noronha.

Corria placidamente a discussão, tendo chegado a resolver que se devia requerer novamente ao governo solicitando a abolição do novo exclusivo e a promessa de se não criarem mais impostos, quando a arraia-miúda, que se aglomerava dentro e fora do hospital, se mostrava impaciente e desejosa de saber o resultado da deliberação.

Já mesmo antes disso era tal a vozearia, que os deliberantes se viram obrigados a recolher-se para uma sala mais interna.

Alguns dos negociantes com o fim de acalmar a agitação, saíram da sala e participaram à turba que seria resolvida satisfatoriamente a questão, explicando-lhe a deliberação da assembleia. Nisso prorromperam em algazarra, gritando que queriam imediatamente a abolição do novo imposto; e uma chuva de pedras, cacos e telhas começou a cair sobre o lugar onde estavam os dois funcionários acima indicados e os negociantes, partindo as vidraças e chegando um dos fragmentos a tocar levemente um dos dois soldados do destacamento próximo àquele lugar, os quais tinham sido chamados pelo Sr. Nolasco da Silva logo ao manifestar-se o tumulto.

Interrompeu-se a sessão, e tanto o Sr. Procurador dos negócios sínicos, como os srs. Nolasco da Silva, e Secundino Noronha e os dois soldados tiveram de se escapulir por uma porta traseira do hospital que dá para o cemitério de S. Miguel, devendo-se aos srs. Procurador e Noronha o não ter rebentado nesta ocasião (ilegível) queriam imprudentemente atirar-se à multidão furibunda.

Marchou em seguida para o local do conflito o 1.º batalhão do regimento d’ infantaria do ultramar, com o seu comandante Sr. Major Júlio Felner, acompanhado do Sr. Procurador dos negócios sínicos; mas não foi preciso empregar a força, porque à chegada dela já se havia dispersado a multidão.

Ao mesmo tempo que tudo isto acontecia, espalhava-se a notícia aterradora de haver incêndio no bazar; os telefones confirmaram-no, e em seguida a fortaleza do Monte dava dois tiros de rebate. Felizmente era rebate falso, mas concorreu para se dispersasse aquele ajuntamento da populaça, em que já dominavam intenções sinistras.”

6 Set 2022

Petição dos negociantes chineses

A resposta dada em ofício de Sua Exa. o Sr. Governador ao Leal Senado a 21 de Abril de 1892 comunicava não estar nas suas atribuições abolir o referido exclusivo, visto ser o decreto de Sua Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal [D. Carlos], mas que havia enviado o requerimento dos chineses e o ofício do Leal Senado ao Governo de Sua Majestade.

Aditava ainda que o governo provincial não tinha em vista criar e lançar novos impostos. Só n’ O Macaense de 12 de Maio aparece transcrita a petição feita por escrito dos negociantes chineses de Macau, que já não seria a entregue a 5 de Abril ao Leal Senado para ser passada ao Governador, pois a data da sua tradução era de 5 de Maio e estava agora endereçada ao Rei. No mesmo jornal seguiam as condições do contrato do exclusivo e o ofício N.º 9 do Leal Senado da Câmara de Macau de 10 de Maio, apresentando uma nova redacção, sem deferir muito da do N.º 7 de 11 de Abril.

Assim, aqui deixamos registada a petição dos negociantes chineses de Macau: <Senhor! Os abaixo assinados, chineses residentes em Macau, capitalistas, proprietários, negociantes, lojistas e industriais, vem respeitosamente aos pés de Vossa Majestade fazer a seguinte exposição, pedindo se digne Vossa Majestade compadecer-se da situação angustiosa em que se encontram os suplicantes, e haja por bem atender à súplica que fazem: <Há muitos anos que os abaixo assinados vivem pacificamente em Macau, fazendo comércio e exercendo indústrias, com sossego e sem perturbação alguma, graças à protecção do Governo Português, pelo que estão os suplicantes gratos, e sempre que tiveram ocasião, manifestaram esta gratidão.

Ultimamente o exclusivo do vinho liu-pun, lançando um imposto, (xxx) [causou] um grave transtorno no comércio local, cuja prosperidade é devida unicamente ao facto de Macau ser porto franco, e de não pagarem as mercadorias imposto algum na entrada e saída do porto. O comércio de Macau está sobrecarregado de impostos, e não poderá manter-se se o onerarem com novos impostos lançados sobre as mercadorias logo à entrada do porto.

É por isso que os suplicantes vêm recorrer à Vossa Majestade, implorando da sua sábia solicitude pela prosperidade das possessões portuguesas, providências que salvem esta cidade de completa ruína. Se em toda a parte do mundo o comércio luta actualmente com graves dificuldades, não está isento deste mal o comércio de Macau, o qual pelo contrário está sofrendo ainda mais intensamente, pela natureza das suas transacções.

Macau é um palmo de terreno, tem uma população diminuta, nada produz, e consome muito pouco. Os produtos chineses, e as mercadorias estrangeiras que afluem a Macau, passam em trânsito por esta cidade para irem para outros lugares de consumo, servindo-se de Macau como de um armazém ou depósito; por isso os lucros que aufere o comércio desta cidade não podem ser mui abundantes. Nestas circunstâncias vê-se que a capacidade tributária de Macau não pode ter grande elasticidade.

De mais acontece que na proximidade de Macau, no território chinês, está estabelecida uma alfândega chinesa que tributa todos os produtos chineses que entram em Macau, bem como todas as fazendas europeias que daqui saem.

Ao mesmo tempo, aqui em Macau, o povo paga décima industrial, décima predial, contribuições municipais, direitos de registo e décimas de juros. Há em Macau também o exclusivo da carne de porco, o exclusivo da carne de vaca, o exclusivo de peixe e o exclusivo de sal. Há ainda mais exclusivos (xxx).

Todos estes impostos, e todos estes exclusivos, são pagos com o dinheiro que saí do povo de Macau. Este povo, portanto, não está habilitado para pagar novos impostos. Contudo correram boatos de que se iam criar novos exclusivos de tabaco, petróleo, azeite, arroz, hortaliças, salitre, enxofre, lenha e carvão; e estes boatos, como era de esperar, fizeram sobressaltar o povo.

Cumpre aos suplicantes submeter à consideração de Vossa Majestade o facto de que Macau, no tempo em que havia aqui alfândega, tinha uma população chinesa somente de 20 mil almas, mas desde que esta cidade foi declarada porto franco, cresceu essa população, que hoje sobe a 70 mil almas. Estes chineses trouxeram a Macau capitais, comércio, e indústria, e vieram em grande número aqui residir com suas famílias, na fé de que Macau seria sempre porto franco.

É certo, porém, que, se de repente alterarem este regime, e lançarem impostos sobre a importação de mercadorias, equivalerá essa nova lei ao restabelecimento da alfândega, e os suplicantes terão o desgosto de ver o seu comércio arruinado, perdidos os seus capitais, e destruído o seu futuro. Será isto justo? Além de tudo isto, o novo exclusivo do vinho liu-pun não fez incidir o imposto sobre o vinho destinado ao consumo do povo de Macau, mas abrangeu todo o comércio deste género, incluindo o vinho destinado à reexportação.

Este imposto, ainda que fixado em três caixas de prata por cate, é excessivo, pois vem a importar em 7 candorins e duas caixas de prata, ou 10 avos de prata, por cada jarro de 24 cates; e como o vinho liu-pun é muito barato, e o seu preço varia entre 60 a 90 avos por cada jarro de 24 cates, o referido imposto representa, por termo médio, um ónus de 14 % sobre o preço. É evidente que, ficando o preço do vinho liu-pun em Macau mais caro na proporção de 14%, bastará esta circunstância para desviar para outros portos os fregueses, que antes vinham a Macau abastecer-se deste género, e com isso sofrerá o comércio local.

Outrossim em Macau existe a indústria de preparar vinhos especiais, metendo de infusão frutas e outros ingredientes no vinho liu-pun. Mas ficando agora a matéria-prima mais cara na razão de 10 avos por jarro, ou de 14% sobre o preço, é certo que esta indústria irá buscar outra localidade, porque esse aumento (xxx). É sempre o comércio local que virá a ser prejudicado. Em vista do que fica exposto, os abaixos assinados pedem a Vossa Majestade haja por bem mandar abolir o exclusivo do vinho liu-pun, e dar ordens às autoridades de Macau para respeitarem integralmente a franquia do porto de Macau, não fazendo alteração nem inovação, para que reviva o comércio e floresça esta colónia. P.P. humildemente a Vossa Majestade haja por bem deferir o pedido, E. R. Mcê.

Macau, 4.ª lua do ano 18.º de Kwong-su [Guangxu]. Maio de 1892. Assinaturas de Ho-lin-vong, Lucau,” e mais 80 nomes. Em seguida vem 1023 selos dos negociantes, lojistas e industriais de Macau. Traduzido por Pedro Nolasco da Silva, 1.º intérprete. Macau, repartição do expediente sínico, 5 de Maio de 1892>.

Nesse jornal é referido o deplorável estado em que pelo assoreamento se encontra o porto de Macau, fazendo com que o comércio sofra gravemente. “O estado do porto é tal que só navios de pequena lotação e esses mesmos com dificuldade ali podem entrar; e assim os lucros comerciais convergem todos a Hong Kong, isto com gáudio dos ingleses e de inglesados. Tal é devido à indiferença e negligência dos governos de Macau.”

30 Ago 2022

Só o Rei pode abolir o exclusivo

A solução achada pelo Leal Senado, que O Independente de 28 de Abril de 1892 escusou-se a referir, aparece transcrito n’ O Macaense de 22 de Abril: Ofício da Câmara Municipal de Macau sobre o exclusivo do vinho Liu-pun dirigida ao Exmo. Sr. Governador da província, transmitindo a representação dos chineses, pedindo a abolição do exclusivo do vinho liu-pun. N.º 7. – Illmo. e Exmo. Sr. – Em conformidade com a deliberação do Leal Senado, do qual tenho a honra de ser presidente, levo ao conhecimento de V. Exa. que os negociantes chineses desta cidade vieram em deputação no dia 2 de Abril solicitar os bons ofícios deste Leal Senado para alcançar de V. Exa. a abolição [do exclusivo entregue ao] negociante de Hongkong; e que tendo sido a dita deputação chinesa informada de que esta corporação do Leal Senado não podia anuir ao seu pedido sem que lhe fosse apresentada uma petição por escrito, voltaram de novo os chineses no dia 5 deste mês, com o requerimento que incluso passo às mãos de V. Exa., acompanhado dos selos que representam a mór parte da comunidade chinesa.

Para a discussão e deliberação deste pedido convoquei a Câmara para uma sessão extraordinária no dia 7 do corrente mês, a qual, porém, não se efectuou por falta de maioria, e foi por isso que este requerimento foi lido e discutido na sessão ordinária da Câmara do dia 9 do presente mês. Trocaram-se nesta sessão entre vereadores ponderações e informações que elucidaram a questão, acabando o Leal Senado por convencer-se de que o pedido dos chineses é de certo modo justificável.

Antes de tudo, deseja o Leal Senado acentuar bem a sua convicção de que no meio da numerosa população chinesa em que vivemos, é de suma necessidade que o governo tenha o máximo prestígio, e, por isso, considerará este Leal Senado como seu dever impreterível apoiar o governo em tudo quanto seja tendente a manter o máximo respeito ao princípio da autoridade; e neste ponto o Leal Senado se apraz de declarar que tem prestado e prestará sempre o seu apoio incondicional, dedicado e leal a todas as medidas que V. Exa. tem adoptado, ou que vier a adoptar, para fazer respeitar as determinações das autoridades constituídas.

Mas, como até agora os chineses não têm feito mais do que usar do direito constitucional de petição, não duvida este Leal Senado em prestar os seus bons ofícios para solicitar de V. Exa. uma anuência equitativa às suas reclamações, baseando-se este Leal Senado nas razões seguintes: Este novo exclusivo de liu-pun, como V. Exa. sabe, não fez incidir o imposto sobre o consumo local, que daqui não pode fugir, mas abrangeu a totalidade do comércio do mesmo vinho, autorizando ao arrematante cobrar 3 caixas de prata, ou 4 sapecas, por cada cate [604,79g] desse género, importado ou aqui fabricado.

E como é sabido que a imensa quantidade de liu-pun que Macau importa anualmente, não é só consumido nesta cidade, mas, pelo contrário, a maior parte é reexportado para Hongkong, como se mostra da estatística do capitão do porto publicada no Boletim da Província de 24 de Abril de 1890, e daí (…) depois de preparado e confecionado em Macau com várias frutas e outros ingredientes, que lhe dão diversos sabores, cores e cheiro, o referido exclusivo onerou, por tanto, o comércio em geral, dificultando a reexportação e a indústria, pois o referido imposto de 3 caixas de prata por cate, equivalente a 10 avos por boião de 24 cates, vem a importar em uma percentagem média de 14% sobre o preço do vinho liu-pun, que varia de 60 a 90 avos de pataca por boião, ou jarro de 24 cates.

Além de ser inconveniente o novo exclusivo do vinho liu-pun, não está de harmonia com o Decreto de 20 de Novembro de 1845 [da Rainha, a Senhora D. Maria II, referendado pelo Ministro da Marinha e do Ultramar Joaquim José Falcão, onde, devido à abertura de alguns portos do império da China ao comércio e navegação de todas as nações, cessado as circunstâncias excepcionais que favoreciam o comércio da Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, por o Artigo 1.º foram declarados francos ao comércio os seus portos, – tanto o interno, denominado do rio, como os externos, da Taipa e da Rada, – podendo ser neles admitidas a consumo, depósito e reexportação todas as mercadorias e géneros de comércio, sem pagamento de direitos. O artigo 2.º, sobre a importação em Macau refere dever ser em todo o caso completamente livre.]

O referido imposto lançado sobre o vinho liu-pun logo no acto da importação destrói a franquia do porto de Macau, garantida por uma lei em vigor, e tenderá a fazer afastar desta cidade o comércio e a indústria desse género, obrigando-os a ir buscar outro país, talvez Hongkong, pois como acima se disse, para aí é reexportado a maior parte do vinho liu-pun importado em Macau; pois é claro que uma diferença de 14 % sobre o preço de um género é suficiente para induzir os negociantes a buscar mercado mais barato.

E, vista deste inconveniente, e sendo de interesse geral evitar tudo quanto possa diminuir o número de industriais em Macau, resolveu este Leal Senado pedir a V. Exa., para benefício do comércio e da prosperidade desta cidade, se digne V. Exa. solicitar do governo de sua majestade a abolição do exclusivo do vinho liu-pun; e, se essa abolição não pode ter lugar imediatamente em consequência do contrato já celebrado com o arrematante, pede o Leal Senado, que a dita abolição seja decretada para se tornar efectiva depois do prazo pelo qual foi adjudicado o exclusivo na dia 2 de Abril, ou para quando seja possível vir a um acordo com o arrematante.

Essa abolição, assim decretada, removerá do ânimo dos negociantes toda a ansiedade sobre o futuro, e animará a indústria de preparação de vinho a permanecer em Macau, suportando temporariamente o ónus a que acima me referi.

Este pedido do Leal Senado é ditado pelo desejo de evitar que uma indústria fuja desta cidade para outra, e espero que V. Exa., que sempre se mostrou animado da melhor boa vontade de beneficiar esta cidade, o tomará em devida consideração, providenciando como julgar mais conveniente aos interesses legítimos do comércio desta cidade. Deus guarde a V. Exa., Macau Paços do Concelho, 11 de Abril de 1892. Assinado por Câncio Jorge, Presidente do Leal Senado.

Dez dias depois, a 21 de Abril chegou ao Leal Senado a resposta em ofício de Sua Exa. o Sr. Governador comunicando não estar nas suas atribuições abolir imediatamente o referido exclusivo, visto que foi estabelecido em virtude de um decreto de Sua Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal, mas que Sua Exa. havia enviado o requerimento dos chineses e o ofício do Leal Senado ao Governo de Sua Majestade, esperando que por ele será resolvido assunto consoante aos interesses desta província. Ainda comunicou Sua Exa. que o governo provincial não tem em vista criar e lançar novos impostos.

Em vista deste ofício, o Presidente do Leal Senado aconselhou à comunidade chinesa continuar pacífica, referindo apoiar o seu pedido.

22 Ago 2022

Greve ou fim do comércio em Macau

“De uma parte está a ordem superior de governo da metrópole e o compromisso do governo provincial com o arrematante do exclusivo [do liu-pun, o comerciante Chan Iü San de Hong Kong,] já concluído, tendo sido celebrado com todas as formalidades. De outra parte estão os lojistas chineses ligados pelo interesse comum, e unidos por meio de seus respectivos grémios, convencidos da necessidade de abolir este exclusivo para poder continuar o comércio a funcionar desafogadamente.”

Assim se discorre n’ O Macaense de 7 de Abril de 1892 e continuando: “Estudando bem a questão, não nos parece que esta reacção dos chineses seja uma oposição acintosa à acção do governo, mas é mais um acto de desesperação, causado pela decadência do comércio, que hoje sofre do mal-estar geral e não dá lucro algum.

Esta situação angustiosa, agravada pelo novo imposto, produziu um ressentimento contra o governo, que longe de auxiliar os negociantes, aliviando-os dos ónus que sobre eles pesam, veio ainda sobrecarregá-los tão inoportunamente, com um novo exclusivo que ameaça afugentar daqui para a frente.” Impressão deixada “após uma discussão desapaixonada com vários lojistas sob o assunto, e aqui a consignamos franca e lealmente.” E prosseguindo: “Para os chineses a greve funda-se no espírito de associação de que vem a força, e tanto pode significar uma pressão suave e indirecta aos poderes públicos, como uma manifestação colectiva de vontades, mui eficaz nos resultados práticos e imediatos, o que – diga-se a verdade – nunca pode ser condenado em vista do regime da liberdade d’ indústria e livre concorrência, sobretudo quando não seja acompanhado de ameaças ou violência. A intervenção das autoridades é só justificável quando haja ameaça contra a segurança dos direitos individuais, ou receio da perturbação da ordem. Folgamos de ver que estes princípios são respeitados e até afirmados no edital de S. Exa. o Governador, (…) Nem outra cousa era de esperar do ilustrado e enérgico governador.”

O Edital do Governador, publicado a 6 de Abril por causa da suposta greve dos negociantes de vinho, foi lido pela cidade. Em cortejo, “o procurador dos negócios sínicos acompanhado de um intérprete e de todo o pessoal administrativo, precedido de uma escolta de polícia com dois tambores à frente, percorreu todas as ruas da cidade.

A leitura do edital foi feita por um amanuense chinês da repartição do expediente sínico, que se punha em pé sobre o jenricksha [riquexó] para daí o ler. Um grande grupo de garotos acompanhava esse séquito fazendo uma vozearia infernal de mistura com os rufos do tambor.” Do edital [transcrito já em anteriores artigos] faltava-nos apenas publicar a apresentação do Governador feita por o próprio: <Custódio Miguel de Borja, capitão-de-fragata da marinha real portuguesa, ajudante de campo honorário de Sua Majestade El-Rei, comendador da ordem militar de S. Bento d’ Aviz, da de Leopoldo da Bélgica e do mérito naval de Hespanha, cavaleiro da ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, da de Aviz e da Legião de Honra de França; condecorado com as medalhas militares de prata das classes de bons serviços e comportamento exemplar; antigo deputado da Nação, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário de Sua Majestade Fidelíssima nas cortes da China, Japão e Siam, Governador da província de Macau e Timor e suas dependências, …”

Refere o articulista, “Não podemos prever por enquanto qual a solução. Confiamos, porém, na alta inteligência e reconhecida prudência do chefe de colónia, que decerto não trepidará perante qualquer medida quando ela seja necessária para conservação do prestígio da autoridade, mas ao mesmo tempo não deixará sua Exa. de estudar a questão sob todos os seus aspectos.”

Opinião chinesa

Na rubrica Comunicado, ainda n’ O Macaense de 7 de Abril, um negociante chinês publicou a opinião: Os chineses consideram o vinho liu-pun como um dos géneros de primeira necessidade. Não há chinês, desde o mais rico até o mais pobre, que não faça uso do liu-pun nas suas refeições. Os da classe de operários e de carregadores preferem ficar sem comer a ficar sem beber o liu-pun. Acontece muitas vezes, quando o seu trabalho diário não dá o suficiente para o jantar, em que o arroz é indispensável para os chineses, compram um bocado de carne ou de peixe e comem-no acompanhado sempre do liu-pun, empregando no vinho a verba com que deviam comprar arroz.

Na generalidade os chineses, principalmente os da classe dos operários e carregadores, destinam 10 a 12 sapecas para vinho por cada refeição, o que corresponde por mês a 70 avos pouco mais ou menos. Para o arroz que é indispensável para os chineses e que constitui o principal género alimentício, os operários em geral não gastam mais do que 30 a 40 sapecas por dia, isto é, pouco menos do que o dobro do que se gasta com o vinho.

O liu-pun é tão necessário como o arroz para os trabalhadores; portanto se esses homens tiverem de despender mais 3 ou 4 sapecas por cada refeição ou 20 avos por mês, deixarão de beber ou diminuirão a porção usual. Em qualquer desses dois casos o resultado será decerto prejudicial ao comércio de vinho.

Asseguram os negociantes de vinho que, se tiverem de pagar a taxa de 4 sapecas por cada cate, pouco ou nenhum lucro auferirão; e o vendedor precisando de baratear o vinho, ver-se-á na necessidade de adulterá-lo para poder conseguir algum lucro.

As lojas chinesas de Macau não dão bons salários aos seus empregados, mas dão-lhes cama e mesa livre e nas suas refeições é indispensável o vinho, portanto o exclusivo de liu-pun virá não só lesar os indigentes como os donos das lojas que terão de despender mais com o salário do pessoal.

De mais o negócio do liu-pun está ligado ao do arroz. Rara é a loja de arroz que não tenha um ou mais alambiques para destilar o vinho, por tanto qualquer prejuízo que sofrerem os negociantes de vinho, terão nela parte os negociantes de arroz.

Finalmente é natural que as lojas de vinho mudem para Lapa ou Chin-san, onde quase nenhum imposto terão de pagar, levando consigo muitas outras lojas de diferentes géneros, o que contribuirá para enriquecer a ilha da Lapa com grande prejuízo desta cidade, como ainda há poucos anos aconteceu com o negócio de peixe salgado, que custou muito ao governo trazê-lo de novo para Macau.

Os chineses não se sublevarão por causa deste imposto; mas ver-se-ão obrigados a abandonar paulatinamente esta cidade por não poderem suportar tantos impostos com que já estão sobrecarregados. É esta a opinião de um chinês. Os negociantes enviaram no dia 5 uma petição ao Leal Senado.

16 Ago 2022

Liu pun e a versão d’ O Macaense

A Biblioteca do Leal Senado, onde se poderia consultar os jornais antigos de Macau, encontra-se, segundo aviso na porta, encerrada desde Março e apesar de na Biblioteca Central existir o microfilme d’ O Macaense de 1892, em todas as páginas falta parte do texto e muitas são ilegíveis. No entanto, com as informações aí apresentadas conseguimos complementar e esclarecer muito do que escrevemos até agora sobre o vinho Liu-pun e por isso, nos próximos artigos recapitulamos a história.

Assim, começamos por transcrever d’ O Macaense de 7 de Abril de 1892 : “Circulou na cidade o boato de que ia haver greve dos chineses do bazar, fechando eles as suas lojas, e deixando de negociar. Tratámos de colher informações fidedignas a este respeito, e eis o que se apurou a limpo das nossas investigações. Dizem que há pouco mais de um mês que os lojistas do bazar terão estado a requerer ao governo local pedindo para não pôr em hasta pública o exclusivo do vinho liu-pun, que o governo da metrópole, pelo decreto de 1 de Outubro de 1891 criou (…). Os requerimentos não obtiveram deferimento e o exclusivo foi em 2 de Abril adjudicado a um chinês de Hongkong por $7,810, que era o preço mais elevado das três propostas apresentadas.

Os industriais chineses em vista desta amarga decepção, foram, logo depois da licitação, aos Paços do Concelho, onde os vereadores estavam reunidos em sessão ordinária, e pediram à câmara municipal para solicitar do governo da província, que fosse abolido o exclusivo; responderam-lhes o presidente que fizessem por escrito a sua petição.

Retiraram-se os chineses para fazer o requerimento, e consta que em 5 do corrente o entregaram ao mesmo presidente, rogando-lhe que conseguisse do Sr. Governador da província a graça de suster o exclusivo de liu-pun, até que o governo da metrópole desse uma decisão sobre o pedido da sua abolição. Ficou a questão nesta altura.

No entanto, têm havido muitas reuniões, bastante numerosas, dos chineses do bazar, para discutir a influência que esse exclusivo poderia exercer sobre o comércio deste porto, e chegaram à conclusão de que a reexportação do vinho que Macau costuma fornecer às povoações circunvizinhas, e aos barcos de pesca, viria a sofre muito, porque o imposto de 4 sapecas por cate importa em 11 a 20% sobre o preço do vinho, e por isso esse aumento de preço poria o mercado de Macau em grande desvantagem com relação a Hongkong, e aos portos chineses do distrito de Heungshan; do que resultaria que os antigos fregueses de Macau iriam fornecer-se do vinho em qualquer outro porto, e que ao fazerem este fornecimento se abasteceriam também de outros géneros, prejudicando assim o comércio desta cidade, que consiste principalmente na distribuição de géneros pelas povoações circunvizinhas.

Em vista desta influência nefasta que o exclusivo de liu-pun exercerá sobre o comércio de Macau, resolveram os negociantes empregar todos os esforços para conseguir a sua abolição e, quando isso não fosse possível, a única alternativa que eles adoptariam, era abandonar paulatinamente esta cidade, porque estão convencidos de que com esse exclusivo viriam as suas transacções a definhar e sofrer perdas.

Dizem-nos que foi essa a resolução a que chegaram os negociantes e mercadores chineses nas suas reuniões, que se efectuaram na casa do bazar conhecida pelo nome de Sam-kai-hui-cun (…), tendo as reuniões corrido sempre pacificamente.”

Análise dos factos

“Lamentamos deveras que se suscitasse este incidente desagradável, devido à excessiva centralização com que o governo português governa as colónias longínquas, decretando da metrópole medidas sem tê-las bem estudado, e sem atender às circunstâncias especiais da localidade.

Se o governo da metrópole se tivesse limitado simplesmente a criar o exclusivo de liu-pun, sem fixar a quantia que serviria de base à licitação, teria decerto o governo provincial a liberdade de taxar o consumo local do vinho liu-pun, deixando completamente livre o comércio de importação e exportação, como deve ser de direito, porque Macau é porto franco, e o seu comércio é livre de impostos na importação e exportação.

Mas infelizmente a quantia de $5,000 que o governo da metrópole exigiu como preço mínimo do exclusivo de liu-pun, não podia provir só do consumo local. Para restringir o imposto do vinho liu-pun só ao consumo local, não havia outro sistema fiscal a seguir senão o de licenças às lojas que vendessem este género a retalho. Suponhamos que houvesse 50 lojas de vender a retalho; e que lhes fossem exigidas 20 patacas por cada licença anual, o resultado não passaria de $1,000.

Vê-se, por tanto, que o governo provincial, compelido pela exigência do governo da metrópole, que impôs a cifra de $5,000 para a adjudicação desse exclusivo, teve de onerar o comércio de liu-pun com a taxa de 4 sapecas, ou 3 caixas de prata sobre cada cate de vinho liu-pun importado em Macau. Este imposto corresponde a 10 avos de patacas por cada boião de 24 cates de vinho, e é com efeito mui elevado, atendendo-se à barateza do liu-pun, cujo preço varia entre 50 a 90 avos por cada boião de 24 cates; vindo assim a importar em 20%, quando o preço é de 50 avos por boião, ou em 11% quando cada boião custa 90 avos.

Deve-se admitir que o imposto é caro, mas também não podia ser menor desde quando o governo fixou a quantia mínima para base da licitação.

Com franqueza, visto que os chineses não nos leem, diremos que o novo exclusivo é um grande mal para esta colónia. (…), porque é bom que digamos mais uma vez, alto e bom som que, por via de regra, fazemos sempre causa comum com os chineses, porque os interesses são comuns e recíprocos. Se eles continuam a habitar aqui, é porque incontestavelmente encontram um certo número de conveniências e de lucros nos seus negócios; e a nós convém a permanência deles para a sustentação das poucas indústrias que são ainda a seiva da colónia.

Mas ao governo de Lisboa pouco se lhe dá isso; quer só dinheiro, venha de onde vier, e não sabe ou finge não saber que os industriais chineses não são oriundos daqui e não lhes custa fazer o ablativo de viagem para Lapa, Oitem, Hong Kong e outras terras ao redor de Macau logo que assim reclamem os seus interesses.”

“Felizmente não se realizou a greve dos lojistas, graças à índole pataca dos chineses e aos bons conselhos que não lhes faltaram, tendo eles resolvido aguardar a decisão das representações que fizeram subir ao governo da província por meio da câmara municipal.

Cumprimos o dever de ponderar ao governo que é conveniente e necessário abolir o exclusivo de liu-pun, não somente para desafrontar a franquia do porto de Macau, mas para que o comércio não tome outro rumo e para que a distribuição do vinho chinês pelas terras circunvizinhas se não faça por Hong Kong.” Pel’ O Macaense ganhamos novas explicações para os acontecimentos expostos nos artigos anteriores e escritos na visão d’ O Independente.

8 Ago 2022

Liberalização da venda de Liu pun

A solução achada pelo Leal Senado, que O Independente de 28 de Abril de 1892 se escusa a referir, dizendo apenas não concordar, sem dela nada mais descrever e faltando-nos o que escreve O Macaense, na visão local em oposição à do reinol jornal, encontramos a exposta por Filomeno Izidoro dos Santos Victal: A 20 de Abril de 1892 as lojas chinesas começaram a deixar de abrir até que em 20 de Maio, todas as lojas fecharam e ninguém trabalhava, os barcos pararam e desde o início de Macau nunca a cidade tinha visto uma tal manifestação.

A greve ocorreu devido ao governo aprovar em Outubro de 1891 entregar o monopólio da venda do vinho para dois anos e a associação dos negociantes de vinho demandaram ao governo para não ser cobrada taxa na venda do vinho, mas o governo não aceitou. Ao ser arrematado o monopólio do vinho, os comerciantes recusaram-se a participar e ninguém concorreu, até que em Março de 1892 um comerciante de Hong Kong Chan Iü San ofereceu 7810 yuan para ficar com o monopólio da venda de vinho de 1 de Maio de 1892 a 30 de Junho de 1894.

Perante este contrato cada meio quilo de vinho era cobrada à taxa de 5 cêntimos, mas quem produzia localmente vinho teria também de pagar. Tal colocou o preço do vinho 16 por cento mais caro, o que levou a um aumento do custo de vida em Macau. Assim o Governo de Macau necessitou de ir a Hong Kong comprar arroz e colocar os presos a trabalhar nas necessidades portuguesas, até que o governo enviou os militares portugueses a obrigar os chineses a abrir as lojas.

No dia 22 de Maio, o Visconde Sena Fernandes representando o governou negociou com a associação dos comerciantes chineses e comprometeu-se a retomar o monopólio da venda do vinho ao comerciante Chan pagando-lhe 8000 yuan para ele libertar, ficando durante seis meses esperando ordens de Lisboa. Resolvido o problema, as lojas chinesas reabriram e assim liberalizou-se a venda de vinho chinês, segundo Filomeno Izidoro dos Santos Victal.

Outra versão refere: A implantação deste monopólio provocou uma greve dominada com prudência e firmeza pelo Governador. Fala-se ter o comércio subornado por avultada peita o arrematante que apenas pagou a primeira prestação e depois ausentou-se abandonando Macau e o exclusivo. O monopólio foi lançado às margens e substituído pelo regime de licenças com o parecer favorável da junta consultiva do Ultramar.

No entanto, ainda a 5 de Maio de 1892 O Independente, em Comunicados anota, durante a greve, que durou apenas dois dias, a venda de carnes verdes se fazia em algumas lojas com as portas encerradas. Notícia talvez proveniente d’ O Macaense, pois, segundo O Independente, <se fosse somente a carne de porco, ninguém se importaria com tal asserção; mas como é público e notório que o talho da carne de vaca se conservou aberto como de costume, e como o empresário deste exclusivo, o Sr. Cong-pac, preparou a sua gente para resistir à força contra os grevistas, quando estes tentassem invadir o seu estabelecimento, é justo que seja conhecido por quem não o presenciou o modo digno e corajosos do Sr. Cong-pac em manifestar publicamente a sua indignação contra a atitude estúpida dos grevistas. Além disto, o Sr. Cong-pac fez grandes sacrifícios em mandar vir de Hong Kong muito gado que lhe custou caro, para fornecer a comunidade inteira desta província na falta de outros géneros, o que não fez o arrematante do exclusivo da carne de porco.

RESCISÃO DO CONTRATO

O B.O. n.º 24 de 15 de Junho de 1892 anuncia: <Por esta repartição e para os efeitos da condição 19.ª do contrato do exclusivo do vinho Liu-pun em Macau, Taipa e Colovane, celebrado nesta repartição em 6 de Abril do corrente ano com o chinês Chan-Iü-San, se faz público que por S. Exa. o Governador da Província foi rescindido em data de ontem [14 de Junho] o referido contrato, por contravenção da condição 18 e seu parágrafo por parte do mesmo chinês arrematante. Repartição de Fazenda Provincial de Macau e Timor, em 15 de Junho de 1892. O inspector de Fazenda Arthur Tamagnini Barbosa. Interessante no contrato publicado no B.O. de 16 de Abril de 1892 não constarem as condições 17, 18, 19 e 20.

Em forma de Anúncio aparece no B.O. de 23 de Junho de 1892: <Por determinação de S. Exa. o Governador da província, baseada em autorização telegráfica de S. Exa. o Ministro da Marinha e Ultramar, faz-se público:

1.º Que a contar de 15 do próximo mês de Julho, a ninguém é permitido vender, fabricar e importar vinho Liu-pun em Macau na Taipa e em Coloane, sem que tenha para esse fim obtido licença especial passada por esta repartição.

2.º As pessoas que desde o referido dia 15 de Julho queiram vender por grosso ou a retalho, fabricar ou importar, vinho Liu-pun, em qualquer das localidades mencionadas, apresentarão as suas declarações em papel selado nesta repartição até ao dia 5 de Julho.

3.º No dia 6 pela 1 hora da tarde comparecerão os declarantes nesta repartição, a fim de, perante a comissão de que trata a régia portaria n.º 114 de 11 de Dezembro de 1891, se lhes designar a taxa que cada um terá de pagar.

4.º Esta taxa poderá ser paga uma só vez, por ano, por semestre ou por trimestre mas sempre adiantada.

5.º É de dois anos o prazo máximo porque se concedem as licenças.

6.º A ninguém mais, além dos licenciados pela forma que aqui se consigna, é permitido importar, fabricar e vender por grosso ou a retalho vinho Lui-pun, sob pena da multa de cinquenta patacas e confisco de todo o vinho encontrado no estabelecimento não licenciado.

7.º É permitido aos negociantes e fabricantes de vinho constituírem-se em grémio, a fim de entre si fazerem a divisão da taxa que cada um deva pagar para completo da importância total que a todos os declarantes possa ser exigida.

8.º Querendo aproveitar-se da faculdade que é concedida no número anterior deverão declará-lo no referido dia 6 de Julho perante a comissão a que se refere o n.º 3 e nessa ocasião apresentarão uma lista de todos os agremiados devidamente autenticada com o selo da loja de cada um.

9.º A direcção dos negócios do grémio, no que toca a relações com a fazenda provincial, será cometida a uma comissão de três membros escolhidos pelo grémio entre os negociantes de grosso.

10.º A direcção do grémio é responsável individual e solidariamente pelos pagamentos do total das taxas devidas à fazenda.

11.º Dado o caso do pagamento se não efectuar dentro dos três primeiros dias do ano, semestre ou trimestre a que disser respeito, considera-se cada um dos agremiados sujeitos à penalidade expressa no número 6. Repartição da fazenda provincial de Macau e Timor, 22 de Junho de 1892. O inspector de fazenda Arthur Tamagnini Barbosa.

Parecia estar o assunto encerrado quando durante uma reunião, às 8 horas da noite de 6 de Julho de 1892, foram presos 40 indivíduos chineses, todos negociantes de arroz e de vinho, por estarem a conferenciar num dos grémios chineses denominado Vong-ngi-t’ong, sem prévia licença da autoridade competente.

2 Ago 2022

Greve e lojas fechadas

A arrematação do exclusivo do vinho Liu-pun para Macau, Taipa e Coloane e suas dependências para o período de 1 de Maio de 1892 até 30 de Junho de 1894 foi feita a 2 de Abril de 1892 por proposta em carta fechada do capitalista Chan-Iü-San, chinês de Hong Kong, pela quantia de 7,810 patacas.

As condições do contrato do exclusivo do vinho Liu-pun respeitantes a terceiros aparecem no anúncio da repartição de fazenda provincial no Boletim Official do Governo da Província de Macau e Timor n.º 15 de 16 de Abril de 1892, parte já publicada no artigo anterior. Aqui se complementa com a Condição sexta – O imposto que o arrematante tem direito de cobrar, três caixas por cada cate de vinho Liu-pun que seja importado em Macau, Taipa e Coloane, ou aí fabricado com sua licença, é devido, no caso de importação, logo que o vinho entre nessas localidades e no caso do fabrico local, logo que esteja preparado.

Sobre a peça oficial, o edital do Governador publicado a 6 de Abril de 1892 no Suplemento ao n.º 13 do B.O., o jornal O Independente de 21 de Abril refere, Não produziu o efeito desejado, antes foram desprezadas pelos chineses as determinações nele contidas a despeito das quais resolveram fechar todas as suas lojas, tendo havido previamente, segundo se diz, várias conferências na Lapa.

Abertura das lojas

A 28 de Abril de 1892 O Independente anuncia: . “Parece que o governo provincial andava mais sôfrego de ver a solução da crise, e estava firmemente resolvido a fazer terminar até com violência a greve no começo do terceiro dia”, segundo O Macaense, que , mas a impossibilidade de consultar esse jornal, devido ao actual encerramento das bibliotecas, retira-nos essa valiosa informação. Ainda a 28, o jornal O Independente apresenta em comunicados:

Soluções

Continuando n’O Independente de 28 de Abril de 1892: É que, com efeito, brada aos céus que importando-se e fabricando-se em Macau não menos de 36 mil picos de liu-pun, por ano, se autorizasse a cobrança de 3 caixas por cate, o que produz aproximadamente $15:000, recebendo o governo apenas $7.800, quando teria sido mais justo, regular e mais político anunciar a taxa de 3 caixas, provocar pelos meios de que o governo pode dispor um princípio de reacção, chamar então os negociantes a agremiarem-se, cedendo caixa e meia, o que dava ao governo 7.500 patacas por ano, aliviando os contribuintes de igual quantia. (…)

Tentou-se obrigar os chineses a abrirem as suas lojas, quando nos parece que seria mais acertado usar do direito que assiste ao governo de cessar as licenças, proibindo aos grevistas tornarem a abrir as suas lojas, se o não quisessem fazer, pura e simplesmente, sem condições de espécie alguma, no termo de 24 horas. Iam para a Lapa? Pois fossem, que primeiro está o prestígio do governo!

Era ocasião de se dar um impulso à actividade dos macaistas, que seriam levados a estabelecer-se e tornar-se negociantes, para não tornarem a ficar na completa dependência dos chineses.

25 Jul 2022

O vinho Liu Pun fecha lojas

Após se efectuar a arrematação do exclusivo do vinho Liu-pun a 2 de Abril de 1892, os comerciantes chineses de Macau foram-se reunindo para concertarem medidas a fim de contrariar a execução do referido exclusivo [todo o vinho feito pela destilação do arroz seja qual for a espécie, denominação ou procedência]. Escreve O Independente de 9 de Abril: “Espalhou-se por esta cidade o boato de estarem os chineses muito descontentes com a criação do exclusivo do vinho liu-pun e pretendiam fazer greve fechando todas as lojas. Já era de esperar esta estulta e absurda ameaça que só poderia causar susto aos ingénuos. O que não esperávamos era a importância que se deu a esses boatos com a peça oficial publicada” a 6 de Abril de 1892 no Suplemento ao n.º 13 do Boletim Oficial do qual no artigo anterior publicamos parte do Edital do Governador Custódio Miguel de Borja, e agora seguimos com o restante: .

O ARREMATANTE

As condições do contrato do exclusivo do vinho Liu-pun respeitantes a terceiros, aparecem no anúncio da repartição de fazenda provincial no Boletim Official do Governo da Província de Macau e Timor n.º 15 de 16 de Abril de 1892:

19 Jul 2022

Arrematação do vinho Liu pun

Macau, em 1891, pedia ao Reino permissão para criar o exclusivo do vinho Liu-pun, quando em Portugal, mais propriamente no Porto, na revolução republicana de 31 de Janeiro de 1891, os populares cantavam um hino com música de Alfredo Keil e letra de Henrique Lopes de Mendonça, que referia contra os bretões marchar e após vinte anos deu o actual Hino Nacional, passando os bretões a canhões.

Tal devia-se ao Governo Britânico ter feito a 11 de Janeiro de 1890 um Ultimato a Portugal para retirar as tropas dos territórios do Centro de África inseridos no Mapa Cor-de-Rosa, sendo pouco depois definidos os limites de Angola e Moçambique. A 7 de Maio de 1891, o Estado Português declarava bancarrota parcial após se financiar com um empréstimo de 36 mil contos de reis a 5 de Fevereiro, levando à desvalorização da sua moeda em 10%.

A 17 de Janeiro de 1892, o Rei D. Carlos, o Diplomata (1889-1908), promovia um governo patriótico de aclamação partidária dirigido por Dias Ferreira e Oliveira Martins como ministro da Fazenda tentava reduzir o défice através da austeridade e aumento da carga fiscal.

Já “para colmatar o grande défice das finanças de Portugal, a 10 de Junho de 1891 o Conselheiro José Bento Ferreira de Almeida (1847-1902) propusera no Parlamento em Portugal a venda ou abandono da maior parte das colónias portuguesas (Guiné, Ajudá, Macau, Timor e Moçambique), com excepção de Angola, ilhas do Golfo da Guiné e Cabo Verde. Não inclui a Índia, pois a Inglaterra já denunciou o antigo tratado a que se fez em tempo uma guerra enorme e se ela o denunciou, é porque não lhe era favorável e há-se impor-nos um novo tratado, em que se desforre, deixando-nos a escorrer sangue, o que nos obrigará a largar aquele domínio”, segundo o P. Manuel Teixeira.

Entretanto, em Macau o grande aumento do consumo de vinho de arroz de qualidade inferior, o destilado liu-pun, levara o Governo da cidade a prosseguir a política de atribuição da venda de alguns produtos em forma de exclusividade efectuada desde 1849, quando foi arrematado o monopólio da venda da carne de vaca.

Adjudicado o exclusivo

Os Governadores de Macau pediam ao Reino para autorizar a concessão exclusiva da bebida espirituosa Liu-pun e o Governador Custódio Miguel de Borja (16/10/1890-1894) recebeu em 1 de Outubro de 1891 a resposta positiva do ministro e secretário d’ Estado do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar Júlio Marques de Vilhena, sendo o Decreto do exclusivo do Liu-pun publicado no B.O. n.º 50 de 10-12-1891. A arrematação foi marcada para 17 de Março de 1892 e seria por meio de licitação verbal, como consta no B.O. de 3 de Março de 1892, onde também aparecem as condições para a licitação, que deveria ser feita perante uma comissão.

Esta, nomeada em 16 de Março de 1892, era composta por o Governador como presidente, do delegado do procurador da coroa e fazenda e do inspector da Fazenda e serviria também para propor a redução de despesas públicas que possam ser adoptadas e melhorar a reorganização dos diferentes ramos de serviços subsidiados pelo Estado sem prejuízo da sua boa execução. O inspector da fazenda Arthur Tamagnini Barbosa na semana seguinte 10 de Março voltava a publicar o mesmo anúncio no B.O. n.º 10.

Chegado ao dia 17 de Março de 1892 foi posto em praça o exclusivo do Liu-pun, referindo o jornal O Independente terem sido quatro os pretendentes que depositaram dinheiro para entrar na licitação e S. Exa. o Governador presidiu à arrematação. O preço fixado pelo Governo foi de $5.000 ao ano, abrindo-se a praça por esta cifra. O melhor lanço foi de $6.000; mas não convindo à Fazenda adjudicar o exclusivo por este preço, mandou fechar a praça, devolvendo aos concorrentes as quantias que depositaram. “Consta-nos que na próxima arrematação um pretendente oferecerá $7,500.”

A repartição de fazenda provincial publicava um novo anúncio no Boletim Oficial do Governo da Província de Macau e Timor n.º 12 de 24 de Março de 1892: Não se tendo efectuado a adjudicação do exclusivo do vinho Liu-pun cuja arrematação foi anunciada no Boletim oficial do governo desta província n.º 9, da série do presente ano, para o dia 17 do corrente mês, d’ ordem de S. Exa. o Governador novamente se publica que pela uma hora da tarde de 2 de Abril próximo futuro, se procederá, perante a comissão de que trata a portaria régia n.º 114, de 11 de Dezembro de 1891, na sala das arrematações desta repartição, à arrematação do referido exclusivo, pelo espaço de tempo a decorrer desde 1 de Maio de 1892 até 30 de Junho de 1894 por meio de proposta em carta fechada.

Nas condições já não aparece determinado o valor de oferta, deixando-se aberta a proposta ao arrematante do preço que anual oferece em patacas pelo rendimento do exclusivo do vinho Liu-pun em Macau, Taipa e Coloane.

No próprio dia 2 de Abril O Independente refere: “Foi hoje adjudicado este exclusivo por proposta em carta fechada a um dos capitalistas chineses de Hong Kong pela quantia de 7,810 patacas.”

Publicada a adjudicação do exclusivo da bebida Liu-pun no Suplemento ao B.O. n.º 13 de 6 de Abril de 1892, que apenas trata esse assunto e onde em Edital o Governador Custódio Miguel de Borja, faz saber que: Destas palavras se percebe ter sido a atribuição do exclusivo do vinho Liu-pun ao chinês de Hong Kong mal recebida por os comerciantes e industriais chineses de Macau, que logo resolveram fazer greve e fechar todas as lojas.

13 Jul 2022

Vinho de arroz em Macau

O arroz, cultivado no Sudeste Asiático pelo menos desde 8200 a.n.E., era em Macau plantado nas várzeas junto à aldeia de Mong-há e serviria apenas para consumo da população agrícola, sendo pouco provável fazer-se com ele vinho, ou se produzido, era em pequenas quantidades e apenas consumido pelos agricultores locais. O arroz, género alimentício de primeira necessidade para os chineses do Centro e Sul da China, era de excelente qualidade o produzido no distrito de Heungshan (Zhongshan), de onde provinha também o vinho feito com esse cereal.

No reinado do Imperador Qianlong (1735-95), em Macau havia lojas a vendê-lo, sobretudo o proveniente de Guangdong, sendo comercializado dois tipos de vinhos de arroz, o no-mai-chau, 糯米酒 adocicado feito com arroz glutinoso e o de pior qualidade, o destilado liu-pun, 料半, significando liu=material e pun=metade.

Na década dos anos 60 do século XIX, o grande aumento da população chinesa em Macau levou a um enorme consumo de vinho de qualidade inferior, o liu-pun, florescendo o negócio da sua venda e importação e muito mais ainda no decénio seguinte. Logo aí viu o Governo português de Macau uma forma de arrecadar dinheiro e como em 1849 a administração do Governador Ferreira do Amaral introduzira a política de atribuição da venda de alguns produtos em forma de exclusividade, deste modo, “eram subtraídos à iniciativa privada alguns ramos de negócio sendo concedidos, quase sempre por arrematação, a indivíduos ou a empresas instaladas no território”, segundo Fernando Figueiredo.

O Governo cedia ao arrendatário, mediante o pagamento de uma quantia, a exclusividade da venda do produto integral por um determinado período de tempo e assim ficavam os cofres públicos com uma regular receita fixa.

A razão era a situação das finanças de Portugal obrigarem à redução drástica das despesas públicas em todas as províncias ultramarinas, devido a terem em cinco anos passado de 1.198:668$933 réis entre 1885-86 para 3.476:860$100 em 1889-90, segundo o Boletim Official do Governo da Província de Macau e Timor N.º 48 de 26-11-1891. O B.O. N.º 12 de 24 de Março de 1892 apresenta o mapa das receitas cobradas em Macau nos anos económicos de 1886-87 a 1890-91: em Impostos directos [Décima predial e industrial; direitos de mercê; Selo; Contribuição de registo; Renda de carne de porco; Renda do peixe; Lotaria de Vae-seng; Lotaria de Pacapio; Fantan; Licença para venda de ópio cozido; Multas; Emolumentos sanitários] 1.482:077$729 e só entre 1890-91, 320:213$980. Já nos Impostos indirectos [Direitos da renda do sal; Direitos da pesca das ostras; Licenças para pesca no litoral da cidade; Rendimentos do Porto; Rendimentos da Taipa] entre 1886 e 1891 recebeu 159:049$231 e a quantia no ano 1890-91 de 40:965$457, existindo ainda outros rendimentos colectados.

Condições de arrematação

O ministro e secretário d’ Estado do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar Júlio Marques de Vilhena enviou em 1 de Outubro de 1891 à 2.ª Repartição da Direcção Geral do Ultramar o seguinte: O Rei ordenou que se faça executar.

O Decreto autorizando o governador da província a estabelecer em Macau o exclusivo da bebida denominada Liu-pun saiu no B.O. n.º 50 de 10-12-1891.

No B.O. n.º 4 de 28-1-1892 foi publicada a portaria régia N.º 114 a determinar que as arrematações sejam feitas perante uma comissão, lavrando-se em seguida ao encerramento da praça o contrato definitivo. 2.ª Repartição N.º 114: O anúncio da repartição de fazenda provincial sobre a arrematação do exclusivo do vinho Liu-pun é publicado no B.O. de 3 de Março de 1892: As condições para a licitação são: Primeira – Apresentação por parte de cada um dos licitantes do documento comprovativo de terem em seu nome depositado no cofre geral desta província, a quantia de quinhentas patacas que serão restituídas, encerrada a praça, àqueles a quem não seja feita a adjudicação ou que sendo-o, reverterá para a Fazenda se o adjudicatário se recusar a assinar o respectivo contrato ou a completar a caução exigida para garantia do mesmo contrato, logo em acto contínuo à adjudicação.

Segunda – A Fazenda reserva para si o direito de fazer a adjudicação quando e a quem mais lhe convenha. Terceira – No caso de ser feita a adjudicação, o respectivo contrato será desde logo assinado por ambas as partes contratantes. Macau, 2-3-1892, o inspector da fazenda Arthur Tamagnini Barbosa. Chegou o dia 17 de Março e quatro pretendentes depositaram dinheiro para entrar na licitação.

4 Jul 2022

Sun Yat-sen foge de Guangzhou

Sun Yat-sen e Chen Jiongming, ambos naturais da província de Guangdong, tinham uma visão divergente para a China, pois um concebia-a a nível nacional e o outro por regiões, apesar de colaborarem até 1922.

Para Sun, filho de camponeses, o país devia ser uno e governado por um poder nacionalista republicano de teor socialista democrático revolucionário e Chen, descendente de proprietários rurais abastados, enquanto confucionista apelava a reformas para modernizar a monarquia, evoluindo para um ideal de ser a China uma República federalista democrática. A sua ideia era fazer de Guangdong um exemplo de governação para, como modelo, federando as províncias unificar a China, pois os chineses, após a dinastia manchu e as derrotas nas guerras do Ópio, já sem unidade como povo, radicavam-se nas suas comunidades rurais e daí a força dos locais poderes militares. Sun considerava tal visão servir para justificar os senhores da guerra.

Sun Yat-sen (1866-1925), cujo nome de nascimento era Sun Wen e após a morte conhecido por Sun Zhongshan, na adolescência estudou no Hawai e regressando à China licenciou-se em Medicina em Hong Kong. Exercia clínica em Macau com o ideal de ajudar o povo e percebendo daí não vir a solução, resolveu em 1893 começar uma acção revolucionária para derrubar a monarquia manchu. No Hawai, em 1894 organizou com a comunidade ultramarina chinesa a Sociedade para a Regeneração da China (Xingzhonghui) com a finalidade de estabelecer na China uma República Democrática. Em 1905 unificou-a com a organização anti-Qing Guangfuhui (Sociedade de Restauração, estabelecida em 1904) e fundou em Tóquio, com os chineses refugiados no Japão, a Aliança Revolucionária Chinesa (Tungmenghui) baseada em três princípios: o nacionalismo para combater o governo imperial da dinastia Qing, pois as potências estrangeiras não tinham nenhum interesse em derrubá-lo; o segundo, o da constituição de um governo democrático republicano; e o terceiro, o de redistribuir as terras pelo povo para a sua subsistência, pois este encontrava-se na completa pobreza.

Chen Jiongming (1878-1933), após licenciar-se em 1908 na Faculdade de Direito e Administração da Universidade de Cantão, onde tomou conhecimento do movimento anarquista, ao qual se juntou, entregou-se à política, apresentando uma série de reformas para tornar a monarquia constitucional. Eleito em 1909 membro da Assembleia Provincial de Guangdong sob o regime da dinastia Qing, não foi a Beijing participar como delegado no Parlamento Nacional, mas a 27 de Abril de 1911 em Guangzhou efectuou uma sublevação revolucionária. Com 7 mil homens no seu exército, o general Chen Jiongming foi Governador Militar de Guangdong entre 1911 e 1912, ocorrendo nesse período a Revolução Xinhai, a queda da dinastia Qing e o início da República da China a 1 de Janeiro de 1912 com Sun Yatsen na presidência.

O general Yuan Shikai (1859-1916) controlava o Exército imperial de Beiyang, leal ao poder de Beijing, mas pressionado para reconhecer a República, a 12 de Fevereiro de 1912 forçou Puyi, o último Imperador Qing, a abdicar. Sem grandes apoios, Sun Yatsen a 15 de Fevereiro cedeu temporariamente a Yuan Shikai a presidência provisória da República. A constituição provisória promulgada em Março de 1912 estipulava a formação de um sistema parlamentar com eleições no prazo de dez meses para o Parlamento e Presidente e para participar, a Sociedade da Aliança (Tungmenghui) de Sun Yatsen converteu-se no Partido Nacional Popular (Guomindang).

Faltando à palavra, Yuan Shikai em Janeiro de 1914 dissolveu o parlamento e colocou os seus membros a elaborar uma constituição, que lhe delegou todo o poder e a 13-12-1915 autoproclamou-se Imperador Hongxian. Após a sua morte a 6 de Junho de 1916, as províncias foram-se revoltando, desencadeando os senhores da guerra uma luta entre eles pela conquista da China, que ficou totalmente fragmentada.

Em Guangdong, o general Chen Jiongming voltava a dominar e em 1917, Sun Yatsen, líder do Guomindang, criava em Guangzhou um governo militar, que no ano seguinte passou para as mãos dos senhores da guerra de Guangxi, sendo o poder entregue em 1920 a Beijing.

16-6-1922

Em 1922, Guangzhou, capital da China Republicana do Sul, estava mergulhada no caos. Digladiavam-se Sun Yatsen, Presidente Extraordinário da República da China desde 5-5-1921, apoiado pelo Governo do Guomindang e Chen Jiongming, desde Outubro de 1920 Governador Civil de Guangdong. Em 21-4-1922, Sun retirou-lhe o comando do Exército de Guangdong (Yue) por, em Março de 1922, se ter recusado ir combater as forças Beiyang a Hubei, preferindo fortalecer militarmente Guangdong.

Com o objectivo de unificar a China, Sun Yat-sen partia a 6 de Maio com quinhentos homens para Norte e logo a 20 de Maio, Ye Ju, que substituíra Chen no comando militar, trazia o Exército Yue de Guangxi para Guangdong, ficando em posição de dominar Guangzhou. “Sun apercebia-se, ser o seu aliado de há muitos anos na verdade agora um rival, razão que o levou a suspender a campanha e a regressar. (..). Ch’en (que era também líder da Tríade) encarregou a seita de eliminar o rival. No caso de as coisas correrem mal, a sua figura ficaria fora de qualquer suspeita”, refere João Guedes, que nos relata numa outra versão o dia 16 de Junho de 1922, quando Sun Yat-sen foi atacado em Guangzhou.

Wang Pik-wan, elemento da Tríade e casada com um dos comandantes da Clique de Guangxi, circunstancialmente aliada a Ch’en, escolheu o grupo de homens armados com a missão de apanhar Sun na sua residência oficial, local indefensável. “O ataque desencadeou-se pelas duas horas da madrugada de 16 de Junho de 1922, mas o factor surpresa foi anulado por um providencial telefonema que pouco antes dera o alerta. A revelação do que se preparava foi apenas suficiente para improvisar a defesa, mas permitiu salvar o presidente.

Soavam já os primeiros tiros, de mistura com gritos de , quando este, acompanhado por um único guarda-costas, abandonou a residência” e a coberto da noite, atravessou discreto a cidade de Cantão “até à segurança do cruzador Yun Feng, uma unidade naval do Kuomintang que se encontrava fundeada no porto, preparada para emergências do género.

Soong ching-ling, sua mulher, que permaneceu ainda algum tempo nas instalações, escapava igualmente algumas horas mais tarde no meio da confusão do assalto, conseguindo alcançar o cruzador com o despontar da manhã.” Na residência, cerca de cinquenta soldados da guarda pessoal resistiam, fazendo crer ainda ali se encontrarem os visados.

Caído o último dos defensores, os atacantes penetraram no edifício à procura de Sun Yat-sen, mas mais interessados estavam nos seus arquivos pessoais, sendo os documentos encontrados depois entregues ao general Ch’en, que os usou para desacreditar nacional e internacionalmente Sun. O edifício foi incendiado e reduzido a escombros. História contada por João Guedes.

28 Jun 2022

Golpe de 16 de Junho em Guangzhou

Quando em Maio de 1922 ocorreu em Macau o incidente da Ponte Chip Seng, na China existia desde 1917 dois governos rivais, o do Norte, reconhecido internacionalmente e dominado por os senhores da guerra e o do Sul, apoiado por o Partido Nacionalista liderado por Sun Yat-sen. Este, depois da queda da dinastia Qing para o qual muito lutara, tornou-se em Nanjing o primeiro Presidência da República da China a 1 de Janeiro de 1912, mas por não contar com grandes apoios, após um mês e meio renunciou ao cargo e entregou-o ao antigo general imperial Yuan Shikai (1859-1916).

Representante dos interesses dos senhores das terras no Norte, Yuan Shikai foi eleito a 15-2-1912 Presidente Provisório da República e a 13-12-1915 autoproclamou-se Imperador. Após a sua morte a 16-6-1916, o país ficou entregue aos senhores da guerra, assumindo em Beijing Li Yuanhong a presidência da República, sendo forçado a resignar em 1917 a favor de Feng Guochang.

Ainda em Março de 1916 ocorreu no Sul uma revolução contra Yuan Shikai, tentando Sun Yat-sen, líder do Partido Revolucionário Chinês, reinstalar-se em Guangzhou, onde em Julho de 1917 criou o Movimento de Protecção Constitucional. Em Agosto, o Movimento decidiu a criação em Guangzhou de um governo militar com Exército e Marinha e para líder Sun Yat-sen, que a 1 de Setembro foi eleito General Marechal do Governo Militar.

Para se opor ao Governo do Norte Beiyang, dez dias depois o governo do Sul tomava posse com Li Liejun como chefe geral, Li Fulin comandante-chefe do exército e Chen Jiongming, comandante-chefe do primeiro exército.

Por sabotagens dos senhores da guerra do Sudoeste da China ao Movimento de Protecção Constitucional, a 4-5-1918 Sun resignou ao lugar de General Marechal do Governo Militar, ficando sete generais ao comando do Movimento, controlado pela facção de Guangxi e Yunnan, seguindo Sun para Shanghai. Mas em meados de 1920 o governo militar do Movimento de Protecção Constitucional terminava e rendia-se à obediência de Beijing. Era Xu Shichang desde 1918 Presidente da República da China, lugar que ocupou até 1922.

Em Outubro de 1920, Chen Jiongming conquistava Guangzhou e afastava de Guangdong a antiga facção dos senhores da guerra de Guangxi, tornando-se o Governador Civil de Guangdong até 1922. Em Novembro de 1920, Sun Yat-sen reorganizava o Governo Militar do Sul para continuar com o Movimento de Protecção Constitucional e em Guangzhou, a 12-1-1921 implantava o Governo Nacionalista, que em reunião de 2 de Abril terminava com o Governo Militar do Sul e organizava o Governo da República da China. Eleito a 7 de Abril, Sun Yat-sen tornou-se a 5 de Maio de 1921 Presidente Extraordinário, fazendo a sua sede em Guangzhou.

Então, Chen Jiongming, esperando dar unidade à região em torno de Guangdong, foi para Guangxi, mas encontrou grande oposição, ficando-se apenas nas áreas de Qinzhou e Lianzhou, enquanto o resto da província permanecia nas mãos da facção de Guangxi, com Lu Rongting como chefe. Quando Chen Binhun perdeu Wuzhou para Chen Jiongming, este conseguiu controlar os rios da província e em Julho de 1921 forçar a retirada de Lu. No mês seguinte Chen e as forças de Guangdong ocupavam Nanning e o resto de Guangxi, onde permaneceram até Abril de 1922.

Com Guangxi nas mãos de Chen Jiongming, em Março de 1922 o Presidente Extraordinário Sun Yat-sen ordenou-lhe ir combater as forças Beiyang em Hubei, mas com a justificação de ser preferível fortalecer militarmente Guangdong, Chen recusou seguir as ordens e despediu-se dos cargos. Sun só a 21 de Abril lhe retirou a Presidente da Província e o comando do Exército de Guangdong e este foi nesse dia para Huizhou. Com Chen Jiongming fora do cargo, Ye Ju a 20 de Maio ficou ao comando do exército Yue, trazendo-o de Guangxi para Guangdong.

A 16 de Junho de 1922, o exército Yue, querendo voltar a ter como chefe Chen Jiongming, mandou durante o dia um enviado à casa do Presidente Sun Yat-sen para lhe comunicar a realização nessa noite de uma pacífica manifestação, onde seguiria uma comitiva para falar com ele. Sem interesse em aceitar Chen Jiongming de novo no comando do Exército de Guangdong, para não dar explicações fugiu e refugiou-se num barco, para ir a Shanghai.

A comitiva de uma dezena de soldados ao chegar a Yue Xiu Shan, casa do Presidente da República, é recebida a tiro pelos guardas de Sun Yat-sen, tendo todos morrido. Os militares revoltados, pois antecipadamente tinham prevenido o que iriam fazer e dito ser uma caminhada simbólica a favor do regresso ao cargo do seu ex-chefe, ao verem os companheiros mortos começaram a disparar contra a casa onde ainda se encontrava a segunda esposa de Sun Yat-sen, Soong Ching-ling (em mandarim, Song Qing Ling e nome inglês, Rosamond), então grávida.

Com uma diferença de 24 anos, tinham-se casado em Tóquio a 25-10-1915. Na fuga, Song Qing Ling abortou e desde então não pôde ter mais filhos.

Em Macau

O incidente na tarde de 28 de Maio de 1922 na Rua Tercena no Bazar provocado por um soldado moçambicano se meter com uma chinesa, fez alguns jovens chineses indignados sovarem o militar. Pela polícia foram levados para interrogatório três chineses e Zhou Jing condenado a doze dias de prisão.

A comunidade chinesa ficou furiosa e muita gente foi até ao posto da polícia da Rua da Caldeia, onde estava preso o chinês, e o cerco ao edifício desencadeou um tiroteio grave. Tal conduziu à troca de explicações entre o Governo de Macau e a autoridade de Cantão, levando ao castigo de militares envolvidos, bem como à retirada de Macau do contingente de forças africanas.

Após esses distúrbios, seguiu-se uma greve geral e o êxodo dos chineses de Macau deixou quase deserta a cidade, sem mantimentos e abastecida unicamente por Hong Kong, sendo os bombeiros a distribuir as rações à população portuguesa. Foi a acção de Lu-Lim-Iok, um dos dois únicos capitalistas que aqui ficaram, com o seu dinheiro, prestígio e influência nas autoridades chinesas ribeirinhas da zona, a contribuir muito para tudo voltar à normalidade e na solução da crise, pondo como condição nada ficar escrito a esse respeito.

O Boletim Oficial do Governo da Província de Macau n.º 25 de Sexta-feira 23 de Junho de 1922 teve um suplemento a 25 de Junho que referia, a desmobilização dos homens válidos e a extinção do Comando Militar da Cidade. Estava solucionado um dos piores momentos de Macau, mas a greve durou três meses.

Mais tarde Sun Yat-sen, Presidente da República Chinesa, censurou Macau, atribuindo-lhe a culpa dos distúrbios, mas a opinião portuguesa, aquando da notícia de Sun Yat-sen, em consequência da sua derrota em Cantão, ter procurado obter asilo em Macau, acusava-o de ter orientado, provocado e tornado possível o acto sedicioso de 29 de Maio.

Após esse incidente, o governo português aplicou medidas mais apertadas no controlo da população chinesa e assim, começou para os chineses de Macau tempos complicados, tornando-se nos anos seguintes ainda mais difíceis.

21 Jun 2022

Até Cantão ao episódio 616

Para se avaliar o sobressalto vivido em Macau pelo incidente da Ponte Chip Seng de 28 e 29 de Maio, o Boletim Oficial do Governo da Província de Macau n.° 21, que saíra no Sábado 27 de Maio de 1922 e onde aparecia o Regulamento de vários Grémios, logo a 29 de Maio teve um primeiro suplemento. Aí se anunciava ficar todo o território da Província entregue exclusivamente ao poder militar e para tal era criado o Conselho Militar da Cidade, tendo à frente o Coronel Joaquim Augusto dos Santos. O trânsito de pessoas e veículos na via pública ficava suspenso das 19 às 7 horas. Ainda nessa noite a Associação Geral dos Operários de Macau reunia e decidia pedir auxílio às autoridades de Cantão.

No dia seguinte, 30 de Maio outro suplemento criava a Comissão de Abastecimento para prover o serviço de abastecimento de géneros alimentícios à população. O terceiro e quarto suplemento ao n.° 21 do B.O. saía a 31 de Maio com medidas contra a debandada dos chineses do território, muitos receando vir a sofrer represálias das autoridades portuguesas, outros para não serem confundidos por parte dos grevistas como colaboracionistas ao trabalhar para os colonialistas. Ainda nesse dia chegava a Macau um ofício de 31 de Maio do comissário dos Negócios Estrangeiros da Província de Guangdong a protestar e a pedir explicações sobre o incidente, fazendo exigências ao Governo da Colónia.

O Encarregado do Governo de Macau, Capitão-de-fragata, Luís António de Magalhães Correia, no entanto, só responderia a 13 de Junho, depois de receber um novo ofício a 10 de Junho: , segundo o P. Manuel Teixeira (MT).

Ainda a 31 de Maio de 1922, o Coronel Augusto dos Santos fazia saber, por ordem do Governador, quais os cais e pontes na península de Macau onde pode ser efectuado o embarque e desembarque de passageiros e de bagagens, que seriam vigiados pela Polícia Marítima auxiliada pela Polícia de Investigação.

O B.O. n.° 22 de Sábado 3 de Junho, no Edital n.° 6 referia: 1- Que todas as pessoas que se mantêm vivendo em Macau e aquelas que para aqui desejem voltar, fazendo a sua vida tranquila e respeitando as autoridades, o podem fazer com inteira segurança. 2- Que, não se verificando a entrada de géneros na cidade, não será permitida a saída dos existentes em Macau por serem necessários ao sustento da população. Nessa semana saíram dois suplementos ao n.° 22, o de 5 de Junho referia que apesar de continuar a greve era levantado o estado de sítio e no de 8 de Junho apareciam descriminadas as 68 Associações de classe dissolvidas e encerradas pelo Conselho Militar da Cidade decretadas no suplemento de 31 de Maio, este já assinado pelo regressado Governador Capitão-tenente Henrique Monteiro Correia da Silva, que com a situação normalizada embarcaria para a metrópole antes de 13 de Junho.

Mudanças radicais

“Soldados e bombeiros vendiam os artigos de primeira necessidade em mercados improvisados, fazendo algumas raras lojas chinesas vendas ocultas, o que lhes valeu mais tarde represálias, como lançamento de bombas da parte dos grevistas, e as donas de casa, acostumadas aqui, no Oriente, ao dulce far niente que o meio proporciona e impõe, multiplicando os criados numa divisão de trabalho que os nossos costumes e recursos na Europa não comportam, viram-se de repente a braços com os dificílimos problemas de ménage que assim cruamente lhes foram postos na frente”, refere Jaime do Inso.

No B.O. n.° 23 de 10 de Junho aparece a The Macao Electric Lighting Company com o anúncio particular: .

Já no suplemento ao n.° 23 de 12 de Junho é estabelecido o serviço de transportes de passageiros com um camion a fazer carreiras durante o dia, seguindo o percurso de ida: Chunambeiro – Praia Grande – Rua do Campo – Ferreira de Almeida – Coelho do Amaral – Carlos da Maia – Santo António – Obras Públicas [Jardim Camões]. O percurso de volta era inverso, apesar de após Coelho do Amaral ir pela Estrada da Flora – Rua do Campo – Rua do Hospital – Largo do Senado – Av. Almeida Ribeiro – Ship Seng – Av. A. Ribeiro- Praia Grande – Chunambeiro. O valor da passagem, tanto de ida como na volta era de 10 avos [o custo do semanal B.O.].

Ainda no mesmo suplemento de 12 de Junho, a Comissão de Abastecimento é dissolvida e organiza-se uma secção dos Serviços de Subsistência a funcionar junto ao Quartel-General enquanto prevalecer a situação anormal que a colónia presentemente atravessa e fica a cargo do Tenente-coronel reformado José Luís Marques.

A 14 de Junho saía o segundo suplemento ao B.O. n.° 23 referia, “Para custear as despesas derivadas de medidas de carácter indispensável e urgente que estão sendo tomadas para assegurar por forma conveniente a alimentação pública e para o restabelecimento do trabalho na Colónia, é aberto um crédito extraordinário de carácter excepcional e urgente da quantia de 180:000$00 para providencias tendentes à regularização da alimentação pública e do trabalho nos serviços do Governo e nos serviços da população portuguesa. Crédito que será adicionado nas tabelas de despesas extraordinárias”.

A situação mantinha-se crítica e tensa, “até que outros acontecimentos, estranhos a Macau, vieram auxiliar a mudar a face das cousas”, segundo Jaime do Inso, que refere, “Em Cantão, os factos não iam correndo pelo melhor para os revolucionários, porque a clique do Kuansi expulsou daquela cidade os partidários do Dr. Sun-Iat-Sen, que a custo conseguiu pôr-se a salvo com a mulher.”

Acontecimento ocorrido a 16 de Junho (616) quando o exército Yue, querendo voltar a ter como chefe Chen Jiong Ming, organiza uma manifestação e anuncia enviar à noite uma comitiva a Yue Xiu Shan, a morada do Presidente da República da China, para falar com Sun Yat-sen. Como este não estava interessado em aceitar que Chen Jiong Ming voltasse ao comando do Exército de Guangdong, para não dar explicações fugiu e a comitiva, com uma dezena de soldados, foi recebida a tiro pelos guardas do Presidente, tendo morrido todos.

14 Jun 2022

Estado de Sítio em Macau

Domingo, 28 de Maio de 1922, no Bazar um ladim do contingente moçambicano causou um problema com os chineses, levando o barbeiro Sr. Au Ieong Seng a ser preso na esquadra n.º 1 na Rua das Lorchas (conhecida por Chip-Seng). Uma multidão cercou o edifício, exigindo a libertação do operário e como a situação não se resolveu através do diálogo, para aí foi enviada uma força de infantaria. Posicionados entre os manifestantes e a entrada da esquadra, os quarenta militares cercados ouviram apupos e insultos durante toda a noite, com 4 mil pessoas a encher a Avenida Marginal.

Na manhã de 29 de Maio foi declarada a greve geral só contra os portugueses, apesar de estar já em curso desde 24 de Janeiro “uma greve de trabalhadores chineses que afecta as carreiras de vapores de Macau, Hong Kong, Shanghai e Cantão”, segundo Beatriz Basto da Silva (BBS). O Comissário da Polícia, Capitão Almeida Cabaço vendo exaurida a força de infantaria mandou vir reforços para a render, chegados pelas águas do Porto Interior na lancha Almirante Lacerda. Encontrando oposição ao desembarcar, forçando a saída o tenente Rogério Ferreira rompeu “com êxito a multidão compacta que se interpunha entre si e a ponte-cais, a uma distância de cerca de cinquenta metros. A inesperada aparição do tenente e a sua menção de avançar não suscitou, à primeira vista, qualquer reacção, pelo que aquele conseguiu até abrir caminho e avançar alguns passos. Passar, todavia, tornou-se completamente ilusório. O círculo que se abrira à sua volta fechou-se subitamente, desencadeando uma vertiginosa sucessão de acontecimentos.

Imobilizado, não pôde proteger-se de um punho que o atingiu na cara fazendo-lhe voar o boné, nem evitar que a espada lhe fosse arrancada primeiro, e partida depois, com um ruído metálico, num joelho anónimo”, segundo João Guedes, que refere, “Uma detonação partia do meio da multidão e um soldado da primeira linha caía, mortalmente atingido. O disparo teve o efeito de uma ordem de fogo. Com surpreendente rapidez e sincronismo para quem estava à beira do esgotamento, os militares levaram as espingardas à cara e dispararam, visando a menos de dois metros.

Dezenas de pessoas caíram fulminadas à queima-roupa. As culatras armaram de novo em rápida cadência e as armas fizeram mais uma descarga, logo outra, e outra ainda, produzindo um caudal de vítimas.”

Devido à gravidade do incidente, ainda nesse dia o Capitão-de-fragata, Luís António de Magalhães Correia declarou o estado de sítio em Macau e suspendeu por oito dias as garantias constitucionais. Era encarregado do Governo de Macau desde 20 desse mês, pois o Governador Capitão-Tenente Henrique Monteiro Correia da Silva partira com a família a 21 de Maio para Hong Kong, onde esperava transporte para a metrópole.

O comandante militar e Administrador do Concelho, o Coronel Joaquim Augusto dos Santos ficou à frente do Conselho Militar da Cidade a 29 de Maio e decretou o encerramento de 68 “associações de classe cujos estatutos não estavam autorizados ou requeridos”, segundo BBS. “Logo na noite desses acontecimentos, a Associação Geral dos Operários de Macau realizou uma sessão, com carácter de urgência, decidindo reclamar junto da governação portuguesa e pedir auxílio às autoridades de Cantão”, retirado do livro Governadores de Macau.

“Na hora do balanço as autoridades contaram oficialmente 78 mortos e mais de duzentos feridos que encheram até aos corredores os três hospitais, nenhum deles preparado para enfrentar um tão colossal desastre”, segundo João Guedes, “As vítimas mortais do Chip Seng foram levadas em batelões para a ilha da Taipa e aí sepultadas em vala comum, o que contribuiu para incendiar mais ainda os ânimos.”

Greve geral

Após os distúrbios, as lojas fecharam e os chineses saíam aos milhares por dia de Macau, deixando a cidade quase deserta, segundo Jaime do Inso, que refere, “Em redor da Colónia, os chineses estabeleceram activa vigilância, não permitindo a entrada de género algum e não tendo os europeus e os macaenses quem os servisse. Os únicos víveres que se podiam obter, trazidos de Hong Kong pelas lanchas da capitania, eram racionados.”

Correia da Silva ao saber do incidente, a 30 de Maio regressou a Macau e reassumiu as funções de Governador. Nesse dia foi publicado o edital n.° 2 a convocar todos os cidadãos portugueses válidos a apresentarem-se imediatamente no Quartel do Corpo de Voluntários (em Santa Clara, BBS) afim de serem mobilizados para serviço do governo.

Atendendo à urgente necessidade de prover ao serviço de abastecimento de géneros alimentícios à população foi nomeada ainda nesse dia uma Comissão de Abastecimento e ampliada a 31 de Maio, passando a funcionar junto do Quartel-General sob a presidência do Tenente-coronel reformado José Luís Marques, tendo a incumbência da direcção de todos os serviços referentes a esse abastecimento, sendo colocada à sua ordem $20:000 pela Direcção da Junta da Fazenda. A Comissão comunica ao povo que às 9h de 1 de Junho a Padaria de Hop-Hing (Travessa do Soriano n.°14) teria à venda a pronto pagamento e pelo custo normal, para os portugueses e estrangeiros (estes quando europeus) o pão e quem não poder comparecer, enviar uma requisição com a respectiva assinatura bem legível.

A 5 de Junho, o suplemento ao n.°22 do Boletim Oficial refere, por estar a ordem pública inteiramente restabelecida e existir um completo sossego em todo o território da Província é levantado o estado de sítio, passando a suspensão total das garantias constitucionais a parcial para o feito de atender às necessidades de abastecimento da população e da regular execução dos serviços públicos.

A 8 de Junho, a Comissão de Abastecimento avisa o público a partir desse dia nas casas ‘Alto Douro’ e ‘Luso-americana’ encontram-se à venda ovos, hortaliças, bananas e laranjas, referindo o preço da batata vendida nas lojas europeias de 12 avos cada cate. Dois dias depois, a mesma comissão publica o aviso:

Por edital de 10 de Junho, o Comandante Militar Augusto dos Santos decreta: 1- Rigorosa punição a todos os indivíduos que, por ameaça ou qualquer outra forma, coajam os residentes pacíficos desta colónia a abandoná-la ou impeçam os trabalhadores ou comerciantes de, livre e honestamente, exercer as suas profissões; 2- Receberá um prémio de 200 mil patacas todo aquele que proporcionar a prisão e produza as provas suficientes para a condenação de qualquer indivíduo que pratique o crime de que trata este edital; 3- Que o Comissariado da Polícia determine que a Polícia Secreta proceda a activas diligências.

A Comissão de Abastecimento à Cidade de Macau é dissolvida a 12 de Junho e organiza-se uma secção dos Serviços de Subsistência a cargo de José Luís Marques a funcionar junto ao Quartel-General enquanto prevalecer a situação anormal que a colónia presentemente atravessa.

7 Jun 2022

Acontecimento da Ponte Chip Seng em 1922

Os ideais da Revolução de 1917 na Rússia encontraram grande aceitação na população de Cantão e daí difundidos por Guangdong chegaram aos chineses de Hong Kong e Macau. Os grémios (sindicatos) foram-se logo formando, “onde o espírito revolucionário era incentivado e as palavras socialismo e comunismo pela primeira vez pronunciadas em Macau, como objectivos concretos a atingir”, segundo João Guedes, “Desde finais de 1921, passaram a dinamizar a saída da população para as ruas, em manifestações de protesto que aproveitavam todos os pretextos. Usualmente, tais manifestações tomavam a forma tradicional de coloridas e ruidosas procissões que marchavam ao ritmo de tambores, pratos, timbales e cornetas, e de onde se destacavam cartazes e bandeiras ostentando palavras de ordem e andores com figuras alegóricas” e irónicas.

Em Macau, para dar consciência social à população chinesa, desde o início de 1922 organizavam-se manifestações em forma de cortejos fúnebres a simbolizar o fim do colonialismo dos países europeus. No dia 1 de Maio, Dia do Trabalhador, ocorreu a manifestação mais imponente, permitida pelo Governo de Macau, cujo Governador era então Henrique Monteiro Correia da Silva (1919-20/5/1922).

Andava alvoroçado o ambiente na cidade quando no fim da tarde de 28 de Maio de 1922 ocorreu o incidente, conhecido por “Acontecimento da Ponte Chip Seng”, a fazer transbordar os ânimos. No bairro chinês do Bazar, um soldado ladim dirigiu uma graçola a uma chinesa, referindo a versão do Padre Manuel Teixeira (MT) ter “um praça indígena de Moçambique tropeçado numa criança e a mãe desatar aos berros, juntando-se uma pequena multidão a gritar “Ta!”, isto é, alguns saltaram para cima dele, que se defendeu valentemente, filando um destes e levando-o para a esquadra Chip-Seng, próxima da ponte dos vapores de Hong Kong. A esquadra foi logo cercada, exigindo a multidão a soltura do preso.”

João Guedes refere: “… um soldado do contingente moçambicano agrediu uma cantadeira em plena rua. (…) Ao presenciarem a cena, alguns transeuntes intervieram, gerando-se de imediato violenta discussão que atraiu muita gente (…) A hostilidade dos circunstantes para com o soldado foi crescendo à medida que o alarido aumentava de tom, ouvindo-se gritos secos de incitamento em chinês: Tá! Tá! (batam-lhe). De imediato o soldado encurralado contra a parede foi violentamente agredido, e só a chegada providencial da polícia impediu a consumação do massacre. Posto termo ao desacato, o militar foi conduzido sob prisão para o hospital e um civil recolheu aos calabouços da esquadra do Chip Seng, a uma centena de metros do local.”

Esse civil era o então barbeiro Sr. Au Ieong Seng e segundo ele, o acontecimento foi causado por um soldado português a insultar em público uma senhora chinesa e por tentar parar o mau procedimento deste, o soldado de seguida informou a Polícia para o deter. Perante tal injustiça, os chineses reuniram-se em frente do Corpo de Polícia, para onde fora levado, e reclamaram às autoridades a libertação imediata do operário. Infelizmente as autoridades não só recusaram o pedido, mas também mandaram disparar armas de fogo contra a multidão e eventualmente mataram alguns manifestantes. Esta é uma versão chinesa do acontecimento.

FIM TRÁGICO

João Guedes, com a versão mais completa desta história, adita: “A notícia do incidente rapidamente se espalhou, chegando aos ouvidos de Wong Pik-wan e dos companheiros com quem liderava os sindicatos. Avaliando rapidamente a situação e a intensidade da indignação popular, julgaram finalmente chegado o momento de lançar as massas nas ruas para uma acção decisiva, justificada por uma causa óbvia e mobilizadora.”

Logo o apelo à concentração no Largo do Chip Seng, sendo “o movimento popular secundado pela acção dos sindicalistas, que num quarto do Hotel Kong Kam instalaram a sede da União Geral dos Operários (UGO), formada expressamente para coordenar a luta. Estrategicamente situado em posição sobranceira ao edifício da esquadra, o hotel dominava todo o largo e permitia controlar com mais eficiência a acção e a chegada de eventuais reforços policiais.”

Colocaram homens “nalguns telhados dos edifícios circunvizinhos à esquadra de modo a poderem vigiar a Avenida Almeida Ribeiro e o conjunto de pequenas ruas que desembocavam em volta, dando o alerta em caso de avanço de quaisquer forças enviadas para reprimir os manifestantes. Ao mesmo tempo visavam também a ponte-cais das carreiras marítimas de passageiros, já paralisadas pela entrada em greve dos trabalhadores portuários.”

No Largo Chip Seng, ou da Caldeira, fronteiriço às pontes-cais dos vapores das carreiras regulares para Hong Kong, Cantão e Xangai, concentrara-se muita gente e cercara já na Rua das Lorchas (Chip-Seng) a esquadra n.º 1, instalada no antigo cinematografo Chip-Seng. Perante a chegada de cada vez mais populares, “no interior da esquadra a pequena força policial tentou telefonar, mas a comunicação estava interrompida. Valeu um sargento da polícia cívica ver o tumulto e ir informar o Comissariado.” MT.

Para ali seguiu a dialogar com os manifestantes o comandante da corporação Capitão Artur Cabaço, mas sem os conseguir convencer entrou na esquadra e por telefone mandou avançar do Quartel de S. Francisco uma força de Infantaria. Sob o comando do Alferes Trigo, “ao passar pela Av. Almeida Ribeiro foi apedrejada e até alvejada a tiro de algumas janelas, vendo-se obrigada a responder.” Sem haver vítimas em ambos os lados, os quarenta homens conseguiram ir até à esquadra e tomar posição entre os manifestantes e a entrada principal. Depois apareceu o Tenente Ferreira, ali chegado sem ser notado.

“A multidão, conduzindo bandeiras, lanternas, varapaus, bloqueou e barricou as embocaduras das ruas e engrossando noite dentro subira já a cerca de 4 mil pessoas, criando um verdadeiro acampamento a estender-se pela Avenida Marginal, a alguns passos dos soldados a insultá-los e a apupá-los.”

Na manhã seguinte, segunda-feira dia 29 de Maio, vendo extenuada, à espera de ser rendida a cercada e isolada força ali postada e insultada toda a noite, o Capitão Cabaço pediu o envio de reforços por mar, que saíram da Praia Grande.

No Porto Interior “os chineses opuseram-se ao desembarque. O Ten. Gaudêncio Conceição tentou abrir alas, mas sem resultado e o Ten. Rogério Ferreira [que ali já estivera no dia anterior] quis também desembarcar, mas um mais atrevido lançou-se-lhe ao pescoço. Ele puxou da espada, mas foi-lhe arrancada e levada. [Nisto ouviu-se um tiro e um soldado da primeira linha] caiu varado. Os soldados levaram então as espingardas à cara e deram uma descarga sobre a multidão compacta; muitos caíram mortos ou feridos e o resto debandou logo. Agora nem alma viva se via pelas ruas”, MT.

As autoridades contaram oficialmente 78 mortos e mais de duzentos feridos. Era então encarregado do Governo de Macau o Comandante Luís de Magalhães Correia.

31 Mai 2022