José Simões Morais Via do MeioSegredos da Seda (11) Langzhong, JARDIM DO PARAÍSO NA TERRA Capital do reino Ba desde 330 a.n.E., Langzhong foi conquistada em 314 a.n.E. pelo reino Qin, que integrou o povo Ba na sua população. Mas a cultura Bayu manteve-se, continuando a população a vestir-se, a dançar e cantar como por aqui fazia desde a dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.). Sabemos por o livro História dos Reinos Huayang (Huayang Guozhi) ter o povo Ba ajudado o Rei Wu, do reino Zhou, a derrotar a dinastia Shang, pois a noite antes da batalha foi passada ao som dos seus cânticos. Chamada Longyuan até 713, por o Imperador Xuanzong (712-755) da dinastia Tang ter esse mesmo nome, Li Longji (685-762), foi o da cidade mudado, passando a ser Langyuan, a significar , como continuou muitas vezes a ser designada por poetas, mesmo após ter o nome de Langzhong. Na dinastia Tang a povoação considerada o Jardim do Paraíso na Terra ganhou enorme projeção. O Imperador Xuanzong, grande patrono das artes, ouvindo falar das belezas do Rio Jialing enviou o pintor Wu Daozi a registar o cenário e assim poder usufruí-lo através da arte. O artista visitou Langzhong e ficou encantado com o rio e as montanhas, regressando à capital Chang’an (actual Xian) sem esboço algum. Repreendido por o Imperador, num dia executou de memória o quadro com o título “300 li de Cenário do Rio Jialing”, argumentando, <só se atinge a compreensão das coisas quando elas se formam na mente>. Entramos na cidade antiga pela Porta Zhuangyuan, onde gravados estão os nomes de quatro eruditos daqui nativos que atingiram o primeiro lugar (Zhuang Yuan) no derradeiro exame imperial na capital. Fora do normal era também o número de Oficiais aqui nascidos. A cidade é uma das duas existentes na China onde ainda é possível ver um Gongyuan, local onde se realizavam os Exames Imperiais de Província e tem a particularidade de nos inícios da dinastia Qing serem aqui feitos por quatro vezes, entre 1652 a 1660, esses exames para o Segundo Grau Literário, Xiangshi, de onde saíram aprovados 253 juren, sendo 58 originários de Langzhong. Tal se deveu a Chengdu, a capital da província, nessa altura ainda não ter sido conquistada pelos manchus e daí, apesar de cada província apenas contar com um Gongyuan, Sichuan apresenta dois. Os habitantes são muito orgulhosos da sua cidade devido à História e produtos aqui produzidos. Se a publicidade ao bife Zhang Fei está por todo o lado, o vinagre Bao Ning feito de arroz, milho e da casca de trigo é conhecido além província. Pela cidade antiga, casais de turistas chineses dedicam-se a fazer compras de produtos tradicionais, salientando-se os edredões produzidos nas muitas lojas de seda após encamisados os restos de casulos numa pequena armação em /\. Em forma de sacos, com 60 cm de comprimento e 40 cm de largura, ficam dependurados e postos a secar. São depois esticados por quatro funcionárias até ganharem tamanho, conseguindo atingir uma superfície de dois por dois metros e por camadas, encerradas num tecido a fazer de coberta. Vendem-se com três diferentes gramagens consoante o número de camadas, aproveitando-se os casulos furados de onde as mariposas saíram e os restos do casulo desfiado até aparecer velada no interior a crisálida morta. Outros antigos processos e técnicas para o processamento dos casulos estão expostos em muitas lojas. Na cidade antiga encontramos a fábrica de seda Xin Da a ocupa uma grande área, pois contem a parte de fiação, tecelagem e tinturaria, apesar de se preparar a sua transferência para fora desta zona protegida. Outras fábricas de seda já foram colocadas na parte moderna da cidade, onde se encontra o Instituto ‘Langzhong Can Zhong Chang’, a trabalhar desde 1938 na produção de arbustos de amoreiras e de ovos do bicho-da-seda para os sericicultores da província de Sichuan. ALIMENTO da Bombix mori Regressamos ao amoreiral do ‘Langzhong Can Zhong Chang’, pois das folhas da amoreira provém o melhor alimento para as lagartas do bicho-da-seda. Podem também comer folhas de outras árvores e vegetais, no entanto a qualidade da seda depende muito do alimento ingerido pelas lagartas, sendo as melhores as folhas da espécie Morus alba, a amoreira branca inicialmente cultivada no Nordeste da China, nas Coreias e Japão, estando agora espalhada por todos os lugares onde se produz seda. O cultivo de amoreiras por sementeira remonta ao século XVI a.n.E., reinava a dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.). Durante a Dinastia Zhou do Oeste (1046-771 a.n.E.) podavam-se os ramos para melhorar a qualidade das folhas e permitir a seiva mais recheada de nutrientes chegar aos novos rebentos. No Período dos Reinos Combatentes (475-221 a.n.E.), através de poda e enxertos, criou-se um subtipo de amoreira com porte já não de árvore, mas de arbusto, conhecido por lusang. Para o obter semeava-se conjuntamente com milho-miúdo e quando a planta da amoreira atingia a altura da cana de milho, era cortada rente com uma foice. Na Primavera seguinte surgia o rebento, mas a amoreira já deixara de crescer como árvore e tornara-se um arbusto, facilitando imenso o estafante colher diário das tenras folhas realizado entre 22 a 35 dias para alimentar a lagarta durante o seu crescimento. Devido à qualidade excepcional das folhas da amoreira branca Lu de Shandong, um Imperador da Dinastia Han (206 a.n.E.-220) mandou aí plantar muitas árvores, assim como abrir unidades de produção e tecelagem. No Templo de Kaiyuan, na cidade costeira de Quanzhou, província de Fujian, existe uma amoreira com mil e trezentos anos, do tempo da Dinastia Tang (618-907). Devido ao incremento da rota marítima entre as dinastias Song (960-1279) e Yuan (1271-1368) foi desenvolvida no Sul da China a técnica de enxerto que, para além de rejuvenescer as árvores, prevenia doenças. Referenciado estava um antigo amoreiral na parte Nordeste do lago Tai, próximo de Wuxi na província de Jiangsu, fertilizado com os excrementos dos peixes e caranguejos do lago, mas durante as nossas investigações não o encontramos. Em Macau, a amoreira mais antiga está em Coloane, na povoação de Ká Hó, no recinto do antigo asilo de leprosos. A ultrapassar os cem anos, em 2020 colapsou devido à passagem da tempestade tropical severa ‘Higos’, mas continuou viva, a crescer e a criar raízes, estando muitas partes do tronco infestados por cupins, como referido numa placa nela colocada. Freixo de Espada à Cinta [em Trás-os-Montes, Portugal] apresenta a Morus alba (amoreira branca), originária da China e trazida por os árabes no século IX, que a plantaram por Trás-os-Montes e aí estabeleceram sirgarias. Com copa estreita e arredondada, ramos longos e muito ramificados, é uma árvore de folha caduca, bem aclimatada em Portugal, floresce em Maio e frutifica de Maio a Agosto. Em Macau a floração começa em Janeiro e vai até Março, quando desabrocha a folha e acontece a frutificação, que se estende até Abril. As folhas caem de Novembro a Fevereiro. (Árvores de Macau Wang Zhu Hao, edição CMI, 1997 Macau). No quintal do Centro de Artesanato de Freixo de Espada à Cinta encontram-se plantadas amoreiras brancas e negras, sendo-nos chamada a atenção para quatro tipos de folhas existentes. Além de diferentes recortes, com margens serradas, em algumas por o tacto se sente serem felpudas no lado inferior. Já a Morus nigra (a amoreira negra), com uma grande copa, é originária do Irão e do Cáucaso, sendo bem conhecida nos países mediterrânicos, estando em Portugal bem aclimatada. De porte com dez a doze metros de altura tem um tronco “revestido da sua casca grossa, gretada e de cor escura que serve para fabricar cordas e mesmo tecidos”, segundo Wang Zhu Hao, que complementa: A madeira, quando acabada de cortar, tem “cor amarelo-clara que depois escurece. O alburno é branco e pouco abundante. Por se sentir pouco as alternâncias de muita humidade ou de grande seca, a madeira é usada na tanoaria, cavilhas para os barcos e marcenaria. Olivier de Serres refere a folha de amoreira preta faz a seda grosseira, pesada e muito compacta, sendo boa para galões, mas menos apreciada para tecidos finos”. “A amoreira preta caracteriza-se por rebentos curtos, grossos e peludos; as folhas grandes em forma de coração, duras, grossas e espessas, ásperas no toque em ambas as faces e recortadas com dentes desiguais, de cor verde-escuro na face superior e verde-mar nas costas.” Já os frutos da amoreira negra são um pouco maiores aos da amoreira branca e têm um sabor mais agradável, apesar de também acidado. Nascem com uma cor verde, passando a vermelho e quando maduros são negros de sabor açucarado-ácido. Oriundas da América, a Morus rubra (amoreira encarnada) e a Morus celtidifolia são nesse continente as adequadas, se não houver a espécie Morus alba para alimentar a Bombix mori, existindo ainda a Morus insignis. A amoreira é uma árvore que precisa de pouco tratamento e cujo período de vida varia entre os sessenta a setenta anos, existindo algumas seculares e milenares. “Poucas árvores oferecem um conjunto de vantagens, sob o ponto de vista da agricultura como a amoreira, pela variedade de produtos que dela se obtêm”, segundo Wang Zhu Hao, em Árvores de Macau.
José Simões Morais Via do MeioSegredos da Seda (10) Langzhong, centro da seda Shu O início dos trabalhos para a produção de seda acontece nos últimos dias de Abril, com uma limpeza rigorosa ao local onde se vão processar as operações para a criação do bicho-da-seda. Além de outros utensílios, expostos ao Sol a desinfectar estão largos e baixos pratos feitos de ripas de bambu entrelaçadas onde as lagartas de Bombix mori irão crescer. Tal permite prevenir doenças no ovo e da larva, e em conjunto com a necessidade de diariamente serem colocadas frescas folhas tenras de amoreira para as alimentar, leva à obtenção de bons resultados na produção, tanto em qualidade como quantidade de seda, si chou (丝绸). De referir que cada lagarta deve consumir dez a quinze quilogramas de folhas de amoreira até se envolver no casulo e com quinhentos produzem-se 150 gramas de seda crua, a dar para tecer 1,8 m² de tecido. Observamos esse procedimento em Wuxiang e Tongxiang, mas ele está espalhado por toda a zona de Jiangnan (Sul do Changjiang, o Rio Yangtzé) e agora em Sichuan, onde na cidade de Langzhong, a 120 km Nordeste de Yanting, descobrimos o centro de produção da seda Shu. Foi um acaso a levar-nos a ela, que a par com Lijiang, Pingyao e Senxian, é considerada uma das quatro mais bem preservadas cidades antigas da China. O nome de Langzhong aparecera referenciado ao estudarmos o general Zhang Fei, pois aqui está um dos seus mausoléus. Mas a ancestralidade do lugar provém de aqui ter sido concebido Fu Xi (2852-2738 a.n.E.), o primeiro Ancestral da civilização chinesa, que por três vezes se deslocou a Langzhong onde apreendeu as forças yin e yang e combinando-as inventou os trigramas, deixando em caves ao redor gravado o livro de pedra com o Bagua chamado Yu Ye Shi Shu (玉页石书). Também a Deusa Mãe do Oeste, Xiwangmu, terá aqui vivido. O astrónomo Luxia Hong, inventor da Esfera Armilar, nasceu nesta cidade durante a dinastia Han do Oeste e Zhang Dao Ling (34-157), o fundador do tauismo religioso, passou de 126 a 144 em Langzhong e começou a propagar a sua doutrina em 141, formando o grupo ‘Via dos 5 Alqueires de Arroz’, mais tarde conhecido por ‘Via dos Celestes Mestres’ (Tianshidao). Langzhong era um dos centros da mágica cultura Wu Zhu, herança esotérica ancestral da região ligada com Lao Zi (c.591-c.511 a.n.E.) e da religião animista bon proveniente das montanhas do Oeste de Sichuan e levada até ao Tibete ainda antes da nossa Era. Lugar abastado nas qualidades que oferece, não fosse um local de excelente Feng-Shui (auspiciosa localização dada pelas correntes do vento e da água), pois rodeada pelo Rio Jialing por três lados (Sul, Oeste e Leste) e protegido a Norte pelo monte Panlong, tendo num maior perímetro a circundar montanhas com uma altura ideal por não retirarem Céu à cidade. Os adivinhos, geomantes e astrónomos Yuan Tiangang e Li Chunfeng aqui estiveram ao serviço de Li Shimin, o segundo Imperador da dinastia Tang Taizong (626-649), quando no Sul de Sichuan em 648 ocorreu a queda de um meteorito e um tremor de terra a prognosticar mudança de imperador ou de dinastia. Yuan Tiangang chegou a Langzhong e logo se apercebeu das características únicas do lugar e ao subir à montanha Jinping, no outro lado do rio e de frente para a cidade, encontrou o corpo do Dragão, que desembocava no monte Panlong sobranceiro à povoação. Mandando escavar parte da encosta cortou o veio do Dragão e assim o monte deixou de poder gerar um imperador. Quando por diferentes caminhos Li Chunfeng aqui chegou, ao seguir o Dragão encontrou já a montanha a ser mutilada e uma fonte a libertar o qi (energia) deste. História escutada no Museu do Feng-Shui situado junto à parte muçulmana da cidade antiga. Li Chunfeng viria a escrever o livro “Tui Bei tu” (Empurrado pelas costas), com sessenta desenhos, cada um tendo um título, um poema e um hexagrama do Yi Jing. Du Fu (712-770), poeta da dinastia Tang, escreveu sobre este lugar referindo ser morada de deuses. Langzhong é ainda a Meca da China islâmica, pois neste país o Templo Baba é considerado o mais importante do Islão e quando os islâmicos chineses não conseguem ir a Meca, visitam-no a colmatar essa falha. Situado no sopé do monte Panlong encontra-se o túmulo do vigésimo nono descendente de Maomé, Khoja Abd Alla, conhecido por Baba. Chegara à China em 1674, já na casa dos noventa anos, mas a sua juventude maravilhava quem com ele tratava. Conheceu Ma Ziyun promovido em 1685 a comandante chefe do Norte de Sichuan, com guarnição em Langzhong, que convidou Baba para aqui vir pregar. Este, durante um passeio encontrou o lugar e por achar ter muito bom Feng-Shui escolheu-o para erigir uma mesquita e aí ficar sepultado. Passando desta vida a 25 do terceiro mês lunar de 1689 foi-lhe construído o Pavilhão Jiuzhao para última morada. PRODUTOS DOS FRUTOS DA AMOREIRA Regressávamos ao hotel quando, ainda fora da cidade antiga, passamos por um edifício de madeira cuja cor vermelha indicia ser governamental, tendo a encimar uma tabuleta com a inscrição “Langzhong Can Zhong Chang”. Acabávamos de traduzir os caracteres e celebrávamos o encontro com o Instituto ligado à seda de Sichuan, o mote desta viagem, quando aí vemos entrar uma pessoa e a inquirimos sobre a possibilidade de fazer uma visita. Era o director, o Dr. Feng Guang Qiang, que logo nos encaminha até ao seu gabinete e após saber do nosso interesse, amavelmente nos actualiza com uma grande quantidade de informação, tanto sobre os ovos, como das doenças e os cruzamentos das Bombix mori, pois é especialista nessas matérias. Diz estar o Instituto inserido num complexo maior onde a fábrica de Vinagre e a do Vinho têm lugar pois trabalha com produtos ligados à produção da seda. Refere actualmente ali se estudar um novo produto, o vinagre de sorose, o fruto da amoreira que também serve para fazer vinho medicinal e entrega-nos os catálogos a promover esse vinho e o vinagre, levando-nos ao departamento onde se realizam as análises dessas experiências. Após essa visita, seguimos para o extenso amoreiral a perder de vista situado atrás do recinto, onde o nosso anfitrião indica serem arbustos da espécie Morus alba, uma das quatro espécies de amoreiras (sang, 桑) da China, sendo as restantes, Morus multicaulis, Morus bombycis e Guangdong Jingsang. No entanto, ficamos a saber existirem actualmente trezentas espécies de amoreiras, sendo uma delas especificamente plantada para dos seus frutos se fabricar o vinho. Este pode ter três diferentes teores alcoólicos, 11º, 15º e 30º, apesar de ao beber mais parecer um sumo por ser adocicado e faltar-lhe os taninos no paladar. É bom para prevenir as doenças cardiovasculares e diz-nos ser um bom rejuvenescedor, tal como o vinagre produzido da fruta da mesma árvore, cujos habitantes reportam servir para prevenir muitas doenças, dando o exemplo de não haver pessoas infectadas com H1N1 em Langzhong (estamos em Novembro de 2009). Em Nanchong, ainda na província de Sichuan, tinham-nos dito haver 216 espécies de amoreiras, sendo os frutos ricos em nutrientes com açúcar, aminoácidos e várias vitaminas e servem para tirar a sede, assim como tonificar o corpo. Morus L. Amoreira pertence à ordem das Urticales, família das Moraceae, género Morus, sendo uma árvore de folha caduca e embora se dê em toda a parte, não floresce em qualquer clima. Aqui a amoreira branca multiplica-se por semente, ou por estaca e rebentos, e sem deixar atingir o porte de árvore são podadas para ficar em arbusto e não ultrapassar a cintura do sericicultor. Além das suas folhas serem o melhor alimento para o bicho-da-seda, usam-se actualmente como efusão para beber, para comer como vegetais e para fins medicinais. Segundo refere Ana Maria Amaro, encontra-se registado no Shan Hai Jing (山海经) [Clássico das Montanhas e dos Mares, escrito entre 206 a.n.E. e 23 por Liu Xiang e o filho Liu Xin, considerado o primeiro livro da literatura chinesa a tratar sobre geologia e geografia] “o uso das folhas de amoreira na extracção de corpos estranhos dos olhos”, que adita, “na Dinastia Tang já se usavam as folhas de amoreira e amêndoas contra o beri-béri”. “As características da Morus alba estão nos rebentos delgados, lisos ou muito pouco peludos. As folhas são finas, de uma cor verde clara mais desvanecida no verso, lustrosas na face superior e macias ao toque”, refere João Faustino Masoni da Costa, n’ A Indústria da Seda. É uma planta dióica, pois cada pé ou dá flores masculinas ou flores femininas. Só das flores femininas nascem os frutos em forma de cacho peduncular com bagas no início rosadas e pretas quando maduras. Chamados em mandarim sangshen (桑椹), são amoras/soroses, (não confundir com a amora-silvestre, Rubus fruticosus, proveniente da amoreira-brava, uma rosácea), com um sabor ácido e pouco doce, mas agradável e rica em vitamina C, obtendo-se dele uma bebida semelhante ao vinho, vinagre, geleias e xaropes para combater as inflamações de boca e garganta e usada na medicina tradicional. As sementes para a criação de amoreiras provêm dos caroços dessa fruta e por isso, devem ser colhidas de uma Morus alba com uma idade a rondar os cinco, seis anos, e não podada nos últimos três anos. Após uma selecção dos frutos, os maiores e bem maduros, colocam-se dentro de um recipiente com água e desfaz-se a sua polpa com os dedos até os caroços ficarem isolados. Limpos, colocam-se à sombra espalhados sobre um pano a secar. A Primavera é a estação ideal para a sementeira e após um ano, as plantas passam para o viveiro e a enxertia, se for feita, só no ano seguinte deve acontecer.
José Simões Morais Via do MeioSeda, a rainha das fibras Lei Zu estudou o ciclo de vida do bicho-da-seda, o qual hoje está classificado como pertencente à classe dos Insectos, ordem dos Lepidópteros, família dos Bombicídeos, género Bombix, sendo a espécie Bombix mori quem produz o fio de seda de melhor qualidade. A seda é segregada quando a lagarta atinge o estado adulto e começa a expelir um filamento pela boca num movimento em 8 para construir o casulo. O longo filamento contínuo a poder atingir perto de mil metros é constituído por fibroína, o constituinte principal da seda natural, produzida por duas glândulas sericígenas tubulares, longas e voluteando, situadas nas partes laterais anteriores do abdómen da lagarta. Esses dois canais laterais juntam-se num compartimento mais largo, na parte média do abdómen, onde os dois filamentos compostos pela fibroína são envolvidos por uma substância gomosa, a sericina, um líquido glandular. Num único filamento é expelido por um tubo situado na parte inferior da boca e quando exposto ao ar endurece, tornando-se resistente. É com esse filamento que a lagarta, ao girar, se vai envolvendo e construindo o casulo de fora para dentro, levando entre três a cinco dias, mas há locais onde fica feito em apenas 24 a 72 horas. Dentro, a lagarta após expelir todo o filamento fica com o corpo atrofiado e em metamorfose transforma-se em crisálida, cinco a seis dias depois de terminar a construção do casulo. Antes de ser domesticado há cinco mil anos, o bicho-da-seda era muito mais forte e o filamento por ele expelido de qualidade superior e de maior resistência ao produzido hoje. Actualmente não se encontra no estado selvagem e por isso, tudo aqui descrito apenas corresponde à sua forma domesticada. O ciclo de vida da Bombix mori consiste em quatro fases: ovo (também chamado semente), lagarta (sirgo, ou larva após sair do ovo), crisálida (ou pupa) e mariposa (borboleta nocturna ou imago). Vive normalmente de quarenta e cinco a setenta dias, desde que do ovo sai a minúscula larva e em períodos de crescimento vai, três ou quatro vezes mudando a capa (invólucro exterior) e já como lagarta adulta fecha-se num casulo, por si construído, para se proteger durante o período de transformações operadas no seu corpo. Tendo expelido o fio da seda para a construção do casulo, a glândula serígena, até então o órgão mais desenvolvido, atrofia e dá lugar ao aparelho reprodutor. O corpo alongado da lagarta por metamorfose transforma-se numa crisálida e depois em mariposa, quando fura o casulo para sair. Após acasalar, a mariposa fêmea Bombix mori desova e do ovo retorna à fase larvar. SERICICULTURA Como referido, até ao século VI a China foi o único país a praticar a sericicultura (cultura ligada à criação do bicho da seda) bem desenvolvida na província de Shandong já nos inícios do século XIV a.n.E., pois os artigos de seda tinham uma enorme procura, tanto na parte social, como económica, por ser um produto muito apetecível nas trocas. Nas dinastias Shang (1600-1046 a.n.E.) e Zhou do Oeste (1046-771 a.n.E.), o sistema de trabalho nas sirgarias estava já dividido em cem funções, supervisionadas por funcionários especiais. O termo sirgaria provém de sirgo, bicho-da-seda, derivado do latim sericum, nome conhecido para a seda na Antiguidade Greco-Romana, sendo na China o animal denominado can (蚕) e a seda si chou (丝绸). A raiz do carácter a representar a seda (si, 丝) está ligada à dos instrumentos musicais e tal como o de bicho da seda (can, 蚕), tecido de seda (bo, 帛) e amoreira (sang, 桑), foram gravados em ossos de oráculo e em carapaças de tartaruga do século XII a.n.E.. Por essa altura, a seda passou a ser apenas para uso exclusivo da corte chinesa e nas cores dos tecidos se distinguiam os cargos. Assim o amarelo era reservado ao Imperador e à Imperatriz e o violeta para a família real. Ministros e altos dignitários vestiam de azul, roxo os oficiais de segunda e o preto para o restante pessoal ao serviço da corte real. Durante a dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.) começaram a plantar-se amoreiras de Norte a Sul da China. Na Dinastia Zhou do Oeste (1046-771 a.n.E.) foram semeadas em grande escala quando floresceu a procura de seda e se deu um enorme incremento na criação do bicho-da-seda. A indústria estava concentrada em torno do vale do Rio Amarelo, quando nos primeiros séculos do último milénio antes da nossa Era, tecidos de seda foram transportados pela Sibéria para a Ásia Central. Para se perceber a importância da seda, o processo de produção da seda, desde colher as folhas de amoreira, ao tecer e tingir os tecidos, aparece descrito em dois dos cinco Clássicos chineses: no Livro dos Ritos (Li Ji) e no Livro das Odes (Shi Jing). Da dinastia Zhou do Leste (770-256 a.n.E.) um tecido brocado já tingido foi encontrado em 2007 num túmulo na província de Jiangxi, onde na aldeia Lijia, jurisdição de Jing’an, ficou a descoberto a existência de uma indústria têxtil. A produção da seda era supervisionada pelos oficiais da corte. No Período Primavera-Outono (770-476 a.n.E.), começou um rápido desenvolvimento na produção de seda que, em crescente contínuo de mil anos, atingiu o apogeu durante a Dinastia Tang, por volta do ano 750. Os papagaios de seda já esvoaçavam pelo céu entre os séculos V e IV a.n.E.. No Período dos Reinos Combatentes (475-221 a.n.E.), ao chinês que fosse sericicultor e soubesse prevenir as doenças do bicho-da-seda era-lhe dado meio quilo de ouro e ficava isento do serviço militar. Sobretudo nos reinos Chu e Qi, a produção de seda ocupava muita gente, a do campo na criação do bicho-da-seda e muitos dos habitantes da cidade a desfiar os filamentos dos casulos até chegar à confecção do tecido. Segundo os registos da época, os oficiais vestiam-se de seda e esta era um dos presentes mais preciosos. No livro Mengzi de Mêncio (372-289 a.n.E.) encontra-se uma passagem a referir: Quando em 139 a.n.E. o Imperador Han, Wu Di (140-87 a.n.E.), enviou Zhang Qian à Ásia Central pelos caminhos do Oeste, este aí encontrou uma série de produtos chineses de Sichuan, como laca, bambu e a seda Shu. Daí se perceber serem já utilizados os caminhos do Sudoeste para fazer chegar à Índia e Ásia Central as mercadorias chinesas. Assim num período anterior à abertura dos caminhos do Oeste, a seda percorria já os caminhos do Sudoeste da China, atravessando rios e montanhas, trocada de mão em mão até chegar à Índia e nessa dispersão ganhou existência noutros lugares como na Ásia Central, onde Zhang Qian viajando directamente para Oeste a encontrou. Com a dinastia Han (206 a.n.E.-220) ficam abertos e protegidos os Caminhos para Oeste, sendo o produto predilecto e o mais transportado a seda, por isso lhe deu o nome. Então, as técnicas de estampagem e os teares desenvolveram-se ainda mais. A China tinha a seda como o seu tecido, a Índia produzia algodão, o Egipto o linho e da Babilónia provinha os tecidos de lã. Das principais variedades de fibras naturais, conjugando com a lã e o algodão, a seda é superior em cinco de oito propriedades específicas e comparando com as fibras sintéticas, como o nylon e o poliéster, é superior em maciez, na finura da fibra e na facilidade de ser tingida. Já na retenção de humidade é só igualada à lã, tal como a seda uma fibra natural.
José Simões Morais Via do MeioSegredos da Seda (9) Seda, a rainha das fibras Lei Zu estudou o ciclo de vida do bicho-da-seda, o qual hoje está classificado como pertencente à classe dos Insectos, ordem dos Lepidópteros, família dos Bombicídeos, género Bombix, sendo a espécie Bombix mori quem produz o fio de seda de melhor qualidade. A seda é segregada quando a lagarta atinge o estado adulto e começa a expelir um filamento pela boca num movimento em 8 para construir o casulo. O longo filamento contínuo a poder atingir perto de mil metros é constituído por fibroína, o constituinte principal da seda natural, produzida por duas glândulas sericígenas tubulares, longas e voluteando, situadas nas partes laterais anteriores do abdómen da lagarta. Esses dois canais laterais juntam-se num compartimento mais largo, na parte média do abdómen, onde os dois filamentos compostos pela fibroína são envolvidos por uma substância gomosa, a sericina, um líquido glandular. Num único filamento é expelido por um tubo situado na parte inferior da boca e quando exposto ao ar endurece, tornando-se resistente. É com esse filamento que a lagarta, ao girar, se vai envolvendo e construindo o casulo de fora para dentro, levando entre três a cinco dias, mas há locais onde fica feito entre 24 e 72 horas. Dentro, a lagarta após expelir todo o filamento fica com o corpo atrofiado e em metamorfose transforma-se em crisálida, cinco a seis dias depois de terminar a construção do casulo. Antes de ser domesticado há cinco mil anos, o bicho-da-seda era muito mais forte e o filamento por ele expelido de qualidade superior e de maior resistência ao produzido hoje. Actualmente não se encontra no estado selvagem e por isso, tudo aqui descrito apenas corresponde à sua forma domesticada. O ciclo de vida da Bombix mori consiste em quatro fases: ovo (também chamado semente), lagarta (sirgo, ou larva após sair do ovo), crisálida (ou pupa) e mariposa (borboleta nocturna ou imago). Vive normalmente de quarenta e cinco a setenta dias, desde que do ovo sai a minúscula larva e em períodos de crescimento vai, três ou quatro vezes mudando a capa (invólucro exterior) e já como lagarta adulta fecha-se num casulo, por si construído, para se proteger durante o período de transformações operadas no seu corpo. Tendo expelido o fio da seda para a construção do casulo, a glândula serígena, até então o órgão mais desenvolvido, atrofia e dá lugar ao aparelho reprodutor. O corpo alongado da lagarta por metamorfose transforma-se numa crisálida e depois em mariposa, quando fura o casulo para sair. Após acasalar, a mariposa fêmea Bombix mori desova e do ovo retorna à fase larvar. SERICICULTURA Como referido, até ao século VI a China foi o único país a praticar a sericicultura (cultura ligada à criação do bicho da seda) bem desenvolvida na província de Shandong já nos inícios do século XIV a.n.E., pois os artigos de seda tinham uma enorme procura, tanto na parte social, como económica, por ser um produto muito apetecível nas trocas. Nas dinastias Shang (1600-1046 a.n.E.) e Zhou do Oeste (1046-771 a.n.E.), o sistema de trabalho nas sirgarias estava já dividido em cem funções, supervisionadas por funcionários especiais. O termo sirgaria provém de sirgo, bicho-da-seda, derivado do latim sericum, nome conhecido para a seda na Antiguidade Greco-Romana, sendo na China o animal denominado can (蚕) e a seda si chou (丝绸). A raiz do carácter a representar a seda (si, 丝) está ligada à dos instrumentos musicais e tal como o de bicho da seda (can, 蚕), tecido de seda (bo, 帛) e amoreira (sang, 桑), foram gravados em ossos de oráculo e em carapaças de tartaruga do século XII a.n.E.. Por essa altura, a seda passou a ser apenas para uso exclusivo da corte chinesa e nas cores dos tecidos se distinguiam os cargos. Assim o amarelo estava reservado ao Imperador e à Imperatriz e o violeta para a família real. Ministros e altos dignitários vestiam de azul, os oficiais de segunda em roxo e o preto para o restante pessoal ao serviço da corte real. Durante a dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.) começaram a plantar-se amoreiras de Norte a Sul da China. Na Dinastia Zhou do Oeste (1046-771 a.n.E.) foram semeadas em grande escala quando floresceu a procura de seda e se deu um enorme incremento na criação do bicho-da-seda. A indústria estava concentrada em torno do vale do Rio Amarelo, quando nos primeiros séculos do último milénio antes da nossa Era, tecidos de seda foram transportados pela Sibéria para a Ásia Central. Para se perceber a importância da seda, o processo da sua produção, desde colher as folhas de amoreira ao tecer e tingir os tecidos, aparece descrito em dois dos cinco Clássicos chineses: no Livro dos Ritos (Li Ji) e no Livro das Odes (Shi Jing). Da dinastia Zhou do Leste (770-256 a.n.E.) um tecido brocado já tingido foi encontrado em 2007 num túmulo na província de Jiangxi, onde na aldeia Lijia, jurisdição de Jing’an, ficou a descoberto a existência de uma indústria têxtil. A produção da seda era supervisionada pelos oficiais da corte. No Período Primavera-Outono (770-476 a.n.E.), começou um rápido desenvolvimento na produção de seda que, em crescente contínuo de mil anos, atingiu o apogeu durante a Dinastia Tang, por volta do ano 750. Os papagaios de seda já esvoaçavam pelo céu entre os séculos V e IV a.n.E. No Período dos Reinos Combatentes (475-221 a.n.E.), ao chinês que fosse sericicultor e soubesse prevenir as doenças do bicho-da-seda era-lhe dado meio quilo de ouro e ficava isento do serviço militar. Sobretudo nos reinos Chu e Qi, a produção de seda ocupava muita gente, a do campo na criação do bicho-da-seda e muitos dos habitantes da cidade a desfiar os filamentos dos casulos até chegar à confecção do tecido. Segundo os registos da época, os oficiais vestiam-se de seda e esta era um dos presentes mais preciosos. No livro Mengzi de Mêncio (372-289 a.n.E.) encontra-se uma passagem a referir: Quando em 139 a.n.E. o Imperador Han, Wu Di (140-87 a.n.E.) enviou Zhang Qian à Ásia Central pelos caminhos do Oeste, este aí encontrou uma série de produtos chineses de Sichuan, como laca, bambu e a seda Shu. Daí se perceber serem já utilizados os caminhos do Sudoeste para fazer chegar à Índia e Ásia Central as mercadorias chinesas. Assim, num período anterior à abertura dos caminhos do Oeste a seda percorria já os caminhos do Sudoeste da China, atravessando rios e montanhas, trocada de mão em mão até chegar à Índia e nessa dispersão ganhou existência noutros lugares como na Ásia Central, onde Zhang Qian viajando directamente para Oeste a encontrou. Com a dinastia Han (206 a.n.E.-220) ficaram abertos e protegidos os Caminhos para Oeste, sendo o produto predilecto e o mais transportado a seda, por isso lhe deu o nome. Então, as técnicas de estampagem e os teares desenvolveram-se ainda mais. A China tinha a seda como o seu tecido, a Índia produzia algodão, o Egipto o linho e da Babilónia provinha os tecidos de lã. Das principais variedades de fibras naturais, conjugando com a lã e o algodão, a seda é superior em cinco de oito propriedades específicas e comparando com as fibras sintéticas, como o nylon e o poliéster, é superior em maciez, na finura da fibra e na facilidade de ser tingida. Já na retenção de humidade é só igualada à lã, tal como a seda uma fibra natural.
José Simões Morais Via do MeioSeda (8) – Deusas e Festas Mausoléu da deusa da Seda Lei Zu (嫘 祖) Ainda na província de Sichuan, em Qing Long shan no lugar de Jin Ji (Galo Dourado), após a visita à escola onde existira o importante e antiquíssimo templo de Lei Xuan Gong (嫘轩宫), em honra de Lei Zu e cujo nome a conecta ao marido Xuan Yuan (Huang Di), seguimos entre campos agrícolas por um carreiro ao mesmo nível, mas para o outro lado do monte, a visitar o Mausoléu de Lei Zu. Passamos por casas agrícolas feitas de terra onde, por vezes se vê um casal de idosos. Com os filhos fora, o trabalho do campo ainda é feito, mas as forças não dão já para a produção do bicho-da-seda. Acompanha-nos o Senhor Wang Shao Mo, zelador do mausoléu desde 2001 quando este foi reconstruído, pois ficara destruído durante o período da Revolução Cultural. Nesta nossa visita em 2009, já o pórtico estava edificado, tendo à frente um altar e para trás o cume do monte. Nele incrustado, uma pedra escurecida com os caracteres do nome de Leizu enquadrada em caixilho com o mesmo tipo de pedra a tornear a esse nível o monte que alberga a sepultura. As obras estavam paradas e inacabadas ficando duas pilhas de blocos de pedra, a mesma usada em todo o recinto, parecendo criar os limites para o projecto, que foi depois desenvolvido. Segundo informações encontra-se já realizado, com a encosta a levar ao pórtico toda terraplanada e retiradas as árvores aparece uma alameda com escadas e uma rotunda escultórica alusiva a quem ali vivera e está sepultada. Ainda então, para chegar ao mausoléu subia-se uma ladeira a colocar-nos perante uma estrutura feita em pedra, onde se iniciavam as escadas que por duas vias conduzem a um excelente miradouro. Após a passagem de um pequeno túnel, a fazer de porta, outro lanço de escadas diverge em outras duas escadarias laterais. Por fim atingimos a plataforma empedrada, com o altar de frente para um pequeno monte de terra e conforme regista uma placa colocada no mausoléu, aí repousa Lei Zu. Está escondida pela enorme estela onde se lê Lei Zu Fen, a confirmar assim, novamente, ali ser o monte-túmulo de Lei Zu. A estela está pousada numa estranha, mas bela figura de um ‘bixi’, um dos filhos do Dragão, em forma de tartaruga e envolvido por uma ampla estrutura de pedra feita em 2001 como escultura, onde emergem grandes rostos esculpidos, qual figuração amerindia. Segundo uma lembrança do Sr. Wang, em frente ao Mausoléu de Lei Zu em 1998 foi realizada a dança do Dragão, mas em vez de serem os homens a transportar o dragão foram as mulheres a segurá-lo, tendo a cabeça a forma de bicho-da-seda. Colocadas as oferendas na longa mesa de pedra, acendemos os enormes paus de incenso vendidos no local pelo nosso interlocutor e que nos corrige a posição, pois “a mulher deve situar-se no lado direito do homem”. Pegando no incenso com as duas mãos, inclinamos a cabeça três vezes em homenagem à Deusa da Seda, depositando-os em seguida no incensório. Muito do projecto do mausoléu ficou por concretizar pois o dinheiro faltou. Laterais ao mausoléu, as grandes piras de pedra para o fogo estão por completar e a possante vegetação já delas tomou conta, escondendo-as. Diz haver mais de cem templos nas redondezas dedicados a Lei Zu. INSTITUTO DAOISTA Já no regresso a Yanting, virado para a estrada reparamos no grande templo situado no sopé do monte, com uma enorme imagem da mãe da seda Lei Zu no muro das escadarias exteriores, tendo dois dragões a fazer de corrimão, o do lado esquerdo amarelo e azul no direito. Era o Instituto Daoista, onde nas paredes do interior de um salão estão colados papéis narrando histórias lendárias relacionadas com o trabalho da deusa iniciadora da produção de seda. Numa lemos existir uma grande e lisa pedra onde Lei Zu costumava trabalhar, quando à mão fazia o tecido de seda. A Deusa Wang Mu Liang Liang, mãe do Imperador Celeste, ao assistir a esse árduo trabalho no confeccionar tal tecido, pediu ao filho para enviar a Deusa das Tecedeiras a ensinar a promissora rapariga a fazer o tear e com ele tecer a seda. Outra história relata haver um lugar conhecido por “Pote de Três Pés”, onde no local existiam três pedras. Lei Zu costumava aí desfiar os casulos. No início, o trabalho era muito vagaroso, levando-a a pensar como improvisar um meio mais rápido. Um dia, muito cansada adormeceu e sonhou com um idoso a caminhar lentamente com a ajuda de uma bengala e a dirigir-se a ela dizendo para não se preocupar, pois era o Tu Di (deus local da terra) da montanha, enquanto lhe entregava três pedras para servirem de suporte ao pote onde deveria colocar água do poço antigo e aí cozer os casulos, pois desse modo os conseguiria desfiar rapidamente. Acordando, Lei Zu dirigiu-se à montanha onde viu colocadas em triângulo as três grandes pedras e assim seguiu os conselhos transmitidos pelo protector ancião. Muitas outras histórias pela parede se encontram e contá-las todas tornar-se-ia fastidioso, mas não resistindo deixo traduzida uma outra. Lei Zu andava aflita pois os ratos comiam-lhe as lagartas e por isso, quedava-se de guarda à entrada da gruta onde produzia já o bicho-da-seda. Certa vez apareceu um estranho animal e devido à sua presença os ratos não se aventuravam a lá entrar e assim Lei Zu colocou-o de guarda à sua produção. Essa estranha criatura não era mais do que um gato, animal que segundo a História só apareceu na China durante a Dinastia Zhou do Leste (771-256 a.n.E.). Daí o gato não pertencer ao grupo de doze animais que responderam ao chamamento do Imperador Celeste e formam o zodíaco chinês. Estas algumas das histórias que cobrem as paredes do Templo daoista, reescritas em diferentes épocas. Na teoria do Feng-Shui, o Dragão tanto representa o Imperador, como uma invulgar montanha e por isso, não é de estranhar ser Qing Long shan (Montanha do Dragão de Jade) o local da sepultura de Lei Zu, esposa de Huang Di e Deusa da Seda. Pela perspicácia das observações de Lei Zu (Lui-Tch’ôu em cantonense), no olhar uma lagarta a construir o casulo para nele se transmutar e renascer como borboleta, percebemos a Natureza simbólica do Ser Vivo e chegados ao humano, vestimos com seda esse estar e continuamos a viagem pela China. A cada ano, entre o oitavo dia do primeiro mês e o décimo dia do segundo mês lunar, o Imperador e os seus súbditos celebram Xian Can, a dar início à produção de seda. O oitavo dia do primeiro mês lunar é o aniversário do bicho-da-seda e o décimo dia do segundo mês lunar o aniversário de Lei Zu. Celebrações tão grandes que se comparam às do Aniversário dos Imperadores, lembra-nos na dinastia Tang (618-907) Zhao Rui (赵蕤, c.659-742). A Professora Ana Maria Amaro refere: “pelos antigos registos chineses realizavam-se em Shu (Sichuan) todos os anos, do primeiro ao terceiro mês do calendário lunar, feiras de Bombix mori que passavam por quinze cidades e tinham muitos compradores.” ESPÍRITO PROTECTOR Na viagem para Yanting, o nosso olhar cruza-se por três vezes com blocos de pedra colocados na berma da estrada e onde a população local realiza oferendas. Traz-nos à memória as alminhas espalhadas por muitas estradas do Norte de Portugal, normalmente a marcar lugares onde devido a um acidente alguém morrera. Estes blocos de pedra esculpidos com rostos algo monstruosos podem ser observados pela China em muitas povoações, normalmente a proteger as esquinas das casas. “Pedra Transcendente e Preservativa, costuma estar colocada em lugares sujeitos a más influências”, segundo o padre Manuel Teixeira que refere, “A cabeça da pedra é habitualmente talhada à maneira da cabeça dum tigre, em cuja fronte se grava o carácter Wóng (王), Rei. É este o transcendente tigre real, o emblema do poder do espírito protector, Sék Kôm Tóng” (石敢当, Shi Gandang em mandarim). “Data das primeiras dinastias o costume de outorgar títulos honoríficos (como marquês) às pedras e outros objectos inanimados. Crê-se que a bravura de certas pessoas corajosas pode passar para a pedra com a cabeça de tigre.” Chegamos à vila de Yanting já de noite e pago o quarto do talvez único hotel da pequena povoação, arrumadas as bagagens logo saímos para conseguir apanhar ainda aberta alguma cozinha, das que na praça se preparam para fechar, tal o adiantado da hora. São nove da noite e num dos cantos da praça um ecrã gigante passa um filme. Celebra-se nesse dia uma festa no Templo de Guanyin e atraídos pelos foguetes para aí seguimos já com o estômago aconchegado. Estafados regressamos ao hotel após um dia pleno. Preparamo-nos para deitar quando nos batem à porta. O recepcionista vem acompanhado por dois homens que se apresentam como da polícia e ali nos questionam da razão da visita àquele lugar tão recôndito do país. Numa vistoria rápida às bagagens, despedem-se pedindo desculpa pelo incómodo. Só mais tarde soubemos ser frequente virem estrangeiros a estes longínquos locais à procura de antiguidades e levarem peças roubadas dos túmulos para serem vendidas em Hong Kong e Macau, seguindo daí para fora da China.
José Simões Morais Via do MeioSeda (7) – Deusas e Festas Palácio de Lei Xuan nas montanhas do Dragão de Jade Seguindo a viagem feita pelo Imperador Amarelo para conhecer quem tecera um tão fascinante robe de seda, resolvemos ir também à procura do local de nascimento de Wang Feng na província de Sichuan. De Yanting rumamos para as montanhas do Dragão de Jade (Qing Long shan) por uma magnífica estrada de mais de quarenta quilómetros feita para as grandes celebrações de 2008 e antes de chegar ao lugar chamado Jin ji (Galo Dourado), onde está a sepultura da Deusa da Seda Can Shen Lei Zu e o Palácio de Lei Xuan, passamos pela aldeia chamada Lei Zu (Lei Zu cun). Aí, à chegada, o Senhor Wang Shao Mo, que toma conta do mausoléu desde 2001, atento, junta-se a nós e refere terem todos os habitantes da aldeia, onde também mora, apelido Wang, o mesmo nome da família de Lei Zu. Enquanto fala vai indicando o caminho para o mausoléu e ainda no sopé do monte chama a atenção para o bei (碑), uma estela em forma de torre feita a 29 de Outubro de 1995 onde se pode apreciar o escrito durante a Dinastia Tang (618-907) por Zhao Rui (赵蕤, c.659-742). Reproduzia a estela feita no segundo mês de 734, no 21.º ano da Era Kaiyuan (713-741), onde o letrado explicava “encontrar-se em Yanting para descansar do estudo teórico, numa casa mandada fazer pelo Imperador, quando os locais o convidaram a escrever a estela feita para celebrar a reparação do Lei Xuan Gong (嫘轩宫) na montanha Qing Long. Ao pedido insistente, onde “por três vezes me bateram à porta, acedi a escrever o prefácio”. Começa por se referir ao porquê das iniciais recusas, já que, para os seres a quem era dirigida a missiva com eles convivia diariamente. “Vivia eu agora liberto do mundo material e passando os dias com a virtude da música, tocando qin [conhecido por guqin, é hoje um instrumento de sete cordas, apesar de ter apenas cinco quando foi inventado por Fu Xi], ou acompanhado pelo som do crane [ave pernalta mitológica que vive mil anos] a dormitar nas margens dos ribeiros com os dias a escoarem-se no prazer de uma vida ligada à Natureza. Na montanha de Qing Long terminaram de reparar o Palácio-Templo de Lei Xuan e pediram-me para escrever um prefácio.” Zhao Rui (赵蕤) nascera em Yanting, Sichuan, aproximadamente no ano de 659 e durante a sua juventude estudou tudo o relacionado com a governação. Um dos seus antepassados, Zhao Bin (赵宾), que vivera no período da dinastia Han do Oeste, foi famoso como especialista do Yi Jing, Livro das Mutações ao qual ele também se dedicou. Em 716 terminou de escrever o Chang Duan Jing (长短经, conhecido também por Fan Jing, 反经) com nove capítulos (juan) e 64 artigos (pian), onde discorreu sobre os escritos de Rujia (儒家, escritos confucionistas), Fajia (法家, Escola do Legalismo), Bingjia (兵家, assuntos militares), Zajia (杂家, miscelâneas), Yinyangjia (阴阳家, escritos dauistas), com interesse para a Escola da Diplomacia (纵横家, Zonghengjia). Daí ser chamado várias vezes por o sétimo Imperador Tang Xuanzong (712-755) para trabalhar na corte, escusando-se com o argumento de lhe interessar mais viver em contacto com a Natureza e dela adquirir os ensinamentos. Li Bai (701-762) com 18 anos foi estudar durante um ano com Zhao Rui. Na parte de cima da estela, os desenhos em baixo-relevo mostram o Palácio (templo) Lei Xuan Gong (嫘轩宫) a partir do descrito por Zhao Rui. Mas a estela escrita por Zhao Rui foi destruída em Maio de 1947 por uma tempestade e encontramos agora uma nova similar, ladeada por duas pedras gravadas, uma partida e deitada por terra e a outra, ainda de pé, erguidas em 1995. Assinalavam a estela existente da Dinastia Tang e que acompanhou uma anterior ali existente e referida por Zhao Rui, mas que, sem ninguém notar, desapareceu. Se nos caracteres gravados da pedra tombada pode ler-se: “As pessoas continuaram com o trabalho de Lei Zu e esperam fazer ainda melhor”, na pedra em pé está um outro poema: “Lei Zu aqui nasceu e aqui resta / o galo dourado voou para o Céu”. Nos quinhentos e oito caracteres Zhao Rui ainda refere: “a sábia Wang Feng, esposa de Huang Di, era Yuan Fei Lei Zu nascida nesta montanha e falecida quando viajava pelo Sul do país. Em anterior desejo expresso, tinha pedido para ser sepultada no cume da Montanha Qing Long, onde encontramos o mausoléu e uma estela colocada desde então e que continua aqui a existir. Durante a sua vida, foi a primeira pessoa a ensinar a plantar amoreiras, a domesticar o bicho-da-seda, a criar o fio e com ele tecer. Foi uma inspiradora e conselheira para Huang Di, que daí ordenou aos súbditos para plantarem amoreiras, fazerem roupas de seda, casarem-se e respeitarem os idosos. Ajudou Huang Di a estabelecer um sistema para criar um país, ordenando o território e as suas gentes, unificando assim Zhong Yuan (中原), [assim conhecida antigamente a China e significa a parte central do País do Meio (中国, Zhong Guo), nome dado por os chineses ao seu país]. Tal glorioso trabalho levou as pessoas a lembrarem-se dela para sempre. Por isso lhe chamam Xian Can, Iniciadora da Produção de Seda.” PALÁCIO LEI XUAN Continuando no texto de Zhao Rui: “Na parte traseira da Montanha Qing Long conseguem-se ver todas as montanhas em redor e neste local as pessoas prosperam já que os negócios, sobretudo os da seda, lhes correm bem. À noite, quando a Lua reflecte sobre Lei Xuan Gong, o lugar é muito bonito. O templo construído em cinco patamares tem cento e vinte e seis estátuas no interior do primeiro pavilhão, Xian Can Tan. Entre elas, as mais importantes são as de Wang Mu (Rainha-Mãe do Oeste, esposa do Imperador de Jade), Xuan Yuan (Huang Di, que significa Imperador Amarelo e viveu entre 2550 e 2450 a.n.E.), Lei Zu, Fu Xi (2852-2738 a.n.E., o primeiro Ancestral da Civilização Chinesa e inventor dos trigramas, que permitiram criar o Livro das Mutações), Shen Nong (conhecido por Yan Di, que impulsionou a agricultura e viveu em 2750 a.n.E.) e Feng Hou (o principal ajudante de Huang Di). No segundo pavilhão, denominado Lei Zu Dian, encontram-se apenas três estátuas: a de Lei Zu, Ma Tou Niang Wan Yu (马头娘菀窳) e Yu Shi Gong Zhu (寓氏公主), cujo livro Hou Han Shu refere serem antigamente estas duas últimas chamadas Can Shen, Deusas do Bicho da Seda. Lateralmente ao Palácio-templo, corredores com divisórias, um para o amoreiral, outro onde se produz o bicho-da-seda, assim como para as estufas, onde pela acção do calor se pára o ciclo da Bombix mori quando esta já vive dentro dos casulos. Há ainda outras divisórias dedicadas à produção de fio, à tecelagem e à fabricação de roupas. Pela História, este templo foi construído por Can Cong e ampliado mais tarde pelo Rei Wen [pai do Rei Wu, o fundador em 1046 a.n.E. da Dinastia Zhou, que usando os oito trigramas inventados por Fu Xi os montou no Zhou Yi, o Livro das Mutações da Dinastia Zhou], denotando ter um longo passado. Nesses tempos, o Imperador mandou as pessoas plantarem a terra, produzir o bicho-da-seda e assim, na Primavera ao lançar as sementes à terra tinha-se comida; no Verão, por se produzir o bicho-da-seda houve roupas e depois de comida e roupa veio a música, pois com abundância podia-se ter já uma vida abastada. Por isso, nessa altura o país era muito forte. Devido a tal, cada ano entre o oitavo dia do primeiro mês e o décimo dia do segundo mês lunar, o Imperador e os seus súbditos celebram Xian Can. O oitavo dia do primeiro mês lunar é o aniversário do bicho-da-seda e o décimo dia do segundo mês lunar é o aniversário de Lei Zu. Tais celebrações são tão grandes que se comparam às celebrações do Aniversário dos Imperadores. No topo da Montanha de Qing Long consegue-se ver muito longe. Ao pôr-do-sol a montanha parece a morada dos Celestiais Seres. Tanto faz olhar de cima, como a partir de baixo, é como estar a montanha protegida pelo tigre e segura pelo dragão. Um pequeno som ecoa forte como o rugido do leão e o da trovoada e é como o cantar de nove Dragões e dos oito Seres Celestes. Com tão magnífico lugar é de acreditar que Lei Zu aqui nasceu. Escrevo isto para relembrar às pessoas continuarem o trabalho de Lei Zu, esperando que façam ainda melhor e pôr este trabalho como a luz do Sol e da Lua e com uma longa vida como a do Céu e da Terra.” De referir ser este texto escrito no bei por Zhao Rui o segundo a fazer referência à vida de Lei Zu, depois de Shi Ji de Sima Qian (145-87 a.n.E.). Analisando pela História o contado por Zhao Rui, este templo foi construído pelo fundador dos Antigos Shu, Can Cong, que viveu em 2800 a.n.E., no mesmo período de Lei Zu e Huang Di. Foi ampliado em c.700 a.n.E. por Wang Di, Rei dos Antigos Shu e o último do clã Duyu, que finalizou a Cultura Shierqiao pertencente ao Período de Sanxingdui, quando decorria a transição do Período Primavera-Outono para o Período dos Reinos Combatentes, denotando ter um longo passado. O Lei Xuan Gong (嫘轩宫), em honra de Lei Zu, durante o período da Revolução Cultural foi destruído e passou a ser uma escola. Só anos mais tarde os habitantes da aldeia realizaram o quão importante era o templo e por isso, o reconstruíram. Mas perdido estava o recheio e o que hoje aí se encontra, é algo cujo interesse não é material, despido de todo um legado histórico.
José Simões Morais Via do MeioSeda (5) – Deusas e Festas Divindade da Seda (蚕神) Can Shen Publicado no hojemacau a 9 de Outubro o artigo , a tratar sobre a viagem da seda de Leste para Oeste da China, a história de Ma Tou Niang (马头娘), a Senhora com Cabeça de Cavalo, ficou a meio. Na deslocação dessa deusa da seda, Can Hua Niang Niang (蚕花娘娘) na província de Zhejiang, até Sichuan onde passou a ser Ma Tou Niang, continuamos agora na versão dessa província do Período dos Três Reinos. Aí se refere, após o senhor Wu ter morto o cavalo seu salvador, pois a filha se comprometera casar com quem trouxesse de volta o pai, este sem aceitar tal destino escapelou o prometido genro e colocou a pele dependurada numa amoreira. Ao passar por baixo da árvore, a pele do cavalo caiu sobre a filha, envolvendo-a e encasulada voou até ao Sudoeste da China. Num extenso amoreiral em Sichuan (Shu) ficou a jovem transformada num corpo de bicho-da-seda e cabeça de cavalo e todas as Primaveras aparecia a segregar longos filamentos brancos entre os ramos das amoreiras, cujas folhas são o melhor alimento para essas lagartas. Por isso, o Imperador Celeste a nomeou Deusa dos Bichos-da-seda. Procriou e começaram a aparecer nesse enorme amoreiral muitos bichos-da-seda na forma de lagartas a alimentarem-se das folhas e a expelir filamentos longos e brilhantes. Essa a razão de em muitos templos a imagem da deusa Ma Tou Niang estar coberta por uma pele de cavalo e à senhora com cabeça de cavalo ser-lhe oferecido sacrifícios para haver prosperidade de amoreiras e bichos-da-seda. A Deusa do Bicho-da-Seda (蚕神, Can Shen), além de uma divindade estelar, pode também representar o primeiro ser a fazer criação do bicho-da-seda, Lei Zu, esposa do Imperador Amarelo, ou ainda Can Cong, o fundador do reino dos Antigos Shu (Gu Shu 古蜀) deificado Qingyi shen (青衣神), Deus das Vestes Verde-azuis. Can Shen como divindade estelar é conhecida por Tian-si (天驷), localizada nas constelações do quadrante Leste (青, Qing), o Dragão Verde/Azul (苍龙, Cang Long), e das sete constelações existentes nesse quadrante é a número quatro, denominada Fang (房), com quatro estrelas, Beta, Delta, Pi e Nu. Em Nanchong (南充), ainda na província de Sichuan, escutamos outra mitológica história sobre a Deusa do Bicho-da-seda. O Imperador Celeste (天皇, Tian Huang) admirava a lealdade de Can Hua Niang Niang (蚕花娘娘), a Imperatriz do Bicho-da-seda, por ela se ter transformado em lagarta do bicho-da-seda e com os filamentos expelidos pela boca andar a ajudar as pessoas na Terra. Tocado por a bondade desse coração, mas também furioso por ela o ter trocado, o Imperador Celeste [que na Dinastia Tang passou a ser o Imperador de Jade (玉皇, Yu Huang), quando muitos dos imperadores eram seguidores do Dauismo, e então se realizou a grande estruturação e sistematização do Divino. No Céu apareceu o Imperador de Jade e na Terra, o Imperador tornou-se o representante do Céu aos olhos do povo] enviou soldados para a trazerem de volta ao Paraíso. Apesar da Imperatriz aí viver sem alguma preocupação, não era feliz pois sentia a falta da família e amigos, levando-a a refugiar-se dentro do casulo, sem comer nem beber. Apercebendo-se da tristeza de Can Hua Niang Niang, o Imperador Celeste usando o poder mágico deu-lhe um par de asas e aprovou, uma vez por ano ela rompendo o casulo regressar voando ao mundo mundano para a cerimónia das Flores do Bicho-da-seda e ir a Shu visitar a família. Quem tiver a sorte de nesse dia ver a Imperatriz voar na viagem de visita à família, terá no ano uma boa colheita de casulos. LEI ZU (嫘 祖) Na última década do século XX, Yanting (盐亭) em Sichuan e Yichang (宜昌) em Hubei disputaram o lugar de nascimento de Lei Zu, que introduzira o fio da seda como material de grande potencialidade para tecer. Resolvido esse pormenor a favor de Yanting, aí vamos para visitar o local de nascimento e da sepultura de Lei Zu, assim como o Instituto daoísta e outros inúmeros templos pelas redondezas a homenagear uma filha da terra. Nos Registos Históricos (Shi Ji) escritos durante a Dinastia Han do Oeste por Sima Qian (145-95 a.n.E.), no capítulo ‘Shi Ji Wu Di Ben Ji’ respeitante aos Cinco Soberanos (Wu Di) pode ler-se: Huang Di, a viver no Monte Xuan Yuan, casou-se com uma mulher de Xi Ling Shi (nome do lugar e da matriarcal tribo). De uma recolha oral e guardada no livro Yuan Fei Lei Zu (元 妃 嫘 祖) de Liao Zhongxuan (廖仲宣), editado em 2006 por 中国文联出版社, fica-nos a história sobre as origens de Lei Zu, nascida com o nome de Wang Feng e ao casar-se com Huang Di designada com o título de Yuan Fei, por ser a esposa principal do Imperador Amarelo (2550-2450 a.n.E.). Há quatro mil e quinhentos anos, ainda se usava facas e machados de pedra, e no reino de Xi Ling, habitado pela tribo com o mesmo nome, na Montanha Chun vivia em felicidade um casal, que devido à sua inteligência levava uma boa vida. O trabalho era partilhado entre o marido, Yi Cheng, bom caçador e pescador e a esposa, Qi Liang, uma excelente tecedeira. Habitavam afastados dos aglomerados populacionais da tribo, quando um dia viram chegar um grupo de pessoas transtornadas, muitas já idosas, que se prostrando a chorar contaram a sua aflição. Fugiram da aldeia porque uma enorme serpente tinha comido muitos dos seus familiares. O casal logo se prestou a acompanhar no regresso à aldeia e ajudar a resolver o problema. Quando aí chegaram, juntaram o restante da comunidade e ensinaram-lhes a usar o arco e a flecha e novos métodos de vida. A aldeia começou a tornar-se abastada, tal os avanços obtidos. Caçava-se animais e vestia-se com novas roupas, tecidas já por as mulheres da tribo, que aprenderam com aquela cândida Senhora. Regressaram a casa e o tempo foi passando, mas o casal não era totalmente feliz pois ambos tinham já passado os quarenta anos e não conseguiam ter filhos. Uma noite de Verão, quando dormiam, à esposa apareceu uma donzela caminhando com as vestes esvoaçando, convidando-a a chegar à porta da habitação, onde enxergou o chão para fora ser de nuvens e escutou uma ondulante música criada por pássaros. Aí surgiu Wang Mu Liang Liang, sentada com outros deuses a rodeá-la, a dizer-lhe: – Vocês ajudaram caridosamente as pessoas e sempre quiseram um filho. Envio a minha filha para tomarem conta dela e ensinar as pessoas a tecer. Passando para a mão da senhora uma pérola, esta ao vê-la mais de perto percebeu ser um casulo, de onde saiu um feng huang (凤凰, fénix, um pássaro mitológico) que, volteando por três vezes sobre a mulher, voou para dentro dela. Ao acordar, logo contou ao marido o ocorrido. No ano seguinte, no décimo dia da segunda Lua nasceu a filha e em honra da deusa deram o nome de Wang Feng à criança. Aos catorze anos, com os pais já muito idosos, passava o tempo a ajudá-los e então a comida começou a rarear. Sem nada para lhes dar de comer, a rapariga desesperada foi a soluçar para o jardim, pois não queria apoquentá-los. Encostada a uma amoreira chorava, quando um súbito vento levou até si algumas amoras [nome do fruto da amoreira parecido com amoras silvestres e denominado em mandarim 桑椹 SangShen] e provando, descobriu terem um bom sabor. Todos os dias ia colher frutos da árvore, quando certa vez aí vê uma lagarta e olhando-a, pareceu-lhe encontrar semelhanças na cabeça com a de um cavalo. Começou então a prestar atenção a esse animal que vivia comendo as folhas da mesma árvore que também lhe dava o alimento. Uma vez estranhou outra lagarta ter passado um dia a dormir e acordando, tirou do corpo o casaco de cera, deixando para trás essa pele. Passaram-se dias, semanas, quando umas lagartas se empinaram, parecendo estar a chamar a atenção ao dançar com a cabeça e os anéis da parte do corpo no ar. Observou-as a procurar um lugar entre ramos e depois expelir em baba um contínuo filamento e a colocá-lo como pontos mestres a fazer uma casa. Passaram poucos dias a montar os refúgios, num movimento de boca formando um contínuo 8 e rapidamente deixou de as ver, fechadas em envolventes camadas, produto do vazar do viscoso fio. Escondida no interior do casulo, a lagarta sofria as metamorfoses no espaço deixado vago à medida da redução do seu corpo, preparando-se assim para renascer como borboleta e após romper o casulo, sair para procriar.
José Simões Morais Via do MeioSeda (6) – Deusas e Festas 嫘 祖 Lei Zu, deusa da Seda Em continuação da história de Lei Zu (嫘 祖), a deusa da Seda, recolhida do livro Yuan Fei Lei Zu (元 妃 嫘 祖) de Liao Zhongxuan (廖仲宣), ficamos com as origens de Yuan Feng, cujo título de Yuan Fei passou a ter como principal esposa de Huang Di. No amoreiral, Yang Feng após ver um bicho-da-seda e o observar, quis perceber como a lagarta edificava o casulo ao se envolver no filamento por ela expelido. Curiosa e tentada a saber o que dentro se passava, agarrando num casulo procurou a ponta daquela meada. Com os dotes da mãe Qi Liang, Wang Feng (Lei Zu) levou o casulo à boca e amoleceu o fio, que rapidamente mostrou a ponta e dai foi sendo desenovelado. Percebeu ser aquele filamento, muito fino, resistente e longo para o habitual, a dar-lhe trabalho para muitas horas. Por fim, lá conseguiu ver não a lagarta, mas algo diferente e pouco parecido ao que ali se escondera, uma crisálida. Voltou a outro casulo e fez o mesmo e já com a mente a planear as possibilidades de voltar a ter material para tecer, desenrolou outros mais. Juntando os filamentos com as pontas dos dedos formou um fio, fazendo-o passar pela dobadoura e assim o preparou para o montar no tear. Com a experiência de tecedeira, calculou mentalmente o longo fio arranjado e usou uma parte para dar o comprimento da peça. A outra foi para a trama, perpendicularmente cruzada com os fios da urdidura então já colocados. Tecidas as vestes, o espanto foi geral por o brilho e leveza contrários às peças de roupa usadas, pesadas e baças. Logo lhe pediram para também lhes fazer roupa daquela. Como, não se sabe, mas uma dessas peças foi parar às mãos de Huang Di (o Imperador Amarelo), que perante tão espectacular obra logo percebeu ser proveniente de uma pessoa muito inteligente. Assim resolveu ir conhecer a personagem que a produzira e rumando do Rio Amarelo (Huang he) para Sul encontrou a jovem Yang Feng a Nordeste da actual província de Sichuan, a mais de quarenta quilómetros de Yanting, nas montanhas do Dragão de Jade (Qing Long shan), num lugar chamado Jin ji (Galo Dourado). HISTÓRIA DE HUANG DI No período dos Cinco lendários Soberanos (Wu Di, 2550-2140 a.n.E.), o primeiro dos cinco foi o Imperador Amarelo, Huang Di (2550-2450 a.n.E. ou, 2704-2595 a.n.E.), nascido no monte Xuanyuan, onde hoje será o concelho de Xinzheng na província de Henan. Tinha o apelido de Ji, o nome da sua tribo, também conhecida por Xuanyuan. Antes do Imperador Amarelo, a tribo ainda nómada chamava-se Tian Yuan e era matriarcal e apesar de pequena apresentava-se mais evoluída que as restantes no armamento e tácticas de guerra e daí facilmente lhes tomava terras, animais e fazia escravos. Com a herança metalúrgica da Cultura Hongshan, proveniente da actual Mongólia e territórios do Nordeste, [segundo Ana Maria Amaro, a Cultura da Montanha Vermelha (4700-2900 a.n.E.) era a “mais recuada comunidade chinesa organizada em Estado até hoje conhecida” e vivia onde hoje é a Mongólia Interior. Os vestígios aí encontrados demonstram a “opulenta cultura e a par de objectos de cerâmica vermelha, com decoração a negro, numerosos instrumentos agrícolas em pedra lascada e polida, de grandes dimensões, e ainda ornamentos, também polidos, em pedras semipreciosas, possivelmente usados pela classe dirigente. Das peças recolhidas, são particularmente interessantes um arado e uma enxada de pedra, de enormes dimensões, o que parece apontar para a importância e para o elevado nível que havia atingido, já, a agricultura naquela região. Recentemente, foram descobertos no mesmo local cemitérios e ruínas de um templo erigido em honra de uma deusa, que se admite estar relacionada com o culto da fertilidade, além de um dragão em jade polido, verde-negro, de cerca de 26 cm, de linhas extremamente harmoniosas. Esta representação do dragão, exumado na aldeia de Sanxingatala, na Mongólia Interior, é a mais antiga que se conhece na China, o que faz recuar a sua origem emblemática cerca de dois milénios em relação ao que, antes, se admitia”.] Huang Di, já como chefe da tribo Ji, onde hoje será a província de Hebei, envolveu-se numa série de guerras com o grupo Jiuli, o mais numeroso, proveniente da China Central. Descendente da tribo Yi, criada três séculos antes por Fu Xi e de onde mais tarde surgiria também os Dong Yi, comandados por Chi You, a tribo Jiang, chefiada por Yan Di, ou um seu descendente, ligado à Agricultura, separara-se dos Yi e foi fácil para a tribo Ji vencer a do Jiang. Após uma breve escaramuça em Banquan, hoje a Sudeste do concelho de Zhuolu, na província de Hebei, os Ji derrotaram os Jiang e as duas tribos fizeram uma aliança, para derrotar os Dong Yi comandados por Chi You. Em Zhuolu ocorreu essa feroz guerra e só após cinco grandes batalhas foi morto o lendário guerreiro chefe Chi You e a sua tribo desmembrada. Os que se quiseram integrar na grande tribo de Huang Di, foram viver para o Nordeste e daí seguiram para a península da Coreia. Já os que não se quiseram deixar absolver dividiram-se, seguindo o grupo Qiang para as fronteiras do Oeste e a maioria, os Miao para Sul. O corpo de Chi You despedaçado foi levado pelos seus quando fugiam, sendo sepultado em cinco lugares diferentes, sobretudo na actual província de Shandong. Assim Huang Di, herdeiro da indústria do metal, se consolidou como Imperador, unindo a maioria das tribos a viver na parte Norte e Centro do território da actual China, formando o povo Hua Xia, hoje conhecido como Han. Wang Feng viria a ser designada Yuan Fei ao se casou com Huang Di, a indicar ser a primeira esposa do Imperador Amarelo. Acompanhava-o sempre nas digressões, aproveitando para divulgar os seus conhecimentos, tanto na produção do bicho-da-seda, como na preparação do fio para tecer. Tal casamento levou a tribo Xi Ling a juntar-se à de Huang Di, servindo de exemplo à integração de outras tribos, criando assim um todo como povo, o Hua Xia, num território cada vez maior e mais próspero, devido à inteligência do governante. Huang Di, considerado como um sábio, governou tão bem que muito tempo houve sem guerras, sendo possível as pessoas dedicarem-se às artes e à criação de utensílios, continuando a preparar os arquétipos para uma sociedade sedentária. Consta ter o Imperador Amarelo mais de cem filhos e com uma grande experiência, no seu reinado fizeram-se inúmeras invenções, tornando a vida quotidiana muito mais fácil. Desde a escrita, [cujos registos eram feito desde o período de Fu Xi por nós em cordas], à construção de casas, carroças e barcos, usando já um instrumento de orientação que mais tarde levou à criação da bússola. Ficou credenciado como ligado ao inventor da Medicina, dos manuscritos, das roupas, da criação do bicho da seda e do tecer a seda. A sua principal esposa foi a primeira pessoa a criar o bicho-da-seda e a desenovelar um casulo, ensinando a transformar o filamento do casulo em fio para fazer roupa e por isso Lei Zu, Deusa da Seda (Can Shen), é apelidada Xian Can, a Iniciadora da Produção de Seda. Luís Gonzaga Gomes (1907-76) no livro Chinesices, edição do Instituto Cultural de Macau e Leal Senado, 1994, refere-se a Lui-Tch’ôu (nome em cantonense, enquanto em mandarim é chamada Lei Zu): “Data, pois desde então a indústria da seda na China, nascida de um momento de feliz curiosidade da imperatriz Lui-Tch’ôu, enquanto o seu bom e diligente esposo, tendo conseguido a unificação do vasto império, se achava ocupado em rasgá-lo de lés-a-lés com amplas estradas e em construir barcos, para o transporte de mercadorias, entre os vários pontos do país. Havia fartura e felicidade na época da sua sábia governação; por isso, o povo desconhecendo o flagelo da fome, podia entreter-se na fabricação de frautas (flautas), olifantes (trompa curva de marfim), teorbas e alaúdes, todos inventados no seu próspero reinado, que teve lugar há mais de quatro mil e tantos anos”.
José Simões Morais Via do MeioSeda (4) – Deusas e Festas: Viagem da seda de Leste para Sichuan Preparamo-nos para sair do recinto do Festival das Flores do Bicho da Seda (蚕花节, CanHua jie) na aldeia Hanshan quando uma placa de madeira apresenta a história de Ma Tou Niang: “Há muito tempo, em redor da montanha Han vivia a família Wu, cuja filha era muito bonita e ainda criança, o pai educara-a em muitas e diversas matérias, da escrita, com uma excelente caligrafia, à poesia e na arte de manejar a espada. Era uma promissora rapariga. “Um dia antes do festival Qingming, o pai Wu (武) com o seu grupo partira para combater em XinShi (新市), mas foi capturado. A filha, muito preocupada, espalhou a notícia pelas redondezas a dizer casar-se com quem conseguisse trazer o pai de volta em segurança. Escutando tal, o seu cavalo branco saindo a galope foi libertá-lo, trazendo-o salvo. Quando o senhor Wu soube da promessa da filha e vendo com quem ela teria de casar, ficou muito triste por aquele destino. Então ocorreu-lhe a ideia de substituir a filha por uma outra rapariga, Xiaoqing, para casar com o cavalo. Este, zangado magoou Xiaoqing e o senhor Wu, que vendo o comportamento do cavalo, o matou. A filha, muito triste com os acontecimentos, suicidou-se, ficando o seu corpo num túmulo no cume da montanha Han. No ano seguinte, transformada num bicho-da-seda ofereceu o fio expelido da sua boca para as pessoas tecerem panos e se protegerem do frio. Os sericicultores, em forma de agradecimento, construíram um templo no topo da montanha onde oferecem sacrifícios à rapariga e ao cavalo branco”. Assim, todos os anos, aquando da festividade do Qingming, as pessoas da área ligadas aos trabalhos de seda juntam-se no Templo Can Hua venerando Can Hua Niang Niang (蚕花娘娘). Trazendo um casulo atravessado num ramo, seguem monte acima para em frente à escultura da deusa, junto ao seu túmulo se ajoelharem a reverenciá-la. Com três vénias agradecem e colocam incenso, velas e oferendas em frente à imagem. Despertos por este conto, associamo-lo ao encontrado no livro Chinesices de Luís Gonzaga Gomes a narrar a história ocorrida na parte Leste da China, em que uma jovem foi envolvida pela pele de um cavalo e nesse tapete voador transportada até ao Oeste da China e em Shu (hoje província de Sichuan) apareceu num amoreiral metamorfoseada na forma de bicho-da-seda. Saindo do Leste como Imperatriz do Bicho-da-seda, Can Hua Niang Niang (蚕花娘娘), veio em Sichuan a ser Ma Tou Niang (马头娘), Senhora do Bicho-da-Seda, cuja tradução é Senhora com Cabeça de Cavalo, onde já Can Cong, o primeiro antepassado dos Shu Antigos, estava deificado Qingyi shen (青衣神), Deus das Vestes Verde-azuis. Essa viagem do bicho-da-seda da parte Leste da China para Oeste, até Shu (Sichuan) remete-nos para o Neolítico, período de unificação das tribos, iniciada por Huang Di (o Imperador Amarelo), cuja esposa foi Leizu (a Imperatriz da Seda) de quem teve dois filhos, o mais velho Shao Hao e Changyi, pai de Gaoyang, depois chamado Zhuanxu, o segundo dos cinco Ancestrais Imperadores. SEDA NO NEOLÍTICO Na China, no sexto milénio a.n.E. (antes da nossa Era), mais provavelmente entre o século LV e L a.n.E., começou-se a olhar para as lagartas a enrolarem-se nos casulos e nasceu a curiosidade de os desfiar, encontrando os filamentos de seda. Um pote desenterrado em 1973, na povoação neolítica de Hemudu, situada em Yuyao, na província de Zhejiang, tem gravado quatro bichos-da-seda representados a bambolear, dando indicações de se prepararem para iniciar a formação do casulo e percebe-se, pela diferença com os actuais, não terem ainda sido domesticados, segundo The Story of Silk de Liu Zhijuan, editora Foreign Languages Press, 2006. A Cultura Hemudu (5000-3300 a.n.E.), a jusante do Rio Yangtzé, ficou caracterizada por casas de madeira e bambu, cobertas a colmo, construídas sobre palafitas, sendo os habitantes pescadores e plantarem já arroz, tendo como totem um pássaro do Sol. A sericicultura (cultura do bicho da seda) não foi inventada por uma só pessoa, mas é resultado de muitos milénios de experiência. Ao historiar tempos tão recuados, as datas muitas vezes contradizem-se, mas já a neolítica Cultura Yangshao (c.5800-3300 a.n.E.) fiava e tecia a seda. A meio curso do Rio Amarelo (Huanghe) e vale do Rio Wei originara-se um importante polo civilizacional, a Cultura Yangshao. Local privilegiado de férteis vales com abundância de alimentos e animais levou à fixação de famílias agricultoras, de caçadores e pescadores, começando rapidamente a ser densamente povoado. Contava já com instrumentos para fiar e tecer, como fusos, rocas, agulhas de osso tubulares e pentes de bater de madeira. Sabe-se hoje seguramente que se tecia com fio de seda no ano 3650 a.n.E., pois na província de Henan foi encontrado um fragmento de gaze com essa idade. Também um tear para fabricar panos de seda datado de 2500 a.n.E. foi descoberto em Fanshan, na província de Zhejiang. Na parte Oeste da China, na actual província de Sichuan, conhecida antigamente por Shu, foi fundado em 2800 a.n.E. o reino dos Antigos Shu pelo clã Can Cong, que vivia em casas de pedra nas montanhas de Min, a Noroeste de Sichuan, hoje distrito de Maoxian, no desfiladeiro Canling guan, prefeitura de Diexi. Can Cong, que significa um conjunto de bichos-da-seda, é considerado o primeiro rei dos Antigos Shu e foi deificado como Qingyi shen, (Deus das Vestes Verde-azuis), sendo o totem do clã muito provável o bicho-da-seda. Logo haveria também aqui quem já trabalhasse com a seda e nas árvores das amoreiras vivia o bicho-da-seda ainda em estado selvagem. A Cultura Shu, centrada no Vale de Chengdu, foi dividida em dois períodos, sendo o primeiro entre 2800 e 800 a.n.E. conhecido por Cultura dos Antigos Shu e ocorreu durante a época dos Cinco Soberanos (Wu Di, 2500-2100 a.n.E.) e das dinastias Xia, Shang e Zhou do Oeste. Este período desenvolveu-se em quatro fases, correspondendo a primeira à Cultura Baodun (2800-1800 a.n.E.), altura em que aí viveram Can Cong e Lei Zu, que empreendeu o cultivo do bicho-da-seda e usou os filamentos retirados do casulo para tecer. Lei Zu, considerada a primeira pessoa a dedicar-se à criação do bicho-da-seda, (começando assim a sua domesticação), desenovelou os casulos e usou os filamentos de seda para tecer. Várias são as lendas sobre Lei Zu, cuja tribo Xi Ling se situava nas terras do reino dos Antigos Shu (Gu Shu 古蜀), fundado nessa altura por Can Cong que, tal como o nome indica, está ligado à seda e a todo o processo. O reino dos Antigos Shu criou um dos polos da civilização chinesa, a do curso superior do Rio Yangtzé (Changjiang). Segundo alguns historiadores, os Antigos Shu pertenciam à Cultura Longshan (2500-2000 a.n.E.), com dois polos a jusante, no vale do Rio Amarelo em Shandong e na área da foz do Rio Yangtzé. Esta complementava-se com o povo da Civilização do Rio Amarelo na segunda fase da Cultura Yangshao (3300-2200 a.n.E.), situada no vale médio do Rio Amarelo, actual província de Shaanxi, e originou-se do intercâmbio com a Cultura Longshan, recebendo mais influências do que deu e daí duas distintas culturas evoluíram e hoje distinguem-se pela cor dos potes de argila. A partir de 2500 a.n.E. ocorreram grandes transformações na China, que de uma sociedade matriarcal se transformava em patriarcal, época de junção das tribos a viverem ao longo do Rio Amarelo, passando as culturas desenvolvidas das várias regiões a estar em estreito contacto pelas Planícies Centrais. Por essa altura, o Imperador Amarelo (Huang Di, 2550-2450 a.n.E.) ao ver um robe tecido em seda admirou o espantoso trabalho e logo quis conhecer a talentosa pessoa que o confecionara. Seguiu para o território Shu e em Xi Ling Shi, onde vivia a tribo matriarcal Xi Ling, encontrou-se com Lei Zu, segundo o historiador Sima Qian chamada Wang Feng. O encontro terá agradado muito a Huang Di pois casaram-se, passando Wang Feng a ser designada por Yuan Fei, indicando ser a primeira esposa do Imperador Amarelo.
José Simões Morais Via do MeioO segredo da seda (2) – Seda fora da China Na Península da Coreia o segredo da seda estava já desvendado há pelo menos três mil e duzentos anos, o que parece contradizer a anterior afirmação dada no primeiro artigo, onde referia ser a seda ainda há 1600 anos um segredo ciosamente guardado pelos chineses. Tal se deve ao território da Coreia estar até ao ano 57 a.n.E. integrado na China, quando passou a haver três reinos: Shilla, no Sudeste, Koguryo no Norte e Paekje no Sudoeste, mas excepto pequenos períodos de autónoma soberania, como quando a Dinastia Han do Leste (25-220) terminou e a China foi dividida em três reinos (Wu situado no Centro e Sul da parte Leste, Han-Shu a Oeste e Wei a Norte e Oeste), a Coreia só se tornou verdadeiramente independente nos finais da Dinastia Tang (618-907). Até aí o reino de Shilla, o maior e mais poderoso dos três coreanos, com a ajuda chinesa conquistou no século VII os outros, unificando toda a península. O reino de Koguryo, sob a liderança de Wang Kon em 936 estabeleceu o novo reino de Koryo, orientando-o por uma ética essencialmente confucionista. Daí as fontes chinesas referenciarem até ao século III a.n.E. o segredo da produção da seda e sua tecnologia ainda não tinham saído do país, quando um grupo de chineses se estabeleceu no Sudeste da Península da Coreia, começando por plantar amoreiras e criar lagartas do bicho-da-seda. No ano de 199, segundo o livro Clássico de História do Japão (Nihon Shoki), o segredo da seda passou da Coreia para o Japão, sendo levados ovos da Bombix mori, dando-se então início à sericicultura (cultura ligada à criação do bicho-da-seda), com produção de seda. Desde 238 e nos dez anos seguintes, em ‘diplomacia da seda’ a corte japonesa enviou por quatro vezes emissários ao Reino Wu [um dos três da China, com o mar como fronteira a Leste, sendo Sun Quan o primeiro imperador do Reino Wu (229-280) e tinha como esposa a Senhora Xu (?-229), uma excelente bordadeira, pintora e calígrafa] para convencer alguns artesãos a irem para o Japão e levarem a tecelagem, a maneira de bordar e criar tinturarias. Também da Coreia continuavam a ser enviados muitos técnicos. Tal permitiu ao Japão evoluir muito rapidamente na indústria da seda, na técnica do tecer e da estampagem, conseguindo mesmo alguns pigmentos. Em 308, quatro experientes costureiras partiram da província de Zhejiang para a corte japonesa, tal como aconteceria cento e cinquenta anos mais tarde. É das mãos destas mulheres que apareceu no Japão o wafuku, (quimono), uma veste típica do Reino Wu e conhecida por “wufu”. De salientar a forte influência da Civilização Chinesa na Coreia e Japão. OVOS DE BOMBIX Como a Coreia e o Japão estavam localizados para Leste da China, no Pacífico, zona de povos então isolados e fora de contactos com o mundo do comércio do Oceano Índico, o segredo aí ficou trancado. O mesmo ocorreu quando no século V uma princesa chinesa resolveu “exportá-lo” ao abandonar o país para casar com o Governador de Khotan, um reino subordinado à China. Para não renunciar ao prazer das sedas levou no penteado escondidos ovos da Bombix mori, algo que dava morte se fosse descoberta, mas não o foi e assim, o conhecimento do segredo da seda avançou pela primeira vez para Ocidente da China. Na Passagem de Yumen, a caminho do Oeste, no ano de 414 a princesa filha de um Imperador [provavelmente de Ming Yuan Di (Tuoba Si, 409-423) dos Wei do Norte (386-534), ou de An Di (Sima Dezong, 396-418) da dinastia Jin do Leste (317-420)] deve ter sentido um calafrio quando a embaixada que a acompanhava foi revistada na fronteira pelos guardas imperiais. O enviado do rei de Khotan, que acompanhava a princesa na viagem para o seu futuro país, tinha-lhe em segredo proposto esconder ovos da Bombix mori pois, se queria continuar a vestir sedas e agradar ao futuro marido, teria de levar ovos do bicho-da-seda para o seu novo país. Devido à condição de família real, não foi revistada por os guardas e assim saíram para Oeste da China, pela primeira vez na História, ovos do bicho-da-seda, algo pretendido pelos reis de Khotan já séculos atrás, desde a dinastia Han, mas nunca tinham conseguido aprovação da parte chinesa. Os Partos Arsácidas (170 a.n.E.-224) desfaziam os tecidos de seda chineses para ter o fio e com ele criaram as famosas sedas brocado de Damasco, a panejar as paredes dos palácios. Tal como os partos, os sassânidas (224-651), seus sucessores na governação da Pérsia, eram loucos por seda e com os tecelões trazidos da Síria, após o ataque do rei sassânida Chapur II em 360, foi criada na cidade de Susa (a Sudoeste do país, hoje Irão) a indústria de tecelagem da seda. O reino de Khotan foi o primeiro fora da China a fazer criação de bichos-da-seda e obter o tão valioso fio, no entanto, desde 414 o segredo da seda aí se manteve sem prosseguir mais para Oeste. DESVENDADO O SEGREDO Em 552, no reinado bizantino do Imperador Justiniano (527-565), dois monges nestorianos persas, que viveram longo tempo na China e onde aprenderam os segredos da produção da seda, conseguiram fazer passar, dentro de dois bastões de bambu ocos, sementes de amoreira e centenas de ovos da lagarta do bicho-da-seda. O segredo foi desvendado em Constantinopla, a capital do Império Romano do Oriente, ficando aí a antiga serica com o nome de diaspron. Em 622, o imperador bizantino Heráclio conseguiu uma inesperada vitória contra os persas sassânidas e atribuiu a administração dos territórios aos árabes, começando assim a sua autodeterminação. Nesse ano, Maomé trocava Meca por Medina e a 26 de Setembro de 622 dava-se início à emigração (hégira, a tradução da palavra árabe hijra, a significar exílio, ou ruptura), data do nascimento da religião do Islão criada por Maomé, sendo o ponto de partida do calendário da Era Árabe-muçulmana. Após a morte do Profeta em 632, os árabes conquistaram Damasco na Síria em 635, Jerusalém na Palestina dois anos depois e em 640 o Cairo no Egipto. Seguiu-se a Pérsia, o Afeganistão e em 698 Cartago no Norte de África (actual Tunísia), de onde passaram para a Península Ibérica em 711. Os árabes não conseguiram tomar Constantinopla nem atingir a Europa Central, pois o exército muçulmano foi derrotado em Poitiers (actual França) por Carlos Martel em 732. Já na Ásia Central, após a Batalha de Talas em 751, nas proximidades de Tashkent, os árabes expulsavam os chineses do seu protetorado no vale de Fergana e levaram muitos artesãos capturados para trabalhar na grandiosa cidade de Samarcanda. Deste modo, muitos dos segredos civilizacionais, como as técnicas de fazer o papel e a seda, foram difundidos pelo imenso mundo islâmico. Com o domínio na Ásia, desde as portas do Extremo Oriente, Norte e Leste de África e Península Ibérica, foram os árabes a espalhar a produção da seda pelo mundo. De notar, a sericicultura era já praticada na Península Ibérica muçulmana no século IX, proveniente da Arábia e do Egipto, que no século VIII estavam a par de como era feita a seda. Apesar do Ocidente saber desde o século VI como era produzida a seda e na posse da Bombix mori, pouco interesse aí houve para a desenvolver, pois os tempos eram de guerras, tanto territoriais como religiosas, e as armaduras não davam espaço a vestes transparentes e macias. Com a revelação do segredo da produção de seda, muitos países logo trataram de arranjar lagartas Bombix Mori para fazer criação e plantar amoreiras para as alimentar. Na produção, a maior parte dos resultados foram fracos e assim se continuou a importar seda da China. O florescente comércio entre o Oriente e o Ocidente diminuiu substancialmente devido à falta de procura de seda que, de um misterioso e precioso produto, se tornou num tecido remetido ao esquecimento, devido ao longo período de guerras a ocupar o estar dos importadores reinos e países do Oeste. Já na China e no Leste, Coreia e Japão, a seda estava no quotidiano, tendo havido um incremento na qualidade com o aparecimento de novos tecidos de seda.
José Simões Morais Via do MeioO segredo da seda (1) – Uma cintilante preciosidade Os tecidos de seda chegavam a Roma, mas não se sabia de que material eram feitos e ainda há mil e seiscentos anos era um segredo ciosamente guardado pelos chineses. Havia uma mercadoria proveniente do Extremo Oriente algo “nunca vista”; – a serica, um tecido cuja sensação era a quem o usava de andar despido. Em 112 a.n.E. (antes da nossa Era), roupa delicada e cintilante feita de um tecido leve, macio, fresco, fino e maleável, vestia em Roma os imperadores. A seda, cujos caminhos para Ocidente se faziam em 106 a.n.E. pela Pérsia (actual Irão) até Roma, aí chegava conjuntamente com especiarias, peles e lacas. Em sentido inverso, para a China iam os cavalos de Fergana, assim como linho, lã, vinho e vidro. No Egipto, uma estátua de alabastro de 1353-1336 a.n.E. representando uma filha da Rainha Nefertiti e do Faraó Akhenaton parece vestida com uma túnica de seda. O grego historiador e geógrafo Heródoto (c.485-420 a.n.E.) [nascido na cidade grega de Halicarnasso, hoje Bodrum na Turquia] descreveu todos os povos até às Montanhas de Tian (Tianshan) na China e segundo Vitorino Magalhães Godinho, o conhecimento de Heródoto (cerca de 450 a.C.) chegava ao Indo, Mar Cáspio até ao Rio Oxus (Amu-Dária). “Paradoxalmente, à primeira vista, o Ocidente só tem do Oriente, durante longos séculos, uma visão sumária.” Os gregos conheciam os chineses por Seres e “Serica” era o nome dado à seda, que entre o século X e o IV a.n.E. viajava da China até à Grécia. As colónias gregas vinham-se estabelecendo entre o século VII e VI a.n.E. em torno do Ponto Euxino, o Mar Negro. No ano 500 a.n.E. encontrava-se seda chinesa em Atenas, testemunhada tanto nas vestes das figuras de vasos gregos, como nas esculturas do Parténon, mas sendo o tecido de seda um material frágil não logrou chegar até aos nossos dias. A seda apareceu como cabeça de mercadoria pela “primeira vez” na Índia e Ásia Central via Caminhos do Sudoeste da China e segundo registado em Arthasastra por Kautílya, (primeiro-ministro de Chandragupta), no século IV a.n.E. vestia a corte Maurya na Índia. O grego Aristóteles (384-322 a.n.E.) refere-se aos casulos da Bombix e aos tecidos que deles se obtêm, na sua História dos Animais. Mas no ano 77, Plínio o Velho (27-79) escreveu Naturalis Historia, onde se lê, “a seda cresce nas folhas de uma árvore e retira-se em forma de fio ao banhar as folhas na água.” Assim, no século I os romanos pensavam crescer a seda nas árvores, quando já os chineses há trinta e cinco séculos se dedicavam à sericicultura (cultura ligada à criação do bicho da seda). Nos finais do século III a.n.E., os romanos emergiram como principais rivais dos gregos no Mediterrâneo. Em 133 a.n.E. os territórios romanos incluíam toda a Itália, a própria Grécia, a maior parte das zonas do Norte de África e Turquia. O Império gerava enormes lucros e os cidadãos romanos iniciaram uma crescente procura dos artigos de luxo provenientes do Oriente. O Império Romano estendia-se para Oriente quando se “começou” a ouvir falar de um povo e de uma região estranha. Era o “primeiro” conhecimento para os romanos de um país misterioso, para lá do longínquo horizonte, a que chamaram País dos Seres. Mas o acesso dos romanos ao comércio do Oriente era limitado, pois os produtos vinham através de intermediários e por isso a um preço final exorbitante. Entre os romanos e os chineses encontravam-se os persas, mais propriamente os partos, sucessores na Pérsia dos gregos de Alexandre, que tinham o domínio sobre as rotas terrestres e o acesso às rotas das Especiarias através do Golfo Pérsico. Os Partos Arsácidas (170 a.n.E.-224) adoravam seda e como consumidores apaixonados, já no século II a.n.E. importavam enormes quantidades desse tecido, levando no ano 105 à troca de embaixadas entre a Pártia e a China. Assim se abriu oficialmente um comércio bilateral e longas caravanas atravessavam a Ásia Central trazendo esse tão procurado produto. A seda chegava em grandes quantidades e os panos eram quase sempre desfeitos para nas tecelagens da Síria-parta voltarem a ser tecidos ao gosto dos padrões locais e dos compradores romanos, pois o fio de seda estava proibido de sair da China. Nas balanças em Roma, a seda era mais cara que o ouro, devido aos inúmeros impostos cobrados durante a viagem para Ocidente. Como intermediários, os partos tentavam impedir os romanos de fazerem comércio diretamente com a China e já quando no ano de 97 uma delegação chinesa da dinastia Han do Leste (25-220) chefiada por Gan Ying chegou a um porto do Golfo Pérsico, querendo navegar para o Egipto, cruzando o Mar Vermelho para atingir o Mediterrâneo, foi dissuadida pelos partos como viagem longa e arriscada. Assim, os partos continuaram a controlar o negócio da seda chinesa e daí serem para o Império Romano os seus grandes inimigos. SEDA LEVA ROMANOS À BANCARROTA No ano de 53 a.n.E., Marcos Licinius Crassus, governador da Síria, que conjuntamente com César e Pompeu formavam o Triunvirato e dirigiam o Império Romano, resolveu ir para Leste numa campanha contra os partos. À partida da Síria, os presságios eram maus e depois, longos dias passaram até ocorrer a batalha de Carrhes. Trinta mil soldados romanos, flagelados por setas e assustados pelo desfraldar dos amarelos estandartes de seda a brilhar ao Sol, foram estrondosamente derrotados pelos partos e Crassus morto. Uma das piores derrotas dos romanos, sendo a primeira vez que muitos romanos viram panos de seda. Em 40 a.n.E. os partos conquistaram a Síria e a Palestina, mas foram daí expulsos dois anos mais tarde. No entanto estavam sempre a meio caminho entre os romanos e os chineses. Por isso, em 31 a.n.E. o romano Imperador Augusto sem conseguir conquistar os Partos, que regulavam os preços dos produtos provenientes do Oriente, mudou de política e ocupou o Egipto, tornando-o numa província romana. Aproveitou Alexandria, na época um dos principais portos de entrada das especiarias e de outros produtos luxuosos, e mandou construir uma frota de grandes barcos, abrindo por via marítima a rota do Egipto à Índia. Os romanos passaram a ter acesso ao Oceano Índico pelo Mar Vermelho, via para fugir aos partos e receber os produtos oriundos do Extremo Oriente. No ano 27 antes da nossa Era, o Império Romano ia da Lusitânia à Mauritânia e englobava a costa do Mediterrâneo, abarcando a Grécia, a Capadócia, a Síria, a Judeia e do Egipto até Cartago. Roma ocupava Petra no ano de 106 e para controlar os locais onde afluíam os produtos chineses adicionou ao Império em 216 Edessa e Palmira no ano 273. As especiarias, lacas, sedas e outros produtos de luxo do Oriente chegavam como nunca antes tinha acontecido e em troca os romanos enviavam para a Ásia metais, tintas, tecidos, drogas e produtos de vidro. No entanto, Roma comprava mais do que vendia e o ouro rapidamente se esvaia dos cofres. Plínio queixava-se das fortunas gastas em produtos de luxo importados, entre os quais a seda, precioso produto mais caro que o ouro e consumido desenfreadamente, o que levou o Império Romano à bancarrota. Devido ao afastamento no século I a.n.E. dos nómadas xiong-nu das fronteiras Norte da China, estes [conhecidos por hunos no Ocidente] empurrando para Oeste os povos seus familiares a viver na Ásia Central, criaram uma enorme agitação no que viria a ser a Europa, provocando uma interna movimentação de povos. Em 330, o Imperador Constantino transferia a capital do Império Romano para Bizâncio (Istambul), passando-se esta a denominar Constantinopla. Roma permaneceu capital do Império da parte Ocidental quando em 395 se deu a divisão do império em duas partes. Os godos, encurralados pelos hunos (os xiong-nu), tomaram Roma em 476, terminando com o Império Romano do Ocidente. Já o recheio tinha passado para Constantinopla, a capital do Império Romano do Oriente. A seda era o segredo mais bem guardado da China e quem tentasse levá-lo para fora do país era punido com pena capital. A constante pergunta centrava-se: -De onde vinha a seda? Outra questão era saber o nome do país ou países que a produzia, pois os chineses desde o século IV recebiam, tanto por mar como por terra, muitos estrangeiros e dependendo do período histórico da visita das embaixadas e os caminhos que tomavam, (umas vezes dividido em diferentes reinos, outras unificado num grande país), levava os viajantes a conhecerem-no por diferentes nomes.
José Simões Morais Via do MeioApós a Felicidade Perpétua de Yongle (XVI) O Imperador Yongle, cujo nome significa Felicidade Perpétua, nascera em Nanjing a 2 de Maio de 1360 com o nome de Zhu Di e teve Zhu Yuanzhang (o Imperador Hongwu, o primeiro da dinastia Ming) como pai e escolheu para mãe a Imperatriz Ma, apesar de, segundo consta, ser ela uma princesa mongol. A consorte de Zhu Di (朱棣 1360-1424) era a Imperatriz Xu (徐, 1362-1407). Casados em 1376, tiveram três filhos e quatro filhas, sendo o mais velho Zhu Gaochi (o futuro Imperador Hongxi), o segundo filho Zhu Gaoxu, o terceiro Zhu Gaosui, Zhu Gaoxi foi o número quatro, mas de diferente mãe, sendo as filhas, a mais velha Zhu Yuying, a princesa Yong’an, e as princesas Yong Ping, Ancheng e Xianning. A Imperatriz Xu morreu em 1407. Como terceiro Imperador da dinastia Ming, Yongle reinou desde 17 de Julho de 1402 e morreu aos 64 anos no dia 18 do sétimo mês de Jiachen (甲辰), 22.º ano do seu reinado, a 12 de Agosto de 1424, quando regressava de uma campanha contra os mongóis. Com a morte por doença do Imperador Yongle, o seu filho mais velho Zhu Gaozhi (1378-1425), a 7 de Setembro de 1424, tornou-se o Imperador Hongxi (1424-1425) e voltou a colocar a capital em Nanjing. Zheng He retornara de Palembang e já há muito soavam vozes contra as dispendiosas viagens. Logo nesse dia, já como imperador, Hongxi mandou suspender as viagens marítimas e manteve os barcos da armada para a defesa de Nanjing. Pouco mais de 8 meses reinou Hongxi, pois morreu a 29 de Maio de 1425, e o seu filho Zhu Zhanji (1399-1435), conhecido como Ming Xuanzong, tornou-se a 27 de Junho de 1425 o Imperador Xuande (Propagação da Virtude), ficando no trono até 31 de Janeiro de 1435. Zhu Di (朱棣 1360-1424), preocupado com a sucessão, dera atenção ao primeiro filho Zhu Gaochi, nascido no 11.º ano do reinado de Hongwu, colocando-o a ser educado por oficiais do mandarinato, ministros confucionistas que o apoiaram até chegar a Imperador Hongxi (1424-1425). Mas a especial dedicação de Zhu Di foi com o neto Zhu Zhanji (1399-1435), nascido no dia 9 do segundo mês do ano 32.º de Hongwu e educado por os Grandes Eunucos. Viria a ser o Imperador Xuande (1426-1435) que, em 1426, criou a Escola Neishutang em Beijing para os eunucos poderem estudar, pois desde o tempo do seu avô, o Imperador Hongwu, o recrutamento para a Administração só podia ser feito por via das escolas e exames públicos, estando aos eunucos vedado aprender a ler, escrever e frequentar a escola. Zhu Di, enquanto Príncipe de Yan, em Beijing nos anos de 1380, contratara professores para no palácio darem aulas aos filhos príncipes, acompanhados por jovens eunucos, como Ma He (mais tarde Zheng He). Devido à inicial necessidade de conquista e defesa, os eunucos tiveram instrução em acções militares e foram o apoio nas conquistas de Zhu Di até 1402, quando se tornou o Imperador Yongle. Daí para a frente, a educação dos eunucos ficou mais virada para o conhecimento científico ligado à navegação, pois à China Ming estava vedada a expansão para Norte e Noroeste, bloqueada por reinos mongóis, restando os oceanos a Sul e Leste para retomar contacto com os povos anteriores aliados das dinastias Tang e Song e anunciar ao mundo a mudança no Trono do Dragão, de novo nas mãos do povo han. Navegar Para reatar as viagens marítimas foi preciso apurar a investigação, interligando todas as disciplinas conectadas com a navegação, e ao extender geografias, tanto físicas como de Astronomia, levar os juncos com segurança a chegarem aos longínquos destinos e contribuir no engrandecer da Enciclopédia de Yongle. Para comunicar com esses reinos e países de África, da Arábia, da Índia e Sudeste Asiático foi criada a escola de línguas e de intérpretes. Daí os eunucos começarem a ser promovidos e ganharem mais responsabilidades, obtendo altos cargos, tanto em terra, a comandar posições militares, como no mar, com Grandes Eunucos a capitanear as frotas de centenas de juncos e milhares de homens, como a da grande armada capitaneada por Zheng He. Estas viagens, ao contrário das realizadas anteriormente por os mercadores chineses no período Tang e Song, tinham o selo imperial do Celeste Império da dinastia Ming, sendo os produtos trocados num comércio não praticado a nível particular, mas apenas entre países ou reinos com o estatuto oficial de vassalos e daí a oferta de produtos raros ao receber tributos como forma de aceitar protecção e render vassalagem à erudição dos presentes. Sentado no Trono do Dragão, Senhor Supremo filho do Céu, o Imperador Hongwu, não se sentindo muito seguro com um dos seus ministros, em 1380, extinguiu o Secretariado, até então composto por dois primeiros-ministros (o da esquerda, civil e o da direita, militar) responsáveis pela administração de todo o país e em seu lugar criou seis Ministérios: Assuntos Públicos, Finanças, Ritos, Guerra, Justiça e Obras Públicas, com os ministros a responder e despachar directamente com ele, Imperador. Investiu nos exames imperias (keju) para recrutar funcionários, Oficiais Civis e Militares para a Administração. Quando o Imperador Yongle faleceu em 1424 deixou muitos problemas por resolver e apenas em 1428, no reinado do Imperador Xuande, ficou fechada a questão da guerra no Vietname iniciada em 1406. A dinastia Trân foi destronada de Annan no Vietname em 1400 pelo revoltoso Ho Quy Ly (1400-1401), monarca que aí criou a dinastia Ho, sendo o seu segundo filho Ho Han Thu’o’ng a governar o reino Dai Ngu de 1401 a 1406. Como a dinastia Trân era vassala da China, logo em 1406 as tropas Ming avançaram para ajudar o príncipe Trân Thiên Bính, mas ele e o embaixador chinês foram vítimas de uma emboscada das forças Ho a 4 de Abril, sendo ambos mortos. Em 11 de Maio de 1406, o Imperador Yongle enviou dois exércitos para acabar com a dinastia Ho e restabelecer a Trân. A campanha militar chinesa contra Dai Ngu (Norte do Vietname) ocorreu entre 1406-07 e assim ficou Dai Ngu incorporado na dinastia Ming e o Imperador Yongle mudou o nome de Annan para província de Jiaozhi. A interferência chinesa iniciada em 1407 teve grande resistência do povo vietnamita, intensificada desde 1418 com uma guerra de guerrilha, a desgastar o cercado exército Ming retido na selva. Tal levou o Imperador Yongle a sair do Vietname em Julho de 1421, apesar da sua independência em relação à China apenas ter ocorrido em 1428 com o Imperador Xuande. Este, a 25 de Março de 1428, ordenou a Zheng He e a outros eunucos para supervisionarem a reconstrução do Grande Templo Bao’en (o Pagode de Porcelana era parte do templo) em Nanjing, que terminou de ser edificado em 1431. Os juncos da armada do Tesouro, retidos desde 1422 em Nanjing para a defesa da cidade, foram libertados dessa função no ano de 1431, pois a 29 de Junho de 1430, no nono dia do sexto mês lunar do quinto ano do reinado de Xuande, Zheng He foi instruído por o Imperador para viajar aos países bárbaros e proclamar ter sido Sua Majestade Xuande, o quarto [quinto] Imperador da dinastia Ming, entronizado. Os preparativos para a sétima viagem duraram mais de um ano e antes de partir, Zheng He, com 60 anos, foi ao novo templo de Tianfei, em Liuhe, pedir à deusa Mazu a bênção para a viagem, deixando aí uma estela. Já Gong Zhen (巩珍), natural de Nanjing e conselheiro do Imperador Xuande, se tornara secretário do almirante Zheng He e servindo como tradutor na sétima viagem, iniciada no sexto dia da 12.º Lua do quinto ano do reinado do Imperador Xuande, a 19 de Janeiro de 1431, a registou no seu diário, publicada em 1434 no livro Xiyang Fanguo Zhi (西洋番国志), Anais dos Países Estrangeiros no Oceano do Oeste ou Lenda dos Países Estrangeiros.
José Simões Morais Via do MeioYongle e a campanha contra os Mongóis (XV-2) Três meses depois da inauguração do Palácio Imperial em Beijing e dois após a partida da sexta viagem marítima, na noite do dia 8 da 4.ª lua do ano Xin Chou (辛丑), 19.º ano do reinado de Yongle, devido a uma trovoada, na noite de 9 de Maio de 1421, deflagrou um grande incêndio na Cidade Proibida. Este foi o ponto de viragem do reinado de Yongle. Estava doente e tudo começou a correr mal ao terceiro Imperador da dinastia Ming. Cinco dias depois, ordenou a suspensão temporária das viagens marítimas e transferiu os fundos para custear as suas últimas três campanhas contra os mongóis. O território da China entre 1279 a 1368 fora governado pelos mongóis do clã dos Borjigin, descendentes de Genghis Khan, sendo a dinastia Yuan afastada pelo povo han, após vinte anos de lutas e revoltas, que criou a dinastia Ming em 1368, conquistando quase toda a China, ficando os mongóis no poder em Shaanxi até 1369, em Sichuan até 1371, e Yunnan até 1382. O décimo primeiro e último Imperador Yuan da China, o mongol Khan Toghan-Temur (1333-1368), com o nome póstumo Shundi e de templo Huizong, era filho do Imperador Mingzong e fora coroado Imperador a 10 de Julho de 1333 e aí reinou até 10 de Setembro de 1368, quando fugiu para as estepes do Norte. No planalto da Mongólia criou a dinastia Yuan do Norte onde, entre 1368 e 1370, foi o Imperador Shun de Yuan, fazendo a capital em Shangdu, mudando-a em 1369 para Yingchang. Desde Maio de 1370, Zhu Di (1360-1424), o futuro Imperador Yongle, no reinado do seu pai o Imperador Hongwu, o primeiro da dinastia Ming, combatia no Norte os mongóis, sendo em 1380 colocado como príncipe de Yan a governar Beiping, pois as fronteiras do Norte encontravam-se ameaçadas por constantes investidas dos mongóis, vencendo-os em 1390, após dez anos de duros combates. Quando Tögüs Temür (1378-1388), o terceiro Khan da dinastia Yuan do Norte já com a capital em Karakorum, foi em 1388 derrotado pelo exército Ming, a maior parte das tribos mongóis renderam-se à dinastia Ming, que os incorporou em três forças militarizadas a servirem de proteção às regiões fronteiriças do Norte. No entanto, os mongóis Oirat e os mongóis do Leste permaneceram hostis para com os Ming até 1408, quando Mahmud, chefe dos mongóis Oirat, enviou uma missão tributária à corte Ming que, em 1409, ofereceu aos líderes Oirat o título de Wang (Rei vassalo). Tal exacerbou o conflito entre os Oirat e a dinastia Yuan do Norte, levando ainda em 1409 o Khan Öljei Temür (1408-1412) a executar o embaixador chinês. Na Mongólia Central e do Leste em 1403, Bunyashiri do clã Borjigin declarara-se Khan Öljei Temür e promoveu Arughtai a Grande Chanceler, mas a dinastia Yuan do Norte não foi reconhecida pela maioria dos clãs mongóis, levando o Khan Öljei a atacar a Confederação dos Quatro Oirats, que governava a Mongólia do Oeste. CAMPANHAS MILITARES CONTRA OS MONGÓIS Entre 1410 e 1424 o Imperador Yongle empreendeu cinco campanhas militares contra os mongóis no planalto da Mongólia. Na primeira campanha, Yongle partiu de Beijing em Março de 1410 levando seis exércitos e cem mil soldados e perante tal multidão Bunyashiri pretendeu fugir, mas o seu ajudante de campo Arughtai não concordou e assim se separaram, seguindo em diferentes direcções. O exército Ming deu primeiro caça às forças de Bunyashiri, derrotando-as a 15 de Junho de 1410, mas Bunyashiri conseguiu fugir. De seguida foram os Ming combater as forças de Arughtai e após uma batalha este escapou com o que sobrou das suas tropas. O Imperador Yongle regressou a Beijing a 15 de Setembro de 1410 e mais tarde Arughtai enviou-lhe cavalos como tributo, recebendo privilégios comerciais dos Ming. Na Primavera de 1412, o mongol Oirat Mahmud encontrou-se com Bunyashiri e matou-o e por isso pediu uma recompensa à corte Ming, mas não sendo atendido Mahmud ficou zangado e daí fez prisioneiros os enviados Ming. O Imperador Yongle mandou um eunuco para os libertar, mas a tentativa não teve sucesso. Mahmud sentindo-se ameaçado, em 1413 despachou 30 mil tropas mongóis ao encontro do exército Ming e a iminente guerra foi denunciada à corte Ming por Arughtai. De Beijing saiu o Imperador a 6 de Abril de 1414, a liderar a campanha contra os mongóis Oirats, que foram esmagados e forçados à retirada, fugindo Mahmud ao exército Ming. O Imperador retornou a Beijing em Agosto de 1414, [mas só chegou à capital Nanjing a 14 de Novembro de 1416] e Mahmud pretendeu reconciliar-se com a corte Ming, mas Arughtai antecipando-se, atacou e matou Mahmud em 1416. Arughtai esperava ser de novo recompensado pelos Ming, mas apenas foi agraciado com títulos, sem conseguir os ambicionados privilégios comerciais. Hostilizado, começou a atacar as caravanas Ming que percorriam os caminhos comerciais do Norte e em 1421 deixou de enviar tributo, conquistando no ano seguinte a fortaleza de fronteira Xinghe. Tal levou o Imperador Ming a lançar em 1422 a terceira campanha militar e com um imenso exército atacou Arughtai, mas ele fugiu estepes dentro, terreno não propício aos chineses e por isso apenas 20 mil homens foram em perseguição. Estes acabaram por ser capturados e enviados para a comandaria Uriankhai, nas mãos de Arughtai. Irritado, Yongle foi atacar três tribos mongóis Uriankhai, não envolvidas com as hostilidades de Arughtai, regressando o exército Ming a Beijing a 23 de Setembro de 1422. MORTE DO IMPERADOR Em Agosto de 1423, o Imperador Yongle lançou uma quarta campanha, numa acção preventiva contra as forças de Arughtai e de novo este fugiu ao confronto com as tropas Ming. Esen Tügel, um comandante dos Mongóis do Leste rendeu-se aos Ming e em Dezembro, o Imperador Yongle retornava a Beijing. Já Zheng He regressara da sexta viagem marítima no nono mês do ano Gui Mao (癸卯) (21.º do reinado de Yongle, 1423) trazendo os enviados de 16 reinos e países da Ásia e África, incluindo Mogadíscio, Brava, Suoli, Adem, Djeffer, Meca, Ormuz, Calicute, Cochim, Kayal, Lacadive, Ceilão, Lambri, Sumatra, Aru e Malaca em número de 1200 pessoas. Para receber os dignitários estrangeiros das missões diplomáticas e de amizade à China, a corte Ming organizou uma grande e espectacular cerimónia. Devido a Arughtai continuar a varrer a fronteira Norte da China, em Kaiping e Datong, Yongle lançou em 1424 a quinta campanha. Partindo no início de Abril na direcção das forças de Arughtai, este de novo evitou encontrar-se com as tropas de Yongle. Alguns comandantes Ming queriam persegui-lo, mas o Imperador sentindo-se muito fatigado, ordenou o fim da campanha e o regresso a Beijing. Em 12 de Agosto, o Imperador já bastante doente, faleceu na viagem de retorno. Na capital encontrava-se desde Abril de 1424 Sri Maharaja (Xi-Li-Ma-Ha-La, 西里麻哈剌) a fazer uma visita oficial à corte Ming para comunicar a morte de seu pai, o Xá Megat Iskandar e para o Imperador Yongle o proclamar sucessor do Reino de Malaca. Enviado ainda por o Imperador Yongle, Zheng He em 1424 partira numa missão diplomática a Palembang acompanhado pelo capitão de guerra da armada Zhou Wen na posição de vice-Qian Hu (comandante de mil soldados). Zhou Wen (周闻, 1385-1470) nascido em Hefei com o nome Shang Shengyuan (尚声远), não era eunuco e ocupara o lugar do seu meio-irmão, cuja posição militar era de Bai Hu (a controlar cem soldados), após este morrer. Devido ao porte físico, alto e forte, em 1402 aos 18 anos fora promovido em Taicang e escolhido como oficial militar por Zheng He para o acompanhar nas viagens das expedições de 1409 (a Ormuz), 1413, 1417, 1421 (onde só foi até à Índia). Devido à morte do Imperador Yongle a 12 de Agosto de 1424, Zheng He com Zhou Wen regressaram de Palembang, encontrando já Zhu Gaozhi, o filho mais velho de Yongle, desde 7 de Setembro de 1424 como Imperador Hongxi, o quarto da dinastia Ming.
José Simões Morais Via do MeioA enciclopédia de Yongle O livro “1421 o Ano em que a China Descobriu a América” de Gavin Menzies apresenta no título um erro, pois os chineses já milénios antes tinham chegado ao continente americano. Para aí passaram a pé pelo estreito de Bering, aproveitando um período de glaciação entre os trinta e vinte mil anos, e por via marítima, no III milénio antes da nossa Era, durante a guerra entre as tribos de Ji, chefiada por o Imperador Amarelo (Huang Di, o primeiro dos Cinco Ancestrais Soberanos) e Chi You à frente dos Dongyi (os Yi do Oeste descendentes da tribo Yi fundada por Fu Xi e Nu Wa). Devido a um intenso nevoeiro, alguns barcos dos Ji perderam-se no oceano e arrastados por correntes foram levados para aí. Alguns historiadores referem ainda, na dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.) e na dinastia Qin (221-206 a.n.E.) o povo chinês atingiu o México. As semelhanças faciais dos índios americanos com o povo mongol seriam uma das provas, tal como o uso do calendário lunissolar com o ciclo de 52 anos, igual ao antigo chinês, havendo outros factos a fazer crer serem eles os antepassados dos Maias e logo dos Incas. Daqui, a data de 1421 pecar por defeito quanto à chegada dos chineses ao continente americano navegando por o Pacífico e como Menzies defende, teriam visitado a Austrália e a Nova Zelândia, pois os locais aborígenes por estudos genéticos parecem ter o ADN chinês e daí não ser descabido terem chegado ao Antártico, e porque não ao Ártico. Quanto a terem navegado no Oceano Atlântico entre 1421 e 1423 parece ser mais difícil, pois se entraram a partir do Oceano Índico, dobrar o Cabo das Tormentas é muito mais complicado do que navegar para Oriente. Mas se foi a partir do Pacífico, ou passaram junto ao continente da Antártida, ou acharam o estreito que exactamente cem anos depois, em 1520, Fernão de Magalhães encontrou a partir do Atlântico. Essa probabilidade de desvendar o labirinto de vias aquáticas é muito reduzida, pois dali as correntes não dão indícios haver comunicação entre oceanos e além disso, navegar no Atlântico exigiria um outro tipo de embarcação, pois este não é pacífico, nem como o Índico. Também o livro refere uma série de nomes de Grandes Eunucos e suas viagens, sem que haja hoje registos acessíveis na documentação da China, pois consta terem sido destruídos logo após a sexta viagem e em 1431, antes de a armada sair para a 7.ª viagem, resumidamente gravados numa estrela no Templo de Tian Fei em Liujiagang. A informação apresentada no livro pode ser parte proveniente dos registos dos embaixadores estrangeiros e outra, roubada nos saques feitos por os países que vieram à China tentar conquistar e colonizar, levando muitos tesouros para as suas colecções particulares, bibliotecas e museus. A GRANDE ENCICLOPÉDIA YONGLE O Imperador Yongle (1403-1424), mal ocupou o trono Ming, mandou em 1403 compilar num livro todo o conhecimento existente e, além dos Clássicos, Literatura, História, Arte, divindades e lendas, havia muitos outros temas como de Ciência, com Astronomia, Medicina e ainda matérias diversificadas. Nessa recolha participaram cem intelectuais, mas quando um ano depois o soberano leu a “Grande Recompilação de Documentos” sentiu-se frustrado por ser esta obra muito incompleta. Em 1405 enviou emissários adquirir livros que valessem a pena, sem olhar a custos, e essa prospecção foi realizada por toda a China e nos países visitados nas viagens marítimas de Zheng He. Este almirante, em Nanjing no ano de 1407, fundou uma escola de línguas, Si Yi Guan (四夷馆), após Yongle ordenar a criação do Instituto de Traduções. Aí na aprendizagem de línguas se preparavam intérpretes, seguindo nas frotas os estudantes mais promissores, com uma das funções o de adquirir através de trocas, ou tributos, tudo o que aparecia de diferente onde passassem. Com estes novos conhecimentos, colocou mais dois mil estudiosos e copistas e assim em 1408 acabou de ser feita a Grande Enciclopédia de Yong Le (永乐大典, Yongle Dadian). Eram 22.877 volumes manuscritos e mais 60 só para o Índice [a wikipédia diz conter 11.095 volumes (册) e 22.937 capítulos (卷)] e tinha 370 milhões de carateres. Essa enciclopédia contava mais de oito mil livros com registos de documentos desde a antiguidade aos primeiros anos da dinastia Ming. Volumosa obra, com apenas um único exemplar, foi primeiro guardada na Biblioteca Imperial (Wenyuan ge) da Cidade Proibida em Nanjing e em 1421 levada para a de Beijing. Guardados em Nanjing os rascunhos arderam em 1449 e devido a outro incêndio na Cidade Proibida de Beijing em 1557, o Imperador Jiajing (1522-66) ordenou em 1562 ser feita uma segunda cópia, pronta em 1567. Como os volumes podiam ser requisitados pelos oficiais Ming, muitos não retornaram e assim, ao longo dos tempos, foram desaparecendo. Actualmente restam 150 partes de livros dessa grande Enciclopédia e devido aos saques, há espalhados pelo mundo 400 livros. Em quantidade de informação só no I século do III milénio apareceu uma maior enciclopédia, a digital da Wikipédia. INCÊNDIO NO PALÁCIO A capital passou de Nanjing para Beijing, sendo o Palácio Imperial (Gugong, 故宫) inaugurado no primeiro dia da primeira lua do ano Xin Chou (辛丑), 19.º ano do reinado de Yongle (2 de Fevereiro de 1421). O Imperador deu uma grande festa com 26 mil convidados e como visitantes assistiram as delegações de Boni, do Japão, da Coreia, Champa e embaixadas da Ásia e África, dezasseis chegadas a Nanjing no 7.º mês lunar de Ji Hai (己亥), ano 17.º do reinado de Yongle, [Agosto de 1419], vindas na quinta viagem marítima de Zheng He. Ali estavam príncipes e embaixadores, sendo os provenientes da Arábia de Ormuz (Hulumosi), Zufar (Zufa’er em Omã), La’Sa (Xier), Adem; da África estavam de Mogadíscio (Mugudushu), Zheila (Ra’s), Brava (Bu-la-wa) Mombaça, Melinde (Malindi); da Índia, representantes de Cambaia (Khanbayat), Calecute (Guli), Cochim (Kezhi), Coulão ou Quilon (Gelan ou Xiaogelan), Jiayile (Kayal no Sul da Índia), Ganbali (Sudoeste da Índia) e também das ilhas Liushan (Maldivas e Laccadive) e do Ceilão (Xilanshan); do Sudeste Asiático, de Malaca (Manlajia), da ilha de Sumatra, os embaixadores de Samudera (Pasai, ou Pacem), Lambri, Aru (Haru) e Palembang, e da ilha de Java o de Semarang. “Ao longo de um mês após a inauguração da Cidade Proibida, os governantes e seus embaixadores que se encontravam em Pequim foram obsequiados com a mais maravilhosa hospitalidade imperial – as melhores comidas e bebidas, as mais magníficas diversões e as mais belas concubinas”, refere Gavin Menzies, que segue, “No dia 3 de Março de 1421, foi organizada uma grande cerimónia para comemorar o regresso das delegações às suas terras de origem. Uma enorme guarda de honra foi montada” [por centenas de milhares de soldados]. “Precisamente ao meio-dia, soaram os címbalos, os elefantes baixaram as trombas e nuvens de fumo ergueram-se dos queimadores de incenso (…) O imperador apareceu para presentear as delegações que estavam de partida com as suas ofertas de despedida – cestos cheios de porcelana azul e branca, peças de seda, fardos de roupa de algodão e caixas de bambu com jade.” Os visitantes estrangeiros saíram de Beijing pelo Grande Canal e embarcando em quatro esquadras foram levados para as suas terras, tendo Zheng He escoltado a armada até à Índia e depois regressou, enquanto os esquadrões seguiram pelo Oceano Índico para a Arábia, Pérsia e África. Três meses após a inauguração do Palácio Imperial e dois desde a partida da sexta viagem, na noite do dia 8 da 4.ª lua do ano Xin Chou (辛丑), 19.º ano do reinado de Yongle, [9 de Maio de 1421] devido a uma trovoada três pavilhões do Palácio Imperial [o Pavilhão da Suprema Harmonia (Taihe Dian, 太和殿), o Pavilhão da Perfeita Harmonia (Zhonghe Dian 中和殿) e o Pavilhão da Protectora Harmonia (Baohe Dian 保和殿)] arderam, reduzindo a cinzas 250 secções do Palácio, tal como o trono. Este o ponto de viragem do reinado de Yongle.
José Simões Morais Via do MeioMapas e a Carta Náutica de Zheng He (XIV-2) Nas viagens marítimas partia-se com a rota pré-estabelecida numa infinita estrada de água definida por marcas nos mapas e os pilotos (hua zhang) usavam principalmente três meios para cuidar da navegação, a bússola, o geng e o tuo. Serviam-se das ‘cartas de rotas de agulha’, realizadas desde a dinastia Song para o Oceano Pacífico e no Índico, sobretudo durante a quarta viagem de Zheng He, e com essas marcadas direcções, os pilotos dos juncos guiavam-se através da bússola marítima, registando os rumos e fazendo cálculos de estimativa da distância navegada no período de Tempo de um Geng (更), que andava entre 40 a 60 li [1 li ±. 0,5 km]. Além da bússola e do geng, existia o tuo (庹) a medir a profundidade das águas assinaladas também nas cartas e daí se escolhia o rumo da navegação da armada. Segundo o livro Hong Xue Yin Yuan Tu Ji 鸿雪因缘图记, escrito na dinastia Ming por Wang Chun Quan 汪春泉, 1 tuo correspondia a 5 chi (尺) igual a 1,6 metros, pois 1 chi nas dinastias Ming e Qing era igual a cerca de 32 cm. Já no período nocturno, com céu limpo a técnica de orientação pelas estrelas era realizada num instrumento de observação chamado ‘Tábua de levar as estrelas’, a calcular latitudes através da distância angular, equivalendo 1 Zhi (dividido em 4 Jiao) a 1,9° desde as dinastia Qin e Han, sabendo-se ainda ser de 5 Zhi a maior distância angular entre Vénus e a Lua. Com a aplicação destas técnicas de navegação forneceram-se os elementos às quatro Cartas Anexas e à Carta Náutica de Zheng He, guardadas no livro militar Wu Bei Zhi (Livro das Armadas, ou Documento oficial de armamento tecnológico) compilado por Mao Yuanyi em 1621 durante a dinastia Ming. HISTÓRIA DOS MAPAS Os mapas, registados na China em muitos dos Clássicos compilados na dinastia Zhou (1046 a 256 a.n.E.), estavam nas memórias mencionados sem prova nos desenhos realizados durante a dinastia Xia (2070 a 1600 a.n.E.) em nove caldeirões de bronze. Estes tinham já representados mapas das várias regiões do país, suas montanhas, rios, plantas e animais. No Período dos Reinos Combatentes (475 a 221 a.n.E.) ganharam uma outra maior importância para planear tácticas e estratégicas manobras militares, na escolha dos caminhos seguros para as tropas marcharem e locais a evitar, ou realizar as batalhas. Daí a necessidade de ser reproduzido tudo o existente no terreno, orientações, distâncias, localização das montanhas, rios e locais para os atravessar, assinalando florestas onde o inimigo se poderia esconder e mesmo as condições do solo a fim de se perceber o número e meio de transporte a usar. Da dinastia Han (206 a.n.E. a 220), no túmulo em Mawangdui do Marquês de Dai [Li Cang, primeiro-ministro de Changsha] e sua família, datado de 168 a.n.E., foram desenterrados três mapas em panos pintados de seda. Um com 96 cm² era um mapa topográfico da área de Changsha, numa escala aproximada de 1 para 180 mil, onde representadas estavam todas as montanhas, rios, centros populacionais e as estradas claramente localizadas. Outro mapa topográfico posicionava o aquartelamento das tropas e tinha 98 cm de comprimento e 76 de largura. O terceiro mapa assinalava as cidades e vilas de algumas regiões. Todos os três tinham o Sul representado na parte superior e neles não existiam títulos, nem especificavam as escalas e datas de quando foram feitos, no entanto apresentavam um aprimorado método com correctas proporções nas distâncias. No ano de 116 o astrónomo Zhang Heng “inventou a cartografia quantitativa ao desenhar grelhas em mapas para obter localizações, distâncias e itinerários precisos”, sendo a projecção semelhante à desenvolvida no século XVI por o cartógrafo flamengo Gerardus Mercator. Na dinastia Jin do Oeste (265 a 316), Pei Xiu (223-271), apontado como Ministro das Obras por o Imperador Wu Di (Sima Yan, 265-290), logo se encarregou de compilar o Yu Gong Di Yu Tu (Mapas regionais de Yu Gong), onde no prefácio sumarizou as experiências dos iniciais cartógrafos e formulou seis regras para se fazer mapas. A primeira refere a obrigatoriedade de os mapas conterem desenhada uma escala graduada. A segunda, o dever de mostrar a correcta relação direcional entre as várias partes do mapa e a terceira, as distâncias entre dois importantes lugares terem de ser medidas por o caminhar de quem os regista. Quarto, quinto e sexto, em caso desses dois locais não estarem ao mesmo nível, primeiro terá de se ajustar para ficarem no plano. Continuando nas informações de Cao Wanru, retiradas do artigo ‘Mapas de há 2000 Anos e Regulamentos da Cartografia Antiga’, quem usou essas regras foi Jia Dan (730-805) ao compilar os mapas das prefeituras de Longyou e Shannan e realizar o Hai Nei Hua Yi Tu (Mapa dos Chineses e do Povo Bárbaro dos quatro mares), com 10 metros de comprimento e 11 de altura. A escala era de 1 cun (2,94 cm) para 100 li (sendo um li=18.000 cun) e representava uma área de 30.000 li de Leste a Oeste e 33.000 li do Norte até ao Sul, onde se apresentava a China e muitos outros Estados. As informações provinham dos enviados estrangeiros em visita à China e nesse mapa estavam anotados os nomes históricos desses Estados, províncias, prefeituras (zhou) e concelhos (xiàn), assim como as mudanças ocorridas nas áreas dessas jurisdições, marcando a negro as abolidas e em vermelhão os correntes nomes. Na dinastia Song do Sul (1127 a 1279) os cartógrafos e astrónomos chineses fizeram Di Li Tu, um planisfério em pedra com um dispositivo que apresentava um mapa dos céus para qualquer data e hora definidas e em 1136 um mapa, o Yu Ji Tu usando grelhas cuja escala era 100 li para cada lado do pequeno quadrado. CARTA NÁUTICA DE ZHENG HE Regressando ao livro Wu Bei Zi, nele se encontraram vinte mapas para a navegação de diferentes regiões e quatro cartas astronómicas, provavelmente concluídas em 1430 e realizadas nas viagens marítimas de Zheng He e daí conhecida como Carta Náutica de Zheng He. “Essas cartas de ‘levar as estrelas a atravessar os oceanos’ eram rectangulares, com o Norte em cima, o Sul em baixo, o Oeste à esquerda e o Leste à direita, desenhadas de forma muito aproximada às actuais. As 4 cartas continham, cada uma, o seu próprio título reportado à respectiva rota, legendas, anotações concisas sobre a sua utilização ao longo do percurso e os nomes dos astros e respectivas medidas em Zhi e Jiao, [para o cálculo angular da latitude dos lugares]. Registavam ainda textos com indicações úteis sobre as constelações desenhadas e as legendas complementavam-se. As estrelas ‘levadas’ apareciam ligadas por segmentos de recta nas margens da carta; tratando-se de duas estrelas ‘levadas’ o segmento de recta intersectava a linha que as ligava entre si. As medidas das estrelas ‘levadas’ registavam-se ao lado das respectivas ilustrações. O interior da carta era decorado com um navio de três mastros. O desenho das velas do navio correspondia à direcção dos ventos favoráveis às rotas de ida e regresso”, segundo Zheng Yi Jun. Nanjing era o ponto de partida nesses mapas, que assinalavam 56 rotas distintas a facilitar a navegação às embarcações de diferentes calados. Outras informações aí disponibilizadas eram, a duração do percurso de cada uma das rotas, a profundidade dos cursos de água e os obstáculos subaquáticos existentes. As viagens de Zheng He contribuíram muito para o desenvolvimento da ciência náutica astronómica, aumentando o rigor na definição da posição das embarcações num caminho abstrato entre a água e Tian, o Céu.
José Simões Morais Via do MeioAstronomia e Calendários (XIV-1) Após a fundação da dinastia Ming (1368-1644) foi promulgado o Calendário Da Tong (大统历), que apenas era uma simples revisão do Calendário Shou Shi (授时历, Narração do Tempo) formulado por o astrónomo Guo Shoujing (郭守敬, 1231-1316) e o matemático Wang Xun (王恂, 1235-1291) durante a dinastia Yuan (1279-1368). A série de observatórios astronómicos criados a partir do século VII na Ásia Central, Índia e na China, colocou em contacto astrónomos de diferentes culturas e filosofias, a trocar conhecimentos e leituras das observações, corrigindo ou confirmando os dados e na procura de um datum para os seus calendários. Já uma anterior grande reforma nos calendários da China ocorrera a partir do importante legado dado no ano 85 por Jia Kui (贾逵, 30-101) ao anunciar estar o ponto do solstício de Inverno distanciado 20,25° de φ (fi) Sagittarii. Pegou no diagrama das “Nove Passagens da Lua” de Lui Xiang e atribuiu-o à excentricidade do curso da Lua, dizendo o apogeu avançar 3° pelo mês anomalístico (tempo gasto por a Terra entre duas passagens sucessivas pelo mesmo ponto da sua órbita). Este datum significa serem necessários 9,18 anos para se percorrer um ciclo completo e o mês anomalístico ser de 27,55081 dias. Técnica a permitir uma exactidão sem precedentes. Zhang Heng (张衡, 78-140), servindo na corte da dinastia Han do Leste, ficou encarregue de fazer observações meteorológicas e astronómicas para aperfeiçoar o sistema no Si Fen Li (四分历, Calendário do Quarto que Sobra), calendário feito por Jia Kui e em uso desde o ano 85 até 263. Tinha esse nome pois baseado na duração de um ano solar de 365 dias e ¼ e inseria sete meses extra em cada dezanove anos. Continha cálculos precisos no período sinódico de Vénus, Júpiter, Mercúrio, Marte e Saturno, sendo a precisão para o de Mercúrio próxima à de hoje. Zhang Heng corrigiu em 123 o Calendário Si Fen para que coincidisse com as estações e sobre Astronomia escreveu o Ling Xian (A Constituição do Espírito). Acreditava ser o Universo infinito e os corpos celestes terem uma regularidade no seu movimento, a Lua reflectir a luz do Sol e o eclipse lunar ocorrer quando a Terra obstruía a luz do Sol. CALENDÁRIOS DA DINASTIA YUAN Na dinastia Yuan o território chinês expandiu-se para Oeste, abarcando as conquistas mongóis muitos territórios muçulmanos e além de muçulmanos trazidos do Médio Oriente, com eles chegou a cultura árabe, assimilada pela China mongol. O sistema do calendário árabe foi estudado pelos astrónomos chineses, quando em 1220 Yelu Chucai recompilara o Calendário “Hui Hui” (回回, povo muçulmano a viver na China) através dos estudos feitos no Observatório de Samarcanda e após revistos, passou a Calendário “Ma Ta Ba”, adoptado em 1236 pelos muçulmanos do Norte da China. Com intervenção preciosa na feitura desse calendário, o astrónomo persa Jamal al-Din ibn Mahammad al Najjari veio em 1267 para a China e ofereceu o “Calendário dos Dez Mil Anos” a Kublai Khan (1260-94), imperador mongol da dinastia Yuan entre 1279 e 1294, passando a ser este também calendário oficial. Guo Shoujing (郭守敬, 1231-1316) fundara no interior do Palácio Imperial em 1279 o Observatório Astronómico de Dadu (Beijing), e em 1283 tornou-se seu Director, tendo aperfeiçoado os relógios de água provenientes dos criados por Yi Xing e o engenheiro Liang Lingzan, assim como por Su Song. O monge budista, astrónomo e matemático Yi Xing (一行, 683-727) em 727 criara o Calendário Da Yan Li (大衍历) baseado no ciclo lunar-solar, a dar a duração de 88,89 dias para os seis termos do solstício de Inverno até ao equinócio da Primavera e 91,73 dias para o Sol percorrer o quadrante seguinte ao longo da eclíptica. Yi Xing em conjunto como o engenheiro Liang Lingzan (梁令瓒) “construíram no ano 725 o primeiro relógio mecânico do mundo, um relógio de água regulado por uma roda motriz que o punha em funcionamento. A roda motriz abria e fechava uma válvula fazendo com que o fluxo de água vazasse de modo constante. Este relógio de bronze apresentava um mapa celeste, mostrava as horas, a localização do Sol e da Lua e representava o movimento das constelações equatoriais. Já na dinastia Song, em 1088, Su Song (苏颂, 1020-1101) fizera um relógio de água e com ele construiu o Império Cósmico, o antepassado do computador, numa fusão de relógio de água, planetário e esfera armilar, iniciado em 1088 e concluído no ano de 1092. “Mecanismo com dez metros de altura, onde as rodas de escape, através de um fluxo de água constantes, giravam de modo a alimentar o relógio e o planetário, uma representação mecânica dos céus, enquanto a esfera armilar permitia calibrá-los através da observação do Sol e dos planetas.” Estava então o dia dividido em 12 shichen (时辰) e cada shichen tinha duas partes: a primeira chu (初) e a segunda zheng (正), passando assim o dia a ter 24 partes. A criação de um novo calendário foi entregue a Guo Shoujing e a Wang Xun, pois o cálculo das órbitas planetárias e a aplicação da astronomia esférica continuava a conter muitos erros. Serviram-se da Tabela Astronómica Il-Khanate, escrita em persa e terminada em 1272 pelo Observatório Astronómico de Malag, resultante da compilação dos estudos provenientes da antiga Grécia, Arábia, Pérsia e China. Esta foi a base para Wang Xun resolver os problemas matemáticos do novo Calendário “Shou Shi” feito em 1280, que adaptando no cálculo astronómico a fórmula trigonométrica da esfera do Calendário Hui Hui, juntou-a ao cálculo dos movimentos diários do sistema solar, referindo ser a duração do ano trópico de 365,2425 dias, um erro de 26 segundos para o actual. Guo Shoujing inventou um novo gnomo, chamando-lhe um definidor de sombra, pois facilitava a leitura da linha da sombra do Sol, confirmando estarem correctos os cálculos de Yi Xing sobre o movimento da eclíptica do Sol e a flutuação da sua velocidade aparente. Assim se fez a quarta grande reforma na história do sistema do calendário chinês. Os instrumentos astronómicos do Observatório Astronómico Zijin, num dos montes a Oeste da Montanha Púrpura (Zijinshan) em Nanjing, foram feitos na dinastia Yuan por Guo Shoujing e Wang Xun para o Observatório da capital Dadu (Beijing). Após a tomada do poder em 1368 por os Ming, foram eles transferidos para a nova capital, Nanjing. Em 1421, o terceiro imperador da dinastia Ming, Yongle (1402-24) retornou a capital (jing) para Norte (Bei), mas os instrumentos não regressaram, temendo-se trazer má sorte uma nova mudança. Daí serem feitos novos para o observatório construído em 1442 em Beijing. Em Nanjing encontram-se vários instrumentos astronómicos fundidos em bronze, entre os quais um gnomo e uma esfera armilar de 1437, mas inventada para determinar a posição dos corpos celestes por Luo Xia-hong à volta do ano de 104 a.n.E.. Numa placa, diz-se terem os instrumentos sido levados para Berlim pelas tropas dos Oito Aliados (britânicos, franceses, japoneses, americanos, russos, alemães, austríacos e italianos), após o fim da revolta dos Boxers e só retornaram à China passados vinte anos, em 1921, com a assinatura do Tratado de Versalhes.
José Simões Morais Via do MeioA Bússola Marítima (XIII) Criada a partir da bússola magnética, originária do século IV a.n.E., também a bússola marítima foi, na dinastia Song, uma invenção chinesa do século XI. Era uma bússola feita num vaso de madeira com água onde se encontrava a boiar um caniço atravessado por uma agulha magnética a apontar sempre a direcção Sul. Gravados no bordo superior do vaso encontravam-se num círculo as 24 direcções, determinadas segundo a ordem de Tian Gan (天干) (10 Caules Celestes), Di Zhi (地支) (12 Ramos (12 Ramos Terrestres), Ba Gua (八卦) (8 Trigramas), Wu Xing (五行) (5 Elementos) e entre os 12 Zhi (Ramos Terrestres) intercalam-se 8 Gan e 4 Gua. Assim se determinavam as posições das 24 direcções, cada uma separada por 15°. Explicação de Zheng Yi Jun dada n’ “As técnicas de navegação nas armadas de Zheng He e a sua contribuição para a ciência náutica”, de onde nos socorremos para este artigo. A teoria dos Cinco Elementos ((Wu Xing, 五行): Madeira (木, Mu), Fogo (火, Huo), Terra (土, Tu), Metal (金, Jin) e Água (水, Shui)) partiu da ideia das cinco direcções (Leste (东, Dong); Sul (南, Nan); Centro/Meio (中, Zhong); Oeste (西, Xi); e Norte (北, Bei)), que conjugados são a base da composição de todas as coisas. Os dez Caules Celestes (Tian Gan, 天干), combinação do yin e yang nos Cinco Elementos, dão: Jia (甲) Madeira, Leste – yang; Yi (乙), Madeira, Leste – yin; Bing (丙) Fogo, Sul – yang; Ding (丁) Fogo, Sul – yin; Wu (戊), Terra, Centro – yang; Ji (己) Terra, Centro – yin; Geng (庚) Metal, Oeste – yang; Xin (辛), Metal, Oeste – yin; Ren (壬), Água, Norte – yang; Gui (癸), Água, Norte – yin. Zheng Yi Jun refere, “Como Wu e Ji pertencem ao elemento Terra e a sua situação é, portanto, no centro, não indicando qualquer posição de direcção, desprezam-se, e daí serem utilizados apenas oito Gan (干) em vez dos dez.” Os doze Ramos Terrestres (Di Zhi, 地支): o rato Zi (子), Água, Norte, yang; o boi Chou (丑), Terra, Centro/NorteNordeste, yin; o tigre Yin (寅), Madeira, Leste/LesteNordeste, yang; o coelho Mao (卯), Madeira, Leste, yin; o dragão Chen (辰), Terra, Leste/LesteSudeste, yang; a serpente Si (巳), Fogo, Sul/SulSudeste, yin; o cavalo Wu (午), Fogo, Sul, yang; o carneiro Wei (未), Terra, Centro/SulSudoeste, yin; o macaco Shen (申), Metal, Centro/OesteSudoeste, yang; o galo You (酉), Metal, Oeste, yin; o cão Xu (戌), Terra, Centro/OesteNoroeste, yang; e o porco Hai (亥), Água, Norte/Nortenoroeste, yin; correspondem a 12 posições de direcção do círculo no Feng Shui, usando-se aqui o nome dos animais apenas a sintonizar o leitor ao reconhecê-los nos anos do calendário chinês. Serviam estes caracteres também para a marcação da duração do tempo que o Sol levava para dar uma volta à Terra. Quando o Sol se encontrava a Sul (180°) era a posição Wu, pelo contrário, quando se encontrava na posição 0/360°, era a posição Zi. Os caracteres ordenavam-se a partir de Zi, segundo o movimento dos ponteiros do relógio. Entre os 12 Zhi intercalavam-se 8 Gan (干) e 4 Gua (卦). “Para completar as 24 direcções, faltam as correspondentes aos quatro pontos colaterais (Noroeste, Nordeste, Sudeste e Sudoeste) designados com quatro posições de direcção de entre os 8 Gua (八卦): Qian (乾, simboliza o Céu), Gen (艮, montanha), Xun (巽, vento) e Kun (坤, Terra). As outras posições de direcção dos restantes 8 Gua são, Kan (坎, água), Li (离, o fogo), Zhen (震, o trovão) e Dui (兑, lago), a corresponder às posições de direcção Zi (Norte), Wu (Sul), Mao (Leste) e You (Oeste). Esta combinação deu as 24 direcções. AS 24 DIRECÇÕES Quando o Sol se encontrava na direcção Norte (0/360°) é a posição Zi (子, Água, Norte, yang), correspondendo também ao gua Kan (坎, água). Já na direcção Leste (90°) está Mao (卯, Madeira, Leste, yin), onde ainda se posiciona o gua Zhen (震, trovão). Com o Sol a Sul (180°) está a posição Wu (午, Fogo, Sul, yang) ocupada também por o gua Li (离, fogo). Na direcção Oeste (270°) está You (酉, Metal, Oeste, yin), posição de Dui (兑, lago) do baguá. Entre cada uma das quatro direcções cardinais estão registadas posições separadas por 15° e assim, após a direcção Norte nos 0° marcada por Zi (子), (Água, Norte, yang), aparecia nos 15° a posição de Gui (癸), (Água, Norte – yin), seguindo na posição 30° Chou (丑), (Terra, Centro NorteNordeste, yin). Vem depois a direcção do Nordeste, a 45° marcada por o gua Gen (艮, montanha). Aos 60° encontra-se Yin (寅), (Madeira, Leste/LesteNordeste, yang); aos 75° Jia (甲), (Madeira, Leste – yang); aos 90° na posição Leste, Mao (卯), (Madeira, Leste, yin), com o gua Zhen (震, trovão). A marcar os 105° aparece Yi (乙) (Madeira, Leste – yin) e aos 120° Chen (辰), (Terra, Leste/LesteSudeste, yang). Estando Jia entre Mao e Yin; Yi entre Mao e Chen; Jia e Yi, assim colocados, significam Madeira do Leste. A direcção Sudeste em 135° com o gua Qian (乾, Céu); na marca de 150° está Si (巳), (Fogo, Sul/SulSudeste, yin) e a 165°, Bing (丙), (Fogo, Sul – yang). A 180° Wu (午) (Fogo, Sul, yang) marca a direcção Sul, tal como o gua Li (离, fogo). Já Ding (丁), (Fogo, Sul – yin) está nos 195° e Wei (未), (Terra, Centro/SulSudoeste, yin) nos 210°. Bing situa-se entre Wu e Si; Ding encontra-se entre Wu e Wei. Bing e Ding, assim colocados, significam o Fogo do Sul. A 225°, direcção Sudoeste o gua Kun (坤, Terra); a 240° está Shen (申), (Metal, Centro/OesteSudoeste, yang); a 255° Geng (庚), (Metal, Oeste – yang); na direcção Oeste a 270° está You (酉), (Metal, Oeste, yin) e ocupando a mesma posição Dui (兑, lago) do bagua; a 285° encontra-se Xin (辛), (Metal, Oeste – yin); e a 300° Xu (戌), (Terra, Centro/OesteNoroeste, yang). Estando Geng colocado entre You e Shen e Xin entre You e Xu indicam o Metal do Oeste. A direcção Noroeste marcada nos 315° é conhecida por o gua Xun (巽, vento). Na seguinte posição, a 330° aparece Hai (亥), (Água, Norte/Nortenoroeste, yin); a 345° Ren (壬), (Água, Norte – yang); a 360° Zi (子) (Água, Norte, yang), que marca a posição Norte (0/360°); segue a 15° Gui (癸), (Água, Norte – yin) e a 30° Chou (丑), (Terra, Centro/NorteNordeste, yin). Ren colocado entre Zi e Hai, Gui, entre Zi e Chou, indicam a Água do Norte. Este tipo de bússola, embora denominada de 24 direcções, na prática tinha 48 direcções, pois divididos a meio os 15° tinha-se as direcções nos 7,5°. Utilizada para estabelecer “os rumos, se estes coincidissem com uma das 24 direcções da bússola, dava-se-lhes o nome de ‘rumo exacto’ ou ‘directo’. Se o rumo fosse definido numa posição não coincidente com uma das 24 direcções dava-se o nome de ‘rumos remendados’, significando uma direcção entre duas das 24.” A importância da bússola marítima ser lida com precisão e correctamente para manter inalterada a rota definida, exigia para as bússolas um quarto especial, denominado Zhen Fang, e um experiente marinheiro, o Huo Zhang, com a específica função de as observar e ver o rumo a seguir. Na dinastia Song, segundo Yan Dunjie, já as cartas de navegação indicavam as direcções da bússola marítima para levar a vários lugares, e daí chamadas Guias de Agulha, a significar ser um guia de navegação feito a partir da agulha magnética da bússola. Tinham registadas as direcções a tomar desde a saída do porto chinês até ao destino final e seu retorno, os tempos de navegação em cada direcção e quando na rota mudar de direcção. Assim, com céu limpo ou nevoeiro se conseguia ter sempre o posicionamento dos barcos através das cartas náuticas e a ajuda da bússola marítima ligada a um relógio de água.
José Simões Morais Via do MeioMonções e instrumentos de navegação (XII) A armada de Zheng He, ao atravessar os oceanos com a ajuda dos ventos das monções, conjugava Astronomia e o uso da bússola marítima combinando-as com as cartas de navegação aprimoradas ao longo das viagens. Deste modo conseguia-se definir com rigor a posição das embarcações e as direcções a seguir, e evitar os naturais obstáculos dos percursos. Os mapas e cartas utilizados por Zheng He partiam de Nanjing e registavam também a Geografia Física de 56 rotas distintas, com instruções sobre profundidade das águas, correntes, localização de bancos de areia, penedos e ilhas recifes e a linha de costa desenhada com povoações, portos, rios e silhuetas das montanhas, paisagens reconhecidas em milénios de visualizações. Assim, com céu limpo ou em nevoeiro se conseguia ter o posicionamento dos barcos através das cartas náuticas e a ajuda da bússola marítima ligada a uma esfera armilar com o mapa do Céu a ser movido por um relógio de água. No entendimento das correntes e dos ventos sazonais específicos a cada zona dos mares e oceanos encontrava-se as melhores rotas marítimas para circular em cada época do ano. Os ventos sazonais no hemisfério Norte, durante a monção de Verão sopram de Sudoeste entre Abril e Outubro, a permitir navegar desde os países do Sudeste Asiático para o subcontinente indiano, levando no Mar Arábico os barcos para Leste e no Mar Vermelho, para Sul. Para se apanhar esses ventos da monção, partia-se da China nos finais de Outubro e navegando no Pacífico para Sul, chegava-se em cinco, seis semanas ao Sudeste Asiático, mais propriamente a Sumatra (actual Indonésia), quando aí terminava a monção, ou a Malaca (Tailândia), onde as duas monções se encontram. Nos portos do Estreito de Malaca esperava-se a Primavera para retomar a navegação para Oeste. Já na monção de Inverno, entre Outubro e Abril, os ventos trazem a direcção de Nordeste e retorna-se da Índia para o Sudeste Asiático, ou leva-se os juncos à costa africana, possibilitando também a subida do Mar Vermelho. Na navegação usava-se relógios de água, ampulhetas com areia, ou a queima de paus de incenso, para medir o tempo e o dia estava dividido em 10 geng, conseguindo os barcos viajar 40 a 60 li [1 li ±. 0,5 km] por geng, isto é, 20 a 30 km em duas horas. Usual era medir-se o percorrido usando uma pessoa do barco e deitando à água uma fileira de tábuas, se a pessoa chegava primeiro era conhecido por ‘bu shang geng’, mas se o pedaço de madeira ganhava avanço era ‘guo geng’. A distância navegada podia ser determinada calculando a diferença entre essas medições e a estimativa do geng, segundo nos explica Zheng Yi Jun. A direcção da navegação da armada era na viagem guiada por a bússola e o geng (instrumento e unidade de medida de tempo e distância de viagem). Com céu limpo usava-se também a técnica da observação das estrelas ao longo do oceano para discernir melhor a posição do barco. As Cartas de Navegação de Zheng He continham compreensivas informações sobre Astronomia Náutica e registavam um amplo conhecimento do Céu. MEDIR ALTURA DOS ASTROS Fundamental para a navegação era o estudo do Céu e aliando o conhecimento dos astros ganhava-se uma orientação para quem cruzava os oceanos. De uma maneira primária e útil, o Sol ergue-se de Leste ao fazer nascer o dia e seguindo a abóboda celeste poe-se a Oeste, terminando assim o dia solar. À noite media-se pela altura das estrelas as distâncias, conjugando-as com os rumos registados nas cartas e nessa navegação astronómica a armada de Zheng He viajou entre continentes. O Mapa do Céu estava já bem desenvolvido no século IV a.n.E., quando Shi Shen (石申), que fixara 138 constelações e contara 810 estrelas e Gan De (甘德), que observara e fixara 118 estrelas e contara 511 estrelas em todo o Céu, registaram no livro Tianwen (天文, Astronomia, ou Modelo do Céu) a posição de 121 estrelas e as localizaram num anel armilar. Este foi aprimorado com outro anel no ano 84 por o astrónomo Jia Kui (贾逵, 30-101), a mostrar o movimento do Sol (a eclíptica) no Céu. A esfera armilar apareceu após o astrónomo Zhang Heng (张衡, 78-140) em 117 ter construído em bronze o Globo Celeste para mostrar os fenómenos astronómicos e nele gravou com precisão e nas proporções o Equador, os polos Norte e Sul e as estrelas, segundo as suas observações astronómicas e o ligou a um relógio de água, num mecanismo conduzido de forma ao globo rodar à medida do correr da água contra ele. No ano 125 acrescentou um terceiro anel à esfera armilar (浑天仪, Hun Tian yi) e o movimento interligado de cada, relacionado com os outros anéis, dava a posição esperada das estrelas a aparecer nos locais do Céu por onde se ia navegando. Assim se foram reconhecendo em diferentes localizações as estrelas e constelações, tal como as suas posições. A Estrela Polar guiava no hemisfério Norte, descendo no horizonte à medida da aproximação à linha do Equador e já no outro lado apareciam novas estrelas e constelações, onde dominava o Cruzeiro do Sul, a orientar os barcos no hemisfério Sul. O método mais utilizado na navegação oceânica da armada capitaneada por Zheng He era a orientação pelos astros e consistia no observar a altura da Estrela Polar para definir a posição das embarcações. Segundo Zheng Yi Jun, “A técnica de orientação pelas estrelas realizava-se através dum instrumento de observação chamado ‘Tábua de levar as estrelas’. Composto por 12 peças de tamanhos diferentes e de pau-preto, eram quadradas, sendo a maior [chamada de 12 Zhi] com 24 cm de lado, tendo a seguinte 22 cm, decrescendo sucessivamente dois centímetros até à peça menor que media 2 cm, [denominada 1 Zhi], havendo ainda uma peça de marfim com 6,66 cm de lado a que faltavam os quatro cantos.” (…) “Para usar a tábua, a mão esquerda segurava-a a meio de um dos lados, com o braço estendido, de modo a ficar num plano perpendicular em relação à superfície da água. O bordo superior da tábua colocava-se virado para a estrela em observação e o bordo inferior paralelo à linha de superfície do mar. Desta maneira, media-se a altura entre o astro e a superfície do mar. Conforme a altura do astro, escolhia-se de entre as tábuas até que uma delas tangesse o astro pelo bordo superior enquanto o inferior coincidia com a linha de superfície do mar. O número de Zhi da tábua utilizada equivalia à altura do astro. Se com uma tábua não se conseguisse a tangência, escolhia-se uma tábua maior. Observando-se através do seu bordo gravado em combinação com a utilização da peça de marfim [cujo comprimento dos seus lados era respectivamente ½, ⅛, ¼, ¾ do comprimento da peça com 1 Zhi do lado da ‘Tábua de levar da estrelas’] obtinha-se a medida angular (Jiao). Deste modo, conseguia-se o número Zhi e Jiao da altura do astro. [Um Zhi era dividido em 4 Jiao]. A utilização combinada das tábuas e da peça de marfim permitia a medição angular com precisão, até meio grau. Se o astro observado fosse a Estrela Polar, obtinha-se primeiro o número de Zhi que se convertia na medida angular. Deste modo se achava a latitude do lugar.” Já a técnica para calcular a profundidade do oceano era designada por ‘da shui’ e existiam dois métodos: o ‘xia gou’ e ‘yi sheng jie zhi’. O equipamento de medição não só calculava a profundidade como as condições à superfície, a determinar se era propício ancorar num determinado lugar, assim como avaliar as condições do chão do oceano.
José Simões Morais Via do MeioEunucos e Grandes Eunucos No reinado de Hongwu (1368-1398), o primeiro Imperador da dinastia Ming, os eunucos (Huan Guan, 宦官) a viver na corte apenas faziam o serviço de criados e tratavam do harém pois, castrados sem pénis e testículos, não podiam ter descendência, dando ao Imperador confiança para lhes permitir circular por todo o Palácio Imperial. No entanto, eram proibidos de estudar e ocupar lugares na Administração devido o Imperador conhecer a História ocorrida no passado, quando os eunucos detiveram grande poder e foram responsáveis pela queda de muitas das anteriores dinastias, como no caso do colapso da dinastia Song do Norte. Assim, o Imperador não deu nenhum estatuto aos eunucos, enquanto os oficiais civis e militares dominavam nos assuntos administrativos do país. Perante isso, desde 1382, com a queda dos mongóis no Yunnan, os inúmeros jovens novos eunucos foram para Beiping ao serviço de Zhu Di, então príncipe de Yan e aí, além de o ajudar nas lutas contra os mongóis, estudaram em conjunto com as crianças filhos desse príncipe e aprenderam sobre os principais assuntos da civilização chinesa. Após a morte de Hongwu, a situação dos eunucos na corte de Nanjing não mudou pois o novo Imperador Jianwen (1398-1402) continuou com a política do seu avô e então, estes uniram-se em torno de Zhu Di para o ajudar a conquistar o trono do Celeste Império. Com a vitória na guerra civil de quatro anos, Zhu Di tornou-se o Imperador Yongle e atribuiu-lhes lugares na Administração, o que irritou os mandarins. Elevou-os também a comandantes navais, dando aos que mais contribuíram para a sua vitória militar a posição de Grande Eunuco (太监, Tai Jian) e colocou-os a capitanear os grandes barcos do Tesouro que pretendeu enviar aos países e reinos do oceano Pacífico e Índico. Entre eles estavam Ma He (马和), que em 1404 tomou o nome de Zheng He (郑和), Wang Jinghong (王景弘), Hou Xian (侯显), Hong Bao (洪保), Li Xing (李兴), Zhou Wen (周文), Yang Qing (杨庆) e Fei Xin (费信). Hoje pouco se sabe sobre a maioria destes, pois os documentos desapareceram, tal como foram destruídos os das sete viagens marítimas capitaneadas por Zheng He. GRANDES EUNUCOS (太监, Tai Jian) Ma He nasceu no ano de 1371 na aldeia Hedai em Baoshen, prefeitura de Kunyang (actual Jinning), a 30 km a Sul de Kunming, capital da província de Yunnan. A história da sua família está escrita na pedra tumular que mandou erigir em 1411, após o regresso da sua terceira viagem marítima, quando com a alta patente de Grande Eunuco voltou à terra natal. A família de apelido Ma emigrara para a China em 1070 durante a Dinastia Song e o seu antepassado Sayid Ajall Shams al-Din Omar (1211-1279), descendente de uma família nobre muçulmana de Bucara (Bukhara, actual Uzebequistão), tornou-se oficial de alta patente do exército mongol durante a dinastia Yuan, sendo a sua participação importante para capturar Xianyang, o que levou Kublai Khan em 1274 a enviá-lo como Governador para Yunnan. Tal como os antepassados, o avô e pai de Ma He professavam a religião islâmica e realizaram a peregrinação a Meca (Tianfang), ficando por isso com o título honorífico de Hazhi e daí o seu pai Milijin ter mudado o nome para Ma Haji, sendo então um oficial rural Yuan na província de Yunnan. Ma He (mais tarde Zheng He/Cheng Ho em cantonense) nascera já na dinastia Ming e pertencia à sexta geração descendente de Sayid Edjell. A sua experiência de navegação ocorreu ainda na cidade de Kunyang, situada na margem Sul do lago Dianchi, cujo perímetro de 250 km proporcionou desde tenra idade a San Bao (nome por que era conhecido) um contacto com os barcos pois aí havia um porto de pesca e de mercadorias. Em 1382, o exército Ming conquistou a província de Yunnan aos mongóis e os homens muçulmanos com eles ligados foram mortos, enquanto as crianças e jovens foram castrados, sendo levados para servir como eunucos na corte imperial. Tal ocorreu a Ma He quando tinha 12 anos, seguindo para Beiping onde ficou ao serviço do príncipe de Yan, quarto filho do Imperador Hongwu. Devido às qualidades e inteligência estratégica, Ma He prestou grande apoio militar na guerra a Norte contra os mongóis e na invasão e conquista ao Imperador Jianwen de Nanjing em 1402. Bem-sucedido, Zhu Di já como Imperador Yongle, mudou em 1404 o nome do amigo para Zheng He e promoveu-o a chefe dos eunucos, entregando-lhe a gestão dos assuntos gerais do Palácio Imperial e pouco depois, nomeou-o Almirante da armada para realizar as viagens ao Mar do Ocidente. Outro eunuco com a posição de Tai Jian foi Wang Jinghong (王景弘, 1356?-c.1434), nascido na aldeia de Xiang Liao, distrito de Chi Shui, prefeitura de Zhang Ping na província de Fujian. Entrou ao serviço da corte Ming no reinado do Imperador Hongwu e entre 1399-1402 também ajudou Zhu Di a chegar ao trono, sendo um bom comandante militar e por isso o Imperador Yongle, mostrando grande agradecimento nomeou-o em 1405 subcomandante de Zheng He na primeira expedição. Na segunda viagem, no Sri Lanka ofereceu sacrifícios no Templo Li Fo, onde deixou um bei (estela). Já no regresso da terceira viagem, em 1409 esteve em Malaca onde construiu a muralha e a feitoria. Para além de participar nas sete viagens marítimas da armada de Zheng He entre 1405-33 [há quem refira ter apenas feito a 1.º 2.º 3.º 4.º e 7.º] realizou em 1434 uma outra viagem a Sumatra, mas no caminho, num naufrágio faleceu com 78 anos, sendo sepultado em Semarang na ilha de Java. Já Hou Xian (侯显, 1365-c.1438) nascido em Taozhou (hoje Lintan, província de Gansu) pertencia ao grupo tibetano Zang (藏) e tinha treze anos quando em 1378 o exército Ming foi enviado para reconquistar a zona e capturado foi castrado, seguindo como eunuco para servir na corte Ming. Em 1403, com a posição de shaojian (少监) o Imperador escolheu-o como emissário para ir à área de Tufan (吐蕃) habitada por o povo Zang e na zona de WuSiZang (乌思藏) convidou HaLiMa (哈立麻), Deshin Shekpa (1340-1415), Quinto Lama Karmapa Gyalwa, líder espiritual da Escola Kagyu do Budismo Tibetano, para ir à capital. Chegaram a Nanjing no 12.º mês de 1406, quarto ano do reinado do Imperador Yongle, e no segundo mês de 1407 foi realizada uma grande festa onde o Imperador deu a HaLiMa o título DaBaoFaWang (大宝法王), ficando na posição de Grande Rei do Tesouro dos Ensinamentos do Budismo Tibetano em toda a China. Devido ao bom trabalho realizado, o Imperador elevou Hou Xian ao posto de Tai Jian (Grande Eunuco), posição com que participou na 2.ª viagem marítima de Zheng He e na 3.ª expedição foi nomeado por Yongle como um dos três comandantes da armada, a par com Zheng He e Wang Jinghong. Os Registos Históricos da dinastia Ming compilado na dinastia Qing falam dele na secção Hou Xian Zhuan, sendo com Zheng He os dois únicos eunucos aí referidos. Após regressar da terceira viagem marítima, o Imperador ordenou a Hou Xian na Primavera de 1413 ir a Di Yong Ta (地涌塔) e a Ni Bala (尼八剌, Nepal), cujo Rei ShaDeXinGe (沙的新葛) enviou um emissário à corte Ming com prendas, sendo reconhecido e aceite por o Imperador como Rei tributário. Já no décimo terceiro ano de Yongle, ano Yi Wei (乙未), no sétimo mês lunar de 1415 foi Hou Xian enviado a Bengala (Bang Ge la), tendo o Rei (赛佛丁, SaiFoDing) ficado muito contente e enviado muitas prendas e uma girafa como tributo. Em 1420 voltou a Bengala para tentar terminar com a guerra que o Sultanato de Delhi aí travava, conseguindo estabelecer a paz. Em 1427, o Imperador Xuande (1426-1435) enviou-o a WeiZang (卫藏, Tibete antigo) para fortalecer as relações políticas, económicas e comerciais dessa área com a dinastia Ming. Em 1430, Hou Xian apelou ao Imperador para ir à terra natal Taozhou e construir um templo aos antepassados da família Hou (Hou Jia si). Aí se encontra sepultado. Outro Grande Eunuco comandante de esquadras foi o muçulmano Hong Bao (洪保 1369-?), e tal como a maioria, também a sua vida não aparece referida nos livros de História da China.
José Simões Morais Via do MeioSexta Viagem Marítima de Zheng He (IX) Zhu Di (1360-1424), como príncipe de Yan, governara Beiping desde 1380, quando as fronteiras do Norte se encontravam ameaçadas por constantes investidas dos mongóis, tendo-os vencido em 1390, após dez anos de duros combates. Conquistando ao seu sobrinho, o imperador Jianwen (1398-1402), Nanjing, a então capital da dinastia Ming, em 1402, Zhu Di tornou-se imperador e logo começou a pensar mudar-se para o Norte, devido à estratégica posição. Em 4 de Fevereiro de 1403, já como Imperador Yongle, proclamou passar Beiping a chamar-se Beijing (Capital do Norte), mobilizando mais de 136 mil famílias de Shanxi para aí irem viver. A construção da nova capital começou em 1406, usando partes de Dadu, a capital da anterior dinastia mongol Yuan, e foi planeada com três partes: a Cidade Proibida onde se situava o Palácio Imperial, a Cidade Imperial, local desde a Porta Wumen até à Porta Qianmen e a Cidade Interior. Beijing originariamente tinha vinte portas, nove das quais para a cidade interior, sete nas muralhas da cidade exterior e quatro para a Cidade Proibida. Cada porta tinha a sua função, sendo a Desheng para receber as tropas que regressavam vitoriosas e a Anding de onde partiam as expedições militares. Em 1407 iniciou-se a edificação do Palácio Imperial, com a ajuda de 230 mil trabalhadores especializados, entre habitantes locais e de todas as zonas do país. A Cidade Proibida tinha um perímetro de três quilómetros com um diâmetro no eixo Norte-Sul de 760 metros e de Oeste para Leste de 766 metros. Rodeada por muros com 7,9 metros de altura e um fosso na parte exterior a toda a volta, na parte Sul situavam-se os pavilhões onde o Imperador trabalharia nos assuntos do Estado e realizaria as cerimónias e na parte Norte, a zona da residência do Imperador, da esposa e concubinas. Na Cidade Interior foi na altura edificado o Templo do Céu, Tiantan, onde inicialmente eram venerados o Céu e a Terra. Enquanto prosseguiam as construções na cidade de Beijing, o Imperador Yongle mandou reparar e dragar o Grande Canal para o tornar mais largo à navegação e facilitar o transporte dos cereais da zona de Jiangnan, o celeiro da China, de Hangzhou até à nova capital, ficando essa obra terminada em 1415. Também a Grande Muralha foi reforçada para proteger o território Ming dos mongóis, que tinham retornado às suas estepes. A transferência da capital de Nanjing para Beijing realizou-se no primeiro dia da primeira lua de 1421, mas no dia 8 da 4.ª lua desse mesmo ano Xin Chou (辛丑), 19.º ano do reinado de Yongle, devido a uma trovoada três pavilhões da Cidade Proibida arderam, tinha já a armada partido para a sexta viagem marítima de Zheng He. Alguns oficiais criticaram junto do Imperador as expedições considerando ser o incêndio um sinal divino. VIAGEM de 1421 a 1422 Na quinta viagem marítima vieram dezasseis embaixadas da Ásia e África que chegaram a Nanjing no 7.º mês lunar do ano 17.º de Yongle (ano Ji Hai 己亥), 8 ou 17 de Agosto de 1419, mas como desde 1417 o Imperador aí não voltou, foram pelo Grande Canal levados até Beijing por Zheng He. Sem fazer trasfega, os tributos prosseguiram no segundo maior junco da armada, o barco cavalo, assim chamado por ser muito rápido devido aos oito mastros e dez velas, que não entrou no Rio Yangtzé, mas por mar foi até Tianjin, passando só aí a navegar no Grande Canal para percorrer a última etapa até à capital. No oitavo mês lunar os enviados de Ormuz (Hulumosi), Zufar (Zufa’er em Omã), Adem, Mogadíscio, Zheila (Ra’s), Brava (Bu-la-wa), Cambaia (Khanbayat), Calicute (Guli), Cochim (Kezhi), Jiayile (Kayal no Sul da Índia), Ganbali (Sudoeste da Índia), Ceilão (Xilanshan), Lambri, Aru (Haru), Semudera e Malaca (Manlajia) foram recebidos por o Imperador em Beijing. No 18.º ano de governação de Yongle, ano Geng Zi (庚子), em 1420 o Imperador mandou o Grande Eunuco (Tai Jian) Hou Xian (侯显, 1365-c.1438) ao Golfo de Bengala para tentar terminar com o conflito e estabelecer a paz entre o Sultanato de Delhi e o reino tributário da China de Bengala (Bang Ge la), assim como levar de volta os enviados do Sudeste Asiático, onde se encontrava o Sultão de Malaca Megat Iskandar Shah e família. Já os embaixadores provenientes dos reinos do Mar Arábico e África de Leste esperaram quase dois anos para serem enviados aos seus países, pois a ordem imperial para a sexta viagem marítima de Zheng He só foi dada na Primavera do ano 19.º de Yongle (ano Xin Chou, 辛丑, 1421), 3 de Março de 1421, após a inauguração da nova capital. O Grande Almirante foi então despachado com cartas imperiais e prendas para os governantes desses países. Zheng He navegando pela costa do Sudeste da China chegou ao porto de Vijaya no Zhancheng, de onde enviou uma pequena frota ao Sião (Xian lu) com o recado para o Rei tai deixar em paz o reino de Malaca, enquanto a armada seguiu com destino a Malaca, e daí para a ilha de Sumatra, visitando os reinos de Lambri, Aru e Semudera. Em Semudera a armada foi dividida em quatro esquadrões, sendo o de Zheng He (郑和) o mais diminuto, enquanto os outros três, um comandado por o Grande Eunuco Hong Bao (洪保), o outro por o Grande Eunuco Zhou Man (周满), a liderar a frota com três juncos do tesouro a Adem, onde seguia Li Xing e o terceiro, comandado por um outro Grande Eunuco, Zhou Wen (周文), do qual na China não há já nenhuma referência, terá ido a Cambaia (Khanbayat). Todos estavam incumbidos de transportar os embaixadores de retorno às suas terras. No Ceilão (hoje Sri Lanka) os esquadrões separaram-se, seguindo Zheng He para o Sul da Índia, Jiayile, Cochim, Ganbali e Calicute. Hong Bao viajou por Liushan (ilhas Laquedivas e Maldivas, esta governada por um sultão somali da dinastia Hilaalee conectado a Mogadíscio) para chegar ao Golfo Pérsico e deixar em Ormuz o enviado, dirigindo-se depois a Mogadíscio, onde se encontrou com o esquadrão de Zhou Man que vinha de Jedá, seguindo depois para Brava, Melinde e Mombaça, na costa Oriental de África. O Grande Eunuco Zhou Man, que liderou o esquadrão com três juncos do tesouro, foi à Arábia, passando por Dhofar (Zufa’er) em Omã e pela costa de Hadramaut no actual Iémen foi a LaSa, dirigindo-se depois ao porto de Adem, onde ofereceu ao Rei vestes e barrete de Oficial chinês. Tal visita ficou registada no livro Yingya Shenglan (瀛涯胜览) [Visão em Triunfo no Ilimitado Mar] escrito por Ma Huan (1380-1460). Daí foi a Jedá e no regresso passou por Socotra, por Zheila (Saylac), já na costa Somali, seguindo até Mogadíscio, onde se encontrou com o esquadrão comandado por Hong Bao. No regresso, atravessando o Oceano Índico vários esquadrões agruparam-se em Calicute e a armada reuniu-se toda em Semudera, visitando depois o Sião e em Palembang (Jiugang) Zheng He decretou que Shi Erjie, segunda filha de Shi Jinjin e neta de Jinqing, sucedesse na posição de administrador de Jiugang a representar o Imperador Ming. Esta foi a mais curta de todas as viagens marítimas de Zheng He, tendo feito o mesmo percurso do da quinta viagem. A armada chegou a Nanjing no 8.º mês lunar do ano 20.º de Yongle (ano Ren Yin 壬寅, 1422) [3 de Setembro de 1422], trazendo enviados do Sião, Semudera, Adem e outros países que mandaram produtos locais como tributo. Os enviados estrangeiros foram via terra ou por o Grande Canal até à corte de Beijing em 1423.
José Simões Morais Via do MeioQuinta viagem de Zheng He (VIII) Quando Zheng He regressou a Nanjing da quarta viagem marítima, o que ocorreu na 7.ª lua do 13.º ano de Yongle (ano Yi Wei, 乙未), 12 de Agosto de 1415, trouxe consigo muitos enviados dos países visitados, para além de Sekandar, o usurpador do poder no Sultanato Pasai de Samudera. Mas o Imperador Yongle encontrava-se fora, pois tinha ido ao Norte, à Mongólia, combater pela segunda vez no seu reinado os mongóis e apesar de ter saído vitorioso ainda não regressara à capital, chegando apenas a 14 de Novembro de 1416. À sua espera encontrou embaixadores de 18 ou 19 países e reinos, da Ásia [Champa, Pahang, Java, Palembang (Jiugang ou Jugang), Malaca, Samudera, Lambri, Ceilão, ilhas Maldivas, Cochim, Calicute, Shaliwanni (local indeterminado)], da Península Arábica [Ormuz, Ash-Shiher (La Sa ou Las’ã) na costa de Hadramaut no Iémen, Adem] e de África [Mogadíscio, então no seu apogeu económico e Brava (Bu-la-wa, ou Barawa, cidade na costa da Somália com bom porto e muita actividade comercial, antiga capital do Sultanato de Tunni (século IX-XIII), e pertencia então, a par com Mogadíscio, ao Império Somali de Ajuran) e Melinde (actual Quénia, que na quarta viagem quando a frota chinesa aí passou em 1414, o governante enviara uma girafa)]. Na corte Ming foram recebidos com uma grande cerimónia realizada a 19 de Novembro de 1416, oferecendo o Imperador prendas a cada um. O enviado do Raja de Cochim (Kezhi) teve um tratamento especial por ser esse reino tributário desde 1411 da China e o Raja requeria ao Imperador que o nomeasse ministro seu subordinado e o investisse como Rei, pedindo o selo oficial como representante de Yongle. O Imperador concedeu-lhe tais desejos e enviou-lhe uma carta onde atribuiu a Cochim o título . Também Megat Iskandar Shah (母干撒于的儿沙, Mu-Gan Sa-Yu-De-Er Sha ou Xá Muhammad) aqui viera para comunicar ao Imperador ter o seu pai, o Rei de Malaca Parameswara, conhecido em chinês por Bai-Li-Mi-Su-La (拜里迷苏剌), falecido em 1414. Nesse mesmo ano de Jia Wu (甲午), 12.º ano do reinado de Yongle, embarcara para a China, segundo refere o Registo Histórico da dinastia Ming compilado na dinastia Qing, mas Fei Xin (费信) no seu livro Xingcha Shenglan (星槎 胜览) diz ter o Xá (Shah) ido à China no 13.º ano de Yongle. Quando foi recebido, o Imperador nomeou-o Rei de Malaca. A despedida aos enviados realizou-se na corte Ming a 28 de Dezembro de 1416 onde receberam de Yongle túnicas de seda. No mesmo dia, Inverno do 14.º ano de Yongle (1416, ano Bing Shen, 丙申), o Imperador ordenou a realização da quinta viagem, instruindo Zheng He a escoltar os enviados dos 18 estados asiáticos e africanos no regresso às suas terras. Tinham vindo à corte Ming apresentar tributos e aqui estavam há quase ano e meio. O Imperador entregou ao Almirante cartas imperiais e prendas para levar aos governantes por onde a viagem iria passar. VIAGEM entre 1417 e 1419 No 15.º ano de Yongle (ano Ding You, 丁酉, 1417) saiu do porto de Liujia, em Taicang, a armada capitaneada por Zheng He com a missão de se dirigir ao Oeste. Primeiro passou por Quanzhou, onde o Almirante visitou a cidade fundada em 711 no reinado da dinastia Tang. Fora um notável porto na costa de Fujian, ponto de partida da Rota Marítima da Seda e rapidamente se tornara na China um dos quatro mais florescentes no comércio com o estrangeiro. Atingira o apogeu na dinastia Song, mantendo-se como principal porto durante a dinastia Yuan e contou com uma grande comunidade muçulmana até perder em dez anos toda a sua influência devido à rebelião muçulmana Ispah (1357-1366). O porto entrou em declínio e na dinastia Ming estava ligado exclusivamente às trocas com as Filipinas. No 16.º dia do 5.º mês do 15.º ano de Yongle (31 de Maio de 1417) Zheng He em Quanzhou foi ao Templo da deusa Mazu, naquele tempo chamado Tian Fei Gong e hoje com o nome de Tian Hou, no monte Jiuri e queimando incenso pediu à divindade protecção para lhe conceder uma viagem segura. No monte Ling no Cemitério Islâmico (ShengMu) encontra-se a estela XingXiang mandada erigir por Pu Heri (蒲和日), oficial que viajava na armada e onde está referido ter o Imperador enviado Zheng He em missão diplomática a Ormuz e a outros países. Com a mesma narrativa, outra estela (bei) ligada à quinta viagem marítima e agora desaparecida, encontrava-se na ponte Wuwei (无尾), onde se situava o porto Xunmei (浔美) junto ao monte Longtou e nela estava referido no 17.º dia do 5.º mês o Tai Jian [Grande Eunuco] Zheng He ter aqui permanecido para segurança da armada devido aos ventos fortes. Nos anos 70 do século XX, o local do porto desapareceu devido aos aterros, tal como o bei, que também fora mandado fazer por Pu Heri. Zheng He em Quanzhou embarcou muita porcelana para as trocas e prendas e seguiu viagem. Em Vijaya (Qui Nhon) a armada dividiu-se, uma frota foi à ilha de Java e a Palembang, em Sumatra, e o grosso da armada seguiu para Malaca. Daí passou ao Ceilão onde novamente se separou, indo uma frota directamente para a costa africana, passando ao Sul das ilhas Maldivas e chegou à costa da Somália (no Corno de África). Já a armada navegou ao longo da costa indiana, passando por o importante porto de Cambaia (Khanbayat, actual Guzerate no Noroeste da Índia, cujos mercadores tinham então relações privilegiadas tanto com Adém como com Malaca) e na Península Arábica foi a Ormuz, atingindo Oman. Aí a armada voltou a dividir-se, rumando uma frota para o Mar Vermelho e ainda na costa Arábica visitou Las’ã [Ash-Shiher, um dos portos mais antigos e importantes do Iémen, ao qual Duarte Barbosa se referiu: “uma vila de mouros que chamam Xaer e pertence ao reino de Fartaque. Lugar em que há grandes quantidades de mercadorias, (…) muito bons cavalos que na terra há, os quais cavalos são muito maiores e melhores que os que vêm de Ormuz. Também na terra nasce muito incenso e há muito trigo, carnes, tâmaras e uvas. É este porto de mui grande escala de muitas naus e nasce aqui tanto incenso que se leva para todo o mundo.” Shiher era a capital de um pequeno sultanato e o principal porto da costa de Hadramaut, a meia distância entre Adem e o cabo Fartaque, (actual Oman).] No Sultanato do Iémen reinava Al-Malik al Nasir da dinastia Rasulid e talvez tenha sido Zheng He quem entre 30 de Dezembro de 1418 e 27 de Janeiro de 1419 esteve em Las’ã (La Sa) para trazer de volta o enviado iemenita Kadi Waqif ad-Abdur Rahman bin Zumeirem. A frota chegou nos últimos dias de Janeiro a Adem e foi a Ta’izz [capital do Sultanato do Iémen na dinastia Rasulid] de onde saiu depois de 19 de Março e seguiu para Jedá, na costa do Mar Vermelho [actual Arábia Saudita]. De Oman a armada continuou para Mogadíscio, para se juntar à que tinha navegado directamente do Ceilão, passando primeiro por a ilha de Socotorá (à entrada do Mar Vermelho). Em Mogadíscio, nessa altura no apogeu económico e comercial, reinava então a dinastia Ajuran, uma monarquia islâmica cujo íman enviou como embaixador à China Sa’id para estabelecer relações diplomáticas e como tributo levou ouro, incenso e tecidos, assim como um leão, hipopótamos, girafas e gazelas, estes três talvez tenham seguido na viagem seguinte. De Mogadíscio chegaram a Mombaça, depois de ir a Melinde levar o embaixador. A viagem terminou em Nanjing no 7.º mês lunar do ano 17.º de Yongle (ano Ji Hai 己亥, 8 ou 17 de Agosto de 1419) e trouxe dezasseis embaixadas cheias de prendas e um grande número de animais enviados tanto da Ásia como da África, sendo recebidos um mês depois por o Imperador, mas não em Nanjing pois este desde 1417 aí não voltou. Entre eles estava o Sultão de Malaca Megat Iskandar Shah, sua esposa e filho, que voltava pela segunda vez à corte Ming para pessoalmente apresentar tributo a Yongle e queixar-se da invasão de Malaca por o Reino do Sião. Esta fora a maior de todas as viagens feitas por Zheng He e em sinal de gratidão, por o envio dos seus representantes, os governantes ofereceram como tributos um grande número de animais exóticos. Ormuz deu um leão, um leopardo e rinocerontes, tendo Brava oferecido camelos dromedários e avestruzes e Adem uma girafa. Vieram também zebras e antílopes, além de outros animais de Java e Calicute como tributo ao Celeste Império.
José Simões Morais Via do MeioQuarta viagem marítima de Zheng He (VII) Malaca fundada em 1400 por o príncipe hindu Parameswara, quando o moribundo império de Majapahit (Java) e o Reino do Sião reclamavam suserania sobre a Península Malaia, era ainda uma aldeia de pescadores na altura da visita do eunuco Yin Qing nos princípios de 1404. Parameswara, que procurava desenvolvê-la como centro comercial devido à posição privilegiada no Estreito de Malaca, logo aproveitou a oportunidade para pedir o reconhecimento da sua independência e colocar-se sobre a protecção do Imperador Ming. Malaca pagava então um anual tributo de 40 taéis de ouro ao vizinho Reino do Sião para ser protegida e estar a salvo dos ataques dos siameses e javaneses. Yin Qing, que partira da China na 10.ª lua do primeiro ano do reinado do Imperador Yongle, (1403, ano Guiwei, 癸未) com a missão de ir à Índia, já visitara Java e Palembang quando chegou a Malaca, onde anunciou o reinado do novo Imperador e daí partiu para Calicute (Guli) e Cochim (Kezhi). No regresso fez uma nova paragem em Palembang, na ilha de Sumatra, onde embarcou um representante do rei, assim como de Malaca levou uma delegação para ir à corte Ming pagar tributo e ficar sobre protecção da China. A segunda viagem de Yin Qing, iniciada na 9.ª lua do terceiro ano do reinado de Yongle (ano Yiyou 乙酉, 1405), trouxe de regresso os embaixadores de Palembang e de Malaca, onde foi deixada uma estela. Assim, Zheng He na sua primeira viagem marítima em vez de ir a Malaca seguiu para o reino do Sião (XianLo, Tailândia) a fim de tratar da segurança do novo protecturado e avisar o rei do Sião estar Malaca sob protecção do Imperador da China. Segundo alguns investigadores, o Rei de Malaca Parameswara terá visitado a China quando embarcou com Zheng He durante a terceira viagem marítima no final de 1410 e em Nanjing chegou no 6.º mês do 9.º ano de Yongle [ano Xin Mao (辛卯), 1411], sendo muito bem recebido por o Imperador Yongle. Após dois meses, na 9.ª lua embarcou de novo com Zheng He para o Reino de Malaca. Mas Zheng He só partiria para a quarta viagem marítima nos finais do ano de Gui Si (癸巳), 11.º ano de Yongle (1413) e como os dois meses de estadia de Parameswara na China acertam com o período de chegada da segunda viagem no final do Verão de 1409 e a partida para a terceira viagem no nono mês (9 de Outubro a 6 de Novembro de 1409, ano Jichou, 己丑), daí resulta ser a hipótese mais acertada a da segunda viagem. Estando registado ter sido Zheng He a levar de volta Parameswara para Malaca, tal anula a hipótese de ter sido o eunuco Hong Bao, enviado em 1412 por o Imperador Yongle como embaixador ao Sião, expedição ocorrida entre a terceira e quarta viagem marítima de Zheng He. Após a terceira viagem, não foi mais a razão que motivara as três primeiras expedições de procurar o deposto Imperador fugitivo Jianwen. Desde então estavam as rotas marítimas bem estudadas através da confirmação de anteriores conhecimentos como, o determinar geograficamente a latitude através da altitude das estrelas, o reconhecer-se de novo os locais dos baixios e rochedos, o confirmar das correntes e dos ventos sazonais específicos a cada zona daqueles mares. A chegada à China de “inúmeros mercadores estrangeiros com produtos exóticos e de luxo, motivaram uma nova dinâmica económica, tanto em relação às viagens imperiais como, para a população, agora autorizada e estimulada a dedicar-se ao comércio, numa tentativa para resolver a crise financeira”, originada pelos gastos das dispendiosas viagens marítimas, da mudança da capital de Nanjing para Beijing com a construção do Palácio Imperial e o reparar do Grande Canal. ATÉ À COSTA DE ÁFRICA Os Registos Históricos da dinastia Ming compilados na dinastia Qing referem ter o Imperador, no dia 15 do 11.º mês lunar do décimo ano do seu reinado [Ren Chen (壬辰), 18 de Dezembro de 1412], dado ordem a Zheng He para realizar a sua quarta viagem marítima e visitar Malaca, Java, Champa, Sumatra, Aru, Cochim, Calicute, Lambri, Pahang, Kelantan, Kayal, Ormuz, Maldivas, Laquedivas e outros locais. Mas essa viagem só começaria no ano seguinte, no Inverno do 11.º ano de Yongle em 1413. Antes de Zheng He partir, largara já em Fevereiro de 1413 uma pequena armada comandada por Wang Jinghong e Hou Xian, dois Grandes Eunucos (Tai Jian) subcomandantes das expedições anteriores, que seguiram para o Golfo de Bengala devido ao vassalo sultão Giyassudin Azam ter morrido em 1412. Estando o Sultanato de Bengala sem governante, vinham eles como representantes do Imperador Yongle para dar aval à sucessão do filho do sultão. Depois, Wang Jinghong foi para Sumatra e daí navegou directamente seis mil quilómetros sem escalas até Mogadíscio, na costa Oriental de África, onde se juntou à armada, sendo acompanhado por Fei Xin, outro dos subcomandantes de Zheng He da primeira viagem. Já o eunuco Hou Xian ficou em Bengala onde conseguiu adquiriu uma girafa oferecida por um governante de Melinde, cidade-Estado na costa Oriental africana, ao Reino de Pegu, vassalo do Sultanato de Bengala, como prova de gratidão aos excelentes pilotos bengalis. Nesse entretanto, Zheng He foi a Xian, província de Shaanxi, onde na mesquita Yangshi convidou o íman Ha San para ser tradutor, pois o destino final dessa sua viagem era os países da Arábia. Antes de partir, Zheng He pediu ao Imperador para mandar construir o Palácio Tian Fei em Changle, Fujian. A armada de 63 barcos e 28560 homens capitaneada por Zheng He partiu do estuário do Rio Yangtzé no Outono do 11.º ano do reinado de Yongle, (ano Gui Si, 癸巳, 1413) e navegando pela costa de Fujian chegou a Vijaya (Qui nhon, porto no reino hinduísta de Champa, conhecido em chinês por Zhancheng, na costa central do Vietname), onde se dividiu. Uma frota partiu para Palembang (conhecida por os chineses por Jiugang, ou Jugang) e voltando-se a dividir, seguiu uma para Surabaya e outra para Malaca, onde se encontrou com a que tinha partido de Vijaya. O eunuco Ma Huan (1380-1460) esteve em Malaca e reportou ao Imperador Yongle ter a cidade se convertido em 1413 ao Islão. De Malaca passou a armada por Samudra (Aché, na ponta setentrional de Sumatra) e Ceilão, e contornando as ilhas Maldivas foi a Calicute (Guli). De Angediva (ilha em frente a Goa, Índia) partiu para a península Arábica e para as costas Orientais de África. Outra frota navegou sempre junto à costa e chegou a Ormuz, na altura o porto principal de comércio na península Arábica. Depois, dirigiu-se para Hadramout, na costa do Iémen, ancorando em Adem, após ter sobrevivido a uma enorme tempestade, a maior e mais violenta de todas as que foi confrontado. De Adem entraram pelo Mar Vermelho atingindo Jidda e depois um porto egípcio. Daí vão a Mogadíscio, onde se encontrou com a frota comandada por Wang Jinghong, e de Brava (Bu-la-wa, na actual Somália) chegaram a Kilwa, partindo para Sofala. O eunuco Hou Xian, regressado da visita ao [antigo] Tibete (卫藏), fronteira com o Nepal, em 1415 passou por Bengala para agradecer a oferta da girafa, que só foi entregue ao Imperador Yongle a 16 de Novembro de 1416 e como esta se parecia com o mitológico animal chinês qilin, foi considerada um sinal do Céu e a aprovação para a transferência da capital de Nanjing para Beijing. Na viagem de regresso, Zheng He ao passar pelo Sultanato Pasai de Samudera, porto muçulmano na costa Norte de Sumatra, encontrou no poder Sekandar, irmão mais novo do sultão Zain Al-Abidin, e estando o reino sobre protecção chinesa, o Almirante derrotou o usurpador e as suas forças, terminando com a revolta, levando Sekandar para a China a fim de ser presente ao Imperador. A armada chegou a Nanjing na 7.ª Lua do 13.º ano de Yongle (Yi Wei, 乙未, 12 de Agosto de 1415), trazendo muitos embaixadores dos países visitados.
José Simões Morais Via do MeioQuinta viagem de Zheng He (VIII) Quando Zheng He regressou a Nanjing da quarta viagem marítima, o que ocorreu na 7.ª lua do 13.º ano de Yongle (ano Yi Wei, 乙未, que corresponde a 12 de Agosto de 1415), trouxe consigo muitos enviados dos países visitados, para além de Sekandar, o usurpador do poder no Sultanato Pasai de Samudera. Mas o Imperador Yongle encontrava-se fora da capital, pois tinha ido ao Norte, à Mongólia, combater pela segunda vez no seu reinado os mongóis e apesar de ter saído vitorioso ainda não regressara, chegando apenas à capital a 14 de Novembro de 1416. À sua espera encontrou embaixadores de 18 ou 19 países e reinos, da Ásia [Champa, Pahang, Java, Palembang, Malaca, Samudera, Lambri, Ceilão, ilhas Maldivas, Cochim, Calicute, Shaliwanni (local indeterminado)], da Península Arábica [Ormuz, Las’ã, Adem] e de África [Mogadíscio, Brava (o porto de Barawa era a capital do Estado Sudoeste da Somália) e Melinde (actual Quénia, que na quarta viagem quando a frota chinesa aí passou em 1414, o governante enviara uma girafa)]. Foram recebidos trinta e cinco dias depois na corte Ming, com uma grande cerimónia realizada a 19 de Novembro de 1416, oferecendo o Imperador prendas a cada um. O enviado do Raja de Cochim (Kezhi) teve um tratamento especial por ser esse reino tributário desde 1411 da China e o Raja requeria ao Imperador que o nomeasse ministro seu subordinado e o investisse como Rei, pedindo o selo oficial como representante de Yongle. O Imperador concedeu-lhe tais desejos e enviou-lhe uma carta onde atribuiu a Cochim o título . Também Megat Iskandar Shah (母干撒于的儿沙, Mu-Gan Sa-Yu-De-Er Sha ou Xá Muhammad) aqui viera para comunicar ao Imperador ter o seu pai, o Rei de Malaca Parameswara, conhecido em chinês por Bai-Li-Mi-Su-La (拜里迷苏剌), falecido em 1414. Nesse mesmo ano de Jia Wu (甲午), 12.º ano do reinado de Yongle, embarcara para a China, segundo refere o Registo Histórico da dinastia Ming compilado na dinastia Qing, mas Fei Xin (费信) no seu livro Xingcha Shenglan (星槎 胜览) diz ter o Xá (Shah) ido à China no 13.º ano de Yongle. Quando foi recebido, o Imperador nomeou-o Rei de Malaca. A despedida aos enviados realizou-se a 28 de Dezembro de 1416 seguindo todos para a corte onde receberam de Yongle túnicas de seda. No mesmo dia, Inverno do 14.º ano de Yongle (1416, ano Bing Shen, 丙申), o Imperador ordenou a realização da quinta viagem, instruindo Zheng He a escoltar os enviados de 18 estados asiáticos e africanos no regresso às suas terras. Tinham vindo à corte Ming apresentar tributos e aqui estavam há quase ano e meio. O Imperador entregou ao Almirante cartas imperiais e prendas para levar aos muitos governantes por onde a viagem iria passar. Viagem entre 1417 e 1419 No 15.º ano de Yongle (ano Yi Wei 乙未, 1417) saiu do porto de Liujia, em Taicang, a armada capitaneada por Zheng He com a missão de se dirigir ao Oeste. Primeiro passou por Quanzhou, onde o Almirante visitou a cidade fundada em 711 no reinado da dinastia Tang. Fora um notável porto na costa de Fujian, ponto de partida da Rota Marítima da Seda e rapidamente se tornara na China um dos quatro mais florescentes no comércio com o estrangeiro. Atingira o apogeu na dinastia Song, mantendo-se como principal porto durante a dinastia Yuan e contou com uma grande comunidade muçulmana até perder em dez anos toda a sua influência devido à rebelião muçulmana Ispah (1357-1366). O porto entrou em declínio e na dinastia Ming estava ligado exclusivamente às trocas com as Filipinas. No 16.º dia do 5.º mês do 15.º ano de Yongle (31 de Maio de 1417) Zheng He em Quanzhou foi ao Templo da deusa Mazu, naquele tempo chamado Tian Fei Gong e hoje com o nome de Tian Hou, no monte Jiuri e queimando incenso pediu à divindade protecção para lhe conceder uma viagem segura. No monte Ling no Cemitério Islâmico (ShengMu) encontra-se a estela XingXiang “Orar para uma viagem segura de regresso”, mandada erigir por Pu Heri (蒲和日), oficial que viajava na armada e onde está referido ter o Imperador enviado Zheng He em missão diplomática a Ormuz e a outros países. Com o mesmo dizer, outra estela (bei) ligada à quinta viagem marítima e agora desaparecida, encontrava-se na ponte Wuwei (无尾) onde se situava o porto Xunmei (浔美) junto ao monte Longtou e nela estava referido no 17.º dia do 5.º mês Tai Jian [Grande Eunuco] Zheng He ter aqui permanecido para segurança da armada devido aos ventos fortes. Nos anos 70 do século XX, o local do porto desapareceu devido aos aterros, tal como o bei, que também fora mandado fazer por Pu Heri. Zheng He em Quanzhou embarcou muita porcelana para as trocas e prendas e seguiu viagem. Em Vijaya (Qui Nhon) a armada dividiu-se, uma frota foi à ilha de Java e a Palembang, em Sumatra, e a armada seguiu para Malaca. Daí passou ao Ceilão onde novamente se separou, indo uma frota directamente para a costa africana, passando ao Sul das ilhas Maldivas e chegou à costa da Somália (no Corno de África). Já a armada navegou ao longo da costa indiana, passando por o importante porto de Cambaia (Khanbayat, actual Guzerate no Noroeste da Índia, cujos mercadores tinham então relações privilegiadas tanto com Adém como com Malaca) e já na Península Arábica foi a Ormuz, atingindo Oman. Aí a armada voltou a dividir-se, rumando uma frota para o Mar Vermelho e ainda na costa Arábica visitou Las’ã [Ash-Shiher, um dos portos mais antigos e importantes do Iémen, ao qual Duarte Barbosa se referiu: “uma vila de mouros que chamam Xaer e pertence ao reino de Fartaque. Lugar em que há grandes quantidades de mercadorias, (…) muito bons cavalos que na terra há, os quais cavalos são muito maiores e melhores que os que vêm de Ormuz. Também na terra nasce muito incenso e há muito trigo, carnes, tâmaras e uvas. É este porto de mui grande escala de muitas naus e nasce aqui tanto incenso que se leva para todo o mundo.” Shiher era a capital de um pequeno sultanato e o principal porto da costa de Hadramaut, a meia distância entre Adem e o cabo Fartaque, (actual Oman).] A frota chegou em Janeiro de 1419 a Adem e foi a Ta’izz [capital do Sultanato do Iémen na dinastia Rasulid] de onde saiu depois de 19 de Março e seguiu para Jedá, na costa do Mar Vermelho [actual Arábia Saudita]. A armada de Oman continuou para Mogadíscio, passando por a ilha de Socotorá (à entrada do Mar Vermelho), para se juntar à que tinha navegado directamente do Ceilão. De Mogadíscio chegaram a Mombaça, depois de ir a Melinde levar o embaixador. A viagem terminou em Nanjing no 7.º mês lunar do ano 17.º de Yongle (ano Ding You 丁酉, 8 ou 17 de Agosto de 1419) e trouxe dezasseis embaixadas cheias de prendas e um grande número de animais enviados tanto da Ásia como da África, sendo recebidos um mês depois por o Imperador. Entre eles estava o Sultão de Malaca Megat Iskandar Shah, sua esposa e filho, que voltava pela segunda vez à corte Ming para pessoalmente apresentar tributo a Yongle e queixar-se da invasão de Malaca por o Reino do Sião. Esta fora a maior de todas as viagens feitas por Zheng He e, em sinal de gratidão pelo envio dos seus representantes, os governantes ofereceram como tributos um grande número de animais exóticos. Mogadíscio deu um leão, mas morreu durante a viagem e Ormuz, um leão, um leopardo e rinocerontes, tendo Brava oferecido camelos dromedários e avestruzes e Adem uma girafa. Vieram também zebras e antílopes, além de muitos outros animais, mas poucos chegaram à China vivos.
José Simões Morais Via do MeioQuarta viagem marítima de Zheng He (VII) Malaca fundada em 1400 por o príncipe hindu Parameswara, quando o moribundo império de Majapahit (Java) e o Reino do Sião reclamavam suserania sobre a Península Malaia, era ainda uma aldeia de pescadores na altura da visita do eunuco Yin Qing nos princípios de 1404. Parameswara, que procurava desenvolvê-la como centro comercial devido à posição privilegiada no Estreito de Malaca, logo aproveitou a oportunidade para pedir o reconhecimento da sua independência e colocar-se sobre a protecção do Imperador Ming. Malaca pagava então um anual tributo de 40 taéis de ouro ao vizinho Reino do Sião para ser protegida e estar a salvo dos ataques dos siameses e javaneses. Yin Qing, que partira da China na 10.ª lua de 1403 com a missão de ir à Índia, já visitara Java e Palembang quando chegou a Malaca, onde anunciou o reinado do novo Imperador Yongle e daí partiu para Calicute (Guli) e Cochim (Kezhi). No regresso fez uma nova paragem em Palembang, na ilha de Sumatra, onde embarcou um representante do rei, assim como de Malaca levou uma delegação para ir à corte Ming pagar tributo e ficar sobre protecção da China. A segunda viagem de Yin Qing, iniciada na 9.ª lua do terceiro ano do reinado de Yongle (1405), trouxe de regresso os embaixadores de Palembang e de Malaca, onde deixou uma estela. Assim, Zheng He na sua primeira viagem marítima em vez de ir a Malaca seguiu para o reino do Sião (XianLo, Tailândia) a fim de tratar da segurança do novo protecturado e avisar o rei do Sião estar Malaca sob protecção do Imperador da China. Segundo alguns investigadores, o Rei de Malaca Parameswara terá visitado a China quando embarcou com Zheng He durante a terceira viagem marítima no final de 1410 e em Nanjing chegou no 6.º mês de 1411, sendo muito bem recebido por o Imperador Yongle. Após dois meses, na 9.ª lua embarcou de novo com Zheng He para o Reino de Malaca. Mas Zheng He só partiria para a quarta viagem marítima nos finais de 1413 e como os dois meses de estadia de Parameswara na China acertam com o período de chegada da segunda viagem no final do Verão de 1409 e a partida para a terceira viagem no nono mês (9 de Outubro a 6 de Novembro de 1409), daí resulta ser a hipótese mais acertada a da segunda viagem. Estando registado ter sido Zheng He a levar de volta Parameswara para Malaca, tal anula a hipótese de ter sido o eunuco Hong Bao, enviado em 1412 por o Imperador Yongle como embaixador ao Sião, expedição ocorrida entre a terceira e quarta viagem marítima de Zheng He. Após a terceira viagem, não foi mais a razão que motivara as três primeiras expedições de procurar o ex-Imperador fugitivo Jianwen. Ficaram desde então as rotas marítimas bem estudadas através da confirmação de anteriores conhecimentos como, o determinar geograficamente a latitude através da altitude das estrelas, o reconhecer-se de novo os locais dos baixios e rochedos, o confirmar das correntes e dos ventos sazonais específicos a cada zona daqueles mares. A chegada à China de “inúmeros mercadores estrangeiros com produtos exóticos e de luxo, motivaram uma nova dinâmica económica, tanto em relação às viagens imperiais como, para a população, agora autorizada e estimulada a dedicar-se ao comércio, numa tentativa para resolver a crise financeira”, originada pelos gastos das dispendiosas viagens marítimas e das batalhas a Norte contra os mongóis. ATÉ À COSTA DE ÁFRICA Os Registos Históricos da dinastia Ming compilados na dinastia Qing referem ter o Imperador, no dia 15 do 11.º mês lunar do décimo ano do reinado de Yongle (1412), dado ordem a Zheng He para realizar a sua quarta viagem marítima e visitar Malaca, Java, Champa, Sumatra, Aru, Cochim, Calicute, Lambri, Pahang, Kelantan, Kayal, Ormuz, Maldivas, Laquedivas e outros locais. Mas essa viagem só começaria no ano seguinte, no Inverno do 11.º ano de Yongle em 1413. Antes de Zheng He partir, largara já em Fevereiro de 1413 uma pequena armada comandada por Wang Jinghong e Hou Xian, dois subcomandantes das expedições anteriores, que seguiram para o Golfo de Bengala devido ao vassalo sultão Giyassudin Azam ter morrido em 1412. Estando o Sultanato de Bengala sem governante vinham eles como representantes do Imperador Yongle para dar aval à sucessão do filho do sultão. Depois, o Grande Eunuco Wang Jinghong foi para Sumatra e daí navegou directamente seis mil quilómetros sem escalas até Mogadíscio, na costa Oriental de África, onde se juntou à armada, sendo acompanhado por Fei Xin, outro dos subcomandantes de Zheng He da primeira viagem. Já o eunuco Hou Xian ficou em Bengala onde conseguiu adquiriu uma girafa oferecida por um governante de Melinde, cidade-Estado na costa Oriental africana, ao Reino de Pegu, vassalo do Sultanato de Bengala, como prova de gratidão aos excelentes pilotos bengalis. Nesse entretanto, Zheng He foi a Xian, província de Shaanxi, onde na mesquita Yangshi convidou o íman Ha San para ser tradutor, pois o destino final dessa sua viagem era os países da Arábia. A armada de 63 barcos e 28560 homens capitaneada por Zheng He partiu do estuário do Rio Yangtzé no Outono de 1413 e navegando pela costa de Fujian chegou a Vijaya (Qui nhon), onde se dividiu. Uma frota partiu para Palembang e voltando-se a dividir, seguiu uma para Surabaya e outra para Malaca, onde se encontrou com a que tinha partido de Vijaya. De Malaca passou a armada por Samudra (Aché, na ponta setentrional de Sumatra) e Ceilão, e contornando as ilhas Maldivas foi a Calicute. De Angediva (ilha em frente a Goa, Índia) partiu para a península Arábica e para as costas Orientais de África. Outra frota navegou sempre junto à costa e chegou a Ormuz, na altura o porto principal de comércio na península Arábica. Depois, dirigiu-se para Hadramout, na costa do Iémen, ancorando em Adem, tendo sobrevivido a uma grande tempestade que só acalmou pelas orações do tradutor árabe, que seguiu com a armada até à China. De Adem entraram pelo Mar Vermelho atingindo Jidda e depois um porto egípcio. Daí vão a Mogadíscio, onde se encontrou com a frota comandada por Wang Jinghong, e de Brava chegaram a Kilwa, partindo para Sofala. O eunuco Hou Xian, regressado da visita ao Nepal, em 1415 passou por Bengala para agradecer a oferta da girafa, que só foi entregue ao Imperador Yongle a 16 de Novembro de 1416 e como esta se parecia com o mitológico animal chinês qilin, foi considerada um sinal do Céu e a aprovação para a transferência da capital de Nanjing para Beijing. Na viagem de regresso, Zheng He ao passar pelo Sultanato Pasai de Samudera, porto muçulmano na costa Norte de Sumatra, encontrou no poder Sekandar, irmão mais novo do sultão Zain Al-Abidin, e estando o reino sobre protecção chinesa, o Almirante derrotou o usurpador e as suas forças, terminando com a revolta, levando Sekandar para a China a fim de ser presente ao Imperador. A armada chegou a Nanjing na 7.ª Lua do 13.º ano de Yongle (12 de Agosto de 1415), trazendo muitos embaixadores dos países visitados.