Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesO amigo macaense [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ia 19 de Janeiro recebi um telefonema de um amigo para me informar que o Carlos Manuel Coelho tinha falecido. Esta notícia encheu-me de tristeza. É sempre difícil aceitar a morte, mesmo quando sabemos que a pessoa em causa sofria de problemas de saúde há algum tempo. Conheci o Carlos Manuel Coelho há mais de vinte anos, quando ele trabalhava na Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), sediada num edifício da Avenida do Conselheiro Ferreira de Almeida. Nessa altura, fui à DSEJ para entregar as candidaturas dos meus alunos às actividades de Verão e foi o Carlos que recebeu os impressos. Vinte anos volvidos, voltei a encontrá-lo. Tinha ido dar uma palestra à escola onde ele trabalhava como assistente do Reitor e ele honrou-me com a entrega de uma medalha comemorativa. Há quatro anos atrás, tornei-me também assistente do Reitor, na mesma escola onde o Carlos trabalhava, e desta forma tornamo-nos colegas. Em Junho de 2016, deixei de trabalhar na referida escola e assim terminou também a nossa parceria laboral. Carlos Manuel Coelho tinha um belíssimo nome chinês, Kou Vai Lon, que ligava muito bem com a sua imagem. Quem não o conhecesse, ficava invariavelmente com a ideia de estar perante uma pessoa arrogante. Mas após alguma convivência, esta impressão dissipava-se. No entanto, há quem diga que nem toda a gente gostava dele. Mas a partir do momento em que se tornava nosso amigo, sentíamo-nos abençoados. Nas eleições de 2014 para a Assembleia não fui reeleito, mas, apesar disso, não pude continuar a cumprir todos os meus antigos compromissos laborais. Acabei por ter de abandonar a escola, onde tinha estado durante muitos anos, e iniciar um novo trabalho num ambiente completamente diferente. Enquanto funcionário público, que dedicou décadas da sua vida à educação, Carlos Manuel Coelho ensinou-me muito sobre como lidar com pessoas e situações, embora, devido à minha personalidade, não tenha posto tudo em prática. Contudo, ele fazia análises muito certeiras sobre tudo o que o rodeava e ajudou-me a abrir os olhos para determinadas realidades. De todo o trabalho que, durante anos, desenvolveu ao serviço do Governo, o que o enchia de maior orgulho era o Festival Juvenil Internacional de Dança, cuja organização estava a seu cargo. Mas o que mais me impressionava era a sua entrega à promoção do ensino do Português na escola onde trabalhava. Graças à excelente educação que recebeu, Carlos Manuel Coelho tinha um completo domínio da língua portuguesa, o qual desejava partilhar com a comunidade. Para além de organizar aulas de Português na sua própria escola, também o ensinava noutros locais, o que lhe valeu um amplo reconhecimento. Levou ainda o ensino da lusitana língua aos jardins de infância, organizando jogos e encenando para os mais pequeninos acontecimentos do dia a dia. Um dos cacifos do seu escritório estava atulhado de tubos de papel higiénico e outros materiais que coleccionava para mais tarde usar como ferramentas pedagógicas. Era difícil avaliar pela sua aparência como era na verdade um pedagogo tão apaixonado. Carlos Manuel Coelho vestia-se com bom gosto e tinha um sentido da vida muito particular. Na sua mensagem do Weibo podia ler-se, “A vida é curta, por isso aproveitem cada dia ao máximo”. Ao fim de dois anos de o conhecer, acabei por ir aprendendo, aos poucos, a apreciar a Arte e a vida. Sabia confeccionar excelentes pratos macaenses, especialmente doçaria. Tinha também profundos conhecimentos sobre mobiliário em cerejeira e porcelanas. Estava sempre pronto a ajudar e a partilhar o que sabia, mas só se nos considerasse amigos. Por vezes, convivemos com certas pessoas durante anos e nunca passam de conhecidos. Mas, de outras, com quem nos identificamos, ficamos amigos num abrir e fechar de olhos. Com o Carlos Manuel Coelho, verificou-se o segundo caso. Ultimamente tem acontecido de tudo em Macau. Muitas destas coisas são a paga do que as pessoas fizeram ao longo dos anos. A vida é curta na verdade e eu fui um privilegiado por ter conhecido o Carlos Manuel Coelho, que foi um grande amigo. Que o Senhor tenha a sua alma e olhe pela sua família.
Hoje Macau VozesOrganização Judiciária: Entre o Quase Nada e o Quase Tudo [dropcap style≠‘circle’]1.[/dropcap] Anunciam-se mexidas à Lei de Bases de Organização Judiciária (LBOJ) e a discussão pública (ou publicada) tem-se centrado quase exclusivamente na exclusão dos juízes estrangeiros em poderem julgar casos que incidam sobre segurança nacional. De passagem foi-se também falando na questão do duplo grau de jurisdição, há muito reclamada, para que os titulares dos cargos políticos possam ser julgados no Tribunal de Segunda Instância, de modo a poderem recorrer para o Tribunal de Última Instância. E ainda se foi referindo a necessidade de se aumentar o número de juízes do TUI. 2. São óbvias e mais do que justificadas as fortes críticas a que o sistema inclua uma limitação à possibilidade de os juízes estrangeiros julgarem casos que impliquem questões de segurança nacional (seja lá o que isso for). De um ponto de vista politicamente correcto invoca-se que todos os juízes têm a mesma idoneidade, imparcialidade, etc., e que a Lei Básica não permite tal discriminação. O que é rigorosamente verdade. Mas num aparte politicamente incorrecto dir-se-á que, provavelmente, os juízes estrangeiros até terão um maior distanciamento em relação a este tipo de matérias, o que os habilitará a ter uma mais ampla liberdade e independência de decisão, por não estarem tão condicionados por paradigmas socioculturais tão específicos como são os da cultura chinesa. É também mais do que óbvia a necessidade de se assegurar um duplo grau de recurso nos julgamentos de titulares de cargos políticos. Como seria saudável que fosse alargado o número de juízes na Última Instância para permitir um refrescamento das correntes jurisprudenciais e permitir que mais processos pudessem ser decididos nesse último tribunal da RAEM. 3. Fora isso, as alterações à LBOJ vão pouco além de meros ajustamentos administrativos, sem fôlego, sem ambição, sem atenderem à modernidade da evolução judiciária e, acima de tudo, sem visão estratégica. Ou seja, uma oportunidade (quase) perdida de se mexer na organização judiciária da RAEM (incluindo-se aí a Lei de Bases e os Códigos de Processo). 4. Reclamo há muito que é preciso olhar para o judiciário com outra visão e sem os condicionamentos conservadores com que os juristas muitas vezes vêm estes coisas, condicionados por uma tradição que por vezes lhes retira a ousadia reformista. Ora, um dos trabalhos a empreender, com grande impacto no sistema, seria o de integrar a jurisdição administrativa e fiscal na jurisdição comum, criando aí juízos especializados para as questões administrativa e/ou fiscais, e aprofundando-se ainda mais a especialização na primeira instância. É preciso coragem para dar este passo. E vencer muitas resistências. 5. Permitam-me um exemplo do que está a acontecer em Portugal. No recentíssimo “Acordo para o Sistema de Justiça”, assinado em Lisboa entre as cúpulas das organizações representativas dos Juízes, dos Magistrados do Ministério Público, dos Advogados, dos Solicitadores e dos Funcionários Judiciais, foi incluído, a abrir um documento entregue às autoridades políticas, num conjunto de outras 88 medidas, a seguinte proposta que mereceu o consenso de todos: “Estudo da unificação da jurisdição comum com a jurisdição administrativa e fiscal, criando uma ordem única de tribunais, um único Supremo Tribunal e um Conselho Superior da Magistratura Judicial”. Isto é uma revolução, que se invoca com alguma legitimidade devido à identidade das matrizes existentes! E na RAEM nem sequer seria preciso mexer com tantos interesses instalados, como em Portugal, uma vez que aqui que só existe uma única hierarquia de tribunais de recurso e só existe um único Conselho de Juízes. 6. Os tribunais administrativos, na sua lógica antiquada, formalista, privilegiadora da “verdade” formal, muitas vezes em detrimento da verdade material, têm de ser profundamente restruturados. E, falando claro, a única forma de o fazer é retira-los do gueto em que se encontram e integrá-los numa jurisdição comum, e sujeitos a uma disciplina processual comum às restantes especialidades judiciárias. 7. Associado a esta ideia é imperativo rever, com amplitude, as normas de processo, simplificando-as, criando procedimentos mais ajustados e flexíveis, de modo a que possam ser aplicados por igual às diversas especializações (entre elas a administrativa e fiscal). E uma forma de os simplificar começaria por se lhes retirar, a todos eles e a alguma legislação avulsa, todas normas de competência, onde nunca deveriam ter entrado. E o momento até seria oportuno, porque o Governo está também a rever, em separado, o Código de Processo Civil. 8. Esta “revolução” levaria a que passasse a haver um Código do Sistema Judiciário (em substituição da Lei de Bases de Organização Judiciária) e um Código de Processo Judiciário, que serviria para regular o funcionamento de todos os tribunais comuns (com excepção dos tribunais criminais, uma vez que os procedimentos a observar aí, têm, na verdade, um DNA muito específico). 9. Para não alongar este enunciado de questões gerais, há um outro tópico para ponderação que considero ser importante. É preciso um tempo razoável para que um juiz seja nomeado definitivamente para o lugar. Não basta a conclusão com aproveitamento de um curso ou estágio de formação. É necessário existir um “período experimental” de alguns anos (cinco, por hipótese) para que se perceba, após inspecções regulares, se uma determinada pessoa tem a formação técnica e os traços pessoais e de personalidade adequados para o desempenho dessa tão importante função pública e que tanto impacto tem na regulação dos conflitos sociais. É importante que essa função seja exercida com sabedoria técnica, com parcimónia e algum recato, com respeito institucional por todos aqueles que têm de acorrer a um tribunal, com autoridade, mas sem autoritarismo. O facto é que nem sempre a sabedoria jurídica chega para fazer um bom juiz! Este princípio é valido para Macau, como é válido para Portugal onde, infelizmente, não tive a capacidade de colocar o assunto na ordem do dia, na altura em que aí coordenei o grupo de trabalho que procedeu à reforma do sistema judiciário de 2013. 10. A terminar, não uma nota de rodapé, mas um desabafo em jeito de pergunta: o que continua a impedir que os advogados possam corresponder-se com os tribunais através de meios electrónicos, e vice-versa, usando certificação digital, e tenham de continuar a usar o fax e a carregar papel e mais papel para zelosos funcionários arquivarem em pastas que depois são guardadas em móveis atafulhados? No século XXI, e numa terra onde há dinheiro e condições técnicas para o fazer com facilidade, é absolutamente inacreditável que se continue a viver nesta pré-história judiciária! Texto por João Miguel Barros, Advogado
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDesejo Masculino e Testosterona [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ada é consensual, nem a natureza do desejo sexual. Até rimei. As ciências baseiam-se nas várias formas de como olhar o mundo para interpretar fenómenos humanos. Como se entende o desejo sexual (e os problemas e vantagens a eles associados) vão variar de acordo com as nossas orientações epistemológicas. A mais utilizada para perceber o desejo sexual, que até está presente no nosso senso comum, é a do modelo biológico. Mais concretamente, que as nossas queridas hormonas contribuem para os sinais mais óbvios do desejo e da performance. Mas será a biologia capaz de explicar tudo? Há quem diga sim, há quem diga que não. Parece que os estudos que suportam a tese biológica poderão ser re-interpretados à luz de um entendimento mais dialógico, i.e., tendo em consideração os corpos e as mentes da parelha do desejo e do sexo. A evidência mais clara de que o desejo não depende totalmente de existência de testosterona em força, é a dos eunucos. Os eunucos que, no caso da corte chinesa, trabalhavam para servir as concubinas do imperador, eram castrados para não haver risco algum de se envolverem com as meninas, muito menos engravidá-las – para não correr o risco das concubinas produzirem possíveis herdeiros infiéis à linhagem do imperador. O que certas descrições da época parecem informar é que lá pelos homens terem perdido os tomatinhos (de forma bastante traumática, suponho), não era por isso que não iriam brincar ao sexo com as raparigas (ou rapazes) que quisessem. Aliás, isto é tão verdade que até poderá ter havido a prática de remoção do pénis, para além dos testículos, só para não se correr risco absolutamente nenhum. Mas nada indica que os eunucos não pudessem, ainda assim, não gozar o prazer sexual, usando as mãos ou a boca, por exemplo. Vou tentar explicar o porquê da persistência do desejo, da melhor forma que puder. Imaginem um homem com problemas em ter uma erecção: como é um tanto ou quanto estigmatizante para a sexualidade masculina acontecer tal coisa, é normal que o desejo se agarre à vergonha – para assim se proteger de situações desconfortáveis. Por isso, é bastante comum ver a disfunção eréctil associada à falta de desejo, mas e se não for a biologia a causar a inibição do desejo sexual? E se a causa for o estigma da não-erecção? Quer dizer que a natureza do desejo vai muito além das hormonas (não descartando que elas são parte importante, claro). No caso dos eunucos, eles sabiam que tinham como trunfo sexual a infertilidade – as mulheres sentiam-se atraídas por isso. Não é fantástico poder sentir o prazer do toque e do orgasmo sem se ter que preocupar com uma gravidez indesejada, quando a pílula estava longe de ser comum? Alguns relatos da época parecem apontar para esta explicação – e não me parece descabida de todo – o desejo sexual será, por isso, o resultado de relações de atração. Portanto, trocando isto por miúdos: o desejo sexual parece alimentar-se da atração pelo outro, mas também da forma como nós achamos que o outro pode sentir-se atraído por nós, e das nossas condições de prazer. Daí eu ter descrito o desejo como dialógico, porque parece depender de uma conversa de atrações, do que eu acho do outro, e do que eu acho que o outro acha de mim. Claro que o que nós julgamos atraente é construído socialmente, e o perigo sempre foi associar o prazer e a performance masculinas à erecção e à ejaculação, sem nunca dar espaço suficiente a outras formas de amor e de prazer. A lógica biológica, e melhor disseminada socialmente, parece atrapalhar as formas de desejo sexual que poderiam ser exploradas, justificadas e concretizadas fora da testosterona. Se os eunucos, privados de níveis normais de testosterona, continuavam a sentir desejo e fantasia, e que ainda iam para a cama com as miúdas com quem era suposto não irem, o sexo tem de estar algures entre as nossas cabeças, a nossa magia sensorial e os nossos genitais.
David Chan VozesNovo rosto na Justiça [dropcap style≠‘circle’]E[/dropcap]m Hong Kong, no passado dia 6, a nova Secretária da Justiça tomou posse. Chama-se Teresa Cheng Yeuk-wah e vem substituir Rimsky Yuen Kwok-keung. Embora Rimsky não tenha explicado os motivos da sua demissão do cargo, tudo indica que esta se ficou a dever principalmente a motivos de saúde. Teresa Cheng Yeuk-wah é Conselheira Sénior em Hong Kong. Foi também presidente do Centro para Arbitragem de Disputas Financeiras, a delegação de Hong Kong do Centro Internacional para Arbitragem de Disputas Financeiras, e vice-presidente do Conselho Internacional de Arbitragem Comercial. Os sistemas jurídicos de Hong Kong e de Macau são diferentes, especialmente no que diz respeito ao exercício da advocacia. Em Hong Kong os causídicos dividem-se em dois grupos, os solicitadores e os advogados de barra. Estes últimos, também designados por “conselheiros”, são especialistas em todo o tipo de litígios e podem exercer nos Tribunais de todas as instâncias. Ao contrário, o solicitador tem acesso apenas a alguns Tribunais. Para aceder às mais altas instâncias o solicitador precisa de uma autorização especial. O advogado de barra pode vir a receber os títulos de Conselheiro e de Conselheiro Sénior. Esta atribuição terá de ser aprovada pelo Supremo Tribunal. O Título de Conselheiro Sénior só pode ser atribuído a advogados com desempenho de excelência em Tribunal, especialmente no que diz respeito à análise de casos. Tanto Rimsky como Teresa Cheng receberam o título de Conselheiro Sénior, o que significa que ambos são excelentes advogados. De acordo com o artigo 63º da Lei Básica de Hong Kong, o Secretário da Justiça tem o poder de decidir quem deverá ser processado. Este artigo garante a independência do poder jurídico. É também mais um garante do estado de direito. Em Macau, o artigo 90º da Lei Básica enuncia: “Os Procuradores da Região Administrativa Especial de Macau deverão exercer as suas funções, conforme está consignado na Lei, de forma independente e livre de quaisquer interferências.” A função deste artigo é equivalente à do artigo 63º da Lei Básica de Hong Kong. Na sua primeira conferência de imprensa, Teresa Cheng afirmou: “Por vezes, as pessoas fazem leituras diferentes do conceito ‘um País, dois sistemas’ e talvez também da Lei Básica. No entanto, se persistirmos na aplicação dos princípios legais, e analisarmos objectiva e racionalmente a Lei Básica, promulgada pelo Congresso Nacional do Povo de acordo com a constituição da República Popular da China, acabaremos por chegar todos ao mesmo entendimento legal.” Teresa Cheng adiantou ainda: “A primeira missão do Secretário da Justiça é garantir a manutenção do estado de direito.” Estas declarações demonstram que Teresa Cheng vai tomar as suas decisões em estrito acordo com a Lei, no entanto a situação não lhe é muito favorável. A nova Secretária da Justiça vai enfrentar uma série de desafios, como a questão da partilha alfandegária, a Lei do Hino Nacional e os recursos dos membros do movimento “Occupy Central” de Hong Kong. No entanto, até ao momento, não existem rumores sobre a criação de leis relacionadas com o artigo 23º da Lei Básica. A legislação sobre segurança nacional deverá ser elaborada posteriormente. A partir deste primeiro discurso, podemos depreender que Teresa Cheng é forte e que defende firmemente o estado de direito. É possível que a sua experiência como mediadora de conflitos comerciais lhe tenha conferido uma certa cordialidade que a pode vir a ajudar a lidar com os diferentes grupos de interesses. Mas o seu passado também indica que ela não é muito hábil a lidar com questões políticas. A construção ilegal da sua residência na Villa de Mer, Siu Lam, Tuen Mun é um dos melhores exemplos para o ilustrar. Há um tempo atrás, a construção ilegal da casa do antigo Chefe do Executivo, C Y Leung, deu muito que falar em Hong Kong. Foi também o caso do Secretário-Chefe Henry Tong. Teresa Cheng caiu no mesmo erro e, além disso, não deixou esta questão resolvida antes da sua designação para o cargo, o que não é bom para ela nem para o Governo da RAEHK. Embora tenha apresentado desculpas públicas no primeiro dia no exercício de funções, não se pode livrar das críticas. Uns dias depois surgiram mais notícias. O Governo da RAEHK autorizou Teresa Cheng a manter o seu lugar de mediadora em seis casos de arbitragem de conflitos. Apesar disso o Governo garante que não existe conflito de interesses, e assegura que não faz parte das funções do Executivo envolver-se nestes assuntos. Os casos vão-se somando, um atrás do outro. Os acontecimentos demonstram claramente que não é fácil ser membro do Governo de Hong Kong.
Sérgio de Almeida Correia Manchete VozesA legalidade não tem valor de mercado “Toute Société dans laquelle la garantie des Droits n’est pas assurée, ni la séparation des Pouvoirs déterminée, n’a point de Constitution” – Artigo 16.º, Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen de 1789 [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo escreveu Vieira de Andrade, há na actualidade um conjunto de direitos cuja raiz se faz remontar aos estóicos e a Cícero, que foi depois objecto de densificação com o Cristianismo e as doutrinas de S. Tomás de Aquino, continuando historicamente no Iluminismo e no Liberalismo, e cujos marcos mais recentes podem ser encontrados nas revoluções americana e francesa. Estes direitos acabaram por ser acolhidos em textos de características para-universais, como é o caso de diversos documentos da ONU, entre os quais o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, documento que a RPC, enquanto país fundador daquela organização subscreveu em 1998, concordando que fosse posto em vigor em Macau, através de consagração expressa na Lei Básica (LB), como parte da garantia da existência de um “segundo sistema”. 2. Pela sua origem histórica e importância, esses direitos atravessaram os anos e os séculos e devem ser hoje considerados “património espiritual comum da humanidade“. Assim, impõem-se em quaisquer circunstâncias, não admitindo várias leituras de acordo com pretextos de natureza social, económica ou política para permitirem violações do respectivo conteúdo. Convirá por isso referir que a LB de Macau contemplou a existência desses direitos em diversas disposições, mas o problema que tem vindo a colocar-se nos últimos tempos com mais acuidade é que esses direitos não são os únicos: a sua vigência na ordem interna tem de ser articulada, quer com outros direitos, quer com a acção dos órgãos do poder político, visto que podem tornar-se conflituantes quando colocados em confronto perante determinadas situações concretas. Em causa estão os chamados actos políticos enquanto afirmações de poder decorrentes do exercício da função política. Como vários autores têm destacado (F. do Amaral, G. Canotilho, E. de Oliveira, J. Miranda, M. Rebelo de Sousa, entre outros e para referir só a doutrina portuguesa), o que caracteriza a função política enquanto actividade pública de um Estado é o seu fim específico como definidora do “interesse geral da colectividade” (F. do Amaral), correspondendo à prática de actos que, “com grande margem de liberdade de conformação” (G. Canotilho), fazem a “definição primária e global do interesse público” (J. Miranda), “exprimindo opções sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade (…) e que respeitam, de modo directo e imediato, às relações dentro do poder político e deste com outros poderes políticos” (M. Rebelo de Sousa). Para este último, a “essência do político reside na realização das escolhas“, não visando projectar-se em termos imediatos sobre os cidadãos. Nesta linha, no Acórdão do STA de 06/02/2011, proferido no Processo 045990 (2ª secção do CA), escreveu-se que actos políticos são “actos próprios da função política e cujo objecto directo e imediato é a definição do interesse geral da comunidade, tendo em vista a conservação e o desenvolvimento desta“. Mas ao lado destes actos que definem a essência da actividade política, também há os chamados “actos auxiliares de direito constitucional“(Afonso Queiró, Esteves de Oliveira) que são aqueles que se destinam a “pôr, manter, modificar ou fazer cessar o funcionamento de um órgão ou regime”, nele se incluindo, por exemplo, a nomeação ou exoneração de um primeiro-ministro, a dissolução de um órgão legislativo ou a marcação da data de umas eleições (cfr. J. de Sousa, Poderes de Cognição dos Tribunais Administrativos relativamente a Actos Praticados no Exercício da Função Política, Julgar, 3, 2007). A LB esclarece-nos que os tribunais da RAEM têm jurisdição sobre todas as causas judiciais (cfr. art.º 19.º), com excepção das que respeitem aos “actos do Estado”, dando-se como exemplo destes as relações externas e a defesa nacional. Por seu turno, a Lei de Bases da Organização Judiciária (LBOJ) estatui que estão excluídas do contencioso administrativo as questões que tenham por objecto os actos “praticados no exercício da função política e a responsabilidade pelos danos decorrentes desse exercício, quer este revista a forma de actos quer a de omissões“. Não resta, assim, qualquer dúvida de que os actos praticados no exercício da função política estão excluídos do contencioso administrativo, não sendo para isso necessária uma qualquer absurda resolução para atestar esta realidade. Mas, pergunta-se agora, desse contencioso estão excluídos todos os actos? Aparentemente dir-se-ia que sim. Só que é aqui que reside o problema, dado que importa compatibilizar o que está vertido na LB (jurisdição sobre todas as causas judiciais) com a LBOJ (exclusão de actos da função política). O facto de um acto ser praticado por um órgão que habitualmente pratica actos inseridos na função política não faz com que todos os actos sejam actos políticos. Uma ordem do Presidente da AL para que um funcionário lhe leve um copo de água no decurso de uma reunião não é um acto político, embora esse pedido possa ocorrer no exercício de uma função política como é a direcção de um Plenário. O controlo jurisdicional dos actos políticos ou de “natureza política” tem sido uma magna questão do direito político-constitucional e administrativo e objecto de muitas discussões. A noção de acto político radica no direito francês e no velho Conselho de Estado, constituindo criação da jurisprudência deste (uma das “escassas máculas da sua história exemplar“, escreveram García de Enterría e Fernández Rodriguez, 1997) quando, após a queda de Napoleão, a dinastia dos Bourbons volta ao poder e aquele órgão decide autolimitar as suas competências para conseguir sobreviver. O conceito evoluiu, tendo passado por concepções distintas – na teoria da motivação ou do móbile político como acto de “alta política“(Arrêt Lafitte de 1/05/1822); depois classificado em função da “natureza do acto“, no Arrêt Prince Napoléon de 19/02/1875; finalmente, abandonando uma definição geral por uma análise empírica de natureza casuística (cfr. B. M. Acuña, El Control Jurisdiccional de los actos politicos del Gobierno en el derecho español, RIEDPA, 2, 2015; J.L. Carro e Fernandéz Valmayor, La doctrina del acto politico, 1967; K. Navarro e M.A. Sendín Garcia, El Control Judicial de los actos politicos en España y Nicaragua, https://biblio.juridicas.unam.mx), até se admitir na actualidade que a diferença entre actos políticos e administrativos estará apenas no grau de discricionariedade, o qual depende da diferente densidade normativa da sua regulação, e não da vinculação positiva ou negativa à norma jurídica. Num caso com discricionariedade mais forte, no outro mais fraca. Certo é que existem mecanismos de controlo do acto político, vertidos nas Constituições e nas leis, que condicionam o processo da sua elaboração, produção e aplicação, obrigando ao cumprimento de determinados requisitos: há órgãos próprios aos quais compete a sua emissão, exigências de forma e de motivação a respeitar, há que conformá-los com os princípios e valores constitucionais, sem esquecer as regras a obedecer para que quando produzidos possam ser escrutinados e conhecidos de todos. É aos tribunais que cabe, em qualquer sistema moderno de direito, o controlo do princípio da legalidade, pois todos os órgãos do Estado estão submetidos à lei. A RAEM não constitui excepção, constituindo um chiste dizer que “qualquer irregularidade eventualmente cometida até chegar ao Plenário está coberta pela deliberação do Plenário” (JTM, 18/01/2017). Já foi assim, já houve quem assim pensasse em tempos remotos, mas não está mais, e mal seria que ainda estivesse. O papel dos parlamentos e dos tribunais é na actualidade diferente daquele que desempenharam no passado. A AL, pese embora todas as suas insuficiências e deficiências de composição, enquanto órgão parlamentar, não é “una corporación medieval, sino un órgano del Estado sometido, ni más ni menos que los otros órganos y los ciudadanos, a los principios y a las normas de la Constitución” (Torres Muro, 1986, El Control Jurisdiccional de los Actos Parlamentarios. La Experiencia Italiana), que é como quem diz da LB. A AL não pode ser vista, por muito que isso custe a alguns “legisladores”, como uma fortaleza isenta de todo e qualquer controlo e na qual se podem cometer os maiores desmandos, incluindo a violação de direitos fundamentais universalmente consagrados, por meras razões de circunstância. Há valores mais altos. Em Itália, o fim do fascismo e a aprovação da Constituição de 1947 deram corpo a um novo posicionamento, que levou a considerar ao lado dos interna corpori acti, a necessidade de equilibrar a defesa da autonomia das assembleias com a “tutela contra a lei viciada pelo procedimento” (Manzanella, Il Parlamento, Bolonha, 1977). Só é lei a que obedece a determinado processo de produção. E não é, ao contrário do que alguns pensam, a unanimidade parlamentar que transforma em lei qualquer borrão que seja colocado à votação do Plenário. Existem normas jurídicas que regulam a formação da vontade legislativa. A submissão à lei, escreveu Boneschi, é a base do “procedimento de formação da vontade pública“. Daí que, também, de há muito se admitiu que haja ao lado das normas “di organizzazione procedurale” outras que “regulan la fase de la decisión parlamentaria (norme sulla decisione)“. É verdade, como diz Pizzorusso, que “as finalidades de controlo não se podem pôr todas ao mesmo nível ao longo do procedimento legislativo, havendo que distinguir entre as mesmas”, em termos tais que a distinção não possa “basear-se em circunstâncias extrínsecas, mas sim derivar da posição dos diferentes actos do procedimento, com base na sua estrutura, em relação às funções que lhes são cometidas pelo ordenamento jurídico e os seus efeitos”. Com a autoridade que lhes é reconhecida, e que há muito ultrapassou as fronteiras atlântica e pirenaica, García de Enterría e Ramón-Fernandéz sublinharam que até a regra da irrecorribilidade dos actos de trâmite é uma simples regra de ordem, não uma regra material absoluta que seja absolutamente infiscalizável pelos tribunais. E quando em causa estão direitos fundamentais parece evidente, até para o homem da rua, e ainda que o acto final seja político, que não se podem permitir atropelos devido à precipitação e à incompetência dos executores para atingirem os fins que pretendem. Que em qualquer caso sempre seriam politicamente discutíveis: “[a] independência do Poder Judicial e a sua vinculação exclusiva ao Direito tornam-no, nas sociedades democráticas, o guardião próximo dos direitos individuais perante os poderes públicos e nas relações entre privados. (…) Os tribunais (os juízes) encarnam a consciência jurídica da comunidade e constituem a última instância de defesa da liberdade e da dignidade dos cidadãos” (Vieira de Andrade, 2010). Refira-se ainda que o Comité Permanente (CP) do 12.º Congresso do PCC, na sua 24.ª Sessão, analisou o disposto no art.º 104.º da LB de HK, tendo concluído, de relevante para o que aqui se trata, que devem ser seguidos os procedimentos legais relativamente à forma e ao conteúdo para um acto poder ser considerado válido. Ora, ninguém duvida que um juramento de investidura de um deputado é um acto político. E foi esse o sentido que também lhe quiseram atribuir os prevaricadores ao desrespeitarem o que estava legalmente estabelecido. Ou seja, no caso concreto sobre o qual se pronunciou, o CP veio dizer foi que se os procedimentos legais não foram seguidos o juramento prestado é inválido. Independentemente daquilo que os tribunais de HK pudessem, eventualmente decidir sobre a questão que lhes fora confiada. E, acrescento eu, mesmo que esse juramento fosse eventualmente confirmado por unanimidade pelos deputados do Legislative Council de HK, as invalidades nunca seriam consumidas pelo acto político final. Se dúvidas havia, elas dissiparam-se com a interpretação feita. Como bem diz pessoa que muito estimo, a RPC não pode permitir que na RAEM as coisas se possam passar de modo diferente daquele que ocorreu em HK relativamente aos critérios de interpretação das respectivas Leis Básicas. O CP não vai fazer uma interpretação para HK, em 2016, e outra diferente para Macau, em 2018, se questão idêntica lhe vier a ser suscitada sobre o cumprimento das formalidades de um acto político. Admitir que procedimentos consagrados na lei poderiam ser desrespeitados, ainda que por unanimidade dos decisores, e que existem áreas vinculadas da actuação do Governo ou da AL que se furtam ao controlo dos tribunais – inclusivamente espezinhando direitos fundamentais consagrados na LB –, seria um grave retrocesso. Um retrocesso não pode ser motivo de satisfação da RPC. E em nada contribuiria para a dignificação do “segundo sistema”. Haja tino. E, por uma vez, vergonha e patriotismo (para os que não forem “patriotas de circunstância”).
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA humanização da medicina “The term ‘epidemic of error’ has been coined. In the United States, the Institute of Medicine, acting under the National Academy of Sciences, has identified errors in healthcare as a leading cause of death and injury, comparable with that of road accidents.” “Errors, Medicine and the Law” – Alan Merry and Warren Brookbanks [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] luto, doença e a dor derrubam as ilusões brilhantes e superficiais da vida. As doenças, bem como as pequenas necessidades corporais, são, respectivamente, as óptimas e pequenas epifanias diárias da nossa limitação e são, de facto, um mistério, mas não podemos deixar o sofrimento no “não dito”. Não se trata de dar a resposta à dor e sofrimento na doença, mas de adoptar uma pesquisa inesgotável e essencial para a humanização do homem, bem como responder à pergunta de “quem sou eu?”. A doença muitas vezes pode levar à angústia, à desistência da vida e ao desespero e existe a necessidade de convidar todo o pessoal envolvido no sistema de saúde, do médico ao auxiliar a não escaparem de uma tarefa tão maravilhosa, como é a de humanizar a medicina e a doença. A importância de humanizar a doença deve-se ao facto de que o sorriso, a palavra gentil, o abraço não custa nada, mas pode fazer milagres, consolar e dar serenidade ao coração do paciente. Um antigo provérbio senegalês lembra uma grande verdade esquecida pela medicina tecnológica de que “o cuidado do homem é o homem “. O Corpus Hippocraticum afirma que onde existe amor pelo homem também há amor pela arte médica. Na ética do médico hipocrático, a filantropia aparece inseparavelmente combinada com a filosofia e Galeno de Pergamo é muito claro ao afirmar que o médico deve conhecer o remédio, mas também saber como compreender o paciente e respeitar a sua vontade, ser que é ao mesmo tempo técnico e filantrópico. À luz desses eventos passados, a ideia de se pensar numa medicina para humanizar pode parecer paradoxal. Todavia, desde há anos, com uma insistência cada vez maior, se tem vindo a falar de humanização da medicina e, em geral de cuidados de saúde. O termo humanização que não deixa de ser um vil neologismo, refere-se à necessidade de trazer de volta a prática da arte médica, e em geral, aos cuidados de saúde, os momentos de humanidade que parece ter perdido e desde logo põe a questão de saber como e onde foi perdida a filantropia? Ao olharmos sobre o contexto verificamos que a relação médico-paciente se revela imediatamente inadequada à luz dessa dualidade, não só porque a relação envolve outras matérias, mas também e sobretudo porque a complexidade dos temas, estruturas e factores culturais envolvidos exige que essa relação seja considerada em uma perspectiva mais ampla, pois é inserida, determina e é o produto em um processo circular, de uma rede de relacionamentos da nossa sociedade. A sociedade onde estão incluídos os serviços e relação médico-paciente, é constituída pela cultura, ciência, valores onde se enquadra o homem, saúde e solidariedade, estruturas produtivas e a organização social. O serviço onde se inclui o médico-paciente é uma relação sujeita a complexas interferências. A perda de filantropia tem a ver com diversos contextos onde se integram as transformações na medicina, a gestão pública da saúde, a medicina entre ciência e a tecnologia, a indústria da saúde e mais a montante, um horizonte cultural alterado, a crise da ética, os resultados da concentração na autonomia e a influência do utilitarismo. Tendo em atenção a transformações na medicina damos conta que a nacionalização dos cuidados de saúde levou, com a gestão da saúde pública, à melhoria geral do estado de saúde da população mas, ao mesmo tempo, a relação médico-paciente retornou aos mecanismos do aparelho estatal. O paciente tornou-se um utilizador e o médico ficou sobrecarregado com tarefas burocráticas e entre os dois interpõe-se o Estado, sendo que o médico, muitas vezes não depende da tarefa que deve enfrentar. Se observarmos de forma mais analítica, vemos que os componentes mais degradados, geralmente, denunciam burocratização, ineficiência e subdivisões de tarefas com tendência a aumentar as despesas; fragmentação do acto médico em uma sequência de relações entre o paciente e um número crescente de trabalhadores da saúde, com pouca flexibilidade para necessidades individuais e pedidos de intervenção de emergência; participação dos pacientes no serviço de saúde garantido com uma mentalidade passiva-assistida, que exige direitos e não se sente obrigada a desempenhar funções. Tais atitudes são facilmente combinadas em pacientes com abordagem fetichista de drogas e, na medicina básica, a tendência de não responsabilizar um único médico em relação à instituição hospitalar, bastando ver a multiplicidade de testes laboratoriais, a elefantíase de serviços especializados e a excessiva facilidade de admissões, pelo que um relacionamento médico-paciente é afectado negativamente. A deterioração do relacionamento nos hospitais, na qual a ênfase é colocada na relação médico-paciente, muitas vezes é desconsiderada pela mesma modalidade pela qual é organizada a vida de um hospital ou, de acordo com os termos actuais, a empresa hospitalar. A maioria dos pacientes que se dirigem a um hospital, de facto, confia na medicina mais do que no médico que conhecerão pela primeira vez. O médico que atende o paciente está inserido em uma organização de trabalho, que tende a subdividir as diversas especialidades e competências, e pode estar a exercer a sua profissão na especialidade ao qual o caso se enquadra, sendo que a percepção da sua responsabilidade está centrada na doença e é muito menos dirigida para as emoções, experiências e tolerância do paciente. Os que se transformam em um mecanismo da estrutura hospitalar entram em um processo mais ou menos complexo, no qual faz pouco sentido usar a noção de cuidar do outro, não sendo de negar que o horizonte da arte médica é o de cuidar, o que significa preocupação com o outro. O propósito médico é completamente penhorado por métodos e meios que são impessoais, mas muito eficazes. A crise do Estado de bem-estar e a relação médico-paciente é influenciada pela globalização da economia. A necessidade estrutural de conter cuidados de saúde levou as autoridades a tomar precauções que, apesar da boa fé em tentar preservar a sustentabilidade do serviço de saúde, afectam negativamente a relação médico-paciente. O médico vem assumir e conjuntamente todo o pessoal de saúde, dois contratos, um com o Estado que o contrata, enquadra, e paga, e com o paciente. O risco é que a relação de aliança, confiança e assistência, que existe entre o médico e o paciente, torna-se secundária e, portanto, objecto de responsabilização. As razões do Estado e os motivos do paciente parecem ser conflituantes. A este respeito, muitos economistas, administradores e especialistas em bioética acreditam que os médicos, conjuntamente com a obrigação de cuidar do paciente individualmente considerado, têm a obrigação de economizar recursos para a sociedade, ou seja, o médico não seria simplesmente o agente dos seus pacientes, mas um agente duplo, que também deveria avaliar se os benefícios do tratamento aos seus pacientes são dignos dos custos pela sociedade. Assim, de acordo com esta perspectiva, o médico deve equilibrar as necessidades médicas do paciente e o material gasto pela comunidade no processo de tomada de decisão, ou decidir se um determinado acto ou processo médico é, em última instância, um custo para a sociedade. Neste cenário, o relacionamento médico-paciente aproxima-se de outras prioridades de valor, como as do utilitarismo, sendo determinantes a qualidade de vida e a relação custo-benefício. A relação de tratamento, durante muito tempo, foi implementada e pensada como uma relação interpessoal, parcialmente mediada pelos meios do médico. Tais tratamentos são realizados através de meios que reduzem a interacção pessoal ao mínimo. Este facto determina várias mudanças na mesma forma de praticar a profissão médica. O médico está cada vez mais orientado a pensar em si e na sua actividade como função da ciência, que é de conhecimento e ninguém ousaria dizer que a figura do paciente está-se a tornar uma variável dentro da medicina No entanto, o facto é que a extensão dos ensaios clínicos, embora orientada, em princípio, para resolver a obscurecer patologias humanas, leva, de facto, a um número cada vez maior de pessoas a serem pensadas também, embora certamente não só, como meio para a implementação de um programa de pesquisa (e esta condição central assume uma conotação adicional nos casos em que o paciente faz parte do grupo de controlo que está sujeito a placebo). Esta situação, que tem a sua própria legitimidade, corre o risco, no entanto, de mudar progressivamente o horizonte finalista da pesquisa e da medicina. A competência do médico é medida cada vez mais por referência às suas publicações científicas, que qualificam de facto, o conhecimento disponibilizado à comunidade científica, e obviamente são conhecimentos que, potencialmente e oralmente, têm uma queda próxima ou remota, de impressão terapêutica, mas inevitavelmente desaparece a centralidade do paciente como uma realidade singular, substituído por um universal que é a patologia do mesmo. A doença sempre tem duas faces. A primeira corresponde ao que o médico pode diagnosticar, através de diferentes modalidades, e que é representável de forma objectiva e impessoal. Este rosto da doença é o que faz de cada paciente um caso clínico, um componente das estatísticas médicas, uma ocasião para o exercício da arte médica e para o desenvolvimento profissional do médico. A outra face, é o da vida do paciente, enquanto a doença é, desde logo, uma nova forma de existir e de pensar sobre a condição de alguém, uma percepção nova e desagradável da identidade física e psíquica. Face à tentação de conceber, uma relação técnica com os organismos vivos, a medicina é chamada a salvar a verdade da relação entre uma pessoa (o médico) perante outra pessoa, que está em estado de fragilidade, e que pede ajuda para alcançar a sua capacidade individual. O valor da pesquisa científica está fora de questão, mas devemos sempre lembrar que, no universo dos valores, a pessoa humana vem em primeiro plano. O Papa João Paulo II a este propósito afirmou, que a ciência não é o valor mais elevado ao qual todos os outros devem ser subordinados. Mais alto, na classificação dos valores, reside o direito pessoal do indivíduo à vida física e espiritual, à sua integridade psíquica funcional. A humanização significa uma relação médico-paciente que não se baseia no paternalismo, mas em uma atitude cada vez mais activa do paciente, com base em uma aliança terapêutica entre pessoas, onde o paciente não é apenas dotado de direitos precisos, mas participa do diagnóstico e estratégias terapêuticas necessárias ao seu corpo e doença. É uma relação terapêutica que deve ser uma aliança de humanidade, a do doente e do médico ou operador profissional. Se do ponto de vista jurídico a expressão do consentimento, tende a permitir que o médico seja responsável por quaisquer consequências negativas da intervenção, do ponto de vista ético é igualmente fundamental, uma vez que constitui a única legitimidade moral possível, excepto para casos de aflição e necessidade urgente, para a sua intervenção, sendo necessário, de facto, reconhecer o paciente na sua subjectividade e envolver em um relacionamento baseado na participação verbal, sensibilidade linguística, compreensão da sua formação social e cultural. O consentimento informado, em princípio, não pode ser reduzido a uma folha de informação simples, mais ou menos detalhada, que o paciente (ou quem quer que seja) deve assinar, o que representa o ponto de referência da relação médico-paciente, uma vez que é realmente sobre o que tem de ser feito, no momento, do ponto de vista clínico, que se deve exercer o respeito interpessoal, a preocupação com o outro, o reconhecimento da profissionalismo e atenção à situação exigida. Somente se o consenso continuar a ser um instrumento de diálogo, e não uma folha de informações simples, é possível atenuar essa tensão conflituante que muitas vezes actua como base. A discussão sobre o valor das declarações antecipadas não pode ser exercida no nível estritamente jurídico e factual, pois de facto, deve ter em consideração o nível ético da questão. É de que, no reconhecimento, ao menos ideal, do valor das declarações antecipadas, a vontade revela claramente a dignidade da pessoa humana em todas as condições da vida, sem que isso se torne abandono terapêutico ou em uma delegação de responsabilidade do médico. Vivemos uma era de relativa escassez de recursos, e um orçamento equilibrado corre o risco de ser percebido cada vez mais como um objectivo prioritário, e não apenas como uma restrição a ter em mente, ao questionar e trabalhar para proteger a saúde das pessoas, objectivo primeiro do serviço de saúde. A alocação de recursos destinados à saúde, orientando-os para a obtenção do melhor resultado possível, é uma decisão louvável quando se trata de propósitos postos ao serviço de pessoas; o mesmo não pode ser dito quando a optimização dos recursos aumentam para o objectivo principal a ser perseguido, porque as pessoas e não as necessidades orçamentais, são o maior valor que pode orientar o critério sobre as decisões a serem tomadas. A exigência da humanização, no plano social, traduz-se no compromisso directo de todos os profissionais de saúde a promoverem na sua área e de acordo com a sua competência, condições adequadas para a saúde, a melhorar instalações inadequadas, favorecer a distribuição correcta dos recursos para garantir que a política de saúde tenha como objectivo apenas, o bem da pessoa humana e como homens, até antes como pacientes ou médicos (e ninguém pode esquecer que o prestador de cuidados pode-se tornar paciente), que vivem dentro de uma sociedade e cultura complexa e articulada, é necessário encontrar tempo para repensar o tema da dor, sofrimento, existência, vida e morte não sendo possível cuidar do homem sem pôr em prática a sua imagem, que é também de todos.
Leocardo VozesHollywood Ending [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]etive-me no outro dia durante uma boa meia-hora a ler as acusações que recaem sobre o produtor de cinema Harvey Weinstein; um caso que tem feito correr muita tinta, e daí a curiosidade. O mais impressionante foi o testemunho das muitas actrizes, na altura quase todas jovens debutantes da indústria da sétima arte, e dos encontros “picantes” que tiveram com o empresário. É evidente que estamos aqui perante um indivíduo que se aproveitou da sua situação de poder para satisfazer os seus instintos de predador sexual. Weinstein é uma pessoa desequilibrada e potencialmente perigosa, que calhou estar numa posição que lhe permitia levar adiante os seus intentos. Acontece na América, acontece em Portugal, acontece aqui e acontece em toda a parte. Em Hollywood tem mais “glamour”, tem mais “chispa”, e infelizmente tem servido de medida para rebaixar o debate no que concerne aos crimes de assédio e de abuso sexual. Ousou-se mesmo expandir o âmbito desse crime abominável que é a violação. Vamos por partes. Depois do caso Weinstein, desatou-se numa autêntica “caça às bruxas”, com novas revelações de abusos, alguns recentes, muitos nem por isso, e que custou o emprego, a carreira e o bom nome a muita gente nos meios de Hollywood. Julgo que não se via nada assim desde os negros tempos do McCarthyismo e o seu “comité de actividades anti-americanas”, nos anos 50 do século transacto. Na semana passada chegou de França uma espécie de manifesto, assinado pela actriz Catherine Deneuve e outras 99 signatárias, pedindo um pouco de bom senso, e que se distinga afinal o que é um crime, daquilo que é apenas…um “galanteio” – digamos assim. A iniciativa de Deneuve foi criticada, e entendo porquê; também não concordo que um apalpão seja “uma coisa de nada”, mas no essencial, concordo com o que ela diz. É preciso ter em conta que Deneuve é uma diva, do tempo em que um desaforo ou um atrevimento se resolviam com um tabefe. Le temps ont changé, mon cher. É que se realmente estamos aqui a falar de crimes, convém recorrer à jurisprudência; se alguém é acusado de um crime tem todo o direito a defender-se, e quem o acusa precisa de PROVAR o que diz. Sei, é um assunto muito delicado, onde existe uma tendência inata de dar crédito à palavra da vítima, mas também não existe vítima se não existe crime. Os crimes, todos eles, têm que ser provados, meus amigos. De outra forma é a anarquia, regressa a Santa Inquisição, volta a Stasi, a PIDE e os guardas-vermelhos, e é o fim da civilização como a conhecemos. Na base de toda esta discussão está o consentimento – apesar de nem sempre se falar nele. Aqui a regra de ouro é a seguinte: não é não, e apenas não. Custa muito menos dizer “não” do que “gostava muito mas hoje não posso”, “queria mas tenho as batatas ao lume”, ou “olhe que o sr. engenheiro é casado”. “Não” é uma palavra com uma sílaba apenas, e qualquer avanço que seja feito a partir daí, é imediatamente tido como um abuso – um crime. Muito simples. O que faz falta a muita gente é espreitar a página do Templo Satânico de Salem, Massachusetts (estou a falar a sério, vão espreitar na internet, se quiserem), onde o princípio fundamental é “o nosso corpo é a nossa propriedade privada, pessoal e inviolável”. Para quê ser simpático com potenciais predadores sexuais, quando basta dizer apenas “não”? Há uns tempos escrevi no meu blogue, meio na brincadeira, que qualquer dia o consentimento tinha que ser dado na presença de um notário, para quem restassem dúvidas no caso de reconsiderações posteriores de uma das partes. A tecnologia antecipou-se e agora existe uma aplicação de telemóvel onde as duas partes “clicam” numa opção que lhes permite verificar no futuro que ambas consentiram ao acto que praticaram juntas. Ao ponto que isto chegou! Este caso hollywoodesco não veio senão perpetuar, e mal, o velho conceito de que o sexo é algo que os homens procuram, e de que as mulheres precisam de se defender, como se fosse um castelo. A tal Revolução Sexual (sem aspas, porque aconteceu mesmo) foi feita para que se permitisse que duas pessoas que se acabaram de conhecer, ou que se conhecem mal, possam ter intimidade uma com a outra, de mútuo consentimento. Foi feita para os homens e para as mulheres. Para todos, sem excepção.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexo e Aleatório [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] sexo quer-nos nus, vestidos não tem tanta graça. Há quem não concorde totalmente, uma rapidinha de órgão sexual descoberto e mais nada, para encaixar os sexos, e/ou as bocas e outros orifícios de prazer, também é kinky. Mas para além do prazer sexual, podemos nós esquecer o que de mau o sexo pode trazer? A violência? Só com a nossa intimidade descoberta é que nos magoamos, só para fazer justiça à máxima taoista de que o bem só existe porque o mal anda algures. Gostava de escrever melhor para expressar melhor – comunicar melhor – se é que conseguem perceber a diferença. O sexo não é só um bode expiatório para o nosso reencontro pessoal, é também a possível concretização de sermos felizes com os outros. O sexo tem tanto que ver connosco próprios como é parte integrante da nossa socialização, de quando aprendemos que os outros são importantes na nossa vida. Da mesma forma que damos sentido à música, ao sonho, ou à fantasia e aos conteúdos culturais que nos embalam constante e incessantemente ao construirmos as nossas narrativas. O sexo está lá, nem que seja porque cada um de nós nasce do sexo, nasce do amor ou da ausência dele. Nasce do toque, seja esse de corpos nus ou de corpos cobertos, tocaram-se. Quando era uma criança pré-consciente do sexo e da forma como os bebés nascem, teorizei com o auxílio das novelas brasileiras, que esse toque era o simples beijo, e que com trocas sucessivas de saliva os nossos corpos de poderes alquímicos tornariam vivo o que era inexistente. Este excerto chama-se aleatório porque nunca sabemos o que o sexo suscita e estou a exercitar formas de o descobrir. Caímos em escorregas de significados que provavelmente não têm fim – nem início. A queda contradiz-se com a ascensão porque – lá está – precisamos de opostos e de equilíbrios, morais, éticos ou racionais. Mas tal como as ondas sonoras, as frequências caem e crescem com a mesma sintonia, nunca se definindo como o progresso ou a retrocesso. O sexo nem sempre é bom, nem sempre é mau, simplesmente existe no meio da nossa existência, que tanto insiste no caos. Tantas revistas, tantos canais, tantos vídeos, tantos livros, tantos manuais, tantos textos (!!) para dissecar os significados do sexo e do amor da mesma forma, para chegar a conclusões mais ou menos esclarecedoras acerca do que nós podemos fazer pela nossa sexualidade e pela dos outros. Virgens de todos os géneros, tamanhos e estilos, valores puritanos que pairam até nos espíritos mais liberais. É tudo uma confusão! Mulheres que acham que o assédio é um assunto sério, outras que acham que restringe o acesso à liberdade de importunação. Feminismos de todas as cores e feitios, que ao contrário do que se julga, de muito pouco tem de consenso. Homens que pedem por mais direitos, e outros que dizem que já têm os suficientes. Serão questões de raça, de género, de sexo, de classe social? Afinal o que é se passa neste mundo de injustiças, sexuais e de outros tipos, que não consegue arranjar soluções consensuais para a justiça social? Para a justiça sexual! Ai de quem me traga mundos a preto e branco, de moralismos claros, de soluções pré-definidas. Escrevendo aleatoriamente, na nossa tentativa de perceber o que quer que seja, também as vidas parecem aleatórias. Discussões que nunca mais acabam porque tudo é problemático e nada nunca é fácil. Há um conforto em pensar que nada fica sempre na mesma, e que não há respostas simples para absolutamente nada. O sexo é complexo, as respostas sexuais são complexas, as posições sexuais podem ser complexas. As vidas sexuais que procuram sentido(s), e que raramente o encontram, nunca desistem de tentar.
Hoje Macau VozesUm projecto de resolução infeliz e desastroso [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi recentemente apresentado, na Assembleia Legislativa, um projecto de resolução intitulado «Natureza política das deliberações do Plenário da Assembleia Legislativa». O conteúdo dos seus enunciados linguísticos restringe-se a duas disposições: uma delas propõe-se qualificar «As deliberações do Plenário da Assembleia Legislativa que determinam a suspensão ou perda de mandato de deputado» como «actos de natureza política, que estão excluídos do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro» (artigo 1.º); a outra destina-se a regular as mencionadas deliberações do Plenário da Assembleia Legislativa, não só para os casos futuros, que venham a ocorrer a partir do dia seguinte ao da sua publicação, mas também, retroactivamente, para os casos que tenham ocorrido antes da sua publicação e posteriores à entrada em vigor da Lei Básica (LB), ao dispor que «A presente resolução entre am vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos desde 20 de Dezembro de 1999» (artigo 2.º). O aludido projecto de resolução suscita questões várias, que são juridicamente relevantes para o Direito Constitucional da RAEM e que, numa primeira análise, restringiremos, apenas, a três. A primeira, consiste em saber qual a natureza jurídica da resolução, que se pretende aprovar: trata-se de uma resolução normativa – genérica (destinatários indeterminados) e abstracta (situação indeterminada) -, ou perante um acto individual (destinatário determinado) e concreto (situação determinada), praticado sob a forma de resolução? A questão não é dispicienda, visto que tem implicações jurídicas[1]. Pelo teor formal da redacção dos seus preceitos, a resolução parece ser portadora de uma intencionalidade normativa. Mas, só na sua aparência porque, na realidade, estamos perante uma resolução que respeita a um caso individual e concreto, desprovida, pois, de carácter normativo, tal como, expressamente, resulta da Nota Justificativa, que acompanha o projecto de resolução: «No dia 4 de Dezembro de 2017, o Plenário da Assembleia Legislativa deliberou a suspensão do mandato de um deputado através da Deliberação n.º 21/2017/Plenário, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, I Série, n.º 49 – Suplemento, de 5 de Dezembro de 2017, tendo-se suscitado daí algumas dúvidas». Quer dizer, a causa da apresentação do projecto de resolução reside no facto de a Deliberação n.º 21/2017/Plenário (que é um acto, individual e concreto) ter suscitado algumas dúvidas aos seus proponentes[2]. Que dúvidas poderão ser essas? Segundo a Nota Justificativa, essas dúvidas não respeitam à natureza da deliberação em causa, já que são os próprios proponentes do projecto de resolução que reconhecem a natureza política das deliberações da Assembleia Legislativa do Plenário da Assembleia Legislativa que determinam a suspensão ou perda de mandato dos deputados[3]. Tais dúvidas também não respeitam à insindicabilidade contenciosa dos actos políticos, porquanto os proponentes do projecto de resolução, depois de proclamarem, na Nota Justificativa, que «Os referidos actos políticos são praticados pela Assembleia Legislativa no exercício da função política», logo acrescentam que, «Nos termos da alínea 1) do artigo 19.º da Lei n.º 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária), esses actos estão excluídos do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro». Se assim é, as dúvidas só podem respeitar à validade procedimental da própria Deliberação n.º 21/2017/Plenário. Isto é, certamente, por considerarem ilegal o procedimento que conduziu à prática da mencionada deliberação[4] e por concluirem que tal ilegalidade contaminou o acto praticado, os proponentes através do projecto de resolução visam uma de duas coisas: (i) ou retirar da competência dos tribunais do «contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro» a sua eventual sindicabilidade contenciosa; ou (ii), na sua impossibilidade, interferirem no funcionamento daqueles tribunais. Em qualquer caso, o que está em causa é: tendo em conta as consequências políticas que daí possam advir[5], evitar que os tribunais do «contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro» reconheçam ter sido cometida qualquer ilegalidade no decurso do procedimento e, como se por um golpe de magia, susceptível de produzir a metamorfose de um acto político em acto administrativo, serem os mesmos tentados a praticar actos jurisdicionais, nomeadamente, o de «suspensão de eficácia de actos administrativos»[6]. No caso da primeira hipótese, somos reconduzidos à segunda questão jurídica, que consiste em saber se a Assembleia Legislativa tem competência para, através de uma resolução sua, regular matéria jurisdicional, respeitante ao «contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro», designadamente, para qualificar «As deliberações do Plenário da Assembleia Legislativa que determinam a suspensão ou perda de mandato de deputado» como «actos políticos» e, por via dessa qualificação, determinar que os tribunais do «contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro» não têm competência (especial) para exercer o seu controlo jurisdicional sobre as referidas deliberações. A este propósito, a Lei Básica, no terceiro parágrafo do seu artigo 84.º, estabelece uma reserva de lei especial, ao dispôr que «A organização, competência e funcionamento dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau são regulados por lei». Significa isto que, embora a Assembleia Legislativa seja o único órgão da RAEM com competência para regular as competências dos seus tribunais, essa competência só pode ser exercida sob a forma de lei e nunca sob a forma de resolução, sob pena de ficar inquinada de vício de forma. Pelo que, se o projecto de resolução tem a intenção de atribuir aos tribunais do «contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro» uma competência (especial) que, em termos gerais, consta já da alínea 1) do artigo 19.º da Lei n.º 9/1999 (LBOJ)[7], então, é inquestionável que o projecto de resolução, a ser aprovado pela Assembleia Legislativa, viola o terceiro parágrafo do artigo 84.º da Lei Básica, bem como a alínea 11) do artigo 6.º da Lei n.º 13/1999 (Regime Jurídico de Enquadramento das Fontes Normativas Internas)(RJEFNI), na medida em que a normação jurídica do regime administrativo é feita por leis[8]. À terceira questão jurídica, reconduz-nos a segunda hipótese: em que o projecto de resolução assume a intenção de evitar que os tribunais pratiquem actos jurisdicionais (desde logo, o de suspensão da eficácia de actos administrativos) sobre a aludida Deliberação n.º 21/2017/Plenário e que os advogados exerçam a sua actividade profissional, nesse tipo de caso. Mais propriamente, a questão jurídica consiste em saber se a Assembleia Legislativa tem competência para, através de uma resolução sua, interferir no «normal funcionamento» dos tribunais, mais especificamente, no funcionamento dos tribunais do «contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro», bem como no exercício da profissão forense. Também é inquestionável que, se essa é a intenção dos proponentes, então, o projecto de resolução, a ser aprovado pela Assembleia Legislativa, viola, por um lado e no que à interferência no funcionamento dos tribunais diz respeito: (i) o princípio da separação de poderes, consagrado nos artigos 2.º, 11.º, 16.º, 17.º e 19.º, da Lei Básica; e (ii) o princípio da independência dos tribunais e dos juízes, consagrado no primeiro parágrafo dos artigos 19.º e 89.º[9], e no artigo 83.º da Lei Básica[10], bem como no artigo 5.º da Lei n.º 9/1999(LBOJ), que densifica o seu conteúdo[11]. Por outro lado, no que respeita à interferência no «exercício da profissão forense», isto é, às restrições à liberdade fundamental do exercício dessa profissão, o projecto de resolução, a ser aprovado pela Assembleia Legislativa, viola, os artigos 40.º, segundo parágrafo e 92.º da Lei Básica[12], bem como a legislação avulsa, que regula essa profissão, designadamente, o artigo 12.º do Estatuto do Advogado[13] e o n.º 2 do artigo 12.º do Código Deontológico[14]. As questões técnico-jurídicas, que deixámos esboçados, são por si só, estamos em crer, suficientemente sérias e graves para se concluir que estamos perante um projecto de resolução que, a ser aprovado pela Assembleia Legislativa: é susceptível de ser interpretado como violando legislação fundamental da RAEM (tal como a LB, a LBOJ, o RJEFNI, etc.) e, por essa via, não dignificar esse órgão de direcção política; de interferir no funcionamento dos tribunais; de lançar a suspeição sobre a actividade dos juízes, que se pressupõe e exige que seja independente e imparcial e de pôr em crise o seu profissionalismo; de proibir o exercício da profissão forense num caso concreto; de comprometer a imagem da RAEM perante o exterior. Enfim: um projecto de resolução infeliz e desastroso, se os seus proponentes não extraírem, a tempo, as devidas ilações políticas! [1] Não trataremos, porém, essas implicações jurídicas aqui. [2] Anote-se que, o procedimento da Assembleia Legislativa, que culminou na deliberação da suspensão, decorreu os seus trâmites, em momento anterior ao projecto de resolução, e que, mesmo antes da sua projectada entrada em vigor, não viu, ainda, esgotada a questão da susceptibilidade (ou não) da sua apreciação pelos tribunais da RAEM. Por outro lado, porque nenhum outro caso existe que, tendo ocorrido no passado, esteja ainda em condição de ser jurisdicionalmente apreciado e decidido, é inegável, que a resolução apenas incide sobre um destinatário individual e concreto (aquele deputado que foi objecto de suspensão do mandato através da Deliberação n.º 21/2017/Plenário). O que significa que, para além deste caso concreto, a pretendida retroactividade apresenta-se com objecto impossível e, portanto, desprovida de qualquer eficácia jurídica. [3] Na Nota Justificativa refere-se: «As decisões do Plenário da Assembleia Legislativa relativas à suspensão do mandato de um deputado, tomadas ao abrigo da Lei n.º 3/2000 (…), são actos de natureza política. Em paralelo, as decisões do Plenário da Assembleia Legislativa relativas à perda do mandato de um deputado, tomadas ao abrigo do artigo 81.º da Lei Básica e do n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 3/2000 (…), são também actos de natureza política». [4] Questão que aqui não abordaremos, mas que, tanto quanto sabemos, pela comunicação social, foi submetida a apreciação jurisdicional. [5] Na Nota Justificativa, afirma-se: «Todos esses actos [os actos mencionados na nota 3] são livres de interferência de qualquer outro órgão [órgão jurisdicional, entenda-se] ou indivíduo [advogado?], de modo a evitar que seja posto em causa o normal funcionamento da estrutura política definida na Lei Básica». A única via, pela qual um indivíduo tem a possibilidade de interferir nos actos em causa é através do exercício da profissão forense, pelo que, estamos em crer que, quando a Nota Justificativa se refere a indivíduo é aos advogados que está a referir-se. [6] Anote-se que, na Nota Justificativa, diz-se: «Nesta conformidade, a presente resolução vem confirmar que as deliberações do Plenário que sejam relativas à suspensão ou perda do mandato de um deputado são actos de natureza política, que estão excluídos do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro, sendo que estas mesmas deliberações não podem ser também sujeitas ao regime de suspensão de eficácia de actos administrativos». Ou seja, os proponentes do projecto de resolução, pretendendo evitar a «interferência» dos tribunais num acto (político) da AL, acabam, paradoxalmente, por interferirem no funcionamento desses mesmos tribunais, pondo por essa via em causa «o normal funcionamento da estrutura política definida na Lei Básica», como se verá. [7] A Nota Justificativa fala em «confirmar que as deliberações (…) são actos de natureza política, que estão excluídos do «contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro (…)». Mas, nem está em causa uma confirmação, nem a mesma pode ser objecto de resolução. [8] Esta lei auto-vincula a Assembleia Legislativa, nos exercício dos seus poderes, seja na aprovação de resoluções, seja na aprovação de leis, constituindo, neste caso, uma lei de valor reforçado. [9] Com o seguinte conteúdo: «Os juízes da Região Administrativa Especial de Macau exercem o poder judicial nos termos da lei, e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o caso previsto no parágrafo terceiro do artigo 19.º desta Lei.» [10] Que estabelece: «Os tribunais da Região Administrativa Especial de Macau exercem independentemente a função judicial, sendo livres de qualquer interferência e estando apenas sujeitos à lei». [11] Do seguinte teor: «1. Os tribunais são independentes, decidindo as questões sobre que detenham jurisdição exclusivamente de acordo com o direito e não se encontrando sujeitos a interferências de outros poderes ou a quaisquer ordens ou instruções. 2. Exceptuam-se do disposto no número anterior os casos previstos na Lei Básica (…) e o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores. 3. A independência dos tribunais é garantida, nos termos do Estatuto dos Magistrados, pela inamovibilidade e irresponsabilidade dos juízes e pela existência de um órgão independente de gestão e disciplina.» [12] O artigo 92.º da Lei Básica, conjugado com os seus artigos 35.º e 64.º, alínea 5), manda atender ao «sistema anteriormente vigente em Macau», quando o Governo pretenda «estabelecer disposições», em «propostas de lei», a serem submetidas à Assembleia Legislativa, destinadas à regulação do «exercício da profissão forense». O que significa que a figura jurídica da resolução está afastada como meio de regulação. [13] Artigo 12.º (Do mandato judicial e da representação por advogado): «1. O mandato judicial, a representação e a assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para a defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza. 2. O mandato judicial não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou de acordo que impeça ou limite a escolha directa e livre do mandatário pelo mandante». A independência, tal como a dignidade, do exercício da profissão forense vêm consagradas no artigo 20.º do mesmo Estatuto. [14] Em conformidade com esta disposição, «Constitui dever do advogado, no exercício da sua profissão, não advogar contra lei expressa (…)», pelo que não pode uma resolução da Assembleia Legislativa substituir-se à lei e proibir o exercício dessa profissão. Acresce que sobre o advogado incidem deveres deontológicos, tais como: «O advogado deve pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento das instituições» (art. 12.º/1) e «É dever do advogado protestar contra as violações de direitos humanos e combater as arbitrariedades de que tiver conhecimento no exercício da profissão.» (art. 13.º). Anote-se que, por força do prescrito no n.º 1 do artigo 7.º (Infracção disciplinar) do Estatuto do Advogado, «Constitui infracção disciplinar a violação culposa, por acção ou omissão, dos deveres consignados no presente Estatuto, no Código Deontológico e nas demais disposições aplicáveis.» João Albuquerque – Advogado
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesDeixem as balas voar [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om a abertura ao trânsito na Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau marcada para este ano, a Construção da Região Metropolitana da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau estará prestes a acontecer. De acordo com as tendências actuais, o papel político da RAEM e da RAEHK e as suas funções estratégicas serão certamente reajustados. Após o encerramento do Congresso Nacional do Povo (CNP) e a da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), que terão lugar no próximo mês de Março, as lideranças aos mais diferentes níveis serão confirmadas. Vão ser atribuídas novas tarefas e lançar-se-á de imediato mãos à obra para a criação de um novo figurino político. O tempo passa e não espera por ninguém, tal e qual como as reformas e as políticas de abertura. Para a China, as grandes preocupações políticas concentram-se no que se passa em casa e no estrangeiro, ao passo que os acontecimentos que ocorrem em Hong Kong e em Macau são vistos como questões locais. Mas, seja como for, a China não tolerará nunca quem queira destabilizar os seus macro ou micro-territórios. Depois do regresso de Macau à soberania chinesa, a cidade tem confiado à indústria do jogo o seu florescimento económico. Quem tem poder e influências consegue gerir a economia em proveito próprio. A situação de Macau, socialmente próspera e politicamente ultra-estável, é criada pela coordenação entre grupos representantes de diversos interesses. No entanto, sob esta superfície de super-estabilidade, a administração do Governo está minada de corrupção e os preços das matérias-primas e das propriedades sobem continuamente. A sociedade está apenas virada para o lucro e, mesmo instituições e organizações chinesas sediadas em Macau, acabaram por ser contagiadas por este modus vivendis. Mas se pensarmos bem, quando as coisas vão longe demais numa certa direcção, acabam por surgir forças contrárias que as virão combater. As mudanças acabam sempre por acontecer mais cedo ou mais tarde, é tudo uma questão de saber quais devem chegar em primeiro lugar. É voz corrente que, se o CNP e o CCPPC terminarem favoravelmente, os assuntos de Macau serão agendados para discussão, numa antecipação à mudança nos lugares-chave do Governo da RAEM, prevista após a eleição do Chefe do Executivo, em 2019. Até 2019, Hong Kong, Macau e Taiwan passarão por eleições locais. Em Taiwan, as eleições estão marcadas para finais de 2018 e o seu resultado vai influenciar directamente o futuro do Partido do Progresso Democrático (PPD) e do Kuomintang da China (KMT) e afectará indirectamente as perspectivas de unificação pacífica com a China. Para o KMT e para o Presidente Xi Jinping são questões da mais alta importância. Em Hong Kong, a eleição circunscrita a um círculo, para preencher quatro lugares em aberto no Conselho Legislativo, está marcada para 11 de Março de 2018. Uma outra eleição similar, para preencher mais dois lugares vagos, está marcada para o final do ano. Estas duas eleições podem ser encaradas como “uma injustiça política” deixada pelo antigo Chefe do Executivo Leung Chun-ying. É o preço a pagar pela população de Hong Kong, e também pelo Comité Permanente do PNC que usou o seu poder para interpretar a Lei Básica, donde resultaram estas eleições. “Hoje é sobre Hong Kong, amanhã será sobre Taiwan”, aposto que o Governo Central não ficará propriamente feliz se isto vier a acontecer. Da mesma forma, “Hoje é sobre Macau, amanhã será sobre Hong Kong”. Esta é uma frase muito usada pelo campo da pan-democracia de Hong Kong nos seus comentários ao princípio “um país, dois sistemas”. Durante um certo período, o despertar das consciências do campo democrático de Macau ficou a dever-se ao trabalho empenhado dos seus membros na Assembleia Legislativa. Mas, com a chegada do jovem Sulu Sou ao hemiciclo, aconteceu uma mudança na forma de discutir e debater os assuntos. Sulu Sou foi eleito sob o slogan “levar as reformas e o desenvolvimento sustentado à Assembleia Legislativa”. A entrada de sangue novo na Assembleia deveria ter-lhe trazido vitalidade. No entanto, algumas pessoas tomarão uma decisão política errada, ao transformarem um caso simples numa questão complicada. Esta decisão teve como consequência a suspensão do mandato de Sulu Sou. E, no pior dos cenários, Sulu Sou pode vir a ter o seu mandato cessado por decisão política da Assembleia Legislativa. Se vier a ser o caso, a Assembleia Legislativa e a sociedade em geral sairão diminuídas. Se Sulu Sou tivesse optado por apresentar recurso da decisão e por pedir uma nova votação do seu círculo eleitoral, o processo demoraria um ano ou mais. A 4 de Dezembro de 2017, a Assembleia Legislativa tomou uma decisão política insensata. Foi como se tivesse dado um tiro no princípio “um país, dois sistemas”. Como as balas ainda andam à solta, deixemo-las voar por mais algum tempo. Eu acredito que a população de Macau tem discernimento e também acredito na independência judicial, no princípio “um país, dois sistemas” e na erudição da cultura chinesa. Mas uma coisa em que não acredito é em elites políticas.
Leocardo VozesNos Entretantos [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]ui passar o último fim-de-semana aqui ao lado, em Hong Kong, para espairecer. Na manhã de Domingo, perto da pensão onde fiquei em Yau Ma Tei, deparei com este sinal à porta de um parque público, indicando que ali se podia fumar. Não era parque situado no fundo de um beco perdido, ou de um descampado afastado dos comuns mortais. Era junto ao sumptuoso templo de Tin Hau, um dos muitos eregidos em devoção à deusa Kun Yam. Um espaço amplo, arejado, cheio de verde e mesas de pedra onde se pode jogar mahjong, e mesmo em frente a um interessante motivo turístico. Sendo eu de Macau, fiquei tão aparvalhado com aquilo que precisei de tirar uma foto, não fosse contar isto a alguém e pensarem que alucinei. Com a introdução do novo regime anti-tabágico, que entrou em vigor no início deste ano, a proibição estendeu-se a passeios onde existem paragens de autocarro, e mais não sei aonde, e a multa pela infração triplicou. Deste lado do Rio das Pérolas pratica-se à caça ao cigarrinho, e o divertido e didático “Adivinha onde podes fumar?” Outro episódio, na mesma manhã e ainda antes disso. Acordei cedo, e mesmo que não se coma nada, preciso pelo menos de “uma mudança de óleo” antes do “motor arrancar”, que é como quem diz, uma bica. Ou “expresso coffee”, como por aqui se chama. Dei com um 7/11 logo à saída do meu alojamentei, entrei, deparei com uma máquina de café e, meio a medo, perguntei à senhora que se podia beber um expresso. Meio minuto e 9 dólares de Hong Kong depois, estava ali com uma bica dupla digna desse nome, ideal para começar o dia em beleza, e tirada com uma prontidão e simpatia irrepreensíveis. A única vez que entrei num 7/11 em Macau com a esperança de beber uma bica, foi-me negado, com um ar de caso e a gesticular que não, que horror, que coisa diabólica é essa que está aí a pedir! Diferenças que dizem muito. Não estou a querer comparar Macau com Hong Kong no sentido de qual deles é o melhor. Nada disso e, com o bairrismo que existe entre os dois lados, ainda me mandavam ir viver para Hong Kong. Não quero ir viver para lá, mas se há algo que ainda não entendi é como se pode ser tão passivo e provinciano, e não se querer pedir um pouco das coisas boas que eles lá têm. É que o respeito pela liberdade de todos, incluindo fumadores ou cafeínomanos como eu, e muitas outras pequenas coisas como estas são parte do conjunto daquilo que se chama “ter qualidade de vida”. Pois é, vão-me dizer que Hong Kong “é muito maior, não se pode comparar”, mas isto não se trata aqui de uma questão de tamanho, gosto ou cultura – são duas cidades da China separadas por um braço de mar. São muitas as teorias que podem explicar as diferenças entre os dois lados, mas a mais evidente e que salta à vista de quem tem uma visão imparcial é que a população de Hong Kong parece mais abnegada aos valores da cidadania e exige que as coisas funcionem e que haja lugar para todos. Deste lado parece que ficámos presos de movimentos com as duas obras tornadas faraónicas, e de quem toda a gente espera: o metro ligeiro e o hospital das Ilhas. Parece que não há lugar a mais progresso sem estes projectos engracianos estejam concluídos ou enquanto ficamos a fazer figas à espera da hora em que o Canídromo feche as portas (ouvi dizer que é em Junho, mas… deste ano?) Nos entretantos, ficamos parados à espera. E é nesse ponto que estamos, nos entretantos, a olhar ali para o lado.
Tânia dos Santos SexanáliseAno Novo, Sexo Novo [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] novo ano traz novos desejos e novos planos – 2018 vai ser o melhor ano de sempre! Ou pode ser um ano exactamente igual ao anterior. Desta vez será diferente, sabem porquê? Porque vou pensar na mudança do ano e do sexo com optimismo – registo que não me é nada natural – só porque fiz o optimismo uma resolução para este ano. Querem-se desejos e sonhos sexuais cobertos de esperança e de possibilidades infinitas. Os desejos serão os mesmos para qualquer causa social nesta viragem do ano. Mais tolerância, mais liberdade e mais amor, e porque não gosto de soar a uma hippie inconsequente – estou a tentar ser optimista, e não uma idealista! – eis o que isto quer dizer: já que muitas das estruturas sociais vivem do ódio, do medo e da vergonha do sexo e da expressão de género, que 2018 traga actos individuais (colectivos ainda melhor) de tolerância. Coisas simples que cada um de nós pode fazer pela nossa própria sexualidade e a dos outros. Quando às vezes penso em tempos antigos, quando as mulheres morriam de abortos mal efectuados, para fugir do estigma da gravidez enquanto solteiras, sem recursos e sem apoios – sim, eu ando uma devoradora de literatura da Margaret Atwood – quando penso na coragem necessária para lidar com as dificuldades das condições menos heterossexuais, menos sexistas, menos sexualmente libertadoras. Outros tempos em que a imagem da bruxa era a de uma mulher com garra, com conhecimento sexual, com a sabedoria que lhe merecia, e, porque assim era, morria queimada na fogueira. O meu pessimismo não existiu estes anos todos sem justificação, alimenta-se da consciência de que muitas destas situações ainda são realidades diárias e contemporâneas. 2018 que soa a um ano futurista – ainda não há muito tempo – vive realidades ainda precárias. A luta continua porque se quer mais e melhor sexo, e porque muito já se conseguiu entretanto. Querido 2018, peço-te um ano novo com sexo novo – daquele mais simples, mais solto e leve. Daqueles que emanam tranquilidade quando pensamos na liberdade de expressão sexual como uma procura dos sentidos. Da transcendência do sexo à simplicidade diária que poderá ser real ou que poderá ser imaginada. Momentos em que o sexo deixa de ser o bicho papão da censura e da vergonha para se tornar num momento de relaxamento de corpo e mente. Posso pedir mais, 2018? Não quero abusar no peditório nem no entusiasmo. Também gostava de ver melhor discutido em praça pública, não só acerca das coisas boas do sexo, mas das coisas más – que nem por isso deverão ser pintadas como terríveis, como habitualmente se faz. Era porreiro que 2018 ajudasse na consciencialização das doenças sexualmente transmissíveis – que são muitas, variadas e de perigos/taxas de infecção diversas. Mais e melhor educação sexual, mas também mais e melhor apoio médico e bem informado a acerca das formas como podemos ter uma vida sexual saudável. Oh 2018, poderias ajudar a formalizar direitos humanos sexuais? Reforçar que a dignidade humana está bem prescrita em papel e na teoria, mas a prática ainda precisa de se esforçar mais? Bem sei que já percorrermos um longo caminho, mas temos um ainda mais longo por percorrer! Pelo direito ao prazer, ao orgasmo, à nudez desproblematizada, à saúde da vagina e do pénis, pelo bem-estar emocional e a liberdade de expressão sexual. Ir contra as persistentes tradições judaico-cristãs que às vezes ainda se mostram nas formas como directa ou indirectamente se julga o sexo neste novo 2018. Um ano cheio de amor e calor. 2018 e todos os anos vindouros serão pela evolução positiva do sexo, sempre.
Carlos Morais José VozesTarifas de autocarros: Da moral (ou da falta dela) [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]azer os trabalhadores não residentes (TNR) pagar tarifas mais altas nos autocarros que os residentes é, no mínimo, imoral. O facto parece-me tão óbvio, tão constitutivo de uma normal formação ética, que me custa argumentar contra ele. É algo que me surge como profundamente estranho, inesperado, quase indizível. Imagino que, se isto for contado à minha frente noutro país qualquer, corarei de vergonha de ser residente de uma cidade com este tipo de práticas. Os TNR, portadores de blue card, são a energia que mantém esta região limpa, movente, eficaz e internacional. Sem eles, este mundo, que vai das Portas do Cerco a Coloane, pararia. Por outro lado, tratam-se das pessoas que pior ganham nesta terra. Como é que pode passar na cabeça de alguém sobrecarregá-los com mais uma despesa, ainda por cima desnecessária aos cofres da RAEM? Sinceramente, acho isto tudo muito estranho, de uma desumanidade atroz. Já nem se trata aqui de existirem cidadãos de primeira e de segunda categoria. Estamos, muito simplesmente, na área da benevolência (仁 Ren) e da caridade cristã, ou da falta delas. Como podem os nossos políticos querer ser lembrados por medidas tão ultrajantes da dignidade humana? Sobretudo da deles…
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPartilha aduaneira II [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] semana passada falámos sobre a instalação de postos aduaneiros da China continental e de Hong Kong, – responsáveis pelo controlo alfandegário, de imigração e pelos procedimentos de quarentena -, na West Kowloon Station (WKS). Estes postos estarão situados no terminal do troço ferroviário que liga Guangzhou e Shenzhen a Hong Kong e que faz parte da Hong Kong Express Rail Link (XRL). O acordo de partilha aduaneira tem dado muito que falar em Hong Kong. Ficámos a par dos argumentos apresentados por Li Fei, Sub-Secretário Geral do Comité para a Lei de Bases e Presidente do Comité Permanente do Congresso Nacional Popular (CPCNP). Também acompanhámos as opiniões de Ronny Tong, Conselheiro Sénior e membro do Conselho Executivo, de Eric Cheung Tat-ming responsável pela cadeira de Direito da Universidade de Hong Kong e membro da Ordem dos Advogados e, finalmente, ouvimos Elsie Leung Oi-sie, a primeira Secretária da Justiça após a reunificação de Hong Kong. Hoje continuaremos a analisar este assunto. O Governo da RAEHK tinha declarado, há algum tempo atrás, que o acordo de partilha aduaneira seria implementado em três fases. A primeira fase passaria pela assinatura por ambas as partes das condições estabelecidas. A segunda fase passaria pela aprovação do Congresso Nacional Popular e, finalmente, a legislatura de Hong Kong criaria por decreto a legislação adequada para implementar a decisão. A primeira fase concluiu-se dia 18 de Novembro. A segunda a 27 do mesmo mês, dia em que o Congresso Nacional Popular aprovou o acordo. A terceira fase – tornar a decisão parte da lei de Hong Kong – deverá estar concluída ainda este ano. Para essa altura espera-se que haja mais burburinho em redor desta questão. Maria Tam, membro do Comité da Lei de Bases de Hong Kong (LBHK), afirmou: “A jurisdição de Hong Kong não se deve sobrepor às decisões do Congresso Nacional.” Estas declarações indicam claramente que o Tribunal de Hong Kong não irá contra as decisões do Congresso. Maria Tam adianta: “Não podemos ler ou esperar que (a decisão do CPCNP respeitante ao acordo de partilha aduaneira) esteja escrita como as deliberações do Tribunais de Hong Kong.” Quem tiver acesso ao assento de um julgamento de um dos Tribunais de Hong Kong, pode verificar que são elencadas muitas razões, são referidas muitas leis e são citados muitos precedentes, de forma a apoiar a decisão tomada pelo juiz. O Professor Johannes Chan Man-mun, antigo Reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Hong Kong, afirma que as interpretações da Lei de Bases feitas pelo Congresso Nacional Popular prevalecem sobre os Tribunais locais (ver artigo 158 da LBHK), mas o mesmo não se aplica às decisões tomadas por aquele órgão. “O CPCNP toma muitas decisões … o princípio ‘um País dois sistemas’ define que as políticas do continente não se aplicam directamente a Hong Kong. Continua a ser uma questão sobre a natureza das decisões do Congresso Nacional.” Johannes Chan continua: “Num estado de direito, as pessoas ficam desiludidas se as autoridades não conseguirem explicar claramente as bases legais de um projecto que está em curso há oito anos.” A 30 de Dezembro último, enquanto o debate prosseguia, foi vista pela manhã, na encosta da Kowloon Lion Rock, uma faixa amarela com 30 m de comprimento onde se podia ler “defendamos Hong Kong”. Não se sabe porquê nem quem a colocou. A faixa foi retirada as 11h da manhã do mesmo dia. O antigo Presidente do Conselho Legislativo de Hong Kong, Jasper Tsang Yok-sing, escreveu na sua coluna, publicada num jornal de língua chinesa, que o acordo de partilha aduaneira não está em conflito com o princípio “um País, dois sistemas”. Mas, se pessoas de responsabilidade continuarem a insistir que este acordo vai contra a Lei de Bases de Hong Kong, só conseguirão fazer diminuir a confiança da população na Lei Básica da cidade. “A administração irá permitir que os funcionários continentais apliquem as leis nacionais no terminal ferroviário.” “A Lei Básica não deixa espaço para a implementação do acordo de ‘partilha aduaneira’, o Governo não deve tentar encontrar justificações nas cláusulas da lei, deve sim admitir que esta situação não podia ter sido prevista pelos legisladores há 20 anos atrás. A manter esta posição, vai criar nas pessoas o medo de não continuarem a estar protegidas pela Lei Básica de Hong Kong.” “O Governo deverá admitir que este acordo é especial e excepcional. As disposições do acordo não contradizem o modelo “um País, dois sistemas” ao abrigo do qual é garantido por Pequim a Hong Kong um alto grau de autonomia.” Mas, é possível que esta frase de Li Fei elimine de vez as preocupações da sociedade de Hong Kong: “Se está preocupado com a aplicação da lei chinesa na WKS, não apanhe o comboio da Express Rail Link em Hong Kong.”
João Luz VozesO estudo [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]obre o mundo existe um pesado véu de desconhecimento que dá abrigo morno ao misticismo, à arbitrariedade e à injustiça. Eu sou a candeia luminosa na noite do obscurantismo, trago esclarecimento e soluções para os problemas que envenenam os dias de iniquidade. Sou o judicioso estudo, o labor da ciência, o método de atingir o conhecimento. Pelo menos, esse é o meu original intento. Em tempos em que o desvirtuamento e a perfídia fazem gato sapato da honestidade, sou a credibilização científica das vontades feitas. O poder procura uma solução, uma hipótese conveniente, e eu vendo-lhe validação mascarada de técnica obedecendo à decisão tomada previamente. Sou o epílogo de cálculo no decadente teatro do calculismo, a corroboração pré-definida que antecipa a concretização, a vitória esmagadora da hipótese sobre tese, antítese, sou a proposta que passa por verdade absoluta e que pega o empirismo pelos colarinhos, proferindo violentas ameaças. Sempre que a plebe pede resolução, mesmo que seja para as coisas mais mundanas da vida, eu coloco no caminho o entrave da suposta ponderação. Seja um remendo no passeio, uma solução para a lentidão da Internet, a construção de um edifício para habitação social, ou qualquer outro problema prático, eu sou a protelação, a dilação, o estudioso banho-maria que coloca a vida em suspenso. A quantidade de estudos encomendados nesta cidade daria para encher a Biblioteca de Alexandria, para eliminar de vez qualquer vestígio de irracionalidade e compreender os mistérios da física e as razões escondidas pelos astros. Em vez disso, sirvo para revestir discricionariedade e velhacaria com a ilusão da sapiência, dou tempo para que as coisas apodreçam para além da paciência de todos. Tenho uma amiga do coração, a consulta pública. Juntos formamos uma coligação burocrática que suplanta qualquer vontade de resolução, que torna o tempo numa massa espessa que escorre lentamente. Transformo relógios em lesmas mecânicas que rastejam ao longo de um rasto de gosma que brilha como galáxias no empedrado. Acrescento anos à data prevista para a abertura de coisas, para o início de algo importante para a entediante necessidade das pessoas, esse empecilho prático à cumulação sabedoria. Sou a negação do método científico, declaro guerra à forma desapaixonada como o empirismo se alicerça na experiência sensorial. Matemática, estatística e toda as formas de cálculo são obstáculos contornáveis. Escolho-os para as minhas conclusões como quem apanha cerejas, seleccionando apenas aquelas que parecem mais maduras. Tenho um desprezo contido, sub-reptício, aos legados de Newton, Curie, Darwin, Faraday e Copérnico. A ciência que se torna universal serve apenas os pobres. À vista dos meus intentos, Pasteur e Freud não passam de um par de tarados com fixações lactantes e um ego que em muito extravasa a magnificência do dinheiro. Tenho uma aversão conceptual a teorias e teoremas. O meu universo de actuação é a folha de Excel, essa é a minha excelência. Enquadro a realidade em grelhas numeradas, as células que verdadeiramente interessam. Estás a ouvir-me Robert Hooke? Esse mundo novo de microbiologia não tem qualquer validade na minha galáxia de anexos e intuições oficiais. Sou compilações de dados sem relação, a fonte de onde brotam milhões de páginas que jamais alguém vai ler ou ter em conta, palha científica que tem como fim a inutilidade e a morte da cognição. Quero ter uma relação extraconjugal com causa e levar a que esta se divorcie do efeito, quero minar essa relação com a sedução de um espectáculo de PowerPoint. Quero ser conveniência, concórdia, estabilidade. Irrita-me a forma como o conhecimento pode ser revolucionariamente impertinente e é aí que consigo a minha validade. Encomendem-me e serei conclusão do vosso inteiro agrado, pronto para vos servir sempre que necessário. Consultem-me e serei o vosso sapiente amigo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA medicina personalizada [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] medicina moderna, para além de todas as suas maravilhas, apresenta uma grande nódoa. Ainda que, os avanços científicos e os novos tratamentos milagrosos sejam anunciados diariamente, os médicos sabem que mesmo as drogas mais eficazes do seu arsenal não funcionam para grandes sectores da população. As drogas comummente prescritas, por exemplo, para tratar transtornos como a depressão, asma e diabetes são ineficazes para cerca de 30 a 40 por cento das pessoas a quem são prescritas e a doenças difíceis de tratar, como a artrite, a doença de Alzheimer e o cancro. A proporção da população que não vê benefício de um tratamento específico aumenta de 50 a 75 por cento. O problema decorre de como os tratamentos são desenvolvidos. Tradicionalmente, uma droga é aprovada para uso se funcionar para um bom número de pessoas com sintomas semelhantes em um teste de drogas, e não são feitas perguntas nem dadas respostas sobre as pessoas no teste, e que não responderam positivamente ao tratamento. Quando a droga é então autorizada e prescrita massivamente à população, sem qualquer surpresa, existem muitas pessoas, como as do teste, que descobrem que a mais recente cura milagrosa não lhes resolve a situação. Este sistema de descoberta de drogas que abarca todos, embora tenha ajudado a descobrir os medicamentos mais importantes do século XX, é cada vez mais sentido como ineficaz, desactualizado e perigoso. Tal significa que os medicamentos são desenvolvidos para fazerem efeito na pessoa média, quando de facto todos, incluindo as nossas doenças e respostas às drogas são únicos. Muitas drogas são ineficazes para grandes sectores da população, mas tem de se considerar que também podem causar reacções adversas graves a outras pessoas. Felizmente, uma abordagem completamente nova da medicina está a ganhar cada vez mais adesões. À medida que se aprende mais sobre como as pessoas diferem geneticamente, os médicos estão a adaptar conselhos de saúde e tratamentos para pessoas individualizadas ao invés de ser massivamente para populações. A medicina personalizada, também conhecida como medicina de precisão usa os dados genéticos de um paciente, e outros dados sobre a sua saúde a nível molecular, para obter o melhor tratamento para as pessoas com um perfil genético similar. Somos tentados a pensar que os nossos genes determinam a nossa altura, cor dos olhos ou se temos um distúrbio genético. A combinação dos nossos genes aquando do nascimento afecta segundo as revelações científicas, o nosso desenvolvimento e saúde de muitas formas subtis, ao longo das nossas vidas. A probabilidade de termos recebido certas doenças à medida que envelhecemos, a forma como metabolizamos os alimentos e a nossa reacção a certos medicamentos, são influenciados pelos genes que temos. Tendo em conta o que se sabe sobre os genes, tomar tal questionamento, pode parecer um pouco óbvio, mas só foi possível na última década, graças ao incrível progresso que foi feito na tecnologia de sequenciação de ADN. Quando o genoma humano foi primeiro descodificado em 2003, foi necessário uma década de esforços de cooperação internacional e custou cerca de três triliões de dólares. Após quinze anos, o sequenciamento do genoma de uma pessoa pode ser conhecido em menos de cinquenta horas, ao invés de anos, e pode custar menos de mil dólares. Tal significa que informações genéticas, estão mais disponíveis aos médicos e pesquisadores que desenvolvem tratamentos do que alguma vez se imaginou. A área onde a nova abordagem personalizada à medicina tem tido o maior impacto, é a oncologia, ou o tratamento do cancro. O tratamento do cancro do pulmão, especialmente, é visto como uma grande história de sucesso da medicina de precisão. Os médicos, durante anos, ficaram intrigados com o motivo de apenas cerca de 10 por cento dos pacientes com cancro do pulmão responderem a uma droga comum ao tratamento, conhecida como “TKIs (inibidores da tirosina-quinase)” que interrompe o crescimento de um tumor. No final da primeira década do nosso século, quando os pesquisadores conseguiram analisar o ADN de tumores de pacientes, descobriram que a droga só funcionava em pessoas cujas células cancerosas tinham uma mutação particular em um gene conhecido como “Receptor do Factor de Crescimento Epidérmico (EGFR na sigla inglesa).” A mutação faz que as células cresçam de forma incontrolável e os TKIs bloqueiam esse efeito, diminuindo o tumor. Mas, em pacientes cujos tumores têm origens genéticas diferentes, o tratamento com TKIs resultará em uma barreira com efeitos colaterais prejudiciais sem possibilidades de sucesso. Eventualmente, os diferentes genes no centro de diferentes cancros do pulmão foram revelados, e todo o processo para diagnosticar o cancro do pulmão mudou. Os cancros segundo os cientistas não são simplesmente classificados por onde e como crescem e o que parecem ao exame do microscópio. Em vez disso, são testados por mutações genéticas, e as opções de tratamento são escolhidas em conformidade. Mesmo quando os tumores mutam durante o tratamento e desenvolvem resistência a medicamentos específicos de genes, os médicos podem acompanhar a mudança genética e escolher outro alvo. Os tratamentos de cancro personalizados ainda mais sofisticados estão no horizonte, como a imunoterapia, que toma as células imunes do paciente e as reprograma para atacar as células cancerosas. As células imunes, conhecidas como células T CAR, são extraídas do paciente e geneticamente modificadas no laboratório, para que reconheçam os marcadores moleculares exactos que crescem nas células cancerosas do paciente e, em seguida, são injectadas de volta ao corpo para atacar o tumor. A “Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA na sigla inglesa)”, aprovou uma forma desse tratamento, em Agosto de 2017, após resultados impressionantes em ensaios clínicos. A medicina personalizada também está a contribuir de forma importante para a segurança das drogas. A possibilidade de uma reacção adversa grave a um medicamento pode parecer raro, mas é, incrivelmente, a quarta principal causa de morte nos Estados Unidos e representa cerca de 7 por cento de todas as admissões hospitalares. Mais uma vez, o problema é causado pela tendência de tentar tratar grandes grupos de pessoas muito distintas entre si, da mesma forma. Um teste genético simples pode mostrar os genes-chave que tornam algumas pessoas hipersensíveis a certos medicamentos, ou se alguém metaboliza medicamentos tão rapidamente que necessitam de uma dose mais elevada. A abordagem, conhecida como farmacogenómica, ainda está longe de ser comum em hospitais e cirurgias de clínica geral, mas um novo suporte lógico está em desenvolvimento, que ajudará os médicos a tomar decisões de prescrição e dosagem com base no perfil genético específico de um paciente. É possível um dia ver os farmacêuticos verificarem os genes na farmácia antes de entregar os medicamentos. A medicina personalizada não é apenas sobre genética. O medicamento do futuro será dirigido pela geração e interpretação de muitos tipos de dados de nível molecular sobre indivíduos, capturados com um nível de precisão nunca antes possível. Existe tecnologia que pode descrever o genoma, análise proteómica (níveis de proteína), perfil metabólico e o microbioma de cada pessoa, em detalhes, a um custo cada vez mais acessível. A análise de genes é informativa, mas os genes não mudam ao longo do tempo e, portanto, não podem dizer se a pessoa realmente possui uma determinada doença ou se o seu tratamento está a funcionar. As proteínas ou metabólitos no sangue proporcionam uma imagem em tempo real de que o corpo está a lutar, ou se as drogas que recebeu estão a fazer o que deveriam. A partir de uma simples amostra de sangue, os cientistas podem detectar as primeiras pistas químicas de uma enorme variedade de doenças comuns, conhecidas como biomarcadores, muito antes de se tornarem evidentes quaisquer sintomas físicos. No cancro do pâncreas, por exemplo, muitos pacientes só são diagnosticados quando os sintomas começam a mostrar-se e a doença se encontra em estado avançado. O cancro pode, de facto, ter crescido de forma assintomática até há quinze anos, libertando biomarcadores reveladores que poderiam ser detectados com testes moleculares. A combinação de computação poderosa, vasta base de dados de dados genéticos e biomédicos e um maior número de geneticistas qualificados que trabalham em ambientes de saúde, tem o poder de revolucionar verdadeiramente a medicina. A prevenção de precisão é passar dos cuidados de saúde baseados em doença para medidas preventivas, estudando as doenças antes de acontecerem ou enquanto se encontram em um estado inicial. Trata-se de uma monitorização e triagem mais regulares, para pessoas com alta susceptibilidade para certas doenças. Em casos extremos, descobriram-se que as pessoas apresentam distúrbios que aumentam a taxa de mutação do ADN, ou causam mecanismos defeituosos de reparação do ADN, tornando-os susceptíveis de desenvolver múltiplos tipos de cancro ao longo da vida, e são colocados em uma terapia que pode impedir o aparecimento do cancro. Os tratamentos similares conhecidos como vacinas contra o cancro, terapias feitas sob medida que ajudam as pessoas a desenvolver imunidade específica ao cancro, estão actualmente em progresso para um conjunto de diferentes doenças, incluindo o cancro do rim, oral e dos ovários, demonstrando ser a oncologia de precisão no seu melhor desempenho. A medicina personalizada começa a ter um impacto em muitas outras áreas das doenças. Os cientistas revelaram em 2017, que a forma mais comum e perigosa de leucemia, são onze doenças distintas que respondem de forma muito diferente ao tratamento. Nos pacientes com HIV e hepatite C, os dados genómicos retirados do doente e dos seus vírus, podem ajudar os médicos a decidir sobre uma combinação de medicamentos que atinja a raiz específica da doença e é menos provável que cause efeitos colaterais na pessoa, tornando-se importante, porque os efeitos colaterais prejudiciais podem levar alguns pacientes a parar a toma dos medicamentos. A abordagem das duas vertentes reduziu as taxas de mortalidade do HIV, em até 90 por cento no Canadá, e na doença de Alzheimer, que é notoriamente difícil de tratar, a análise genética é um subtipo revelador de que é mais provável que responda a certos tratamentos. Além disso, os médicos podem iniciar o tratamento mais cedo, graças às subtis pistas químicas que confirmam a doença antes que os sintomas sejam evidentes. Mas, apesar de toda essa pesquisa emocionante e alguns sucessos notáveis, o facto é que poucos pacientes que entram nos sistemas de saúde dos países desenvolvidos terão acesso à análise biomolecular especializada necessária para personalizar o seu tratamento. Afora dos departamentos de oncologia, os grandes sistemas de saúde não estão configurados para colectar e analisar ainda, dados biomoleculares para cada paciente. A medicina personalizada é frequentemente usada como último recurso, ou para as poucas pessoas com sorte seleccionadas para ensaios clínicos. A proporção da população que teve o seu genoma sequenciado é pequena, mas está a começar a mudar. É significativo no Reino Unido, o “Projecto dos 100.000 Genomas”. O projecto começou a sequenciar genomas de cerca de setenta mil pessoas com cancro ou uma doença rara, além das suas famílias, e em 2017, o “Sistema Nacional de Saúde” inglês, publicou a “Estratégia de Medicina Personalizada” para ajudar a impulsionar a adopção de abordagens de precisão em mais áreas do serviço de saúde. Nos Estados Unidos a maior unidade de dados de medicina de precisão do mundo foi anunciada pelo ex-presidente Americano, Barack Obama, em 2015, e que pretende inscrever e sequenciar dados genéticos de um milhão de voluntários até 2020. É de considerar que cerca de 40 por cento das drogas aprovadas em 2002, os Estados Unidos, personalizaram de alguma forma, em 2017, o que significa que o tratamento vem com um teste genético complementar para garantir que seja precisamente orientado. No cancro, a mudança está a acontecer, pois as empresas irão sequenciar o genoma de um tumor e decidir o melhor tratamento. No entanto, a adopção de medicamentos personalizados em todas as áreas dos cuidados de saúde, exigirá grandes reformas na forma como os serviços são contratados e estruturados. A grande ênfase na medicina personalizada é a medicina preventiva e o tratamento, tendo em conta que os sistemas de saúde nunca custearam essa área antes. Será uma grande mudança e exigirá muitas pessoas que não são apenas médicos, mas treinadas em análises biomoleculares. Os usuários iniciais, serão pessoas que terão de pagar as despesas. É de prever que nas próximas décadas as visitas ao médico possam ser substituídas por actualizações frequentes de conselheiros moleculares, que acompanham os níveis de saúde através de análises periódicas dos biomarcadores no sangue, sugerindo tratamentos adequados aos genes, com os pacientes a enviar as suas amostras de sangue pela internet para análise (como acontece com o Hilab no Brasil) e consulta pelo “Skype”. “A análise molecular será tão perturbadora para os médicos, pois assumirá o processo de diagnóstico e prescrição. O médico será o treinador de saúde, uma pessoa cujo trabalho é manter as pessoas saudáveis e procurar sinais do que necessita para caminhar com mais frequência ou mudar a dieta. As infra-estruturas nos sistemas de saúde centram-se em torno da bioinformática e da medicina genética, mas parece inevitável que o remédio do futuro se baseie em torno dos genes. O sequenciamento do genoma está a ficar cada vez mais barato e só é necessário fazer uma vez. Quando os sistemas estiverem a funcionar, fornecerão informações importantes sempre que as pessoas tiverem de visitar o médico e para o resto da vida.
Leocardo VozesUm Bigo [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] presidente Marcelo Rebelo de Sousa foi operado a uma hérnia umbilical na última semana de 2017. A figura que provavelmente reune mais consenso em Portugal (tarefa hercúlea, esta) ficou internado alguns dias no Hospital Curry Cabral, de onde nos foram chegando notícias, desde a situação relativa ao trânsito intestinal do Chefe de Estado, até ao momento em que evacuou pela primeira vez. Se isto interessa? Claro que sim – quem é quer ter um presidente obstipado? Assim que teve alta, Marcelo vetou a proposta lei do financiamento dos partidos políticos, o que lhe valeu mais uma ronda de aplausos. Entretanto as redes sociais, esse grande amplificador do que o Portugal inteiro (literalmente) pensa e sente, não perdoou. A forma como a situação clínica do PR foi seguida de perto, ao detalhe, estimulou a costela humorista lusitana. Não faltaram sequer “cartoons” de Marcelo em pleno acto final da digestão. É um povo muito divertido, este. E sofrido, também. É melodramático, por assim dizer. Isto à distância é interessante de se observar; é matéria para um “case study”, e caso fosse partilhar esta mesma ideia nas tais redes sociais, certamente que haveria quem concordasse comigo. E também quem discordasse, ou me considerasse arrogante, e não me surpreendia de todo que dos mais emotivos (para ser simpático), viesse um ou outro insulto mais colorido, ou ainda uma leitura nas entrelinhas de algo que eu não disse, ou sequer dei a entender. Sabendo da distância de onde estou a emitir esta opinião, é ainda possível que saísse um “fica aí onde estás que não fazes cá falta nenhuma”. Mas não é que teriam mesmo razão? Eu próprio já cheguei a essa conclusão vai para um quarto de século. A “pica” que dá isto das redes sociais explica-se em poucas palavras. No fundo trata-se de poder esgrimir argumentos com pessoas que não conhecemos de lado nenhum, e exercitar um pouco a nossa “razão” – e nós temos sempre razão. Criámos uma ocupação nacional que rivaliza com o futebol, e às vezes até combinamos os dois; esta noite tivemos um Benfica – Sporting, e independentemente do resultado do clássico, já tivemos uma animada semana fora das quatro linhas, com acusações de uma e outra parte, “lampião” para aqui, “lagarto” para acolá. Nesse particular, todos ganharam, e vão felizes para casa. A tecnologia avançou à brava no último século e mais uns pózinhos, mas não somos muito diferentes da forma como Eça, Almada, ou até Bordalo Pinheiro nos pintaram em tempos mais remotos. Somos o mesmo boneco, enfim, e continuamos a pensar que as críticas são sempre dirigidas aos outros, e que aquilo não é nada connosco. Todos rimos de nós próprios, no fundo. Visto aqui de Macau, a uma distância segura, a ganhar melhor e a chegar a casa meia hora depois do trabalho tem uma certa piada. Aqui não temos os mesmos problemas, e caso existisse uma secção local no PNR, certamente que não teria qualquer problema com a quantidade de trabalhadores não-residentes no território – e até eram capazes de dar um pulinho à “mesquita” do D3 aos fins-de-semana. Mas não posso deixar de seguir passo a passo as alegrias e as angústias do meu povo. Quem não sente não é filho de boa gente, e isto afinal trata-se mesmo de uma relação umbilical. Sem hérnia, pelo menos por enquanto. Despeço-me desejando um feliz 2018 aos leitores do Hoje Macau, onde quer que estejam. Um abraço do tamanho do mundo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSonhos eróticos [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s sonhos eróticos, parte fundamental da nossa sexualidade, já foram alvo de escrutínio durante vários séculos. Diz-me o que achas que os sonhos são, e dir-te-ei todos os complexos sexuais que possas ter. As explicações do que acontece no nosso cérebro quando estamos em REM caía no espectro onde de um lado teríamos a saudável recriação e expressão sexual inconsciente, e do outro teríamos a forma como reprimimos (conceito Freudiano tão citado!), ou reinterpretarmos os nossos instintos. Muito se poderia dizer sobre os sonhos, e muito se poderia estudar, mas a verdade é que as comunidades científicas deixaram de estudar o sonho de forma sistemática, i.e., ninguém anda esforçar-se para escrever um novo manual de interpretação. Isto porque os sonhos caem no domínio da subjectividade individual e quiçá, cultural, de símbolos e conteúdos diversos. O que não quer dizer que não valha a pena escrutiná-los ao tutano para perceber o seu significado. Se quisermos olhar para uma história longínqua dos sonhos, estes sempre estiveram envoltos em mistérios proféticos. Os sonhos eróticos também não seriam excepção, ou porque prometiam uma caça bem sucedida ou um controlo parlamentar pleno. Sim, sim- os políticos da democracia grega antiga consideravam que um sonho erótico com a mãe simbolizava poder, o controlo sexual sobre o que seria a ‘nação’-mãe. Para outros contextos culturais menos proféticos o primeiro sonho erótico/ ejaculação nocturna é considerado um rito de passagem masculino da mesma forma como a menarca é sinalizada como o início da sexualização feminina. E por isso, os rapazes e homens têm mais fama de sonharem com conteúdos sexuais. Não é por acaso que os poucos estudos que existem sobre o tema tendem a concentrar-se na recolha de uma amostra maioritariamente masculina quando se quer perceber a relação entre o sonho erótico e a vida real erótica. Há estudos que mostram alguma relação entre o consumo de pornografia e a frequência de sonhos. Quanto mais se vê sexo na vida vivida, mais se sonha com ele. E aqui é importante enfatizar a diferença entre ver/imaginar sexo e fazê-lo, porque quando se pratica sexo com muita regularidade, o inconsciente sonhador já não utiliza esses conteúdos da mesma forma. Os nossos sonhos alimentam-se, com maior regularidade, de fantasias que acontecem única e exclusivamente nas nossas cabeças – do que fica na nossa imaginação. Há também quem tenha tentado mapear os conteúdos destes sonhos masculinos e parece que são tendencialmente egoístas, i.e., o prazer é só deles e de mais de ninguém. Aliás, a a companhia copulatória no sonho nem costuma ser a sua parceira na vida real, mas será uma mulher conhecida ou desconhecida. Há-de ser outra pessoa qualquer. Apesar do sonho já não receber tanta atenção pela psicologia dita mainstream, o Freud talvez tivesse razão ao achar que o sonho é o caminho real para o inconsciente. Não deixa de ser fascinante pensarmos na nossa capacidade de criar cenários e histórias quando estamos de olhos fechados. Quando sonhamos acordados talvez tenhamos uma melhor percepção daquilo que somos e queremos, porque são fantasias do sexo enraizadas na nossa vivência real. Tudo o que se passa no sonho não deixa de ser um exercício de exploração individual inconsciente – que raramente deve ser tomado literalmente. Contudo, são poucos os que ocupam em perceber, afinal, para que nos serve o sonho erótico? Amadurece-nos sexualmente? Ajudam-nos a resolver os nossos conflitos ou vergonhas? Serão conteúdos artísticos ou desprovidos de nada? Sonhando eroticamente, torna o nosso sexo mais feliz?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPartilha aduaneira (Parte I) [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] acordo de partilha aduaneira que permitirá a instalação dos serviços de alfândega, imigração e quarentena, tanto da China continental como de Hong Kong, na West Kowloon Station (WKS), no terminal da linha que une Guangzhou e Shenzhen a Hong Kong (XRL), foi anunciado a 25 de Julho do ano passado. Desde então, este assunto tem dado muito que falar na cidade. O portal do Governo da RAEHK salienta que “a principal razão que conduziu a este acordo foi a possibilidade de os passageiros fazerem o controlo de entrada e saída no mesmo local, sem mais transtornos. O troço de 26 km da Secção de Hong Kong da XRL, une a cidade à imensa linha nacional chinesa, reduzindo substancialmente o tempo de viagem entre Hong Kong e as principais cidades da China.”. Quem parte, passa logo pelos dois postos fronteiriços na zona de trânsito da West Kowloon Station e, por isso, à entrada na China continental não vai ser submetido a mais nenhum controlo. Por seu lado, quem vem, pode embarcar livremente em qualquer ponto da linha e à chegada faz o controlo de saída e de entrada no mesmo local. Além disso, quem visita Hong Kong não precisa de se preocupar se existe ou não posto fronteiriço na sua estação de embarque.” Sem o acordo de partilha aduaneira, “os passageiros só podiam embarcar ou sair em estações com serviços de fronteira.” Os inconvenientes eram óbvios. O Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo aprovou o acordo de partilha aduaneira a 27 de Dezembro de 2017. Li Fei, Vice-Secretário Geral do Congresso e Secretário Geral do Comité para a Lei de Bases, deu uma conferência de imprensa para responder aos críticos que acusam este acordo de infringir o artigo 18 da Lei de Bases de Hong Kong. Li declarou, “O Artigo 18 aplica-se a residentes de Hong Kong, ao passo que a aplicação das leis nacionais, na secção continental da WKS, é válida para os passageiros dessa zona.” “É uma situação diferente da que é descrita no artigo 18 sobre a implementação nacional das leis da RAEHK. Aqui não está em causa qualquer infracção ao artigo.” “A secção fronteiriça continental da WKS está sob a jurisdição do Governo chinês. Os direitos e liberdades conferidos aos residentes de Hong Kong não serão afectados pelo acordo de partilha aduaneira.” “As decisões do Congresso Nacional do Povo sobre a definição de competências legislativas estão tomadas. Não podem ser questionadas.” Para além disso, diversos artigos da Lei de Bases de Hong Kong, foram citados para apoiar a legalidade do acordo de partilha aduaneira. Foi o caso do artigo 2, sobre a importância do elevado grau de autonomia; do artigo 7, sobre a importância de administrar o próprio território; dos artigos 22 e 154, sobre a importância de gerir o controlo fronteiriço; e, finalmente, dos artigos 118 e119, sobre a relevância do desenvolvimento, etc. No entanto, a Hong Kong Bar Association publicou um manifesto a 28 de Dezembro onde declara a ilegalidade deste acordo. A Associação refere que o acordo de partilha aduaneira não é sustentado por nenhuma das disposições da Lei Básica da cidade. Adianta ainda que o Congresso Nacional do Povo aprovou o acordo e declarou-o em conformidade com a lei, sem qualquer base legal. Uma verdade auto-proclamada pelo Congresso. Ronny Tong, membro da Hong Kong Bar Association, Conselheiro Sénior, e membro do Conselho Executivo, sugeriu que a decisão tomada pelo Congresso Nacional deve ser considerada razão suficiente. Ronny salientou que a lei nacional chinesa deve ser aplicada em todo o território de Hong Kong, e não só em parte dele, como por exemplo em Wanchai. Ronny Tong referiu ainda que os direitos e liberdades dos cidadãos da RAEHK, consagrados no capítulo três da Lei de Bases, não serão infringidos. Tong considera, pois, que a Lei não está a ser posta em causa. Elsie Leung Oi-sie, a primeira Secretária da Justiça após a reunificação, declarou que, segundo o artigo 67 da Constituição chinesa, o Congresso Nacional tem poder para fazer lei. As suas decisões são lei. O professor responsável pela cadeira de Direito da Universidade de Hong Kong, Eric Cheung Tat-ming, afirmou que os artigos 118 e 119 estabelecem que o Governo da RAEHK deve proporcionar um enquadramento jurídico e económico que encoraje o investimento, o progresso tecnológico, bem como o desenvolvimento de novas indústrias, e criar políticas que promovam e coordenem o desenvolvimento dos diversos sectores comerciais. Mas, “Não estamos a discutir o que é preciso fazer para incrementar o desenvolvimento económico de Hong Kong – não é isso que está em causa. A questão é saber se as leis nacionais devem ser implementadas em Hong Kong,” Eric Cheung adiantou que as bases legais do acordo de partilha aduaneira não estão ainda definitivamente estabelecidas. Que desenvolvimentos podemos esperar? Continuaremos a analisar esta situação na próxima semana. Até lá, Feliz Ano Novo.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesUm Natal muito diferente [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]urante a época natalícia a cidade ficou apinhada de turistas, muitos dos quais chegaram de propósito para assistir ao “Festival de Luz de Macau”. Outros vieram atraídos pelo ambiente particularmente festivo que se vive em Macau nesta altura, muitos deles oriundos da China continental. Será que isto quer dizer que na China não se celebra o Natal? Os leitores que estão mais atentos às notícias saberão certamente que existe no país uma atitude de boicote a todas as “festividades ocidentais”, especialmente depois do 19º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, que colocou um maior enfase na ideologia. No entanto, o Natal, que é uma “festividade ocidental”, não consta da lista negra dos dirigentes. Embora um dos valores mais importantes dos chineses sempre tenha sido a “confiança cultural”, a cultura tradicional foi severamente atingida pela “Campanha Anti-Direitista” (1957) e pela “Revolução Cultural” (1966). A campanha “Esmagar os Quatro Velhos e Cultivar os Quatro Novos” colocou Confúcio e os seus ensinamentos sob fogo cerrado. Quando o tempo de vida de uma cultura está quase a chegar ao fim, a confiança passa a ser apenas um slogan. Como as autoridades chinesas estão perfeitamente cientes da situação, desenvolvem inúmeras iniciativas para levar a pessoas a interessar-se de novo pelos valores da cultura tradicional. São disso exemplo o trabalho do Instituto Confúcio e a promoção do estudo dos clássicos da literatura. A par destas manifestações, surgiu na China nos últimos anos uma espécie de moda que leva as pessoas a interessar-se pelo Cristianismo. O aumento de importância da “cultura cristã” na China demonstra falta de auto-confiança. Hoje em dia, a informação e as tecnologias de comunicação estão muito avançadas, as pessoas deslocam-se para estudar no estrangeiro e as viagens de negócio são muito frequentes. Como a cortina de ferro já “subiu” `há muito tempo, é contraproducente suprimir à força o que passou a ser moda. Abraçar o que é novo é um dos traços que caracteriza a cultura chinesa erudita, que permitiu à Nação absorver a novidade e a diversidade e tornar-se sistematicamente mais forte. O Budismo, uma religião estrangeira, faz desde há muito parte da vida do povo chinês. Por seu lado, as ideologias comunistas de “ocidentais”, como Marx, Engels, Lenine e Estaline, tornaram-se a estrela guia do Partido Comunista Chinês desde algumas décadas a esta parte. Aparentemente as necessidades políticas suplantam as necessidades sociais! A menos que surja uma segunda Revolução Cultural na China, as reformas e as políticas de abertura irão sofrer sérios retrocessos. O Natal, à semelhança de outras festividades religiosas, vai tornar-se parte da cultura chinesa. O Natal é a época de celebrar o nascimento de Jesus Cristo. Os cristãos, para além de observarem os Seus ensinamentos, são nesta época obrigados a cumprir diversos deveres sociais. Assisti à última sessão pública de consulta da Proposta de Lei sobre o “salário mínimo” organizada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, no dia 23 de Dezembro. No documento posto a consulta, o Governo de Macau proponha o salário mínimo de 30 patacas/hora, bastante menos que os 34.50HKD/hora de Hong Kong. Como o nível de vida de Macau é superior ao de Hong Kong, esta quantia é manifestamente insuficiente para suprir as necessidades básicas. Durante a sessão de consulta, um dos oradores, representante dos trabalhadores, defendeu que só 2.800, dos 44.200 empregados que ganham menos de 30 patacas hora, são residentes locais. Assim, não existe necessidade de fixar um salário mínimo, estes trabalhadores “não residentes” estão dispostos a aceitar valores inferiores pelo seu trabalho. Macau importa trabalhadores não residentes desde o tempo da administração portuguesa, sob o pretexto de colmatar a deficiente oferta de serviçais domésticos. Mas é suposto importarmos “trabalhadores não residentes” ou “escravos não residentes”? Seguindo este raciocínio, a questão do salário mínimo não se aplica a trabalhadores domésticos nem a trabalhadores com deficiência. Mas os trabalhadores não residentes, de acordo com a lei de Macau, desfrutam de alguns dos direitos dos residentes. Logo, não existe qualquer motivo para não contemplar os “trabalhadores não residentes” com o salário mínimo. No séc. XXI Macau vai estar apenas focado na eficiência dos mercados e na economia, em detrimento das questões laborais. Deve prestar-se mais atenção à defesa da dignidade do trabalho. Jesus escolheu nascer num estábulo para se identificar com os pobres. Mas hoje em dia as pessoas esqueceram esta mensagem, embriagadas pela procura do prazer imediato.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO homem chamado Jesus “Jesus wanted them to know that if they intended to live by the law, they couldn’t just pick and choose the parts they liked in order to feel good about themselves. They had to follow all the law or they might as well not follow any of it.” “Jesus Is: Find a New Way to Be Human” – Judah Smith and Bubba Watso Anónimo, Ecce Hommo, século XVI [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] tempo que vivemos – e que se prolonga na tradição católica surgida no século VIII, até ao dia de veneração dos “Reis Magos”, Belchior, Gaspar e Baltazar a 6 de Janeiro de 2018 – é considerado como a quadra natalícia, tornando interessante recuperar a autêntica pessoa do homenageado Jesus, que presumivelmente nasceu a 25 de Dezembro, o essencial da sua mensagem e o melhor do seu impacto histórico, porque apesar de não ter deixado nem uma só palavra escrita, nenhuma figura histórica exerceu uma influência maior ou igual na história da humanidade. Muitas vezes se tem apresentado Jesus como um personagem intemporal, uma alma pacata sem retiro, alegrias, desejos e paixões, como uma peça de museu, como um cordeiro manso que cumpria cabalmente com as suas obrigações, como alguém que nunca desfrutou da ousadia de um jovem, porque sempre encarnou os sonhos da velhice, quase um fetiche. A pessoa de Jesus é mais conhecida todos os dias graças à história, arqueologia e antropologia cultural e social que o colocam em determinada circunstância, numa sociedade de tradição oral que cultivava a memória. É de presumir que tenha aprendido o ofício do seu pai, carpinteiro, mas tudo indica que depressa tomou outro rumo, deixando a família, indo de encontro ao chamado do profeta João Baptista que desencadeou um movimento de conversão, tendo em vista uma rápida e definitiva vinda de Deus, facto que liga a vida de Jesus com a tradição profética do seu tempo. O seu relacionamento com João Baptista, seu primo, foi decisivo para a sua experiência religiosa. Tendo-se separado do seu primo, percorreu os caminhos da Galileia à procura de pessoas para anunciar a proximidade do “Reino dos Céus”. Fazendo a eliminação de todos os aspectos escatológicos e futuristas da sua pregação, alguns autores apresentaram erroneamente, Jesus como um sábio anti-sistema e contra-cultural. Todavia, não é um apocalíptico iluminado que vive debaixo da urgente e eminente catástrofe, como pretenderam demonstrar alguns outros autores. O judeu fiel que foi Jesus cumpriu as leis e radicalizou alguns dos seus aspectos embora, ao mesmo tempo, relativizasse alguns preceitos rituais, especificamente os que se referem ao Sábado, ao afirmar que “o homem é mais importante que o Sábado” e as normas da pureza. O amor ao próximo é a regra de todos os rituais (Marcos 12, 28-31). Sem escapar da sociedade, quem aceita as normas do “Reino de Deus” caminha sempre no fio da navalha. “Os últimos serão os primeiros”; “o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir”. O dinheiro não é mais um sinal de bênção divina, como a teologia rabínica considerou, mas pelo contrário, será o maior impedimento para entrar no “Reino dos Céus”. Alguns autores defendem que os milagres narrados nos Evangelhos seriam fruto e invenção da imaginação popular, e outros ampliados e engrandecidos, o que não é de aceitar pelos cristãos, nos quais me incluo. É evidente que uma das características de Jesus, que ajuda a explicar a irresistível atracção que exerceu sobre os que o conheciam era o de curar e apaziguar o povo das suas maleitas físicas, psíquicas e sociais. “Uma grande multidão ao ouvir o que fazia, veio até ele “ (Marcos 3, 10). Muitos estudiosos interpretaram como um desafio para a ordem social estabelecida, a libertação de muitos dos seus concidadãos dos espíritos imundos que conseguia com o seu amor e a sua capacidade de acolhimento. Os estudos antropológicos, actualmente, sobre xamãs e curandeiros podem ajudar os mais duvidosos a entender a literatura sobre os milagres de Jesus. Ainda que, entre as multidões, o conceito do “Reino de Deus” criasse resistência, assim como a esperança, Jesus teve um enorme grupo de seguidores e crentes na Galileia e depois em Jerusalém. As multidões foram atraídas pela sua personalidade extraordinária e pela autoridade de tipo carismático das suas pregações. Entre todos os seguidores e fazendo eco da restauração das doze tribos de Israel mencionadas no Antigo Testamento, um dos elementos mais constantes da escatologia judaica, escolheu doze discípulos e mais tarde enviou-os a pregar por todo mundo a suas “Boas Novas”. A coerência da sua vida e a nobreza dos seus ensinamentos fazem todos os pesquisadores, crentes ou ateus, excluir a possibilidade de fraude. O cristão deve ser o promotor de uma cultura de caridade, igualdade e dignidade das pessoas. Todas as outras formas de entender Jesus, reforçadas pela cultura pop dos nossos dias, são envenenadas pela condição e expiração efémeras. Muitas dessas imagens de Jesus não são o resultado de estudos conscienciosos, mas de uma fábrica de sonhos como o cinema. Jesus faz parte do universo transbordante de filmes, revistas, vitrinas e exposições, meios com uma enorme capacidade de adaptar-se aos tempos. Quase todos tentam apresentá-lo como um personagem não convencional que veio transformar as condições de vida e mentalidades ao serviço do novo homem. O mundo dos nossos dias, que sente o fascínio com o mágico, teatral e o festivo, multiplica as imagens de Jesus, como de qualquer bem destinado ao consumo comercial e emocional. Para muitas pessoas, Jesus é um sistema estelar mais que o céu das celebridades mais famosas da história. Nesta cultura fragmentada e líquida, multiplicam-se as mestiçagens mais variadas que afectam também a imagem de Jesus, que muda a um ritmo vertiginoso para responder às procuras que chegam de diferentes locais geográficos e culturais. Existem grupos viciados às mudanças que forjam uma imagem de Jesus para diferentes situações e necessidades. Muitos estão preocupados com a estetização da mensagem de Jesus, como um produto da ética estética hipermoderna que tem pouco a ver com a mensagem de austeridade e pobreza do Nazareno. Trata-se da comercialização por grosso da figura de Jesus. O Jesus, familiar para milhares de pessoas, é um produto da hibridação estética, da moda e da mercadologia. O culto da expressão nova e subjectiva substituiu a revelação antológica. A quadra natalícia, para muitos, é um momento de tristeza porque lembra e faz viver mais intensamente as ausências presentes dos seus entes queridos. O homem que não assimila as ausências dos entes queridos que o tempo lavra será sempre um ser infantil, que está longe de ser uma criança. A ausência é um vazio que só pode preencher a memória. O Natal é um memorial, uma referência temporária que converte em “Kairós”, tempo significativo, o “Kronos”, tempo normal. Além de ser social e lúdico, o ser humano é ritual. Os presentes da quadra natalícia, originalmente, significam a gratuidade do presente que recebemos do céu. Algumas pessoas aborrecem-se pelo facto de outras desejarem felicidade, paz, amor e prosperidade. Mesmo que fosse o único dia do ano em que tal acontecesse, seria melhor do que nada. As crianças vivem esse tempo sem problemas ou falsos pensamentos. É infeliz o que não se permite manifestar, expressar-se à criança que tem dentro. Jesus provoca uma série de perguntas que o antropólogo não pode responder a partir da antropologia ou da história simples, embora ambas possam ver sinais de que, por trás dessa pessoa, há algo mais do que um homem simples. Tal está escondido por trás dessa fascinante humanidade? Para muitas marcas, multinacionais, e instituições, a estrela do Natal não é Jesus, mas as ídolos sociais que transmitem os seus interesses. Os cristãos confessam uma realidade que transcende a História. A teologia moderna diz que a fé é acreditar numa pessoa que se torna o modelo da vida em que os valores artísticos, sociais e filosóficos se fundem mais que uma moral. Tradicionalmente, a fé em Jesus-Homem-Deus estava ligada a uma categoria hereditária, uma herança familiar e comunitária; modernamente é mais o fruto de uma decisão pessoal, da fé individual. A fé em Jesus, segundo os cristãos, deve ser traduzida em um modo de vida. O cristão deve ser o promotor de uma cultura de caridade, justiça e solidariedade, de igualdade e dignidade das pessoas. Os que acreditam na mensagem original da quadra natalícia não se resignam a fugir e a deixar campo livre aos que querem esquecer a origem e o significado do tempo que vivemos. Iremos continuar a comemorar esta quadra do Natal, um memorial do nascimento de Jesus, sem esquecer que o mundo muda e que a maneira de actualizar eventos também deve ser alterada.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSex-Talk [dropcap style≠’circle’]I[/dropcap]nvestigar a sexualidade humana não é tarefa fácil. Como escrevo sobre sexo todas as semanas quase que me esqueço que o à vontade para falar sobre o sexo não será o mesmo do que qualquer outro tópico de conversa. E isso depois reflecte-se na dificuldade em estudá-lo, ou de produzir respostas de ajuda eficazes. Os serviços que providenciam algum tipo de apoio mais especializado ao sexo, vêem-se obrigados a arranjar estratégias criativas de atrair utentes. No mundo ocidental em que vivemos há um paradoxo interessante entre não falar sobre sexo, mas usá-lo como produto de consumo. O sexo vende, e por isso o marketing usa clichés da atracção sexual que continuam a funcionar, mas falar sobre o sexo de forma aberta e saudável é que está quieto. Aliás, sempre que vejo movimentos de pais contra a educação sexual nas escolas, pergunto-me se eles não têm noção que os seus filhos pré-adolescentes são bombardeados com vídeoclipes com mulheres semi-nuas e altamente sexualizadas a toda a hora. Mas isso é uma circunstância da vida, falar sobre o sexo é que não pode ser, não se expõe assim a ‘perversão’- ainda a atraem com mais força. Por estas e muitas mais tontices, é que falar sobre o sexo é difícil e limitado pelo tabu – o que torna a investigação socio-biológica do sexo das mais desafiantes. Ao menos temos séries e filmes, O Sexo e a Cidade seria uma delas, ou o Girls, se pensarmos na televisão mais americanizada. Estes são dos poucos momentos televisivos em que o sexo é apresentado de uma forma mais natural, mais realista. Tudo o resto são exageros hiper-sexualizados e hiper-românticos que ajudam a perpetuar mitos já nossos conhecidos. Por isso, quando queremos entrar nestas construções sociais do sexo – que a televisão, a música, o consumo, a nossa experiência individual ajuda a criar – o expectável seria entrevistar pessoas sobre o sexo, pô-las a falar para melhor compreender as suas cabeças. Mas imaginem o horror que poderá ser, pôr uma sala cheia de estranhos a conversarem acerca de, por exemplo, satisfação sexual? Nós, que somos seres sociais a trabalhar um equilibrio saudável entre o individual e o social, precisamos de comunicar. É preciso comunicar sexo seja isso de forma mais informativa, mais pessoal e íntima, melhor ou menos problematizada. Não basta sexar, é preciso conversar. E isto serve como dica para toda uma vida, não só uma queixa dos que estudam o sexo e vêm dificuldades acrescidas simplesmente porque é um tópico difícil. Conversem com o parceiro, com as amigas e com os amigos. Há certos mitos e crenças de roda do sexo que são contraproducentes, que perturbam o bem-estar individual e de casal. O remédio? Uma boa conversa com um copo de vinho com a melhor amiga para desconstruir alguma tolice – que os homens não têm que vir-se na cara da rapariga, por exemplo, só para reforçar que os mitos vêm de toda a parte, até da pornografia. Costumo pregar o direito universal do sexo, pela nossa identidade sexual, prática e fantasia. Mas frequentemente esqueço-me que o maior desafio não é ter sexo, mas falar sobre ele. Num estudo que tenta perceber de que forma a satisfação sexual é conceptualizada, a comunicação sexual apareceu como parte do processo para chegarmos à satisfação plena. A natureza da relação amorosa, e de forma que ela é comunicada também faz parte integrante do desafio a dois, a três ou de toda uma sociedade ou planeta. O sexo vem dos corpos, da mente e da linguagem que cria as relações, as partilhas e os mundos por descobrir. Para uma sexualidade saudável é preciso conversar sobre sexo, demais, e nunca de menos.
Jorge Rodrigues Simão PerspectivasMegacidades, urbanização e desenvolvimento sustentável “For better or worse, megacities – by virtue of their resources, their size and their impact – are at the leading edge of change in many countries. Reading the social science literature seems to tell us that this is for the worse. A very broad current in urban sociology has associated economic globalisation with the creation of a wider spectrum of jobs and with a challenge to traditional social ties, leading to more segregated societies. Many urban scientists and urban geographers continue to condemn gigantism” “Governing Megacities in Emerging Countries” – Dominique Lorrain [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] “Conferência Internacional sobre a Água, Megacidades e Mudança Global” da “Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO na sigla inglesa)” foi um evento que fez parte da programação da “21.ª sessão anual da Conferência das Partes (COP 21, na sigla inglesa)” da “Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC ou UNFCCC, na sigla inglesa)” e da “11.ª sessão da Conferência das Partes enquanto Reunião das Partes no Protocolo de Quioto (CMP 11, na sigla inglesa)”, que se realizou em Paris, entre 30 de Novembro e 12 de Dezembro de 2015. A “COP 21” reuniu cento e cinquenta chefes de estado e de governo de todo o mundo. que aprovaram o “Acordo de Paris” sobre redução de emissões com vista a travar as alterações climáticas, e que entrou em vigor a 4 de Novembro de 2016. A “Conferência”, mostrou o papel fundamental que as cidades desempenham na prossecução dos “Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, especialmente o “Objectivo 6” da “Agenda de 2030”, que é o direito humano e fundamental de acesso à água e saneamento. A visão geral da ONU, de quinze megacidades emblemáticas, como são Buenos Aires, Cidade do México, Chicago, Ho Chi Minh, Istambul, Lagos, Londres, Los Angeles, Manila, Mumbai, Nova Iorque, Paris, Pequim, Seul e Tóquio é simultaneamente o resultado de apresentações científicas concretas e um apelo à mobilização geral, para elaborar as políticas urbanas sustentáveis de que carece o mundo. Todos esses centros urbanos partilham um conjunto de características comuns, como o tamanho colossal, disparidades entre zonas ricas e pobres, procura ambiental e industrial que afecta os recursos naturais de uma região inteira, sem mencionar o peso económico do país, como um todo, e uma ampla gama de recursos culturais, científicos e educacionais. A ONU designou Nova Iorque e Tóquio como as duas primeiras megacidades, tendo em 1975 acrescentado a Cidade do México, passando em 2000, a ser dezoito, em 2005, vinte e em 2015, vinte e duas megacidades, todas com populações de dez milhões de habitantes ou superiores. As previsões indicam que existirão quarenta e uma megacidades até 2030, muitas delas localizadas nos países menos desenvolvidos do mundo. Ao longo da história constatou-se, que a essas cidades muitas vezes faltam quer o tempo como os meios para desenvolver os imprescindíveis serviços urbanos, inclusive os relacionados com o acesso à água, saneamento e drenagem de águas pluviais como direitos humanos e fundamentais. Tal situação cria vulnerabilidades profundas e desafios complexos. É crucial que as megacidades compartam as suas experiências, de modo a desenvolver serviços capazes de atender às expectativas dos seus habitantes. A gestão inclusiva dos recursos hídricos, também é solução para uma variedade de desafios sociais, em particular, as desigualdades de género, dado que as mulheres são frequentemente mais atingidas por dificuldades de acesso à água, e estão na linha de frente quando se trata de uma melhor gestão dos recursos. As áreas urbanas, globalmente consideradas, crescem rapidamente, sendo de esperar que mais de dois terços da população mundial viva em cidades até 2050. A urbanização influencia o meio ambiente e pode contribuir, por exemplo, para as alterações climáticas, degradação do solo e redução da biodiversidade. Ao mesmo tempo, os ecossistemas urbanos são muito sensíveis às mudanças globais, e a sua adaptação é necessária para sustentar a funcionalidade e os importantes serviços dos ecossistemas. A urbanização, historicamente, foi estudada principalmente, como uma potencial ameaça ambiental, resultando na degradação do solo, água, atmosfera, floresta e perda de biodiversidade. O estado ecológico desfavorável dos ambientes urbanos, foi documentado no início do século XXI, e um ecossistema urbano estabelecido difere fortemente de um ecossistema natural ou agrícola. Os ecossistemas urbanos são caracterizados pelas paisagens humanas modificadas e muitas vezes artificiais com distúrbios antropogénicos consideráveis como, por exemplo, a poluição ambiental, selagem do solo e eliminação de resíduos. As cidades geralmente consomem muito mais energia do que fornecem, resultando em emissões de calor, poluentes do ar, água e gases de efeito estufa. O aumento contínuo da população urbana global fez surgir novos conceitos como as cidades sustentáveis. O conceito de sustentabilidade urbana resultou no projecto de cidades modelo ou ideais como, por exemplo, cidades livres de emissões e cidades adaptadas ao clima que consideram as áreas urbanas como fonte de recursos únicos naturais e urbanos específicos e não como uma ameaça ambiental. A “Conferência” teve assim como objectivo encontrar soluções para problemas ambientais das megalópoles modernas, tendo introduzido ecossistemas urbanos, considerando a sua variabilidade espacial, dinâmica temporal, riscos ambientais e que fossem potenciais para fornecer funções importantes e serviços ecossistémicos. O conceito geral de megacidades como ecossistemas diversos e complexos foi apresentado e defendido. Manter a qualidade do ar, sequestro do carbono e mitigação do aquecimento global e as alterações climáticas por meio de emissões reduzidas de gases com efeito de estufa, são os principais serviços prestados pelos ecossistemas urbanos. Os solos urbanos são fundamentais para regular os ecossistemas urbanos saudáveis. Os serviços e funções dos ecossistemas fornecidos pelos solos urbanos afectam o meio ambiente, a saúde humana e o bem-estar. Os solos urbanos que formam condições e características diferem principalmente, dos solos naturais e agrícolas, mas as suas funções e serviços permanecem pouco quantificados. A atenção e o interesse em entender a capacidade dos solos urbanos para suportar funções e serviços específicos, tem aumentado. Actualmente, os solos urbanos enfrentam um paradoxo onde, por um lado, é o valor mais alto para o desenvolvimento da propriedade e, por outro, é quase totalmente ignorado no que diz respeito ao ecossistema que podem fornecer. É importante considerar os diferentes aspectos da monitorização e avaliação de solos urbanos em escalas múltiplas, desde o nível local até a escala regional e global, bem como os problemas semelhantes, como por exemplo, a poluição com metais pesados que foram apresentados para solos urbanos localizados em diferentes climas e zonas de vegetação, proporcionando uma oportunidade única para avaliações comparativas. As infra-estruturas verdes são as principais ferramentas para integrar soluções baseadas na natureza do desenho e gestão urbana, bem como promover um conjunto de tecnologias para monitorizar e gerir ecossistemas urbanos, incluindo biotestes, sistemas de apoio à decisão e engenharia ecológica. A “Conferência” recebeu comentários de uma audiência ampla e multidisciplinar, incluindo a comunidade científica, os serviços municipais, os serviços de protecção ambiental e outras partes interessadas dos países e que trabalham na gestão urbana e flora. A discussão multidisciplinar é um passo essencial para o desenvolvimento urbano sustentável, porque a implementação de tecnologias inovadoras e soluções baseadas na natureza, depende de uma colaboração de todas as partes interessadas, tendo como objectivo a gestão urbana inteligente. Ainda que, os pesquisadores tentem encontrar soluções para os problemas enfrentados pela humanidade, durante as últimas décadas do século XX, o tratamento dessas situações continuam a existir, bem como as respectivas perguntas e respostas. Apesar de não ter aparecido um novo paradigma, o empresário italiano Aurelio Peccei que, conjuntamente com o cientistas escocês Alexander King, fundou em 1966 o “Clube de Roma” que é constituído por um grupo de pessoas ilustres, que se reúnem para debater um vasto conjunto de assuntos relacionados com a política, economia internacional e, sobretudo, o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, e que foi igualmente, fundador do “Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados (IIASA na sigla inglesa)”, que é uma organização internacional de investigação científica multidisciplinar, localizada no Luxemburgo e na Áustria, e considerado um dos melhores laboratório de ideias do mundo. Aurelio Peccei, a propósito do tema, afirmou que seriam necessários argumentos convincentes para prever uma potencial catástrofe nas próximas décadas e que existe a necessidade de uma grande mudança da direcção das actividades humanas As predições não foram aceitas. A ciência moderna não pode prever mudanças evolutivas na biosfera, que garantirão a segurança da população humana. É necessário precisar o significado social, científico e profissional das cidades sustentáveis. O conceito de “EcoPólis” como estratégia de urbanização e experiência, iniciou-se em 1980 na União Soviética, desenvolvendo comunidades que são coerentes com a capacidade de transporte de ecossistemas regionais. A ciência começou com a determinação de metas e termos e tenta monitorizar e modelar a dinâmica, enquanto os filósofos e outros pensadores tentam entender as tendências para definir os limites da urbanização. Após o projecto urbano de Leonardo da Vinci e da sua “Cidade Ideal”, elaborado em 1488, vários projectos utópicos foram realizados e desenvolvidos. A “Cidade Jardim”, que é um modelo de cidade elaborado no século XIX, abriu uma nova área para os seres humanos, o eco-retorno para um meio natural razoável. A industrialização, desde o século XIX, levou à expansão populacional, enorme densidade urbana, engolindo florestas e áreas agrícolas no interior dos países, o que trouxe impactos na biosfera que não foram previstos. A nova profissão de “Eco-urbanista” surgiu através do projecto de pesquisa e prática de projectos ecológicos. Durante as últimas décadas na Rússia, por exemplo, foi eliminado o planeamento e a estratégia de longo prazo na política de assentamentos humanos. A direcção da urbanização em geral não foi clara e actualmente é necessário revisitar os valores a longo prazo e apoiar a estratégia dos países nos projectos de urbanização. Os modelos devem ser seguidos pelo desenvolvimento de cenários de baixo risco na capacidade de ecossistemas regionais e no contexto etnocultural local. Assim, surgiram importantes projectos como bio-regionalismo, “EcoPólis” e “Ecocidades”, como assentamentos auto-sustentados. Na Rússia, por exemplo, vários projectos em larga escala, foram realizados a partir do início do século XX nas proximidades de Moscovo. A aproximação “EcoPólis”, foi testada em uma antiga estação de metro de Moscovo e numa outra cidade vizinha. As megacidades, como outro tipo de assentamento humano, sugerem um certo metabolismo social, onde a matéria e a energia fluem. O problema da ecologia humana não está numa pequena lista do progresso moderno. Devido a alguns cenários de crescimento populacional, podem ser esperados novos limites de gestão centralizada, dado que os sistemas desenvolverão um nível muito complexo com riscos de desastres imprevistos e acidentes normais. A estratégia de urbanização global está lentamente a dirigir-se para uma nova política integrada que é influenciada pelas alterações climáticas, mudança para a energia alternativa, aumento do nível do mar, diminuição do solo per capita no planeta, abastecimento limitado de água potável para os cidadãos a nível mundial e “stress” ambiental. Os diferentes riscos exigiram a integração de um sistema com menores riscos integrativos por meio do novo modo de urbanização, a “EcoPólis”, que é uma unidade multifuncional no planeamento e que produz parcialmente recursos vitais, como água potável, alimentos como peixe, produtos de caça, gado, legumes, trigo e frutas, bagas naturais, cogumelos e plantações adicionais de espécies de plantas locais. O serviço ecológico da cidade é realizado através da monitorização ambiental e de assentamentos, restauração de ecossistemas, conexão da rede ecológica entre ecossistemas regionais e a “EcoPólis”. A “EcoPólis” como um projecto começou com a “Cidade da Ciência” da capital russa, na era da União Soviética e que seria de alguma forma a cidade do futuro, pois não havia impacto industrial, apenas recreativo. O impacto foi cuidadosamente estudado em todas as áreas e mostrou que as necessidades recreativas como por exemplo, andar, pescar, caçar e correr usam uma superfície seiscentas vezes maior que a superfície da cidade. O treino e a educação dos líderes locais podem melhorar a visão oficial do planeamento e, possivelmente, expandi-lo para a escala de tempo geológico. Apenas e após a participação em experiências de criação de modelos de longo prazo e projectos participantes como por exemplo, com voluntários, políticos e cientistas locais, é que foi possível serem motivados e preparados para pensar e discutir futuras mudanças da paisagem, cidade e hábitos humanos, e modelar a visão comum do futuro desejado. Os valores do desenvolvimento sustentável devem começar pela mente humana e as reservas naturais da cidade devem ser planeadas e a força de trabalho deve ser dedicada a cuidar delas. A experiência da “Ecopólis” deve estabelecer um vínculo entre a filosofia académica e a prática humana diária para que se possa perceber os primeiros passos do desenvolvimento coerente dos ecossistemas regionais e do meio urbano. Esse será o novo significado das cidades modernas, a recuperação da biodiversidade e dos ecossistemas deve tornar-se o centro da criação de modelos da dinâmica do sistema urbano no caminho da satisfação sustentável das necessidades humanas.
David Chan VozesAutomatização taxada [dropcap style≠‘circle’]R[/dropcap]ecentemente, o canal noticioso HKTVB difundiu uma notícia algo peculiar. É possível que futuramente o trabalho robotizado venha a ser taxado. Realmente a questão coloca-se; se os robots substituírem os trabalhadores quem vai pagar os impostos ao Governo? Por enquanto, esta pergunta continua sem resposta. Mas, é provável, que de futuro a utilização de robots venha a ser taxada. Este imposto servirá para contrabalançar os custos sociais derivados da automatização. Já que os robots não pagam impostos salariais, os seus proprietários deverão suportar uma taxa pela substituição de trabalhadores por andróides. O “Imposto de automatização” pode vir a ser uma nova fonte de rendimento para o Governo. A CNBC anunciou que numa entrevista recente à Quartz, Bill Gates, co-fundador da Microsoft, afirmou defender a aplicação de taxas sobre o uso de robots na produção. A afirmação de Bill Gates surgiu na sequência das declarações de Jane Kim, membro da Câmara de Supervisores de São Francisco. Jane Kim tinha-se declarado a favor da automatização. Mas esta evolução tem obviamente um senão; a dispensa do trabalho humano. Jane Kim prevê a multiplicação do trabalho robotizado e para tal criou o “Fundo para o Trabalho do Futuro”. As empresas deverão contribuir para este fundo, que se destina à reeducação dos trabalhadores. Será uma forma de suavizar a transição para o futuro e para a automatização que se adivinha. Kim afirmou que este fundo pode apoiar a formação de trabalhadores para funções difíceis de automatizar, como por exemplo tomar conta de crianças. Neste contexto, Bill Gates advoga que a criação de uma taxa sobre o trabalho robotizado obrigará os patrões a pagar a restruturação da força de trabalho, actualmente empregue em funções que estão a ficar obsoletas. Mas esta ideia foi objectada pelo Comissário da UE, Andrus Ansip, que defende a entrada da Europa na era digital. O Comissário adiantou que, a criação de uma taxa de automatização irá deixar a Europa para trás em termos competitivos. Para resumir, parece ser ridículo desincentivar o esforço de empresas que adoptam tecnologias de ponta na produção. O website “telegraph .co.uk” já tinha anunciado, em Agosto último, que a Coreia do Sul vai ser o primeiro país a implementar a taxa de automatização. A nova proposta de lei sul-coreana prevê a limitação dos incentivos fiscais para empresas com trabalho automatizado. Estas políticas pretendem compensar a perda do retorno contributivo decorrente da automatização. Na altura, era esperado que a lei entrasse em vigor no final deste ano. O trabalho automatizado tem consequências e pode criar mais desigualdade entre os seres humanos. Potencialmente gera mais desemprego porque, em certas funções menos especializadas, dispensa a acção do Homem. O fosso entre os rendimentos de quem tem uma especialização e de quem não tem, deve vir a aumentar exponencialmente devido à automatização da produção. É óbvio que a grande desigualdade de rendimentos será consequência do desemprego. A automatização reduz os custos de produção. O Homem não pode competir com a máquina. De momento, o uso de andróides na produção ainda está a dar os primeiros passos e alguns economistas propõem a criação de impostos sobre a aquisição destes equipamentos. Ao mesmo tempo o Governo terá de aumentar as taxas sobre os salários mais elevados. Estas políticas fiscais poderão reduzir a introdução de andróides nas cadeias de produção. Podem também vir a minimizar as diferenças entre aqueles que ganham mais e os que ganham menos. A automatização irá mudar para sempre a natureza do trabalho. Num futuro próximo, parte do trabalho de rotina será desempenhado por robots. Os empresários e os políticos devem unir esforços para suavizar esta transição. Mutos trabalhadores não especializados vão perder o emprego. De futuro, as pessoas devem preparar-se para posições que envolvam a tomada de decisões. É a melhor forma de evitar o desemprego.