Segredos da Seda (11)

Langzhong, JARDIM DO PARAÍSO NA TERRA

 

Capital do reino Ba desde 330 a.n.E., Langzhong foi conquistada em 314 a.n.E. pelo reino Qin, que integrou o povo Ba na sua população. Mas a cultura Bayu manteve-se, continuando a população a vestir-se, a dançar e cantar como por aqui fazia desde a dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.). Sabemos por o livro História dos Reinos Huayang (Huayang Guozhi) ter o povo Ba ajudado o Rei Wu, do reino Zhou, a derrotar a dinastia Shang, pois a noite antes da batalha foi passada ao som dos seus cânticos.

Chamada Longyuan até 713, por o Imperador Xuanzong (712-755) da dinastia Tang ter esse mesmo nome, Li Longji (685-762), foi o da cidade mudado, passando a ser Langyuan, a significar , como continuou muitas vezes a ser designada por poetas, mesmo após ter o nome de Langzhong.

Na dinastia Tang a povoação considerada o Jardim do Paraíso na Terra ganhou enorme projeção. O Imperador Xuanzong, grande patrono das artes, ouvindo falar das belezas do Rio Jialing enviou o pintor Wu Daozi a registar o cenário e assim poder usufruí-lo através da arte. O artista visitou Langzhong e ficou encantado com o rio e as montanhas, regressando à capital Chang’an (actual Xian) sem esboço algum. Repreendido por o Imperador, num dia executou de memória o quadro com o título “300 li de Cenário do Rio Jialing”, argumentando, <só se atinge a compreensão das coisas quando elas se formam na mente>.

Entramos na cidade antiga pela Porta Zhuangyuan, onde gravados estão os nomes de quatro eruditos daqui nativos que atingiram o primeiro lugar (Zhuang Yuan) no derradeiro exame imperial na capital. Fora do normal era também o número de Oficiais aqui nascidos.

A cidade é uma das duas existentes na China onde ainda é possível ver um Gongyuan, local onde se realizavam os Exames Imperiais de Província e tem a particularidade de nos inícios da dinastia Qing serem aqui feitos por quatro vezes, entre 1652 a 1660, esses exames para o Segundo Grau Literário, Xiangshi, de onde saíram aprovados 253 juren, sendo 58 originários de Langzhong. Tal se deveu a Chengdu, a capital da província, nessa altura ainda não ter sido conquistada pelos manchus e daí, apesar de cada província apenas contar com um Gongyuan, Sichuan apresenta dois.

Os habitantes são muito orgulhosos da sua cidade devido à História e produtos aqui produzidos. Se a publicidade ao bife Zhang Fei está por todo o lado, o vinagre Bao Ning feito de arroz, milho e da casca de trigo é conhecido além província.

Pela cidade antiga, casais de turistas chineses dedicam-se a fazer compras de produtos tradicionais, salientando-se os edredões produzidos nas muitas lojas de seda após encamisados os restos de casulos numa pequena armação em /\. Em forma de sacos, com 60 cm de comprimento e 40 cm de largura, ficam dependurados e postos a secar. São depois esticados por quatro funcionárias até ganharem tamanho, conseguindo atingir uma superfície de dois por dois metros e por camadas, encerradas num tecido a fazer de coberta. Vendem-se com três diferentes gramagens consoante o número de camadas, aproveitando-se os casulos furados de onde as mariposas saíram e os restos do casulo desfiado até aparecer velada no interior a crisálida morta. Outros antigos processos e técnicas para o processamento dos casulos estão expostos em muitas lojas.

Na cidade antiga encontramos a fábrica de seda Xin Da a ocupa uma grande área, pois contem a parte de fiação, tecelagem e tinturaria, apesar de se preparar a sua transferência para fora desta zona protegida. Outras fábricas de seda já foram colocadas na parte moderna da cidade, onde se encontra o Instituto ‘Langzhong Can Zhong Chang’, a trabalhar desde 1938 na produção de arbustos de amoreiras e de ovos do bicho-da-seda para os sericicultores da província de Sichuan.

ALIMENTO da Bombix mori

Regressamos ao amoreiral do ‘Langzhong Can Zhong Chang’, pois das folhas da amoreira provém o melhor alimento para as lagartas do bicho-da-seda. Podem também comer folhas de outras árvores e vegetais, no entanto a qualidade da seda depende muito do alimento ingerido pelas lagartas, sendo as melhores as folhas da espécie Morus alba, a amoreira branca inicialmente cultivada no Nordeste da China, nas Coreias e Japão, estando agora espalhada por todos os lugares onde se produz seda.

O cultivo de amoreiras por sementeira remonta ao século XVI a.n.E., reinava a dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.). Durante a Dinastia Zhou do Oeste (1046-771 a.n.E.) podavam-se os ramos para melhorar a qualidade das folhas e permitir a seiva mais recheada de nutrientes chegar aos novos rebentos.

No Período dos Reinos Combatentes (475-221 a.n.E.), através de poda e enxertos, criou-se um subtipo de amoreira com porte já não de árvore, mas de arbusto, conhecido por lusang. Para o obter semeava-se conjuntamente com milho-miúdo e quando a planta da amoreira atingia a altura da cana de milho, era cortada rente com uma foice. Na Primavera seguinte surgia o rebento, mas a amoreira já deixara de crescer como árvore e tornara-se um arbusto, facilitando imenso o estafante colher diário das tenras folhas realizado entre 22 a 35 dias para alimentar a lagarta durante o seu crescimento.

Devido à qualidade excepcional das folhas da amoreira branca Lu de Shandong, um Imperador da Dinastia Han (206 a.n.E.-220) mandou aí plantar muitas árvores, assim como abrir unidades de produção e tecelagem.

No Templo de Kaiyuan, na cidade costeira de Quanzhou, província de Fujian, existe uma amoreira com mil e trezentos anos, do tempo da Dinastia Tang (618-907). Devido ao incremento da rota marítima entre as dinastias Song (960-1279) e Yuan (1271-1368) foi desenvolvida no Sul da China a técnica de enxerto que, para além de rejuvenescer as árvores, prevenia doenças.

Referenciado estava um antigo amoreiral na parte Nordeste do lago Tai, próximo de Wuxi na província de Jiangsu, fertilizado com os excrementos dos peixes e caranguejos do lago, mas durante as nossas investigações não o encontramos.

Em Macau, a amoreira mais antiga está em Coloane, na povoação de Ká Hó, no recinto do antigo asilo de leprosos. A ultrapassar os cem anos, em 2020 colapsou devido à passagem da tempestade tropical severa ‘Higos’, mas continuou viva, a crescer e a criar raízes, estando muitas partes do tronco infestados por cupins, como referido numa placa nela colocada.

Freixo de Espada à Cinta [em Trás-os-Montes, Portugal] apresenta a Morus alba (amoreira branca), originária da China e trazida por os árabes no século IX, que a plantaram por Trás-os-Montes e aí estabeleceram sirgarias. Com copa estreita e arredondada, ramos longos e muito ramificados, é uma árvore de folha caduca, bem aclimatada em Portugal, floresce em Maio e frutifica de Maio a Agosto. Em Macau a floração começa em Janeiro e vai até Março, quando desabrocha a folha e acontece a frutificação, que se estende até Abril. As folhas caem de Novembro a Fevereiro. (Árvores de Macau Wang Zhu Hao, edição CMI, 1997 Macau).

No quintal do Centro de Artesanato de Freixo de Espada à Cinta encontram-se plantadas amoreiras brancas e negras, sendo-nos chamada a atenção para quatro tipos de folhas existentes. Além de diferentes recortes, com margens serradas, em algumas por o tacto se sente serem felpudas no lado inferior.

Já a Morus nigra (a amoreira negra), com uma grande copa, é originária do Irão e do Cáucaso, sendo bem conhecida nos países mediterrânicos, estando em Portugal bem aclimatada. De porte com dez a doze metros de altura tem um tronco “revestido da sua casca grossa, gretada e de cor escura que serve para fabricar cordas e mesmo tecidos”, segundo Wang Zhu Hao, que complementa: A madeira, quando acabada de cortar, tem “cor amarelo-clara que depois escurece. O alburno é branco e pouco abundante. Por se sentir pouco as alternâncias de muita humidade ou de grande seca, a madeira é usada na tanoaria, cavilhas para os barcos e marcenaria. Olivier de Serres refere a folha de amoreira preta faz a seda grosseira, pesada e muito compacta, sendo boa para galões, mas menos apreciada para tecidos finos”.

“A amoreira preta caracteriza-se por rebentos curtos, grossos e peludos; as folhas grandes em forma de coração, duras, grossas e espessas, ásperas no toque em ambas as faces e recortadas com dentes desiguais, de cor verde-escuro na face superior e verde-mar nas costas.” Já os frutos da amoreira negra são um pouco maiores aos da amoreira branca e têm um sabor mais agradável, apesar de também acidado. Nascem com uma cor verde, passando a vermelho e quando maduros são negros de sabor açucarado-ácido.
Oriundas da América, a Morus rubra (amoreira encarnada) e a Morus celtidifolia são nesse continente as adequadas, se não houver a espécie Morus alba para alimentar a Bombix mori, existindo ainda a Morus insignis.

A amoreira é uma árvore que precisa de pouco tratamento e cujo período de vida varia entre os sessenta a setenta anos, existindo algumas seculares e milenares. “Poucas árvores oferecem um conjunto de vantagens, sob o ponto de vista da agricultura como a amoreira, pela variedade de produtos que dela se obtêm”, segundo Wang Zhu Hao, em Árvores de Macau.

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