José Simões Morais Via do MeioInundações no Huanghe e Rio Huai A construção de embarcações na China começou por volta do ano de 9000 a.n.E. a partir de materiais existentes nas zonas de lagos e rios, sendo feitas jangadas de troncos unidos ou de canas de bambu, assim como largos cestos elaborados com caules secos entrelaçados de plantas, ou de bóias usando as peles interiores insufladas de gado ovino. Já a aproximar-se do estilo da piroga, grossos troncos de árvores escavados como demonstra o enorme barco exposto em Yang Cheng, actual Changzhou. Na altura, as correntes das águas eram aproveitadas na locomoção. Depois começou a utilizar-se canas para, como alavanca e apoiadas no fundo do rio, mover com a força dos braços a embarcação e permitir assim orientá-la. Daí até aos remos serem concebidos foi um pequeno passo. Por volta de 5000 a.n.E. apareceram as velas a permitir aos barcos percorrerem maiores distâncias com a ajuda dos ventos. Num estudo geográfico e geológico percebem-se as grandes mudanças ocorridas após a última glaciação, entre os vinte e dez mil anos antes da nossa Era, quando a comida oferecida pela Natureza rareava e houve necessidade de a plantar, iniciando-se assim há dez mil anos a Revolução Agrícola. No período compreendido entre os anos 8000 e 1300 a.n.E., a China registou sete grandes inundações e as alterações climáticas acompanharam as ocorridas na placa continental euro-asiática. Com o degelo, as águas jorraram por todo o lado, tanto a Oriente como a Ocidente da placa euro-asiática e em 7600 a.n.E. formou-se em longitude um grande lago na Ásia. Desse enorme manto de água sobra hoje apenas alguns grandes reservatórios como os mares Negro, Morto, Cáspio e o Aral, assim como os lagos Baikal e Balkhash. As áreas de cultivo avançaram para Norte e famílias com rebanhos partiram para as estepes, a viver nómadas atrás dos pastos. Na época dos Três Ancestrais Soberanos (San Huangs, 3000-2600 a.n.E.) e dos Cinco lendários Imperadores (Wu Di, 2600-2070 a.n.E.) ocorreram episódios de inundações descritas em anteriores artigos. Segundo o livro Shui Jing Zhu [escrito por Li Dao Yuan durante a dinastia Norte no período do Reino Wei do Norte (386-534)], o Rei Yu (Da Yu, 2070-2035 a.n.E.) para resolver o problema das cheias do Rio Amarelo (Huanghe) rasgou canais a colocar a água a vazar para Sul e assim a distribuiu pelos nove rios da região afluentes do Huaihe, preparando o que mais tarde seria o Canal Honggou, a ligar esses dois rios. No Noroeste da China, em Qinghai, na zona da Garganta Jishi ocorreu em 1920 a.n.E. uma grande inundação após um tremor de terra destruir importantes diques, dispersando muitos sedimentos pelo leito do Rio Amarelo na área de Xunhua [100 km a Oeste de Lanzhou], criando obstáculos às águas dificultando o seu percurso para a foz. Estas cheias afectaram dois mil quilómetros do leito do Huanghe, enterrando-o de sete a cinquenta metros abaixo do nível actual do rio. Ao longo dos tempos, o Rio Amarelo mudou de trajectória e provocou graves cheias, a inundar constantemente as povoações das margens. Em 138 a.n.E. registou-se inundação e fome na sua bacia baixa. Em 1191, o Huanghe sofreu uma nova mudança de curso, dirigindo-se mais para Sul e nos 700 anos seguintes o seu trajecto mudou por diversas vezes. Em 1194, na província de Henan o Rio Amarelo abriu uma brecha no dique junto a Yuanyang, levando muita da sua água a transbordar para o Rio Huai, situado a Sul e daí a desaguar no mar. A cidade de Kaifeng, capital de muitas dinastias com o apogeu na dinastia Song, situada a alguns quilómetros da margem Sul do Huanghe, durante a sua existência assistiu a uma série de grandes e graves inundações. Tal levou os governantes da dinastia Ming a construírem um sistema de diques para a proteger, com resultados eficazes. Mas não foi somente a vontade da natureza a provocar calamidades. Em 1642, encontrando-se há seis meses a cidade cercada por tropas de camponeses revoltados e liderados por Li Zicheng, na esperança de conseguir afastar os sitiantes o governador Ming de Kaifeng ordenou a destruição das secções dos diques que a resguardavam das cheias. Como resultado, as tumultuosas águas do Rio Amarelo rapidamente avançaram sobre Kaifeng e perto de um quarto dos 380 mil habitantes morreu. Abandonada a destruída cidade, só passados vinte anos foi mandada reconstruir pelo Imperador Kangxi. Mas este rio continuou a ser o grande problema de Kaifeng, pois em 1849 a cidade ficou enterrada aproximadamente a dez metros de profundidade e, por isso, não existem construções altas devido ao medo de destruir os vestígios dessa época e, assim, apenas dois ou três edifícios públicos, como bancos e hospital, hoje sobressaem do casario térreo, segundo informa Deng Shulin. Entre 1851 e 1855 as inundações do Rio Amarelo de novo alteraram a sua trajectória, desviando-a para Norte e em 1852 assumiu parte do curso do Rio Ji [desaparecido desde então], voltando o Huanghe a passar por Shandong, mas trazendo muitos sedimentos. “Em 1855, o Huanghe destruiu o dique em Tongwaxiang, na província de Henan, fazendo no distrito de Lankao mudar a trajectória do Rio Amarelo de Sul para Norte e ir desaguar no mar de Bohai, em Shandong. Desde então o Grande Canal deixou de ser navegável para Norte. Os sedimentos levados pelas enchentes assorearam o leito do rio Huai e o impacto dessas variações foi tão forte que em 1897 se produziu a última modificação do Huanghe”, refere Deng Shulin. No ano de 1931, a maior parte dos rios na China registaram inundações provocando a morte de dois milhões de pessoas e a destruição de casas e das culturas agrícolas, a originar fome. Tal deveu-se a uma longa seca entre 1928 e 1930. O Inverno foi rigoroso nesse ano com muita neve nas montanhas, que acabou por derreter no início de 1931 e a água chegou ao curso médio do Changjiang (Yangzi), quando chuvas torrenciais contínuas na Primavera provocaram inundações nos rios Huai e Yangzi, afectando quase todo o território. A partir de 1976, os governos das províncias construíram um paredão nas margens ao longo do Rio Amarelo para o guiar até ao mar, estabilizando assim as margens. RIO HUAI Localizado entre o Rio Amarelo e o Changjiang, o Huaihe é um dos sete maiores rios da China com 1110 km de comprimento. Nasce na montanha de Tongbai, em Henan, e nessa província corre pela cidade de Xinyang. Após os afluentes Hong [a Sudeste de Henan] e Yinghe [em Anhui] desaguarem no Huaihe, aparece a cidade de Huainan, seguindo o rio a banhar Bengbu [Pengpu, a Norte de Anhui]. Já em Jiangsu, com a ocupação do seu leito pelo Huanghe, o rio Huai foi obrigado a passar pelos lagos Hongze e Gaobao em Huai’an, desaguando depois no Changjiang em Yangzhou. O Huaihe entra no lago Hongze (cujo fundo está cinco a nove metros acima do nível da terra e para onde fluem outros oito rios), seguindo para a cidade de Huai’an, onde o governo da República Popular da China considerou como solução para o Huaihe a abertura de um canal rumo ao mar a fim de eliminar as inundações na zona. Em 1952, completou-se esse canal de irrigação no Norte de Jiangsu, que começa em Gaoliangjian, passando pelo distrito Huai’an e desagua no Mar Amarelo (Huanghai). Este canal de 168 quilómetros de comprimento necessitou apenas de oitenta dias para ser construído por oitocentos mil operários que removeram oitenta milhões de metros cúbicos de terra, segundo informa Deng Shulin. Huaiyin [actual cidade de Huai’an na província de Jiangsu] está situada na zona onde passam os rios Huaihe [cujo maior afluente é Yinghe, com 557 km de comprimento e origem em Zhoukou, Henan, seguindo por Anhui onde no concelho de Shou, na cidade de Fuyang desagua no rio Huai em Zhengyang guan], o Yihe [com 333 km comprimento nasce na montanha de Lu em Yiyuan, (Zibo, Shandong), segue por Linyi e já em Jiangsu desagua no lago Luoma (a Noroeste de Suqian, lago de água doce com uma área de 375 km² e conectado com o Grande Canal)]. Em Huai’an passa ainda o Rio Shu (Shuhe) e o Sishui [com 159 km, tem origem na montanha Meng em Xintai, província de Shandong e até 1194 corria por Jiangsu, quando o Huanghe abriu uma brecha e as águas do Norte entraram no Huaihe. Essas inundações desviaram o curso do Rio Si, passando este por Qufu e Yanzhou até desaguar no lago Nanyang. Segundo os registos históricos, de 1400 a 1900, durante quinhentos anos, no Rio Huai registaram-se 350 grandes inundações. A inundação de 1680 submergiu a cidade de Sizhou. No vale dos rios Yihe, Shuhe e Sishui, ocorreram, entre 1368 a 1948, quarenta inundações e 86 secas o que levou, em 1949, o governo a mobilizar 580 mil operários para os regular. Em sucessivas dinastias os governadores não tinham prestado nenhuma atenção à construção de obras hidráulicas e as calamidades naturais repetiam-se, ano após ano. Para eliminar as causas das inundações em Huaiyin tiveram os rios de ser regulados, tarefa que governo popular tomou a seu cargo. A cheia de 1949 foi a maior e a mais grave, quando 9270 mil mu (15 mu = 1 hectare) entre 12600 mil mu de terras cultivadas foram submergidas pelas águas e 1950 mil habitantes das zonas afectadas tiveram de receber socorros do Governo, segundo Deng Shulin, que refere ser Huaiyin (Huai’an) designada por “Galeria de Inundações” devido a ali se reunirem as águas provenientes das províncias de Henan, Anhui e Shandong.
José Simões Morais Via do MeioDeuses da Água e do Solo Na História da China aparecem como lendas e mitos duas grandes inundações no período de vida de Fuxi e da meia-irmã Nuwa, no início do terceiro milénio antes da nossa Era. A primeira criou um oceano e foi iniciada por uma imensa tempestade com chuvas torrenciais sem parar e uma súbita subida da água a não deixar terra à vista. Levados separadamente pela corrente, os dois meios-irmãos seriam os únicos a sobreviver desse grande dilúvio e daí ficarem considerados os pais da humanidade chinesa. A segunda grande cheia decorreu, em relato mitológico, da luta entre Gonggong (deus da Água) e Zhurong (deus do Fogo), saindo Gonggong derrotado e humilhado suicidou-se, atirando-se contra a Montanha Buzhou, quebrando um dos quatro pilares da abóbada Celeste. Um tal abalo abriu fendas na terra, de onde saíram torrentes de água a inundar as zonas baixas do mundo, precisando Nuwa de erguer uma enorme argamassa feita com a mistura de cinco seixos de diferentes cores para reparar os estragos do Céu, ficando desde então este inclinado para Noroeste. No reinado de Zhuanxu, Taitai já trabalhava a regularizar os rios, com o Imperador Diku a promovê-lo a chefe do controlo das águas. Taitai chefiava a tribo Jintian (Jintian shi) em Shanxi, pois inicialmente ela vivia em Shandong e descendia de Shaohao [conhecido também por Jintian, ou Xuanxiao e segundo o Shu Jing – Livro da História, ou de Documentos, um dos Cinco Ancestrais Imperadores]. Shaohao (c.2597-2514 a.n.E.) era o filho mais velho de Leizu e Huangdi (Imperador Amarelo), sendo o seu irmão Changyi pai de Zhuanxu. Changyi nascera no ano 29 do reinado de Huangdi e no 77.º ano foi para Sichuan, casando-se com Changpu (Jingpu), do clã Shushan, e dessa relação nasceu o filho Gaoyang, conhecido depois por Zhuanxu, o segundo dos Cinco Ancestrais Imperadores. Bai Shouyi refere, em Shandong habitava a tribo Shaohao, com os chefes Xiu e Xi, e por serem especialistas no controlo de inundações colocaram os filhos e netos a realizar esse trabalho e assim se transformaram em Deuses da Água. Na região de Shanxi, a tribo Jintian teve chefes como Mei e o filho Taitai, especialistas na construção de diques e no controlo das cheias dos rios. Conhecidos por geração Mei (昧), os dois foram oficiais da Água (Shuiguan, 水官), ficando Taitai (台骀) encarregue especificamente dos rios Fen (汾) e Tao (洮). Deslocando-se com muita gente para o ajudar, criou as bases onde instalou os trabalhadores enquanto dragavam o rio Fen (Fenshui), construindo uma represa a originar o lago Daze e assim, os habitantes da área de Taiyuan puderam ter uma vida mais estável, passando a designá-lo por Taisheng (deus Tai). Zhuanxu ofereceu a Taitai a governação da área de Fenchuan (mais ou menos a actual província de Shanxi) onde existiam quatro reinos tribais: Shenguo (沈国), Yaoguo (姚国), Ruguo (蓐国), Huangguo (黄国), e em cada um deles realizou sacrifícios às quatro direcções. Daí Taitai ser o Deus do Fengshui e receber oferendas por parte desses quatro reinos governados pelos seus descendentes. As informações deste parágrafo provêem do livro (左传-昭公元年). Durante o reinado dos dois últimos Ancestrais Imperadores, Yaodi e Shundi, a população sofria graves inundações e para resolver esse problema contrataram Gun, pai de Yu, que trabalhou em conjunto com a tribo de Gonggong. Sem conseguir resultados, foi Gun despedido por Yaodi e substituído no cargo pelo filho Yu. Yaodi registou esse período de inundações, ficando o relato transcrito no Livro de Documentos (Shu Jing). No Norte de Henan encontrava-se a tribo Gonggong, com o chefe Houtu especialista nos trabalhos de controlo das águas, sendo a tribo a inventora do método da construção de diques para prevenir as cheias. Segundo o Clássico das Montanhas e Mares [Shanhai Jing – haineijing (山海经-海内经)] Gonggong (共工) é filho de Zhurong (祝融) e pai de Houtu (后土). No entanto, sofreram graves inundações quando alguns dos diques cederam e daí ter sido a tribo Gonggong banida por Shundi, mudando-a para a prefeitura You. Houtu tornara-se o Deus do Solo e a tribo mais tarde passou a representar o deus da Água. Os Gonggong viriam a ajudar Dayu no controlo das águas e depois usaram com bons resultados o método de Yu para evitar inundações. Yu, o Grande, também considerado Deus do Solo, além de adquirir conhecimentos com o pai Gun, fez a aprendizagem enquanto andava por diferentes regiões a ajudar a resolver os constantes problemas. Estudou as características das águas, a topografia dos terrenos e assim abriu muitos canais para controlar as cheias, conseguindo desbloquear os leitos dos rios, ou alargando-os, e conduzi-los a um fácil desaguar. Certa vez, Yu não estava a realizar bem o trabalho de levar as águas do rio Amarelo para o mar, pois mandara escavar o canal na direcção errada. Então Houtu, como rainha deusa da Terra fez o Mapa do Rio Amarelo (Hetu) e enviou um pássaro mensageiro com instruções específicas a Yu, dizendo-lhe dever o canal ser aberto para Leste, para permitir um correcto escoamento. Dayu reunia-se na montanha de Kuaiji com os senhores da terra (da tribo dos Gonggong), que o ajudaram no controlo das inundações, para lhes entregar o prémio segundo o contributo dado. YU O GRANDE A uns cinco quilómetros do centro de Shaoxing, na província de Zhejiang, um complexo envolve a montanha Kuaiji, onde no cume uma enorme estátua de Dayu domina a cidade. Para aceder ao recinto paga-se um bilhete de 25 yuans e junto a um canal proveniente da cidade está a entrada do templo e mausoléu de Dayu, onde prestamos homenagem ao fundador da dinastia Xia. Desde criança Yu tinha um pequeno tigre como companheiro com quem se deu pela vida fora e o protegia quando trabalhava sobre as ordens de Yaodi, acompanhando-o sempre e devido a ser grande, bravo e forte ajudava-o a guiar os outros animais e a vencer demónios. Segundo a mitologia, Gun depois de morrer em Yushan transformou-se num Urso Amarelo e a sua alma tornou-se Huang Neng, a tartaruga de três patas, passando a viver na água. Numa noite, estava Yu sem soluções para domar as águas dos rios da montanha Huanyuan [a Sul da província de Anhui], quando viu surgir o espírito do pai na forma de urso amarelo e com a cabeça mover a montanha. [O totem do povo Qiang, antepassados de Yu, era o urso amarelo.] Aos trinta anos Yu ainda não se tinha casado, andando atarefado no trabalho de controlar as águas dos rios turbulentos das montanhas de Tu (Tushan ou Dangtu em Anhui), quando foi visitado por uma raposa branca de nove caudas. Ao vê-la Yu pensou: “branca é a minha roupa e nove caudas significa vir a ser rei” e começou a cantar: “uma raposa branca com nove caudas apareceu ao meu lado. Como estaria contente com esta beleza para minha esposa. Quando marido e mulher trabalham juntos com um só coração, então a harmonia reina entre o Céu e o Ser Humano”. Ao acabar a canção a raposa transformou-se numa bela mulher e Yu com ela casou, chamando-lhe Nujiao. [No tempo de Wudi da dinastia Han do Oeste, a Rainha Mãe do Oeste era esposa do imperador Yu (o Imperador do Leste) e ambos presidiam à corte do Céu.] Sima Qian refere, que pouco tempo Dayu passou com a esposa pois, logo após casarem, foi chamado para resolver inundações e durante mais de uma dezena de anos atarefado com o trabalho, por três ocasiões passou em frente a casa, mas aí não se deteve. Devido à sua sabedoria, Yu em 2070 a.n.E. tornou-se rei e governou durante 45 anos, fundado a dinastia Xia, a primeira na China. Até aí, eram os Imperadores e chefes escolhidos pela inteligência na capacidade de resolver os piores problemas a afectar as populações e a conseguir evitar desastres. Dando início ao período das dinastias, a dinastia Xia (2070-1554 a.n.E.) viveu no curso médio do rio Amarelo (Huang he) entre os afluentes Yishui e Luoshui e dava ao território o nome de Hua Xia. Próxima do Monte Song, entre os rios Wudu e Ying, a cidade Yangcheng foi construída por Yu e tornou-se a primeira capital da dinastia Xia, hoje a povoação de Gaocheng, em Dengfeng Henan. Já rei, Da Yu tentava controlar as cheias do rio Longo (Changjiang, ou Yangzi) no lugar das Três Gargantas, quando da Garganta Wu começou a jorrar água. Da Yu não podendo cortar montanha dentro para controlar a inundação, realizou uma oração à deusa Yaoji, a viver em Wushan. Esta ordenou à vaca, uma das 28 constelações, para vir à Terra ajudar Da Yu e com os cornos furou a rocha, desviando assim as águas do monte de Wu(shan), conseguindo desobstruir a passagem ao rio. O cavalo-dragão só é visto por um imperador sagaz e quando Da Yu encontrando-se em imensas dificuldades para controlar o rio Luo, afluente do Huanghe, viu emergir das águas uma tartaruga e na carapaça encontrou o Livro do Rio Luo (Luoshu) com a Teoria do materialismo dos Cinco Elementos a representar a Ordem do Universo Manifestado. Ao ler o Mapa do Rio, Da Yu entendeu-o e por fim conseguiu com sucesso estabilizar o rio Luo e controlar as águas do rio Amarelo. Quando Dayu morreu foi sepultado na base da montanha de Kuaiji e sucedeu-lhe como segundo rei da dinastia o filho Qi, nascido de Nujiao. Iniciava-se o período das dinastias com sucessão de poder transmitido normalmente de pai para o mais velho dos filhos, perpetuando-se no trono a família reinante. O Templo Ancestral de Yu foi construído durante a dinastia Liang (502-557), mas o local tinha sido já oferecido por o sexto rei da dinastia Xia, Shao Kang (Du Kang, 1943-1922 a.n.E.), aos descendentes de Yu, o clã Si do povo Qiang, que aqui viveram mesmo depois da dinastia ser substituída em 1600 a.n.E. por a Shang. O templo mausoléu é composto por diferentes partes: rodeado por um muro de quatro metros de altura, encontra-se dentro o pavilhão Memorial e a Porta Wu, estando a estátua de Yu no pátio central. Acima, o monte da sepultura marcado por um bei. Partimos depois de visitar a ponte do Dragão, por onde as águas do canal correm, com embarque no bote a remos em frente ao Palácio de Yu, no parque do mausoléu, para navegar até ao centro da cidade de Shaoxing.
José Simões Morais Via do MeioAncestrais Imperadores no rio Amarelo Um dos berços da civilização chinesa encontra-se no curso médio e baixo do rio Amarelo e afluentes. Os seus férteis vales, eleitos pela abundância de alimentos e animais, foram locais privilegiados de uma rápida fixação de famílias agricultoras, assim como na sedentarização de caçadores e pescadores, tornando-se lugares densamente povoados. Nas suas margens evoluíram há oito mil anos, a cultura Peiligang, a cultura Yangshao [na parte Leste do curso médio do Huanghe e vale do rio Wei, a produzir potes de argila pintados com figuras geométricas] e na parte do curso baixo do rio Amarelo, em Shandong a cultura Longshan [onde se plantava já arroz, milho miúdo e talvez trigo, sendo os potes pretos levantados em roda de oleiro] e dois milénios mais tarde a Cultura Dawenkou (4300-2500 a.n.E.). Foi essencialmente nas áreas do Huanghe que os Cinco Ancestrais Imperadores (Wudi) percorreram em constantes viagens vastas regiões do Norte e Centro da China, desenvolveram os territórios e situaram as capitais, estendendo-se alguns deles nas regiões até ao Changjiang, demonstrando uma mobilidade de espantar. Huangdi (黄帝, 2550–2450 a.n.E./2704-2595 a.n.E.), o primeiro dos Cinco Ancestrais Imperadores, nasceu no monte Xuanyuan, onde hoje será Xinzheng, a fazer parte da cidade de Zhengzhou na província de Henan e tinha o apelido Ji, o nome da sua tribo, também conhecida por Xuanyuan. Antes de se tornar o Imperador Amarelo, a tribo era matriarcal e chamava-se Tian Yuan e ainda nómada vagueava por Zhuoxian, em Hebei. Já como chefe da tribo Ji, também na província de Hebei fez a capital em Fanshan, no concelho Zhuolu e para Sudeste, em Banquan os Ji derrotaram os Jiang [provenientes do rio Wei e cujos ancestrais eram Yandi e Fuxi] e as duas tribos em aliança juntaram-se; na altura era comum as tribos guerrearem-se para tomarem terras, animais e fazerem escravos. Com Huangdi, parte das tribos a viverem no Norte e Centro do território da actual China ficaram unidas, formando o povo Huaxia, hoje conhecido como Han. O Imperador Amarelo teve mais de cem filhos. Com uma grande experiência, devido ao muito viajar, patrocinou inúmeras invenções para tornar a vida quotidiana muito mais fácil. No monte Jing, hoje no concelho de Lingbao em Henan, Huangdi deixou a vida terrena e foi levado por um dragão divino. Enterraram-no em Qiaoshan, conhecida como “Montanha da Ponte”, mas o seu túmulo foi encontrado em outras províncias como Gansu, Hebei e Henan. No entanto, é na Montanha da Ponte em Huangling (prefeitura de Yan’na, província de Shaanxi) onde se presta oficialmente homenagem ao Imperador Amarelo no dia do Qingming. Aí passa o rio Luo (Luohe) proveniente do Norte e a desaguar no rio Wei pouco antes deste afluir no Huanghe. Neto de Huangdi, Zhuanxu (颛顼, 2450-2372 a.n.E.) com o nome de Gaoyang era filho de Changyi e o avô indicou-o para lhe suceder como o segundo dos Ancestrais Imperadores. Ocupou o trono durante 78 anos, começando por manter a capital em Fanshan (concelho Zhuolu, Hebei) e depois mudou-a para Shangqiu, em Henan. Daí rumou ao Norte e passou a capital para Diqiu [hoje na área de Puyang] em Henan, fronteira com Anyang, a Norte do rio Amarelo. Zhuanxu colocou como oficiais para administrar o território dois dos netos: Zhong, responsável pelos ofícios e sacrifícios ao Céu e Li, a tomar conta das ordens administrativas na Terra. Tal incrementou a união de cada vez mais tribos ao povo Huaxia e a unificação a dar molde ao país. Zhuanxu morreu com a idade de 98 anos e tem o mausoléu junto ao de Diku (seu primo), a quilómetro e meio da aldeia de Sanyangzhuang, em Liangzhuang, 30 km a Sul da capital do distrito Neihuang, em Henan, na estrada Anyang-Puyang. Zhuanxu é festejado no 18.º dia do terceiro mês lunar. Diku (帝喾, 2372-2297 a.n.E.), conhecido por Gaoxin, era bisneto de Huangdi e filho de Ku, primo de Zhuanxu. Foi o terceiro dos Cinco Ancestrais Imperadores da China e reinou 75 anos, continuando com a capital de Zhuanxu em Shangqiu. Ambos têm o mausoléu na mesma localidade, próximo da aldeia de Sanyangzhuang em Liangzhuang, sendo Diku celebrado no dia 14 do quarto mês lunar. Sucedeu-lhe Yao de Tang (尧帝, 1179-1061 a.n.E. ou 2297-2179 a.n.E., Tang Yao), filho de Diku, de nome Fangxun e apelido Qi da tribo Taotang, nasceu em Yi Fangxun ou Yi Qi [Guoyou em Jiangsu, ou Tianchuang em Anhui]. Com vinte anos tornou-se o quarto dos Ancestrais Imperadores e provêm do seu reinado os primeiros registos de instituições organizadas para administrar o território. No 70.º ano de reinado, Yao passou o trono a Shun, para quem abdicou ao se aperceber não ter descendência à altura, apesar dos nove filhos. Continuou a sua existência por mais 28 anos e ficou creditado como o inventor do jogo go (weiqi). O seu território compreendia desde o rio Amarelo ao Changjiang, tendo mais tarde ao reino de Tang conquistado Taosi [Xiangfen sob jurisdição da prefeitura de Linfen, em Shanxi, onde se desenvolvera a última fase da cultura Longshan (2300-1900 a.n.E.)] e aí fez a capital Linfen, situada nas margens do rio Fen, no Sudoeste de Shanxi fronteira com Shaanxi, próximo da viragem para Leste do Huanghe. Yao morreu com 118 anos e o seu mausoléu encontra-se na capital Linfen, sendo celebrado no Qingming (entre os dias 3 e 5 de Abril). Yao é o ancestral da dinastia Han e Liu Bang dizia-se descendente de Huangdi. CONTROLAR AS INUNDAÇÕES O reinado de Yao foi marcado por desordens sociais e graves inundações, relatadas pelo próprio Imperador e registadas no Livro de História (Shu Jing). Yaodi ordenou a Xihe para realizar observações astronómicas e daí fazer um calendário; a Qi, um mestre na agricultura, a ensinar às pessoas a cultivarem cereais; e a Gun (um príncipe de Chong, descendente de Huangdi) para controlar as águas e evitar as cheias, mas após nove anos de esforço nada conseguiu e Yaodi mandou-o prender, tendo morrido em Yushan, já no reinado de Shundi. O Imperador Yao conhecera Shun com vinte anos e colocou-o ao seu serviço como Ministro das Instruções e chefe das Quatro Montanhas (siyue), dando-lhe quatro anos para organizar o país. Após três anos, Shun executara todos os trabalhos ordenados por Yao e como prova de reconhecimento este escolheu-o para seu sucessor, por ser uma pessoa íntegra e de grande inteligência. Shun tinha 30 anos quando Yao lhe deu em casamento as duas filhas, Nu Ying e É Huang e após 70 anos de governação passou a liderança a Shun. Este com a idade de 53 anos recebeu o trono e fez a capital em Yuncheng, concelho de Yongji [conhecido nos antigos livros por Puban] na província Shanxi. O quinto dos Ancestrais Imperadores, Yu Shun, (舜帝, Shun de Yu, 2255-2207 a.n.E., data de Lu Xun, 2287-2208 a.n.E., ou 1153-1061 a.n.E.), nasceu em Yongji na prefeitura de Yuncheng, a Sudoeste de Shanxi fronteira com Shaanxi. O seu pai Gu Sou afirmava ser descendente de Zhuanxu, mas este Imperador entregara o trono a Diku, filho preferido de um segundo casamento. Shun era diligente, modesto e carinhoso e tivera uma infância madrasta, valendo-lhe a irmã, a Senhora Keshou, a salvá-lo da fúria do pai cego Sou e de Xiang, o irmão mais novo, pessoa de mau carácter, sempre a conspirar por ciúmes contra ele, tentando-o matar para ficar com o seu lugar. No entanto, nunca conseguiu os seus intentos e Shun desculpou-o sempre. Durante o seu reinado [que segundo Sima Qian durou 39 anos] viveu numa casa humilde e teve um casamento muito feliz com as duas filhas de Yao. Além de investir na educação, na música e ensinar os Ritos, foram no seu reinado divulgadas à população as máximas do comportamento humano, usadas mais tarde por Kongfuzi. Shundi constantemente se encontrava em viagem, umas vezes para inspecções, outras para resolver problemas ocorridos com o povo Huaxia e as outras tribos, ou para conquistar mais territórios em regiões cada vez mais remotas. Estava a população e as tribos a viverem em paz e harmonia, quando com 92 anos Shundi faleceu. Encontrava-se numa viagem de inspecção ao Sul, na região de Cangwu e após a morte foi canonizado como Yu Di Shun. É comemorado no oitavo dia do nono mês lunar no seu Templo-mausoléu no monte Jiuyi, também conhecido por monte Cangwu, a Sul do concelho de Ningyuan, província de Hunan, por onde passa o Xiangjiang [o rio principal do lago Dongting, e daí a ligação ao Yangzi]. Ainda no reinado de Yaodi, após despedir Gun por este não conseguir evitar as inundações, convidou Yu, com o mesmo ofício do pai, para substituir Gun no cargo. Yu trabalhou também para Shundi e ficou conhecido por conseguir controlar as cheias através da construção de canais, alargando os leitos dos rios e desviando as águas para as fazer correr até ao mar. Devido à sabedoria de Yu, Shundi com 83 anos colocou-o rei e como Dayu governou durante 45 anos, fundando a dinastia Xia (2070-1600 a.n.E.), a primeira da China. Até Yu, os chefes eram escolhidos pelo seu saber e capacidade de resolver os problemas.
José Simões Morais Via do MeioRio Amarelo Conhecido em chinês por Huanghe (黄河), o segundo maior rio da China com 5464 km de comprimento atravessa nove províncias, tendo em Qinghai a nascente, a Oeste do rio Jinsha (outro dos nomes do Changjiang). A Oeste da China, no planalto tibetano nasce o rio Amarelo na cordilheira Kunlun, nas montanhas Bayan Har (Bayankhar, na língua mongol) no planalto Yekulonglie em Chenduo, prefeitura Yushu, província de Qinghai, de onde parte para Leste com o nome mongol de Yekulongliechu. Os tibetanos chamam-no Maqu, pois segundo eles o início do rio parece a cauda de um pavão devido ao leque formado por inúmeros lagos e rios que convergindo são a sua fonte. Essas provêm de três lagos (Gyaring, Ngoring e Xingxiuhai), que se juntam no cruzamento de um pequeno rio proveniente do Norte denominado Chacu e outro do Sul, mais longo chamado Karichu. Após serpentear pelas montanhas de Qinghai, o Rio Amarelo segue brevemente por Sichuan e regressando para Noroeste, passa para Gansu, onde banha a capital Lanzhou. Daí vai para Ningxia, onde subindo atravessa a capital Yinchuan e continuando para Norte entra na Mongólia Interior, passando por Baotou, a maior cidade dessa província e segue até Hekou (sob jurisdição de Togtoh), onde terminam os 3472 km do curso superior do Huanghe. O rio Amarelo inicia o curso médio em Hekou e descendo para Sul em linha recta pela borda da província de Shanxi, fronteira com Shaanxi, quase no final recebe as águas do rio Fen. Mais adiante, na área de Yuncheng (no Sul de Shanxi) o rio Amarelo deixa de correr para Sul e vira para Leste, fazendo de linha limite ao Norte de Henan. Onde o Huanghe faz a viragem para Leste desagua o rio Wei [proveniente das montanhas Qinling ainda em Shaanxi], que em Xianyang [capital da dinastia Qin, a 25 km a Norte de Xian] recebera o afluente Jing e mais à frente o rio Luo, parecendo ser esse balanço de enxurrada a desviar o rio Amarelo para a fronteira entre a província de Shaanxi e Shanxi, levando-o a entrar em Henan. Aí, em Jixian (prefeitura de Linfen, Shanxi) a queda de água de Hukou, catarata com 15 m de altura e 20 m de largura, é a maior do rio Amarelo e a segunda maior da China. É devida à fluição das águas provenientes do Grande Canhão de Jinxia, estando o rio Amarelo emparedado por montanhas a reduzir a sua largura, logo a correr mais veloz, ao encontrar-se com a montanha de Hukou, sem possibilidade de passar essa barreira, esgueira-se por uma estreita abertura e submerge numa queda de 15 a 20 metros de altura. Sanmenxia é a prefeitura mais Oeste de Henan, fronteira com Shaanxi, e a cidade encontra-se no lado Sul do Rio Amarelo, havendo duas ilhas que dividem em três partes o rio, na altura de entrar na sua viagem para Norte pelo planalto de loesse, formado pelo depositar dos sedimentos férteis amarelados transportado pelas águas do rio. Nos anos 60 foi construída a barragem Sanmenxia (Garganta das Três Portas), local ligado com um dos trabalhos de Da Yu, quando usou o machado divino para cortar a montanha em três partes, criando as Gargantas de Sanmenxia a prevenir inundações. Atravessando o Norte de Henan, o Huanghe banha em Taohuayu a capital Zhengzhou, à frente da qual o rio Qin desagua e finaliza os 1206,4 km do Curso Médio de Huanghe, iniciado em Hekou na Mongólia Interior. A setenta quilómetros a Leste da capital Zhengzhou, aparece Kaifeng na margem Sul do Huanghe e o rio corre depois na província de Shandong pela capital Jinan e no distrito Kenli, em Dongying, desagua no mar de Bohai. PASSEAR NO HUANGHE A cor amarela a dar o nome ao rio deve-se à grande densidade de sedimentos transportados nas suas águas a provocar o empobrecimento dos solos nos planaltos de loess situados no Noroeste da China. Esses sedimentos vão-se depositando no médio e baixo curso do rio, provocando uma mudança do curso deste de dez em dez anos e as margens tornam-se muito férteis. No período das chuvas e do degelo, entre Maio e Agosto, o rio corre com um vigor inacreditável para quem o conhece no resto do ano, quando parece adormecido e parado. Por ano, 50 mil milhões de metros cúbicos de água são drenadas por este rio no mar e irriga 750 mil quilómetros quadrados de terrenos. O Curso Alto do Huanghe passa por Lanzhou, a primeira grande cidade e capital da província de Gansu. De Lanzhou ficou na memória de viajante o navegar sobre uma boia no rio Amarelo, as obras por toda a cidade, a construção de novas avenidas e a abertura de centros comerciais, cujas inaugurações eram feitas com a dança do leão e espectáculos coreografados por crianças das escolas, havendo ainda danças praticadas por diferentes etnias. No público, depreendidos pelas vestes e feições dos rostos estavam tibetanos, uigures, huis e dongxiang. Essas minorias trajando de cores aguerridas vinham à cidade e nas grandes avenidas contrastavam com as vestes cinzentas da população local muçulmana que se dirigia às inúmeras mesquitas. Durante muitos séculos, os caminhos do comércio fizeram passar por esta cidade as caravanas de uma rota conhecida como a da Seda do Oeste. Parece estar esse tempo a ser apagado dos registos de Lanzhou e os habitantes, resignados, assistiam à destruição das antigas estruturas da cidade, provenientes do tempo de bastião avançado do País do Meio. Agora, com um novo planeamento urbanístico a merecer o acordo dos habitantes, a cidade está de novo a ser construída. Contentes, referem chegar a hora de com novas casas melhorar as condições de vida. Numa esquina do largo espaço da praça principal, protegidos do Sol, jogadores de xadrez ali se refugiam às dezenas. Refrescam-se de um calor seco, cobertos pela sombra de frondosas árvores e com uma pequena aragem a correr. Verdadeiras finais são ali disputadas entre tabuleiros. A mesquita, que ao centro divide a avenida, dos altifalantes difunde o sermão para a rua e muita gente sentada à sombra de pequenas árvores escuta-o, enquanto vai preparando o cenário do seu trabalho, pois ali estão os que lêem as mãos, os que usam o Yi Jing e outros a trabalhar com o “Fengshui”. O rio Amarelo corre em Lanzhou mansamente com uma cor barrenta, já sem a fúria característica depois das fortes chuvadas, que aparecem normalmente na altura do degelo das montanhas durante o Verão e provocam inundações por todo o vale. A paisagem mostra ainda campos de cereais calcados por recentes enxurradas de incontroláveis águas. A areia fina das dunas de um amarelo acastanhado, trazida por o vento do deserto, escorre até ao Huanghe. Na borda do rio, jangadas feitas com boias da pele interior e inteira de carneiro, atadas na parte extrema de cada uma das quatro pernas e cosidas no lugar onde falta a cabeça e na pele da barriga, após desmanchado o animal. Cheia com ar serve de flutuador e levando em cima canas de bambu a fazer de estrado permite transportar famílias. Por vezes essas jangadas usam mais do que uma boia, atadas umas às outras. O passeio proporciona algo raro para o rio Amarelo, o embarcar numa travessia do rio, ou uma descida por pequenos rápidos. Do outro lado, devido ao carácter pedregoso das montanhas uma fraca vegetação e no vale uma pequena aldeia junto ao rio, envolta por um verde agrícola onde se destaca uma enorme mesquita. Querendo visitar uns velhos moinhos de água, referenciados em antigos guias como monumentos da dinastia Han, é-me dito terem já sido desmantelados, talvez para reparar. O rio Amarelo, subindo de Sul para Norte pela província de Ningxia, a meio passa pela capital Yinchuan [conhecida Xingqing quando foi capital da dinastia Xia do Oeste (Xixia, 1034-1227)] sendo as suas águas desviadas por inúmeros canais para irrigar os campos. Milho, arroz e trigo crescem em quantidades a ultrapassar as necessidades da região, fazendo de Ningxia uma província maioritariamente agrícola. A província de Henan, situada na parte média do Rio Amarelo, é um dos berços da civilização chinesa, onde desde a antiguidade viveram ilustres personagens, como Fu Xi, o primeiro Ancestral da Civilização Chinesa e Nu Wa, ambos considerados o pai e mãe do povo chinês, assim como Sui Renshi, o primeiro a fazer fogo. Aí nasceu o Imperador Amarelo, Huang Di que, unindo as tribos, criou o povo chinês. Albergou ainda as capitais dos Soberanos Zhuan Xu e Di Ku e das três primeiras dinastias chinesas, a Xia, a Shang e a Zhou. Lao Zi, filósofo do Dao aqui viveu tal como Zhuang Zi, Hua Mulan – heroína do tempo da dinastia do Norte (386-581) e tantas outras personagens famosas da História da China. Seguimos para Zhengzhou, a capital da província de Henan, onde termina o Curso Médio do Huanghe em Taohuayu. Situada na parte média do rio Amarelo foi no período Neolítico um local privilegiado, pois aí floresceu a cultura Peiligang há 8 mil anos, a cultura Yangshao um milénio depois e a cultura Longshan (3000-1900 a.n.E.). Ligada à cultura Erlitou (1900-1500 a.n.E.), a dinastia Xia (2070-1600 a.n.E.) em Zhengzhou fez a capital com o nome Yangcheng, sendo também depois a primeira capital da dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.), relacionada no início com a Cultura Erligang (1600-1400 a.n.E.). Por Zhengzhou passavam os barcos de transporte a navegar pelo rio Amarelo entre as capitais das dinastias situadas a nascente e o celeiro da China, a Leste.
José Simões Morais Via do MeioCultura do Rio Azul A maioria das culturas e civilizações começaram nas imediações de cursos de água e devido a ser este Elemento essencial, tanto para a vida biológica como ao quotidiano estar, aprendeu o Ser Humano a usá-lo como via de comunicação. Na China, nas margens dos seus dois mais importantes rios, começou uma gloriosa História de Civilização, a legar grandes e bons inventos ao Mundo, assim como a perpetuar uma acausal maneira de pensar. Dividida em três diferentes zonas geográficas, as culturas nelas germinadas desenvolveram-se paralelamente e ao serem absorvidas formaram um orgânico corpo cultural, cujos avanços no reconhecimento dos povos entre si, tanto da Planície Central, como do Vale de Sichuan e na Região de Lingnan, tornaram-se pólos irradiadores da Civilização Chinesa. Estava-se no período Neolítico, entre 8 mil a 2 mil a.n.E., quando se deu início à Agricultura e nas férteis áreas entre os rios Amarelo e o Yangzi a civilização chinesa rapidamente se desenvolveu. A Norte, a cultura do milho desenrolou-se à volta do Rio Amarelo e no centro-Sul a do arroz, cultivado em torno do Changjiang (rio Azul, ou Yangzi), num período de grande avanço nas técnicas agrícolas e métodos de cultivo. Segundo a História, ainda a mim contada, a Civilização da China nascera no rio Amarelo e afluentes, e nas margens do seu curso médio e baixo ocorreu, devido ao saber e conhecimento do Imperador Amarelo (2704-2595 a.n.E.), a união de muitas das tribos, englobadas inicialmente nos Huaxia. Huangdi (Imperador Amarelo) foi o primeiro chefe patriarcal, pois do social retirou o domínio matriarcal a reinar havia 45 mil anos. Os Huaxia mais tarde passaram a ser o povo Han. As tribos que se recusaram a integrar esse povo, como parte dos Dongyi, migraram e vamos encontrá-los noutras paragens, divididos entre Miao, Qiang e Yi. Nas margens do rio Amarelo e seus afluentes muitas das primeiras dinastias fizeram as capitais. Agora, ao longo dos anos foram-se descobrindo as culturas neolíticas do Changjiang (rio Longo, ou Yangtzé), a permitir perceber no vale desse rio a herança de há 5 mil anos iniciada por intercâmbios das culturas Majiabang e Liangzhu e da mesma altura com a cultura Shu (2800-800 a.n.E.), proveniente da província de Sichuan a abarcar os povos Ba e Qiao. Abria-se assim um azul estar a escoar o espírito da cultura Wu Zhu (巫祝) do povo Shu pelo Changjiang até à foz. Nesse longo curso de água, também conhecido por rio Azul, Laozi em contemplação banhou-se no Dao de onde respira a energia do Universo e em alta avaliação do momento teorizou a Filosofia do Dao, ligada ao animismo da una idade Celeste (天, Tian), deixando-nos escrito o Dao De Jing (道德经, A Via da Virtude do Universo). Sichuan era também a porta para os caminhos do Sudoeste, de montanhas e rios até à Ásia Central e Índia, de onde provinham muitas novidades e novos produtos das outras Civilizações, a indiana e a egípcia. Para a trindade de consciência, simbolizada nas três cores primárias, se o rio Amarelo tem a cor imperial do Soberano, o rio Azul conecta a contemplação no momento do estar e existe ainda a complementar o rio Vermelho (红河, Honghe), com 1150 km de comprimento. Nasce nas montanhas Hengduan, em Yunnan na China, e já no Vietname segue por Hanói para desaguar no Golfo de Tongkin, enquanto o Lancangjiang (澜沧江, rio Mekong, com 4350 km), proveniente do planalto Qinghai-Tibete, passa a Oeste da nascente do rio Vermelho em Yunnan e tem a foz a Sul do Vietname. Devido à expansão para Sul da dinastia Qin, o Changjing tornou-se o rio a dividir Zhongguo (中国, País do Meio, China), ficando a via fluvial do centro, pois o território chinês passou a estender-se para Sul até meio do Vietname. Nessa zona corre o rio Vermelho habitada por nómadas tribos, conhecidas por as Cem Tribos Yue (BaiYue, 百越), descendentes da migração saída do Corno de África há 100 mil anos, e apareceu na China como Homo sapiens Denisovans, os Neandertalensis da Ásia, já com feições do homem moderno chinês. Na caminhada desses grupos para Norte, em Yunnan foram os primeiros a desviar por o rio Vermelho para Leste até ao mar. Os últimos dessa peregrinação, antes de chegar ao gelo das estepes do Norte, seguiram por o curso do rio Amarelo, no actual Gansu, de onde há cinco mil anos os saberes de Fuxi, o primeiro Ancestral da Civilização Chinesa, se transmitiram para Leste. Na província de Jiangsu, situada a Sul do rio Yangzi está a zona de Jiangnan, densamente povoada devido a ser privilegiada em lugares bafejados de Vento e Água (Fengshui) e por isso, favoravelmente escolhida por a riqueza do viver. INUNDAÇÕES DO VALE DO YANGZI As águas do Changjiang, das nascentes descem abruptamente cinco mil metros em altitude e correndo entre estreitas e altas paredes montanhosas durante milhares de quilómetros, encontram-se em Hukou (Jiujiang) no início dos 938 km do Curso Baixo do Changjiang (长江下游). De zonas planas com um sem número de lagos, conhecida por as “Infindáveis Terras Alagadiças”, aí as águas do rio amansam e tornam-se mais lentas, mas na altura dos degelos, em finais da Primavera e durante o Verão, com as imensas chuvas da monção a ajudar, as cheias são uma constante, varrendo tudo à frente. No historial das inundações do vale do Yangzi regista-se as maiores de sempre há 4 mil anos. Entre 7000 e 2000 a.n.E., a cada quinhentos anos havia uma grande inundação e catastróficas foram sete entre 8000 e 1300 a.n.E.. Da Yu, fundador em 2070 a.n.E. da dinastia Xia, já como rei veio ao vale do Changjiang tentar controlar as cheias do rio no lugar das Três Gargantas, conseguindo, com ajuda das divindades, desobstruir as águas ao abrir um furo no monte de Wu(shan), voltando elas a escoar até ao mar. Desde a dinastia Han até à Qing, durante dois mil anos houve à volta de duzentas inundações na bacia do Yangzi, ocorrendo uma a cada dez anos, ficando registada a de 160 a.n.E., mas especialmente grandes foram duas, em 1860 e 1870. No século seguinte, devido às cheias, em 1931 morreram 145 mil pessoas, em 1935 sucumbiram 142 mil e em 1954 faleceram 33 mil. Quando por aí viajamos, assistimos em 1991 a uma grande cheia. ATÉ SHANGHAI Regressados a Nanjing, daí embarcamos para a última parte do percurso a levar-nos até Shanghai, numa viagem de 18 horas, tendo o ponto de interesse focado no cruzamento do Grande Canal com o rio cujo nome junto a Yangzhou é Jiang Yangzi. Estamos na província de Jiangsu e pouco tempo depois de deixar Nanjing aparece na mesma margem esquerda Yangzhou e no lado oposto do rio está Zhenjiang, cidades onde as águas do Grande Canal se misturam às do Changjiang, conectando-as. De barco fizera a viagem por o Grande Canal, de Sul para Norte, de Hangzhou a Suzhou, mas por ser já noite pouco deu para perceber como as suas águas se cruzavam com as do rio. Sentiu-se uma maior ondulação e a mudança de direcção ao navegar um pouco num estreito canal junto à margem paralelo ao Yangzi, até verdadeiramente ser confrontado na travessia com a corrente de Oeste para Leste a baloiçar o barco. A calma voltou ao chegar à margem esquerda do rio e retomar o Grande Canal a Leste de Shiqiao, a Sul da cidade de Yangzhou. Na parte final do Curso Baixo do Changjiang encontra-se na margem direita Jianbi, cidade ligada à metalurgia pesada pertencente à prefeitura de Zhenjiang, por onde passam os barcos no Grande Canal a caminho de Hangzhou. Segue-se, ainda em Jiangsu, já no delta do Changjiang a ilha ocupada por a cidade de Yangzhong, aparecendo para Leste, na outra margem, Binjiang em Taixing, administrada por Taizhou. Continuando rio abaixo, na margem esquerda Jingjiang e no outro lado Jiangyin, cidade administrada por Wuxi e muito importante como porto de mercadorias. Por fim Nantong, na margem esquerda quase no final de um dos ramos do Yangzi, pois este rio termina em delta. A embarcação navegou durante uma hora no mar da China, entrando depois no rio Huangpu, que banha Shanghai, até atracar no cais em frente ao Peace Hotel. Olhando para o outro lado, terrenos áridos a serem terraplanados onde está planeado construir Pudong, o pólo financeiro de Shanghai. Há quatro anos ocupados por velhas fábricas a cair, prepara-se agora para aí nascer uma nova e dinâmica cidade. Dois prédios de uns vinte andares ali vão sendo construídos e no lugar ainda sobrevivem dois casebres, com horta em frente. Tão longe estamos de imaginar o que virá a acontecer àqueles vastos terrenos naquela ilha. De Shanghai, a embarcação essencialmente de mercadorias, tinha duas cabines de dois beliches abertas para turistas, fazendo a viagem duas vezes por semana por mar, passando por Xiamen e chegou ao porto de Guangzhou após navegar à noite no Zhujiang. Regressamos a Macau também de barco e no rio Xi aportamos no Porto Interior, alvorecia o dia.
José Simões Morais Via do MeioCurso Médio do Changjiang (长江中游) Nos 6363 km, o rio Longo (Changjiang), também conhecido por Yangtzé ou Yangzi, está dividido em três secções, o Curso Superior do Changjiang (长江上游) com 4504 km de comprimento, desce das nascentes da montanha de Tanggula (唐古拉山) nos planaltos de Qinghai-Tibete e termina em Yichang (宜昌), província de Hubei. Aí se inicia o Curso Médio do Changjiang (长江中游), com 955 km de comprimento até Hukou (Jiujiang, no Jiangxi), tomando o rio o nome Jingjiang entre Yichang e Yueyang. A viagem de barco de Yichang a Wuhan leva 22 horas e passa por Yidu, onde o rio Qing desagua no Jingjiang, depois aparece na margem esquerda Jingzhou, cidade antiga muralhada, centro militar com muita história e na mesma margem está Shashi, directamente controlada por o governo provincial de Hubei. Servira já no Período dos Reinos Combatentes (475-221 a.n.E.) de porto ao reino Chu e foi um dos quatro portos abertos aos japoneses em 1895. Navegando para Sul em Hubei chegamos a Yueyang, na parte Leste do Norte da província de Hunan, onde o rio toma a direcção Nordeste e de novo por Hubei vai à capital Wuhan, a meio da parte navegável do Changjiang. Daí, até chegar à pequena cidade industrial de Jiujiang, são treze horas. Desde Wuhan, o curso das águas desce para Sudeste, passa por Huanggang, Huangshi e ainda em Hubei por Wuxue (武穴市, até 1987 Guangji), tendo na margem oposta, já na província de Jiangxi, Niuguanji (牛关矶), em frente às quais o Changjiang regista a sua maior profundidade natural com 103m, considerada como as águas mais profundas de um rio no mundo. De novo a Norte da província de Jiangxi, agora em Jiujiang, localizada na margem direita do rio, onde pouco depois se encontra a boca do lago Poyang [este, com 3585 km² de superfície é o terceiro maior da China, sendo de água doce]. Na península em frente à de Jiujiang fica Hukou, considerado um bairro nos arredores da cidade, onde se iniciam os 938 km do Curso do Baixo Changjiang (长江下游) até desaguar no Mar do Leste da China, Oceano Pacífico. DE BARCO ATÉ NANJING Numa viagem de cerca de vinte horas, na continuação da descida feita de barco desde Chongqing, em Jiujiang rumámos para Nanjing. O navio de grande calado está dividido por andares e zonas, mediante o número de camas por cabine. Assim a segunda classe, a corresponder à primeira devido à não existência dessa categoria, é de cabines para duas pessoas com todo o tipo de conforto, alcatifa, televisão, quarto de banho privativo, mesa, poltronas e varanda com as melhores vistas para o exterior. Mediante o tamanho do barco, nessa classe podem existir duas, quatro, ou seis cabines, mas então raramente ocupadas pois o preço dobra em relação à classe seguinte. Já na terceira classe, o número também varia, podendo dispor de cabines de seis, oito, ou doze camas em beliches. Um lavabo e uma televisão juntam-se a uma mesa e à garrafa termos, constituindo o mobiliário de cada um desses cubículos, onde uma pequena janela redonda dá acesso a uma das margens. A quarta classe é de cabines sob a forma de corredores entre dezasseis a trinta e duas camas em beliche, tendo além do lençol, uma toalha, almofada e um cobertor. A quinta classe dá simplesmente acesso ao barco, com bancos corridos num amplo compartimento, mas sem cama as pessoas dispersam-se pelos corredores e locais de mercadorias, ou ainda no convés, quando o clima permite. Os vários quartos de banho e retretes compartimentadas por paredes baixas são constantemente limpos à mangueirada. Existem dois restaurantes de classes distintas, embora ambos com preços acessíveis, sendo o de melhor qualidade transformado à noite em sala de karaoke e discoteca. Pouco tempo depois, apareceram os paquetes de luxo a fazer cruzeiros, elevando a qualidade às excursões turísticas. Arrumadas as malas, vamos à varanda e percebendo poder ter outra vista, subimos as escadas até ao andar superior. Do outro lado do rio, um imenso número de grandes batelões passa e é quando na margem nos apercebemos de um porto de carga. Os estaleiros mais à frente, assim como o porto da marinha chinesa só verdadeiramente os vemos já o barco navega Rio Longo acima. Comboios de barcos cruzam vagarosamente, pois mais de uma dezena de barcos atrelados são puxados por um rebocador com o mesmo tamanho, deixando-os livres para o transporte de carga. Após Jiujiang, o Wanjiang [assim chamado o rio entre Jiujiang e Wuhu] vira agora para Nordeste e já na província de Anhui, na margem esquerda os lagos vão até Anqing. Na margem direita aparece Guichi e no lado esquerdo Tongling, seguindo-se Wuhu e por fim Ma’anshan, na fronteira entre Anhui e Jiangsu. Chegados a Nanjing ao cabo de vinte horas, atracamos junto à ponte rodoviária e de comboios construída em 1968. Está Nanjing (a Capital do Sul) em total remodelação, com as grandes avenidas, anteriormente cobertas por árvores, escavadas para a construção de modernos viadutos e mais tarde, de novo para o metro. As pessoas mais velhas olham tristes a demolição das casas, sentindo-se órfãs da cidade que lembra os 50 anos da invasão japonesa. Prepara-se agora afincadamente para o século XXI. Sem atenção prestada ao trajecto desde Jiujiang, após visitar Nanjing, com vontade de sentir a experiência do lento navegar rio acima, rumamos de volta, para ter o deslumbre do sulcar as águas numa lassidão sem relógio. Saindo de um dos cais a jusante da ponte rodoviária e de comboios de Nanjing, o barco passa primeiro por uma povoação da qual não sabemos o nome e alguém depois informou ser Ma’anshan, já a Leste da província de Anhui, pois ali termina Jiangsu. Após 90 km de viagem aparece a povoação de Wuhu, seguindo-se Tongling na margem esquerda e Guichi [desde 2000 Chizhou], onde o barco atraca. Dão-nos meia hora para visitar terra, o tempo necessário para descarregar a mercadoria trazida a abastecer a região. Do cais, subindo as escadarias de pedra a levar à pequena povoação, somos atraídos por um som de altifalante. Em cantata, sem nenhum instrumento musical a tocar senão a voz, a atenção é chamada para uma ruela em frente ao muro do porto. Seguimos atrás daquela música estranha e encontramos um aglomerado de pessoas concentradas em torno de uma figura tauísta, personagem de aspecto descuidadamente rural, com um gravador. Virado para um pano colocado no muro canta enquanto aponta com uma vara os caracteres escritos. Traz um acto de ópera teatralizado pela dicção dada, sonoridade cuja língua de uma melodia fora da do mandarim vibra ao coração, apesar de nada ter de terno. No chão, um plástico retira da lama o gravador e as cassetes vendidas a 5 yuan. Gostamos da música e a cena fica-nos na mente. Daí comprar a k7 e sem pedirmos desconto cobra-nos 4 yuan. Anos mais tarde ouvimos este músico na rádio, cujo nome não sabemos, pois a caixa da cassete nem capa traz. De novo no barco, as pessoas sem dele saírem compram laranjas a uma pequena embarcação nele encostado. Seguimos viagem e após Anqing, deixando Anhui entramos na província de Jiangxi. No cruzamento destas duas com Hubei e pouco antes de chegar a Jiujiang, o Changjiang toma o nome de rio Xunyang. Em Jiujiang, à saída do porto encontramos as ruas transformadas em feiras, sendo o número de restaurantes elevado. Por estar perto a cidade da porcelana, Jingdezhen, resolvemos voltar a visitá-la e de autocarro partimos para percorrer os 150 km feitos em seis horas de estrada. A viagem é interrompida a meio, pois temos de mudar para uma barcaça afim de atravessar o lago Poyang, próximo da foz com o rio Yangtzé. Um cabo aéreo conduz o barco, mais parecido com um grande contentor sem tampa, permitindo a travessia a pessoas e carros. Na outra margem, um autocarro espera para nos levar a Jingdezhen. Daí, a porcelana era escoada pelo rio Chang em pequenos barcos até ao Yangzi, de onde entrando pelo Grande Canal desde o século XV seguia para a capital Beijing. Agora [imagem de 1991 a 1995] o rio Chang serve de refúgio aos barcos-casa onde famílias inteiras habitam, alguns abrigados por a ponte. Falta agora percorrer o Curso do Baixo Changjiang (长江下游) até Xangai.
José Simões Morais Via do MeioSecção do curso Superior do Changjiang (长江上游) O rio Longo, em chinês Changjiang (长江), conhecido também por rio Yangtzé, ou Yangzi (扬子), é o terceiro maior do mundo, depois do rio Nilo com 6690 km e o Amazonas de 6570 km. Designado por rio Azul, é o maior dos três grandes rios a atravessar a China, tendo 6363 km de comprimento, sendo ainda um dos cinco rios a cruzar o curso do Grande Canal. As fontes de água do Changjiang encontram-se no planalto tibetano e nas montanhas Kunlun [a Leste da cordilheira dos Pamir e para Oeste do Vale de Sichuan marca o final Norte do Planalto Qinghai-Tibetano] de onde nascem os dois rios, Dangqu (当曲) e o Tuotuo he (沱沱河), que ao se juntarem formam o rio Tongtian (通天河), um dos muitos nomes do Changjiang ao longo do seu percurso. As duas nascentes estão na montanha de Tanggula (唐古拉山, Serra Dangla): no lado da província de Qinghai, o rio Dangqu tem a fonte a 5170 m de altitude na montanha Xiasheriaba (霞舍日阿巴山, de 5395 metros); e na província do Tibete, o rio Tuotuo (ou Ulan Moron em tibetano) é formado na geleira a Oeste dessa mesma montanha de Tanggula, a Sudoeste do planalto tibetano, no seu mais alto pico Geladaindong. O Dongqu após 234 km e o rio Tuotuo depois de 336 km, juntam-se e formam o rio Tongtian (通天), que ainda na província de Qinghai percorre 828 km antes de seguir para Sudeste e juntar-se em Yushu (quarta maior cidade de Qinghai) ao afluente rio Batang (巴塘河). Aí, de Yushu Zhimenda (玉树直门达) até Yibin (宜宾) em Sichuan percorre 2308 km e passa a ser conhecido por Jinshajiang (金沙江, rio das Areias Douradas), outro dos nomes do Changjiang. Como rio Jinsha atravessa as províncias de Qinghai, Tibete, Sichuan, Yunnan e volta a Sichuan, onde termina. Na sua trajectória para Sul, alimentado por múltiplos afluentes, o rio Jinsha ao atingir a província de Yunnan envolve a cidade de Lijiang [localizada no planalto Yungui, ainda pertencente ao planalto Qinghai-Tibete] e pouco depois em Panzhihua, no extremo Sul de Sichuan, recebe as águas do rio Yalong (雅砻江), o mais comprido com 1637 km e principal afluente do Changjiang, proveniente das montanhas Hengduan [junção do planalto Qinghai-Tibete com o planalto Yunnan-Guizhou]. O rio Jinsha (金沙江) passa a correr para Nordeste por a província de Sichuan até Yibin (宜宾), onde termina a uma altitude de 305 metros. Após o afluente Minjiang desaguar em Yibin no Changjiang, este por atravessar Sichuan fica com o nome de Chuanjiang (川江) nos 1040 km até Yichang (宜昌), província de Hubei. Nos 410 km de Yibin a Chongqing, em Luzhou desagua o rio Tuo proveniente de Leshan e já no extremo Leste da península colina onde o centro de Chongqing se encontra, o afluente rio Jialing junta-se ao Chuanjiang, encontrando-se próximo daí as docas Chaotianmen, onde vamos para embarcar. Após Chongqing, a altitude do Chuanjiang passa a ser de 40 metros, percorrendo 630 km até Yichang (宜昌), onde termina o Curso Superior do Changjiang (长江上游) com 4504 km desde as suas duas nascentes. PERCURSO DAS TRÊS GARGANTAS Em 1991 chegamos à segunda cidade mais importante de Sichuan, Chongqing com a intenção de realizar de barco a descida do Rio Longo até Wuhan, passando por o famoso cenário turístico das Três Gargantas, numa viagem de três dias. Na compra do bilhete de barco havia a possibilidade de escolha para desembarcar nos portos fluviais de uma série de cidades existentes a jusante do Yangtzé [assim chamado o rio por os estrangeiros]. Em Chongqing inicia-se a parte navegável do rio para navios de grande porte e a viagem até Shanghai (Xangai) dura cinco dias e em sentido inverso, para percorrer os 2400 quilómetros contra a corrente, leva sete dias. Chongqing desde 1983 tinha já a parte financeira e económica sob o controlo do Governo Central, mas administrativamente os seus treze milhões de residentes pertenciam à província de Sichuan, então com 100 milhões, a mais populosa da China. Em 1997, devido à necessidade de construir a Barragem de Sanxia [三峡壩, das Três Gargantas] deixou de pertencer a Sichuan e tornou-se o Município Administrativo de Chongqing. Aquando da nossa primeira viagem por o Changjiang em 1991 ainda não havia referência alguma à Barragem Hidroeléctrica das Três Gargantas (三峡大壩, Sanxiadaba), cuja decisão governamental ocorreu no ano seguinte, ficando a obra pronta em 2008, tornando-se a maior barragem do mundo. Quando possível, o barco é um bom meio para viajar no centro e Sul (a parte mais populosa da China), sobretudo nas deslocações feitas por o interior. Apesar de vagarosas, são agradáveis viagens. Por água, [lembrar estarmos em 1991], conseguimos fugir às enchentes dos comboios e às más estradas do interior do país. Devido à lentidão deste transporte, a permitir repousadamente saborear a paisagem e a possibilidade de conviver com os chineses, faz dele um meio privilegiado. Esta vez o rio sofre uma cheia a inundar os campos, aumentando bastante a largura entre as margens. O barco partiu de Chongqing às 7 horas da manhã e após parar em Fuling e Fengdu, ancorou na margem esquerda do rio às 18 h em Wanxian, um dos dez importantes portos do rio. [Chamado agora Wanzhou, devido à construção da barragem perdeu quase metade da sua área urbana.] De Wanxian saímos às 4 horas para a partir das 8 da manhã navegar na zona das Três Gargantas e chegar a Yichang às 16 horas. Pouco depois de Wanxian, na mesma margem aparece Yunyang, onde atravessando o rio, na margem direita se encontra o Templo de Zhang Fei. Segue-se Fenhjie (Yong’an), antiga cidade capital do reino Kui durante a dinastia Zhou de Leste (771-256 a.n.E.), e para Leste após oito quilómetros inicia-se a Garganta Qutang. À sua entrada, na margem esquerda aparece a povoação-fortaleza de Baidi (Cidade do Imperador Branco, ou Celeste Dragão Branco). Aí, há mais de dois mil anos teve origem o antigo reino Bashu [a cultura Bashu tardia terá começado nos finais do Período Primavera-Outono (770-476 a.n.E.) e com doze gerações de governantes durou até 316 a.n.E., quando o reino Qin eliminou os Ba]. Já no Período dos Três Reinos, Baidicheng foi o local para o governante do reino Shu, Liu Bei (161-223) se retirar após derrotado por o reino Wu e ao sentir-se muito doente, entregou o filho Liu Chan a Zhuge Liang, o seu primeiro-ministro, para o orientar na governação; episódio conhecido por “Confiar o órfão em Baidi”. Navegando oito quilómetros entre altas falésias na Garganta Qutang, dizem-nos poder aí ver incrustados a meio da montanha caixões suspensos do povo Ba. A seguir aparece a Garganta Wu com 45 km de comprimentos e falésias em ambos os lados, onde no ano de 208 terá sido firmada a aliança entre os reinos Shu e Wu contra o Wei. Esta segunda garganta termina em Badong, na margem direita do rio e onde vive a minoria Miao e Tujia, que no passado desde as margens puxavam com cordas os barcos rio acima. Pouco depois, na margem esquerda do rio encontra-se Zigui (Maoping), o início da última das três famosas gargantas, Xilingxia, a mais comprida delas com 76 km. [No percurso desta garganta encontra-se construída em Sandouping, no distrito de Yiling, desde 2008 a Barragem Hidroeléctrica das Três Gargantas (三峡大壩, Sanxiadaba), onde a profundidade não natural, mas criada das águas do rio é de 320 metros.] Por fim, após 38 km está a comporta Gezhouba a deixar a embarcação numa cota cinco metros mais abaixo. Nos 200 km entre Fengjie e Yichang a largura do Chuanjiang varia entre os 300 e menos de 100 metros, dependendo da estação do ano. Em Yichang termina o Curso Superior do Changjiang e o barco faz a primeira grande paragem. DE BARCO ATÉ WUHAN De Yichang, a viagem de barco já no curso médio do Changjiang (长江中游) levou 22 horas até Wuhan. Ainda na margem do lado esquerdo do rio, agora chamado Jingjiang, apareceu pouco depois Jingzhou (província de Hubei). Seguiu-se Yueyang (o único porto internacional de Hunan) situada na margem direita e onde o lago Dongting a Nordeste se liga às águas provenientes do rio Longo. A localização do lago criou o nome das duas províncias, Hubei (a Norte do lago) e Hunan (a Sul do lago). De Yueyang, o Changjiang corre para Nordeste e por a província de Hubei vai até à sua capital Wuhan, onde o rio Han após percorrer 1532 km se torna seu afluente. O Hanshui (汉水) nasce na parte Sul das montanhas Qin (秦岭, Qinling) e percorrendo-as em longitude por o vale criado com a parte Norte das montanhas Daba [a separar Sichuan e Chongqing], passa na cidade de Hanzhong e do Sudoeste de Shaanxi flui para Leste, entrando na província de Hubei. Em Wuhan o Hanshui desagua no Changjiang, dividindo a cidade em três cidades: Wuchang (no lado direito do rio Longo, situa-se à frente da foz do rio Han); na margem Norte do rio Han está Hankou e a Sul, Hanyang, banhando o Changjiang as margens destas três cidades, que formam a capital da província de Hubei. De registar o enorme crescimento de Wuhan, quer populacional, quer em termos da criação de novas indústrias joint-venture com famosas marcas Ocidentais. A meio caminho entre Beijing (Pequim), Guangzhou (Cantão) e Shanghai, está Wuhan como centro do País do Meio, não sendo alheio o incremento dado por o governo central a esta zona especial. O desenvolvimento das vias rodoviárias ficou complementado em 1957 por a nova ponte de Wuhan, ainda então o orgulho dos chineses. Atracado o barco em Hanyang, vamos à cabine de seis camas em beliches que nos coube no bilhete de terceira classe e recolhemos a bagagem. A espreitar do postigo, termina a primeira deambulação no rio Longo, por onde iremos navegar até à foz, entre novas zonas e outras cidades.
José Simões Morais Via do MeioO Grande Canal I | As montanhas Sagradas na China A Água é o Elemento do tema a abordar, “O Grande Canal”, logo os rios seriam os primeiros a serem introduzidos, mas então, qual a razão de começar por falar de Orografia (parte da geografia física que trata da descrição das montanhas)? Se a Índia tem rios e cidades sagradas, na China são sagradas as montanhas, sendo a mais alta do mundo com 8844,43 metros o Monte Qomolangma, nome proveniente da deusa tibetana da mãe Terra e conhecido por Evereste devido ao general George Everest nos anos 40 do século XIX por ali ter andado. Este monte pertence à Cordilheira dos Himalaias, formada há pouco mais de 10 milhões de anos, na Era Cenozoica, quando o continente indiano chocou com a placa euro-asiática continental provocando na zona do choque uma deformação, criando-se assim planaltos com 2 mil até 2,5 mil metros de altura, atingindo alguns cumes os 3 mil metros. Há três milhões de anos, os picos das montanhas dos planaltos tibetanos já atingiam os 4,5 a 5 mil metros de altitude. As altas montanhas na China situam-se sobretudo a Oeste, onde as faldas dos Himalaias chegam a Qinghai, Sichuan e Yunnan, tendo a cordilheira dos Pamir a Oeste de Xinjiang e a Norte, Tianshan. Importante para o nosso tema é a província de Qinghai onde no planalto Qinghai-Tibete nascem os rios mais importantes da China: o Huanghe (rio Amarelo), o Changjiang (Yangzi) e o Lancangjiang (rio Mekong, com 4350 km), que desagua no Vietname. Na província de Shaanxi, o rio Amarelo corre a Norte da cordilheira montanhosa Qinling e o rio Yangzi a Sul. Estendendo-se esta de Leste para Oeste, varia a altura dos montes dos 2000 aos 3600 metros e é considerada a divisão natural entre o Norte e o Sul da China, fazendo de barreira ao frio proveniente do Norte e à chuva do Sul. CRÓNICAS DAS MONTANHAS “No seu culto pela natureza, os primitivos habitantes da China não puderam deixar de ficar impressionados com as vertiginosas altitudes, que, só de longe em longe, surgem no seu vastíssimo solo, plano na sua maior extensão. Como todas as coisas deste mundo que, quanto mais raras, mais estimadas são, essas escassas montanhas, de admiradas, passaram a ser veneradas e, ainda mais respeito infundiram no ânimo dos seus adoradores, no dia, em que, nas suas vertentes, principiaram a enterrar os seus mortos”, escreve Luís Gonzaga Gomes no Chinesices Vol. VII e continuando com ele, “achando que os deuses-montanhas não podiam como os simples mortais, prescindir da companhia do elemento feminino, passaram a conceder-lhes esposas, a inventar-lhes aniversários e a erigir-lhes templos, para a celebração do seu culto. Entretanto, o espírito de hierarquia levou-os a ordenar estes deuses, em diversas categorias, conforme a altitude e a imponência das montanhas por eles personificados. Uma vez criado o culto pelas montanhas, cinco das mais majestosas elevações foram escolhidas para serem veneradas como divindades de maior categoria.” “Conjunto conhecido pelo nome de Ung-Ngók-San [Wuyue shan, 五岳山, As Cinco Montanhas Sagradas] que, pela sua situação geográfica, representavam os cinco pontos cardiais – os chineses consideram também o centro como um dos principais pontos no seu sistema de orientação – bem como, as Cinco Cores, os Cinco Elementos e as Cinco Estações, outras montanhas de somenos importância foram mais tarde e em épocas diversas também incluídas, na sua extensa lista de divindades. Os nomes dessas montanhas, a sua orografia e a sua orogenia, bem como as lendas que se teceram em volta delas, encontram-se registadas no “Sán-Kei” (Crónicas das Montanhas).” Será este o San Oi Keng, (山海经), em mandarim Shan Hai Jing, Clássico das Montanhas e dos Mares escrito por Liu Xiang e o filho Liu Xin entre 206 a.n.E. e o ano 23. É considerado o primeiro livro da literatura chinesa a falar sobre geologia e geografia. Com 31 mil caracteres, nos 18 volumes estão informações sobre montanhas, rios, jazigos de minerais e minas, assim como descreve costumes folclóricos, lendas e antigas histórias, medicina, tecnologia e ciência. “Quanto às ‘Cinco Montanhas Sagradas’, a sua festividade costuma ser celebrada no sexto dia da décima lua e tanto o budismo chinês como o tauismo não duvidaram em homologá-las para o seu culto. É por este motivo que existem crentes chineses que adoram o Imperador Amarelo, ou o Espírito do Centro, representado pelo Sông-Sán [嵩山, Song shan, a montanha sagrada do Centro], ou o Pico Central, e situado na província de Honám (Henan), estando cometido a esta divindade o encargo de presidir à vida dos lagos, rios, canais e florestas; o Imperador Encarnado, isto é, o Espírito de Hâng Sán, [衡山, Heng shan a montanha sagrada do Sul], ou o Pico Meridional, situado na província de U-Nám (Hunan), deus dos astros e de todas as criaturas aquáticas, incluindo os dragões; o Imperador Branco, personificação do Fá-Sán [华山, Hua shan a montanha sagrada do Oeste], ou o Pico Ocidental da província de Sán-Sâi [Shaanxi], divindade esta a quem está incumbida a protecção do reino mineral e avicular; o Imperador Negro, incarnação de Hang-Sán [恒山, Heng shan, a montanha sagrada do Norte, província de Shanxi] ou o Pico Setentrional da província de Tchit-Lei, senhor dos rios e do reino animal; e o Imperador Verde, personificação do T’ái-Sán [泰山, Tai shan a montanha sagrada do Leste em Shandong], ou o Pico Oriental da província sagrada de Sán-Tông, a quem estão entregues os destinos da humanidade, tanto neste como no outro mundo”, escreve Luís Gonzaga Gomes. MONTANHAS SAGRADAS DO BUDISMO As quatro montanhas sagradas do budismo na China são, Jiuhua shan na província de Anhui; Putuo shan em Zhejiang; Emei shan em Sichuan; e Wutai shan na província de Shanxi. Shanxi significa “a Oeste das montanhas” e fazia parte do território limite entre a civilização chinesa e as tribos nómadas do Norte, tendo por isso a Grande Muralha muita importância estratégica. Nessa província se encontram, a montanha Wutai a poucos quilómetros da montanha sagrada do Norte, Hengshan, e ainda a 75 km Sudeste de Datong, no concelho de Jiaocheng o Templo de Xuanzhong, construído no século V e onde nasceu a seita budista da Terra Pura. Na montanha Wutai formada por cinco colinas encimadas por planaltos existem 47 templos budistas de arquitectura tradicional chinesa. O Budismo aqui chegou na dinastia Han do Leste (25-220), sendo Xiantong, o segundo templo budista a ser construído na China. Conta a lenda, o bodhisattva (pusa) Wenshu ao passar por Wutai, sentindo-se inspirado por boas vibrações passou a divulgar os ensinamentos de Buda. O clima era de extremos, as colheitas sempre fracas e perante a vida de miséria do povo resolveu em viagem ir pedir emprestada ao Rei do Dragão do Mar do Leste (东海龙王Donghai Longwang) a pedra preciosa mágica conhecida por Xielongshi (歇龙石, Pedra do Dragão Descansado), comprometendo-se a devolver num prazo de trinta anos. Perante a grande prosperidade ocorrida desde então em torno da montanha Wutai, os habitantes, conseguindo grandes colheitas, foram erguendo templos para agradecer aos deuses, mas esqueceram-se de devolver a pedra mágica e passados os trinta anos, zangado o Rei do Dragão (龙王, Longwang) enviou o Dragão Preto (黑龙, Heilong) a Wutai para a recuperar. Este, sem a conseguir encontrar, circulou como um louco por entre as colinas e descontrolado deitou abaixo os seus cinco picos e daí o nome de Wutai, a significar Cinco Colinas Planas. Essa pedra Xielongshi encontra-se no pátio do Templo Qingliang construído em 472. Já o templo Xiantong, seguindo o modelo de palácio imperial, é o maior de Wutai com uma área de oitenta mil metros quadrados, tendo para ver, o pesado sino de bronze, duas das cinco torres octogonais em bronze de treze andares com sete metros de altura e a sala de bronze mandada construir por o Imperador Wangli (1572-1620) em memória da mãe Imperatriz Xiaoding (1545-1614), concubina do Imperador Longqing que em 1563 lhe deu o herdeiro da coroa. Nas paredes dessa sala foram esculpidos dez mil budas em alto relevo. CINCO MONTANHAS SAGRADAS DO TAOISMO As montanhas sagradas da China, passaram nos finais do século VI a ser as cinco montanhas sagradas para os taoistas. Ainda na província de Shanxi, após passar pela vila de Hunyuan, já na montanha sagrada do Norte Hengshan (恒山) descobrimos na ravina de Jinlong o templo Xuankong (mosteiro de Hanging). Uma barragem encontra-se oculta por trás da montanha de onde um enorme buraco jorra a água em cascata alimentando um pequeno ribeiro a correr por baixo do longo edifício construído nos finais da dinastia Wei do Norte (386-534), quando o nome de Datong era Pingcheng e capital dessa dinastia. No interior de um dos pavilhões soubemos ter muitas vezes sido destruído pela corrente do rio Heng e o actual edifício ser da dinastia Qing. A 25 e 50 metros do solo, numa concavidade da encosta, o complexo é todo em madeira e está suspenso por altas estacas. Composto por diversos pavilhões ligados por estreitos corredores e escadas, alberga uma quantidade de quartos onde se encontram mais de 80 estátuas, tanto de bronze, como de ferro, de pedra e de argila, esculpidas em diferentes períodos. Num dos salões encontrámos juntas as estátuas de Lao Zi (Lao Tzé), Kong Zi (Confúcio) e Buda (Sidarta). O templo Xuankong, incrustado e resguardado no monte Cuiping (翠屏), tem um ar frágil e não fosse estar há mais de 1400 anos naquele suspenso equilíbrio, não nos teríamos aventurado a nele entrar. De camioneta, nos anos 90 demoramos três horas para da montanha sagrada do Norte voltar à cidade de Datong. Na província de Henan, a montanha sagrada do Centro, Song shan (嵩山), situa-se na margem Sul do rio Amarelo e é um parque geológico onde se encontra o Templo de Shaolin. Como cadeia montanhosa está dividida em duas partes, a Oeste a montanha Shaoshi, situada a Noroeste da cidade de Dengfeng, conta com 36 cumes numa extensão de 64 km, de Luoyang a Zhengzhou, e dos sete picos tem um com mais de 1512 metros. Na encosta Oeste de Song shan encontra-se o mosteiro de Shaolin onde no ano de 527 chegou o monge Bodhidharma, o primeiro Patriarca do Budismo Chan e aí criou o wushu (kungfu) de Shaolin. Já na parte Leste, a montanha Taishi tem também 36 montes, totalizando assim a montanha sagrada do Centro 72 montes numa área de 450 km². Na província de Shaanxi, no concelho de Huayin, a cerca de 120 km a Leste de Xian a montanha sagrada do Oeste, Hua shan (华山) conhecida pela sua magnificência e ser muito íngreme e difícil de percorrer. Nos tempos antigos apenas tinha um caminho para a escalar e segundo a lenda o mestre tauísta Chen Tuan no século X aqui viveu em plena reclusão. Na dinastia Tang, a montanha Hua estava a meio caminho entre as capitais Chang‘an e Luoyang e o Imperador Xuanzong designou-a como montanha sagrada da família real Tang. No topo da montanha Hua, uma gigantesca pedra faz lembrar um machado cujo mito refere ser esse o mágico machado usado por Chenxiang [filho da deusa Huayue Sanniang e do marido, o mortal Liu Yanchang, ou Liu Xiang] para cortar a montanha e libertar a mãe, aí encarcerada como punição de violar as regras do Céu. O castigo dado a Huayue por o seu irmão mais velho Erlang Shen devia-se a ser ela uma imortal e por amor se juntar a um mortal. Na província de Shandong, a montanha sagrada do Leste, Tai shan (泰山) tem a reputação de ser o primeiro monte do mundo. Diz-se ser o Grande Imperador da Montanha do Leste, o Deus da Montanha Tai (Dongyue Dadi, descendente de Pangu) a governar sobre a vida das pessoas, dos mortos e das fortunas e a sua filha a princesa Aurora proteger as mulheres e crianças. Situada a Sul da cidade de Jinan, estende-se por mais de 200 km na direcção Leste-Oeste numa área de 426 km² e tem o pico mais alto a 1545 metros. Com duas entradas, a do Norte mais longa e pela porta Sul, na cidade de Tai’an inicia-se a subida de uma ingreme e longa escadaria até ao Céu dividida em dois lanços de quatro quilómetros cada para se chegar ao Palácio das Dádivas do Céu no Templo do Deus da Montanha Tai. Em Hunan, a montanha sagrada do Sul, Heng shan (衡山) tem 150 km de comprimento e 72 picos, situando-se no extremo Sul o pico Huiyan e oposto, a montanha Yuelu no lado Norte, num dos seis distritos urbanos da prefeitura de Changsha. O pico mais alto de Heng shan é o Zhurong (deus do Fogo) com 1300 metros. Foi a única não visitada das cinco montanhas sagradas e por isso a escassez da informação.
José Simões Morais Via do MeioTravessia aérea de Portugal a Macau Foto: Blogue Macau Antigo Faz hoje 100 anos que o Major de Infantaria António Jacinto da Silva Brito Paes ao comando do avião Pátria II e o Major de Engenharia José Manuel Sarmento de Beires como piloto, em 1924, sobrevoavam Macau, concluindo o propósito da viagem a espelhar os novos tempos aéreos e assim homenagear os navegadores portugueses chegados à China desde 1513 e estabelecidos em Macau em meados do século XVI. Mas em 1924, na então colónia portuguesa, os hidroaviões existentes precisavam apenas de usar o rio ou o mar para aterrar ou levantar. O maior problema dos aviadores portugueses foi a aterragem, pois a cidade sem ter uma pista de terra não estava preparada para os receber. Daí, o plano programado logo à partida era poder evolucionar sobre Macau e poisar em Cantão. O raide aéreo iniciado a 7 de Abril de 1924 em Vila Nova Milfontes com destino a Macau foi o 1.º de responsabilidade da Aeronáutica Militar e teve como protagonistas os aviadores, Capitão Brito Pais, Capitão-tenente Sarmento de Beires e o mecânico sargento-ajudante Gouveia. Esta viagem era também a segundo na ordem da aviação portuguesa, pois a primeira fora incontestavelmente a de Lisboa-Rio de Janeiro realizada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral com partida de Lisboa a 30 de Março de 1922 e chegada ao Rio de Janeiro a 17 de Junho de 1922. Segundo declarações de Brito Pais no fim da viagem de 1924, numa conferência proferida no Clube de Macau: . Já anteriormente, em Outubro de 1920, Brito Pais e Sarmento Beires fizeram a travessia aérea Lisboa–Funchal, mas o denso nevoeiro a envolver a ilha da Madeira impedira a aterragem do Cavaleiro Negro, um avião Breguet 14-A42, e daí terem dado meia volta e regressado a Lisboa. O combustível acabou e amararam no Atlântico, afundando-se a 400 km de Lisboa, sendo salvos por um navio inglês. Para o raide Vila Nova Milfontes – Lisboa – Macau de 1924, “um grupo de amigos” Capitães Jardim da Costa, P. Correia e o alferes Bensabat, adquiriram por subscrição um avião, oferecendo-o para a longa viagem programada, desde a Península Ibérica, passando ao longo da costa do Norte de África (na parte francesa e italiana) até chegar ao Egipto. A entrada na Ásia fez-se pelo Médio Oriente, seguindo para o Norte da Índia Britânica, percorrendo a parte Central da Ásia e o Sudeste até alcançar Macau. O bombardeiro comprado em França, um Breguet XIV, n.º 2 [BR16-Bn2], equipado com um motor Renault de 300 cavalos (CV), chegou às oficinas da Amadora em Junho de 1921 a fim de ser preparado para o raide. O aparelho sob a supervisão do então sargento-ajudante Manuel Gouveia começou a ser transformado, sendo-lhe instalado depósitos suplementares de combustível. Levado a 27 de Setembro de 1923 da Amadora para Vila Nova de Milfontes, na parte inferior foi-lhe pintada a Cruz de Cristo e as insígnias d’ Aviação Militar Portuguesa. Na fuselagem, toda de alumínio, lia-se um verso dos Lusíadas: ‘Esta é a ditosa Pátria minha amada’. No leme iam as cores nacionais com a esfera armilar e o escudo das quinas. O baptismo do avião Pátria realizou-se com toda a imponência a 3 de Abril pelas 12 h, acto celebrado pelo Bispo de Beja D. José do Patrocínio, sendo apadrinhado por D. Maria do Céu Brito Pais, irmã do aviador Brito Pais e pelo o major aviador Cifka Duarte, director da Aeronáutica Portuguesa [e por Decreto exonerado das funções pelo ministro da Guerra a 30 de Maio de 1924]. “As damas de Odemira ofereceram a flâmula para o aparelho levar.” Assim refere o P. Manuel Teixeira, de quem provem partes de textos desta crónica, a servir de informação para ser complementada e a trabalhar. Cem anos atrás O raide estivera planeado para ser apenas de Lisboa à Índia, parecendo ser esse o destino pois aí terminará a primeira fase da viagem, após 77 horas e 51 minutos de voo e percorridos em 30 dias 10.960 km. Na 15.ª etapa, partindo de Karachi para Agra a 7 de Maio de 1924, próximo de Jodhput na Índia, devido a um intenso vento são forçados a aterrar no deserto, junto à povoação de Bhudana, partindo-se as longarinas da fuselagem, e ficando o avião irremediavelmente inutilizado sem qualquer possibilidade de recuperação. A população do oásis conduz os aviadores portugueses até à linha férrea e assim conseguem chegar de comboio a Jodhpur, de onde entram em contacto com o governo português, recebendo autorização à compra de um novo aparelho. Após demoradas negociações com o Governo britânico da Índia conseguiu-se um De Haviland D.H.9A., preparado durante alguns dias e a 29 de Maio, após o vôo de ensaio, é baptizado Pátria II. Terminava a 30 de Maio de 1924 o interregno de 23 dias e retomavam de Lahore o voo para fazer a restante viagem para Macau. Até aí chegar, na primeira parte do Raide Vila Nova Milfontes–Macau, Pais e Beires após em Vila Nova de Milfontes, terra natal de Pais, fazerem experiências com bons resultados, recolhem a 23 de Outubro de 1923 o avião num hangar da Amadora para a 2 da Abril de 1924 ir outra vez a Milfontes numa viagem de 50 minutos. Daí, devido ao mau tempo, apenas a 7 de Abril às 6 horas da manhã Brito Pais e Sarmento Beires ocupam os seus lugares no Pátria e levantam voo rumo ao Oriente. As etapas da viagem, segundo relatório apresentado pelos aviadores, eram: Lisboa-Oran (Argélia); Oran-Karaman (Tunísia); Karaman-Tripoli (Tripolitania); Tripoli-Benghasi (Tripolitania); Benghasi-Cairo (Egipto); Cairo-Damasco (Síria); Damasco-Bagdad (Mesopotâmia, Iraque); Bagdad-Basra (Iraque); Basra-Bendes Abbas (Pérsia, Irão) e Bendes Abbas [em frente à ilha de Ormuz]-Karatchi (Índia Inglesa). A aterragem seria em Cantão, para poder evolucionar sobre Macau, visto a cidade não ter campo de aterragem. Seguem dia 8 para Málaga (Andaluzia, Espanha) e dali para Oran (a segunda maior cidade d’ Argélia), onde os espera o mecânico Manuel Gouveia, aí chegado de barco. Em Oran, inicia-se a 3.ª etapa da viagem ao longo da costa africana do Mediterrâneo percorrendo os 1230 km até Tunes (capital da Tunísia), onde Gouveia embarca, passando a voar com eles e finalizam essa etapa a 15 de Abril em Tripoli (então Tripolitania, hoje Líbia). A 19 de Abril, percorridos 3.105 km em 28 h 40 m e gastando no percurso doze dias, chegam a Benghasi (a segunda maior cidade da Líbia). Os aviadores dali pedem dinheiro para poder continuar a viagem, visto o Estado não ter concorrido para as despesas de tal aventura. “O pai do aviador Brito Pais em presença destes factos dispôs de todo o dinheiro que podia e o Aero Club nomeia uma comissão para angariar donativos composta pelos major-aviador Cifka Duarte, cap. de fragata Afonso Cerqueira, ten. Aníbal Paixão e José Júlio de Brito Pais Falcão. Tanto subscrições, como festas surgem logo em todo o país – revertendo o produto a favor do raide Lisboa – Macau.” Quando de Benghasi chegam ao Cairo a 20 de Abril, os aviadores tinham já percorrido 4.600 km. A etapa Cairo-Damasco (Síria) passa por Rayak (Riyaq, no Líbano) e a 23 estão em Damasco. Daí a Bagdad (Mesopotâmia, Iraque) onde a 27 se encontram para seguir até Basra (Baçorá, actual Iraque, antigamente pertencente à Mesopotâmia e desde 1 de Outubro de 1919 fora do Império Otomano, estava então na dependência do Reino Unido). Após 600 km, a 28 chegam a Bushire (Bushehr) no Irão, onde há demora por impedimento dos persas, que não ficam satisfeitos com os passaportes. Partem a 3 de Maio para Bender-Abas e de Chahbahar, no extremo sueste do Irão, chegam a 4 de Maio a Karachi, na Índia inglesa. Está-se na 15.ª etapa: Karachi-Agra. Dia 7 de Maio de 1924, um terrível vento força-os a aterrar no deserto e devido às condições difíceis, o avião parte-se, ficando irremediavelmente inutilizado, saindo ilesos os passageiros. Chegam de comboio a Jodhpur e seguem para Lahore. Conseguem um avião, preparado durante alguns dias e o voo de ensaio fazem-no a 29 de Maio. II FASE DA VIAGEM No Pátria II, retomam o voo a 30 de Maio para realizar a segunda parte da viagem entre Lahore, então Índia e hoje Paquistão até à China, a Macau. Devido ao espaço acanhado da carlinga desse avião, Gouveia não segue com eles, usando o comboio e barco para tentar sempre que possível acompanhar as escalas, segundo refere Fernando Mendonça Fava na Revista de Cultura de 2016. Agora num De Haviland DH9 baptizado Pátria II, a viagem a partir de Lahore, cerca de 500 km a Norte do local do acidente, no novo avião efectuarão mais 11 etapas, durante 21 dias totalizando mais 40 horas e 30 minutos de voo, percorrendo mais 6.610 km. De Lahore tocam sucessivamente Ambala, Allahabad, Calcutá, Atkyab, Rangoon, Bangkok, Oubon e Hanói. Aqui demoram-se devido às grandes chuvas e inundações. Apanhando uma aberta propícia, levantam voo às 10 horas da manhã de 20 de Junho, com céu limpo e entrando na China, segue o avião numa velocidade de cruzeiro de 170 km/h. “Mas vão ao encontro de trovoadas, que lhes queima o gerador. Que fazer? Retroceder para o primeiro aeroporto, que lhes ficava atrás (Fort Bayard), ou avançar para Macau? Decidem avançar, conseguindo sobrevoar Macau e avistar a Lapa, a Ilha Verde e Portas do Cerco; três vezes desceram a menos de 100 m, mas uma chuva torrencial barra-lhes a passagem, forçando a dirigirem-se para Cantão, quando conseguem avistar o caminho-de-ferro Kowloon-Cantão e resolvem segui-lo. Passados dois minutos sobre a linha férrea, o motor começa a falhar e obriga a uma aterragem forçada de emergência” [o motor parou antes do piloto alinhar o avião com o vento, para estabelecer uma abordagem final ao reduzido campo de aterragem]. Aos comandos, o piloto Sarmento de Beires efectua uma aterragem de emergência sobre o que julga ser um terreno aberto no meio dos arrozais. Num espaço curto, aos solavancos devido à irregularidade do solo, o aparelho acaba por embater num buraco escondido por água, partindo o trem de aterragem e a hélice. Afinal tinham aterrado num cemitério chinês, a dois quilómetros de Sâm-Tchan (Shum-Chum), próximo de Kowloon, Hong Kong e a cerca de 90 km de Cantão. Eram 14:48 horas e o tempo total de voo fora de 117 horas e 41 minutos, tendo percorrido 17.570 km. É o fim. Caminhando, seguem para a cidade de Sâm-Tchan, numa zona onde decorriam confrontações militares entre as forças nacionalistas do federalismo anarquista de Chen Jiongming e do exército republicano de Sun-Wen, conhecido por o nome de baptismo Sun Yat-sen. REGISTO DO DESEMBARQUE Vêm de comboio para Kowloon, sendo em Hong Kong calorosamente recebidos por residentes portugueses, à frente dos quais o cônsul de Portugal, Cerveira de Albuquerque. “Os portugueses de Hong Kong com manifestações de regozijo: recepções, almoços, jantares e cocktails no Clube Lusitano, no Clube Recreio e ainda a bordo do Pátria sob o Com. do Almirante Magalhães Correia, que levou os aviadores a todos esses locais. Ofereceram a hélice ao Cônsul Português de H.K., Cerveira de Albuquerque, sugerindo alguém ser leiloada e o dinheiro entregue aos aviadores, contanto ficar ela na posse do Clube Lusitano. Logo um anónimo ofereceu $500,00. A hélice, autenticada com as assinaturas dos aviadores, lá continua ainda, sobrevivendo ao vandalismo da ocupação japonesa de H.K. (1941-1945)”. À colónia britânica, a cidade de Macau enviou para receber os heróis a lancha-canhoeira Macau, que sob o comando do primeiro-tenente Santos Pedro fez durante a noite as 50 milhas de mar revolto, fundeando na manhã de 21 de Junho. Ainda nessa tarde aportava também em Hong Kong a canhoneira Pátria, da Marinha de Guerra Portuguesa, para levar a Macau os aviadores, que do barco realizaram a primeira comunicação telegráfica. Ao desembarcar em Macau a 25 de Junho, a população festivamente lhes atirou uma chuva de flores, entusiásticos vivas, estrepitoso estralejar de panchões e de música, dirigindo-se todos ao Leal Senado, para numa recepção cívica serem em sessão solene recebidos pelo governador Dr. Rodrigo José Rodrigues (1923-1925). “Houve ainda um Te Deum na Sé, discursos, poesias, banquetes, saraus, festas, cortejos, enfim, a exuberância latina a desbobinar todo o seu entusiasmo. Macau esteve em festa durante dias seguidos”, com homenagens e constantes aclamações por parte da população portuguesa, a precisar de festas para desopilar e esquecer a turbulência do dia a dia, com a chegada de muitos refugiados devido a tumultos em Cantão. A recepção do desembarque ficou registada em película por a Empresa Cinematográfica Macaense, criada em 1924 por Lucrécia Maria Borges, que em filme de propaganda realizou o documentário “O Voo Audaz das Águias Portuguesas”. Devido à tempestade, a passagem dos aviadores sobre Macau não foi captada. A Lei n.º1609 de 27 de Junho de 1924 promove-os por distinção ao posto imediato, segundo os dados de Beatriz Basto da Silva, adicionados neste artigo com muito texto do P. Manuel Teixeira e a complementar, os acrescentos de Fernando Mendonça Fava. Mais tarde, já em Lisboa serão os aviadores condecorados com o Grande Colar da Ordem Militar da Torre e Espada, pelo Presidente da República em cerimónia pública e muito concorrida no Terreiro do Paço. O Governador de Macau providenciou o regresso por mar dos aeronautas à Metrópole, via Estados Unidos. A 5 de Julho de 1924 partiram de Macau para visitar as comunidades portuguesas de Hong Kong, Cantão e Xangai, onde entusiasticamente foram saudados, assim como pelos portugueses residentes no Japão, Califórnia e na costa Leste dos EUA, de onde seguem para o Brasil. No Rio de Janeiro inauguram o estádio do Clube de Regatas Vasco da Gama. Já em Londres, são recebidos na Câmara Portuguesa de Comércio, com a presença do embaixador de Portugal Norton de Matos e por fim, seguem de Southampton no paquete inglês Arlanza para Lisboa, onde no dia chuvoso de 8 de Setembro de 1924 ninguém os esperava, pois o telegrama que anunciava a sua chegada extraviou-se.
José Simões Morais Via do MeioZhuge Liang | Pedir emprestado Jingzhou No ano de 208, a morte por doença em Xiangyang de Liu Biao (142-208), governador da província de Jing (Jingzhou em Hubei) desde 192 e a administrar o centro da China na zona média do rio Yangzi a englobar grande parte das actuais províncias de Hubei, Hunan e Sudoeste de Henan, deixou Liu Bei (161-223) desamparado, pois o autoproclamado representante da casa real Han, sem ter uma base esperava o momento adequado para lhe solicitar o patrocínio por também ser membro da família real. A Liu Biao sucedeu como governador de Jing o filho mais novo Liu Cong, mas apenas durante esse ano pois o general Cao Cao chegou com um grande exército de 200 mil homens para o combater. Os oficiais de Liu Cong avisaram-no não ter número suficiente de soldados para o confrontar e melhor seria render-se. Pretendia ele resistir e lembrou-se poder pedir ajuda a Liu Bei, mas os conselheiros avisaram-no se Liu Bei conseguisse resistir a Cao Cao também ele perderia o lugar. Assim, sem informar Liu Bei decidiu render-se a Cao Cao e este apontou-o como inspector da província de Qing [parte da actual província de Shandong] para o afastar, dando-lhe o título de marquês. Encontrava-se Liu Bei em Fancheng [a Norte de Xiangyang] e foi obrigado a fugir para Sul devido ao exército de Cao Cao ir ocupando a região entregue por Liu Cong. Era imenso o número de fugitivos e Liu Bei dividiu-os, viajando Guan Yu de barco por o rio Han com o plano de se encontrar em Jiangling, nas margens do rio Yangzi, com o numeroso grupo que por terra seguiu. Nessa fuga, ao seu exército foram-se integrando muitos dos homens que serviram Liu Cong e se juntaram aos inúmeros civis familiares com imensas bagagens. Cao Cao com a sua cavalaria apanhou o vagaroso cortejo onde seguia a família de Liu Bei e foi a acção de Zhang Fei com 20 cavaleiros, ao se colocar na rectaguarda do grupo em fuga, a permitir a Liu Bei e Zhuge Liang terem tempo para escapar. Estava-se em Outubro de 208 e essa pequena confrontação ficou conhecida por a batalha de Changban, onde Zhao Yun no seu cavalo atravessou o exército wei levando nos braços Liu Chan, filho de Liu Bei. Conta a História ter Liu Bei ficado muito contente quando viu chegar esse famoso general, mais do que o salvamento do seu filho. Conseguiu o exército de Liu Bei chegar ao rio Yangzi e ainda no ano de 208 Liu Bei por conselho de Zhuge Liang fez uma aliança com Sun Quan para lutar contra o exército de Cao Cao, sendo este derrotado na célebre Batalha da Falésia Vermelha (赤壁之战), impedindo Cao Cao de ocupar as terras a Sul do rio Yangzi. As forças dos dois aliados perseguiram as tropas de Cao Cao e em Jiangling ocorreu no Inverno de 208 a batalha de Jiangling, que sucedeu à anterior batalha de Yiling em Wulin (hoje Honghu em Hubei). Após um ano de pesadas perdas, tanto de material de guerra como de soldados, Cao Cao ordenou ao seu primo, o general Cao Ren (168-223), retirar e assim Jiangling com o resto da prefeitura de Nan ficou nas mãos das forças de Sun Quan, que logo apontou o general Zhou Yu (175-210) para ficar à frente dela. A província de Jingzhou tinha sete prefeituras (jun) situadas entre a parte média do rio Yangzi (Changjiang). Com o rio Yangzi como linha de defesa, Liu Bei e Sun Quan controlando a parte Sul aí fizeram as suas bases. Assim o exército de Cao Cao passou a ocupar todo o Norte da província de Jing (Nanyang jun e Jiangxia jun, mas apenas a parte a Norte do rio Yangzi), pois a parte de Jiangxia jun a Sul do rio era controlada por Sun Quan, que tinha também Nanjun, com o centro administrativo em Jiangling e jurisdição sobre Xiajun (hoje a Noroeste de Tongcheng, Hubei), Hanchang (hoje a Sudeste de Pingjiang, Hunan), Liuyang e Zhouling (a Nordeste de Honghu, Hubei). Já o território de Liu Bei era a Oeste do rio e compreendia quatro prefeituras a Sul da província de Jing: Wuling (hoje Changde, Hunan), Changsha, Guiyang (próximo onde hoje está Chenzhou, Hunan) e Lingling (hoje Yongzhou, Hunan), tendo Liu Bei apontado Liu Qi (o filho mais velho de Lu Biao e irmão de Liu Cong) como governador. Com a morte de Liu Qi nos finais de 209, Liu Bei ocupou o cargo de governador dessas quatro prefeituras da província de Jing e colocou o centro administrativo do seu território em Gong’na, situado em Nanjun. A História de Zhuge Liang pedir emprestado Jingzhou (Jie Jingzhou, 借荆州) ocorreu em 209, quando o general Lu Su (172-217) propôs ao seu líder Sun Quan entregar a Liu Bei parte da prefeitura Nan para Zhuge Liang tomar conta, pois era a zona mais difícil de defesa devido a estar na fronteira com o território de Cao Cao. No entanto, o general Zhou Yu opôs-se e só após a sua morte em 210 a proposta de Lu Su foi aceite por Sun Quan, sendo entregue Gong’an, parte de Nan jun, para Zhuge Liang a defender. Em 211 Liu Bei passou o seu centro de governação para Sichuan e no ano seguinte Sun Quan após fortificar Nanjing e mudar-lhe o nome para Jiankang aí se instalou. Em 213, Cao Cao é primeiro-ministro de Xiandi e por ser quem mandava, obrigou o imperador a dar-lhe o título de rei de Wei. Em 215, Liu Bei e Sun Quan fixaram a fronteira dos seus territórios em Xiang, no Hunan e o general Cao Cao conquistava o pequeno Estado a Sul de Shaanxi e em Sichuan, controlado até então pelo movimento “A Via dos Mestres do Celestial”, quando o neto de Zhang Ling, o sábio Zhang Lu se rendeu. Cao Cao deu a Zhang Lu o título de duque de Langzhong e o movimento passou a ser reconhecido pois ficou submetido ao general. ABRIR AS PORTAS AO INIMIGO No Romance dos Três Reinos (San Guo Yanyi, 三国演义) está a história do iludir com uma cidade vazia, onde se narra, certa vez no ano de 219 encontrava-se Zhuge Liang [a História refere ser Zhao Yun] à frente da defesa da cidade de Hanzhong, quando esta foi cercada por um grande número de tropas wei. Na altura ele só contava com uma pequena guarnição e usando o seu grande conhecimento da psicologia humana ordenou abrir as portas da cidade ao inimigo e sozinho encontrava-se na praça principal confortavelmente a tocar música no seu guqin. Tal espantou o comandante das forças inimigas que, suspeitando ali haver algum truque e com medo de ser uma armadilha, retirou-se com as suas tropas sem atacar. Liu Bei encontrava-se em Chengdu a preparar a capital do reino Shu, Zhang Fei em Langzhong e Guan Yu a comandar a guarnição Shu em Jingzhou, quando o reino Shu foi atacado pelo exército Wei com 30 mil soldados comandados pelo general Zhang He. O general Zhang Fei, arranjando 10 mil homens conseguiu-o estrategicamente vencer na Passagem de Wakou. História gravada com a espada numa pedra por o próprio Zhang Fei de tão eufórico estava e registada no Romance dos Três Reinos. Em 220, Guan Yu, um dos grandes generais de Liu Bei e comandante da guarnição de Jingzhou, estando ocupado numa batalha fora de muralhas contra as forças Wei de Cao Cao, foi apanhado por um ataque surpresa do exército Wu, que conquistou a cidade e o matou. Eram então os reinos Shu e Wu aliados e devido a tal essa aliança rompeu-se, levando Liu Bei em 222 a liderar uma expedição punitiva contra Wu, sendo a decisiva batalha pelejada em Yiling (a Norte do distrito de Yidu, província de Hubei). PERÍODO DOS TRÊS REINOS A morte no ano de 220 do general Cao Cao (155-220), a governar a dinastia Han do Leste desde 196 em nome do Imperador Xian (189-200), levou o seu filho Cao Pi (187-226) a destronar Xian Di, terminando assim a dinastia Han e deu início ao Período dos Três Reinos (三国鼎立, 220-280). Cao Pi proclamou-se imperador do reino de Wei (220-265), situado a Norte do rio Yangzi, com a capital em Luoyang, tendo como religião o Dauismo. Teve cinco governantes, sendo o último Cao Huan, o Imperador Yang (260-265). Sun Quan em 222 criou a Sudeste o reino Wu (222-280) ascendendo ao trono em Wuchang (hoje Ezhou, Hubei), mas o seu reinado começou no ano de 229 em Huanglong, quando se autointitula imperador Da Di (229-252) e logo de seguida mudava a capital para Jianye (hoje Nanjing). Sucedeu-lhe o filho Sun Liang (243-260) que reinou como Rei Kuai Ji entre 252 e 258, quando foi destronado pelo regente Sun Lin. Este não teve tempo para ocupar o trono, pois logo foi morto pelo seu irmão Sun Xiu, que como Jing Di governou o reino Wu de 258 a 264. Depois ocupou o trono o seu sobrinho Sun Hao (242-284), que fora tornado príncipe pelo fundador do reino Wu, Sun Quan. Uma ofensiva das tropas Wei contra as de Wu em 252 fracassou e desde 264, o cruel e extravagante Sun Hao reinou até 280, quando a China foi de novo reunificada por Sima Yan, o imperador Wu (265-290) da dinastia Jin (265-420). Já o reino de Shu (221-263) encontrava-se situado a Oeste da China (atual Sichuan) e teve apenas dois imperadores, Liu Bei como Zhao Lie Di (221-223) e Liu Shan como Imperador Hou Zhu (223-263). O FIM de Zhuge Liang Zhuge Liang como primeiro-ministro de Zhao Lie Di escolheu novas e talentosas pessoas para ajudar no governo e melhorou muito as relações com os numerosos grupos éticos que viviam isoladas pelo Sudoeste, unindo-as em torno de Li Bei, descendente da família imperial dos Han. Segundo Bai Shouyi em An Outline History of China: “Como primeiro-ministro do reino Shu, Zhuge Liang trabalhava arduamente para desenvolver a produção agrícola em Sichuan. Apontou oficiais especiais para ficarem à frente do antigo Canal represa Dujiang e mandou fazer muitos outros trabalhos relacionados com a água. Para assegurar um ambiente de paz ao reino, tomou a iniciativa de melhorar as relações com as minorias étnicas a habitar onde hoje são as províncias de Guizhou e Yunnan e fortalecer as relações políticas, económicas e culturais entre o povo Han e essas minorias étnicas.” Liu Bei antes de morrer, o que aconteceu em 223, confiou ao seu primeiro-ministro Zhuge Liang o filho e apesar de Liu Chan se tornar um governante decadente, o estratega continuou a ajudá-lo mantendo-se como seu tutor, sem dar ouvidos aos que o aconselhavam a tomar conta do governo do reino Shu. Voltou à inicial política de aliança com o Wu para combaterem o reino Wei. Em 227, Zhuge Liang recomendou a Liu Chan enviar rapidamente para Norte as tropas contra o rival reino Wei, antes de este se tornar ainda mais forte. Aspirando ocupar as Planícies Centrais, controladas pelo reino Wei e recuperar a causa da casa dos Han, Zhuge Liang liderou as forças Shu em cinco expedições, num confronto entre dois estados militares dirigidos por conselheiros legistas. Mas essas expedições por ele realizadas falharam e na última em 234, Zhuge Liang passou desta vida com cinquenta e três anos na planície de Wuzhang, hoje Meixian, província de Shaanxi, quando pelejava contra as forças do Imperador Ming (Cao Rui, 226-239) do reino Wei que tinham ao comando o general estratega Sima Yi (179-251). As tropas Shu regressaram a Sichuan. Desde então o poder Shu declinou, tendo o reino Wei se tornado o mais poderoso e em 263, o exército de Wei chegou a Chengdu e anexou o reino Shu. Dois anos depois, em 265 um dos ministros Wei, Sima Yan (236-290), neto do general Sima Yi, usurpou o trono e fundou a dinastia Jin do Oeste (265-316), com a capital em Luoyang. A China é de novo reunificada em 280 quando Sima Yan, já como imperador Wu Di (266-290), conquistou o reino Wu a Sun Hao, terminando assim o Período dos Três Reinos. Zhuge Liang (181-234) guiara talentosamente toda a sua mitológica existência, pautando-a de grande ponderação e sabedoria. Deixou ao mundo preciosas lições de estratégia, na resolução das batalhas em que entrou e segundo a tradição, é-lhe atribuída por volta do ano 232 a invenção do (carrinho de mão), tendo ainda criado a flauta de canas vermelha, instrumento musical muito usado pelos grupos éticos ligados ao povo Miao.
José Simões Morais Via do MeioZhuge Liang pede emprestado o Vento Leste No último artigo sobre Zhuge Liang (181-234) referimos por engano ser Xü Shu seu genro, mas como anteriormente escrevemos era Huang Chengyan, que apresentara a filha Huang Yueying ao Dragão Adormecido advertindo-o apesar de feiosa era a Jovem Fénix dotada de muitos talentos a complementar com os atributos do estratega. No Romance dos Três Reinos (San Guo Zhi, 三国志) faz-se referência a Zhuge Liang ter pedido emprestado três coisas: Flechas, o Vento Leste e Jingzhou. Se usar barcos com cobertura de colmo para pedir emprestado flechas (cao chuan jie jian, 草船借箭) foi já narrado no último artigo, seguimos aqui com o episódio de pedir emprestado o Vento Leste (JieDongFeng, 借东风), encontrando-se ambos registados nesse ficcional livro. Esses dois episódios ocorreram em 208 entre os meses de Julho a Novembro durante a Campanha dos Penhascos Vermelhos em Chibi (província de Hubei) cujos exércitos conjuntos de Liu Bei e Sun Quan tinham apenas cinquenta mil homens enquanto no campo contrário, Cao Cao contava com 230 mil soldados. Nessas histórias a contracenar com Zhuge Liang aparece o general e estratega Zhou Yu (175-210) ao serviço de Sun Quan (182-252), mas a sua personagem é apresentada inferiorizada em relação ao estratega de Liu Bei (161-223). Sun Jian (155-191), aliado do senhor feudal Yuan Shu, morrera em 191 na batalha de Xiangyang quando combatia Liu Biao, apoiante do lorde feudal Yuan Shao [cujas tropas no ano 200 foram derrotadas por Cao Cao]. Sun Ce (175-200, com nome de cortesia Bofu) era o filho mais velho de Sun Jian e separou-se de Yuan Shu para o qual o seu pai trabalhara e rumou para Sudeste onde estabeleceu a fundação do seu território durante a dinastia Han de Leste e desde 195 ocupava o Baixo-Yangzi na parte Leste da China. Teve ao seu serviço o general Zhou Yu seu genro, pois ambos casaram com as irmãs Qiao [Sun Ce com Da Qiao e Zhou Yu com Xiao Qian] e quando o Sun Ce foi assassinado no ano de 200 Zhou Yu passou a servir o irmão mais novo e sucessor Sun Quan. Os vales do baixo curso do rio Yangzi, na parte Sudeste da China, ficaram dominados por Sun Quan (182-252) após conseguir acabar com uma rebelião de muitos, que o achavam sem força suficiente para ser um bom líder. Cao Cao propõe-lhe enviar um dos filhos para Xudu [actual Xuchang em Henan para onde em 196 Cao Cao mudara a capital da dinastia Han do Leste quando Luoyang ficou devastada por a guerra e como quartel-general para aí levou o Imperador Xian, vindo a servir depois como capital do reino Wei], para se estabelecer boas relações entre eles, mas devido aos conselhos de Zhou Yu, Sun Quan não aceitou tal proposta. Liu Bei (161-223), desde 207 contava com o estratega Zhuge Liang à frente do seu exército Han-Shu, pois considerava-se representante da casa real Han. Como não tinha uma base e esperava o momento adequado para solicitar o patrocínio do também membro da família real Liu Biao, que após a batalha de Xiangyang se tornara em 192 Prefeito de Jingzhou a administrar grande parte do centro da China, na zona média do rio Yangzi, lugar que ocupou até à sua morte em 208. PEDIR EMPRESTADO O VENTO LESTE No Inverno de 208 para 209, Cao Cao com um exército de 230 mil homens parte para Sul a conquistar Jingzhou (no curso médio do Yangzi, província de Hubei), então quartel de Liu Bei e de onde expandia o seu domínio para Oeste. Sun Quan, sentindo-se também ameaçado pela força dos Wei, resolveu juntar-se a Liu Bei, mas o exército de ambos não chegava a metade do de Cao Cao, que apresentava ainda uma imensa armada. Após o sucesso de Zhuge Liang pedir emprestado flechas (cao chuan jie jian, 草船借箭) e em três dias ter conseguido as cem mil flechas requeridas por Zhou Yu (175-210), tal levou a aumentar ainda mais a inveja, mas precisando de combater o enorme exército de Cao Cao teve de se manter unido ao grande estratega. No episódio conhecido por Pedir Emprestado o Vento Leste (JieDongFeng, 借东风) os dois estrategas em conjunto planearam usar o fogo para derrotar o general Cao Cao e trataram de muitos outros pormenores como o de colocar um dos seus, fingindo ter desertado das fileiras e ir ter com Cao Cao para lhe dar algumas ideias. Sabiam Cao Cao não se sentir confortável a viver no barco e então esse desertor deu a ideia de ligar os barcos para ficarem mais estáveis e não balançarem muito. Quem iria combater aquela enorme frota era o general Zhou Yu, que ao ir de barco vistoriar o inimigo após chegar dessa inspecção ficou doente. O principal conselheiro de Sun Quan, o general Lu Su (172-217) vendo-o naquele estado e encontrando-se em guerra ficou preocupado e foi ter com Zhuge Liang a pedir-lhe ajuda. Este disse-lhe para não se preocupar, pois tinha o medicamento para o seu General e assim os dois foram ter com o enfermo e quando lá chegaram Zhuge entregou uma carta por si escrita a Zhou Yu, segredando-lhe estar ali o seu medicamento. Ao ler, Zhou Yu logo se levantou sorridente e exclamou: exacto. A carte dizia: Tudo está pronto, o que é preciso é Vento Leste. A enorme armada de Cao Cao subira o rio Yangzi e aportara a Noroeste, enquanto eles estavam fundeados a Sudeste e para o plano resultar, usando o fogo para combater Cao Cao, era precisou ter o vento de Leste. No entanto, durante muitos dias o vento soprou sempre de Norte. Ofereceu-se Zhuge Liang para durante três dias pedir Vento Leste, mas com a condição de lhe fazer um Templo onde pudesse requerer os favores do Céu para ser concedido tal vento. Mandou Zhou Yu preparar tudo para dali a três dias, por volta das quatro, cinco da manhã, pois o vento chegaria. E assim foi! Às quatro da manhã desse terceiro dia, Zhou Yu escutou uma forte ventania e logo percebeu ter chegado o Vento Leste. Imediatamente, com o vento de feição enviou dez dos seus barcos carregados de combustível ao encontro da armada de Cao Cao. Quando estavam próximos ateou o fogo aos seus barcos e o vento encarregou-se de o passa para toda a frota de Cao Cao, que por estarem as embarcações todas juntas e bem amarradas umas às outras não puderam fugir. Toda a armada ardeu como previsto, ficando assim esta completamente destruída. Cao Cao derrotado voltou para Norte, desfazendo-se assim o seu sonho de conquistar o resto do país. Pertencente à campanha dos Penhascos Vermelhos, a Batalha de Yiling não precisou de usar nenhum soldado para acabar com a enorme frota de Cao Cao e logo, mais uma vez com a excelente ideia de Zhuge Liang. Tal mais ainda acirrou o ódio de Zhou Yu e com um enorme rancor, logo enviou os seus homens para o matar, mas Zhuge Liang abandonara já o acampamento. Só depois desta batalha Liu Bei conseguiu criar o seu próprio exército e onze anos depois, em 219 estabelecer o reino Han-Shu.
José Simões Morais Via do MeioEstratégias e tácticas de Zhuge Liang Nascido em 181 em Yangdu de Langya, hoje vila de Yinan, prefeitura de Linyi no Sul da província de Shandong, Zhuge Liang (181-234, 诸葛亮) tinha o nome literário Kongming e era conhecido por a alcunha do Dragão Adormecido, potência à espera de ser acordada, pois pouco tempo antes da sua existência fora criado da Filosofia do Dao o Daoísmo religioso. Órfão desde os oito anos, de mãe em 184 e do pai, Zhuge Gui, magistrado no distrito de Taishan, a 189, ficou então à guarda do tio Zhuge Xuan. Viveu em Xiangyang até à morte deste em 197 e com dezassete anos Zhuge Liang mudou-se para a aldeia Longzhong, próximo de Xiangyang, província de Hubei. Aí se dedicou à agricultura, nos tempos livres a ler e tocar guqin, convivendo com a população local e sobretudo a conversar com o seu mestre Pang Degong e Xü Shu, seu genro, apreendendo coisas da vida e trocando ideias sobre as convulsões e acontecimentos do país. Em 207 tornou-se conselheiro militar de Liu Bei (161-223), que se apresentava como representante da casa real Han, e organizou-lhe o pequeno exército após a derrota sofrida nesse ano em Wunhuan contra as forças do general Cao Cao (155-220), poeta e grande estratega, a governar o país desde 196 em nome do Imperador Xian Di (189-200) da dinastia Han do Leste. Em finais do primeiro século, Liu Bei como voluntário e o general Zhang Fei combatiam a Revolta dos Turbantes Amarelos quando se encontraram com o fugitivo à lei Guan Yu, homem robusto a vaguear como vendedor ambulante por Zhuoxian (a 70 km de Beijing) na província de Hebei. No Jardim dos Pessegueiros fizeram os três um juramento, tornando-se irmãos de armas com votos de ajudarem Liu Bei a se tornar chefe e por sublevação armada estabelecer o reino Shu-Han. Em 207, Liu Bei foi à aldeia Longzhong acompanhado por os dois irmãos de armas, a convidar por a terceira vez Zhuge Liang a se juntar às suas forças de Shu-Han e servi-lo como conselheiro militar. Só então Zhuge Liang aceitou o comando do exército Han-Shu e logo deu o conselho a Liu Bei de juntar o seu pequeno exército ao de Wu de Sun Quan para combater os Wei de Cao Cao, que governando o Norte do país pretendia avançar para Sul e conquistar a área do rio Yangtzé para de novo unificar toda a China. “Desde a época das insurreições dos Turbantes Amarelos que estas ricas famílias coloniais haviam sacudido a tutela do poder central. Tinham-se organizado com vista à sua própria defesa.” (…) “Para que aparecesse um Estado independente no vale do Yangzi, bastaria que se agravassem os conflitos na China do Norte e que militares e colonos fizessem causa comum. Um fenómeno análogo iria produzir-se no Sichuan, região rica e relativamente isolada onde eram igualmente numerosas as populações indígenas. O facto foi favorecido pelo prestígio de Li Bei, descendente da família imperial dos Han, e pelo génio político e militar do seu conselheiro Zhuge Liang (181-234). Mas, enquanto o reino de Wu é regido por uma espécie de confederação das famílias mais poderosas do vale do Yangzi, no Sichuan denotam-se tendências para a centralização. Tal como Wei [no Norte], Shu-Han é um Estado militar dirigido pelos conselheiros legistas”, segundo Jacques Gernet e continuando no seu Mundo Chinês, “O nascimento dos dois efémeros impérios do Sichuan e do vale do Yangzi explica-se, não só pelas perturbações e pela recessão económica do fim da época dos Han, mas também pelas suas particularidades geográficas e sociais. É a secessão da China colonial da bacia inferior do Yangzi que vai dar à luta dos Sun [Sun Quan criou o reino Wu (222-280), fazendo a capital em Jianye (hoje Nanjing) depois de se coroar imperador Da Di (229-252)], simples comandantes de exércitos rivais de Cao Cao, o sentido de uma guerra de independência. A influência, no reino de Wu, das grandes famílias do Jiangnan (regiões situadas a sul do curso inferior do Yangzi) explica a transferência em 231, da capital, estabelecida primeiramente em Wuchang (hoje Ezhou, Hubei) na confluência do Yangzi e do Han, para Nanquim.” PEDIR EMPRESTADO No Romance dos Três Reinos (San Guo Zhi, 三国志) encontra-se muito do que hoje se sabe sobre a vida de Zhuge Liang (诸葛亮) e por isso a sua história tem mais de lendária que de real. Aí se faz referência a Zhuge Liang ter pedido emprestado três coisas: Flechas, o Vento Leste e Jingzhou. Se as duas primeiras, usar barcos com cobertura de colmo para pedir emprestado flechas (cao chuan jie jian, 草船借箭) e pedir emprestado o Vento Leste (JieDongFeng, 借东风) apenas se encontram registadas neste livro, já Zhuge Liang ter pedido emprestado Jingzhou (Jie Jingzhou, 借荆州) é realmente um facto histórico e apareceu em outros relatos da História. Os dois primeiros episódios ocorreram em 208 entre os meses de Julho a Novembro durante a grande batalha em Chibi (hoje Puqi, Hubei) cujos exércitos conjuntos de Liu Bei e Sun Quan tinham apenas cinquenta mil homens enquanto no campo contrário, Cao Cao contava com 230 mil soldados. Essa batalha (de Chibi) realizada após Cao Cao ter conquistado o poder no Norte da China e com o seu exército seguir para Sul a tentar controlar o resto do o país. As tropas de Liu Bei estavam estacionadas em Jingzhou (Hubei) e as forças de Sun Quan junto à foz do rio Yangtzé. Zhuge Liang, sozinho foi ao reino Wu para persuadir o chefe Sun Quan a aliar-se com Liu Bei e combaterem Cao Cao. Cao Cao, com o seu exército, partiu do seu reino no Norte da China, para conquistar Jingzhou e enxotar Liu Bei das redondezas. Sun Quan sentindo-se ameaçado resolveu juntar-se a Liu Bei, mas o exército de ambos não chegava a metade do de Cao Cao. Este, numa grande armada subiu por o rio Yangtzé e estacionou a sua frota em frente aos Penhascos Vermelhos (a Oeste do lugar onde hoje se situa Wuchang, província de Hubei). Aí se realiza a demonstração da qualidade de estratega de Zhuge Liang, quando usa barcos com cobertura de colmo para pedir emprestado flechas – cao chuan jie jian. A história refere-se à necessidade de rapidamente se conseguir flechas durante a batalha em Chibi por parte de Sun Quan. Zhou Yu era capitão do exército Wu e conselheiro político de Sun Quan e apesar de conhecer bem as ideias de Zhuge Liang, tinha grande inveja dele. A Sun Quan, que não tinha um numeroso exército, não lhe agradava nada Liu Bei ter Zhuge Liang como estratega e apesar de estarem aliados, não via a hora de conseguir matar Zhuge Liang. Antes de começar a batalha de Chibi, Zhou Yu convidou Zhuge Liang para conferenciar sobre a maneira como iriam combater Cao Cao. Zhou Yu para saber quais as armas a usar durante o combate nas águas do rio Yangtzé questionou Zhuge Liang, que respondeu serem flechas. Zhou Yu concordou também serem essas as melhores armas, mas não as tinham suficientes para combater o enorme exército de Cao Cao. Virando-se para Zhuge Liang pediu para lhe fazer cem mil flechas, a fim de poderem ganhar a batalha. Zhuge Liang concordou e perguntou para quando eram necessárias. Para lhe criar problemas, Zhou Yu disse dez dias. Pensando um pouco, Zhuge Liang replicou serem dez dias muito, pois não se devia aguardar tanto tempo e contrapôs precisar apenas de três dias. Incrédulo, Zhou Yu obrigou Zhuge a assinar um contrato como conseguiria tal e se não cumprisse no prazo de três dias podê-lo-ia condenar à morte. Zhuge tinha como amigo o conselheiro Lu Xu do exército de Sun Quan e a ele recorreu para o ajudar, pedindo-lhe vinte barcos, cada um com vinte soldados e todos serem cobertos com molhos de colmo em forma de figuras humanas. Assim fez Lu Xu, apesar de saber estar já o estratega condenado pois em três dias arranjar cem mil flechas era algo impossível. O primeiro dia passou e nada aconteceu, tal como no segundo dia e no terceiro, Zhuge Liang foi ter com Lu Xu e convidou-o para beber, pedindo-lhe o favor de informar Zhou Yu para o esperar no dia seguinte de manhã no porto para lhe entregar as flechas. Durante a noite, às três da manhã, Zhuge e Lu Xu enquanto bebiam no barco ancorado na margem oposta onde se encontravam as embarcações de Cao Cao, viram aparecer um grande nevoeiro e Zhuge ordenou aos vinte barcos partirem ao encontro dos do inimigo e quando chegassem próximo começassem a tocar bombo e a gritar. Lu Xu virou-se para Zhuge replicando, caso Cao Cao fosse ao encontro dos barcos iria ser um grande problema. Zhuge respondeu que tal não iria ocorrer pois o nevoeiro ajudaria e quando como planeado os barcos se aproximaram, Cao Cao sem poder ter uma noção exacta do que tinha próximo decidiu usar os arcos e flechas para combater. Lu Xu e Zhuge, sem nada poder ver o que ocorria, apenas ouviam os assobios das inúmeras flechas a voar. Zhuge avisara os seus soldados para após meia hora de serem flechados, virarem os barcos e após outra meia hora assim, regressarem. Quando os barcos voltaram estava Zhou Yu no porto, crendo ter nas mãos a vida de Zhuge, mas ao olhar para como os barcos vinham rendeu-se à qualidade e sabedoria de Zhuge Liang.
José Simões Morais Via do MeioZhuge Liang, uma Pérola da Imortalidade É de lembrar pouco se saber sobre Zhuge Liang, figura para além de histórica tem a complementá-la várias lendas, assim como mitológicas narrações a erguê-lo a um ser misterioso de grande poder. A maior parte da sua vida apenas vem narrada no Registo dos Três Reinos (San Guo Zhi, 三国志) escrito por Chen Shou (陈寿) e publicado no séc III, que forneceria a Luo Guanzhong (1330-1400, 罗贯中) as fontes para o Romance dos Três Reinos (San Guo Yanyi 三国演义) publicado no século XIV e como um romance histórico narra o período de 169 a 280. Mas há outras histórias que nem aí vieram contadas. Uma delas, a mais estranha de todas, refere como Zhuge Liang se tornou um Imortal, sendo só registada após via oral ser passada de geração em geração e escrita muito tempo depois nas Histórias de Longzhong. Nessa mitológica história sobre a sua juventude explica-se a razão de Zhuge Liang se apresentar sempre com um leque de penas na mão e uma veste de mestre daoista. Acordado por um crane, a representar um ser imortal com quem conviveu e lhe transmitiu a pérola quando a Filosofia do Dao sofria uma reorientação executada pouco tempo antes por o mestre Zhang, cujo nome era Zhang Ling (34-157). Mais conhecido por Zhang Dao Ling, fundou no ano de 141 em Sichuan, Sudoeste da China, o grupo religioso daoista ‘Via dos Cinco Alqueires de Arroz’ (Wu Dou Mi) e quase ao mesmo tempo no Leste, também inspirado no livro Taiping Jing, mas na versão popular do Taiping Dongji Jing, Zhang Jiao criava em 175 uma secreta seita daoista, Taiping Tao (Doutrina da Justiça). Zhang Jiao (?-184), além de oferecer gratuitamente consultas médicas, falava das suas ideias de igualdade, em oposição à exploração dos homens por outros, preconizando um governo de camponeses. Já com milhares de adeptos, então Zhang Jiao liderou em 184 a Revolta dos Turbantes Amarelos, nome por que ficou conhecida a rebelião devido aos exércitos de camponeses os usarem. Em 181 nascia Zhuge Liang em Yangdu de Langya, hoje, vila de Yinan, pertencente ao distrito de Linyi situado na parte Sul da província de Shandong. A sua mãe morreu quando tinha três anos e devido à morte do pai, Zhuge Gui, que fora magistrado no distrito de Taishan, com oito anos ficou desde 189 à guarda do tio Zhuge Xuan. O general Yuan Shu, um senhor da guerra que mais tarde, em 197 se autoproclamou imperador da curtíssima dinastia Zhong, enviou Zhuge Xuan para ir tomar conta de Yüzhang, pequena localidade a Norte da actual província de Jiangxi, próximo de Nanchang. Como tal não ocorreu por não haver a aprovação dos oficiais Han, Zhuge Xuan foi pedir ajuda ao amigo Liu Biao (142-208), prefeito (governador) da província de Jing (Jingzhou em Hubei), que administrava grande parte das actuais províncias de Hubei, Hunan e o Sudoeste de Henan e no ano 190 mudara a capital de Hanshou para Xiangyang. Daí ir viver em Xiangyang acompanhado pelo sobrinho Zhuge Liang, tendo este estudado durante três anos numa escola, talvez na Academia fundada por Liu Biao por volta do ano de 196. Ao mesmo tempo, Liang escolheu Pang Degong como seu mestre. Zhuge Xuan morreu em 197 e após a morte do tio, Zhuge Liang com dezassete anos mudou-se para a aldeia Longzhong, próximo de Xiangyang, província de Hubei, onde se dedicou à agricultura. Passava o tempo livre a ler, assim como gostava de conversar com os mestres Pang Degong e Xü Shu, pois sendo pessoas mais velhas lhe iam ensinando coisas da vida, trocando ideias também sobre as convulsões que ocorriam pelo país. A Revolta dos Turbantes Amarelos iniciada em 184 e liderada por Zhang Jiao aconteceu quando trezentos mil camponeses em muitas partes do país se levantarem contra o Governo, mas ao fim de nove meses a maior parte dos chefes e exércitos tinham sido derrotados e mortos. A rebelião estendera-se até Shaanxi e em 186 chegou a Shanxi, Hebei e Liaoning, mas em 192 com a vitória de Cao Cao sobre os Turbantes Amarelos a revolta ficou confinada à província de Shandong, apesar das lutas continuarem até ao final da dinastia Han. Cao Cao (155-220) tornara-se em 190 um dos mais poderosos generais do período final da dinastia Han do Leste, mas apesar do exército Han conseguir debelar a rebelião, sucumbia perante os exércitos locais dos senhores feudais. Zhuge Liang a viver desde 197 em Longzhong, hoje a Oeste de Xiangyang em Hubei, aí passou mais ao menos dez anos onde fez muitos amigos entre os locais, mantendo relações de amizade com intelectuais como Sima Hui e Huang Chengyan. Este último sabendo andar Zhuge Liang à procura de esposa, propôs-lhe a filha. Avisou-o ser feiosa, apesar de dotada de muitos talentos, que bem se complementaria com os atributos dele. Concordando, casou-se com Huang YueYing, apesar de no local registo histórico Xiangyang Ji, onde vem narrado tal episódio, o nome da esposa nunca aparecer mencionado. FINAIS DA DINASTIA HAN Grande estratega militar, comparável com Sun Wu (c.544-496 a.n.E.) e Sun Bin (c.382-316 a.n.E.), Zhuge Liang (181-234) era um homem de Estado e criativo inventor a quem Liu Bei pediu ajuda para ser seu conselheiro militar e organizar o exército do que viria a ser o Reino Shu-Han no Período dos Três Reinos. A dinastia Han de Leste (25-220), cuja capital era Luoyang, tinha a família imperial debilitada e dominada como mero joguete nas mãos dos poderosos eunucos. Com a morte do Imperador Ling em 189, subia ao trono Shao Di e o Chefe dos General He Jin, percebendo ter de pôr ordem nos eunucos, convocou à corte o General Dong Zhuo para lhes fazer frente. Mas sabendo os eunucos das intenções, logo eliminaram o Chefe dos Generais, levando Yuan Shao, outro senhor da guerra, a ir a Luoyang e matar mais de dois mil eunucos. Pouco depois, Dong Zhuo chegava à corte e mostrando-se cruel com o povo e com intenções de controlar o poder, depõe Shao Di e ainda nesse ano colocava no lugar de Imperador Xian Di (189-200). A 192 foi assassinado o General Dong Zhuo, ano da vitória de Cao Cao sobre os Turbantes Amarelos. Em 196, o general Cao Cao vai a Luoyang e levou Xian Di para o seu quartel-general em Xudu (hoje Xuchang, em Henan) e em nome do Imperador passou a controlar o país. Yuan Shao, à frente de um exército de cem mil homens, no ano 200 defrontava na batalha em Guandu (Henan) o general Cao Cao que, com apenas vinte mil soldados, o derrotou. Nos três anos seguintes, após arrumar um a um os Senhores da Guerra, Cao Cao passou a deter o poder no vale do Wei, dominando os territórios do baixo e médio curso do rio Amarelo e a Planície Central, controlando todo o Norte do país e daí o início em 210 do reino de Wei (220-265). Imbuído na filosofia daoista, quando o seu exército não combatia colocava-o a cultivar as terras, promovendo para lugares de destaque as pessoas com talento sem se importar com as suas origens. Depois planeou conquistar o Sul aos seus últimos rivais. “As suas ambições tinham-no levado à conquista do vale do Yangzi, mas a célebre batalha da Falésia Vermelha (Chibi), junto às margens do grande rio no Hubei, em 208, tinha travado esta política de expansão. A grave derrota infligida a Cao Cao pelas forças aliadas de Sun Quan (185-252) e de Liu Bei (161-223) foi o prelúdio da divisão do território chinês em três reinos (sanguo): o de Wei da família Cao, o dos Han do Sichuan (Shu-Han, 221-263), fundado por Liu Bei, e o de Wu (222-280), fundado por Sun Quan”, segundo Jacques Gernet, no Mundo Chinês. Estava-se no fim da dinastia Han do Leste e três reinos, Shu a Oeste, Wei a Norte e Wu a Leste da China viviam em guerra. Com a queda da dinastia Han em 220, seguiu-se o Período dos Três Reinos (220-280). CONVITE AO ESTRATEGA Zhuge Liang (181-234) declinara ofertas de alguns senhores da guerra para ser conselheiro militar dos seus exércitos, tal como aconteceu por duas vezes a Liu Bei. Liu Bei (161-223), que se dizia representante da casa real Han, não tinha uma base e esperava o momento adequado para solicitar o patrocínio do também membro da família real Liu Biao, Prefeito de Jingzhou entre 192 a 208, que administrava grande parte do centro da China, na zona média do rio Yangtsé. Residia Liu Bei em Xinye quando percebeu precisar de um conselheiro e estratega para combater o reino dos Wei no Norte e o reino Wu a Leste. Por isso foi visitar Sima Hui que o alertou não poder encontrar nos confucionistas, pessoas habilitadas nos assuntos de Estado nem da Guerra e haver na região apenas dois transcendentes seres com essas habilidades e conhecimentos, o Dragão Adormecido e a Jovem Fénix, casal formado por Zhuge Liang e a esposa. Após Liu Bei, chefe de um pequeno exército, ter sofrido em 207 uma derrota contra as forças de Cao Cao em Wunhuan, na retirada estacionou as tropas em Jingzhou (Hubei) para tomar conhecimento do estado deste e reconheceu a necessidade de um bom estratega. Ainda em 207 ouviu Xu Shu recomendar Zhuge Liang como o maior de todos os estrategas. Liu Bei, contente por ter encontrado por fim um estratega para o seu exército, pediu a Xu Shu para o trazer à sua presença, ao qual este ripostou dever ser ele a ir convidá-lo. Na primeira recusa, Zhuge Liang pretendeu perceber quem era Liu Bei e entender os desejos e a sinceridade do herdeiro da casa real da dinastia Han. Na segunda visita, Zhuge Liang fazendo passar encontrar-se a dormir a sesta, para ver como reagia Liu Bei, este não ordenou aos criados para o acordarem, mas disse voltar mais tarde. Ainda em 207, Liu Bei foi à aldeia Longzhong, acompanhado pelos seus irmãos de armas, Guan Yu e Zhang Fei, para convidar Zhuge Liang a se juntar às suas forças e servi-lo como conselheiro militar. Só nessa terceira visita Zhuge Liang, rendido à sinceridade de Liu Bei, aceitou o convite para tomar o comando do exército Han-Shu e logo seguindo com ele lhe explanou os planos de conquista para o ajudar a criar o Reino Han-Shu. Recebeu como primeiro conselho unir o seu exército ao de Wu de Sun Quan para combater os Wei de Cao Cao. Nascia uma amizade entre os dois para toda a vida. Quem ao princípio nada gostou da presença do novo elemento foram Guan Yu e Zhang Fei, mas percebendo ganhar o seu chefe e irmão de armas um novo poder, pararam de o importunar. Assim, logo no ano de 208 a aliança de Liu Bei com Sun Quan na Batalha de Chibi trouxe uma grande e celebre vitória conseguida sobre as tropas de Cao Cao junto ao Yangtsé, na conhecida Batalha da Falésia Vermelha.
José Simões Morais Via do MeioSun Zi e a Arte da Guerra Não se conhece a data de nascimento nem da morte de Sun Wu, cujo nome de cortesia por si dado era Changqing e ficou conhecido por Sun Zi (Mestre Sun), ou Sun Tzu em cantonense. Sun Wu (c.535-c.480 a.E.C./544-496 a.E.C.) nasceu durante o Período Primavera-Outono (770-476 a.E.C.) de uma família nobre em Le An (乐安) (hoje no concelho Huimin em Shandong) então no reino Qi. O pai Sun Ping (孙凭) era um oficial bem colocado na hierarquia Qi, que por discordâncias com os governantes locais se refugiou nas montanhas de Luofu, levando consigo o filho pequeno. Sun Wu vivendo num ambiente de eremita terá assimilado os conhecimentos e inteligência do progenitor, apreendendo com e na Natureza, e assim se formou como grande estratega militar. Escreveu a Arte da Guerra, (Bingfa, 兵法) um tratado militar, que hoje se apresenta com treze capítulos de táctica e estratégia, de filosofia e de governação, ainda actualmente estudado nas Academias Militares do mundo inteiro. Procurando a localização da montanha de Luofu (罗浮山) inicialmente aparece-nos na parte Sudoeste do reino Wu, o que faz sentido pois mais tarde Sun Wu foi general comandante desse reino e segundo fontes chinesas era a montanha Qionglong, próximo de Suzhou em Jiangsu. No entanto, na geografia da China a montanha Luofu encontra-se na prefeitura de Huizhou província de Guangdong e local sagrado para os daoístas onde na dinastia Jin do Leste (317-420) o alquimista Ge Hong trabalhou na procura de elixires e em 343, com 80 anos alcançou a imortalidade através da técnica do Shi Je, libertação do cadáver. PERÍODO PRIMAVERA-OUTONO O reino de Qi (1046-221 a.E.C.) fundado na província de Shandong no início da dinastia Zhou do Oeste (1046-771 a.E.C.) por volta de 1046 a.E.C. era um dos seus vassalos pois, quando Jiang Shang (Jiang Ziya ou Lu Shang), general da dinastia Shang, se exilou e passou para as hostes do reino Zhou, então governado por o Rei Wen, tornou-se professor deste e conselheiro do filho, o Rei Wu, servindo assim como Duque Zhou os primeiros três reis da dinastia Zhou. A Jiang Shang é atribuída a redacção de um livro de estratégia militar, o Liutao, As Seis Estratégias (六韬). Mais tarde com 88 anos criou o reino Qi oferecido ainda pelo Rei Wen e passou como primeiro governante a ser o Duque Tai de Qi. O reino Qi desde 859 a.E.C. tinha como capital Linzi (hoje Zibo) que se manteve até 221 a.E.C. quando o reino Qin o anexou. A casa dos Jiang (姜) manteve o poder do reino até à morte em 643 a.E.C. do duque Huan (685-643 a.E.C.) e após breves problemas de sucessão, as famílias Guo, Gao, Luan, Bao, Cui, Qing, Yan e Tian tomaram o comando do reino Qi. Historicamente pouco se sabe do final da vida de Sun Wu, mas quando faleceu o reino Qi era governado por Chujiu, duque Jing (547-490 a.E.C.). Em 489 a.E.C., um membro da família Tian matou o novo duque Qi, Tu, (Yan Ruzi) tal como ocorreu oito anos depois com o duque Jian dos Qi (484-481 a.E.C.). Em 386 a.E.C. a família Tian usando a intriga e a força bruta passou a dominar o reino Qi. Já o reino Chu, contra quem Sun Wu a comandar as tropas de Wu combateu, iniciara-se um pouco antes do reino Qi, sendo também proveniente da dissidência na dinastia Shang. Os Chu, pertencentes à tribo Jin, partiram para Oeste e aliaram-se aos do reino de Zhou, então a dar início às conquistas para criar uma nova dinastia e substituir a governante Shang. Sabendo da intenção dos Zhou em enviar tropas para ocupar o Sul do país, seguiram como parte do exército e quando o general dos Zhou foi ferido, foi ele tratado no acampamento dos Chu. Tal levou o Rei Wen do reino Zhou a oferecer a região de Hubei para território dos Chu ao seu professor Yu Xiong (鬻熊), que formou o reino Chu e ficou sendo o primeiro governante. Em 656 a.E.C., o duque Huan do reino Qi atacou os Chu, obrigando-o a pagar tributo à dinastia Zhou de Leste. Após a morte em 643 a.E.C. do duque Huan, a hegemonia passa para o reino Jin. Em 636 a.E.C. chegou ao poder do reino Jin o duque Wen e aliando-se ao duque Mu de Qin, assumiu uma posição de liderança, sendo reconhecido por o Rei Xiangwang (Ji Zheng, 651-619 a.E.C.) da dinastia Zhou de Leste, como o primeiro entre os senhores feudais. Em 632 a.E.C. o reino Chu sofreu a primeira grande derrota em Chengpu (hoje Linpu, em Shandong) contra os Jin, aliados com os Qi e Qin, travando a sua progressão para Norte a absorver os reinos mais pequenos. Esta foi a primeira grande batalha entre os reinos do vale do rio Amarelo e os do vale do rio Yangtzé, promovendo o duque Wen dos Jin em 631 a.E.C. um encontro entre os reinos onde se fez um pacto de aliança para apoio à família real Zhou. Ficava assim o poder do reino Chu restringido, mas não por muito tempo pois nos oitenta anos seguintes as batalhas entre os Jin e os Chu sucederam-se com vitórias e derrotas de ambas as partes. No ano de 597 a.E.C., em Bi (actual Zhengzhou), o exército dos Jin foi derrotado pelo de Chu e o duque Zhuang do Reino Chu tornou-se o Grande Senhor. Em 579 a.E.C. na China havia quatro poderosos reinos com grande poder, os Qin a Oeste, os Jin no centro, os Qi a Leste e os Chu a Sul. Entre os muitos pequenos reinos existentes na altura, oito, os Song, Lu, Zheng, Wei, Cao, Xu, Chen, e Cai, pagavam tributo aos reinos de Jin e de Chu, enquanto os outros dois reinos, os Qi e os Qin se aliaram. Em 546 a.E.C., numa conferência entre reinos conseguiu-se realizar um tratado de paz. O Reino Qi aliou-se com o reino Jin e os Qin com os Chu, o que pôs um fim temporário às guerras. Nessa época nascia Sun Wu (c.544-496 a.E.C.) ENSINAR AS MULHERES A SEREM SOLDADOS Sun Wu serviu como general o Rei Helü (515-496 a.E.C.), descrito nas “Memórias Históricas” (Shi Ji, 史记) de Sima Qian (司马迁) como apreciador de pessoas de talento e após ler a conselho de Wu Zixu os treze artigos sobre estratégia e tácticas militares do filósofo Sun Wu, pediu para este comparecer à sua presença. No Período Primavera-Outono (770-476 a.E.C.) o reino Wu era um pequeno reino em Jiangnan (Sul do rio Yangtzé) em torno de Wuxi, quando o Rei Helü fez a capital em Suzhou. Guerreando com os Chu, tornou-se forte e em 506 a.E.C., conseguiu vencer o poderoso reino Chu, conquistando-lhe a capital Yingdu. Para dar início à sua estratégia militar, o Rei Helü decidiu contractar os préstimos de Sun Wu como general comandante do exército Wu, mas antes resolveu pôr à prova e questionou-o se os seus métodos de treino eram bons também para as mulheres. Pedindo consentimento a Helü, Sun Wu reuniu 180 concubinas do rei com quem formou duas companhias, elegendo para chefiar cada uma, as preferidas deste. Tendo como uma das chaves do sucesso da estratégia a disciplina, Sun Wu primeiro perguntou se as recrutas sabiam qual era a mão direita e a esquerda e depois instruiu-as como cumprir as ordens ao som do tambor. Ensinou-lhes qual o movimento a fazer mediante os diferentes toques no tambor e deu ordem para começar. Mas ao som do tambor estas, em vez de seguirem a ordem, começam a rir. Então Sun Wu questionou-as se as tinha esclarecido bem e voltou a repetir pacientemente as correspondências de sons e os movimentos a fazer. De novo mandou tocar o tambor e de novo as mulheres, sem ligarem nada às ordens, voltaram a rir. Sereno, Sun Wu disse-lhes: “se na primeira vez a culpa foi minha, agora a responsabilidade é vossa, pois após repetir as instruções e dizerem terem entendido, voltaram a não obedecer”. Logo ali mandou decapitar as duas chefes de companhia. O rei aflito pediu-lhe para perdoar as suas favoritas, mas Sun Wu replicou ter sido por o rei nomeado como general das tropas, sendo por isso obrigado a exercer a sua autoridade e assim se fez. De seguida colocou as duas seguintes concubinas favoritas na chefia de cada uma das companhias e de novo a ordem foi dada. Desta vez, tomadas de pânico, as mulheres obedeceram na perfeição e então o estratega entregou o exército feminino ao rei dizendo-lhe estarem elas preparadas. O Rei Helü chocado e triste pela morte das favoritas, mandou embora Sun Wu, mas este replicou dizendo parecer ter o rei apenas admiração por as palavras da sua estratégia militar e não, de as passar à prática. Ouvindo-o, o rei confirmou a autoridade de Sun Wu como general do exército. E não se arrependeu, pois as grandes vitórias que Sun Wu deu ao estado Wu transformaram-no num dos estados fortes da região. História contada por Wei Tang na revista China em Construção de 1983. VITÓRIAS DE SUNZI O reino Wu, no terceiro ano do reinado de Helü em 512 a.E.C. com o general Sun Wu à frente de um exército de trinta mil soldados derrotou um exército de 200 mil homens, conquistando assim o poderoso reino Chu. Três anos depois, os Chu invadiram o reino Wu, situado a Leste, e o general Sun Wu, comandante do exército Wu, secundado por Wu Yuan, conseguiu uma retumbante vitória. No Inverno de 506 a.E.C., foi a vez do reino Wu invadir Chu e num ataque surpresa, trinta mil soldados Wu penetraram mil li (500 km) em território Chu, vencendo as cinco batalhas contra um exército de 200 mil homens, capturando a capital Yingdu (a Noroeste de Jiangling, Hubei) aos Chu. Mas o estratega Sun Wu, após as campanhas totalmente vitoriosas, sem aceitar os cargos e as ofertas do rei Helü, voltou apenas com algumas carroças de brocados que foi distribuindo ao longo do seu regresso para Luofu (罗浮). Um ano depois, o reino Chu reorganizou um novo exército e retomou o seu original território. Com a vitória contra os Chu na batalha de Boju (柏举之战), o reino Wu mantive em respeito os seus vizinhos do Norte, como os reinos Jin e Qi, contra quem o filho do rei Helü, Fuchai (496-473 a.E.C.) continuou a lutar. Em 484 a.E.C., no décimo segundo ano do reinado de Fuchai, os Wu derrotaram na batalha de Ailing os Qi e dois anos depois, numa reunião de reis de reinos, Fuchai tornou-se o governante com maior poder. No entanto, o vizinho reino Yue, aproveitando encontrar-se o reino Wu a lutar contra os Jin e Qi, invadiu-o em 473 a.E.C. e assim Fuchai perdeu a guerra, sendo exilado no monte Nanyang em Suzhou, onde se suicidou. Descendente de Sun Wu apareceu Sun Bin (c.382-316 a.E.C.) igualmente grande estratega, crendo-se durante algum tempo serem a mesma pessoa pois também escreveu uma Arte da Guerra, traduzido por Rui Cascais como As Leis da Guerra e editado por Livros do Meio em 2020.
José Simões Morais Via do MeioSegredos da Seda (21) – Altar em Beijing à Deusa dos Bichos-da-Seda (先蚕坛, Xian Can Tan) A festa em honra da Deusa da Seda era a única cerimónia, de todas as realizadas no Palácio Imperial, não presidida pelo Imperador, sendo dirigida pela Imperatriz. Homenageava a deusa protectora dos sericicultores, todas as mulheres a trabalhar na produção de seda representadas em Lei Zu, a Bombix mori e as folhas de amoreira, o alimento das lagartas. Nos primórdios da Dinastia Zhou (1046-256 a.n.E.) já a rainha conduzia uma cerimónia anual no palácio da capital, alimentando as lagartas do bicho-da-seda e a fiar a seda. Aí se situava o amoreiral, um observatório para o controlo da qualidade das lagartas e do seu alimento, e além de uma enfermaria havia outros departamentos onde se desfiavam os casulos e dos filamentos se criava um fio consistente para tecer os tecidos de seda e bordar. Esses trabalhos destinados à produção imperial realizavam-se nas diferentes secções de uma zona reservada do Palácio, onde as mulheres da corte, durante o período de criação a começar em Maio e prolongado por seis meses, estavam ocupadas nos afazeres ligados à sericicultura. Iniciavam o processo com a desinfecção e limpeza dos materiais antes de começar com a produção a partir dos ovos e depois como lagartas era preciso alimentá-las com folhas sempre frescas de amoreira. Em Beijing, procuramos o recinto do Altar do Bicho-da-Seda por todas as zonas que constituíam o Palácio Imperial e preparávamo-nos para sair por a porta Norte do Parque de Beihai quando um enorme muro nos desperta. Esconde um jardim com casas no seu interior. Circundando-o, encontramos um enorme portão vermelho fechado, mas à sua frente uma tabuleta retira as dúvidas indicando ser o recinto do Altar para a Deusa dos Bichos-da-Seda, (Xian Can Tan, 先蚕坛). Inspirado no Lei Ting Hong Ying, templo da Dinastia Ming (1369-1644), este altar ao bicho-da-seda fora construído em 1742, no reinado do Imperador Qianlong (1736-1796) da dinastia Qing, para as princesas da corte imperial rezarem a Lei Zu, a Deusa do Bicho-da-Seda. No complexo existia um terraço para a observação das amoreiras, estas plantadas nos três lados do altar e atrás deste, uma residência para a reprodução e alimentação das lagartas da Bombix mori e outro aposento para os casulos, realizando-se aí todo o resto do processo. Entre outros edifícios havia um centro de investigação da seda [Qincandian] e um tanque onde se colocava a amolecer os casulos [Yucanchi]. Um riacho atravessava o templo, que durante a Dinastia Yuan (1271-1368) desaguava no Rio Jin Shui. De magnífica construção e elaborada decoração o recinto era um local calmo para as princesas reais trabalharem e um dos nove mais famosos altares de Beijing, como regista o texto da tabuleta. O altar de 1,3 metros de altura, com uma escada em cada lado, nele se realizaram os rituais de sacrifício entre 1744 a 1911 por 59 vezes. A primeira Imperatriz a aí celebrar foi Xiaoxianchun (1712-1748), casada em 1727 com Hongli, que em 1735 se tornou o Imperador Qianlong e reinou até 1795. Numa cerimónia anual conhecida por Chun Yin Ji Can (春阴祭蚕, Sacrifício Feminino da Primavera ao Deus do Bicho da Seda) celebrada no dia da serpente da primeira Lua do terceiro mês lunar chinês, a imperatriz acompanhada pelas as princesas e aias dirigia-se ao amoreiral do palácio para colher três ramos de amoreira e com estes nas mãos rezava voltada para Leste. Depois, em procissão eram os três ramos levados ao templo onde se venerava a sagrada Mãe dos Bichos-da-Seda, deusa protectora dos sericicultores. Após esta cerimónia começava-se a criação dos bichos-da-seda nos aposentos da imperatriz, deixando todas as mulheres da corte os seus habituais afazeres para se dedicarem a tempo inteiro a este trabalho. CERIMÓNIA CHUN YIN JI CAN (春阴祭蚕) O Padre Duarte Sande S.J. (1547-1609), [referido no Boletim Eclesiástico por Eduardo Sande (1531-1600)] em Um Tratado sobre o Reino da China (publicado pelo Instituto Cultural de Macau em 1992 e com notas de Rui Loureiro) refere, “… tratemos da seda ou dos filamentos do bômbice, de que há grande fartura na China. De modo que, tal como o agricultor trabalha no adubo das terras e na sementeira do arroz, assim as mulheres empregam uma grande parte do seu tempo a cuidar dos bichos-da-seda e a fiar e a tecer a seda. Por isso, todos os anos o Rei e a Rainha vêm com grande solenidade a uma praça pública, tocando ele no arado e ela na amoreira, com as folhas da qual se alimentam os bichos-da-seda; e ambos, com esta cerimónia, exaltam tanto os homens como as mulheres para as respectivas actividades e trabalhos. De outro modo, durante o ano inteiro, ninguém, para além dos principais mandarins, consegue avistar o Rei.” Luís Gonzaga Gomes escreve: “a interessante cerimónia de as imperatrizes da China oferecerem, todos os anos, durante a Festividade do Estio, folhas de amoreira aos deuses, na ara de Sin-Tch’ám T’án (Altar do Primeiro Bicho-da-Seda) dos jardins da Cidade Interdita para, com este exemplo, estimular o amor do povo pela sericicultura, enquanto o imperador revolvia a leiva com as suas próprias mãos, para demonstrar aos seus súbditos ser no trabalho da gleba que se encontrava a felicidade do Império. Durante esta cerimónia as folhas eram arrancadas da amoreira sagrada, que se encontrava plantada perto do referido altar, pelas próprias mãos da imperatriz, com o auxílio de uma pequena foice e, depois de consagradas à memória de Lui-Tch’ôu [Lei Zu], eram entregues às ancilas incumbidas de alimentarem os preciosos insectos, os quais, em diversas épocas do ano, eram visitados por enviados especiais da imperatriz, sendo a seda por eles produzida destinada à fabricação de vestes usadas só em ocasião de sacrifícios imperiais. Este cerimonial, cheio de simplicidade, mas de tão profundo significado, foi ininterruptamente respeitado por todas as imperatrizes da China ao longo de quatro milénios, isto é, até à data da implementação da República (1912).” Espreitando pela frincha das portas fechadas pude ver um edifício de construção recente. Voltamos à porta da entrada Norte do Jardim de Behai e questionando os funcionários, explicam-nos estar a actual entrada do recinto no lado de fora do Parque de Beihai, antigamente ainda pertencente ao Palácio Imperial. Devido a estar ocupado por um jardim infantil, o lugar não está aberto ao público. Pedimos licença para entrar e tirar uma rápida fotografia. Dão-nos um número para solicitar permissão ao conselho directivo da escola, mas pelo telefone ficamos a saber ter primeiro de pedir uma entrevista ao gabinete de Turismo. Estamos para desistir, quando três professoras se preparam para sair do recinto. Expomos o pretendido e fazemos a sugestão de ser uma delas a ir tirar uma ou duas fotografias ao recinto com a nossa máquina fotográfica e a uma lápide que na parede do muro pensamos existir. Dizem-nos ali dentro nada haver relacionado com a seda. Soubemos mais tarde ter no ano seguinte (2008) o Altar para a Deusa dos Bichos-da-Seda (Xian Can Tan) sido reparado e depois, a 19 de Abril de 2012 e no dia 24 de Abril de 2013 aí se realizaram com vestes da dinastia Qing as cerimónias Chun Yin Ji Can (春阴祭蚕) em honra da Deusa do Bicho da Seda (Xi Ling-shi, 西陵氏), Leizu, esposa de Huangdi, o Imperador Amarelo.
José Simões Morais Via do MeioSegredos da seda (29) – Fibras têxteis Os cinco períodos de crescimento da lagarta duram de vinte e seis a vinte e oito dias, permanecendo a bombice imóvel dentro do casulo cinco a seis dias para iniciar a metamorfose até a crisálida (pupa), perder massa e a diminuir de tamanho. A uma temperatura constante de 25º C, a crisálida fica de 18 a 20 dias dentro do casulo e por experiências feitas a uma temperatura de 2º C conseguem-se aí manter durante um ano. Já ao prolongar por longo tempo a temperatura a zero graus a crisálida não resiste e morre. Como os casulos se querem inteiros para se ter um bom fio de seda, antes da crisálida começar quatro ou cinco dias depois a transformar-se em mariposa, é altura de interromper o ciclo da Bombix mori. Momento que deve ser escolhido com precisão para evitar a destruição do casulo pela mariposa que se encontra no seu interior. Sendo o tamanho dos casulos das fêmeas maiores que os dos machos, em Langzhong as mariposas fêmeas são escolhidas para através de relações sexuais se fazer o cruzamento com machos japoneses. O período de crescimento da crisálida leva de doze a dezasseis dias a transformar-se em mariposa. Uma nova técnica também praticada é cortar o casulo para facilitar a saída da mariposa e após duas a três horas, o acasalamento é interrompido, não o deixando ir até ao fim. Noventa por cento da produção dos casulos é utilizada na feitura do fio de seda, enquanto dez por cento serve para a reprodução e, para tal, não se interrompe o ciclo de vida da Bombix mori. FIBRAS NATURAIS E SINTÉTICAS As fibras têxteis são as que devido à sua finura e flexibilidade podem ser fiadas e servirem para produzir tecidos. Dividem-se em fibras naturais e não naturais, podendo ser estas artificiais e sintéticas. As fibras naturais por sua vez compreendem as extraídas das plantas, logo de origem vegetal, como o algodão, o linho, a juta, o cânhamo e o sisal e as de origem animal são a lã e a seda, a rainha das fibras. Informações provenientes do livro A Indústria da Seda de João Faustino Masoni da Costa, no seu trabalho científico do início do século XX. Mas não é apenas a Bombix mori a produzir a seda, pois no reino vegetal existe um arbusto, a Asclepias Syriae, ou planta da seda, cujas fibras misturadas com seda animal e lã servirão para encher almofadões, sendo por vezes aplicadas em tecidos. Já no reino animal há moluscos a possuírem filamentos, com uma composição comparável à da seda, a servir para os prender às rochas. Conhecida como seda marinha, bissus ou pêlo de nácar, foi empregue na fabricação de tecidos de luxo na Calábria e Sicília, assim como luvas, gravatas e meias. Há também a seda produzida por aranhas para construir a teia e usada em 1709 por M. Bon na fabricação de meias e luvas, tendo submetido o seu trabalho à apreciação da Academia das Ciências. “Reaumur foi subvencionado por aquela Academia e encarregado de estudar a produção sedosa daqueles aracnídeos e a sua aplicação industrial. Dos seus trabalhos concluiu-se ser preciso juntar 90 fios de seda de aranhas para se produzir um fio da consistência do obtido do bicho-da-seda doméstico – o Bombix mori – e que só com um número de aranhas doze vezes superior ao de bichos-da-seda vulgares se obteria a mesma quantidade de produto, como consequência de só formarem casulos as aranhas fêmeas.“ Afirma ainda Faustino Masoni da Costa que “na China fabrica-se com seda de aranhas um tecido – o cetim do mar oriental – que é muito resistente.” Também nos fala de uma grande variedade de bichos-da-seda capazes de produzir um casulo, sendo os mais conhecidos os Bombix, os Attacus e as Aranhas. No jornal de Macau A Pátria de Janeiro de 1927, um artigo com o título ‘Os Bichos da Seda vão ser destronados’ está escrito: . Para além da diversidade dos Bombix, (destronando o Bombix mori todos os outros), também os diferentes Attacus (Antheraea) produzem bons casulos. Assim temos o Attacus cynthia (bicho-da-seda do rícino), o Attacus Pernyi (bicho-da-seda do carvalho do Nordeste da China), o Attacus yama-maï (bicho-da-seda do carvalho do Japão) e o Attacus mylitta (bicho-da-seda da Índia, que produz a seda tussor, ou tussah, mas por não ter um fio contínuo passa por outras fases para ser tecido). Ouvimos falar ainda do Attacus proyeli que produz a seda Oak Tasar. FIBRAS NÃO NATURAIS Com o avanço tecnológico apareceram as fibras artificiais e sintéticas. Apesar de ambas serem ‘artificiais’ como apareceram no século XIX e antecederam em cinquenta anos as fibras sintéticas, ficaram com o nome de artificiais. Aqui deixamos apenas um breve resumo sem aprofundar o assunto. As fibras artificiais dividem-se em celulósicas e proteicas e dentro das celulósicas temos as de celulose regenerada com a viscose e o cupramónio e as derivadas da celulose como o acetato e o triacetato. Com um comprimento do tamanho que se quiser, o fio da viscose rayon é conhecido por seda artificial, sendo constituído por multifilamentos contínuos. Nas fibras sintéticas, o poliéster imita o algodão, o acrílico a lã e o nylon a seda, e sendo estas com maior utilização na indústria têxtil apenas a estas aqui fazemos referência. O nylon foi a primeira fibra sintética com interesse têxtil, sendo descoberto nos EUA pelo Dr. Carothers nas suas pesquisas entre 1928 e 1935, tendo sido usado em grande escala a partir de 1939. A fibra de poliéster conhecida por terylene foi encontrada na continuação das pesquisas do nylon no ano de 1941 em Inglaterra e feitas por Whinfield. Em 1955 começou a ser produzida industrialmente. A fibra acrílica apareceu durante a II Guerra Mundial quando se trabalhava nas borrachas sintéticas e se descobriu um novo composto químico, o acrilonitrilo, tendo começado a ser produzido a partir de 1948. As microfibras apareceram em 1990 e são fibras sintéticas derivadas de poliamida ou de poliéster cuja espessura é 50 a 70 vezes inferior à de um cabelo, a permitir um tecido fino, mas resistente com um toque sedoso. Actualmente já se fazem experiências em laboratório com micro microfibras, mas o preço de produção é ainda muito alto. CARACTERÍSTICAS DA SEDA A fibroína é uma matéria proteica formada por 48% de Carbono, 27% de Oxigénio, 6,5% de Hidrogénio e 18% de Azoto. José de Sousa Machado Ferreira Neves na Tecnologia Têxtil, matérias-primas têxteis, (Porto 1982), que apresentou esta tabela, acrescenta ser a composição da seda semelhante à da lã, pelo que o odor quando se queimam estas duas fibras naturais é idêntico, resistindo a seda melhor ao passar a ferro que a lã (algo que não deve ser feito em ambas as fibras, pois a seda não precisa de tal). “A acção dos alcalis, quando diluídos prejudica o aspecto da seda e quando concentrados destroem-na. Já a acção dos ácidos quando diluídos reaviva as cores da seda e melhora o seu toque; se concentrados destroem-na. Quanto à acção dos oxidantes, o cloro destrói a seda e a água oxigenada diluída branqueia-a.” Distingue-se a seda animal da seda vegetal ao esfregar o tecido, assim como ao usar-se o fogo, a vegetal arde rapidamente e a animal deixa um resíduo.
José Simões Morais Via do MeioDoenças da Bombix mori Na fase inicial da produção do bicho-da-seda, na Primavera, estando os ovos prontos a eclodir, previnem-se as doenças transmitidas por bactérias alojadas na casca desinfectando-os, lavando-os num banho de vapor com uma solução de cinábrio (sulfureto de mercúrio vermelho), salmoura (água salgada) e hidróxido de cálcio (cal). Outro tratamento para evitar infecções e doenças das lagartas consiste, antes de as alimentar, borrifar uma solução de raiz de alcaçuz (leguminosa medicinal), seiva de alho e vinho chinês nas folhas de amoreira. Anteriormente, após a postura dos ovos pelas mariposas fêmeas e depois destas morrerem, já secas são durante três dias colocadas em clorofórmio para examinadas ao microscópio se despistar possíveis doenças, ou anomalias genéticas, escolhendo-se os ovos das mariposas saudáveis, eliminando pelo fogo os restantes. Assim, os criadores evitavam o risco de criar ovos infectados com as várias doenças que atacaram a Bombix mori, primeiro na Europa em meados do século XIX e na China por volta de 1923, levando à grande quebra na produção de casulos. As sirgarias devem ser lugares amplos, limpos, sem humidade e cheiros, ter uma temperatura constante e bom arejo, não podendo os tabuleiros levar com correntes de ar para as lagartas se manterem saudáveis. Importantíssimo é fazer uma profunda limpeza e desinfecção, tanto no local de produção como aos instrumentos onde tais doenças se manifestam. Estando as lagartas já doentes com a flacidez, a muscardina, a pebrina e a porcina, o único método eficiente é isolar e eliminá-las. Se a selecção para se obter um bom fio de seda começou por se fazer apenas na fase dos casulos, durante a Dinastia Song incidia também sobre as mariposas, larvas e ovos. Na Dinastia Qing escolhiam-se as lagartas mais saudáveis para com elas continuar o ciclo e criar uma descendência saudável. DOENÇAS MAIS COMUNS A muscardina causada por um fungo e a pebrina são as duas doenças mais comuns do bicho-da-seda. A pebrina, ou Nb como é conhecida na China, é contagiosa e deve-se à presença de corpúsculos de Cornaglia nas glândulas sedosas. Segundo sabemos é uma doença ainda sem cura, tendo Louis Pasteur (1822-1895) dedicado algum tempo a estudá-la. Percebe-se estar o animal atacado por ela quando o corpo aparece sarapintado com manchas do que parece ser pimenta numa pele arroxeada. A lagarta desenvolve-se irregularmente, tal como irregulares são os seus períodos de sono, sofrendo de falta de apetite. Se a doença se manifestou logo no período larval, são preferencialmente atacadas as glândulas da seda e durante a muda de pele algumas morrem e outras, atrofiadas, atrasam-se de oito a dez dias na evolução. Apesar de conseguirem atingir a fase de fabrico do casulo, muitas não aguentam o esforço e morrem. Se ainda resistirem a este processo de selecção natural, a solução é separar os ovos dos animais que demonstraram ao longo das suas fases um comportamento irregular. Em casos extremos, a lagarta não come, não muda de pele e em oito dias morre, acontecendo o mesmo a toda a produção a que esta pertence. Já como mariposa são atacados os órgãos reprodutores e assim os corpúsculos de Cornaglia penetram nos ovos. As larvas que nasceram sãs ficam contagiadas pelas fezes e pelos cadáveres, “causa da propagação do morbus e provada a impossibilidade de vencer os progressos da marcha da doença, ocorreu a Pasteur em 1865 e com isso lançou a pedra em que se firmou o ressurgimento da indústria sericígena europeia, seleccionar pela análise microscópica a semente do Bombix mori fêmea, para se fazerem criações com ovos absolutamente isentos de corpúsculos e em locais purificados e isolados”, segundo João Faustino Masoni da Costa, n’A Indústria da Seda, de onde provem as informações deste artigo sobre as doenças. Quando a lagarta do bicho-da-seda fica com uma cor rosada e o corpo muito mole é sinal que sofre de muscardina, causada pelos esporos de um cogumelo do género Botrytis, da espécie B. buassiana, transportados pelo ar e que se alojaram na pele das lagartas. Esse bolor parasita desenvolve os seus micélios nos órgãos do animal e provoca-lhe a morte em dez dias. Mesmo depois de mortas e com o corpo muito rígido, as lagartas continuam a servir de alimento ao fungo, que se expande pelo ar para a pele de outros animais, contaminando-os. OUTRAS DOENÇAS A flacidez é a mais mortífera de todas as doenças e a rapidez com que actua e se propaga tem efeitos fatais na produção da sirgaria. O Streptococus bombycis transportado nas folhas da amoreira e pelas poeiras é ingerido pelo bicho-da-seda e manifesta-se normalmente depois da quarta muda. Sem vitalidade, a lagarta ao dejectar uma substância semifluida, rapidamente esta seca e obstrui o orifício anal. Nada mais se percebe, pois há um aparente movimento de continuar viva, embora imóvel e em pouco tempo a mortalidade espalha-se pela criação, extinguindo-a num só dia. “Os cadáveres de começo rígidos, tornam-se flácidos e por último completamente moles, denegridos à superfície, exalando um cheiro fétido, completamente putrefactos”, segundo Faustino Masoni da Costa, que refere os antissépticos aplicados nas folhas não resolvem o problema e o emprego de meios preventivos anteriormente apontados e apoiados no constituir “uma criação robusta, que por si própria, em tais casos, se não deixará invadir pela flacidez, essa, das doenças insecticidas a mais contagiosa.” A única solução, mesmo que a doença atinja apenas uma parte das lagartas, é queimar e enterrar toda a produção, desinfectar a sirgaria e utensílios e iniciar uma nova criação. Já a porcina, é apercebida quando a lagarta com os anéis estrangulados ao mover-se deixa um rasto de um líquido turvo na folha. Esta doença atacou na China por volta de 1923, levando à investigação nos laboratórios das universidades chinesas, sendo a crise ultrapassada com recurso à importação de ovos. Desde então, aprofundaram-se as pesquisas sobre a seda e a sericicultura recomeçou a ganhar nova pujança. DIFERENÇAS ENTRE MACHO E FÊMEA Fisicamente, a fêmea e o macho da lagarta não se diferenciam facilmente e só na parte inferior do décimo e último anel se percebe ser fêmea pelos quatro pontos negros, enquanto a lagarta-macho tem apenas um ponto e não apresenta a mancha preta junto aos olhos como as fêmeas. Dentro do casulo, a lagarta faz a metamorfose para crisálida, nome proveniente de chrysos, a significar ouro, talvez devido à coloração metálica apresentada. Já no final do período, após mais ou menos quinze dias no casulo, a crisálida transforma-se em mariposa (borboleta nocturna). Com um tamanho reduzido, próximo dos quatro centímetros, tem dois pares de asas e o corpo coberto de pêlos. Como mariposa, começa a libertar uma substância alcalina para com a ajuda das patas romper o filamento e abrir um orifício no topo do casulo no lado da cabeça, por onde sai logo cedo de manhã. No estado de mariposa o aspecto físico do macho e da fêmea é já bastante distinto. O abdómen da fêmea é maior que o do macho e no topo do oitavo anel do abdómen da fêmea encontra-se uma marca em forma de ‘X’, enquanto o macho apresenta uma fina marca castanha escura, no nono anel do abdómen. Também diferentes são as formas exteriores dos seus órgãos reprodutores. Essa transformação acontece devido aos órgãos produtores da seda se atrofiarem após expelir o filamento e no seu lugar se desenvolverem os órgãos reprodutores. As asas triangulares da mariposa cobrem horizontalmente a parte superior do corpo, tronco e abdómen e saíram do segundo e terceiro anel do tórax da lagarta. A cabeça é maior que o peito e o abdómen tem a forma de cone com cor branco-amarelada. Em cada lado da cabeça há dois olhos compostos e cada um contém três mil minúsculas lentes sensíveis à intensidade da luz. O macho apresenta antenas pretas em forma de pente, enquanto as da fêmea estão atrofiadas. Na fase de mariposa, normalmente de três a cinco dias, esta não se alimenta pois não possui boca e dá-se o acasalamento entre macho e fêmea durante longas horas. No dia seguinte põe perto de quinhentos ovos e dois a três dias depois da desova, as mariposas morrem, terminando assim o ciclo da Bombix mori.
José Simões Morais Via do MeioSegredos da Seda (18) – Fábricas e depósito de casulos em Tongxiang Continuamos por Tongxiang (桐乡), no distrito de Jiaxing (嘉兴) a Norte de Zhejiang, local onde se pratica a sericicultura e a produção de casulos é grande devido à existência de muitas fábricas de fiar e tecer a seda. De notar, sair desta província um terço da produção chinesa de fio, brocados e cetins. Após a breve visita à Fábrica Tongxiang Wutong Silk Industry Co. Ltd. na rua Oeste n.º 2, cujas máquinas automáticas trabalham no tecer a gaze, o mais simples tecido de seda, o taxista, perante o nosso desconsolo, para nos animar lembra-se de um depósito onde os agricultores vão entregar os casulos. Assim chegamos ao entreposto de compra de casulos em Tongxiang, onde os sericicultores aguardam a vez para descarregar os enormes sacos condicionados nos atrelados dos tractores, que se estendem em fila ocupando toda a rua. O local da entrega é um enorme armazém, delimitado por grades na parte da frente, havendo apenas um espaço livre para os sacos cheios de casulos passarem e serem despejados. Após a pesagem, um recibo é logo entregue por entre as grades, entrando então o sericicultor numa porta ao lado e quando sai, vem ainda a conferir o maço de notas. No seu tractor parte, desanuviando a longa fila de quem aguarda ansiosamente por entregar o trabalho de quase dois meses. Outros há terem recebido as lagartas da fábrica em cujas estufas foram criados os ovos e onde as larvas estiveram a primeira semana num ambiente completamente esterilizado. Só depois as lagartas são transferidas para junto dos vastos campos de amoreiras e após um mês de intenso labor, os sericicultores vão entregar os casulos. Normalmente as estufas pertencem às fábricas que, no início do segundo período de crescimento das lagartas, após sete dias depois do nascimento, as levam aos sericicultores para estes as alimentarem e delas cuidar até ao final da produção dos casulos. Com vinte, a vinte e nove dias de árduo labor, os sericicultores entregam os casulos à fábrica, ou vendem-nos no posto colector de casulos. No interior do entreposto, já dentro do armazém, os casulos são colocados em cestas de vime e escolhidos por mulheres para retirar os manchados, assim como os emaranhados e os separam segundo o maior ou menor tamanho. Daí são distribuídos para as fábricas. FÁBRICA DE FIAÇÃO Ainda na companhia do taxista tentamos ter mais sorte, mas sem uma morada procurar uma fábrica parece tarefa complicada. Após questionar muitos transeuntes, por fim explicam-nos o local e daí rapidamente nos encontramos no pátio com a anuência do porteiro. Estamos na Fábrica de fiação de seda Hua Lin (华灵丝绸有限责任公司) situada na rua Fengming Oeste e como encantados pelo canto da fénix, saímos do táxi. Sem saber por onde ir, com um gesto de ombros tentamos pôr o taxista a colocar-nos em contacto com alguém da fábrica, pois o pátio está vazio. Inquirido o porteiro, este indica um prédio cujas escadas nos leva à parte da Administração. Apresentando a demanda até agora feita, logo nos concedem uma visita à fábrica. A sorte está do nosso lado, pois esta dedica-se a comprar os casulos e a partir deles desenovelar os filamentos criando um fio que bobinado é colocado em meadas. O trabalho é todo feito por máquinas manuseadas por experientes funcionários. Logo à entrada do primeiro edifício sentimos um bafo de calor ao aproximar de uma máquina onde por cima dela, numa placa suspensa em varanda, imensos e enormes sacos com casulos esperam a vez para serem despejados por um funcionário num tapete rolante compartimentado. Num rápido olhar faz uma primeira triagem, retirando os sem condições. Daí caem para um recipiente com água quente e em banho são transportados para outra parte da máquina, onde se procede à secagem dos casulos com as crisálidas ainda dentro, mas mortas pelo calor. De novo se realiza uma ligeira selecção para retirar fios soltos, ou um ou outro casulo manchado e os impróprios. Outro funcionário, a operar entre máquinas, recolhe-os e passam para baldes plásticos transportados em pequenos grupos para outra máquina. Os casulos já menos compactos e o filamento mais solto por a sericina se ter diluído, encontram-se de novo em água quando um disco passa sobre eles e com a ajuda de outro disco a girar com três pequenas vassouras lhes vai apanhando o início dos filamentos. Uma funcionária agarrando as pontas enfia-as por os vários orifícios de uma peça, e em grupos de sete são com uma pequena torção automaticamente enrolados nos carretéis num único fio de seda para o tornar resistente. Enquanto estão a bobinar para os carretéis, a empregada vai controlando para substituir os filamentos partidos, ou quando estes acabam retirar a sobra dos desfiados casulos e colocar outros para manter o número de sete filamentos e assim criar um longo fio. O compartimento move-se lentamente para outra secção da máquina, deixando um novo espaço para os seguintes serem tratados por a funcionária, que repete a operação anterior. Os carretéis são retirados ao atingir o tamanho desejado de fio e passam para outra máquina onde de novo o fio é rebobinado para lhe criar uma uniformidade. Esse processo de cruzamento e retorção, denominado torcedura, leva o fio a ser transferido de bobina para bobina, movendo-se com diferentes velocidades para retirar o excesso de humidade e ter o grau de torcedura pretendido para tecer diferentes tecidos. Depois os carretéis são colocados noutra máquina que repassa o fio para tambores formando assim as meadas. Em cada hexagonal tambor, feito com seis varas de madeira, são dobadas cinco meadas e retiradas da máquina são levadas para a terceira secção da fábrica. Em grupos de cinco as meadas são atadas uma a uma antes de retiradas do tambor, que por um sistema de alavanca as liberta para por fim serem de novo torcidas, desta vez por uma funcionária. Por vezes aqui é usada uma escova especial para ajudar a desemaranhar os fios antes de empacotadas as meadas. Ficamos a saber esta fábrica produzir 150 toneladas de fio por ano, sendo um terço para exportação e dois terços vendidos às fábricas chinesas de tecelagem. Saindo do edifício, no chão do pátio vemos bocados de seda oriundos dos restos de casulos e ao lado, cobertos por um enorme plástico, milhares de crisálidas mortas esperam ser recolhidas para serem transformadas em farinha pois rica em proteínas, servindo ainda como ração para os animais ou fertilizante para a terra. Satisfeitos, pedimos ao taxista para nos deixar no centro de Tongxiang, pois queremos conhecer um pouco da cidade. VISITA A UMA SIRGARIA Passamos por um canal onde o tráfego de embarcações de carga nos faz lembrar os caminhos de água do Grande Canal e deambulando por o mercado encontramos algumas esplanadas como salas de chá de rua. No centro, novos bairros ocupam os lugares dos antigos quarteirões demolidos e baixos prédios ganham o espaço. Já o comércio de roupa de marca disputa as lojas, demonstrando uma vitalidade económica. Após uma hora a caminhar, resolvemos partir e por isso procuramos um táxi para de novo nos levar ao terminal de autocarros. Na postura damos com o nosso conhecido motorista. Tinha já feito algumas corridas e ali está agora para de novo nos transportar. Tentamos explicar querer ir apanhar o autocarro para Hangzhou, no local de onde com ele partíramos oito horas atrás. O caminho é longo e com a prática no comunicar entre ambos, vamos subentendidamente falando, dizendo-lhe termos visto na parte final da viagem de autocarro, já próximo de Tongxiang, um quase certo lugar de produção de bichos-da-seda. O caminho já vai longo e resolve meter gasolina. Estranhamos, mas nada dizemos, pensando se teria percebido querermos ir com ele até à capital da província. Pouco depois, avistamos a casa onde anteriormente passáramos na viagem de autocarro desde Hangzhou e reparado nos instrumentos ligados à sericicultura a secar ao Sol. Pedimos para meter o VW-Santana por uma picada e chegamos ao pátio da casa. A porta do que será a garagem está aberta e dentro esticado numa espreguiçadeira um homem dos seus cinquenta anos. O taxista de novo explica o nosso interesse e com agrado somos convidados a entrar. Num canto da ampla e asseada divisão, despida de utensílios e mobiliário, apenas redes plásticas com espaços quadrados a servir de local para as muitas lagartas edificarem o casulo. Agora sim, o trabalho está feito e ainda nos são dados uns quantos casulos para levar.
José Simões Morais Via do MeioSegredos da seda (17) – Construção do casulo e a crisálida Até aqui, os conhecimentos sobre a seda resumiam-se ao Museu da Seda de Hangzhou e por isso decidimos ir a Tongxiang (桐乡), no distrito de Jiaxing (嘉兴) ainda na província de Zhejiang, visitar locais de produção e as muitas fábricas de transformação dessa fibra. Para aí chegar, duas horas de autocarro partindo do terminal Oeste de Hangzhou e durante a viagem, já próximo do destino, pela janela descortinámos ao Sol no pátio de uma casa de campo instrumentos usados pelos sericicultores e à frente, um pequeno amoreiral podado. No terminal de Tongxiang, a uns bons quilómetros do centro da cidade, mostramos o caractere de seda (丝绸) a um taxista, que sem nos perceber questiona o polícia de serviço e ali procuramos dar a entender o pretendido. Após a adição do caractere fábrica (工厂) chegam a acordo e o taxista logo se faz à estrada. Passando o centro, segue para Sul onde se encontra a parte industrial. Em frente ao portão de uma fábrica, o taxista prepara-se para nos deixar. Percebendo o quão longe estamos do centro da cidade e sem táxis à disposição, sabendo já este condutor o nosso interesse dizemos-lhe pretender com ele continuar e assim alugamos o carro à hora. É período do almoço e o sinal sonoro da fábrica apita. Dois homens passam e abordamo-los sobre a possibilidade de a visitar. Como não nos entendem, o taxista explica-lhes o que queremos. Levam-nos ao escritório onde somos apresentados ao patrão e após trocar umas palavras com o responsável máximo, este leva-nos a visitar uma ala da fábrica, onde as máquinas trabalham sozinhas na feitura do tecido de seda. Aqui apenas se tece a gaze! Tentamos obter permissão para visitar outros edifícios, mas com a pressa de ter de ir a casa almoçar, rapidamente parte sem mais explicações, deixando-nos à saída da fábrica. O taxista, percebendo o nosso ar desconsolado pela cara que apresentamos, chama-nos para dentro do VW-Santana, onde o ar condicionado está a todo o vapor e leva-nos a um depósito, onde os agricultores vêm descarregar grandes sacos de casulos. O FILAMENTO DA SEDA Procurávamos perceber como é criada a fibra da seda, depois de ver a lagarta agarrada a uma tenra folha de amoreira com as unhas das patas [situadas aos pares em cada um dos três anéis que formam o tórax] a acompanhar o movimento da cabeça, enquanto aos lados da boca as mandíbulas trituram as folhas. Segundo uma tabela do princípio do século XX, nos primeiros quinze dias de vida da lagarta são as folhas dadas seis vezes ao dia (às 6 e 10 horas da manhã e às 13, 16, 19 e 23 horas) e após a terceira muda, servidas às 4, 10, 16 e 22 horas. Constante é a necessidade de fazer o espaçamento ao longo do baixo e largo tabuleiro de verga, recolher as carcomidas folhas já impróprias para consumo e também a descamação. Quando no final dos quatro sonos e após sete a nove dias de alimentação, as lagartas deixam subitamente de comer, sendo preciso agora mudá-las dos tabuleiros para palha de arroz entrelaçada e ter cuidado com as distâncias, para os casulos não se enredarem. Acontece por vezes, por descuido do sericicultor, duas lagartas construírem-nos a tão curta distância que os fios se emaranham, complicando o trabalho de quem os fia. Uma rede plástica enrolada, com espaços propícios à construção dos casulos, é actualmente utilizada em muitas sirgarias. Em Freixo de Espada à Cinta, Trás-os-Montes, usam-se ramos de arçã (rosmaninho) para a lagarta fazer o casulo. Em Suzhou, vemos velhas caixas de papelão, com divisórias à medida do casulo, arrumadas a um canto do Museu de Seda. O alimento, que serve para fazer crescer a lagarta, é transformado por acção glandular em líquido proteico, composto por 18 aminoácidos que formam, na secção posterior das glândulas da seda, a fibroína. Esta é o constituinte principal da seda natural, sendo produzida por duas glândulas sericígenas tubulares, longas e volteantes situadas nas partes laterais anteriores do abdómen da lagarta. Os dois canais laterais juntam-se num compartimento mais largo, na parte média do abdómen e os dois filamentos compostos pela fibroína são envolvidos por uma substância gomosa, a sericina, um líquido glandular. Já num único filamento é expelido por um tubo situado na parte inferior da boca e quando exposto ao ar endurece, tornando-se resistente. A lagarta ao girar vai-se envolvendo nele e construir o casulo. O filamento da espessura de um cabelo pode atingir de 700 a 1200 metros de comprimento e é constituído por 75 a 78% de fibroína e 22 a 25% de sericina. Visto ao microscópio, é composto por dois filamentos finos paralelos colados entre si, revelando em corte transversal ter uma forma triangular. O CASULO E A CRISÁLIDA A lagarta ao girar vai com um único filamento durante três a cinco dias envolver-se e fechada num compartimento constrói o casulo, de cor creme, amarelada ou branca, cimentado com a ajuda da goma. À medida que esvazia todo o líquido proteico e glandular na construção do casulo, o seu corpo diminui de tamanho. A formação do casulo inicia-se pela movimentação da cabeça a libertar uma baba, criando uma cadeia de pontos de apoio em diferentes planos para montar uma teia a definir o volume. Essa baba forma um filamento, no início pouco homogéneo e consistente, – conhecida por anafaia e por isso não utilizado na fabricação de tecidos finos – mas à medida que o casulo se vai estruturando, o filamento conquista uniformidade e já com um ritmo regular nos movimentos da cabeça cria uma disposição em fiadas sucessivas e paralelas que, acamadas, preenchem a forma ovalada do casulo. A construção do casulo demora normalmente de três a cinco dias e atinge os quatro centímetros pela parede exterior, onde a Bombix mori passa entre catorze e vinte dias. No interior do casulo, abrigo resistente e isotérmico, a lagarta prepara o compartimento onde durante aproximadamente três semanas vai com a perda de peso e tamanho sofrer metamorfoses. Cinco a seis dias após terminar o casulo inicia a transformação, primeiro até crisálida e quatro a cinco dias depois para mariposa (borboleta). A metamorfose em crisálida começa com a lagarta a descartar a camada que a envolve, diminuindo de tamanho devido à perda de água e daí os anéis do peito transformam-se numa carapaça a cobrir a cabeça. No tórax da lagarta, as seis patas, verdadeiras pois articuladas, continuam a existir na crisálida. Já no abdómen, apesar da sua redução, os anéis mantêm-se distintos, ganhando o corpo uma forma oval alongada, agora revestido por um líquido viscoso. Assim está formada a crisálida, cuja cor é de um castanho avermelhado. No quarto, quinto e sexto anel apercebem-se vestígios do que virão a ser as asas. O casulo após terminado tem a massa de dois a 2,5 gramas pois contém ainda a crisálida, mas descontando esta, varia entre 0,4 a 0,5 gramas. Antigamente a produção de casulos realizava-se cinco vezes ao ano: na Primavera, entre o mês de Maio e Junho; no Verão, entre Junho e Julho e três vezes no Outono. Hoje faz-se durante todo o ano. Os casulos produzidos em diferentes partes do mundo têm diferentes formas e cores. Os casulos chineses são ovais, longos e espigados, enquanto os produzidos pelos japoneses são delgados na cintura e os europeus ligeiramente cintados. A maioria dos casulos são brancos, mas também os há amarelos e verdes e hoje em dia, com a ajuda da biotecnologia, produz-se casulos coloridos de muitas cores e de grande qualidade. Em todo o processo, a temperatura ambiente é determinante e, por isso, os períodos de tempo variam, é muito diferente se for realizado na China ou em Portugal. As lagartas na Tailândia, devido ao calor, apenas produzem de quinhentos a seiscentos metros de filamento por casulo, mas na China e no Japão, estes envolvem-se em cerca de mil e duzentos metros de um único filamento. Como os casulos se querem inteiros, para haver um bom fio de seda, antes da crisálida se transformar em mariposa, interrompe-se o ciclo da Bombix mori.
José Simões Morais Via do MeioSegredos da SEDA (16) – Museu de Seda de Hangzhou Sabemos ter sido a primeira escola na China especializada em seda e na sericicultura fundada em Hangzhou no ano de 1898 por Lin Qi, na altura a presidir à governação da cidade. O Museu de Seda de Hangzhou, situado na parte Sudeste da cidade e aberto em 1992, é o maior do país e conta com diferentes secções, tendo as exposições legendadas em chinês e inglês. No recinto do museu encontram-se vários edifícios, sendo composto por um central onde todas as fases da seda são explicadas, desde as etapas de evolução da Bombix mori às várias espécies de amoreiras e os seus frutos. Refere como dos filamentos expelidos por a boca das lagartas se faz o fio da seda e os processos de cruzamento para criar os vários tipos de tecidos, também ali expostos. Noutra sala, em teares vão-se produzindo brocados e passando para outro edifício, por um corredor de primeiro andar, chegamos à parte do fiar e tecer. Ganham actualidade os instrumentos inventados para o processo da seda mostrados no rés-do-chão e os teares expandem-se para um outro bloco, onde se encontram duas lojas de venda de artigos aqui produzidos. Observamos o desenho do brocado no reflexo de um espelho colocado por baixo da trama na parte da frente do tear, onde o tecido vai sendo enrolado. Aí a tecelã labora, quando subitamente um som apela para um amplo salão ao fundo. Apressadamente cruzamos os grandes teares onde tecelões trabalham aos pares, um sentado no alto do tear manejando fios, enquanto o outro, na parte da frente do tear urde. A passagem de modelos vai já na segunda parte do desfile, mas como se realiza quando há excursões em visita ao museu, tenho oportunidade de dar mais tempo aos teares e voltar mais tarde a assistir a esse simples mas agradável espectáculo. O museu continua a melhorar as suas exposições, criando novos cenários. No entanto, a secção dos bordados deixou de existir para dar lugar a mais uma parte comercial, transformada agora numa aconchegada sala mais pessoal de amostra das vestes em seda. Um pouco da história da evolução da Bombix mori e dos caminhos da Seda são por painéis expostos nos corredores centrais. Na última sala refere-se a parte filosófica e não a tecnológica, a mitologia ligada ao bicho-da-seda e a regeneração cósmica e sagrada, permitindo-nos ganhar o todo ao assunto. Existe ainda uma sala com uma pequena parte reservada aos pigmentos para tingir e o resto do espaço apresenta tecidos feitos de seda e explicações sobre os simbólicos significados dos bordados nas vestes imperiais e dos mandarins. Com os conhecimentos apresentados no museu, sabendo poder presencialmente observar no campo todo o processo, decidimos visitar Tongxiang por ser um local onde se pratica sericicultura e existem muitas fábricas, tanto de fiar como de tecer a seda. Como para aí chegar teremos duas horas de autocarro partindo do terminal Oeste da cidade, antes de iniciar a viagem resolvemos ir provar as famosas iguarias de Hangzhou. PRATOS TÍPICOS Na margem Leste do lago Xi, ou do Búfalo Dourado, no início do III milénios muitos são os chalés transformados em restaurantes a servir também de salão de chá e galerias de arte. Na ementa aparecem pratos tradicionais como a sopa de peixe, peixe do lago com molho agridoce, [por ter demasiadas espinhas fica horas a marinar em vinagre], caranguejo em laranja, camarões cozidos em chá verde de Longjing, tripas de porco cozidas, porco estufado, pato com cogumelos pretos e outras iguarias não provadas. Mais tarde saboreámos carne de porco à moda de Dongpo, estufada e cujo molho lhe dá um sabor adocicado e a gordura por baixo da pele entranhando-se na carne a torna tenra. Segundo a empregada do restaurante ao traduzir o menu para inglês, diz ser o prato recomendado para tornar a pele das mulheres mais jovem. O chá, claro, logo desde o início tudo acompanha e para a refeição, uma das cervejas da terra, sendo o vinho de arroz usado para roer as carnes ingeridas. A fechar, um chá digestivo é servido com a conta e por melhor que seja o restaurante, o preço era sempre barato. Para digerir a lauta refeição resolvemos caminhar em torno do lago Oeste (Xi), cuja área é de 56 km² e perímetro de quinze quilómetros. Embalados por o cenário, somos inspirados por a lassidão do verter dos ramos de muitos chorões e pessegueiros para as tranquilas e prateadas águas. O espelho é quebrado pelo rasto da passagem de barcos turísticos a remos, cujo toldo cobre bancos corridos em frente de mesas cheias de cascas de pevides, onde repousam copos com as folhas de chá no fundo. Desembarcados os passageiros, logo o barqueiro faz a limpeza, aproveitando para abastecer de água quente a garrafa-termo, enquanto já novos clientes instalados no barco vão tirando fotografias. Em ambiente acolhedor, grande quantidade de turistas, tanto nacionais como bastantes estrangeiros, por aqui se vão deixando ficar. O encanto do lago Oeste atrai muitos casais chineses à procura da lenda de ser Hangzhou um excelente local para se apaixonarem. No ano 2002, a cidade recebeu a visita de 27 milhões de turistas, sendo estrangeiros um milhão, números exponenciados nos anos seguintes num enorme aumento de visitantes misturados com o milhão e meio de residentes. FINAL DO CICLO DA LAGARTA A refeição fez-nos sentir qual lagarta depois de acordar do último dos quatro sonos e após sete a nove dias de alimentação final, com uma cor translúcida branca acinzentada e manchas castanhas escuras, subitamente deixa de comer. Passaram-se quase quatro semanas desde as lagartas terem saído do ovo e agora completamente desenvolvidas, após cada uma ter consumido de vinte a trinta gramas de folhas de amoreira, chegam ao momento de estar aptas a fabricar o casulo. Mostram-no quando exigem atenção, empinando e bamboleando os corpos de ponta a ponta. As glândulas da seda estão cheias e antes de começar a segregar o filamento brilhante com que se irá envolver, a lagarta esvazia as entranhas de impurezas. A lagarta na parte interna tem as glândulas sericígenas, “dois extensos tubos dobrados sobre si mesmos”, situadas ao longo e debaixo do aparelho digestivo. As duas glândulas que fornecem a seda encontravam-se já quando a larva sai do ovo, deixando atrás de si um rasto de baba. E continuando com Victor Caruso: “Cada glândula divide-se em três partes: 1ª – Tubo anterior, ou excretor, à direita e outro à esquerda, até que, ao chegarem à cabeça vão dar à boca e aí, do lábio inferior, onde há uma saliência, os dois fiozinhos juntam-se logo à saída, endurecendo em contacto com o ar. 2ª – Tubo médio, ou reservatório; é a parte mais grossa e onde se acumula a matéria que cobre o fio da seda dando-lhe uma goma corante, a sericina. 3ª – Tubo posterior ou secretor; é extenso, com muitas dobras, onde se forma a fibroína, matéria essencialmente sedosa. A fibroína tem de 72 a 81% do peso das glândulas e a sericina de 17 a 26%”. Assim, a seda é segregada por as glândulas sericígenas labiais situadas na parte inferior da boca. A fieira, como é denominada essa parte, consiste num pequeno segmento de um longo tubo, que depois se divide em dois, cada um com cerca de vinte e cinco centímetros, a voltearem repetidamente, encontram-se ao longo de ambos os lados do corpo. Cada um dos tubos está dividido em três diferentes secções: a secção posterior, onde é formada a fibroína, o constituinte principal da seda natural, com catorze a quinze centímetros e um diâmetro de um milímetro [valores correspondentes quando a lagarta está pronta para produzir o filamento de seda]; a seguir a secção média, onde num compartimento mais largo os dois canais laterais se juntam, tendo cada um seis a sete centímetros de comprimento e uma abertura de três milímetros, estando aí armazenada a sericina, que como cola envolve os dois filamentos de fibroína; e a secção anterior, a terminar na parte de trás da boca, a fieira, um tubo com três a quatro centímetros de extensão e um diâmetro de um décimo de milímetro, de onde é expelido um único filamento que em contacto com o ar solidifica. Com esse filamento, cujo diâmetro é de 24 a 30 mm, a lagarta ao girar vai-se envolvendo e construindo o casulo.
José Simões Morais Via do MeioDa Yuan, Grande Ciclo de 540 anos A 4 de Fevereiro de 2024 celebra-se o Lichun, Princípio da Primavera e inicia-se o período (运, yun) 9 de vinte anos (2024-2043) ligado com o Elemento Fogo Li (离), que fecha o Grande Ciclo, Da Yuan (大元), iniciado em 1504. O Grande Ciclo (大元) de 540 anos é dividido em três Zheng Yuan (正元), cada com 180 anos: o Alto, 1º Zheng Yuan (正元) começou em 1504 e terminou em 1683; o Médio, 2º Zheng Yuan entre 1684 e 1863; e o Baixo, 3º Zheng Yuan de 1864 a 2043. Dentro dos 180 anos de cada Zheng Yuan (正元), conhecido por San Yuan Jiu Yun (三元九运), existem três ciclos de sessenta anos, cada com nove períodos (运, yun): o ciclo alto (shang yuan 上元) contém os períodos (yun) 1, 2, 3 de vinte anos cada; no ciclo médio (zhong yuan中元) encontram-se os períodos 4, 5 e 6; e o ciclo baixo (xia yuan下元) inclui o período 7, 8 e 9. Cada período (yun) é governado por um dos oito trigramas do Bagua, excepto o 5.º associado com o centro/meio a representar a Terra no San Yuan Jiu Yun (三元九运), que também se chama Luo Shu Yun. Assim, referente ao Baixo, 3º Zheng Yuan (正元) com 180 anos (1864-2043), quanto aos três ciclos de 60 anos [San Yuan Jiu Yun] no Ciclo Alto (shang yuan 上元) com 60 anos, o 1º período (yun) de 20 anos (1864-1884), Kan (坎) está associado ao Elemento Água; o 2º período de 20 anos (1884-1904), Kun (坤), ligado ao Elemento Terra; e o 3º período de 20 anos (1904-1924), Zhen (震), associado ao Elemento Madeira. Quanto ao Ciclo Médio (zhong yuan中元) com 60 anos, contem o 4º período de 20 anos (1924-1944), Xun (巽) Vento (associado com Madeira); o 5º período de 20 anos (1944-1964), Centro (中) conectado com o Elemento Terra, é o momento de balanço e mudança; e o 6º período de 20 anos (1964-1984), Qian (乾) Céu (associado com o Elemento Metal). Mas segundo referem alguns especialistas, o 4º período é de 30 anos (1924-1954), o 5º período, o meio, a servir de espelho e o 6º período tem 30 anos (1954-1984). No Ciclo Baixo (xia yuan下元) com 60 anos, o 7º período de 20 anos (1984-2004), Dui (兑) Lago (associado ao Elemento Metal); o 8º período (yun) de 20 anos (2004-2024), Gen (艮) Montanha (conectado com o Elemento Terra) e o 9º período de 20 anos (2024- 2044), Li (离) ligado com o Elemento Fogo. Como para o Feng Shui o ano começa com o Lichun (normalmente a 4 de Fevereiro, podendo também ocorrer a 3 ou a 5 de Fevereiro) todas as datas referidas acima estão conectadas com o ano solar. SAN YUAN JIU YUN Explicado a divisão do grande ciclo Da Yuan, convém referir San Yuan Jiu Yun (三元九运), com 180 anos, provém do Calendário Huangdi (黄帝历). Segundo o livro Lüshichunqiu-zunshi (吕氏春秋-尊师), Huangdi no ano 2698 a.n.E ordenou a um dos seus oficiais, Da Nao (大挠), a feitura do calendário. Outro livro, Wu Xing Da Yi (五行大义) da dinastia Sui refere ter Da Nao usado os Cinco Elementos (五行, Wu Xing), combinando as mudanças de energia (气, qi) do Céu/Sol/yang e da Terra/Lua/yin, o que deu os 10 Tian Gan (天干, Caules Celestes) e os 12 Di Zhi (地支, Ramos da Terra) e da combinação dos dois criou o ciclo de 60 anos. Os nomes dos Caules Celestes e dos Ramos da Terra foram dados por Da Nao. Em Sichuan Yanting na aldeia Panya foi encontrado uma estela que no topo referia Tianhuangshi (天皇氏) ter sido a primeira pessoa a usar o nome Ganzhi (干支) para separar os anos. Ganzhi refere-se à combinação de Tian Gan e Di Zhi. Jia (甲), o primeiro Tian Gan, combinado com Zi (子), o primeiro Di Zhi, é o primeiro ano dos 60 e Jia Zi serviu também para dar o nome ao ciclo de 60 anos. No sistema solar existiam nove planetas, (apesar de Plutão ter agora deixado de ser considerado um planeta), e Mu Xing (木星, Júpiter) e Tu Xing (土星, Saturno) estão alinhados a cada vinte anos. Já estes dois planetas e Shui Xing (水星, Mercúrio) em sessenta anos ficam no mesmo alinhamento. Em cento e oitenta anos, todos os nove planetas (Vênus, Mercúrio, Terra, Marte, Júpiter, Úrano, Saturno, Nepturno e Plutão) encontram-se num alinhamento completo. Tal não muda e esta dimensão do Tempo está sequenciada no San Yuan Jiu Yun (三元九运), reflectindo este o Céu que separa o Tempo em ciclos. Os antepassados ao estudar o Céu descobriram a relação com os planetas do sistema solar e assim encontraram o ciclo de vinte anos do alinhamento dos planetas Júpiter e Saturno com o período (运yun) de vinte anos. O mesmo ocorreu com o alinhamento dos planetas Júpiter, Saturno e Mercúrio, cujos 60 anos se liga com um Yuan (元). Quanto aos 180 anos do alinhamento completo dos nove planetas, conecta com um Zheng Yuan (正元), corresponde a um San Yuan Jiu Yun. BEI DOU JIU XING Também se descobriu que as nove estrelas da Constelação Ursa Maior (Bei dou jiu xing, 北斗九星, Mapa do Grande Carro) [7 estrelas mais brilhantes (Bei dou qi xing, 北斗七星) com as outras duas estrelas, cuja luminosidade é muito fraca zuofuxing (左辅星) e youbixing (右弼星)], afectam o ocorrido na Terra, correspondendo cada uma das nove estrelas a vinte anos, dando o resultado de 180 anos. A estrela número 1 da Bei dou jiu xing, a Dubhe (天枢, Tianshu) no Feng Shui é denominada Tanlang (贪狼); a estrela número 2, Merak, (天璇 Tianxuan) conhecida no Feng Shui por Jumen (巨门); a número 3, Phecda (天玑 Tianji) no Feng Shui chamada Lucun (禄存). A 4 Megrez (天权Tianquan) onde começa a bifurcação é pelo Feng Shui denominada Wenqu (文曲). A estrela 5 Alioth (玉衡, Yuheng) na ponta do trapézio, no Feng Shui é denominada Lianzhen (廉贞); a 6 Mizar (开阳, Kaiyang) no Feng Shui chamada Wuqu (武曲); a da ponta, a estrela 7 Alkaid (瑶光, Yaoguang) no Feng Shui designada por Pojun (破军). As outras duas estrelas, cuja luminosidade é muito fraca, a estrela 8, zuofuxing (左辅星) e a número 9, a youbixing (右弼星). Estas as estrelas do Mapa do Grande Carro, Constelação Ursa Maior (Bei dou jiu xing, 北斗九星). O sistema da dimensão do Tempo, San Yuan Jiu Yun (三元九运) com nove períodos (yun) de 20 anos cada, pode ser ligado com cada um dos 9 planetas do sistema solar, ou conectado com uma das 9 estrelas da Constelação Ursa Maior (Bei dou jiu xing, 北斗九星), e assim se percebe como cada estrela nos irá afectar num período 20 anos. No último dos San Yuan Jiu Yun (三元九运) com 180 anos, o ciclo baixo (xia yuan下元) com 60 anos, entre 1984 até 2043 está conectado no Yi Jing com o hexagrama n.º 50 Ding Gua (o Caldeirão), trigrama superior Fogo [duas linhas inteiras, com uma quebrada no meio] sobre trigrama inferior Madeira [duas linhas inteiras tendo na base uma quebrada]. “As linhas (yao) que compõem este hexagrama formam a imagem do caldeirão; abaixo estão as pernas sobre as quais está o bojo, em seguida as alças e acima as argolas usadas para carregá-lo. Esta imagem do hexagrama original sugere também a ideia da cozinhar”, pois a madeira é colocada a alimentar o fogo. Cada hexagrama (gua) tem seis linhas (yao) e cada linha controla dez anos. Na quarta linha (2014-2023), linha inteira (yang yao masculina), mas havendo uma linha mutável (o velho yang a corresponder ao número 9) na quarta posição, significa: “Ding com uma das pernas quebradas”. A respeito dessa quarta linha que faz a ligação entre o que se encontra em baixo ao que está em cima, Confúcio comenta: “Carácter fraco numa posição de destaque, pouco saber com grandes planos, força diminuta aliada à grande responsabilidade, raramente escaparão ao infortúnio”. O ano de 2023 fez de fronteira entre o fim do 8º período (yun) de 20 anos, que começou a 4 de Fevereiro de 2004 às 19h56m e finalizará às 16h28m de 4 de Fevereiro de 2024, quando abre o 9.º período (yun) de vinte anos (2024-2044) conectado no Yi Jing com o hexagrama n.º 30 Li Gua, significa Aderir (Fogo).
José Simões Morais Via do MeioSegredos da seda (14) – Eclosão dos ovos e apuramento da linhagem O principal trabalho do Instituto Langzhong Can Zhong Chang é a produção de ovos da Bombix mori e como centro de pesquisa manter sobre vigilância apertada uma descendência feita de gerações provenientes da investigação e selecção, concluído nos cruzamentos entre crisálidas fêmeas e machos de diferentes origens geográficas. Já nos finais da Dinastia Ming, o cientista Song Ying Xing escreveu Exploração das Obras da Natureza, a tratar sobre a técnica de cruzamento de diferentes bichos-da-seda. A postura dos ovos feita na Primavera é uma parte guardada para a continuação da linhagem do ano seguinte e com a restante criam-se gerações para alimentar de casulos as fábricas durante todo o ano. No Instituto Langzhong Can Zhong Chang a cada óvulo é colocado um único espermatozoide e daí nasce um ser, obtendo-se melhorias pela genética na qualidade do animal e do fio. Serve também de conselheiro científico aos produtores que com amoreirais lhe compram ovos, sendo as lagartas entregues uma semana depois de nascerem. Visitámos as estufas com resmas de páginas cheias de ovos guardadas e constantemente analisadas para triagem, qual estabelecimento de sementeira onde os ovos do bicho-da-seda são vendidos, como lembra Victor Caruso no Manual Prático do Sericicultor [Edições Melhoramentos, São Paulo, Brasil, 1947], mas logo adverte: “Nenhuma conveniência há em serem produzidos pelos próprios criadores…” pois, “sem os devidos conhecimentos e desprovidos de aparelhagem adequada, a começar pelo microscópio para o exame das mariposas, os criadores incorreriam no risco de criar ovos provenientes de mariposas atacadas de pebrina”. [Percebe-se estar o animal com essa doença quando o corpo aparece ‘sarapintado’ com manchas do que parece ser pimenta numa pele arroxeada.] “Os ovos são vendidos já prontos para a eclosão. O criador não precisa ter outro trabalho a não ser, na posse da caixinha em que se encontram, distribuí-los numa superfície lisa em lugar arejado, sem raios directos do Sol e ao abrigo de formigas e outros insectos”. “Decorridos poucos dias, às vezes dois ou três, se dá o nascimento, ou como se diz na linguagem sericícola – a eclosão. Em casos excepcionais, muitas vezes devido à baixa temperatura, a eclosão demora oito ou dez dias, facto que não deve alarmar ninguém”. E continuando com Victor Caruso, “se tudo correu bem, os ovos esparramados, cuja cor vai clareando progressivamente, começam a picar, sempre pela manhã. No primeiro dia nasce um número muito reduzido de bichinhos, que são chamados espias. Já no segundo dia, com o romper do sol, há o que se chama o grande nascimento. A superfície da caixa parece uma grande mancha escura que se movimenta e as cabecinhas muito negras e luzentes das larvas dão uma nota característica. Na terceira manhã o nascimento continua, menor, todavia” e mesmo depois ainda há eclosão, “que se costuma desprezar. Vejamos como deve proceder o sericicultor, com referência ao nascimento verificado nos três dias. A diferença de um ou dois dias, nesse caso quer dizer muito. O período da vida de larva dura 24 a 30 dias; e o espaço de 24 ou 48 horas de atraso não permite que seu crescimento seja igual, uniforme, como convém, sob muitos pontos de vista. Para corrigir esse inconveniente, o sericicultor tem os devidos meios: dá-lhes mais calor e aumenta-lhes o alimento. O processo é este: Os bichinhos que nasceram na primeira manhã serão colocados no lugar mais abaixo do castelo [armação para os tabuleiros feitos por tiras de bambu entrelaçada onde sobre uma cama de tenras folhas ficam as larvas]; os que apareceram no segundo dia ficarão no tabuleiro imediatamente superior e os nascidos em último lugar vão para o tabuleiro mais alto. Isto porque, quanto mais elevado, tanto mais quente é o tabuleiro. Quanto ao alimento, deve-se agir reforçando a ração de folhas às larvas colocadas nos dois tabuleiros mais altos. Ordinariamente, daremos cinco rações às larvas que não vão ser igualadas [as nascidas no primeiro dia expostas no tabuleiro mais baixo]; mas daremos sete às nascidas no segundo dia e nove às nascidas no terceiro dia. A temperatura mais favorável, por ser mais alta e o aumento das folhas de amoreiras, farão com que o desenvolvimento das larvas seja favorecido”. A eclosão dá-se de manhã e as minúsculas larvas com um a dois milímetros de comprimento logo na manhã seguinte começam vorazmente a comer e rapidamente crescem. DIVIDIR EM GRUPOS De uma onça [25 a 30 gramas] de sementes nascem cerca de 40 mil lagartas (sirgos) que necessitam de folhas de dez amoreiras para se alimentar e produzem 50 kg de casulos, mas se ao mesmo tempo se fizer uma produção de quatro ou cinco onças, a produção de casulos baixa para 25 kg por onça. Daí, melhor fazer a separação em várias criações. Para se conseguir uma maior produção e de melhor qualidade é preferível dividir cem ovos em grupos de dez, do que os criar todos juntos. Isto tem a ver com o facto de a eclosão não ser simultânea, a provocar grandes dificuldades, só colmatadas pela utilização de incubadoras. Antes da existência destas, em Portugal usava-se colocar à noite os ovos na cama, por baixo dos cobertores, aquecidos pelo calor do corpo dos sericicultores. Durante o dia, os ovos eram transferidos para junto à lareira, num local onde o calor fosse brando. Em Chacim, Trás-os-Montes, “às mulheres eram distribuídas bolsas de camurça onde se guardava os ovos do sirgo, que chocavam ao calor dos seios. Eclodidos passavam à “casuleira”, casa onde se penduravam ramos de amoreira, e onde o sirgo crescia e começava a tecer o casulo.” (História Breve de Chacim e dos Paços da Seda de António Menezes Cordeiro, artigo publicado na revista “Caminhos”, 1997, Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros.) O brasileiro Victor Caruso volta a advertir os sericicultores: “Quando se verificar essa demora, não cometa o criador o disparate, como fazem alguns principiantes, de lhes dar calor para apressar o nascimento. Em alguns lugares da Europa havia, e ainda talvez haja, o péssimo costume de provocar a eclosão colocando os ovos entre os colchões, no seio e nas axilas o que, sem dúvida, priva de ar e predispõe a doenças as larvinhas prestes a sair do ovo. Essas práticas devem ser inteiramente abolidas, aguardando-se o nascimento espontâneo”. Ao sétimo dia, quando a cabeça do embrião se começa a ver através do ovo, o lugar deve ser colocado sem luz entre dois a três dias. A eclosão dos ovos deve corresponder ao período da existência de verdes escuras folhas tenras nas amoreiras. LANGZHONG, UM MUSEU VIVO Para despedir de Langzhong, chegamos à torre pagode Zhongtian e subindo ao andar superior, a vista expande-se por uma área de 1,5 km² sobre a cidade antiga. A maior parte das casas são térreas, algumas de pedra e tijolo do início da dinastia Qing com pátios interiores e os compartimentos para aí virados. Outras de dois andares feitas em madeira colocadas encostadas umas às outras e ocupadas ao nível da rua maioritariamente por lojas. Muitos dos telhados são encimados por uma composição em sobreposição de telhas a criar desenhos com formas geométricas variadas. No tecto da base da torre Zhongtian encontra-se uma enorme bússola usada no Feng-Shui, a marcar o centro da cidade e de onde partem nas quatro direcções as ruas que levavam às portas da muralha, agora destruída. Sabemos terem os actuais governantes o sonho de reconstruir a muralha a envolver a cidade, parecendo as obras junto ao rio ser um começo no preparar as estruturas, para conseguido o dinheiro a fazer renascer. No primeiro andar encontramos a estátua de Fu Xi segurando nas mãos o bagua por si criado. Daí vamos ao Templo de Zhang Fei construído há 1700 anos e como relíquia cultural está desde 1996 sobre protecção do Estado. O general Zhang Fei aqui viveu os últimos sete anos como comandante da guarnição e no ano da sua morte em 221, Liu Bei declarou-se Imperador Han do reino de Shu (221-263) com o nome de Zhao Lie Di (221-223), fazendo a capital em Chengdu. A Zhang Fei, depois de morrer foi dado o título de Grande Marquês (Huanhou). Passados mais de mil e quinhentos anos, já durante a dinastia Qing, um governador da província de Sichuan começou a compilar as histórias deste grande general e reportou-as ao Imperador Jiajing (1796-1820) que, percebendo ali estar uma grande personagem da História, lhe conferiu a título póstumo de Imperador Huanhou. Foi-lhe erigido uma estátua, mas no momento de colocar os atributos apareceu um problema. Se Zhang Fei fora ministro do Imperador Liu Bei, não poderia ser ao mesmo tempo imperador e ministro e, por isso, a estátua do Imperador Huanhou segura nas mãos a placa de jade levada pelo ministro quando ia resolver assuntos do Estado com o Imperador. Resolvido o problema, Zhang Fei tornou-se em espírito Imperador no coração do povo e, por outro lado, um leal ministro, e isto caracteriza a população de Langzhong. Ao fundo do templo está o mausoléu com o corpo, mas a cabeça de Zhang Fei encontra-se enterrada em Yunyang, na municipalidade de Chongqing, no terceiro templo dedicado a este herói do Período dos Três Reinos. Ao contrário de outras cidades turísticas, esta ainda tem a população a viver na zona antiga permitindo aos visitantes usufruir do quotidiano familiar ao passear pelas ruas pedonais, onde apenas veículos de duas rodas podem circular. Mulheres sentadas ao sol conversam, enquanto as crianças brincam na rua, ou tomam o pequeno-almoço de sopa de arroz e rissóis cozidos a vapor. Percorrendo a cidade antiga, vejo Langzhong como um museu vivo, relembrando outro paraíso, Hangzhou, capital da província de Zhejiang, com o maior número de museus temáticos da China e onde no Museu da Seda ocorreu o nosso primeiro contacto com o ciclo do bicho-da-seda. Retornávamos à zona da origem dessa fibra.
José Simões Morais Via do MeioSegredos da Seda (13) Ovos do bicho da seda em Langzhong Estamos de volta a Langzhong onde ao visitar “Langzhong Can Zhong Chang”, o Instituto que trabalha desde 1938 na produção de ovos do bicho-da-seda para a província de Sichuan, somos recebidos pelo director Dr. Feng Guang Qiang. Ao saber o tema do nosso trabalho disponibiliza-nos uma grande quantidade de informação tanto sobre os ovos, como das doenças e os cruzamentos das Bombix mori, pois especialista nessas matérias. Oferece-nos o livro por si escrito, Jia Can Pin Zhong Xing Zhuang Jian Jie, onde dá conselhos aos produtores de Sichuan e lhes indica quais os melhores cruzamentos a fazer com as diferentes gerações de reprodutoras e as condições para os realizar. Com a finalidade de reprodução, o bicho-da-seda ainda no casulo, onde entrara lagarta e em metamorfoses, primeiro como crisálida e já transformada em mariposa segrega um líquido alcalino que fura uma das extremidades do casulo, aparecendo no buraco primeiro a cabeça, ocorrendo a saída com grande esforço pela manhã. A fase de mariposa dura normalmente três a cinco dias e esta não se alimenta pois não possui boca. Após um banho de Sol para secar o corpo das mariposas e soltar as asas coladas, o macho, atraído pelo odor sexual da feromona libertado pela borboleta fêmea e guiado pelas antenas vai ao encontro dela, que permanece imóvel. Acasalam unidos pelos extremos do abdómen e em baixas temperaturas ficam macho e fêmea assim mais tempo, por vezes longas horas, ou mesmo dias. No dia seguinte ao acasalamento, a fêmea põe os ovos, que chegam a atingir os quinhentos e permanece na área do local onde acoplou com as asas a deixar um pó assedado nos dedos de quem lhes toca. Dois a três dias do desovar as mariposas morrem, terminando o ciclo da Bombix mori. Com a preocupação de fazer eclodir as sementes quando as amoreiras têm já tenras folhas, no princípio de Maio, os cinzentos e minúsculos ovos do bicho-da-seda, recolhidos nas caixas de postura, num lugar fresco e limpo, são colocados separados uns dos outros durante dez dias nas incubadoras. [Em Portugal a mais usada foi a incubadora Castelete, feita com uma caixa de paredes duplas onde, numa câmara, três ou quatro gavetas, separadas dez centímetros umas das outras, são forradas com panos de linho ou algodão para a cama dos ovos. Além de terem na parte inferior uma lamparina de azeite para aquecer a câmara, contém também um aparelho destinado a espalhar a humidade através de um tubo onde corre água quente nas duplas paredes.] Aí a temperatura vai progressivamente aumentando, não devendo exceder 27º C e a humidade rondar os 85 por cento. Alguns dias após a postura dos ovos torna-se fácil distinguir, pela mudança da cor, quais os fecundados. Ao sétimo dia, quando a cabeça do embrião se começa a ver através do ovo, o lugar deve ser colocado sem luz entre dois a três dias. A SEMENTE, O OVO Para a postura colocam-se então panos, de preferência de cor branca, aos quais os ovos aderem devido à substância gomosa que os reveste. De forma oval, apresentam uma casca delgada e, no interior, encostada à parede tem a membrana vitelina a proteger uma massa semifluida, o vitellus, a partir do qual se forma o embrião, como em todos os ovos. Este desenvolve-se lentamente, criando os órgãos da larva que se alimenta das substâncias da membrana vitelina. Muito deste capítulo só foi possível escrever devido às explicações de João Faustino Masoni da Costa no livro Indústria da Seda, edição da Bibliotheca de Instrucção Profissional, sem data, mas publicado no início do século XX. De cor amarela, esses minúsculos ovos com cerca de um a dois milímetros têm cada um a massa de 0,65 miligramas e devem ser mantidos a uma temperatura uniforme, durante a gestação, cuja duração é de entre uma a duas semanas, tomando então uma cor acinzentada. Tal deve-se ao evaporar da água durante a oxigenação dos ovos, a eliminar a humidade e gás carbónico desenvolvidos logo após a postura. Se a água não for eliminada ficam bolorentos, mas se essa perda for excessiva haverá também um desequilíbrio nos líquidos internos. Em osmose, a diminuição de massa pela perda de água e anidrido de carbono é compensada por troca com o oxigénio do ar que absorvem, permitindo a respiração. Este hibernar do ovo, sem o qual não se dá a eclosão, passa por três períodos: o pré-hibernal, anterior ao abaixamento da temperatura, dura dois dias, o hibernal com sete dias, onde a temperatura se mantém muito baixa e o pós-hibernal, quando pelo calor se inicia a incubação e se forma o embrião. No Inverno, os ovos ficam longo tempo a incubar e não chocam. Entende-se assim a necessidade de conservar convenientemente os ovos para não definharem e estarem aptos a eclodir em tempo próprio. Na China do século V passaram os ovos da Bombix mori a ser guardados a temperaturas baixas, próximas do 0º C, ficando assim controlado o nascimento das larvas, permitindo a produção à medida das necessidades e ao longo de todo o ano. Há dois mil e quinhentos anos, como refere o Livro dos Ritos [“Li Ji”, 礼记], já se desinfectavam os ovos lavando-os na Primavera quando, devido ao calor, estão na fase final do chocar, evitando assim doenças transmitidas por bactérias alojadas na casca. Por isso, as sirgarias devem ser locais amplos, para manter uma temperatura constante e secos, com boa ventilação. A postura dos ovos feita na Primavera, a primeira produção do ano para dar origem a lagartas vigorosas, realiza-se no início de Maio, sendo guardada uma parte para usar dez meses depois na continuação da linhagem do ano seguinte e a restante na reprodução, a criar gerações para alimentar de casulos as fábricas durante todo o ano. Após casalar, cada mariposa fêmea é colocada dentro de um cilindro, a limitar o espaço de desova, pousado num cartão (a página) onde ao rodar vai em círculos depositando os ovos, ovais e achatados. Nas páginas mais valiosas encontram-se apenas as mariposas proveniente de anciãs reprodutoras e as posturas dos ovos são guardadas com cuidados imensos. Setenta e duas horas após a secagem do corpo da mariposa, esta é colocada em clorofórmio e vista ao microscópio, com uma ampliação de seiscentas vezes. Faz-se o historial e constata-se se está com saúde, ou infectada, ou se tem alguma alteração genética. A última produção de ovos do ano ocorre no Outono e estes serão usados para iniciar no ano seguinte a produção de casulos e parte, guardados para eclodirem em Outubro. Fica-se assim com ovos provenientes dos avós em dois períodos diferentes, servindo eles apenas para continuar o grupo de vigorosas lagartas reprodutores. Desses, após uma selecção, são rejeitados 40 por cento e em seguida queimados. Assistimos a uma dessas fogueiras, mas as páginas revelam ser de ovos dos pais retiradas após analisadas as posturas por conterem muitos ovos brancos, a significar não fecundados. Se um ovo apresenta algum indício de doença, a postura é recortada para análise e a página deitada ao fogo. Cosendo recortes de outras posturas com ovos da mesma geração refazem-se as páginas. Nos ovos que passam na análise das páginas inteiras, ou reparadas, estão os filhos e netos preparados para a produção de casulos. Os ovos dos avós, a servir para a reprodução, não são vendidos e as páginas com ovos dos pais têm cada uma 14 círculos cheios de sementes. Já as páginas com ovos dos bichos-da-seda filhos contam com a postura de 28 mariposas fêmeas. As sementes vendidas são as das mariposas filhas e netas e o preço por página, (para cerca de 14 mil ovos provenientes de 28 mariposas filhas, cada uma a pôr quinhentos ovos), é de 90 Yuan (9 Euros). O custo de uma página com 28 mil ovos de 56 mariposas netas é de 26 Yuan. Dados do Instituto Langzhong Can Zhong Chang de 2009. São necessárias dez amoreiras para alimentar cerca de 40 mil lagartas que produzirão 50 kg de casulos. A atenção dispensada pelos sericicultores às horas de alimentação, à qualidade das tenras folhas verdes escuras e não transportarem cheiros como o do tabaco para as sirgarias, que devem ter bom arejamento e uma temperatura estável de 25º C, leva à produção de sirgos de boa qualidade, a dar um bom filamento ao casulo.
José Simões Morais Via do MeioSegredos da Seda 12 – Sagradas Árvores e a eternidade O pensamento de Kongfuzi (Confúcio) enumera cinco importantes virtudes simbolizadas numa árvore. “A primeira, na raiz, encontra-se no procurar sempre o bem nos outros. A segunda, no tronco, relaciona-se com a justiça e rectidão. A terceira virtude está nos ramos e representa as formas de agir no campo ético e moral. A quarta, na flor, a sabedoria. E por fim o fruto, a fidelidade”. A árvore sem raízes não pode existir. As árvores dividem-se em dois grupos simbólicos: as árvores da vida, a expressar a fortuna e a longa vida da família e as árvores cósmicas, que representam o entendimento do Universo e dos fenómenos astronómicos. As árvores da vida [aeróbia], além de serem um símbolo de Civilização, são-no do Sagrado e plantadas a reflectir o Cosmos encontram-se nos pátios dos templos e mausoléus como meio para comunicar com o Céu. No Templo do Céu (Tiantan) em Beijing (Pequim) e nos mausoléus dos Ancestrais, Soberanos e Imperadores, assim como de notáveis filósofos chineses, existem florestas de ciprestes. Os quatro mil ciprestes do Parque de Tiantan, muitos com mais de oitocentos anos, servem para prestar homenagem ao Céu (Tian). Encontramos enormes ciprestes fossilizados nos jardins do Museu de Sanxingdui. Já no interior do museu, numa complementar exposição, imagens em fotografia de outras árvores Sagradas, Cósmicas e da Vida, provenientes de diferentes partes do Mundo. Cada um dos tipos de árvores representa diferentes funções, muitas ligadas por simbólicos rituais ao reino vegetal, a acordar o perdido no padrão animal com a estatutária autoridade de ser humano. Espelhos nos ciclos de consciência da Natureza expressavam concepções de mundos transmitidos por os Antigos Shu nas representações e mitos. Esse legado da cultura Wu Zhu dá a consciência englobante do Animismo (a Filosofia do Dao), onde ninguém é mais nem menos que o outro e os superlativos são a inferioridade de quem julga. Árvores e ervas, antepassados vegetais do reino animal e dos humanos, numa atitude passiva de não acção (wu wei) colocaram-se ao serviço do Outro dando algo que não vemos, oxigénio para respirar. Serviram-nos também como casas e a elas subindo, em vigia chegou-se ao Céu. Como seres antecederam o animal, no qual o humano já não se consciencializa e como vegetal, expressam a sensibilidade emocional do Espírito, a anima do vivo. [Lado feminino inconsciente do homem, assim Carl G. Jung define a anima.] No animus [lado masculino inconsciente da mulher], pelas árvores os deuses desciam à Terra e por elas ascendia-se ao Céu; caminho animista simbolizado no dragão a subir a árvore. Visualizam-se nos troncos talhados com dragões no Pavilhão Taihe do Palácio Imperial de Beijing e em 1724, cinzelados nas colunas do Pavilhão Palácio Dacheng do Templo de Confúcio (Kongmiao) em Qufu, onde se regista um trabalho tão esmerado que as tiveram de tapar com seda, quando o Imperador (?Qianlong?) aí foi prestar homenagem ao grande sábio Kongfuzi, pois melhor esculpidas que as do Palácio de Beijing. AMOREIRA FUSANG A árvore Fusang, considerada a amoreira sagrada, permitia também subir ao Céu e assim ligar o Céu à Terra. O pássaro Jinwu nas antigas lendas representava o Sol e inspeccionava o mundo durante o dia, empoleirando-se à noite nos ramos da árvore de Fusang. Na Mitologia eram dez aves irmãs encarregadas, uma por dia, de levantar da Árvore Sagrada e dar uma volta ao mundo, iluminando-o e aquecendo os seres vivos. Mas um dia todas as aves Jinwu voaram para o Céu e assim dez sóis apareceram de repente, tornando a vida na Terra insuportável. O arqueiro Hou Yi, chefe da tribo Yi durante o período do Soberano Yao (2357-2287 a.n.E.), disparando nove setas, acabou com nove dos dez sóis, deixando apenas um Sol afim de haver luz durante o dia e a vida voltar a desenrolar-se normalmente sobre a Terra. O calendário, na altura com ciclos de dez dias, estava em mudança e preparava-se um outro de uma nova engrenagem, a conjugar os ciclos solares e os lunares num ciclo lunisolar com a duração de 52 anos, chegando ele até à Dinastia Xia. É ainda usado no calendário dos chineses Miao e no continente americano por o povo Maya. Ao visitar em Sichuan o Museu de Sanxingdui [a 25 km da capital Chengdu e a 200 km de Langzhong] ficamos em contacto com esculturas a representar as árvores sagradas e cósmicas, numa exposição do encontrado nos fossos das escavações arqueológicas em Sanxingdui, capital do povo dos Antigo Shu, (Ba e Qiang), da Cultura Sanxingdui, no período Yufu (1700-1200 a.n.E.). Na China, estas árvores têm como mais representativas a de Fusang no Leste, a de Jianmu no Centro e a de Ruomu no Oeste, e apresentam conceitos e maneiras de reflectir o Universo, contendo várias características, funções e rituais, ainda hoje expostos em crenças populares e religiosas sobreviventes do Todo do Mundo Antigo. A árvore sagrada de Sanxingdui, espectacular exemplo de árvore cósmica na China, conjuga a Fusang e a Jianmu, sendo a sua principal função facilitar a ascensão ao Céu, ligando o Céu à Terra, os deuses com os humanos. Os deuses desciam à Terra por elas e os xamãs [ajudantes de Imperadores] ascendiam ao Céu; caminho animista simbolizado pelo dragão a subir a árvore. Na mitologia chinesa, a amoreira está associada ao Sol e no Ocidente significa circunspecção e prudência. ÁRVORE DO DINHEIRO A variedade de esculturas de árvores demonstra uma preocupação pelo Cosmos proveniente do sagrado Céu visto da Terra, tendo diferentes funções cada um dos tipos de árvores. Expressavam mitos dos antigos Shu. Do povo Qiang [com antepassados na tribo Yi de Fuxi e colocado a Oeste com os Ba, fugindo os Miao para Sul, após Huangdi derrotar Chiyou, chefe dos Dongyi] existe a árvore do dinheiro encontrada em Madao, Xichang (Sichuan) e tal como as árvores sagradas e cósmicas era também construída em bronze. A forma da árvore do dinheiro derivou das árvores celestes de Sanxingdui e como elas, ajudava os seres humanos a comunicar com os deuses. Quando lhe eram colocadas as moedas, reflectiam a luz do Sol. [Em Chiang Mai na Tailândia encontramos num templo duas árvores do dinheiro, uma com representações de folhas douradas e a outra com folhas prateadas, a Lua.] Já os pássaros das árvores do dinheiro eram vermelhos e encontravam-se entre o Sol e o seu brilho nas folhas. Quando a dinastia Xia (夏, 2207-1600 a.n.E.) foi substituída pela dinastia Shang (商, 1600-1046 a.n.E.) ocorreu a seguinte história ligada às amoreiras. Após cinco anos de Cheng Tang (成汤) ter destronado o Imperador Jie da Dinastia Xia e fundado a Dinastia Shang, a chuva não caiu. O povo estava desesperado e só após Cheng Tang ter orado na floresta de amoreiras começou a chover. Nas aldeias chinesas, as amoreiras nunca são plantadas em frente da porta de entrada das casas, pois o nome desta árvore, sang shu (桑树) tem a mesma sonoridade de sang shi (丧事), a significar um dos residentes da casa morrera, sendo normalmente o féretro com o defunto colocado numa tenda em frente à porta de entrada, esperando em corpo presente pelo menos três dias, ou por uma data mais auspicioso para ser sepultado. O papel feito com fibras da amoreira é conhecido por o nome de sang zhi (桑纸). A amoreira tem grande valor económico, sendo a madeira desta árvore recomendada para mobiliário, utensílios e instrumentos musicais, refere Wang Zhu Hao, no livro Árvores de Macau, (Câmara Municipal das Ilhas, 1997, Macau). “A casca das raízes, folhas e ramos novos são utilizados na Medicina Tradicional Chinesa para a cura da tosse, perda de sangue e inchaço e para a redução da pressão sanguínea. A fibra da casca é usada para produção de papel e algodão artificial. As amoras, os frutos da amoreira, são utilizadas contra a fadiga, tonturas, anemia e incontinência.” Associaram-se os humanos ao ciclo da vida do bicho-da-seda, que simboliza o conceito de eternidade, pois os antigos olhavam o acto da lagarta envolver-se no fio e formar o casulo como uma etapa para chegar ao Céu, depois da passagem por a Terra. Por isso, vestiam os defuntos com seda e ofereciam tecidos aos espíritos e deuses. Expressavam a esperança de ascender ao Céu e tornarem-se imortais, tal como julgavam acontecer à crisálida dentro do casulo, qual nave da imortalidade de onde sai transformada em mariposa. Vive três a cinco dias e após o acto sexual, a fêmea borboleta põe ovos e recomeça o ciclo do bicho-da-seda.