Segredos da seda (17) – Construção do casulo e a crisálida

Até aqui, os conhecimentos sobre a seda resumiam-se ao Museu da Seda de Hangzhou e por isso decidimos ir a Tongxiang (桐乡), no distrito de Jiaxing (嘉兴) ainda na província de Zhejiang, visitar locais de produção e as muitas fábricas de transformação dessa fibra. Para aí chegar, duas horas de autocarro partindo do terminal Oeste de Hangzhou e durante a viagem, já próximo do destino, pela janela descortinámos ao Sol no pátio de uma casa de campo instrumentos usados pelos sericicultores e à frente, um pequeno amoreiral podado.

No terminal de Tongxiang, a uns bons quilómetros do centro da cidade, mostramos o caractere de seda (丝绸) a um taxista, que sem nos perceber questiona o polícia de serviço e ali procuramos dar a entender o pretendido. Após a adição do caractere fábrica (工厂) chegam a acordo e o taxista logo se faz à estrada. Passando o centro, segue para Sul onde se encontra a parte industrial.

Em frente ao portão de uma fábrica, o taxista prepara-se para nos deixar. Percebendo o quão longe estamos do centro da cidade e sem táxis à disposição, sabendo já este condutor o nosso interesse dizemos-lhe pretender com ele continuar e assim alugamos o carro à hora.

É período do almoço e o sinal sonoro da fábrica apita. Dois homens passam e abordamo-los sobre a possibilidade de a visitar. Como não nos entendem, o taxista explica-lhes o que queremos. Levam-nos ao escritório onde somos apresentados ao patrão e após trocar umas palavras com o responsável máximo, este leva-nos a visitar uma ala da fábrica, onde as máquinas trabalham sozinhas na feitura do tecido de seda.

Aqui apenas se tece a gaze! Tentamos obter permissão para visitar outros edifícios, mas com a pressa de ter de ir a casa almoçar, rapidamente parte sem mais explicações, deixando-nos à saída da fábrica. O taxista, percebendo o nosso ar desconsolado pela cara que apresentamos, chama-nos para dentro do VW-Santana, onde o ar condicionado está a todo o vapor e leva-nos a um depósito, onde os agricultores vêm descarregar grandes sacos de casulos.

O FILAMENTO DA SEDA

Procurávamos perceber como é criada a fibra da seda, depois de ver a lagarta agarrada a uma tenra folha de amoreira com as unhas das patas [situadas aos pares em cada um dos três anéis que formam o tórax] a acompanhar o movimento da cabeça, enquanto aos lados da boca as mandíbulas trituram as folhas.

Segundo uma tabela do princípio do século XX, nos primeiros quinze dias de vida da lagarta são as folhas dadas seis vezes ao dia (às 6 e 10 horas da manhã e às 13, 16, 19 e 23 horas) e após a terceira muda, servidas às 4, 10, 16 e 22 horas. Constante é a necessidade de fazer o espaçamento ao longo do baixo e largo tabuleiro de verga, recolher as carcomidas folhas já impróprias para consumo e também a descamação.

Quando no final dos quatro sonos e após sete a nove dias de alimentação, as lagartas deixam subitamente de comer, sendo preciso agora mudá-las dos tabuleiros para palha de arroz entrelaçada e ter cuidado com as distâncias, para os casulos não se enredarem. Acontece por vezes, por descuido do sericicultor, duas lagartas construírem-nos a tão curta distância que os fios se emaranham, complicando o trabalho de quem os fia.

Uma rede plástica enrolada, com espaços propícios à construção dos casulos, é actualmente utilizada em muitas sirgarias. Em Freixo de Espada à Cinta, Trás-os-Montes, usam-se ramos de arçã (rosmaninho) para a lagarta fazer o casulo. Em Suzhou, vemos velhas caixas de papelão, com divisórias à medida do casulo, arrumadas a um canto do Museu de Seda.

O alimento, que serve para fazer crescer a lagarta, é transformado por acção glandular em líquido proteico, composto por 18 aminoácidos que formam, na secção posterior das glândulas da seda, a fibroína. Esta é o constituinte principal da seda natural, sendo produzida por duas glândulas sericígenas tubulares, longas e volteantes situadas nas partes laterais anteriores do abdómen da lagarta. Os dois canais laterais juntam-se num compartimento mais largo, na parte média do abdómen e os dois filamentos compostos pela fibroína são envolvidos por uma substância gomosa, a sericina, um líquido glandular. Já num único filamento é expelido por um tubo situado na parte inferior da boca e quando exposto ao ar endurece, tornando-se resistente. A lagarta ao girar vai-se envolvendo nele e construir o casulo.

O filamento da espessura de um cabelo pode atingir de 700 a 1200 metros de comprimento e é constituído por 75 a 78% de fibroína e 22 a 25% de sericina. Visto ao microscópio, é composto por dois filamentos finos paralelos colados entre si, revelando em corte transversal ter uma forma triangular.

O CASULO E A CRISÁLIDA

A lagarta ao girar vai com um único filamento durante três a cinco dias envolver-se e fechada num compartimento constrói o casulo, de cor creme, amarelada ou branca, cimentado com a ajuda da goma. À medida que esvazia todo o líquido proteico e glandular na construção do casulo, o seu corpo diminui de tamanho.

A formação do casulo inicia-se pela movimentação da cabeça a libertar uma baba, criando uma cadeia de pontos de apoio em diferentes planos para montar uma teia a definir o volume. Essa baba forma um filamento, no início pouco homogéneo e consistente, – conhecida por anafaia e por isso não utilizado na fabricação de tecidos finos – mas à medida que o casulo se vai estruturando, o filamento conquista uniformidade e já com um ritmo regular nos movimentos da cabeça cria uma disposição em fiadas sucessivas e paralelas que, acamadas, preenchem a forma ovalada do casulo. A construção do casulo demora normalmente de três a cinco dias e atinge os quatro centímetros pela parede exterior, onde a Bombix mori passa entre catorze e vinte dias. No interior do casulo, abrigo resistente e isotérmico, a lagarta prepara o compartimento onde durante aproximadamente três semanas vai com a perda de peso e tamanho sofrer metamorfoses. Cinco a seis dias após terminar o casulo inicia a transformação, primeiro até crisálida e quatro a cinco dias depois para mariposa (borboleta).

A metamorfose em crisálida começa com a lagarta a descartar a camada que a envolve, diminuindo de tamanho devido à perda de água e daí os anéis do peito transformam-se numa carapaça a cobrir a cabeça. No tórax da lagarta, as seis patas, verdadeiras pois articuladas, continuam a existir na crisálida. Já no abdómen, apesar da sua redução, os anéis mantêm-se distintos, ganhando o corpo uma forma oval alongada, agora revestido por um líquido viscoso. Assim está formada a crisálida, cuja cor é de um castanho avermelhado. No quarto, quinto e sexto anel apercebem-se vestígios do que virão a ser as asas.

O casulo após terminado tem a massa de dois a 2,5 gramas pois contém ainda a crisálida, mas descontando esta, varia entre 0,4 a 0,5 gramas. Antigamente a produção de casulos realizava-se cinco vezes ao ano: na Primavera, entre o mês de Maio e Junho; no Verão, entre Junho e Julho e três vezes no Outono. Hoje faz-se durante todo o ano.

Os casulos produzidos em diferentes partes do mundo têm diferentes formas e cores. Os casulos chineses são ovais, longos e espigados, enquanto os produzidos pelos japoneses são delgados na cintura e os europeus ligeiramente cintados. A maioria dos casulos são brancos, mas também os há amarelos e verdes e hoje em dia, com a ajuda da biotecnologia, produz-se casulos coloridos de muitas cores e de grande qualidade.

Em todo o processo, a temperatura ambiente é determinante e, por isso, os períodos de tempo variam, é muito diferente se for realizado na China ou em Portugal. As lagartas na Tailândia, devido ao calor, apenas produzem de quinhentos a seiscentos metros de filamento por casulo, mas na China e no Japão, estes envolvem-se em cerca de mil e duzentos metros de um único filamento. Como os casulos se querem inteiros, para haver um bom fio de seda, antes da crisálida se transformar em mariposa, interrompe-se o ciclo da Bombix mori.

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