Seda (6) – Deusas e Festas

嫘 祖 Lei Zu, deusa da Seda

Em continuação da história de Lei Zu (嫘 祖), a deusa da Seda, recolhida do livro Yuan Fei Lei Zu (元 妃 嫘 祖) de Liao Zhongxuan (廖仲宣), ficamos com as origens de Yuan Feng, cujo título de Yuan Fei passou a ter como principal esposa de Huang Di.

No amoreiral, Yang Feng após ver um bicho-da-seda e o observar, quis perceber como a lagarta edificava o casulo ao se envolver no filamento por ela expelido. Curiosa e tentada a saber o que dentro se passava, agarrando num casulo procurou a ponta daquela meada. Com os dotes da mãe Qi Liang, Wang Feng (Lei Zu) levou o casulo à boca e amoleceu o fio, que rapidamente mostrou a ponta e dai foi sendo desenovelado. Percebeu ser aquele filamento, muito fino, resistente e longo para o habitual, a dar-lhe trabalho para muitas horas.

Por fim, lá conseguiu ver não a lagarta, mas algo diferente e pouco parecido ao que ali se escondera, uma crisálida. Voltou a outro casulo e fez o mesmo e já com a mente a planear as possibilidades de voltar a ter material para tecer, desenrolou outros mais. Juntando os filamentos com as pontas dos dedos formou um fio, fazendo-o passar pela dobadoura e assim o preparou para o montar no tear. Com a experiência de tecedeira, calculou mentalmente o longo fio arranjado e usou uma parte para dar o comprimento da peça. A outra foi para a trama, perpendicularmente cruzada com os fios da urdidura então já colocados. Tecidas as vestes, o espanto foi geral por o brilho e leveza contrários às peças de roupa usadas, pesadas e baças. Logo lhe pediram para também lhes fazer roupa daquela.

Como, não se sabe, mas uma dessas peças foi parar às mãos de Huang Di (o Imperador Amarelo), que perante tão espectacular obra logo percebeu ser proveniente de uma pessoa muito inteligente. Assim resolveu ir conhecer a personagem que a produzira e rumando do Rio Amarelo (Huang he) para Sul encontrou a jovem Yang Feng a Nordeste da actual província de Sichuan, a mais de quarenta quilómetros de Yanting, nas montanhas do Dragão de Jade (Qing Long shan), num lugar chamado Jin ji (Galo Dourado).

HISTÓRIA DE HUANG DI

No período dos Cinco lendários Soberanos (Wu Di, 2550-2140 a.n.E.), o primeiro dos cinco foi o Imperador Amarelo, Huang Di (2550-2450 a.n.E. ou, 2704-2595 a.n.E.), nascido no monte Xuanyuan, onde hoje será o concelho de Xinzheng na província de Henan. Tinha o apelido de Ji, o nome da sua tribo, também conhecida por Xuanyuan. Antes do Imperador Amarelo, a tribo ainda nómada chamava-se Tian Yuan e era matriarcal e apesar de pequena apresentava-se mais evoluída que as restantes no armamento e tácticas de guerra e daí facilmente lhes tomava terras, animais e fazia escravos.

Com a herança metalúrgica da Cultura Hongshan, proveniente da actual Mongólia e territórios do Nordeste, [segundo Ana Maria Amaro, a Cultura da Montanha Vermelha (4700-2900 a.n.E.) era a “mais recuada comunidade chinesa organizada em Estado até hoje conhecida” e vivia onde hoje é a Mongólia Interior.

Os vestígios aí encontrados demonstram a “opulenta cultura e a par de objectos de cerâmica vermelha, com decoração a negro, numerosos instrumentos agrícolas em pedra lascada e polida, de grandes dimensões, e ainda ornamentos, também polidos, em pedras semipreciosas, possivelmente usados pela classe dirigente. Das peças recolhidas, são particularmente interessantes um arado e uma enxada de pedra, de enormes dimensões, o que parece apontar para a importância e para o elevado nível que havia atingido, já, a agricultura naquela região. Recentemente, foram descobertos no mesmo local cemitérios e ruínas de um templo erigido em honra de uma deusa, que se admite estar relacionada com o culto da fertilidade, além de um dragão em jade polido, verde-negro, de cerca de 26 cm, de linhas extremamente harmoniosas.

Esta representação do dragão, exumado na aldeia de Sanxingatala, na Mongólia Interior, é a mais antiga que se conhece na China, o que faz recuar a sua origem emblemática cerca de dois milénios em relação ao que, antes, se admitia”.] Huang Di, já como chefe da tribo Ji, onde hoje será a província de Hebei, envolveu-se numa série de guerras com o grupo Jiuli, o mais numeroso, proveniente da China Central. Descendente da tribo Yi, criada três séculos antes por Fu Xi e de onde mais tarde surgiria também os Dong Yi, comandados por Chi You, a tribo Jiang, chefiada por Yan Di, ou um seu descendente, ligado à Agricultura, separara-se dos Yi e foi fácil para a tribo Ji vencer a do Jiang.

Após uma breve escaramuça em Banquan, hoje a Sudeste do concelho de Zhuolu, na província de Hebei, os Ji derrotaram os Jiang e as duas tribos fizeram uma aliança, para derrotar os Dong Yi comandados por Chi You.

Em Zhuolu ocorreu essa feroz guerra e só após cinco grandes batalhas foi morto o lendário guerreiro chefe Chi You e a sua tribo desmembrada. Os que se quiseram integrar na grande tribo de Huang Di, foram viver para o Nordeste e daí seguiram para a península da Coreia. Já os que não se quiseram deixar absolver dividiram-se, seguindo o grupo Qiang para as fronteiras do Oeste e a maioria, os Miao para Sul. O corpo de Chi You despedaçado foi levado pelos seus quando fugiam, sendo sepultado em cinco lugares diferentes, sobretudo na actual província de Shandong.

Assim Huang Di, herdeiro da indústria do metal, se consolidou como Imperador, unindo a maioria das tribos a viver na parte Norte e Centro do território da actual China, formando o povo Hua Xia, hoje conhecido como Han.
Wang Feng viria a ser designada Yuan Fei ao se casou com Huang Di, a indicar ser a primeira esposa do Imperador Amarelo.

Acompanhava-o sempre nas digressões, aproveitando para divulgar os seus conhecimentos, tanto na produção do bicho-da-seda, como na preparação do fio para tecer. Tal casamento levou a tribo Xi Ling a juntar-se à de Huang Di, servindo de exemplo à integração de outras tribos, criando assim um todo como povo, o Hua Xia, num território cada vez maior e mais próspero, devido à inteligência do governante. Huang Di, considerado como um sábio, governou tão bem que muito tempo houve sem guerras, sendo possível as pessoas dedicarem-se às artes e à criação de utensílios, continuando a preparar os arquétipos para uma sociedade sedentária.

Consta ter o Imperador Amarelo mais de cem filhos e com uma grande experiência, no seu reinado fizeram-se inúmeras invenções, tornando a vida quotidiana muito mais fácil. Desde a escrita, [cujos registos eram feito desde o período de Fu Xi por nós em cordas], à construção de casas, carroças e barcos, usando já um instrumento de orientação que mais tarde levou à criação da bússola. Ficou credenciado como ligado ao inventor da Medicina, dos manuscritos, das roupas, da criação do bicho da seda e do tecer a seda. A sua principal esposa foi a primeira pessoa a criar o bicho-da-seda e a desenovelar um casulo, ensinando a transformar o filamento do casulo em fio para fazer roupa e por isso Lei Zu, Deusa da Seda (Can Shen), é apelidada Xian Can, a Iniciadora da Produção de Seda.

Luís Gonzaga Gomes (1907-76) no livro Chinesices, edição do Instituto Cultural de Macau e Leal Senado, 1994, refere-se a Lui-Tch’ôu (nome em cantonense, enquanto em mandarim é chamada Lei Zu): “Data, pois desde então a indústria da seda na China, nascida de um momento de feliz curiosidade da imperatriz Lui-Tch’ôu, enquanto o seu bom e diligente esposo, tendo conseguido a unificação do vasto império, se achava ocupado em rasgá-lo de lés-a-lés com amplas estradas e em construir barcos, para o transporte de mercadorias, entre os vários pontos do país. Havia fartura e felicidade na época da sua sábia governação; por isso, o povo desconhecendo o flagelo da fome, podia entreter-se na fabricação de frautas (flautas), olifantes (trompa curva de marfim), teorbas e alaúdes, todos inventados no seu próspero reinado, que teve lugar há mais de quatro mil e tantos anos”.

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