Festa dos Tabuleiros em Tomar

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s Festas do Espírito Santo em Tomar são conhecidas por Festas dos Tabuleiros e realizam-se de quatro em quatro anos, tendo em 2015 ocorrido entre os dias 4 e 12 de Julho.
Estas festividades foram criadas pela Rainha S. Isabel e o seu marido o Rei D. Dinis, que ao colocarem a “coroa fechada e encimada por uma pomba branca no homem de baixa condição, no pobre, ou na criança, os tornou Imperadores do Espírito Santo.” Era a preparação para a Terceira Idade do Mundo, como António Quadros refere no seu livro Portugal, Razão e Mistério.
“O ritual e as festas tal como se realizavam, a correlação das crenças e das ideias, das classes e das forças, nesse éon de fidelidade, não à palavra dos bispos, mas ao Evangelho Eterno.” “Profetizado por S. João no Apocalipse: vi, depois, outro anjo a voar no mais alto do Céu, o qual tinha um evangelho eterno para anunciar aos habitantes da Terra, a toda a nação, tribo, língua e povo”. E continuando com António Quadros: “Ao criar as Festas do Espírito Santo (D. Dinis) legou a Portugal um sentir solidário ao qual está ligado o Quinto Império. Deu alma a essa força fazendo coroar de rei, um dia por ano, uma criança ou uma pessoa do povo. Trovando em cantigas de amigo, vai dotar Portugal dos meios que permitiram a fantástica aventura que foi navegar em conquistas de espaço e avançar até ao Homem Moderno.”
Conhecida no início pelas Festas do Império, Tomar, a cidade dos Templários aos quais a Ordem de Cristo sucedeu, celebrou-as logo desde o século XIV, mas com o passar dos tempos a tradição foi-se perdendo e transformada “só resta já o folclore dos coloridos Tabuleiros” como Amorim Rosa na sua História de Tomar de 1965 escreve. E com ele prosseguindo: “Iniciada pelo baptismo dos catecúmenos em Sábado Santo, no Domingo de Páscoa reuniam em cada lugar ou sesmo os recém-baptizados e os velhos cristãos sob a égide do Chefe da Festa, eleito no ano anterior. Porque o Imperador, os Reis, Mordomos ou Vereadores, e o alferes (porta-bandeira do Espírito Santo) parece que eram eleitos no Pentecostes transacto.
Durante os cinquenta dias que medeiam entre a Páscoa e o Pentecostes, as Coroas e o Pendão do Divino Paráclito saíam a dar uma volta pela área, sesmo ou vila, cada domingo, e depois o Pendão do Espírito Santo e as Coroas eram guardadas durante a semana em casa de cada mordomo, saindo em festa de Saída das Coroas e recepção em casa do feliz mordomo da semana seguinte, a quem tão alta distinção era dada. Em dia, ou véspera da Pentecostes, em procissão, cada grupo levava as suas oferendas de pão em seus tabuleiros, envergando as moçoilas as suas túnicas brancas vestidas no Sábado Santo e despidas no Domingo – Pascoela. Junto com a carne e o vinho, fornecidos pelo Imperador, Mordomos ou vizinhos mais abastados, e géneros adquiridos com as esmolas recolhidas durante os domingos da Saída das Coroas, o pão era levado à Igreja Paroquial, para ser solenemente bento pelo pároco. De início, normalmente, cada freguesia tinha mais de um grupo. Depois nesse domingo da Quinquagésima, realizava-se um ágape de todos os cristãos do Grupo, onde comiam e bebiam o pão, a carne e o vinho benzidos, e elegiam um pobre ou um menino como Imperador da Festa e os dois Reis Mordomos para o ano seguinte, que coroavam com as coroas encimadas pela alva pomba, símbolo do Espírito Santo, cujo dia era, num gesto de humildade, igualdade, caridade e amor cristãos.
Com os tempos os grupos aumentaram, acabaram por reunir-se por freguesias (e já nos nossos dias no Concelho) e, na impossibilidade prática de realizar a refeição comunitária, voltou-se à fórmula inicial do BODO, onde a cada um se dava a pesa, ou seja, uma ração de pão, carne e vinho bentos, que cada família comia respeitosamente em sua casa”.

Os cortejos

A Festa dos Tabuleiros, uma das componentes da antiga procissão do Império, acontece no fim do Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa. São setenta dias de festa que culmina no domingo da Sétima Semana com a Sopa do Espírito Santo.
O Cortejo dos Tabuleiros realizou-se na tarde do Domingo, dia 12 de Julho de 2015, mas já durante a manhã ocorrera a Procissão da Coroa e Pendões do Espírito Santo, tendo-se realizado uma missa na Igreja de S. João Baptista, situada na Praça da República. Às quatro da tarde, foi então a vez do Cortejo dos Tabuleiros sair da mata dos Sete Montes, onde estiveram em exposição.
Os tabuleiros, com a altura das mulheres que os transportam sobre a cabeça, pesam entre dezoito e vinte e cinco quilos e actualmente a sua estrutura é constituída por quatro varas na vertical onde estão enfiados de cinco a sete pães, cada um com quatrocentos gramas e enfeitados com flores, verdadeiras ou de papel. Todos os tabuleiros têm uma coroa a encimá-lo e no topo desta apresenta-se a pomba branca do Espírito Santo, ou a Cruz de Cristo. Nesses tabuleiros eram originariamente levadas as oferendas ao Espírito Santo, mas, desde meados do século XX ficaram transformados num produto folclórico essencialmente ligado à promoção turística. E o resultado é a avalanche de turistas que encheram Tomar, apercebendo-se haver entre eles muitos estrangeiros.
Durante quase quatro horas o Cortejo dos Tabuleiros percorreu as ruas ornamentadas da cidade, capital dos Templários portugueses. A meio caminho do percurso entrou este na Praça da República e aí os tabuleiros foram retirados da cabeça das mulheres com a ajuda do par masculino, que a acompanha, para descansar daquele enorme peso. Reposta a energia e escutadas as palavras do prelado, com o tabuleiro de novo na cabeça, seguiu-se a bênção deles, que voltaram a circular pelas ruas cheias de pessoas, que durante horas esperaram ao Sol escaldante para ver passar o cortejo.
No final do cortejo seguiam três carroças puxadas cada por uma parelha de bois e onde se encontravam sentadas em cada uma três crianças. Como nos prospectos distribuídos no Turismo nada referem sobre a História destas festas, vemo-nos obrigados a recorrer ao que diz Maria Micaela Soares sobre o Imperador: “No primeiro ano é coroado; no segundo, imperador; e no terceiro vai entregar a bandeira.” Assim “a mesma criança figura portanto em três festas, a não ser que por qualquer motivo o não possa fazer”. No entanto, nenhuma destas crianças vinha coroada.
Já sobre a tourada, que no final servia para com a morte do touro, a carne ser consumida no Bodo, nada aparece no cartaz das festas.

O joaquimita

Joaquim de Flore, nascido em Celino, na Calábria em 1132, como pajem de Rogério de Sicília foi à Terra Santa e quando regressou entrou para a Abadia Cisterciense de Sambuccino, onde mais tarde foi Prior e Abade. Período em que a Ordem de Cister relaxava as suas regras feitas por S. Bernardo no século VI, Joaquim recusou voltar ao rigor das regras anterior e por isso, em 1192 esteve na origem da congregação “de Flore”, em San Giovanni que quatro anos mais tarde foi aprovada pelo papa Celestino III. Movimento espiritual que lhe deu o título de Bem-Aventurado, mas pelo qual mais tarde Roma o condena como ortodoxo herético. A obra de Joaquim de Flore compreende: “Concordia dos dois testamentos”, “Comentários do Apocalipse” e “Dez cordas do Saltério”.
Um século depois, nos finais do XIII, o monge Liberatus publicou “Vaticina Joachimi”, as profecias de Joaquim que eram escutadas com sucesso até ao século XVI. Em 1595, o beneditino Arnold de Wion publicou “Lignum Vitae” “A Árvore da Vida” que anunciava a destruição de Roma e o Juízo Final no fim de 111 Pontificados.
D. Dinis, em conjunto com D. Isabel trouxeram para Portugal a trindade joaquimita dos franciscanos espirituais e numa consciente acção de planeamento, povoou, plantou, cantou o encanto do Ser Humano em quem investiu, em vez das catedrais góticas.
“Para os Franciscanos espirituais dos séculos XIII, XIV, o Abade Joaquim tinha sido o novo S. João Baptista, anunciando o novo Cristo de uma Idade onde já não haveria lugar para a Igreja clerical.”
“…compreender-se-á por que julgamos ser a Festa do Império, no seu protocolo, uma manifestação ritual concebida como anúncio e preparação para a Idade do Espírito Santo, Terceira Idade do Mundo. Dest’ arte a Festa do Império constitui o paradigma simbólico e ritual do projecto áureo português, projecto religioso universal através da iniciativa dionisíaca, que irá guiar e iluminar singularmente a história nacional no seu período mais fecundo e criacionista, que será ferozmente combatido pelos ventos da Contra-Reforma, chegados até nós no tempo de D. João III e dos Filipes, mas que perdurará no destino lusíada até aos dias de hoje, nos nossos mitos do Encoberto e do Quinto Império, nas festas do Espírito Santo e nas comunidades espalhadas pelo mundo, pela nossa memória inconsciente e no saudosismo poético e literário, persistente no nosso pensamento.” Palavras retiradas do livro “Portugal, Razão e Mistério” de António Quadros em cortadas citações, para atingir a ideia que gostaríamos de transmitir.

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