Rui Flores VozesJá não somos todos gregos, nem o Syriza [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão é viral, mas está disponível nas apostas online para quem gosta de arriscar. É possível fazer-se dinheiro com uma possível saída da Grécia do euro ou uma manutenção do status quo – uma continuidade, sublinhe-se, dramática para o povo grego, com mais medidas de austeridade, restrições à saída de capitais do país e introdução de uma nova divisa. No sítio de apostas online Betway, o principal patrocinador do clube de futebol West Ham da primeira liga inglesa, quem apostar quatro libras na saída da Grécia da zona euro ganha em troca sete libras, mais o valor da aposta inicial. Segundo um outro sítio online, o OddsCheckers, que faz a síntese das apostas disponíveis na internet com links para as casas de apostas, 55 por cento das pessoas que têm apostado na principal questão política europeia das últimas semanas crêem que a Grécia vai abanador o euro, contra os outros 45 que acreditam na manutenção de Atenas no clube restrito dos 19 países do Eurogrupo. Como em quase tudo na vida, a realidade da política – da negociação entre o Eurogrupo, a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e o governo grego – parece suplantar a mais fantasiosa imaginação de uma qualquer aposta online. Cinco dias depois de os gregos maioritariamente terem dito não a mais austeridade, num referendo considerado pelo próprio governo como um exercício democrático que outros Estados-membros da União Europeia deveriam ter a coragem de imitar, eis que o governo grego apresenta uma proposta aos credores que responde positivamente a quase todas as exigências às quais, até então, os gregos tinham dito oxi (nunca em tão pouco tempo houve tanta gente a aprender grego como agora, sobretudo partidários de uma esquerda europeia saudosa de causas agregadoras e capazes de provocar mudança). Podemos, sim, foi a nova mensagem de Alexis Tsipras, condicionada a uma reestruturação da dívida, à qual a Europa – leia-se Alemanha – não estava nem nunca esteve inclinada a discutir. [quote_box_left]Por mais que a Grécia tenha feito o seu caminho, alguns elementos chave do Eurogrupo têm muitas dúvidas sobre a capacidade deste grupo de homens e mulheres que governa hoje a Grécia em cumprir a palavra dada. E isso mina qualquer negociação e põe em causa qualquer futuro a 19. Pelo menos a 19.[/quote_box_left] É evidente que a situação económico-social se agrava na Grécia a cada minuto que passa. E que o desespero forçou os governantes a avançarem para um pacote de austeridade mais ambicioso do que a última proposta dos credores – aquela que tinha sido rejeitada pelo governo grego antes do referendo e que fora também afastada pela consulta popular. Independentemente do que vier a acontecer na cimeira de chefes de Estado e de governo da União Europeia deste domingo, 12 Julho, marcada para discutir pela enésima vez a crise grega (escrevo este artigo antes de a reunião ter começado), uma coisa é indubitavelmente certa: a União Europeia, enquanto projecto e entidade político-administrativa, sai desta crise muito enfraquecida. Este é um facto que parece dar razão àqueles que a criticam por ser extremamente burocrática, demasiado focada nas questões macroeconómicas e menos nos problemas e cada vez menos solidária, quer entre os diferentes Estados-membros quer entre as pessoas, os cidadãos da União – e desde 1992, com o Tratado de Maastricht, todos os cidadãos dos diferentes Estados-membros são cidadãos europeus, como atesta o passaporte de cada uma ou um. Para uma certa Europa, para a Europa que influencia a União Europeia e é capaz de determinar o seu rumo, a Grécia não é uma parte importante. Foi apenas até 2012, quando um segundo regaste financeiro teve de ser aprovado para salvar alguns bancos alemães e franceses de uma situação muito complicada – afinal eram eles quem tinha emprestado ao governo grego e estavam na contingência de não verem os seus créditos pagos, porque em apenas dois anos de austeridade imposta pela troika, o Estado grego estava de novo à beira do incumprimento. Agora é oficial – diz o FMI e insistem os norte-americanos. Sabe-se que as medidas foram extremamente gravosas e que a Grécia não vai lá sem um terceiro empréstimo internacional nem um aliviamento (pleonasmo para perdão) das condições dos dois anteriores. Mas alguns países não parecem estar disponíveis para ceder. Falta-lhes vontade para atravessar a sua metade da ponte para encontrar o Syriza – a coligação da esquerda radical grega – e aceitar algumas das condições que estão agora sobre a mesa. Afinal, os últimos meses foram de avanços e de recuos. De ausência de boa-fé negocial. De reuniões gravadas às escondidas através do iPhone e depois transcritas na imprensa. Por mais que a Grécia tenha feito o seu caminho, alguns elementos chave do Eurogrupo têm muitas dúvidas sobre a capacidade deste grupo de homens e mulheres que governa hoje a Grécia em cumprir a palavra dada. E isso mina qualquer negociação e põe em causa qualquer futuro a 19. Pelo menos a 19. Ainda para mais, depois de todo este processo – haja ou não fumo branco em Bruxelas neste domingo –, o Parlamento alemão terá ainda de apoiar a decisão. E essa parece ser um cenário pouco plausível. Na última semana, a opinião publicada alemã apontava para um só caminho, apelando à chanceler Angela Merkel para ser firme e rejeitar um entendimento com os gregos. O objectivo principal não é o de afastar o mercado de 10 milhões potenciais compradores das mercadorias alemãs. É o de punir os eleitores da Grécia por terem escolhido uma coligação de esquerda radical para governar o país e evitar que outros países sigam a mesma estratégia. O problema não é “apenas” o da Grécia sair. É sair e no curto prazo apresentar indicadores positivos, o que tornará o “crime” ainda mais apetecível. E isto não lhes sai da cabeça.
Joana Freitas EventosPatrimónio | IC lança livros para dar a conhecer história de Macau [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Instituto Cultural (IC) lançou ontem diversas obras que têm como tema principal o património cultural de Macau e a sua salvaguarda. “O Centro Histórico de Macau”, “Anos Dourados – Lou Kau e a Casa de Lou Kau”, “Charme das Ruínas – As Ruínas de São Paulo e o Colégio de São Paulo”, “Anais das Sessões – O Edifício do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais” e ainda “Poemas de Zheng Guanying” são as obras que incluem ainda “os resultados alcançados com os trabalhos de protecção”. Da autoria de Tang Si Peng, “O Centro Histórico de Macau” apresenta uma narrativa histórica, de imagens antigas do património, fotografias mais recentes e plantas dos alçados de alguns edifícios, “permitindo aos leitores uma abordagem geral abrangente e fácil sobre os 25 sítios que compõem o Centro Histórico de Macau”. Este livro é editado numa edição bilingue Chinês-Inglês e custa 90 patacas. “Anos Dourados – Lou Kau e a Casa de Lou Ka”, de Lin Guangzhi, tem como pano de fundo a evolução da sociedade de Macau e faz uso de descrições vívidas para descrever a vida lendária de Lou Kau e a gloriosa época da sua família. “Charme das Ruínas – As Ruínas de São Paulo e o Colégio de São Paulo”, de Chen Wenyuan e Cao Tianzhong, explora o significado histórico e a acentuada herança cultural que se esconde neste monumento, dando a conhecer a arte arquitectónica da Igreja da Madre de Deus e do Colégio de São Paulo e narrando a história missionária do catolicismo no Oriente. Já com a obra “Anais das Sessões – O Edifício do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais”, de Zhao Lifeng, vemos as diferentes designações deste edifício ao longo dos tempos. Os três volumes estão à venda pelo preço de 120 patacas. Compilado pelo Museu de Macau e pela Biblioteca de Xangai e publicado pela Editora de Livros Antigos de Xangai, o livro “Poemas de Zheng Guanying” compreende um total de seis volumes divididos em cinco partes que incidem sobre diversos temas, desde política e comércio a questões morais, desejos, sentimentos, crenças e viagens. “Estes poemas são essenciais para compreender Zheng Guanying e a sua obra-prima Advertências em Tempos de Prosperidade”, diz o IC. Esta colectânea está disponível por 980 patacas. As publicações estarão disponíveis para venda a partir de hoje na Feira do Livro de Macau, a ter lugar no Pavilhão Polidesportivo do Instituto Politécnico de Macau, na livraria Plaza Cultural Macau, na livraria Seng Kwong, no Arquivo Histórico de Macau, no Centro de Ecuménico de Kun Iam, na Livraria Portuguesa e no Centro de Informações ao Público da Rua do Campo.
Joana Freitas EventosCCM | Kayhan Kalhor e amigos sobem ao palco em Setembro [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Centro Cultural de Macau (CCM) apresenta, em Setembro, Kayhan Kalhor e Amigos, para um concerto de música indo-persa. Os cantores sobem ao palco do CCM no dia 4 de Setembro, pelas 20h00. Intitulado “A Reinvenção da Música Persa”, o concerto traz ao território Kayhan Kalhor (Kamancheh), Ali Bahrami Fard (Santur), Sandeep Das (Tabla) e Narendra Mishra (Cítara), que prometem transportar o público “de volta ao berço de civilizações antigas”. O espectáculo apresenta “melodias exóticas do dastgah persa e do raga do Norte da Índia”. Kayhan, considerado o mestre iraniano de kamancheh, viaja com um grupo de músicos fundindo duas tradições que há séculos se vêm cruzando histórica, geográfica e culturalmente. O ensemble vai tocar um conjunto raro de instrumentos incluindo os sons do santur, da tabla e da cítara. Quatro vezes nomeado para os Grammy, Kalhor tem feito colaborações com o Silk Road Ensemble de Yo-Yo Ma e com o compositor Osvaldo Golijov. “Combinando precisão clássica e arrojo criativo, as suas frequentes incursões performativas têm-lhe permitido tocar com regularidade com grupos de referência como o Kronos Quartet, Brooklyn Rider ou com a Filarmónica de Nova Iorque e, além de ter gravado com grandes instrumentistas iranianos, Kalhor compôs para cinema e televisão, incluindo a banda sonora de Youth Without Youth (2007) de Francis Ford Coppola”, explica a organização em comunicado. Para os que queiram saber um pouco mais sobre este artista, realiza-se ainda uma tertúlia pré-espectáculo moderada em Inglês pelo músico mexicano Raul Saldaña. A sessão tem entrada livre e acontece também no CCM uma hora antes do concerto. O orador vai abordar o percurso e repertório de Kayhan Kalhor com destaque para as músicas do mundo e seus instrumentos. Para o concerto, os bilhetes já estão à venda, com preços que vão desde as 150 às 300 patacas.
Hoje Macau EventosIlustração | André Carrilho vence World Press Cartoon 2015 O português André Carrilho venceu o Grande Prémio do World Press Cartoon (WPC) 2015, com uma imagem sobre o vírus ébola [dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m desenho do cartoonista André Carrilho, publicado no jornal Diário de Notícias a 10 de Agosto de 2014, venceu o World Press Cartoon deste ano. A imagem retrata a forma como o vírus ébola é visto pela comunicação social fora de África. O juri justificou o prémio referindo que o desenho de André Carrilho “não expõe apenas o problema de uma doença devastadora, mas sobretudo denuncia a dualidade de critérios da imprensa europeia e norte-americana perante a origem das vítimas”. Na altura, o cartoon do português foi analisado e comentado em vários jornais e partilhado nas redes sociais. Ao Público, o ano passado, o cartoonista explicou a ideia por detrás do desenho. “Parece-me que a atenção que se dá às epidemias nos média ocidentais não tem a ver com uma medida universal de sofrimento humano, mas com a maior ou menor possibilidade de nos atingirem. Os meios de comunicação social tendem a passar de alguma indiferença para a sobreexposição e pânico, sem nunca deixarem de tratar o assunto numa perspectiva que opõe ‘eles’ [África] a ‘nós’ [EUA e Europa].” O vírus ébola e o Mundial de Futebol no Brasil foram os grandes temas de destaque desta edição do World Press Cartoon, que em 2013 abandonou Sintra passando agora a realizar-se em Cascais, com um Grande Prémio estabelecido de dez mil euros. Na categoria de “Caricatura”, o vencedor foi o brasileiro Cau Gomez por um retrato caricaturado do futebolista Messi e o Papa Francisco, enquanto o segundo prémio coube a Dalcio (Brasil) que retratou o músico David Bowie, e o terceiro prémio foi para Riber (Francês). No “Desenho de Humor”, o primeiro prémio foi atribuído ao grego Michael Kountouris, vencedor do Grande Prémio da edição de 2013, numa caricatura sem título, mas que tem dois homens a segurar dois cartazes com peixes de diferentes tamanhos. Na categoria “Editorial”, que deu a vitória ao português André Carrilho, no segundo lugar ficou o búlgaro Tchavdar e, em terceiro, o ucraniano Cost. O júri que seleccionou as obras integrou António Antunes (Portugal), Agim Sulaj (Albânia), Xaquin Marin Formoso (Espanha), Firoozeh Mozaffari (Irão) e Augusto Cid (Portugal).
Anabela Canas de tudo e de nada h | Artes, Letras e IdeiasÀ distância de um tango [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]eis e vinte da tarde e finalmente aqui, como combinado. Um primeiro encontro, mesmo que seja apenas o deste ano, é sempre tocado daquela emoção que é uma mistura de nervosismo e ansiedade. Mesmo que seja o encontro romântico com o mar. Olho para o lado, onde poisei na areia o saco de praia e os sapatos de salto alto. E não consigo deixar de achar cómico, delicioso e um pouco simbólico. Eles vieram por falta de lembrança, na corrida de sempre antes de sair de casa, a antever os vários percursos que passam também por uma reunião e por fim, o mar. Vieram por engano, mas fazem todo sentido num primeiro encontro. E porque estou confinada por mais um ano, provavelmente, à impossibilidade daquilo que um certo novo-riquismo sofregamente consumista, instalado algures no nosso imaginário, designa por férias. Sair, viajar para longe. Ver coisas diferentes e invejáveis. Fugir à escala da existência quotidiana. Comprar coisas exóticas como prova de mundanidade. Um paradigma que só muito pontualmente, na verdade se cruza com o meu. Mas penso que saí de uma reunião de trabalho e estou quase sem transição, aqui. Frente ao mar. Com os pés numa areia clara e quente, e com a alma a desanuviar. E que aconteceu no espaço de um tango. Ouvido no caminho, se bem que repetidas vezes. Um – especial – que me enleva desde há meses. De Pugliese, só instrumental sem os fantasmas e os enganos de uma letra a contaminar a leitura dos sons. Este em particular, acabou por se tornar a partir de um momento qualquer, quase figurativo. Quase narrativo. E de tal forma o sentido que evoca, a paisagem que descreve e representa se impôs com rigor, que ficou para sempre o mesmo. O mesmo sentido, a mesma imagem quase fílmica e o mesmo tango. Ouvido obcessivamente. Mas não pode apanhar-me distraída. Preciso concentrar-me para ver. E é íntimo, o mais íntimo que pode ser na memória de um encontro de amor. Êxtase e lamento. Ficou. Mas hoje, este encontro com o mar. Tão fácil. E longe da multidão imaginada, silencioso o auditório de areia, no local que escolhi. Só vozes dispersas e longínquas, e o som do vento, não forte, mas suavemente audível. A maré a começar a subir e aquelas nuvens muito ténues, muito fininhas como um véu espraiado em largos farrapos, interrompidos por todo aquele azul, que hoje são dois. Um entre elas e outro em redor. E pensei, antes de começar a esvaziar este meu saquinho de tormentos de hoje, como ossinhos de colecção, como tudo isto assim, e uma coisa de nada, é um privilégio. Que esquecemos de incluir nos paradigmas modernos de qualidade de vida. Porque é o vizinho da porta ao lado. Pequenos prazeres, à beira dos quais uma classe média, seja lá o que isso é, sempre esteve, mas sempre com os olhos postos lá mais adiante, num horizonte que viu fugir para parte incerta há uns tempos. Para não falar dos verdadeiramente pobres. E que, amargurada, frustrada relativamente a muitos sonhos que encarava como instalados no rol das possibilidades, não consegue por vezes desmontar e afinar pelas reais e restringidas possibilidades. Não. Não tenho nada a criticar aos sonhos dos outros, mesmo se forem megalómanos, frívolos por vezes e centrados em algum exibicionismo. O direito a ter opções é inalienável. Mas olho para este meu fim de tarde, e sinto-o como se de um luxo se tratasse. Porque vivo numa cidade alegremente espraiada ao lado de um grande rio e com uma costa de mar à distância de um tango. E nesse novo-riquismo de que falava há também o inflacionamento dos sentidos. Do sentido lúdico, como somatório de todos os outros. O deslumbramento depois da contenção carente em que se viveu. Um certo novo-riquismo em que o pós 25 de Abril, e mais tarde a entrada na EU, nos precipitou, esperançosos e confiadamente, em paradigmas complexos. E um dia, na frustração. E não se trata, de todo, de fazer a crítica da ambição ou o elogio da mediocridade. Sem transição, lembro-me daquele género muito particular do cinema português, sobretudo nos anos 40 e 50. Esse cinema conformado, quietinho e bem comportado, a funcionar perfeitamente de acordo com a política do Estado Novo, e sobretudo da “política do espírito”, curiosa expressão sinónima da censura. O retrato de um “bom povo”, expressão de má memória e tão cheia de significado. Porque muito compostinho. Os pobres muito honrados, alegres e infantis, sempre preocupados com pequenas coisas fúteis, porque das outras não se podia falar. Em que tudo acaba sempre a cantar. Naquelas vozes trinadinhas. O povo a cantar como rouxinol a propósito de tudo e de nada, feliz com a sua simplicidade e a sua ração diária de alpista. Sem outros problemas que os sentimentais. Aquelas comédias de bairro, com o António Silva e o Ribeirinho e Vasco Santana. E que eu adoro, claro. São encantadoras e fazem-nos rir ainda e sempre. Mas sem esquecer o que significavam à época em termos de falta de liberdade de outros vôos no cinema – que os houve, mas se diluíram – e de expressão, mesmo em termos artísticos. E o cinema é perigoso porque imita demasiado bem a vida. Mas este era o cinema acarinhado e patrocinado pelo estado em função de géneros bem definidos, como por exemplo, nas palavras de António Ferro, director do S.N.I.: “quando se tratar de comédias amáveis ou até de bons costumes populares, mas não explorem o que há ainda de atrasado, de grosseiro, na vida das nossas ruas ou no porte de certas camadas sociais”. Volto lá atrás ao momento em que me lembrei desta ideia de povo colorido e parcial. Não é o contentarmo-nos com as coisas pequenas que eventualmente temos ao nosso alcance, à falta de melhor, mas sim o isolar essas coisas do facto de, de momento não haver mais opções, e dar-lhes o valor absoluto que elas têm. É não remar contra a maré. Melhor dizendo, não remar a favor da infelicidade. Desta falta de horizontes um pouco acabrunhante, que nos amarfanha, por vezes demais. Que desgasta a energia para continuar a ter um olhar lúcido não só sobre a necessidade de se ser crítico e inconformado, sobre a validade de protestar e ter a noção do que falta em termos de opções, mas também sobre a forma como isso nos centra por vezes num desalento, em que sem darmos conta estamos a alimentar a auto-piedade. Ou então fruir e limpar a alma daquele tipo de mágoa alienante. Enquanto a angústia e as ondas vão e vêm, folga a alma e os sentidos. Concentro-me de novo só no mar. Quando vem a onda. A subida agora nítida da maré. Há aqui um desafio neste meu olhar já mais apaziguado. Chega até mim ou não, antes que parta. É um pequeno braço de ferro. Não quero ceder à ansiedade recuando de imediato e mais uma vez. Já recuei a toalha uma vez porque ao chegar se estava ainda naquele breve romanço entre marés. E medi mal a distância de conforto. E concentro-me depois no Céu. O azul do céu, em dois azuis, e o do mar que é esverdeado mais para cá. E o azul da minha alma in deep blue. E lembro-me que afinal, do azul, do que era para dizer, tudo ficou para dizer mais tarde. Noutras páginas. Mas ainda assim esteve sempre ali. Todo o tempo subliminarmente na minha disposição, e a ocupar todo o espaço e toda a consciência como um íman. E disponho-me a voltar para casa, para tudo e para perscrutar mais tarde o efeito desta limpeza desintoxicante que já conheço de outras marés. [quote_box_left]E lembro-me de que digo às vezes que a vida não está para saltos altos. Mas está. Às vezes. À distância de um tango[/quote_box_left] Mesmo porque não vim para construir castelos de areia. Ou castelos na areia, como dantes e como, sobretudo na infância, quando eram reais, mais sólidos que os outros e como tal pela sua natureza, os que mais inevitavelmente se desfaziam na primeira onda. Mas é bom saber que podemos fazê-los e não que este é um país em que todos os projectos são de areia e vão pela água abaixo. Limpo os dedinhos destes pés que tanto me aturam e arrastam por aí, quantas vezes com a alma a puxar para trás. Tentando não ser demasiado exigente com a areia, por esquecer o prazer que foi hoje o primeiro contacto com ela, fina e quente, substituído pela contrariedade de a levar para casa. E calço os tais sapatos de salto alto, que vieram por engano. Três páginas de letra miudinha e alguns cigarros depois, são já mais de oito horas. Volto ao carro, ao meu tango secreto e à marginal apinhada agora. Acrescento estas linhas sobre o volante, num semáforo, que abre e fecha sem desenvolvimentos, e enrolo um cigarro. É o elogio do pequenino do meu dia. Deixo a Riviera para trás, rumo a casa. Passada a curva do Mónaco, tiro os óculos porque me lembro de que vou com o sol nas costas. E, de súbito, como sempre, tudo à minha direita ficou ainda mais azul. Penso distraidamente se não deveria ser à minha esquerda, mas vou vagamente para leste…E lembro-me de que digo às vezes que a vida não está para saltos altos. Mas está. Às vezes. À distância de um tango.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasA embaixada portuguesa em Pequim [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]em ter sido formalmente recebida em Nanjing pelo Imperador Zhengde (1505-21), a primeira Embaixada portuguesa à China seguiu para a capital Beijing por ordem do soberano chinês, onde se deveria realizar o acto protocolar da entrega dos presentes e da carta enviada pelo Rei de Portugal D. Manuel. Tomé Pires, que escrevera sobre a China sem a ter visitado, teria nesse momento um manancial de informações para aditar na sua Suma Oriental após ter percorrido Tamão (cuja localização tem adeptos na hoje conhecida por Ilha Lin Tin ou, segundo as actuais informações baseadas em documentação chinesa, a Ilha de Dayushan, actual Lantau), Nantó (Nantou, 南头, pequena vila na área de Nanshan, hoje pertencente a Shenzhen), Cantão (Guangzhou, 广州), Nanhsiung (Nanxiong南雄), Passo de Meiling (Meiguan, 梅岭关), Nan’an (南康), Kanchou (Ganzhou 赣州), Kian (Ji’an 吉安), Linkiang (Linjiang临江), Nankang (Nanchang, 南昌) e navegado do Rio Zhang (章江) ao Kuangkiang (Ganjiang 赣江), na cidade de Jiujiang (Kiukiang, 九江) desaguou no Rio Yangtzé (Changjiang, 长江) por onde seguiu para Nanquim (Nanjing, 南京, nessa altura denominada Yingtian) e onde o Imperador chinês se encontrava. A outra metade do percurso que a Tomé Pires faltava realizar foi feito pelo Grande Canal (DaYunHe, 大运河) seguindo de barco a Embaixada até à capital Pequim (Beijing, 北京), onde chegou no ano de 1520, ou em Janeiro de 1521. É de salientar que os historiadores de Macau como Marques Pereira, Luís Gonzaga Gomes e Beatriz Basto da Silva referem a data de 11 de Janeiro de 1521 para a entrada em Pequim do primeiro Embaixador de Portugal à China. Já Rui Loureiro propõe ter ocorrido em finais de 1520, ou talvez como diz Paul Pelliot, em Agosto de 1520, pois as fontes chinesas afirmam que a embaixada portuguesa permaneceu em Pequim quase um ano. Armando Cortesão diz: “Não consta ao certo quando Pires partiu de Nanquim, nem quando chegou a Pequim. Sabe-se apenas que, depois de ter navegado mais de mil quilómetros ao longo do Grande Canal, já se encontrava na capital quando o Imperador lá chegou, em Fevereiro de 1521”. Há também informações contraditórias acerca de ter Tomé Pires vindo de Nanjing integrado, ou não, na comitiva imperial durante a viagem para Beijing. No Revisitar os Primórdios de Macau a nota 92 refere: “Tomé Pires chegou, na comitiva imperial, a 18 de Janeiro de 1521”. Já Rui Loureiro revela: “O imperador chinês partira de Nanquim na mesma altura que a embaixada, mas detivera-se numa pequena cidade dos arredores de Pequim, onde assistiu à execução do príncipe revoltado: ” Cartas dos Cativos de Cantão. Assim, em Janeiro de 1521, o Imperador Zhengde encontrava-se em Tongzhou, a vinte quilómetros para Leste do Palácio Imperial em Beijing e foi durante a estadia nesta pequena localidade que recebeu vários memorandos sobre os portugueses. Memorandos contra os portugueses Onde terá o Imperador Zhengde recebido os memorandos, é ponto onde não há consenso pois, Rui Loureiro refere que o imperador os recebeu (em Tongzhou) numa pequena cidade dos arredores de Pequim e Armando Cortesão diz que o Imperador recebeu em Nanquim o embaixador do Rei de Malaca, Mamude Xá “e a carta que trazia. Ao mesmo tempo, chegou-lhe outra carta de dois mandarins de Pequim e ainda outra dos de Antão, acumulando queixas contra os portugueses, principalmente por causa dos desmandos de Simão de Andrade. Não admira, por isso, que a embaixada portuguesa fosse mandada seguir para Pequim sem ser recebida.” Malaca desde 1409 pusera-se debaixo da protecção dos imperadores chineses da dinastia Ming para conter os ataques do reino de Sião. Assim, “quando os portugueses a tomaram por Afonso de Albuquerque, em 1511, Malaca era tributária do Imperador da China. O Rei de Malaca, Mamude Xá, que fugiu quando da conquista da cidade, ficou sempre inimigo figadal dos portugueses e enviou um embaixador, Tuam Hasam Mudeliar (o , de Barros) a queixar-se ao seu suserano contra os portugueses, , que tinham tomado o seu reino, e a pedir o auxílio que, como vassalo, lhe era devido” A. Cortesão. Rui Loureiro complementa: “Alegando a sua condição formal de tributário do Celeste Império, o soberano malaio solicitava ajuda contra a ocupação portuguesa do seu estado: (referido nas Cartas dos Cativos de Cantão). Ao mesmo tempo, tentava lançar o descrédito sobre a embaixada lusitana, alegando que Tomé Pires e que os portugueses eram encapotados, que vinham tentar ocupar o território chinês, tal como anteriormente tinham conquistado Malaca”. Para além da pressão dos mensageiros malaios na corte imperial, que narravam histórias terríveis sobre os portugueses, outros dois memorandos, de teor muito semelhante, foram enviados de Beijing e de Guangzhou ao imperador e vinham reforçar o mau carácter dos portugueses que andavam pela costa Sul da China. Como o memorando de Beijing traz o relatório das queixas enviadas de Cantão, ficamo-nos assim pelo que veio dessa metrópole meridional acerca do comportamento abusivo dos folangjis da expedição de Simão de Andrade. “Os funcionários cantonenses descreviam todas as arbitrariedades cometidas pelos portugueses, desde a recusa de pagarem direitos alfandegários até à construção não autorizada de uma fortaleza, passando pela agressão a um mandarim e pelo rapto de crianças.” E continuando com Rui Loureiro, sugeriam “ao imperador que não recebesse a missão chefiada por Tomé Pires, pois os ocidentais, sob disfarce de embaixada legítima, vinham apenas , para depois as ocuparem.” Tais memorandos parecem não ter surtido os efeitos esperados no Imperador Zhengde, pois adoptou uma posição conciliadora, atribuindo os conflitos a segundo Cristóvão Vieira, nas Cartas dos Cativos de Cantão. Ambiente desfavorável em Pequim Enquanto a Embaixada de Tomé Pires esperava em Beijing pelo regresso do Imperador Zhengde, que apenas ocorreu em Fevereiro de 1521, segundo o que refere Luís de Albuquerque: “o ambiente criado na corte para a recepção do embaixador não seria, por consequência, dos mais favoráveis. Para o agravar surgiram ainda mais alguns equívocos e o presente deve ter sido considerado mesquinho. Já A. Cortesão diz: “Quando o Imperador chegou à capital, Pires entregou na corte três cartas de que era portador: uma do Rei D. Manuel, para ser aberta apenas na presença do Imperador, outra de Fernão Peres de Andrade e a terceira dos governadores de Cantão. Esta última tinha sido escrita quando os Governadores estavam ainda sob a boa impressão deixada por Andrade. Mas a carta deste (Fernão Peres de Andrade) foi, em Cantão, traduzida pelos intérpretes chineses, segundo o estilo da terra, os quais, entre outras coisas, escreveram que o Rei de Portugal desejava ser vassalo do Rei da China, etc. Tomé Pires nada sabia, claro está, do teor da fantástica tradução. Quando a carta selada de D. Manuel foi aberta no palácio imperial e traduzida, verificou-se que o seu espírito era, naturalmente, por completo diferente do que os intérpretes tinham escrito em nome de Andrade. Montalto de Jesus explica: “Acostumada como estava, a corte de Pequim, a receber apenas embaixadas tributárias, o teor altivo da carta de D. Manuel foi considerado derrogatório para com o Filho do Céu. Outra carta de Fernão Peres de Andrade foi falseada pelos intérpretes em Cantão e transformada numa petição de vassalo”. E continuando com A. Cortesão: “Os intérpretes aceitaram a responsabilidade pela deturpação, explicando que assim haviam feito com o melhor intuito, para adaptá-la ao costume da terra. Foram presos, tendo sido aberto um inquérito”. Montalto refere ainda: “uma nota do Vice-Rei de Cantão informava que Andrade pedira autorização para estabelecer uma feitoria em Cantão e que, difíceis de contentar, os conquistadores de Malaca eram muito presunçosos no tocante a honrarias. O conselho imperial, reparando na disparidade dos termos destas cartas, declarou Pires um impostor e um espião”, ficando “os membros da Embaixada proibidos de se aproximar do Palácio Imperial para fazer a costumada reverência” como anota Cortesão e com ele continuando: “Cristóvão Vieira descreve essa prática imposta aos embaixadores que iam à corte chinesa: . O Imperador ter desculpado os portugueses não caiu bem aos já “irritados mandarins, e mais acusações eram trazidas contra Pires e seus companheiros. E se algumas delas eram verosímeis – como o caso sucedido a uma mandarim que as autoridades de Cantão, em 1520, mandaram a Tamão cobrar quaisquer direitos dos portugueses e que, segundo Vieira, depois se queixou de (isto é, os portugueses) – outras eram puramente fantásticas. Barros conclui assim o capítulo da Década III, em que se refere a tudo isto: . T’ien-Tsê Chang, escritor chinês moderno, conta que alguns historiadores chineses de então chegam ao ponto de dar pormenores do preço pago pelas crianças e até do processo usado pelos portugueses para as assar” Armando Cortesão. Morte do Imperador Faleceu em 20 de Abril de 1521 o ainda jovem Imperador Zheng De, que de nascença se chamava Zhu Houzhao e ficou com o nome póstumo de Yi Di e o nome de Templo Wu Zong (1505-21). Nascido em 26 de Outubro de 1491 era o filho mais velho do Imperador Hongzhi e como bom estudante, esperava-se que se tornasse um brilhante soberano. Subiu ao trono a 19 de Junho de 1505, tendo como nome de Era, Correcta Virtude. Sendo do signo astrológico do zodíaco chinês Porco, preferiu delegar aos eunucos do palácio a governação do país e viver ‘liberta-mente’ nos seus palácios fora da Cidade Proibida (Gugong), assim como andar em constantes viagens pelo país. Gostava de conviver com estrangeiros e convidou muitos muçulmanos para o servirem como conselheiros. Demonstrou ser um bom militar, pois pessoalmente comandou uma expedição contra os mongóis e vencendo-os, estes durante muitos anos deixaram de invadir as fronteiras Norte da China. Na viagem de regresso de Nanjing, após a sua campanha contra o revoltoso Príncipe de Ning, o Imperador encontrando-se no barco a lançar uma rede de pesca, caiu à água do Grande Canal e adoeceu. Ainda passou por Tongzhou, onde julgou e sentenciou à morte o rebelde Zhu Chenhao, a quem tinha vencido em Nanjing. Três meses após a sua chegada a Beijing, o Imperador faleceu de doença contraída pelas águas do Grande Canal, havendo quem diga ter sido envenenado, pois era de fácil recuperação essa maleita. Segundo o costume, em virtude do falecimento do Imperador Zhengde (正德), a embaixada de Tomé Pires “foi convidada a sair da capital, para seguir para Cantão, onde deveria aguardar a boa ou má disposição do novo imperador em o receber” Luís Gonzaga Gomes. Como todos os filhos do Imperador Zheng De não tinham passado da tenra idade, o seu sucessor foi o primo Zhu Houcong, que governou a China entre 1521 e 1566 como Imperador Jiajing (1522-66) e seguindo com A. Cortesão: “Shih-tsung (Jiajing) contava apenas catorze anos. Os mandarins passaram então a dominar em absoluto. Da pouca conta em que os portugueses eram tidos nos diz Vieira, ao explicar a dureza com que foram recebidos em Pequim e o mais que depois lhes sucedeu: . Alguns dos mandarins declararam que a Embaixada não era genuína e desejavam que Pires e seus companheiros morressem como espiões. Salvou-os nessa ocasião o privilégio diplomático. Mas o intérprete principal Hoja Yasan (desmascarado como falso embaixador) e os outros quatro foram .” Montalto de Jesus diz: “O imperador morreu durante esta crítica conjuntura e o seu sucessor, anulando a intenção da corte de executar Pires”, foi a Embaixada “então mandada sair da capital e regressar a Cantão, com os presentes que trouxera para o Imperador, os quais foram recusados. Pires e os seus companheiros partiram de Pequim em 22 de Maio e chegaram a Cantão em 22 de Setembro de 1521, tendo durante a viagem falecido Francisco de Budoia” A. Cortesão, mas a data de partida de Beijing registada em Wuzong Shilu (Crónica Verídica do Imperador Wuzong) é 22 de Abril, como no Revisitar os primórdios de Macau é explicado, sendo também daí o que é dito dentro dos parênteses do parágrafo anterior. “Ao mesmo tempo, foram de Pequim mandadas instruções, por via rápida, para que, quando o Embaixador e os seus companheiros chegassem a Cantão, fossem presos, e que só depois dos portugueses terem evacuado Malaca e esta sido entregue ao seu legítimo rei, vassalo do Imperador da China, seriam aqueles postos em liberdade” A. Cortesão. Durante o período em que a Embaixada de Tomé Pires viajava de Guangzhou para Nanjing e daí para Beijing, até ao seu regresso a Guangzhou, muita coisa ia acontecendo na costa Sul da China. A imagem de pirata que Simão de Andrade aí deixara e o não acatar, pelos mercadores portugueses, a suspensão obrigatória de todas as actividades após a morte do Imperador, levou a que em Setembro de 1521 ocorresse ao largo do porto de Tunmen a primeira batalha naval entre portugueses e os chineses.
Arnaldo Gonçalves VozesA Grécia fora do euro [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]pesar da onda de solidariedade que a situação grega e o referendo de domingo passado suscitou por toda a Europa, pode dizer-se que se apresta a saída da Grécia do Euro e muito provavelmente o desmembramento da União Económica e Monetária(UEM). O clima negocial em Bruxelas e nas principais capitais europeias não é de modo a aceitar – uma negociação realista da última proposta europeia apresentada os gregos. A única resposta que se espera deles é a capitulação e a rendição, sem reservas, às propostas que os magiares da União Europeia afirmam ser a única forma de se estar no Euro e de se convergir com as economias ricas da Europa. Isto é uma política de absoluta austeridade, de contenção severa das despesas públicas, de emagrecimento do Estado Social, de desestruturação, a final, das políticas de coesão que haviam sido aprovadas pelo Acto Único Europeu de 1986. É fácil tentar imputar responsabilidades pela ruptura negocial entre Bruxelas e Atenas mas elas dificilmente são atribuíveis a uma só parte. Não há neste jogo santos e mártires mas apenas poderes (de distinta dimensão) que jogaram aquilo que têm à disposição para pressionar o adversário e prosseguir os seus interesses e prioridades. No caso dos administradores da UEM a convergência artificial das economias, o equilíbrio orçamental a qualquer preço, o garrote da despesa pública não referido ao desempenho do PIB. Foi este conjunto de prioridades que a Alemanha conseguiu instilar no Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governança da UEM (2012) e que conduziu ao estado presente de estrangulamento da economia da União, expresso nos baixíssimos valores de evolução do PIB nesta década, na ordem média dos 0.36%. No caso da Grécia a ideia, porventura infantil, que as economias ricas da Europa estariam disponíveis para injectar significativos montantes de financiamento que permitissem ‘segurar’ o essencial do estado social, em nome de um abstracto e insubstantivo valor de solidariedade europeia. Tornou-se claro que a posição dos credores é apenas um ‘take it or leave it’ e que não existe – como nunca existiu – margem significativa para negociar as várias metas. É, porventura, dramático que um governo democraticamente eleito pelos seus cidadãos em Janeiro e cuja posição negocial foi referendada, maioritariamente nas urnas, no domingo, se veja derrotado por instâncias que não foram eleitas mas cooptadas pela burocracia tecnocrática que dirige os destinos da União Europeia. Mas a política internacional nunca foi justa e quase nunca correspondeu a exigências de ética e elevação moral. Apenas, porventura, à saída da Segunda Guerra Mundial sob a protecção generosa do exército norte-americano. Assistiremos, assim, nos próximos dias, à rejeição da posição grega, em nome da solidez e coerência da posição europeia. Dando acolhimento ao clamor dos eleitorados dos países do Norte da Europa que têm pressionado os governos para recusarem novos auxílios e deixarem os gregos à sua própria sorte. Na sequência da ruptura, a Comissão Europeia implementará medidas, já programadas, de desancoramento da Grécia à UEM e eventualmente um programa de assistência humanitária de urgência. Digo eventualmente, porque tenho dúvidas que os 15 países que estão em sintonia quanto à saída da Grécia da UEM ainda concedam essa ajuda de urgência. É, imaginam eles, a última estocada no moribundo que apressará a sua agonia. [quote_box_right]Os campeões da União Económica Monetária acreditam que cortando um dedo asseguram a sobrevivência do corpo mas esquecem-se da gangrena que tomou já conta dos outros membros[/quote_box_right] A saída da Grécia do Euro não é o fim mas é ao contrário a luz ao fundo do túnel. Permitirá ao governo grego, retomando a totalidade dos poderes soberanos sobre a gestão da economia, implementar as necessárias políticas económicas. Desde logo, a obtenção de socorro de emergência fora da União Europeia. A Grécia é o baluarte sul de defesa da Aliança Atlântica, uma peça essencial no seu dispositivo, num tempo de expansão do poder geoestratégico russo sobre os territórios vizinhos. É, também, um país vizinho da Turquia e essencial na contenção da ameaça islamita radical que está, pouco a pouco, a partir dos territórios que já dominam no Norte da Síria e do Iraque a sequestrar zonas do Médio Oriente que são vitais à defesa do Ocidente e ao aprovisionamento de matérias-primas. Não é preciso fazer um grande exercício de imaginação para se perceber que os Estados Unidos não deixarão cair a Grécia na zona de influência da Rússia e da China. As ilhas helénicas dominam estrategicamente as rotas de navegação do Norte do Mediterrâneo e dão acesso ao também estratégico Canal de Suez. Mas ainda que a ajuda de emergência não seja totalmente assumida por Washington irão aparecer outros poderes disponíveis para cooperar. Isso era claro em artigo publicado esta semana no New York Times. O segundo passo é a emissão da moeda nacional, o novo dracma, sob a tutela do Banco Central grego e a sua interligação à carteira de moedas internacionais. Retomando os poderes de gestão monetária que perdeu quando entrou na UEM, o governo grego estará agora livre para desvalorizar a nova moeda face ao Euro e ao dólar. O que irá estimular as exportações, o turismo (a principal indústria nacional) e a fixação de novos investimentos. Passará para a gestão nacional o controle da inflação, instrumento que tem sido mantido artificialmente baixo por condicionamento do Banco Central Europeu (entre 1% e 1.5%). A situação da Grécia é muito difícil. Como referia o Prof. Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, a economia grega encolheu 25% desde 2009, o desemprego atinge os 27% em geral e 50% na juventude. É ingénuo pensar-se que um terceiro pacote de assistência financeira ( o mecanismo ESM) irá resolver, significativamente, a aflitiva situação grega. Será um paliativo num doente já moribundo, destinado a assegurar o reembolso dos empréstimos concedidos pelos bancos alemães, franceses e britânicos aos falidos bancos gregos. Apenas uma pequena parte – menos de um terço – será destinado a aplacar a situação aflitiva dos segmentos mais depauperados da população. Os campeões da União Económica Monetária acreditam que cortando um dedo asseguram a sobrevivência do corpo mas esquecem-se da gangrena que tomou já conta dos outros membros. As políticas em vigor no Tratado Orçamental estão desajustadas à situação presente da União. Foram criadas para responder a circunstâncias que já não existem. Se não forem revistas a União Económica morrerá e outros países sairão do Euro. É uma questão de tempo.
Flora Fong SociedadeDSSOPT | Uma dezena de terrenos negociados com o Governo Dez lotes para construções relacionadas com o Jogo ou o planeamento urbanístico terão sido trocados entre proprietários e Governo [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) afirmou que existem 12 casos de troca de terrenos entre Governo e proprietários. O motivo: para facilitar a abertura dos empreendimentos de Jogo e o ajustamento de planeamento urbanístico. Segundo o Jornal San Wa Ou e a Rádio Macau em língua chinesa, um comunicado da DSSOPT indica que, durante e nos primeiros anos após a transferência de soberania de Macau, foram negociados lotes com vários proprietários de lotes, sendo que houve troca de dez terrenos. Em Português – e no site oficial do Gabinete de Comunicação Social nas duas línguas – não existe qualquer comunicado sobre o assunto, mas os média chineses afirmam que entre os dez casos de trocas, quatro já foram concluídos, incluindo para a construção de duas habitações públicas em Mong-Há e Seac Vai Pan, para a exploração da Rua da Harmonia e para desenvolvimento do terreno que liga a Avenida do Ouvidor Arriaga ao Fai Chi Kei. As autoridades afirmaram que foram trocados por lotes em redor com áreas semelhantes. Em andamento No que toca às seis restantes trocas, estas ainda não foram concluídas, explicou a DSSOPT, indicando que uma delas está localizada na área da habitação pública da Ilha Verde e outros lotes – os maiores – são onde estão construídos o Wynn, MGM e Galaxy. A DSSOPT explicou ainda que os outros lotes envolveram a exploração de estradas e projectos de interesses públicos, incluindo a Praça Flor de Lótus e o futuro complexo da Fábrica de Panchões Iec Long da Taipa. A utilização para as obras do metro ligeiro é também uma razão para a troca de dois lotes localizados na Avenida do Comendador Ho Yin e na Avenida Leste do Hipódromo, cujos processos já foram concluídos. A direcção reiterou que no processo de troca tem mantido uma atitude cautelosa, tendo sempre em mente o interesse público. O HM tentou contactar a DSSOPT, mas não foi possível devido ao avançado da hora.
Joana Freitas BrevesMais de 32 mil alunos recebem subsídio para material escolar Mais de 32 mil estudantes do ensino superior viram aprovadas as suas candidaturas ao subsídio para aquisição de material escolar, segundo indica o Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES). São três mil patacas que cada aluno irá receber para o apoio de aquisição de livros, materiais de referência e de aprendizagem. As candidaturas decorreram entre 3 de Fevereiro e 31 de Março, tendo-se inscrito 32.686 estudantes que reuniram as condições exigidas e aos quais é atribuído este subsídio. Destes, 16.395 estudam nas instituições do ensino superior de Macau, 15.001 nas instituições do ensino superior do exterior e 1290 frequentam, em Macau, cursos ministrados por instituições do ensino superior do exterior, em colaboração com entidades locais. Relativamente ao grau académico, 462 estudantes frequentam cursos de doutoramento, 3449 de mestrado, 26.711 de licenciatura, 1286 de bacharelato e outros 778 estudantes estão noutros tipos de cursos. O montante total de investimento do subsídio é de 98,1 milhões de patacas.
Flora Fong Perfil PessoasAntonius Leong, funcionário público [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão é um fotógrafo profissional, mas adora tirar fotografias. Todos os dias, Antonius Leong se dedica a essa mesma paixão, pondo na sua página do Facebook (Antonius Photoscript) uma imagem da sua autoria. O interesse surgiu há três anos e Antonius, natural de Macau, fala-nos sobre esta história. Tem menos 40 anos e um trabalho fixo na Função Pública, algo que, confessa, não está relacionado com o seu sonho de carreira. Como se pode imaginar, grande parte do seu tempo livre serve para tirar fotos. Tempos esses que incluem não só os fins-de-semana, mas também as horas de almoço e depois da saída do trabalho. “Passeio todos os dias para tirar fotografias depois de almoçar ou sair do trabalho. Trago comigo a minha máquina e assim posso tirar a qualquer coisa sempre que tenho inspiração, seja onde for, esteja onde estiver”, conta-nos. A forma como realiza o seu passatempo consegue fazer com que Antonius lide diariamente com a sua profissão e a sua paixão de forma equilibrada. Até porque, antes de adorar tirar fotografas, o nosso entrevistado gostava mesmo era de comprar e coleccionar máquinas fotográficas. “Antes só pensava em comprar máquinas caras que podiam tirar boas fotos. Só depois comecei a frequentar cursos básicos e, depois, o que era preciso era praticar mais.” Antonius recorda que o interesse surgiu em 2011, um ano depois de ter criado a página do Facebook. Página que cada vez começou a receber mais ‘likes’ e que fez Antonius criar uma página de internet, onde apresenta o seu portefólio. Macau, Macau Macau é, quase há 40 anos, a terra de Antonius. E é em Macau que as suas imagens são capturadas. “Gosto de ir a cafés, de andar na mota e de passear ao longo dos becos e ruas, capturando imagens de tudo o que me fascina, tanto o património, como os bairros menos conhecidos onde as pessoas vivem e brincam com os gatos atrás de becos”, descreve no seu site. Perdemo-nos na sua página, onde podemos ver que, na maioria das fotos de Antonius, o contexto é Macau. Desde as esquinas dos templos, às casas e lojas antigas… desde as pessoas a trabalhar como vendedores nas ruas, até à paisagem que nos traz as Ruínas de São Paulo, os Lagos Nam Van ou os empreendimentos luxuosos dos casinos. Mas, para o fotógrafo amador, os sítios preferidos são o Jardim Lou Lim Iok e o Largo do Lilau, porque são especialmente “bonitos e clássicos”. Questionado se pensa em ser fotógrafo profissional para amigos ou até para clientes, Antonius conta-nos que já ajudou um grande amigo a trabalhar numa série de fotografias de casamento, mas como tem o seu trabalho fixo, não vai se dedicar a esta actividade. “Isto fica só como o meu interesse pessoal”, diz-nos. Em algumas descrições das fotografias na página do Facebook, Antonius agradece à sua esposa pela compreensão. Perguntamos-lhe o porquê e, ao HM, explica que “tirar fotografias é uma actividade que demora sempre muito tempo”, pelo que é preciso a compreensão da parceira e da família. “Várias vezes aconteceu que saí do café para tirar fotos enquanto a minha esposa esperava por mim sozinha, mas felizmente ela não se importa e nunca se queixou”, diz orgulhoso. Antonius não tem uma preferência de temas específicos quando tira fotos. Aprecia, isso sim, a beleza das coisas. Uma espécie de registo, ou diário do seu quotidiano. “Depende da minha disposição diária. Quando estou contente, tiro a coisas mais felizes; quando estou em baixo ou aborrecido pelo trabalho, procuro coisas mais pesadas. Isso já é um hábito.” Mas as obras especiais do fotógrafo não acabam aí. Antonius utiliza Legos na sua actividade e explica-nos de onde surgiu a ideia. “Uma vez a Direcção de Serviços para Turismo (DSE) fez uma exposição em Hong Kong que recriava em Legos um modelo do Leal Senado. Participei e conheci um membro de uma associação de Legos em Hong Kong e assim surgiu a ideia de tirar fotos em Macau com elementos de Legos. Ele ofereceu-me ou emprestou-me bonecos e eu comecei a fazê-lo. Antonius vê as oportunidades de expandir a sua paixão de forma optimista, ainda que admita que Macau é pequeno e só se conseguem tirar fotos aos mesmos sítios. “Muitos outros especialistas mais experientes tiram fotografias melhor do que eu, então procurei ideias novas para haver uma mudança e fazer com que as minhas imagens não sejam aborrecidas.” Outra obra especial que Antonius levou a cabo foi uma combinação de dois sítios semelhantes, sendo um em Macau e outro na Coreia de Sul. A fotografia mostra que parece o mesmo lugar. Apesar de aprender várias técnicas nos cursos, Antonius tem a sua própria maneira de tirar fotos, a qual não chega para ser um fotógrafo reconhecido. “Já participei em concursos de fotografias realizados por Hong Kong Macau e Cantão e ganhei dois prémios. Mas raramente participo mais porque os meus temas de fotos nunca correspondem aos dos concursos e os concursos limitam a maneira de tirar fotografias, não gosto tanto, porque eu tiro à vontade.”
Hoje Macau VozesEstoril, para que te quero? * por Mário Duarte Duque [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]tempo de vida de um edifício é função da sua viabilidade física e da sua viabilidade económica. A primeira extingue-se por colapso estrutural, a segunda extingue-se por já não gerar rendimento em moldes que justifique o seu uso e a sua manutenção. Por vezes também se extingue por inconformidade com standards técnicos mais actuais, como é o caso do emprego de materiais que se conheceram mais tarde serem tóxicos ou de não terem adequada resistência ao fogo. Foi do conflito entre novas oportunidades e a responsabilidade institucional de manter um acervo arquitectónico e urbanístico significativo, que se desenvolveram fórmulas que permitiram prolongar a vida económica desses edifícios. Para aquilo que foi primeiramente uma obrigação pública, a preocupação residia principalmente na integridade física dos edifícios. A fórmula convencional que assistia essa manutenção eram os fundos públicos e o pagamento de ingressos de visita, mas geralmente pouco significativos para não onerar outra obrigação pública, a função educativa. Outras fórmulas mais elaboradas foram já a conversão de alguns desses edifícios em equipamentos hoteleiros criteriosos, como é o caso das pousadas em Portugal e os paradores em Espanha. Admite-se que a pousada de S. Tiago tenha acontecido nessa continuidade. Mas foi o reconhecimento da crescente gratificação que o uso desses edifícios gera tanto aos habitantes da cidade, generalizadamente mais instruídos, como aos seus visitantes, generalizadamente mais interessados, o que determinou fórmulas de alargada elaboração e extensão, nomeadamente estendendo-se a propriedades privadas onde também pendessem regras de salvaguarda. Edifícios que até então eram vistos como empatados e que assim passaram a ser contemplados com um novo sentido de oportunidade. Foi com essa alteração de circunstâncias que o que inicialmente era uma obrigação institucional, e um peso morto na maior parte dos casos, passou a revelar-se uma oportunidade. O feliz advento foi também a condescendência dos governos ao liberalismo económico e o interesse desses agentes em administrar bens e atribuições públicas de rápida capitalização, como se anteviu ser a renovação urbana, e como é característica dos bens públicos que tendencialmente interessavam aos agentes do liberalismo económico administrar. O preço a pagar foi a falta de comando público, e a contingência mais recorrente foi social. Em verdade a maior parte das operações de renovação urbana não serviu aos usos e à população originária, mesmo quando isso era apanágio da operação, e muitos desses agregados populacionais extinguiram-se por via dessas operações. A título de exemplo, a operação de renovação da ponte cais 16, em Macau, moveu-se suscitando e recebendo a confiança de que seria o motor de revitalização urbana de todo o Porto Interior. Na prática só retirou um fim de céu e de água à Av. Almeida Ribeiro. Mas também uma alteração de modelo de gestão que determinou a necessidade de reformular conceitos. Tudo o que até à data cabia numa categoria única de “monumentos, edifícios, conjuntos e sítios classificados” onde não só estava vedado a sua demolição, como sequer os edifícios podiam “sofrer” outras operações que não fossem de restauro, subdividiu-se em outras categorias como a de “edifício de interesse arquitectónico” o qual já poderia “beneficiar” de operações de ampliação, consolidação, modificação, reconstrução e recuperação. E tanto de que se tratou de uma significativa alteração de circunstâncias que a própria terminologia normativa também se alterou. As mesmas operações que eram contempladas como um sacrifício que os edifícios não podiam “sofrer”, passaram a ser contempladas por medidas que iria “beneficiar” esses edifícios. E foi assim que em Macau, o edifício do Banco Nacional Ultramarino, que fora inscrito na lista de 1989 na categoria de “monumentos, edifícios, conjuntos e sítios classificados”, passou a figurar na legislação de 1992 na categoria de “edifício de interesse arquitectónico”, e assim pôde beneficiar de obras de ampliação. Foi assim que intervenções, que antes não se admitiam noutras categorias que não fosse “restauro”, passaram a caracterizar-se em função da natureza da operação e dos trabalhos com designações do tipo “reabilitação”, “recuperação”, “reutilização”, “requalificação”, “revitalização”, “regeneração” ou “reestruturação”, todas pressupondo medidas de intervenção em preexistências urbanas e arquitectónicas de valor, com o intuito de lhes proporcionar uma nova viabilidade. Em verdade, qualquer destas intervenções será sempre um sacrifício da substância arquitectónica originária, todavia o preço a pagar para que a mesma substância subsista e para que possamos melhor integrar essa substância nos usos contemporâneos da cidade. Alguns sacrifícios são convencionalmente admissíveis porque dificilmente admitiríamos continuar a utilizar um edifício que não tivesse fornecimento de energia eléctrica ou que não estivesse equipado com instalações sanitárias. Outros sacrifícios moderamos criteriosamente, admitindo prescindir de ar condicionado num edifício que originariamente foi dotado de volumes generosos de ar e de ventilação transversal, ou esforçamo-nos por configurar outras soluções melhor adaptadas a essas características que não passam pela redução dos volumes do espaço interior desses edifícios. Mas também sacrifícios que são muito mais notórios quando passam pela mudança da finalidade dos edifícios, ou pela destruição da sua compartimentação original, para acomodar novas condições espaciais, como é caso recorrentemente. Mesmo no pressuposto que na concepção arquitectónica de um edifício reside valor, não há nada que se possa retirar ou isolar do desenho desse edifício que retenha esse valor autonomamente, e que não se torne num mero fragmento uma vez isolado ou retirado, ou que deixe de ser função da finalidade originária desse edifício. No que se prende com a fixação do valor urbanístico e arquitectónico as contribuições podem ser diversas, e todas contribuem para o conhecimento e para a compreensão da substância arquitectónica em causa. Compreensão que é a condição primordial e anterior a qualquer intervenção para que uma intervenção seja ponderada e avisada. Infelizmente a realidade está repleta do contrário. A memória longínqua da nossa matriz cultural lembra-se de um centro comercial desastroso que foi feito na estação do Rossio em Lisboa e a memória próxima da mesma matriz cultural lembra-se do aumento de volume de construção, igualmente desastroso, do pequeno edifício Art Deco da Tv. do Paiva, afecto aos serviços administrativos do Palácio da Praia Grande. Ou seja, duas contingências nefastas. Por um lado a contingência de se sacrificar, por outro a contingência de o acervo de conhecimento e de aviso disponíveis poder ser reduzido. Mas também componentes que se formam pelo regime da razão, a qual, independentemente de poder ser mais ou menos apta, é também resultado das circunstâncias do momento. Por isso, da maturidade que hoje já é possível reunir sobre regimes de intervenção em substâncias arquitectónicas e urbanísticas sensíveis, a regra de ouro não é protelar decisões à espera de melhor aviso. A regra de ouro é antes dar prioridade à manutenção dos edifícios afectos à sua finalidade original e configurar intervenções que possam ser reversíveis à luz de melhor conhecimento ou melhor aviso. Modelo que assegura, mesmo na dúvida, que os erros não sejam reversíveis, e se formem opções técnicas e de desenho que assistam essas intervenções. Intervenções onde a intenção não é de rotura com a obra original, mas também não é de continuidade do que originariamente foi feito. Intervenções onde linguagens mais abstractas e neutras, que a estética moderna admite, revelam-se mais aptas em contribuir para que a substância arquitectónica original seja mais evidente. E, umas vez que se conhecem os caminhos, a crise em torno do edifício do Hotel Estoril do Tap Seac fulcra-se antes no princípio da questão, isto é, na fixação do valor arquitectónico. Em verdade, a razão por que os edifícios se classificam não é apenas para que se fixe o reconhecimento do seu valor, mas também para que o seu valor, uma vez fixado, não seja mercê de circunstâncias em que esse interesse ou esse reconhecimento possam não estar mais presentes. Em boa verdade, nem mesmo uma classificação oficial é disso garante. E tanto que assim é que o edifício da Escola Comercial Pedro Nolasco (presentemente a Escola Portuguesa) que se incluía na lista de edifícios classificados de 1989, também deixou de fazer parte dessa lista na sua reedição de 1992. Mas também não é por acaso que edifícios modernos são os que menos dominam ou perduram nessas listas. Em verdade não é tão fácil sustentar publicamente o valor de objectos de arquitectura modernos ou contemporâneos com é com edifícios históricos. O acervo reunido num edifício histórico forma-se de diversas contribuições sendo as mais óbvias o virtuosismo da sua realização material, do seu detalhe, da sua figuração, muito mais óbvio que a concepção arquitectónica que lhe é subjacente. Um edifício moderno, ao invés, é nivelado no seu detalhe, abstracto na sua linguagem, pelo que tudo nele se resume à sua concepção e aos modelos que formaram ou influenciaram essa concepção. Ou seja, resume-se àquilo que pode parecer muito pouco à vista desarmada. Mas também são esses os edifícios que são verdadeiramente revolucionários em todos os pressupostos funcionais e estéticos, e que são a origem do nosso modo de habitar o espaço urbano de hoje. Modo cada vez mais deturpado nas adaptações que disso fazemos às circunstâncias actuais. Ao contrário dos edifícios históricos, os edifícios modernos são edifícios que são efectivamente do nosso tempo, só que na forma mais originária, eventualmente mais genuína, desse tempo. Por isso, conteúdos que deveria merecer o esforço de se elucidar e de se disseminar conhecimento. São também aqueles edifícios em que presentemente se fixa a nostalgia da modernidade. O sentimento que ciclicamente é fonte de gratificação para os humanos e o tempo a que os habitantes da cidade e os seus visitantes aderem, sempre que entram em défice de moldes de vida mais simples. Nomeadamente em défice dos chamados equipamentos “normais”. I.e. coisas que todas as cidades têm, ou deviam ter, como um hotel no seu centro cívico e histórico. Ou mesmo uma residência para intercâmbio de estudantes ou de programas de aperfeiçoamento. Ou mesmo um albergue de juventude, em continuidade com todos os equipamentos afins que possam existir na mesma zona da cidade. A instalação de outras finalidades não devem determinar a adaptação de um antigo hotel se unidades de hospedagem são necessárias no mesmo local. A partir do momento em que seja possível fixar valor no edifício desse antigo hotel Estoril, como regra de salvaguarda, é à manutenção da finalidade original do edifício que se deve dar prioridade.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaTabaco | Deputados aprovam aumento de imposto. Fumar sai mais caro Apenas dois deputados nomeados votaram contra a proposta de aumento de imposto do tabaco proposta pelo Governo, alegando o aumento do contrabando e perda de negócio para comerciantes. Lionel Leong prometeu ajudar as PME, mas os cigarros passam mesmo a ser mais caros [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Assembleia Legislativa (AL) aprovou ontem, com carácter de urgência, a proposta do Executivo de aumento de impostos sobre o tabaco dos actuais 33% para 70%. Apenas dois deputados nomeados pelo Chefe do Executivo, Fong Chi Keong e Kou Hoi In, votaram contra a medida, alegando as consequências económicas e sociais que esse aumento representa e não só na possibilidade dos pequenos e grandes comerciantes perdem negócios. “Quem sai mais prejudicado neste processo são os comerciantes”, referiu Kou Hoi In. “A questão não é o aumento dos impostos mas as suas consequências. Que planos tem o Governo para combater o contrabando e aumentar as penas a serem aplicadas? Prevemos que a importação de tabaco vá decrescer ainda mais. Macau tinha 1800 retalhistas, neste momento tem 700. O aumento do imposto, juntamente com a revisão da lei do tabagismo, vai trazer dificuldades ao sector. Quantas pessoas vão ficar desempregadas? O Governo pensou nisto?”, questionou Kou Hoi In. Já Fong Chi Keong considerou que o Governo não pode impor a sua vontade à sociedade. “O aumento do imposto no passado não contribuiu para diminuir o número de fumadores, será essa a única medida para combater o vício? Deve haver mais medidas. Não percebo porque é que o Governo está a perseguir os fumadores. Se gosto desse estilo de vida, posso ter o direito a escolher”, apontou, frisando as consequências para a vida dos pequenos vendedores de tabaco e reiterando que parecia que o Executivo “estava a discriminar e perseguir os fumadores”. “Vocês [membros do Governo] recebem pelo menos 80 a 90 mil patacas, mas quem está na camada base, se não receberem um dia, não recebem. Estão a tirar o sustento das pessoas”, apontou. Sensibilidade e bom-senso Muitos deputados pediram para o Executivo apostar numa campanha de sensibilização anti-fumo, tendo Cheung Lap Kwan aconselhado a criação de um subsídio, pago por este imposto. “Quanto é que o Governo vai ganhar a mais? Qual vai ser a utilidade deste dinheiro? Vai ajudar as pessoas a acabar com o vício do fumo? O Governo também não está a fazer muito, porque muitas vezes quem apoia a diminuição do tabaco são as instituições. Será que pode dar um subsídio para os que estão no desemprego?”, questionou. O Governo mostrou acolher as críticas e prometeu acções caso as consequências sejam negativas. “Entendemos que esta actualização é razoável e temos tido em consideração a pressão que vai ser causada aos comerciantes”, disse Sou Tim Peng, director dos Serviços de Economia. Da parte dos Serviços de Alfândega, foi garantido que vai ser reforçado “o meio de combate ao contrabando”. O Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, frisou que o aumento dos impostos sobre o tabaco não se deve pela diminuição das receitas públicas. “Os deputados preocupam-se com os vendilhões, que provavelmente vão ter a vida dificultada com este aumento. Mas se as Pequenas e Médias Empresas (PME) sofrerem algum impacto, estamos dispostos a ajudar. Há toda a necessidade de ajustar o imposto e vamos apostar na vertente de prevenção”, garantiu. De frisar que em Macau existem neste momento 14 fábricas de tabaco, em que 90% da produção se destina à exportação.
Flora Fong Manchete PolíticaTabaco | Associação opõe-se a alterações e pede voto contra A proibição de mostrar produtos tabágicos nas lojas vai contra o direito das empresas e dos próprios consumidores e o cancelamento das salas de fumo nas lojas de tabaco vai prejudicar o negócio com pessoas adultas que sabem o que fazem. É o que diz a Associação da Indústria de Tabaco de Macau, que pede que os deputados votem contra todas as alterações propostas pelo Governo à Lei do Tabaco [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Associação da Indústria de Tabaco de Macau mostrou-se contra o aumento do imposto de tabaco, contra a proibição da venda de cigarros electrónicos e contra todos os outros conteúdos que compõe as alterações ao Regime de Prevenção e Controlo do Tabagismo. Numa declaração publicada no Jornal Ou Mun, a Associação diz opor-se “firmemente” à sugestão do Governo relativamente à subida de 70% no imposto sobre o tabaco, justificando que desde o último aumento do mesmo imposto, em 2011, a venda de tabaco diminuiu mais de 60% no território. Paralelamente, diz ainda, diminuíram também o número de lojas de venda destes produtos. Cerca de 1200 lojas de retalho de tabaco ou produtos derivados terão sofrido “impactos” que tiveram consequências na vida dos trabalhadores e das suas famílias, assegura a Associação. “Somos todos pequenas e médias empresas que respeitam a lei e a venda de produtos de tabaco é a nossa maior fonte de rendimento. Um grande aumento do imposto vai prejudicar a saúde do nosso sector, bem como agravar a venda ilegal de tabaco e nem sequer vai ajudar a diminuir o número de fumadores”, escreve o grupo numa carta aberta. As justificações – que agora caem em saco roto com a aprovação da lei (ver página 4) – foram as mesmas utilizadas por alguns deputados que se mostraram contra a subida dos preços ontem no hemiciclo. Direitos do consumidor A proibição da disposição dos produtos tabágicos nos locais de venda e a proibição total da venda dos cigarros electrónicos são também pontos que merecem a discordância da Associação. O grupo considera que os produtos são legais e, por isso, devem ter direito a estarem expostos nas lojas, até para respeitar “o direito à informação” dos consumidores. A Associação sugere ainda, dentro do âmbito dos cigarros electrónicos, que o Governo e a Assembleia Legislativa (AL) façam uma investigação científica, em vez de proibir a venda deste produto completamente. A lei vai subir a plenário hoje, para ser analisada na generalidade. A Associação acusa ainda o Governo de agir sem provas. “Não existem provas, até ao momento, que indiquem que a proibição da disposição em lojas dos produtos possa efectivamente diminuir a taxa de consumidores. Antes pelo contrário, impede a competição positiva do mercado do tabaco, não permitindo ainda que os novos produtos entrem no mercado”, argumenta. Além disso, como a revisão do Regime sugere ainda o cancelamento das salas de fumo das lojas exclusivas de venda de tabaco, a Associação da Indústria de Tabaco de Macau aponta que nestes espaços “os clientes são todos adultos” e existe um objectivo concreto na existência das mesmas: que os clientes compreendam a qualidade e sabor de produtos, experimentando-os. O seu cancelamento vem afectar o mercado, assinam. A Associação apelou, através da declaração, que os deputados do hemiciclo votem contra a proposta da revisão, hoje.
Joana Freitas Manchete SociedadeCasinos | Promotores a diminuir e a desistir de renovar licenças Receitas a cair, ‘junkets’ a fechar. A perspectiva de futuro no segmento VIP é pessimista para quem faz deste o seu negócio [dropcap style =’circle’]M[/dropcap]ais salas VIP geridas por ‘junkets’ fecharam portas nos últimos dois anos e cada vez menos novas destas instalações decidiram arriscar na indústria do Jogo em Macau. Os dados são da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), descritos no site Macau Gaming Watch. Por exemplo, desde 2007 que o número de novos ‘junket’ que pedem licenças tem diminuído drasticamente. Se neste ano, 95 novos promotores pediram para abrir portas legalmente, esse número diminuiu pela primeira vez para 34 em 2009, valor mais baixo até ao ano passado. Em 2014, 23 novos ‘junket’ quiseram ver-lhes ser atribuída uma licença. O ano passado, esse número desceu para 20. Os dados também não enganam no que à desistência de renovação da licença diz respeito, ainda que nenhuma no tenha sido pior que 2009/2010, ano da ressaca da grande crise financeira de 2008 e do pico da gripe das aves na Ásia. Nesse ano, 68 promotores não quiseram renovar as licenças, sendo que nos anos anteriores a 2014 os que optavam por esta solução não passavam as duas dezenas. Mas os números de 2014 e 2015 voltam quase a atingir este pico: o ano passado 50 desistiram de renovar licenças. Este, 58 já foram pelo mesmo caminho. Segundo os dados citados pelo website liderado pela União Internacional dos Engenheiros Operacionais do Nevada (IUOE), accionista da Wynn, a lista de promotores licenciados no site da DICJ referente a este ano chega aos 182 – “combinando empresas e privados”. Representa uma descida de 22,5% no número de entidades que se dedicam a este negócio face a 2013. “Ao longo dos últimos dois anos, menos ‘junkets’ têm vindo a pedir licenciamento à DICJ em Macau. O número de novos promotores licenciados em 2014 e 2015 combinados não chega sequer a um ano típico anterior a 2014”, pode ler-se nas observações da IUOE. [quote_box_left]menos 22,5% de promotores de jogo em 2015 face a 2013[/quote_box_left] Incomparável Bacarat A ligação ao fecho destas salas VIP com a quebra nas receitas do Jogo é quase inevitável. Ao longo deste ano, têm sido diversos os grupos que gerem estas salas que optam por sair de Macau, como foi o caso do Neptuno ou do David Group, que optaram por outros locais de Jogo. Estima-se que mais de 40 salas VIP tenham fechado ou venham a fechar este ano. Os resultados do Jogo nunca estiveram tão baixos desde Novembro de 2010 e o Bacarat – que se joga mais nas salas VIP – viu as receitas dele provenientes desceram mais de 40% este ano face a 2010 e registou em 2014 uma queda de 10,9% comparativamente ao ano anterior, para 26 mil milhões de patacas. Os dados da DICJ citados pelo Macau Gaming Watch indicam ainda que “a maioria dos ‘junket’ em operação actualmente são novos”, até porque dos 76 que apareciam listados em 2006, apenas dez se mantiveram até hoje. E dos actuais, apenas 33% apareciam nas listas de 2010. ___________________________________________________________________ Novos promotores licenciados ano a ano 2007 – 95 2008 – 54 2009 – 34 2010 – 51 2011 – 43 2012 – 43 2013 – 56 2014 – 23 2015 – 20 Os que restaram em 2015 2006 – 76 licenciados, ficaram 10 2007 – 95 licenciados, ficaram 22 2008 – 54 licenciados, ficaram 16 2009 – 34 licenciados, ficaram 13 2010 – 51 licenciados, ficaram 22 2011 – 43 licenciados, ficaram 14 2012 – 52 licenciados, ficaram 24 2013 – 56 licenciados, ficaram 27 2014 – 23 licenciados, ficaram 14
André Ritchie Sorrindo Sempre VozesThe Boys from Macau 2.0 [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á duas semanas atrás aprendi que não devo abordar publicamente temas relativos à tutela onde outrora trabalhei, pois corro o sério risco de ser mal interpretado, conforme aconteceu com uma entrevista recente que dei. Tal foi a coisa que o Macau Concealers (*) até se deu ao trabalho de traduzir para chinês afirmações minhas tiradas fora do contexto e que, deste modo, se tornaram bombásticas e incoerentes com a minha pessoa. Conclusão: tive direito a uma valente sova no Facebook. É pena, pois até gostava de abordar de uma forma construtiva a 3ª fase de auscultação pública do Plano Director dos Novos Aterros e dizer o que penso da proposta que é ora colocada para discussão. Fica para outro dia. Mudemos de assunto. Quando era miúdo, uma coisa que me dava particular prazer era acompanhar as histórias antigas de Macau contadas pelos amigos dos meus pais e avós. Uma que me despoletou particular interesse foi contada pelo tio Joca (**) no Solmar. O tio Joca, tal como muitos macaenses nascidos na primeira metade do século XX, viveu e trabalhou uma temporada em Hong Kong. [quote_box_left]A nossa hibridez cultural tanto pode beneficiar como prejudicar a nossa imagem e reputação, pelo que se torna fundamental sabermos onde nos queremos ou devemos posicionar do ponto de vista civilizacional[/quote_box_left] Se o caríssimo leitor desconhecia esse fenómeno, fique então a saber que, nos tempos coloniais, chegou a existir uma forte presença portuguesa na vizinha cidade de Hong Kong. Sobre esse tema existe, inclusivamente, um livro muito interessante, da autoria de Luís Andrade de Sá, intitulado “The Boys from Macau” (***). Conforme se lê na contra-capa dessa publicação: “ (…) Foi a Macau e aos seus portugueses que os britânicos recorreram para criar a administração pública e para montar as companhias comerciais quando foi fundada a nova colónia, em 1841. (…) Havia portugueses em todos os sectores – na justiça e na banca, na função pública, de armas na mão em defesa da colónia, no desporto, nos jornais e nas igrejas. (…) ” O tio Joca trabalhou na banca em Hong Kong. No Solmar, enquanto tomava café com os meus pais e o meu avô Lourenço, contou-nos como na entrevista de trabalho foi posta à prova o seu domínio da língua inglesa; os calafrios que sentiu no primeiro dia de trabalho, quando engolido pelo grandioso lobby de entrada do banco; e, ainda, o bom relacionamento que conseguiu logo estabelecer com os executivos do banco, todos eles britânicos, de quem mereceu rapidamente a confiança, traduzindo-se em promoções sucessivas que inevitavelmente criaram inveja interna. Assim termina a história do tio Joca? Não. As boas histórias têm sempre um final potente e essa não foge à regra. Mas já lá vamos. Conforme é já sabido, recentemente desvinculei-me da função pública para aceitar um novo desafio numa das operadoras da indústria do jogo. Tendo iniciado as novas funções há cerca de dois meses, algo que me surpreendeu desde logo foi o número de portugueses e de macaenses que trabalham na empresa. Foi para mim uma verdadeira e agradável surpresa. Todos os dias falo português com alguns colegas meus e ouço falar português quando me cruzo nos corredores da empresa com funcionários portugueses e macaenses, sendo que alguns até conheço dos tempos do Liceu. Trata-se de um ambiente muito diferente do da função pública onde trabalhei nos últimos 12 anos. Não pretende esta ser uma crítica ao Governo face ao reduzido número de portugueses que se tem vindo a contratar ou à falta de uso da língua portuguesa na administração pública. Nesse aspecto fui sempre muito frio e realista. Há coisas que temos de aceitar e essa é uma delas. Com a excepção das áreas da justiça e do Direito, onde a presença da língua portuguesa é forte pelas razões óbvias que nem vou aqui mencionar, temos de aceitar que, com a transferência de poderes e a localização dos cargos de chefia, o chinês passou necessariamente a ser a língua veicular de trabalho. E com isso, naturalmente, a estratégia de contratação de pessoal tomou outro rumo e, acrescente-se, a cultura de trabalho passou também a ser outra. Para o bem e para o mal. Precisamente por essa razão, pese embora tenha sido funcionário público ao longo de tantos anos, aos meus conterrâneos acabados de regressar do estrangeiro com um canudo na mão, sempre os aconselhei a procurarem alternativas na privada. Sobretudo se não forem bilingues em pleno, com perfeito domínio oral e escrito da língua chinesa, pois actualmente o nível de exigência é outro. O chinês de rua, do tai má ti, chu tak ng chu tak, que antigamente servia para desembaraçar as chefias portuguesas, já hoje não serve. Não tenho nada contra o Governo – que, aliás, foi para mim uma grande escola. Apenas me parece que está na altura de nós, portugueses em geral e macaenses em particular, abandonarmos a ideia de que na procura de emprego em Macau devemo-nos virar única e exclusivamente para o Governo. E que o Governo tem a obrigação de nos contratar. As coisas mudaram e temos de nos adaptar. A transferência de poderes e a abertura da indústria do jogo criaram um novo cenário. E se a função pública, antigamente, absorvia em grande quantidade a malta portuguesa e macaense, atrevo-me a dizer que, de certa forma, esse papel tem vindo a ser progressivamente desempenhado pela indústria do jogo, ainda que numa escala diferente. Posso estar enganado pois ainda sou muito novo nessa área. No entanto, quer me parecer que poderão estar aqui novamente reunidas condições para demonstrarmos a nossa utilidade, embora num ambiente culturalmente mais diversificado e profissionalmente mais sofisticado e competitivo, onde o inglês é a língua principal de trabalho. Uma espécie de The Boys from Macau, versão 2.0. Aparentemente, a nossa presença já se faz sentir. Ainda no outro dia fui apresentado da seguinte forma a um executivo da empresa: “This is Andre. He’s one of those locals who speaks all languages.”. Um reconhecimento dessa nossa particular qualidade e, simultaneamente, uma descrição simples e rápida do ser Macaense. Voltando então à história do tio Joca. Num belo dia de trabalho, o tio Joca vê-se repentinamente confrontado pelos executivos do banco por terem recebido a seguinte queixa: alegadamente, terá ido jantar com alguns chineses a uma tasca onde se servia carne de cão. Sentindo-se provocado e ofendido com a situação, por se ter apercebido do verdadeiro problema em questão, o tio Joca confirmou categoricamente essa ocorrência aos executivos, assumindo orgulhosamente a sua (outra) identidade cultural. Eram tempos diferentes e os executivos, naturalmente, não ficaram bem impressionados com essa atitude. Calculo até que se tenham sentido de alguma forma traídos. O que é certo é que a partir desse dia as relações azedaram e não houve mais promoções. Moral da história? A nossa hibridez cultural tanto pode beneficiar como prejudicar a nossa imagem e reputação, pelo que se torna fundamental sabermos onde nos queremos ou devemos posicionar do ponto de vista civilizacional. Não me canso de afirmar que nós, Macaenses, somos uma grande contradição. Controlar a percepção que os outros têm de nós não é tarefa fácil. Contudo, é estrategicamente fundamental. Não existe uma fórmula universal para isso, pois trata-se de uma questão muito pessoal. Mas, antes de mais, somos nós próprios que temos de perceber quem somos e como queremos ser vistos pelos outros. O problema é que tudo depende de que lado da cama acordamos. Sorrindo Sempre Tive duas semanas monocromáticas, nada de especial que mereça registo aqui neste espaço quinzenal. Assim, na ausência de uma história colorida para aqui contar, desta feita o Sorrindo Sempre assume um formato diferente, com rapidinhas curtas e boas: Portanto, sorrindo sempre quando: • Resisto à tentação de atropelar turistas que atravessam a rua de qualquer maneira; • Mal as portas do elevador se abrem, pessoas cheias de pressa entram na cabine antes de me deixar sair; • Sou tratado por “Sr. Engenheiro”, esclareço que sou arquitecto e respondem-me na tentativa absurda de remediar o embaraço: “mas engenheiro é melhor!”; • Conterrâneos meus tentam convencer-me a tirar o wui heong cheng (****) afirmando com firmeza que ao portador desse documento não é atribuída a nacionalidade chinesa, pese embora na imigração fazerem fila para o guichet “chinese nationals”, e isto apenas para não mencionar o que vem contemplado nos diplomas legais aplicáveis que tive o cuidado de estudar; • Deparo-me com ilustres que falam em termos absolutos e fazem acusações graves, quando na verdade não têm conhecimento de facto sobre o assunto em discussão; • Estou carregado de compras e as chaves estão no bolso que dá menos jeito; • … Sorrindo sempre. (*) 愛瞞日報 , espaço no Facebook onde são abordados temas locais de forma conspiradora e sensacionalista. (**) Nome fictício. (***) Edição da Fundação Oriente / Instituto Cultural de Macau. ISBN 972-9440-93-X. (****) Salvo-conduto emitido pelas autoridades chinesas.
Isabel Castro VozesO quarto com WC [dropcap style=’circle’]1[/dropcap]. Li esta semana no Facebook um anúncio que me deixou a pensar: uma portuguesa, residente em Cascais, anda à procura de uma “estudante” ou “profissional” para “housekeeping e babysitting” a partir das 18 horas, aos dias da semana, e aos sábados de manhã. Oferece, em contrapartida, um “bom” quarto “com WC”. Assim, sem mais – não há salário, dá-se apenas uma cama com roupa que a interessada ao cargo tem de lavar e passar a ferro. Os comentários a este anúncio multiplicaram-se rapidamente e é nisto que as redes sociais são um instrumento interessante para se compreender o mundo através de quem vive nele. Não falta gente a achar que a proposta é uma excelente ideia, embora não esteja disposto a aceitá-la: a mulher de Cascais, que quer ter alguém que lhe tome conta dos filhos no período mais chato do dia e o jantar pronto à espera em casa, fica com o problema resolvido a custo zero. É gente que acha mesmo que a proposta é bonita do ponto de vista social, é uma ideia solidária, por se estar a dar a uma “estudante” ou “profissional” a possibilidade de ter um quarto onde dormir. Menos são aqueles que consideram que este tipo de anúncio representa um retrocesso. Foi a isto que chegámos em países onde era suposto termos evoluído: no tempo dos nossos avós era normal os pais pobres entregarem as miúdas pobres às famílias com quartos vagos (na altura sem WC), às famílias ricas onde havia quartos e muitas crianças para tratar. Eram criadas a troco de quase nada – uma cama, comida, uns trapos para se vestirem. Era assim nos tempos dos nossos avós; é assim que hoje as coisas continuam a funcionar, nalgumas cabeças que acham bem que ao trabalho não corresponda um salário. Mais vale um quarto que nada; mais vale um quarto do que não ter onde dormir. Estranha ideia de generosidade. 2. Esta semana entrevistei um grego, numa conversa ao telefone, um grego que não conheço. O objectivo era saber como é que acompanha a embrulhada europeia em que o país dele – de onde saiu há 11 anos – está envolvido. Este grego que perdeu a esperança de um dia voltar a casa, à semelhança de muitos portugueses expatriados, falou-me da falta de investimento do país, dos salários que hoje se praticam e que são um quinto dos de antigamente, dos salários que hoje se oferecem e que não se podem recusar, porque pouco é melhor do que nada. Mais vale um quarto do que não ter onde dormir. O meu entrevistado grego não é especialista em finanças. O meu entrevistado grego é da Grécia e tem amigos gregos e conhece o passado do país e o presente e sabe que as coisas não podem continuar assim, que não é com esmolas que o mundo evolui, que há alturas em que pouco não é melhor do que nada, porque pouco não vai resolver coisa alguma. A Grécia vive dias difíceis naquela Europa que se inventou, apoiada num sistema financeiro que não existe. Temos especialistas em finanças e em política e em economia aos molhos, farto-me de ler que os gregos têm de pagar as dívidas, os portugueses também, como se todos os gregos e todos os portugueses tivessem culpa do estranho ordenamento em que o mundo se encontra, como se todos os gregos e todos os portugueses fossem culpados por tudo aquilo que está a acontecer. No meio de tudo isto, temos uma Europa preocupada com o eleitorado que representa – com os vários eleitorados que representa, e aqui está um dos grandes problemas –, porque há eleições à porta e povos descontentes com a ajuda que se deu aos pobres, é melhor um quarto do que nada, o importante é que tenham onde dormir, vejam lá a generosidade, mais vale uns metros quadrados com WC do que nada. Este mundo feito de economias e de empréstimos e de negociatas entre políticos tem de ser reinventado rapidamente. Assim não se vai lá. [quote_box_right]Temos uma Europa preocupada com o eleitorado que representa, porque há eleições à porta e povos descontentes com a ajuda que se deu aos pobres, é melhor um quarto do que nada, o importante é que tenham onde dormir, vejam lá a generosidade, mais vale uns metros quadrados com WC do que nada[/quote_box_right] 3. Em Macau está tudo bem por enquanto, apesar de a bolha na China estar aí quase a rebentar, numa demonstração de que aquilo que o resto do mundo foi experimentando no passado não tem grande interesse nas decisões do país que quer ser grande, maior do que já é, o maior de todos. Mas por aqui tudo bem – a vida faz-se ao ritmo de sempre, com os tiques de sempre, com as figuras de sempre. Desde que cheguei a Macau que, na minha condição de jornalista, vou a conferências de imprensa na Assembleia Legislativa. Acontecem depois das reuniões das comissões, têm o presidente da comissão em causa como protagonista, e são feitas à hora que calha, ou seja, quando as reuniões acabam. Os deputados saem, os jornalistas entram, 10 minutos de conversa e a coisa está feita. Nos últimos tempos – sobretudo desde que tomou posse o actual Governo –, criou-se o hábito de, em reuniões em que estão presentes representantes do Executivo, estes falarem à porta, antes das declarações do presidente da comissão, que espera confortavelmente sentado na sala pelos jornalistas que estão a trabalhar. Esta semana, tive a oportunidade de assistir a um momento invulgar: depois de quase três horas a aguardar que uma reunião terminasse, e enquanto ouvíamos o representante do Governo que tinha acabado de sair do encontro com os deputados, o presidente da comissão em causa deu de frosques. Era quase uma da tarde, a fome aperta, os jornalistas que ali estiveram quase três horas à espera que a reunião acabasse que voltassem em melhor oportunidade. Disseram-me que não era a primeira vez que tal acontecia, que Chan Chak Mo já teve outro momento de iguais pressas. O maior desrespeito do deputado não é pelos jornalistas – é pela Assembleia de que faz parte e pela população que os órgãos de comunicação social informam. Mas Macau é assim, as coisas aqui nunca são realmente importantes, as pessoas aqui nunca são realmente importantes, tudo passa, tudo fica bem e para a semana há mais. Há sempre mais.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaFim das salas de fumo nos casinos votado hoje [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oi adiada para hoje a votação na generalidade da proposta de revisão da lei do tabagismo. Em causa está o fim das salas de fumo nos casinos, mesmo nas zonas VIP, e a proibição do cigarro electrónico. O debate começou ontem com muitos deputados a mostrarem o apoio a esta proposta, apesar de apontarem o dedo ao Governo, e outros nem tanto. “Esta proposta de lei pode dar origem a outras polémicas”, lembrou Ng Kuok Cheong. “Esta é uma boa solução, mas chegou tarde. Em 2012 devia ter sido implementado o fim do fumo nos casinos, porque na altura o sector do Jogo estava em boas condições”, lembrou. Chui Sai Cheong também prometeu votar hoje a favor, mas lembrou que “o Governo tem de analisar com todo o cuidado os problemas que poderão advir desta proibição total”, tendo proposto o aumento de multas, no caso do uso de cigarros electrónicos, para mil ou duas mil patacas. As vozes contra continuaram, contudo, a ser muitas e foram protagonizadas pelos mesmos deputados que têm assumido publicamente a sua posição, como Zheng Anting. “Temos de ser realistas, porque somos uma cidade de Jogo. Porque é que o Governo não permite a criação de salas de fumo nas zonas VIP? A proibição total vai afectar o emprego dos nossos trabalhadores. O relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) serve apenas para uma consulta e temos de ter em conta a realidade de Macau. Será possível [pedir] à OMS um relatório só para Macau?”, sugeriu. Se Kou Hoi In lembrou o facto do tráfego automóvel gerar gases poluentes para a atmosfera, algo difícil de controlar pelo Executivo, Fong Chi Keong criticou a postura de Alexis Tam, Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. “O senhor Secretário está muito extremista em relação ao fumo. Está demasiado auto-confiante na implementação das políticas e não pode ser demasiado rígido, tem de ser flexível, como um diplomata”, disse. Alexis Tam optou por lembrar que há “mais de 83 mil trabalhadores do sector do Jogo que diariamente têm a sua vida em risco por causa do fumo”, desvalorizando o encerramento de lojas. “Disseram que há muitas lojas encerradas na zona dos NAPE, mas isso já acontecia antes de implementarmos o fim do fumo, não há uma relação directa.” O Secretário referiu que o resultado da construção de uma sala de fumo é nulo e que se tem de ter fundamentos para afirmar isto, “pois continuam a existir substâncias cancerígenas no ar”. Apesar de ter citado muitos dos inquéritos que têm vindo a público, o deputado Cheung Lap Kwan desvalorizou os resultados. “Os inquéritos são para enganar pessoas porque basta pagar a uma entidade e tem-se o resultado que se quer. Não podemos impor a sua ideia às outras pessoas”, concluiu.
Joana Freitas SociedadeSS estimam despesas de 4,7 milhões ao ano com cigarros [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s Serviços de Saúde (SS) estimam que as perdas económicas com o tabaco podem ascender aos 4,74 milhões de patacas por ano. De acordo com um comunicado, o organismo explica que se baseia em contas de 2013 para revelar que as despesas médicas para tratar casos derivados do vício de fumar são mais altas que os impostos arrecadados com este produto. “De acordo com as informações de 2013, a perda económica resultante do tabagismo activo foi de 4,74 milhões patacas, valor calculado tendo por base o número de perdas de vidas e no aumento das despesas médicas. Por outro lado, com base na 5% da taxa de inflação anual, até ao ano de 2020, é previsto [este valor] de forma conservadora, já que as perdas económicas provocadas pelas perdas de vida e do aumento das despesas médicas atingirão 6,7 milhões patacas, ainda não sendo calculados com precisão os vários impactos causados às famílias e à sociedade. Assim se pode verificar que estas perdas serão significativamente maiores do que os impostos provenientes da indústria do tabaco”, pode ler-se. Os SS dizem que fumar causa perdas económicas que “incluem” a perda de vidas, perda de produtividade, perdas resultantes do aumento das despesas médicas e dos custos de cuidados a longo prazo, entre outras. Mais ainda, salientam que estão convictos de que o aumento do imposto sobre o tabaco (já aprovado na Assembleia Legislativa) terá resultados efectivos no controlo do tabagismo em Macau, não só na saúde pública, “mas nas finanças”. Os SS salientam no comunicado que o tabaco “não é uma necessidade de vida” e que a medida de subida de impostos é importante. “A Organização Mundial de Saúde já tinha divulgado num relatório sobre o aumento de impostos do tabaco que o aumento 10% de preço de tabaco pode resultar numa diminuição entre 4% e 5% no consumo do tabaco. Os SS salientam que concordam com a Organização Mundial de Saúde, por [este] ser um dos métodos eficazes para diminuir os números de fumadores e das doenças provocadas pelo tabagismo.”
Filipa Araújo Manchete SociedadePatrimónio | Apelo à preservação de réplica de nau portuguesa Lembra o que os portugueses foram e a sua epopeia marítima. Um movimento criado no Facebook apela à preservação de uma réplica de uma nau quinhentista que parece estar esquecida [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]objectivo é apenas um: chamar a atenção para a marca portuguesa. A ideia surgiu depois de uma conversa entre amigos: João Breda, empresário, lamentava-se pelo estado em que se encontra a réplica de uma nau quinhentista junto à Torre de Macau. “Um dia estava a conversar com um também empresário sobre a nau que está colocada naquela zona. Eu que já cá estou há algum tempo nunca a tinha visto. Decidi ir visitá-la e lamentei profundamente o que os meus olhos viram”, começa por relatar ao HM João Breda. Em causa está o estado de conservação em que se encontra a réplica de dimensão reduzida. “A nau está meia escondida atrás da Torre e está a apodrecer porque não tem manutenção. Apesar de eu não ser perito no assunto, é sabido que para conservar uma embarcação é necessário que esta esteja dentro de água, em contacto com ela”, argumenta. Não contentes com o esquecimento e a falta de utilidade atribuída a um “objecto que tanta marca portuguesa traz ao território”, o empresário criou nas redes sociais uma página de apoio e incentivo à preservação da nau. “Vamos Salvar a Nau de Macau” é uma página no Facebook que conta com pouco mais de 70 gostos. “Não há nenhuma plano, até porque a nau pertence à Torre de Macau, que segundo informou tem planos para aproveitar a réplica, mas não se sabe quais nem quando é que serão colocados em prática”, conta. Com as mãos atadas, os portugueses não se deixam ficar. “O nome salvar não se refere apenas à nau”, explica, indicando que a ideia principal é “salvar a portugalidade”. Para o empresário, Macau e as suas instituições públicas e privadas deviam aproveitar este tipo de possibilidades para reforçar as ligações com Portugal, seja na história, na economia, ou noutra área qualquer. “Nós aqui, os portugueses, sentimos que cada vez mais Portugal começa a ficar esquecido. Acho que aproveitando esta réplica podia ser atribuída maior dignidade ao que foi a epopeia marítima portuguesa”, acrescenta, sugerindo a possibilidade de tornar a réplica num espaço possível de visita e de formação histórica. Apesar deste grupo de amigos lamentar este esquecimento por parte da Torre de Macau, a ideia de que Portugal faz parte da história de Macau é inegável, afirma. Até ao fecho da edição deste jornal, e dois dias depois do primeiro contacto, a administração da Torre de Macau, que pertence à empresa Shun Tak, de Pansy Ho, não quis prestar qualquer esclarecimento sobre o assunto.
Filipa Araújo SociedadeMetro | Traçado elevado marginal na zona norte é o favorito [dropcap style=’circle’]É[dropcap]o traçado elevado marginal, das três soluções apresentadas pelo Governo, que a população prefere. Assim o dizem os resultados da consulta pública sobre o Segmento Norte da Linha da Península de Macau do Metro Ligeiro, que durou 90 dias. Ao todo foram recolhidas quase 11 mil opiniões que se focaram principalmente sobre as três soluções do traçado, sendo elas, o traçado elevado marginal, o traçado elevado da avenida 1ºMaio e o traçado elevado a leste do hipódromo, este o que menos opiniões recolheu. “Entre as várias opiniões, o traçado elevado marginal tem o maior apoio sendo o mais estável (…) e a razão principal a favor deste traçado é que os residentes consideram que causará menos impactos à vida quotidiana, tais como, ao nível do ruído, segurança e tráfego, entre outros (…)”, pode ler-se no documento de consulta disponibilizado pelo Gabinete para as Infra-Estruturas de Transportes (GIT). A sociedade considera que este traçado trará menos impactos à vida quotidiana, sendo também o mais acessível para os deficientes e idosos. A opção, dizem, pode ainda complementar a falta de da prestação dos serviços dos autocarros na zona marginal, além de ter uma construção mais fácil – quando comparado com as outras opções – e poderá ainda contribuir para “dar a articulação aos moradores da Zona A dos novos aterros urbanos no futuro”. A olhar para o futuro Da compilação das opiniões é possível ainda perceber que a sociedade considera que esta opção de traçado pode vir a ser um contributo para o futuro planeamento urbanístico, assim como para promover o desenvolvimento económico daquela zona. Ainda assim há opiniões que apontam que este traçado trará mais impactos ao tráfego durante o prazo de execução, será o traçado menos acessível “uma vez que fica longe da zona residencial”, e, por isso, servirá apenas para trabalhadores importados e turistas. Relativamente à utilização, 56,8% dos inquiridos, residentes de Macau, afirmaram que iriam utilizar o metro ligeiro como principal meio de transporte. Mas é o traçado elevado da avenida 1º de Maio o que recolhe mais opiniões favoráveis quanto à acessibilidade na deslocação dos próprios residentes. Mais de 45% dos entrevistados atribuíram esta característica ao traçado, contra 18,6% angariado pelo traçado Elevado marginal.
Hoje Macau PolíticaProstituição | Chan Hong pede estudo para criminalizar actividade [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]deputada Chan Hong pediu ontem na Assembleia Legislativa um estudo sobre a criminalização da prostituição e o reforço do combate à indústria do sexo. A prostituição não é crime em Macau, mas a sua exploração é considerada crime. A deputada eleita pela via indirecta considera que a actuação da polícia permitiu, nos últimos anos, reduzir a prostituição nos casinos e bairros comunitários, mas que as redes passaram a recorrer a outros métodos para atrair clientes, nomeadamente através da distribuição de panfletos eróticos e da Internet. Por outro lado considerou que o facto de a prostituição por conta própria e em fracção habitacional não ser considerada crime, mas “apenas uma infracção administrativa”, faz com que não seja “nada fácil” o seu combate. Chan Hong apontou ainda que “a indústria do sexo acarreta um conjunto de problemas sociais, incluindo o tráfico humano e drogas, afectando a segurança pública e a educação dos jovens”. Nesse sentido, propôs ao Governo “a realização de um estudo sobre a criminalização da prostituição, encontrando consenso no seio da sociedade, por meio de consultas públicas”. Chan Hong defendeu também “aumentar fiscalização e incentivar os residentes a apresentarem queixa”. A deputada apelou ainda ao reforço do diálogo e cooperação entre as autoridades locais e chinesas, com vista a combater a prostituição, já que, segundo observou, 195 entre 196 mulheres alegadamente ligadas à prostituição que foram detidas em Macau no primeiro trimestre deste ano eram provenientes do interior da China. Recorde-se que, nos últimos meses, a Polícia Judiciária (PJ) realizou várias acções de combate a esse tipo de actividade, depois de no início do ano ter desmantelado uma alegada rede de controlo de prostituição que operava num hotel em Macau. Esta operação da PJ resultou na detenção de mais de cem pessoas, incluindo Alan Ho, sobrinho do magnata dos casinos Stanley Ho e o homem forte da área hoteleira da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, antiga concessionária de Jogo antes da abertura do mercado a outros operadores.
Flora Fong Manchete SociedadeWilliam Kuan, conselheiro dos Kaifong e vice-presidente da Associação de Convenções de Macau Os jovens de Macau precisam de mudar de rumo profissional, ser mais pró-activos e a queda das receitas do Jogo pode ser uma oportunidade boa para isso. É o que diz o presidente da Associação Youth Dreams e conselheiro da União Geral dos Moradores de Macau, que fala ainda como vice-presidente da Associação de Convenções e Exposições de Macau sobre a indústria MICE e as oportunidades nela contidas [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s receitas do Jogo estão a cair há mais de um ano e o Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, prevê tomar medidas de austeridade caso as deste mês não cheguem aos 18,3 mil milhões de patacas. Como vê esta situação? Acho que nas férias de Verão, os sectores do Turismo e do Jogo vão ser mais prósperos. A par, aliás, da medida que permite aos portadores do passaporte da China em trânsito em Macau que fiquem sete dias. Apesar de serem apenas mais dois dias, pode-se ver que o Governo Central apoia o Turismo e a diversificação da economia do território, fazendo com que venham mais turistas do interior da China. Não acho que as receitas do Jogo venham a descer mais, pelo menos, vão manter o mesmo nível. Isso tem a ver também com os novos empreendimentos das operadoras de Jogo que já abriram e os outros, que vão abrir gradualmente. Isso dará um impulso à economia. Mas já houve deputados que criticaram esse prolongamento, porque dizem que o Governo não considerou os abusos anteriores de estadia ilegal em Macau. Pode não ser assim, afinal todas as políticas são feitas dependendo da altura e da situação real. As políticas são mortas, as pessoas vivas e os ajustamentos têm de ser apropriados depois de se observar as necessidades verdadeiras. Concorda com que quase todas as políticas do Governo sejam precedidas de consultas públicas? Acho que o Governo consultou demais, porque cem pessoas têm cem opiniões diferentes e nunca há um resultado [consensual]. O que precisamos é de governar de forma científica, depois de entender as necessidades da população e ter em conta e oportunamente as considerações profissionais. Tanto na construção do metro ligeiro, como na reutilização do antigo Hotel Estoril. O Governo falou de 16 terrenos que não reuniram condições para a declaração de caducidade. Existem deputados e académicos que criticam a razão – falhas administrativas – mas existem também suspeitas de transferência de benefícios entre Governo e concessionários. Como avalia esta questão? A questão é bem sensível. De facto, no âmbito do Direito, sobretudo em concessões recentes de terrenos, não existe uma definição de “desocupação”. Com o desenvolvimento rápido do sector imobiliário, ninguém quer deixar lotes que possam ser utilizados, mas na realidade pode haver lotes cujas condições são mais restritas e não podem ser desenvolvidos os projectos. Ou porque não se elaboraram plantas de condições urbanísticas ao longo do tempo, ou porque a natureza industrial do lote não corresponde à ideia de habitação… Outro problema é que quando o Governo autoriza uma concessão de terreno, o investidor precisa de primeiro pagar um determinado montante ao Governo antes de construir. Se o terreno não foi desenvolvido, teoricamente, o Governo já ganhou dinheiro e ainda recuperará o terreno. Estas condições não servem e o Governo não pode pôr as culpas em nenhuma parte. Isto tem a ver com vários problemas, com a falta de um planeamento urbanístico completo, com a impossibilidade de mudança da natureza dos lotes no âmbito da lei, até porque o antigo Secretário para os Transportes e Obras Públicas já disse que é necessário revitalizar os lotes industriais, porque Macau já não é uma cidade industrial. A terceira fase das consultas públicas das cinco zonas dos novos aterros está a ser realizada e existem preocupações sobre a densidade populacional ou a falta de factores comerciais na Zona A, onde vão ser construídas 32 mil fracções. Tem alguma ideia sobre a zona? Não vejo que a densidade populacional da Zona A venha a ser demasiado alta. Tendo em conta as condições de construção, para se construírem prédios de habitação, vê-se que a Zona A vai ter menos densidade populacional do que a Areia Preta. No que toca aos factores comerciais, concordo que seja preciso adicionar mais instalações comerciais e sociais, incluindo espaços de recreio, mercados, campos de desporto, complexos para concertos e seminários para as novas gerações. O problema não é o nível da proporção de área mas são as funções que tem de ter a zona, que tem de ser diversificada. Quanto às outras zonas dos novos aterros, existem opiniões que apontam que o metro ligeiro não vai abranger suficientemente as zonas C e D – junto à Taipa – e espera-se que o Governo resolva a questão… O metro ligeiro começou a ser planeado desde a altura do Ao Man Long, demorou quase dez anos, mas os novos aterros só surgiram nos últimos anos. Não há outra escolha, tem que ser construído de imediato e quando se pensa que só depois da conclusão é que se deve pensar como prolongar as linhas, não se deve fazê-lo, caso contrário só se vai demorar ainda mais tempo e ter excesso de despesas. A Associação Internacional de Congresso e Convenção classifica Macau como o 20º lugar para eventos internacionais, em 2014. Em que nível acha que o sector de Macau está? Quais são as vantagens e desvantagens deste sector actualmente? O sector MICE é tido como muito importante pelo Governo, que lhe dedica recursos. Isso prova que o Executivo quer chegar à diversificação das indústrias. Se compararmos com uma cidade semelhante a Macau, Las Vegas, a receita do sector MICE já ultrapassou as do Jogo. De forma geral, em cidades desenvolvidas, o investimento e o rendimento da indústria MICE é de 1:8. Em Macau, o rendimento já ultrapassou oito vezes o investimento, porque quando empresários chegam a Macau, impulsionam ao mesmo tempo os sectores do Jogo, da logística, do turismo, das lembranças, da publicidade, dos restaurantes, além de que Macau serve de plataforma entre a China e os países da Língua Portuguesa. O investimento no e do sector MICE pode trazer grandes receitas para o desenvolvimento de Macau a longo prazo. Se for assim, acha que o sector MICE pode ser a próxima indústria predominante de Macau? Acredito, como cada instituição de ensino superior tem cursos de Turismo ou da área das convenções e exposições, formam-se muitos talentos. Esta indústria pode trazer muitas oportunidades de negócio para as pequenas e médias empresas (PME), sobretudo aos trabalhadores da linha frente do MICE, que são quem trazem as pessoas para fazer negócios em Macau. Podemos ver tantos cafés abertos pelas novas gerações, com a ajuda do Governo, tais como a exposição de franquia realizada pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), onde jovens compraram as marcas de Taiwan para vender em Macau. Disse uma vez que os jovens de Macau têm falta de consciência de risco, porque existem muitos tipos de trabalho para escolher. Pode explicar o que quis dizer com mais detalhe? Macau está ainda cheio de recursos financeiro e essa felicidade faz com que os jovens sejam menos activos do que os de Hong Kong ou das regiões vizinhas. As nossas gerações precisam ainda de passar por muitas atribulações, porque basta um precisar de se esforçar, para outros poderem ser influenciados a avançar. Sendo também presidente da Associação Youth Dreams, como avalia o pensamento e equilíbrio de trabalho, entre a vida e os sonhos dos jovens de Macau? O equilíbrio está ainda por melhorar. Devido ao desenvolvimento da economia, existe uma protecção do Governo às novas gerações e a maioria de jovens tem apenas dois objectivos: ou trabalhar na indústria do Jogo, ou na Função Pública, o que faz com que exista um vazio grande nos recursos humanos jovens noutros sectores, sobretudo na construção civil, porque o sector do Jogo ocupa 80% do número total de receitas em Macau e precisamos de equilibrar a mão-de-obra de cada sector. É necessário aconselhar mais jovens a criar negócios e estes precisam de saber mais coisas na prática. Portanto, a queda das receitas do Jogo pode ser ideal para alertar os jovens para pensarem mais noutros tipos de trabalhos.
Andreia Sofia Silva PolíticaDeputados preocupados com planeamento dos novos aterros A deputada Wong Kit Cheng pede ao Governo para acelerar a elaboração do Plano Director para o território antes de fazer o planeamento dos novos aterros. Já o deputado Ng Kuok Cheong pede que seja retirada “imediatamente” a altura de cem metros dos edifícios na zona B [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]planeamento que o Executivo está a fazer para as quatro zonas dos novos aterros continua a captar a atenção dos deputados, que na reunião de ontem da Assembleia Legislativa (AL) interpelaram oralmente o Governo sobre o assunto. Para a deputada Wong Kit Cheng, o Governo deve elaborar primeiro o Plano Director para Macau e só depois apresentar os projectos que tem para as zonas A, B, C e D dos novos aterros. “Sugiro que antes da implementação dos planos pormenor, como o dos novos aterros, o Governo deve acabar o quanto antes o referido Plano Director, para sobressair a ‘subordinação hierárquica’ entre o desperdício dos recursos da sociedade, a continuidade do caos do actual planeamento urbanístico e a impossibilidade de atingir o objectivo da construção de Macau como uma cidade com bom ambiente habitacional e de turismo, e de lazer a nível mundial”, escreveu a deputada número dois de Ho Ion Sang, representantes da União Geral das Associações dos Moradores de Macau (UGAMM). A altura de cem metros já anunciada pelo Executivo para os futuros edifícios da Zona B também levou o deputado Ng Kuok Cheong a manifestar-se. “De acordo com o actual planeamento urbanístico dos novos aterros, na Zona B só vão ser construídas duas mil fracções habitacionais (menos de 4% do total de residências a construir nos novos aterros) e o limite de altura das construções nessa zona B é de cem metros, o que vai, sem dúvida, afectar a paisagem da Colina da Penha, onde existe património mundial. No pressuposto de não afectar a quantidade de fracções a disponibilizar, o Governo deve reduzir imediatamente aquele limite de altura no referido planeamento urbanístico”, referiu o deputado do campo pró-democrata. Vistas curtas Também Wong Kit Cheng chamou a atenção para a futura visualização do monumento classificado pela UNESCO. “Sugiro que devido à estreita relação da posição geográfica entre as Zonas C e D do empreendimento do Fecho da Baía da Praia Grande e a zona B dos Novos Aterros, e quanto à concepção desta, o Governo deve exigir os mesmos requisitos das referidas zonas C e D, para assegurar os bons efeitos visuais entre a Colina da Penha e a zona costeira. Ao mesmo tempo, há que ponderar e estudar a altura, dimensão e densidade das construções da zona B, para haver harmonia entre esta zona e as adjacentes, ou seja, a conjugação da zona antiga com a nova.” Voltando a falar da importância de planear a construção da habitação pública na Zona A, o deputado Ng Kuok Cheong propôs mesmo que as restantes habitações só sejam vendidas a quem tem BIR permanente. “Os apartamentos privados a construir nos restantes terrenos dos novos aterros e os outros que possam vir a entrar no mercado privado só devem poder ser vendidos a residentes permanentes de Macau ou até mesmo a residentes permanentes que possuam apenas uma fracção”, concluiu.
Gonçalo Lobo Pinheiro Entrevista Eventos MancheteEntrevista | Mané Crestejo, músico, regressa a Macau 20 anos depois Vencedor da Academia de Estrelas da TVI em 2002 e com honras de abrir um noticiário devido à sua vitória, Mané Crestejo está de volta à terra que o viu nascer 20 anos depois. Ao HM, o músico – que ainda esteve numa final do Chuva de Estrelas e numa eliminatória do Festival da Canção – falou do sonho da música, relembrou tempos difíceis em Portugal e falou da sua identidade macaense Quem é Mané Crestejo? Sou um macaense que nasceu em 1976 numa Macau completamente diferente do que é hoje. Aqui cresci e desde muito novo tive o sonho de ser músico. Mais do que ser cantor, ser músico? Sim, ser músico. Esse lado de ser cantor surgiu mais tarde porque comecei com oito anos a tocar piano, depois aos dez anos comecei a tocar bateria e aos 14 peguei definitivamente na guitarra e foi com a guitarra, como auto-didacta, que comecei a tentar compor. Naturalmente que as primeiras músicas eram semelhantes a muitas das coisas que ouvia. A partir de determinada altura, e já a viver em Portugal, comecei a procurar compor, em Português e em Inglês, num estilo próprio mas claro, com influências do multiculturalismo cá de Macau. Desde então, procuro manter esse contacto. Já vamos falar do seu percurso musical, que conheceu o apogeu no início deste milénio. Voltando à Macau do antigamente. Quais são as suas recordações? Saí de Macau com 20 anos e, por isso, lembro-me de muita coisa (risos). Essencialmente lembro-me das coisas culturais da cidade como as corridas dos Barcos-Dragão, os meus tempos como jogador de futebol… Joguei como guarda-redes e cheguei a representar a Selecção de Macau. Recordo também com saudade os tempos passados no Liceu [Nacional Infante Dom Henrique], com os meus amigos e colegas. E ainda o tempo que passei como animador da Rádio Macau, em 1995 e 1996. Nesse tempo ia a Portugal com regularidade? Naquela altura, íamos a Portugal de três em três anos. Dependia sempre das licenças especiais que os meus pais tinham. São os dois macaenses? Não. O meu cruzamento deriva de pai macaense, da família Sales, e de mãe portuguesa. Eles conheceram-se em Moçambique, onde casaram. O meu irmão mais velho, com ano e meio de diferença, nasceu lá mas eu já vim nascer a Macau. Depois foram 20 anos em Macau. Então, saiu de Macau antes da transferência de soberania. Sim, um pouco antes, em 1996. Até 1999, ainda vim duas vezes de férias e na cerimónia de transferência até estava em Macau. Que sentiu nesse dia? Foi triste. Andei a percorrer as ruas e, em certos momentos, senti aquela tristeza do fim de um era, do fim de um período de convívio e de experiências da comunidade portuguesa. Porque, na verdade e desde então, as coisas mudaram drasticamente na sociedade de Macau. Ainda voltei a Macau, de férias, em 2005 e já foi um choque para mim, quanto mais o ano passado quando decidi regressar. Foi exactamente ao encontro do que lhe ia perguntar a seguir, isto é, a Macau em que cresceu nada tem a ver com esta Macau do século XXI. Sim, muito diferente. Claro que falo de diferenças mais ao nível físico. Existem certas zonas em que o património se mantém e as coisas estão quase iguais ao que eram em 1999 e aí, sim, a gente sente-se muito mais aconchegada. Contudo, no geral, Macau está muito diferente. Em 2005, ainda havia um campo de futebol no Tap Seac e, o ano passado, quando regressei já não. Grande parte do meu tempo era passado naquele campo a jogar futebol e basquetebol. Foi um choque tremendo, já para não falar dos diversos amigos que perdi. Como foi regressar às origens 20 anos depois? A readaptação está a ser gradual. Vim para cá de férias e sem intenção de ficar. Voltei em Julho de 2014 com viagem de regresso em Setembro mas surgiu a possibilidade de trabalhar no Consulado de Portugal e, como estava a acompanhar a minha mãe que estava doente, decidi aceitar o convite. Essa decisão ia sempre sendo a prazo. Primeiro até final do ano, depois até ao Verão, agora, novamente, até final do ano. Se renovarem o contrato, não coloco de parte a possibilidade de ficar mais tempo. Tem sido uma experiência gratificante pois acabei por me reunir com muitos dos meus antigos colegas e amigos do liceu e do Dom Bosco. [quote_box_right]“Aconteceram muitas coisas em Portugal que marcaram e muito a minha vida, desde a carreira musical a amigos. Claro que estando de volta [a Macau] estou a criar novas memórias e a tentar tirar algum partido deste meu regresso”[/quote_box_right] A caminho dos 40 anos, tendo vivido metade aqui e metade em Portugal, sente mais saudades de Portugal ou está bem em Macau? É uma pergunta difícil. Sinto-me dividido. Quando fui para Portugal sentia-me um emigrante e agora, voltando para cá, tenho a mesma sensação, apesar de aqui ter nascido. Aconteceram muitas coisas em Portugal que marcaram e muito a minha vida, desde a carreira musical a amigos. Claro que estando de volta estou a criar novas memórias e a tentar tirar algum partido deste meu regresso. Como já foi dito anteriormente, voltou a Portugal em 1996. O que é que aconteceu daí para frente? Fui-me envolvendo com a música. Comecei a participar em alguns programas de televisão como o Chuva de Estrelas, em 1999, onde cheguei à final com uma interpretação de “Iris” dos Goo Goo Dolls. Mas o mais marcante foi, sem sombra de dúvidas, a Academia de Estrelas, em 2002, da qual saí vencedor. Era um programa da TVI, ao estilo da Operação Triunfo mas, fora a componente do canto, também com a vertente da representação e da dança. Lembro-me perfeitamente dos professores de representação que eram o António Feio e a Margarida Marinho. Tínhamos o Luís Madureira como professor de voz e o Paulo Jesus como coreógrafo. Essa foi a grande alavanca na sua carreira. Sim, claro. Como fui o vencedor, o prémio incluía um carro… Ainda tem esse carro? Não. Troquei-o na altura por um melhor. Parte do prémio foi ainda um curso na Oficina de Actores na NBP e a gravação de um disco, que foi o meu primeiro álbum de originais intitulado “Longe”, através da Farol. Com isso, o seu sonho de criança tornou-se realidade. Essa componente de representação foi sempre secundária? Sim, era acessória. A minha presença em representação na televisão é muito residual. Logo ao início, tive duas participações em duas novelas da TVI – Saber Amar e Anjo Selvagem -, mas era mais como músico e cantor. Depois, envolvi-me no teatro musical e participei em dois musicais com o Fernando Mendes e, mais tarde, participei no musical dos Xutos & Pontapés, intitulado “Sexta-feira 13”. Esses musicais aconteceram quando? Os que fiz com o Fernando Mendes foram em 2003 e 2005. O do Xutos aconteceu em 2006, no Music Box, um espaço aberto junto às Docas. Actualmente, pode ver-se o espectáculo na íntegra no YouTube. Depois desse espectáculo fiz uma pausa e comecei a dedicar-me novamente à composição, começando a preparar o meu próximo projecto. Esse projecto, que acabou por ser o seu segundo trabalho musical, viu a luz do dia em que ano? Em 2008, não a solo, mas com o projecto Mariária. Trata-se de um projecto de música do mundo, com influências tradicionais e celtas. Há influências de Macau? Também. Fui beber aqui e ali. Aliás, um dos temas que tem bastantes influências de Macau e da China é o tema “Ao Seu Lugar” que venceu o segundo lugar no International Songwriting Competition em 2009, na categoria de World Music. Foi o tema que nos permitiu dar a conhecer o projecto. Quantos álbuns editou? Um álbum a solo completo que foi o primeiro. Dois de projecto e um EP, o último que lancei no final do ano passado, em Outubro de 2014, que são só cinco temas. Que mais fez em Portugal? Tive algumas participações aqui e ali, em diversos outros projectos. Cantei em coros, em programas de televisão e em galas. Paralelamente, e como engenheiro de som, estive ligado à produção de álbuns de Paulo Gonzo e Madredeus. Participou no Festival da Canção? Sim, em 2001, se a memória não me falha, numa eliminatória da Madeira, antes da participação na Academia de Estrelas. Interpretei a música “Fechar os Olhos (e Olhar)”. O facto de ter vindo para Macau em 2014, por entre diversas razões, pode também ter a ver com o facto de estar a atravessar um momento de menos trabalho em Portugal? Provavelmente, sim. Aproveitei para vir precisamente porque não estava a ter tanto trabalho lá, numa fase mais baixa. Estar cá também me permite auscultar o que há de oportunidades na música. Macau é um mercado totalmente diferente, onde temos de ter em conta a multiculturalidade. Aqui, não posso pensar apenas no mercado português e na comunidade portuguesa. Mas o sonho, apesar de algumas dificuldade, mantém-se. Sim, o sonho mantém-se. Sempre. O que é que tem feito por aqui, relacionado com a área artística? Por enquanto ainda nada, ou muito pouco. Em Outubro de 2014, fiz uma actuação de uma hora no Hard Rock Café, no âmbito do Pink Oktober, através do convite da Vera Fernandes. E, agora, a convite do Miguel de Senna Fernandes também participei no espectáculo dos Dóci Papiaçam di Macau, uma experiência fantástica. Tem composto? Trouxe instrumentos consigo? Que tempo tem reservado ao seu sonho, se é que podemos dizer assim? Não trouxe nada. Tive que comprar uma viola acústica aqui (risos) para poder continuar a tocar. A minha guitarra e todo o meu equipamento de produção ficou em Portugal. Em Macau, estou a reinvestir um pouco e comprei a viola precisamente para manter o contacto com a música e fui compondo algumas coisas. Ninguém me sondou para mais projectos e, na verdade, sou eu quem está a sondar e tentar perceber que músicos é que estariam interessados em criar qualquer coisa de novo, porque existem muitos músicos por cá. Contudo, a maioria toca mais covers, algo que não tenho problema, mas queria mesmo era criar coisas novas. A criação original sempre foi o meu interesse principal. E Portugal? Neste ano que aqui esteve, surgiu algum convite? Sim, têm perguntado mas perguntam sempre muito por cima. Normalmente questiono quantos concertos são, que projectos. Porque a viagem daqui para Lisboa é muito longa e cara. Teria de valer a pena. Recusei alguns trabalhos, uma vez que a minha ida não compensava só para fazer um concerto. Se houvesse uma sequência de espectáculos, sim, estaria interessado em ir. O que é que acha que pode ter acontecido na sua vida/carreira para que nos primeiros anos, depois da vitória na Academia de Estrelas, ter tido tanto trabalho e agora estar a passar por um momento menos bom? Foram várias circunstâncias. A crise talvez tenha sido a maior de todas. Houve uma altura em que as Câmaras Municipais organizavam festas e ofereciam os concertos às populações. Nessa altura, havia muito trabalho mas essa prática foi prejudicial uma vez que as pessoas começaram a ser habituadas a não pagar espectáculos. Depois, quando os Municípios deixaram de oferecer esses espectáculos, tudo se complicou. Os concertos começaram a diminuir assim como a formação das próprias bandas. Muitas das bandas, mesmo de artistas consagrados como Rui Veloso ou Luís Represas, diminuíram as suas formações para fazer face aos gastos. Mas nem sempre é a mesma coisa. Não há nada que pague a verdadeira dinâmica do tocar ao vivo, até porque o público entranha-se mais na música. Portanto, voltar a Portugal só houver algo aliciante na música? Sim. Claro que, se houver trabalho na música, voltarei a Portugal. Ou então, se não houver oportunidade para continuar por Macau, procurarei noutro lado como Londres ou Nova Iorque. E sempre foi minha intenção experimentar a realidade desses locais. Quando venceu a Academia de Estrelas, iludiu-se ou é uma pessoa de pés firmes no chão? Não. Sempre tive os pés bem assentes no chão e, por isso, nunca me iludi e nunca me desiludi. Repare, até mesmo nos momentos menos bons são essas alturas que nos definem. Ou mantemos a convicção daquilo que nós queremos ou deixamo-nos seguir o caminho das editoras, muitas vezes diferente daquele que idealizamos. A música deu-lhe mais amigos ou mais inimigos? Mais amigos. Sinto que ganhei mais amigos até porque conheci vários músicos com quem tive a oportunidade de trabalhar e aprender. Músicos dos Pólo Norte, da Rita Guerra, dos Madredeus, e esse convívio permitiu-me enriquecer musicalmente. Quais são as suas influências e os seus ídolos? Quando era mais novo gostava mais de rock. Ouvia Guns n’ Roses, Bon Jovi… Mas a partir do momento que fui viver para Portugal tive contacto com vários outros estilos e passei a ouvir o José Afonso, Trovante, Loreena McKennitt, Carlos Núñez, Dulce Pontes, entre outros. Gosta de Fado? Gosto de fadistas. Para ouvir Fado tudo depende do fadista que esteja a cantar. Do lado masculino, admiro muito o Ricardo Ribeiro e do lado feminino, ouço a Ana Moura que, para além de muito bonita, tem um calor de voz que gosto. Em que estado está a música portuguesa? É necessário cantar em Inglês como os Moonspell para ser reconhecido mundialmente? Não penso que seja necessário. Esta é uma luta de anos mas o que está em jogo são as quotas dedicadas à música portuguesa nas rádios lusas, que nunca chegam àquilo que é estabelecido por lei. Por isso, as pessoas estão mais habituadas a ouvir em Inglês e a rádio acaba sempre por definir os gostos. Repare que uma pessoa pode ouvir uma música na rádio e dizer “detesto isto” mas, depois dessa música passar dez vezes, já se começa a cantarolar. Daí que quando surge um projecto como os D.A.M.A., mais recente e que me recordo, é de louvar pois cantam em Inglês e começam a ter algum público fiel, mesmo que seja um mercado muito específico como o hip-hop. Penso que, a haver uma crise na música portuguesa, ela será mais relacionada com a forma como a música é apresentada ao público, porque havendo um controlo mais afincado das editoras e das rádios, eles é que acabam por influenciar o público. E em Macau, como está a indústria musical? Está numa fase pré-natal. Ainda não há investimento e cultura de edição musical. Só ultimamente é que começaram a surgir apoios, quer do Instituto Cultural quer da Fundação Macau para produções de artistas locais. Ainda assim, é muito pouco. Fora o estúdio da Casa de Portugal, não conheço mais qualquer estúdio que permita aos músicos arranjarem um produtor e gravar um trabalho. É preciso isso – e muito mais – para que, pelo menos, possamos estar ao nível de Hong Kong. Mas a região vizinha tem as editoras mundiais lá estabelecidas, tem outra orgânica e até mesmo os músicos de lá são mais ouvidos em Macau que os locais. É preciso pro-actividade. Os músicos têm de começar a criar mais em Macau, seja em Cantonês, em Mandarim, em Português ou em Inglês. Isso iria dar mais destaque àquilo que é a cultura de Macau, a diversidade. O que é para si ser macaense? Para mim ser macaense é ser muito paciente, se calhar mais paciente que o chinês (risos). Na verdade, sinto-me especial por pertencer a uma comunidade que é única no mundo e que tem as suas especificidades. Ser capaz de interagir com as mais diversas culturas é um ponto forte do ser macaense. Posso falar Chinês, posso falar Português e até posso falar Inglês. Temos muita felicidade em adequarmo-nos. As tradições macaenses sempre estiveram presentes em sua casa? Sim. Lá em Portugal, fazia e comia minchi (risos). Aprendi com a minha mãe. Fazia também chao min e cheguei a cozinhar comida macaense para os meus amigos. Eles adoravam até porque fazia a massa chinesa estaladiça com molho. Fala chinês? Falo. E agora mais uma vez que com o regresso tenho falado muitas vezes em Cantonês. O Mandarim já é mais complicado mas no Cantonês estou a falar cada vez melhor. __________________________________________________________________ Discografia 1996 – Participação na colectânea Made in Macau 2002 – “Longe”, primeiro CD de originais 2008 – “Mariária”, primeiro CD do projecto homónimo 2012 – “Terra de Sal”, segundo CD com o projecto Mariária 2014 – “Comeback”, EP a solo