Segredos da Seda (10)

Langzhong, centro da seda Shu

 

O início dos trabalhos para a produção de seda acontece nos últimos dias de Abril, com uma limpeza rigorosa ao local onde se vão processar as operações para a criação do bicho-da-seda. Além de outros utensílios, expostos ao Sol a desinfectar estão largos e baixos pratos feitos de ripas de bambu entrelaçadas onde as lagartas de Bombix mori irão crescer. Tal permite prevenir doenças no ovo e da larva, e em conjunto com a necessidade de diariamente serem colocadas frescas folhas tenras de amoreira para as alimentar, leva à obtenção de bons resultados na produção, tanto em qualidade como quantidade de seda, si chou (丝绸).

De referir que cada lagarta deve consumir dez a quinze quilogramas de folhas de amoreira até se envolver no casulo e com quinhentos produzem-se 150 gramas de seda crua, a dar para tecer 1,8 m² de tecido.

Observamos esse procedimento em Wuxiang e Tongxiang, mas ele está espalhado por toda a zona de Jiangnan (Sul do Changjiang, o Rio Yangtzé) e agora em Sichuan, onde na cidade de Langzhong, a 120 km Nordeste de Yanting, descobrimos o centro de produção da seda Shu. Foi um acaso a levar-nos a ela, que a par com Lijiang, Pingyao e Senxian, é considerada uma das quatro mais bem preservadas cidades antigas da China.

O nome de Langzhong aparecera referenciado ao estudarmos o general Zhang Fei, pois aqui está um dos seus mausoléus. Mas a ancestralidade do lugar provém de aqui ter sido concebido Fu Xi (2852-2738 a.n.E.), o primeiro Ancestral da civilização chinesa, que por três vezes se deslocou a Langzhong onde apreendeu as forças yin e yang e combinando-as inventou os trigramas, deixando em caves ao redor gravado o livro de pedra com o Bagua chamado Yu Ye Shi Shu (玉页石书). Também a Deusa Mãe do Oeste, Xiwangmu, terá aqui vivido.

O astrónomo Luxia Hong, inventor da Esfera Armilar, nasceu nesta cidade durante a dinastia Han do Oeste e Zhang Dao Ling (34-157), o fundador do tauismo religioso, passou de 126 a 144 em Langzhong e começou a propagar a sua doutrina em 141, formando o grupo ‘Via dos 5 Alqueires de Arroz’, mais tarde conhecido por ‘Via dos Celestes Mestres’ (Tianshidao).

Langzhong era um dos centros da mágica cultura Wu Zhu, herança esotérica ancestral da região ligada com Lao Zi (c.591-c.511 a.n.E.) e da religião animista bon proveniente das montanhas do Oeste de Sichuan e levada até ao Tibete ainda antes da nossa Era.

Lugar abastado nas qualidades que oferece, não fosse um local de excelente Feng-Shui (auspiciosa localização dada pelas correntes do vento e da água), pois rodeada pelo Rio Jialing por três lados (Sul, Oeste e Leste) e protegido a Norte pelo monte Panlong, tendo num maior perímetro a circundar montanhas com uma altura ideal por não retirarem Céu à cidade.

Os adivinhos, geomantes e astrónomos Yuan Tiangang e Li Chunfeng aqui estiveram ao serviço de Li Shimin, o segundo Imperador da dinastia Tang Taizong (626-649), quando no Sul de Sichuan em 648 ocorreu a queda de um meteorito e um tremor de terra a prognosticar mudança de imperador ou de dinastia. Yuan Tiangang chegou a Langzhong e logo se apercebeu das características únicas do lugar e ao subir à montanha Jinping, no outro lado do rio e de frente para a cidade, encontrou o corpo do Dragão, que desembocava no monte Panlong sobranceiro à povoação. Mandando escavar parte da encosta cortou o veio do Dragão e assim o monte deixou de poder gerar um imperador.

Quando por diferentes caminhos Li Chunfeng aqui chegou, ao seguir o Dragão encontrou já a montanha a ser mutilada e uma fonte a libertar o qi (energia) deste. História escutada no Museu do Feng-Shui situado junto à parte muçulmana da cidade antiga. Li Chunfeng viria a escrever o livro “Tui Bei tu” (Empurrado pelas costas), com sessenta desenhos, cada um tendo um título, um poema e um hexagrama do Yi Jing.
Du Fu (712-770), poeta da dinastia Tang, escreveu sobre este lugar referindo ser morada de deuses.

Langzhong é ainda a Meca da China islâmica, pois neste país o Templo Baba é considerado o mais importante do Islão e quando os islâmicos chineses não conseguem ir a Meca, visitam-no a colmatar essa falha. Situado no sopé do monte Panlong encontra-se o túmulo do vigésimo nono descendente de Maomé, Khoja Abd Alla, conhecido por Baba. Chegara à China em 1674, já na casa dos noventa anos, mas a sua juventude maravilhava quem com ele tratava. Conheceu Ma Ziyun promovido em 1685 a comandante chefe do Norte de Sichuan, com guarnição em Langzhong, que convidou Baba para aqui vir pregar. Este, durante um passeio encontrou o lugar e por achar ter muito bom Feng-Shui escolheu-o para erigir uma mesquita e aí ficar sepultado. Passando desta vida a 25 do terceiro mês lunar de 1689 foi-lhe construído o Pavilhão Jiuzhao para última morada.

PRODUTOS DOS FRUTOS DA AMOREIRA

Regressávamos ao hotel quando, ainda fora da cidade antiga, passamos por um edifício de madeira cuja cor vermelha indicia ser governamental, tendo a encimar uma tabuleta com a inscrição “Langzhong Can Zhong Chang”. Acabávamos de traduzir os caracteres e celebrávamos o encontro com o Instituto ligado à seda de Sichuan, o mote desta viagem, quando aí vemos entrar uma pessoa e a inquirimos sobre a possibilidade de fazer uma visita. Era o director, o Dr. Feng Guang Qiang, que logo nos encaminha até ao seu gabinete e após saber do nosso interesse, amavelmente nos actualiza com uma grande quantidade de informação, tanto sobre os ovos, como das doenças e os cruzamentos das Bombix mori, pois é especialista nessas matérias.

Diz estar o Instituto inserido num complexo maior onde a fábrica de Vinagre e a do Vinho têm lugar pois trabalha com produtos ligados à produção da seda. Refere actualmente ali se estudar um novo produto, o vinagre de sorose, o fruto da amoreira que também serve para fazer vinho medicinal e entrega-nos os catálogos a promover esse vinho e o vinagre, levando-nos ao departamento onde se realizam as análises dessas experiências.

Após essa visita, seguimos para o extenso amoreiral a perder de vista situado atrás do recinto, onde o nosso anfitrião indica serem arbustos da espécie Morus alba, uma das quatro espécies de amoreiras (sang, 桑) da China, sendo as restantes, Morus multicaulis, Morus bombycis e Guangdong Jingsang. No entanto, ficamos a saber existirem actualmente trezentas espécies de amoreiras, sendo uma delas especificamente plantada para dos seus frutos se fabricar o vinho.

Este pode ter três diferentes teores alcoólicos, 11º, 15º e 30º, apesar de ao beber mais parecer um sumo por ser adocicado e faltar-lhe os taninos no paladar. É bom para prevenir as doenças cardiovasculares e diz-nos ser um bom rejuvenescedor, tal como o vinagre produzido da fruta da mesma árvore, cujos habitantes reportam servir para prevenir muitas doenças, dando o exemplo de não haver pessoas infectadas com H1N1 em Langzhong (estamos em Novembro de 2009). Em Nanchong, ainda na província de Sichuan, tinham-nos dito haver 216 espécies de amoreiras, sendo os frutos ricos em nutrientes com açúcar, aminoácidos e várias vitaminas e servem para tirar a sede, assim como tonificar o corpo.

Morus L. Amoreira pertence à ordem das Urticales, família das Moraceae, género Morus, sendo uma árvore de folha caduca e embora se dê em toda a parte, não floresce em qualquer clima. Aqui a amoreira branca multiplica-se por semente, ou por estaca e rebentos, e sem deixar atingir o porte de árvore são podadas para ficar em arbusto e não ultrapassar a cintura do sericicultor.

Além das suas folhas serem o melhor alimento para o bicho-da-seda, usam-se actualmente como efusão para beber, para comer como vegetais e para fins medicinais. Segundo refere Ana Maria Amaro, encontra-se registado no Shan Hai Jing (山海经) [Clássico das Montanhas e dos Mares, escrito entre 206 a.n.E. e 23 por Liu Xiang e o filho Liu Xin, considerado o primeiro livro da literatura chinesa a tratar sobre geologia e geografia] “o uso das folhas de amoreira na extracção de corpos estranhos dos olhos”, que adita, “na Dinastia Tang já se usavam as folhas de amoreira e amêndoas contra o beri-béri”.

“As características da Morus alba estão nos rebentos delgados, lisos ou muito pouco peludos. As folhas são finas, de uma cor verde clara mais desvanecida no verso, lustrosas na face superior e macias ao toque”, refere João Faustino Masoni da Costa, n’ A Indústria da Seda.

É uma planta dióica, pois cada pé ou dá flores masculinas ou flores femininas. Só das flores femininas nascem os frutos em forma de cacho peduncular com bagas no início rosadas e pretas quando maduras. Chamados em mandarim sangshen (桑椹), são amoras/soroses, (não confundir com a amora-silvestre, Rubus fruticosus, proveniente da amoreira-brava, uma rosácea), com um sabor ácido e pouco doce, mas agradável e rica em vitamina C, obtendo-se dele uma bebida semelhante ao vinho, vinagre, geleias e xaropes para combater as inflamações de boca e garganta e usada na medicina tradicional.

As sementes para a criação de amoreiras provêm dos caroços dessa fruta e por isso, devem ser colhidas de uma Morus alba com uma idade a rondar os cinco, seis anos, e não podada nos últimos três anos. Após uma selecção dos frutos, os maiores e bem maduros, colocam-se dentro de um recipiente com água e desfaz-se a sua polpa com os dedos até os caroços ficarem isolados. Limpos, colocam-se à sombra espalhados sobre um pano a secar.

A Primavera é a estação ideal para a sementeira e após um ano, as plantas passam para o viveiro e a enxertia, se for feita, só no ano seguinte deve acontecer.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários