De Guangzhou até Nanjing com Tomé Pires

[dropcap type=”circle”]”[/dropcap]Apesar de os Governadores de Cantão terem comunicado a Fernão Peres de Andrade, em 1518, que a embaixada fora aceite pela Corte Imperial, Tomé Pires aguardou quinze meses em Cantão” Gonçalo Mesquitela. A razão devia-se a Portugal não pertencer aos países tributários da China e por tal, para ser aceite em Cantão e obter autorização para ir à capital imperial, era necessário encontrar uma solução. Para ultrapassar tais impedimentos, os Governadores de Cantão aceitavam o Embaixador Tomé Pires como sendo oriundo de Malaca. Depois, já em Cantão, Fernão Peres terá ditado uma carta aos intérpretes, que a adaptaram com os termos tradicionais da diplomacia chinesa. Ficavam assim resolvidos os entraves iniciais para a Embaixada ser aceite em Cantão e poder seguir até Pequim.

Fernão Peres de Andrade, antes da partida da sua frota para Portugal, disse aos Governadores de Cantão que, no ano seguinte, outro Capitão português iria com uma armada buscar o Embaixador. Fernão Peres chegou à Índia em finais de 1518 e o novo Governador das Índias, Diogo Lopes de Sequeira, que tomou posse em 27 de Dezembro, nomeou o sobrinho António Correia para ir com uma esquadra à China e trazer de volta Tomé Pires e seus companheiros. Mas o então Capitão do Mar, Simão de Andrade tinha escrito de Malaca em 10 de Agosto de 1518 ao Rei D. Manuel enumerando os bons serviços prestados. Segundo João Paulo Oliveira e Costa, Simão servira “a Coroa na Índia desde 1504, quando acompanhou Duarte Pacheco Pereira na defesa de Cochim contra as investidas do samorim de Calecut. Nos vinte anos que se seguiram, participou na maior parte das campanhas militares que levaram à criação do futuro Estado da Índia. Afonso de Albuquerque, por exemplo, cita-o sempre entre os combatentes mais aguerridos e os conselheiros mais temerários”. Fora um dos heróis da tomada de Malaca em 1511 conjuntamente com o seu irmão Fernão Peres. Pedia ao Rei para ser nomeado para um cargo mais importante. O Rei sabendo já do êxito da visita de Fernão Peres de Andrade à China, acedeu e enviou a Simão de Andrade um alvará autorizando a sua ida como Capitão duma esquadra, quando seu irmão regressasse. Assim, Simão de Andrade com o alvará real foi enviado à China em lugar de António Correia, que parecia um homem muito mais qualificado para tal missão. Esta substituição revelou-se fatal tanto para a Embaixada de Tomé Pires, como foi causadora das desgraças que os portugueses sofreram na China durante os trinta anos seguintes. Contrastando com seu irmão Fernão, Simão de Andrade era homem de pouco tacto, caprichoso, violento, de um espírito conflituoso e muito cioso da sua posição social, características que os cronistas fazem salientar.

Em Abril de 1519 partiu de Cochim para Malaca a esquadra comandada por Simão de Andrade e para além da sua nau, outros juncos acompanhavam-na cujos capitães eram “Jorge Botelho, Álvaro Fuzeiro, Jorge Álvares e Francisco Rodrigues (o cartógrafo),” segundo refere Gonçalo Mesquitela, que continua: “No entanto, Jorge Álvares ficou retido em Malaca por o seu junco ter aberto um veio de água, só conseguindo partir para a China no ano seguinte, com Diogo Couto.” Mas Armando Cortesão diz que à nau de Simão de Andrade só em Malaca se juntaram os três juncos. A pequena frota capitaneada por Simão de Andrade chegou a Tamão (que João de Barros chama Tumon, a actual Lin Tin) em Agosto do mesmo ano e “aí se instalou mas, devido à sua prepotência destruiria o trabalho pacientemente realizado por Fernão Andrade, criando uma situação muito embaraçosa na China para todos os portugueses” Gonçalo Mesquitela.

“Simão de Andrade julgava, não sem razão, que quando chegasse a Tamão acharia Pires já de regresso de Pequim. Em vez disso, verificou que o Embaixador nem sequer tinha ainda partido de Cantão. Pires devia estar muito aborrecido com as insuportáveis demoras chinesas e certamente se queixou ao Capitão português. Acostumado ao prestígio e respeito então desfrutados pelos portugueses no Oriente, (Simão de) Andrade deve ter-se ressentido com tal procedimento, tomando-o como afronta ao brio lusitano. É natural que grande fosse a sua indignação e irritação. Isso, sem dúvida, contribuiu para os lamentáveis desmandos que cometeu – circunstância em que não atentaram tanto os historiadores do passado como os do presente, embora essencial ao juízo deste muitas vezes discutido ponto da história” Armando Cortesão.

Fernão Peres com o Rei D. Manuel

Após ter chegado ao Oriente como um dos Capitães da armada de 1505, Fernão Peres de Andrade, destacou-se nas campanhas contra Mombaça, Calecut, Cochim, Ormuz, Goa e Malaca e ainda, em 1513 na conquista da fortaleza de Upi, na Costa do Malabar, Índia.

Apesar dos seus vinte e seis anos, Fernão Peres era já um veterano da Índia, onde servira a Coroa entre 1505 e 1513, enchendo-se de prestígio, primeiro sob o comando de D. Lourenço de Almeida, depois com D. Francisco de Almeida e por fim sobre a alçada do Governador Afonso de Albuquerque, que o deixou em Malaca como Capitão-mor do mar para defender a cidade recém-conquistada. Fernão regressou a Portugal onde esteve entre o Verão de 1514 e a Primavera de 1515, tendo a oportunidade de explicar ao Rei D. Manuel a importância do mercado chinês. Voltou Peres de novo ao Oriente, agora como comandante dum dos dezassete barcos da esquadra de Lopo Soares de Albergaria com duas missões, a de explorar o Golfo de Bengala (que não teve tempo de realizar) e de se dirigir a Cantão para deixar o Embaixador português, por ele escolhido na Índia, ao Imperador do Celeste Império. Tendo ficado catorze meses na China, aí deixou boas relações e uma boa imagem dos portugueses, causando um excelente efeito os pregões lançados na cidade antes de partir para, se qualquer chinês tivesse recebido agravo de algum português ou algo lhe fosse devido, se lhe queixasse a fim de receber reparação ou pagamento.

Saindo de Tamão em Setembro de 1518, Fernão Peres de Andrade chegou a Malaca onde “foi bem recebido e melhor festejado, assim pela riqueza que trazia a sua armada e provimento de munições de toda a sorte contra o Rei de Bintão. Resolvidas as coisas da guerra contra a sagacidade daquele rei, se partiu Fernão Peres com D. Aleixo de Menezes, capitão daqueles mares, e chegaram ambos a Goa a tempo que já tinha acabado seu governo o Governador Lopo Soares” Gonçalo Mesquitela.

Demorou-se na Índia um ano, partindo em Janeiro de 1520 para Lisboa, onde chegou em Julho. Damião de Góis diz: <por a cidade de Lisboa estar tocada de peste, se foi (Fernão Peres) a Évora, onde então El-Rei estava com a Rainha D. Leonor, sua derradeira mulher, dos quais foi mui bem recebido, e El-Rei lhe perguntava muitas vezes pelas coisas da China, e das outras províncias daquela região, ouvindo-as com muito gosto, porque de seu natural era curioso de saber o que passava pelo mundo, para disso tomar o que mais cumprisse ao governo de seu Estado, Reinos e Senhorios>. “Isto mostra o interesse que as minuciosas notícias da China – trazidas directamente por Andrade e seus companheiros – despertaram em Portugal e explica como os cronistas tiveram tanto material para as suas extensas descrições de Cantão, chegada de Pires e tudo o que se passou com Andrade e a sua esquadra” A Cortesão. E João Oliveira e Costa refere: “O sucesso da viagem de Fernão Peres de Andrade entusiasmou, certamente, D. Manuel I. O monarca via, assim, coroados de êxito os esforços de mais de uma década, para levar os seus súbditos até aos limites do espaço que lhe cabia segundo o tratado de Tordesilhas.

A partir de 1519, o rei promoveu um novo surto expansionista no Oriente, a que não escapou a China; convicto de que se conseguiria estabelecer um acordo com os chineses, D. Manuel concebeu para o mar da China o mesmo modelo de fixação que já resultara noutras regiões do Oriente.”…”estabelecimento de uma feitoria no Celeste Império, criação de uma armada da China e de outra para fazer a viagem entre Samatra e Cantão, construção de navios e de uma fortaleza na própria China.”

A razão da demora

Simão de Andrade chegou a Tamão em 1519, para recolher de volta a Embaixada, mas Tomé Pires ainda se encontrava em Cantão. Segundo a leitura de Wu Zhiliang, após consultar um documento coreano, a morosidade burocrática de três anos do Tribunal dos Ritos, cujo responsável era natural de Cantão e hostil aos portugueses, foi propositada. Uma das razões foram as palavras irreverentes sobre a pousada oficial que os portugueses acharam pouco digna para albergar a embaixada, o que deixou o Tribunal dos Ritos ofendido e por isso, atrasou o despacho para a sua recepção.

Referindo-se às demoras impostas a Tomé Pires e sua Embaixada, João de Barros comenta: <É tanta a majestade deste Príncipe (o Rei da China), e os negócios desta qualidade são tão vagarosos, principalmente quando gente estrangeira há-de ir a ele, por tudo ser resguardos, e cautelas, que há mister muita paciência quem houver de esperar seus vagares>. Paciência não era a principal virtude de Simão de Andrade, e ele cometeu vários actos que as autoridades chinesas consideraram que infringiam as suas leis, tais como a construção dum forte de pedra e madeira em Tamão, sob pretexto de defesa contra os piratas, e o levantamento duma forca em que um marinheiro foi executado.

Sobre o comportamento bárbaro de Simão de Andrade pesavam, a construção de uma fortaleza sem qualquer permissão da parte chinesa, ter roubado os mercadores que foi encontrando, ter matado um marinheiro e raptado crianças. Tais acções levaram os chineses a ficarem alarmados, tanto com a força das armas, como com o carácter velhaco dos portugueses e por isso passaram a olhá-los como “fan kwei” (em mandarim feng gui 疯鬼) – diabos estrangeiros. Não sabemos se estes e outros actos mais repreensíveis foram praticados antes de Pires ter partido de Cantão, mas sem dúvida tiveram a mais desastrosa repercussão em acontecimentos futuros.

Viagem até Nanjing

A embaixada de Tomé Pires só em 23 de Janeiro de 1520 iniciou a viagem até Beijing (北京, Pequim). No entanto, a meio caminho, em Nanjing (南京, conhecida pelos portugueses por Nanquim) encontraram-se com o Imperador, nessa altura Zhengde (1505-21).

De Cantão, Tomé Pires e o seu séquito partiram rio acima em três galés chinesas movidas a remos “com toldos de seda e desfraldando bandeiras portuguesas” segundo A. Cortesão, mas Rui Loureiro diz serem as bandeiras da Embaixada imperiais e representavam um dragão, que João de Barros chama “um leão rompente”. Continuando com A. Cortesão: “Ao chegarem ao sopé da serrania Norte da província de Kuantung (Guangdong), deixaram as galés e seguiram em liteiras, a cavalo e a pé, através do Passo de Meiling (Meiguan, 梅岭关), provavelmente de Nanhsiung (Nanxiong南雄) para Nan’an (南安).”

Segundo Rui Loureiro: “a missão portuguesa apenas teve de desembarcar em Nanxiong, para a travessia das serras de Nanling, a que Barros chama Malenxam, que se estendem na fronteira entre as províncias de Guangdong, Jiangxi e Fujian. Daqui, Tomé Pires escreveu pela primeira vez a Simão de Andrade por um mensageiro chinês, comunicando-lhe os sucessos da jornada.” A. Cortesão refere que: “Durante a travessia das montanhas morreu Duarte Fernandes. Seguiram então para o norte, em direcção a Nanquim, mas não se sabe exactamente o caminho tomado. É de supor que a embaixada tenha feito percurso idêntico ao de outros viajantes europeus posteriores, como o padre Ricci, em fins do século XVI”.

Essa jornada, após atravessada a passagem de Meiling e já em Nan’an, que hoje é a vila de Dayu (大余), de novo se voltava a embarcar e navegando primeiro pelo Zhangjiang (章江) passando por Nankang (南康) chegava-se a Ganzhou (赣州), onde o rio desaguava no Ganjiang (赣江), que era um afluente do Yangtzé (长江, Changjiang). Ao longo do percurso atravessava as povoações de Wan’an (万安), Ji’an (吉安), Linjiang (临江, hoje conhecida por Zhangshu), Nanchang (南昌) e entrando pelo Lago Poyang (鄱阳湖) chegava à cidade de Jiujiang (九江), já banhada pelo Changjiang, o terceiro rio mais longo do mundo. Daí era só seguir navegando pelo Rio Yangtzé (nome por que é conhecido o Rio Chang pelos ocidentais) uns quinhentos quilómetros, para chegar a Nanjing. A Embaixada portuguesa levava já mais de três meses desde que saíra de Guangzhou, quando chegou em Maio de 1520 a Nanjing.

22 Jun 2015

A espera em Cantão de Tomé Pires

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]uma viagem normal, em condições favoráveis, desde Cochim até à costa chinesa demorava-se quatro meses, mas esta, que trazia o Embaixador Tomé Pires, levava já mais de dezassete meses quando, em 15 de Agosto de 1517, a frota comandada por Fernão Peres de Andrade chegou a Tamão (Lin Tin). Aí, os primeiros contactos com os chineses foram através do Pio de Nantó, tendo os portugueses que ficar mais de um mês em Tamão à espera pela permissão para seguir até Cantão. Segundo Gonçalo Mesquitela, os portugueses chamavam a esta ilha de Tamão, Beniaga, que significa mercadoria, e a causa por “esta ilha ser assim chamada é porque todos os estrangeiros que vão à Província de Cantão, é a marítima mais ocidental que o Reino da China tem, a ela por ordenanças da terra hão-de ir por estar por espaço de três léguas da terra firme e ali provém os navegantes do que vão buscar” como refere João de Barros. Beatriz Basto da Silva explica que o termo de Ilha de Veniaga só foi usado pela primeira vez em 1525, referindo-a como a ilha de encontro comercial de mercadores portugueses e chineses e é uma expressão propositadamente vaga, tal como “a designação de ‘ilha do encontro’, já que podia não ser a mesma em cada ano, como convinha ao comércio clandestino que então se praticava na China meridional”, sendo Tamão, (Tunmen em mandarim), nesse ano de 1517 a Ilha da Veniaga. E continuando com Mesquitela: “A três léguas da ilha da Veniaga está outra em que vive o almirante ou capitão-mor do Mar, na vila de Nantó (Nantou encontra-se na área de Nanshan, em Shenzhen). Logo que chegam estrangeiros a Veniaga faz saber aos regedores de Cantão quais são e que mercadorias trazem e quais querem comprar”…”Informado disto por Duarte Coelho, mandou Fernão Peres recado ao capitão da armada chinesa, fazendo-lhe saber quem era e que vinha com uma embaixada d’el-rei D. Manuel de Portugal, seu Senhor, a el-rei e que por vir em paz e não em guerra, não respondera nas palavras de Barros. Ao que o capitão (chinês) respondeu manifestando-lhe muito boas vindas e que pelo navio de Duarte Coelho, chegado dois dias antes, soubera, que a sua armada tinha partido de Malaca; e que pelos chineses que ali iam tinha também notícias da verdade e cavalheria dos Portugueses. Que folgava com a paz e que guardasse os costumes da terra, que ele primeiro ia mandar recado aos regedores de Cantão, e o que respondessem, isso fariam.” Mas os dias iam passando e a resposta não aparecia e então “Fernão Peres insistiu por mensageiro junto do Almirante do Mar, o Pio, tendo como resposta, dada nos mais amáveis termos, que os regedores de Cantão ainda não tinham comunicado a sua decisão.” E continuando com João de Barros: “Sobre este negócio houve tantos recados de parte a parte que enfadado Fernão Peres desta dilação, mandou tirar do porto da ilha alguns navios para se pôr em caminho e com os pilotos chineses que trouxera de Malaca, meteu-se em Cantão.”

“Enquanto Fernão Peres subia o Rio das Pérolas até à cidade de Cantão, parte da armada permanecia próximo da foz, sob o comando de Simão de Alcáçova; João de Barros relata-nos que este grupo de navios foi atacado por piratas, mas não se refere a baixas avultadas; ter-se-á tratado de uma simples escaramuça…” refere João Oliveira e Costa.

A instrução protocolar

Em finais de Setembro de 1517, os barcos que transportavam a Embaixada Portuguesa ao Imperador do Celeste Império entraram em Cantão. “Desfraldando bandeiras e salvando com toda a artilharia, os navios portugueses lançaram ferro em frente do cais principal da cidade” A. Cortesão.

Como os três governadores de Cantão, o Tutam, o Concam e o Chumpim, se encontravam ausentes da cidade foi com o Puchanchi, o haidao interino Gu Yingxiang, que os portugueses primeiro trataram. Gu Yingxiang não os recebera, sendo toda a comunicação feita por intermédio do intérprete chinês”, como está referido no Revisitar os Primórdios de Macau para uma nova abordagem da História de Jin Guo Ping e Wu Zhiliang. Aí se diz que, devido ao haidao Wang Hong se encontrar fora numa missão oficial a Pequim, Gu Yingxiang nessa altura substituía-o na repartição do Haidao (Circuito da Defesa Marítima).

“Logo o Puchanci, a mais alta autoridade que no momento se encontrava em Cantão, mostrou o seu desagrado contra o que dizia ser uma violação dos direitos da terra por parte dos portugueses, que demais tinham chegado sem consentimento oficial. Respondeu Andrade que o salvar da artilharia e desfraldar de bandeiras era devido à sua ignorância, apenas significando uma marca de respeito, e, quanto a vir sem licença, explicou que o Pio acabara por lha dar e fornecer pilotos” Armando Cortesão.

Resolvido este pequeno problema, muitos outros foram ocorrendo. Para João de Barros: “A ida dos três governadores fora da cidade, segundo depois pareceu, foi mais artifício para Fernão Peres ver a majestade e pompa de suas pessoas quando entrassem nela, que alguma outra necessidade; e ainda para ver os graus da precedência de cada um e a diferença que a cidade fazia no seu recebimento, vieram um e um, tomando dia próprio para isso.”

“Foi então arranjada uma entrevista com os portugueses. Andrade, que até aí tinha proibido o desembarque de qualquer português ou a entrada de chineses nos navios, enviou a terra o feitor (Giovanni da Empoli), . O feitor disse aos Governadores como o Rei D. Manuel de Portugal, desejando relações de amizade com tão grande Príncipe como era o Rei da China, enviara aqueles navios, sob o comando do seu Capitão Fernão Peres de Andrade, conduzindo um Embaixador e presentes para serem entregues aos Governadores de Cantão, que os enviariam à corte” A. Cortesão e com ele continuando, “No fim de Outubro de 1517, foi Tomé Pires desembarcado por Andrade, . O presente para o Imperador, que só na sua presença deveria ser aberto, foi fechado na mesma casa e a chave entregue a Pires” Armando Cortesão. O encontro entre os governantes da cidade e o Embaixador Tomé Pires decorreu na Mesquita Huaisheng, que continua hoje a existir na Rua Guangta, no centro de Cantão.

Ainda antes disso, o haidao interino Gu Yingxiang “imediatamente mandou comunicar tudo e Ning Cheng, eunuco dos Três Salões e Guo Xun, o marquês Wuding, à altura no cargo de Zongbing acorreram ao aviso. O cabecilha (Tomé Pires) saiu de longe para os receber mas não lhes fez genuflexões. O Censor Metropolitano e Grande Coordenador Chen Jin (o Tutão) chegou mais tarde sozinho e mandou dar vinte bastonadas no intérprete, dizendo ao Superintendente do Comércio Marítimo: . No primeiro dia, começaram a fazer genuflexão com a perna esquerda, no segundo dia conseguiram fazê-la com a perna direita, e só no terceiro dia aprenderam a bater a cabeça no chão” Revisitar os Primórdios de Macau.

Fernão Peres deixa Pires em Cantão

[quote_box_right]O encontro entre os governantes da cidade e o Embaixador Tomé Pires decorreu na Mesquita Huaisheng, que continua hoje a existir na Rua Guangta, no centro de Cantão[/quote_box_right]

“Embora a comitiva ficasse alojada num edifício próprio, especialmente destinado às missões estrangeiras, as despesas da estada corriam por conta dos portugueses, como expressamente exigira Fernão Peres” assim diz João de Barros na Ásia, segundo Rui Manuel Loureiro e com ele continuando: “Durante longos meses, os portugueses estiveram ancorados diante da grande metrópole da província de Guangdong, efectuando proveitosos negócios e colhendo amplas notícias sobre a realidade sínica, por ocasião de sucessivas visitas à cidade e de múltiplos contactos com a população local e com os mandarins cantonenses. Entretanto, um navio capitaneado por Jorge Mascarenhas explorou demoradamente o litoral chinês até às imediações de Amoy”. E Beatriz Basto da Silva complementa “entre saguates (presentes destinados a predispor bem um interlocutor, costume muito comum então no Oriente, especificamente na China), deixou sementes de bom entendimento”.

Por outro lado, segundo João Oliveira e Costa: “o êxito desta armada deveu-se em grande parte ao tacto do capitão-mor (Fernão Peres de Andrade), que procurou respeitar todas as práticas locais. Num país com um poder fortemente centralizado, como era a China dos Ming, que contrastava com a situação política do resto do continente asiático, os Portugueses não podiam ofender as autoridades de uma cidade, pois se tal acontecesse não seriam bem aceites em todos os outro portos do Celeste Império. Não era possível repetir aqui o que acontecera na Índia e na África Oriental…”

Rui Loureiro refere que: “De acordo com documentos coevos, o jurubaça principal da embaixada portuguesa, um chinês que dava pelo nome de Huo-che Ya-san (Huozhe Yasan), estabelecera excelentes relações com as autoridades provinciais, logo após o desembarque no porto de Cantão. Por sua própria iniciativa, e graças a uma generosa distribuição de dádivas, conseguira obter autorização imperial para Tomé Pires visitar Pequim como enviado do rei de Malaca.”

“Depois de declinar convites para ir a terra, Andrade despediu-se dos Governadores, por lhe ter chegado notícia de que os navios que deixara em Tamão tinham sido atacados pelos piratas, e também porque uma parte da sua gente dos navios de Cantão estava adoecendo com febres e disenteria, doença que já vitimara nove homens, entre os quais Impole (o feitor da armada). Desta vez, os chineses prestaram todo o auxílio na reparação dos navios.” E seguindo ainda com A. Cortesão: “Após algum tempo em Tamão, recebeu Andrade notícia (aliás, falsa) de que os Governadores de Cantão já tinham ordem da corte para enviar a Embaixada. Mandou então lançar pregões para se qualquer chinês tivesse recebido agravo de algum português ou algo lhe fosse devido, se lhe queixasse a fim de receber reparação ou pagamento, o que causou excelente efeito. E, assim, partiu em Setembro de 1518, depois de se ter demorado quase catorze meses na China, chegando a Malaca , conforme comenta Barros”, que adita ter Fernão Peres nesta estadia aprendido dos chineses algumas técnicas de construção naval, que introduziu nos navios portugueses e passaram a ser, nestes, de uso corrente.

A longa espera em Cantão

5 HM Mesquita em Canta¦âo

Com Tomé Pires, segundo João de Barros, ficaram em Cantão sete portugueses mas, Cristóvão Vieira informa que foram Duarte Fernandes, Francisco de Budoia, Cristóvão de Almeida, Pedro de Faria e Jorge Álvares, todos portugueses, <eu, Cristóvão Vieira, pérsio de Ormuz, doze moços servidores e cinco jurabaças> (intérpretes). Eram, pois, cinco portugueses, um persa lusitanisado e dezassete outros.

Duarte Coelho foi enviado pelo capitão-mor D. Jorge de Mascarenhas para Malaca com a informação de o Embaixador Tomé Pires ter sido bem recebido em Cantão mas, quando aí chegou em Março de 1518, Duarte Coelho logo mandou avisar Fernão Peres de Andrade que a praça estava a ser atacada pelo Rei de Bintão. Já com a informação que chegara instruções do Imperador da China para lhes enviar o Embaixador português, os navios sob o comando de Fernão Peres largaram de Tamau em finais de Setembro de 1518, chegando no mês seguinte a Malaca. Ainda antes de partir, Fernão Peres de Andrade disse aos Governadores de Cantão que, no ano seguinte, outro Capitão português iria com uma armada buscar o Embaixador.
No entanto, Tomé “Pires e o seu séquito ainda tiveram de esperar mais de quinze meses em Cantão antes de partirem para Pequim. Só depois de três recados transmitidos à corte e de terem vindo de lá outros três recados para os Governadores, pedindo mais pormenores sobre os portugueses, etc., chegou enfim ordem para a Embaixada seguir” A. Cortesão. Já Beatriz Basto da Silva diz que: “Tomé Pires aguardou viagem em Lantao” onde os visitantes ficaram em “prisão preventiva”, enquanto não chegava autorização imperial a Cantão.

Assim, por questões de ordem diplomática, a embaixada teve que esperar até 1520 para que fosse permitido a Tomé Pires ir até Pequim entregar os presentes e a carta que trazia do Rei de Portugal D. Manuel ao Imperador da China, nessa altura Zheng De (1505-21) da dinastia Ming, cujo nome de Templo é Wu Zong.

12 Jun 2015