David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDividendos em quarentena II [dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira passada, o Hongkong and Shanghai Banking Corporation efectuou uma reunião com os accionistas em Londres. Durante o encontro a direcção do HSBC declarou ter consciência de que a decisão de suspender o pagamento dos dividendos tinha desagradado aos accionistas. A direcção lamenta o sucedido e sublinha que, quando se ultrapassar o impacto da epidemia na economia, o pagamento dos dividendos será revisto. Nesse mesmo dia, a comunicação social fez saber que o HSBC tinha doado 60 milhões para, em conjunto com instituições de solidariedade social, apoiar idosos e comunidades afectadas pela pandemia. Foram doadas 65.000 embalagens com alimentos e 13.000 embalagens com equipamentos de protecção. Esta acção inclui formação na área de protecção civil, primeiros socorros, prevenção da epidemia, etc. Teve como alvo 43.000 pessoas carenciadas. Como é sabido, o HSBC está a seguir as directrizes do Governo britânico no sentido de acumular fundos suficientes que permitam suportar as consequências do surto epidémico, e por isso não está a pagar dividendos aos accionistas. Esta decisão dividiu a opinião pública. Há quem advogue que se o HSBC não vai pagar os dividendos, deveria ao menos pagar os bónus das acções, para que os investidores tivessem alguma compensação. A Shareholders Alliance (Aliança de Accionistas) espera conseguir juntar pelo menos 5% dos accionistas para pressionar o conselho administrativo a convocar uma reunião geral extraordinária. Esta reunião seria convocada ao abrigo da Lei Comercial de Hong Kong para discutir a questão do pagamento de dividendos. Outra acção prevê o envio de uma carta por cada accionista dirigida ao HSBC e à Comissão Reguladora para a Segurança Financeira de Hong Kong, exigindo a resolução do problema. É evidente, que irão surgir várias propostas no sentido de proceder legalmente contra o HSBC, mas a Lei Comercial de Hong Kong não obriga ao pagamento de dividendos, mesmo que a empresa tenha tido lucro no ano anterior, pelo que a probabilidade destas acções virem a ser bem sucedidas será baixa. Um membro do Conselho Legislativo de Hong Kong dirigiu-se por escrito ao Gabinete Financeiro e do Tesouro e à Comissão Reguladora para a Segurança Financeira solicitando uma intervenção junto do Governo britânico a fim de proteger os direitos dos accionistas minoritários. Depois de ter tomado em consideração todas estas manifestações de desagrado, o HSBC, para além de ter lamentado o sucedido e de prometer rever assim que possível o pagamento dos dividendos, está a conceder empréstimos especiais aos clientes afectados pela pandemia, e a implementar um plano para adiar o pagamento das hipotecas. Algumas destas medidas são muito benéficas para os clientes. Na situação que vivemos, os trabalhadores estão preocupados com o desemprego e os empregadores com a falência dos seus negócios, todos precisam do apoio dos bancos. No entanto, a situação dos accionistas é diferente. Estão obviamente desapontados com esta decisão. O HSBC distribuía dividendos quatro vezes por ano. Muitos investidores compraram acções do HSBC com a expectativa de receberem um rendimento fixo. Sobretudo em Hong Kong, muitos accionistas contavam com os dividendos do HSBC como um suplemento às suas reformas. Ao perderem este suplemento é natural que fiquem desagradados. As acções de solidariedade social do HSBC são meritórias, mas estas acções divergem dos objectivos dos accionistas. Os próprios accionistas têm objectivos pessoais diferentes. Para alguns, o mais importante são os dividendos, outros procuram negociar com as acções. Estes últimos querem comprar acções a preços baixos e vendê-las por valores mais elevados. O impacto das medidas de solidariedade do HSBC nos accionistas é bastante questionável. A maior parte dos accionistas aposta nos proventos que obtém com os dividendos, nesse sentido, as medidas de solidariedade são uma panaceia em troca do não pagamentos desses montantes. Claro que a forma mais eficaz de acabar com a insatisfação dos accionista era pagar-lhes os dividendos, mas essa decisão iria colocar o HSBC numa posição embaraçosa, pois implicava desobedecer às directrizes do Governo britânico. É evidente que os accionistas ficaram descontentes por não lhes terem sido pagos os dividendos habituais e o HSBC não pode tomar decisões contrárias às ordens que recebe do Governo. Só nos resta esperar que as novas políticas do HSBC possam reduzir o descontentamento dos accionistas. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão /Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
João Luz VozesLiberdade [dropcap]L[/dropcap]iberdade, a derradeira fronteira das almas irrequietas, dos poetas, dos líricos que perdem as estribeiras nas extremidades da vida. Liberdade, quimera que nunca se consegue conquistar totalmente, amante exigente, jamais saciada, triunfo que precisa de defesa permanente, impossível de vencer, romance para sempre inacabado. Ânsia, fome, desejo de um dia poder voar. Liberdade, eterno campo de batalha entre a autonomia e a servidão, punhal pronto para ser enterrado no flanco da injustiça e da iniquidade, pureza que atrai conluios nos espaços onde a subjugação cresce e a ganância conspira. Tão natural como o fluir de um rio sem barragens até à foz da felicidade, Tejo imenso que “corre, bem ou mal, sem edição original”. Parte integrante e essencial de tudo o que tem pulso. Fatal, inescapável, que vem sempre à tona, com a candura e a inocência de uma criança que agarra o diabo pelos colarinhos, sem se aperceber da besta que domina. Liberdade, irmã gémea da Responsabilidade, chave e fechadura, sal e pimenta que condimenta a existência. Agir livremente implica ser responsável pelos acções tomadas em Liberdade, legitima a escolha feita. Não é um preço que se paga, nem uma obrigação que castra os seres livres, mas uma qualidade do raciocínio, um privilégio daqueles que vivem a sério. Este determinismo primordial separa os homens dos bichos, confere humanidade por mais violenta que seja a nossa natureza. Não sou nenhum santo, longe disso. Assumo os meus namoriscos ardentes com a libertinagem, sem vergonha nem culpa de pecador arrependido. Tento guardá-la para mim, acomodá-la num cofre debochado, longe dos olhares alheios, não por receio de julgamentos moralistas, porque não reconheço autoridade a puritanos com segredos ocultos em infectos armários, mas por puro recato e privacidade. Gosto do sangue rápido, dos largos prazeres que só a Liberdade é capaz de albergar. Seria uma flor descolorida e murcha se plantada num canteiro absolutista, com os meus espinhos a cobiçarem a carne tenra dos tiranos, a morte desses faustosos césares inchados de usurpação. Botânica homicida a florir em chaga nos tecidos adiposos dos tiranetes. Putas que os pariram até à última geração. Nas minhas veias corre revolução, dinamite e estricnina. Nunca durmo, nunca descanso enquanto na penumbra crescer esse bolor do fascismo. As paredes da casa da Liberdade já estiveram mais brancas, mas também já foram tão negras que se confundiam com a morte. Se das minhas forças depender, não há justificação possível que me impeça de lutar pela Liberdade dos meus irmãos e irmãs. Jamais passará. É inconcebível o regresso da opressão, do cárcere, da barbárie da tortura e do homicídio de Estado para punir o delito de pensamento. Jamais um livro numa estante determinará a morte de alguém, jamais se perseguirá com a força do Estado quem pensa diferente, quem discorda, quem ama diferente, quem nasceu com outra tonalidade de pé. Jamais o povo será votado à indigência, escravo da esmola, “desbravando os caminhos do pão”. Enquanto tiver forças, não posso deixar um irmão perecer às mãos do prepotente carrasco, não posso permitir a relativização bacoca do palhaço que escarnece do que é mais sagrado em nós. Essa doença não pode voltar, terá de prevalecer a inoculação contra o fascismo, mesmo que disfarçado com um social por trás e um fingindo punho erguido. Um pássaro que ganhou a Liberdade, em momento algum desejará uma gaiola diferente, pois o céu é a sua morada natural. E quando os meus olhos se fecharem, sei que terei o diabo na mão e um sorriso nos lábios gretados, como qualquer bom filho de Grândola, terra que me honra todos os dias. 25 de Abril Sempre. Fascismo nunca mais!
Carlos Morais José VozesQue é estranho, é [dropcap]S[/dropcap]ou fumador e não creio que isso constitua motivo de orgulho. Mas, enquanto tal, deparo-me com uma situação muito esquisita nesta bendita cidade de Macau. É que certas marcas de cigarros, que existem à venda no aeroporto, no jet-foil, em Zhuhai e em Hong Kong deixaram de aparecer nos pontos de venda de tabaco em Macau. É o caso do Davidoff e do Cartier, por exemplo. E a coisa não é nova, não tem a ver com a pandemia. É algo que acontece há anos. Nunca escrevi sobre o caso porque, como se compreende, é um assunto que diz respeito aos fumadores e pouco mais. Ora este pouco mais devia ser investigado pelos Serviços de Economia porque isto não é normal e levanta suspeitas e, eventualmente, teorias da conspiração. Por exemplo: Será que as marcas referidas não são passíveis de falsificação e tudo o que fumamos em Macau é falsificado? Será que alguém não estava a ganhar dinheiro suficiente com as ditas marcas e resolveu retirá-las do mercado? Será que só nos dão para fumar tabaco falsificado? É estranha esta situação e gostaria de encontrar uma explicação. Agradecia que as autoridades competentes fiscalizassem mais e descansassem quem tão altos impostos paga por um vício socialmente adquirido e, noutros tempos, até promovido. Que é estranho, é.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesSer ou não ser um homem de Estado [dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo Ho Iat Seng deu uma conferência de imprensa sobre os conteúdos das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2020. Quando interrogado sobre a forma de restaurar a confiança em Macau durante a pandemia, afirmou que não é um homem de estado, mas apenas o Chefe do Executivo de Macau, e adiantou que existem muitos homens de estado altamente respeitados em todo o mundo, e que até agora nenhum deles foi capaz de delinear com clareza um plano para restaurar a normalidade nos seus respectivos países. De acordo com o Capítulo IV sobre “Estrutura Política” da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, “O Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau é o dirigente máximo da Região Administrativa Especial de Macau e representa a Região…. o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável, nos termos desta Lei, perante o Governo Popular Central e a Região Administrativa Especial de Macau”. Mas que tipo de pessoa não é adequada para este cargo? Hoje em dia existem muitos políticos por esse mundo fora que são defensores do populismo e do nacionalismo, movimentos esses que, de alguma forma, são responsáveis pela situação caótica que vivemos. Os verdadeiros homens de estado, são uma espécie em vias de extinção, porque na verdade muitos deles foram perseguidos ou assassinados antes de chegarem ao poder. Na minha opinião, o Presidente dos Estados Unidos George Washington, Giuseppe Garibaldi de Itália, Gandhi da Índia e Sun Yat-sen da China podem ser considerados verdadeiros homens de estado. O critério que uso para assim os julgar assenta numa actuação política virada para o bem comum e não para a obtenção de quaisquer ganhos pessoais. O cargo de Chefe do Executivo não tem de ser entregue a um homem de estado. O poder de escolha do Chefe do Executivo está na mão dos eleitores, e as consequências dessa decisão recaem sobre a população em geral. Do meu ponto de vista, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, parece ser uma funcionária admnistrativa sénior que executa fielmente as ordens recebidas dos seus superiores, enquanto Ho Iat Seng se apresenta como um empresário, altamente influenciado pelos ambientes a que foi exposto durante a sua formação. Após ter feito a apresentação das “Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2020” na Assembleia Legislativa e respondido às questões colocadas pelos jornalistas e pelos deputados, o lado empresarial de Ho Iat Seng saltou à vista. É possível que ele venha a administrar Macau como administraria uma empresa, e não há dúvida que teve um bom desempenho no combate à epidemia. Provavelmente esta característica não será má para Macau, que deseja sempre estabilidade absoluta. Durante a sessão de perguntas e resposta sobre as “Linhas de Acção Governativa”, ficou claro que a reforma da estrutura política da RAEM não está para breve e que nem sequer se consegue divisar a data da sua concretização. Os residentes estão mais preocupados com os problemas de habitação, mas para evitar uma equitatividade negativa, os preços elevados não vão desaparecer a curto prazo. A recuperação da economia local depende inteiramente da China, da reactivação da política de “Vistos Individuais” e da submissão da Direcção dos Serviços de Turismo à jurisdição do Secretário para a Economia e Finanças. Estes indicadores serão sinais explícitos da necessidade de reactivação económica. Embora Ho Iat Seng não seja um homem de estado, tem de cumprir algumas obrigações políticas como Chefe do Executivo. A primeira será assegurar que Macau nunca representará uma ameaça à segurança nacional. Nessa sequência, uma série de regulamentos que sustentam a “Lei relativa à defesa da segurança do Estado” serão progressivamente introduzidos. A monitorização geral do “Sistema de Videovigilância em Espaços Públicos” (vulgarmente conhecido por Sistema “Olhos no Céu”) e a monitorização de redes terão de ser gradualmente aperfeiçoadas, para que as forças de segurança identifiquem imediatamente quem pode ter a “oportunidade” de pôr em risco a segurança nacional. Sobre o desenvolvimento de um relacionamento mais próximo entre Macau e a Zona de Hengqin, previsto no plano da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, Ho Iat Seng manifestou publicamente, durante a eleição para Chefe do Executivo, um grande empenho na sua implementação. No entanto, temo que o verdadeiro plano de quem está no poder será fundir Macau e Hengqin numa zona única durante os próximos 30 anos. As “Linhas de Acção Governativa” também revelam o plano para a construção de “uma base de ensino do Amor à Pátria e a Macau” que incluem acções como exposições, formação, mostra de multimédia e de audio-visuais. Contempla ainda trabalho conjunto com o Ministério de Estado para a Educação, para dar início ao “Plano de Formação de Docentes de Excelência”. Este plano também envolve o Ministério da Educação da China e destina-se a preparar, nos próximos dez anos, mil elementos do pessoal docente dotado de conceitos educativos e técnicas pedagógicas avançados, cujos destinatários do primeiro ano serão os docentes do ensino infantil e da disciplina de História. E porque estará a ser dada prioridade aos “docentes do ensino infantil e da disciplina de História”? Provavelmente só um homem de estado pode responder a esta pergunta.
Pedro Arede VozesDiscurso duplo [dropcap]D[/dropcap]urante a conferência de imprensa que se seguiu à apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG), Ho Iat Seng parece ter assumido posturas diferentes consoante os temas levantados. Por um lado, ouvimos a voz do Ho pragmático, decidido, disponível “a fazer o que é preciso a cada momento”, afastando preocupações formais e de coerência com mandatos passados para resolver os problemas imediatos colocados pela crise gerada pelo novo coronavírus. Por outro, ficou a sensação de ouvir a voz do Ho executante, obrigado a pôr um travão à sua própria iniciativa. O segundo Ho apareceu pelo menos em duas ocasiões. A primeira, quando a propósito da forma de devolver a confiança a Macau para sair da crise, disse: “não sou um político, sou apenas o Chefe do Executivo de Macau”. A segunda, quando questionado sobre que medidas concretas iriam ser postas em prática para garantir a segurança interna do território. Ho Iat Seng afirmou que “temos primeiro que ter um país, para depois ter uma família” e que apesar de “Macau não se encontrar em risco” tem de participar na tarefa contínua de “salvaguardar a segurança nacional”. Mas, na prática, em que é que isso se traduz? Seria bom ouvir o primeiro Ho, que até agora tem sido ponderado e perspicaz na forma como tem lidado com a crise que lhe caiu no colo meses depois de assumir a liderança do Governo.
João Romão VozesPós-covid? [dropcap]A[/dropcap] passagem do tempo sobre a presença do vírus que ataca a Humanidade não tem ajudado a antever um horizonte de futuro: antes pelo contrário, acrescentam-se dúvidas às incertezas já conhecidas: sabe-se pouco ou nada sobre como lidar com o problema, vai-se aprendendo o possível com a experiência vivida, ou não, e navega-se com pouca vista sobre um horizonte turvo e indefinido. Já houve outros vírus, é certo, mas aparentemente nunca tão resistentes à intervenção humana, tão persistentes nos seus impactos sobre as pessoas, tão dissimulados na forma lenta como ocupam os organismos e preparam um ataque massivo e inesperado. Não sabemos como eliminar este inimigo nem por quanto tempo teremos que viver escondidos, em inevitável protecção individual e colectiva. Este exercício colectivo de auto-protecção pode trazer à superfície o melhor de nós, a preocupação com as outras pessoas, a prioridade à comunidade sobre o individualismo, a percepção de que não há estrangeiros e de que estamos todos a viver no mesmo mundo, a importância da fraternidade e da solidariedade sobre a competição desenfreada que foi ocupando o quotidiano das sociedades contemporâneas, um olhar sobre a economia preocupado com necessidades efectivas e não com a ganância da acumulação, ou o valor da amizade e das relações pessoais: uma certa reavaliação do que andamos aqui a fazer e do que realmente importa para vivermos bem, sermos felizes, seja lá isso o que for, e encontrarmos uma certa harmonia com os limites do planeta e dos seus recursos. Foi com esta generosidade que se cantou ou se aplaudiu à varanda e à janela, para dizer que estamos juntos, que é grande a esperança num futuro melhor, que não queremos voltar ao normal: queremos melhor. Hoje canta-se e aplaude-se menos, no entanto. A rotina cansa. Estar em casa tanto tempo cansa. Não se ter ideia de quanto tempo falta cansa ainda mais. Há uma incerteza profunda sobre o presente, sobre a solução possível para este extraordinário problema, e uma incerteza ainda maior sobre o futuro. Quando tempo falta? Enquanto durar, vai haver médicos e hospitais? Vai haver comida? Vai haver salários para comprar a comida e para pagar as casas onde se tem que ficar? Vai haver ainda empresas quando passar tempestade? Vai o Estado poder suportar todos os custos que já se conhecem e os outros, porventura muitíssimo maiores, que estão para vir? Essa incerteza cada vez mais prolongada corrói a esperança, já se sabe: alimenta a desconfiança, recupera o individualismo, apela ao egoísmo, corrói o espírito de comunidade, desperta o pequeno ou o grande fascista mais ou menos adormecido em tantos corações. Em vez de vozes fraternas e sentimentos de esperança, vemos dedos acusatórios apontados, “polícias de varanda”, novos bufos e delatores ávidos de notícias, de preferência falsas, que legitimem o discurso da violência sobre os outros, do ódio sobre a diferença, do autoritarismo sobre a democracia. Eles andam aí e esta reclusão colectiva e prolongada também serve para se mostrarem, com poucos pudores, auto-legitimados que se sentem pela magnífica missão que escolheram desempenhar, a de vigilantes e delatores de inimigos inventados à medida. Outras razões conduzem à falsa de esperança, certamente, que os impactos desta crise social e económica são extremamente assimétricos. Talvez esteja mais protegido quem trabalhe para o Estado, mesmo que não se vislumbre grande luz ao fundo deste túnel e não se perceba muito bem qual é o limite desse suporte pelas finanças públicas. Menos protegidos estarão os trabalhadores de empresas privadas com contratos permanentes, sobre os quais as ditas empresas têm alguma responsabilidade, certamente mais limitada que a do estado pelas contingências dos ciclos económicos. Haverá grandes empresas que acumularam o suficiente para aguentar este e outros rombos sem problemas de maior e que, ainda assim, estendem a mão ao Estado, salvador afinal, importante afinal, essencial afinal. Mas também há as pequenas e médias empresas que genuinamente não têm como assegurar o pagamento de salários depois de um, dois, três meses, sem produzir. Quantos meses vão ser, afinal? Depois vai-se descendo na escala da vulnerabilidade: os trabalhadores temporários, os independentes, todos os que vivem de actividades artísticas ou das funções técnicas inerentes, todos os que desempenham tarefas essenciais e regulares em processos produtivos mas sobrevivem na chantagem da informalidade. Todos os desempregados sem horizonte para procurar emprego. Todos os sem-abrigo que não têm casa onde se recolher. Todos os habitantes de casas precárias sobrelotadas na periferia de grandes cidades. Todos os refugiados que fugiram da guerra e foram depositados em campos de concentração às portas da Europa. Toda a gente que em África, na América Latina ou no Sudoeste Asiático, para quem a normalidade do quotidiano já se fazia de carências habitacionais, alimentares, económicas ou de cuidados de saúde. Sabe-se muito pouco sobre se, quando e como sairemos todos desta inusitada experiência. Talvez possamos contar uns com os outros para sair como uma comunidade reforçada e solidária e não como pessoas gananciosas à procura de recuperar à força qualquer coisa tida como perdida, seja lá o que for. Talvez. Vivo por estes dias uma experiência que esperava ser de “pós-covid”. Estava enganado e afinal não é o caso. Desde que apareceram os primeiros casos no Japão, em finais de Janeiro, vivi durante dois meses na região de Hokkaido, a que teve durante muito tempo o maior número de casos no país (foi entretanto ultrapassada por Tóquio). Nunca houve confinamentos obrigatórios, mas houve uma severa retração recomendada e generalizadamente aceite, em que só se saía para o essencial. Estive quase sem sair de casa durante um mês e meio. Entretanto mudei para outra região, no sul, onde até agora se registaram apenas 3 casos, todos eles já recuperados. Viajei num avião quase vazio, passando por aeroportos quase vazios. Encontrei uma cidade quase sem casos (só teve 1, para mais de um milhão de habitantes) mas ainda assim muito previdente, com poucas pessoas nas ruas, muitas máscaras, visível contenção na aproximação, ainda mais do que é habitual na cultura japonesa, já de si muito parcimoniosa no contacto físico. Não sei se se justifica, mas vive-se essa incerteza, de só se saber que o assunto não está afinal resolvido. Não é bom viver com medo.
Carlos Morais José Manchete VozesNão há alternativa! [dropcap]H[/dropcap]á 46 anos o povo português descobriu o significado de uma palavra, de uma ideia, de um conceito que, em toda a sua glória, constituiu o principal contributo de uma revolução: Liberdade. Como palavra, é algo ainda confuso, escondido atrás de outras palavras, pouco rigorosa, sujeita a numerosas interpretações. Como ideia, algo ainda perigoso porque sujeita a abusos, deturpações e mesmo apropriações por parte de quem antes exercia o poder e a odiava, embora nenhum pejo tivesse em dela se servir, principalmente para a destruir, anular ou, mais prosaicamente, colocar ao seu serviço. Como conceito, já a coisa pia mais fino, porque conceptualizar implica definir, isto é, traçar os limites. E, neste caso, traçar limites significa, tal como a regra de ouro, compreender que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro. Ora se isto não é, para alguns, fácil de entender, mais ainda se revela difícil de praticar. Não passa, obviamente, pelo exercício da liberdade acabar com ela. Só que este óbvio hoje não é tão óbvio quanto isso. Desde os anos 80 que a liberdade, dos mercados por exemplo, se transformou em libertinagem ao serviço do capitalismo financeiro que usou e abusou a seu bel-prazer da falta de regulação e, nesse movimento, provocou crises atrás de crises, nas quais os grandes prejudicados são sempre os que constituem a grande massa que paga impostos, a saber, os mais pobres. As bolsas, os bancos com os seus criminosos produtos financeiros, com as suas jogadas de bastidores, quase sempre com o beneplácito dos políticos (como foi no caso do vergonhoso Tratado de Lisboa), transformaram o processo de construção de uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais democrática, num sonho que hoje nos parece inalcançável. O mercado rex devorou e devora este e outros sonhos, entre os quais o da basilar dignidade humana. Assistimos, até neste momento de crise sanitária, à erupção de vozes que advogam o sacrifício da vida em nome da economia para alguns, insistindo na necessidade do crescimento imparável (não do desenvolvimento harmonioso) como se tal fosse fundamental e incontornável. Por esse crescimento somos capazes de sacrificar vidas humanas, o planeta e, no limite, a própria sobrevivência da espécie. A libertinagem económica tem simplesmente a ver com a liberdade do mais forte devorar o mais fraco, desumanizá-lo, fazer o indivíduo sujeito do lucro, roubando-lhe assim a possibilidade de uma vida realmente livre, em que cada um à partida teria as mesmas possibilidades de ascensão social. A meritocracia esfumou-se no seio da espertalhice, da sacanagem institucionalizada como se fosse assim e assim não pudesse deixar de ser. É o que foi crismado em TINA (there is no alternative), fundamentado pelas teorias dos Fukuyama de má memória e dos boys de Chicago, apoiantes de ditaduras onde o mercado só para alguns floresce, empestando o mundo com o seu fedor de plantas pútridas. Assim, aos poucos, assistimos ao murchar das democracias, à sua irrelevância política, à constatação de que este género de capitalismo pode perfeitamente sobreviver e progredir sem elas ou apesar delas. 46 anos depois do 25 de Abril não haverá grande motivação para festejar, sim para resistir. Mas como? Como suster a vaga de fundo que um pouco por todo o lado se levanta e nos faz ver e prever um caminho sinistro, que os tolos se apressam a palmilhar e aplaudir, sem pensar duas vezes, sem leituras da História ou uma reflexão sóbria sobre os interesses que sem pudor se levantam para nos fazer regressar a valores do passado, desta vez alimentados por uma tecnologia que não controlamos e que, pelo contrário, cada vez mais controla todos os aspectos da nossa existência. Alguns, enojados com o espectáculo do mundo, prescrevem o distanciamento, o isolamento, num movimento comparável aos ditames dos homens que viveram a decadência do império romano. Se não os podes combater, afasta-te deles; vive a tua vida com os que te são queridos, alheia-te do mundo e das coisas, do consumismo desenfreado, numa busca desesperada pela simplicidade. Este poderá ser um caminho mas que antevejo difícil de realizar. Outros, de máscara, refugiados no anonimato, propõem-nos a revelação da verdade ou das verdades. Mas, num mundo intoxicado de informação, assente na libertinagem da opinião, é difícil distinguir onde pára realmente essa verdade e o combate acaba por se transformar em mais ruído, até porque é cada vez mais complicado e raro existirem instituições capazes de fazer valer a justiça e a equidade. Ou seja, o sistema está construído de modo a tudo absorver, incluindo a mentira descarada por parte daqueles que era suposto serem um esteio de veracidade. 46 anos depois da emergência do sonho, damos por nós às portas de um pesadelo. Mas é por isso mesmo que importa recordar Abril, de onde vínhamos e para onde queríamos ir. Importa não desistir. Importa resistir. Importa, apesar de tudo e contra todos, manter o sonho vivo. Sabemo-lo frágil. Sabemo-lo improvável. No limite, não importa perder a batalha, ser destruído nesta guerra. Importa saber que, apesar de prescindir de aparentes recompensas, só interessa a vida que se desenrola mais além do lucro, dos interesses mesquinhos e do exercício egoísta da maldade. Importa perceber e fazer perceber que o destino do outro ser humano está intimamente ligado ao meu. Que o século XXI será solidário. Ou não será. 25 DE ABRIL SEMPRE! Até porque não há alternativa.
João Luz VozesReacção à reacção [dropcap]E[/dropcap]sta coluna é hoje a celebração da liberdade de pensamento e da convivência com o contraditório, algo só possível quando o espírito democrático prevalece. O tópico é a controvérsia facebookiana, que extravasou para a política portuguesa, sobre a celebração do 25 de Abril na Assembleia da República (AR). A própria polémica justifica a necessidade permanente de assinalar o dia. Não vou comentar as teorias dos poleiros, não só eles já existiam antes (e em abundância e magnitude típicas do corporativismo familiar fascista), como não foram consequência da revolução. Sem correlação, quanto mais casualidade. A oposição às celebrações não tem justificações de saúde pública. Além da sessão se circunscrever ao hemiciclo, respeitando as directrizes da DGS, sem manifestações públicas de massas, nunca antes estas vozes se levantaram para criticar o mau exemplo que a AR tem dado ao manter o funcionamento. Só agora é uma selectiva questão de saúde pública, que procura uma excepção ao que tem acontecido, perante o silêncio de todos. A polémica tresanda a político e não é coincidência que venha de quem desdenha do 25 de Abril, nem é mero acaso que quem apoia a abertura de excepção não esconda o saudosismo à ditadura. Abel Matos Santos demitiu-se da direcção do CDS depois de virem a lume declarações suas de amor a Salazar e à PIDE. O problema é que o seu pensamento era conhecido dentro do partido, como foi admitido, e ainda assim não só permaneceu no CDS como integrou a direcção. Sobre o Chega, não preciso mencionar os neonazis que recheiam os quadros sociais do projecto de André Ventura. Este é o tipo de pessoas que elenca razões de saúde pública para cancelar as celebrações de um dia que desprezam. Topam-se à distância.
João Santos Filipe VozesClasse Abrileira [dropcap]V[/dropcap]em aí o 25 de Abril e estou a adorar porque em tempo de covid-19 estamos assistir à fibra da classe “abrileira”, para quem o novo regime foi uma oportunidade de se colar ao poder e aos benefícios dos negócios do Estado. Porém, nesta fase esperava-se que houvesse o bom-senso dos deputados darem o exemplo às pessoas que estão em casa a fazer um sacrifico diário pela saúde pública. Os funerais dos nossos familiares, abandonados pela falta de medidas de prevenção, foram altamente limitados e não se vão repetir. Não vai haver outra oportunidade para dizer adeus na hora da morte. Houve muitos amigos que não se puderam despedir de quem partiu porque não eram “família”. Por isso, a decência exigia que os deputados abdicassem da celebração oficial para dar o exemplo, para mostrarem que os sacrifícios são mesmo para todos. O 25 de Abril evoluiu para a celebração da liberdade das pessoas, está intimamente ligado aos portugueses e vai ser celebrado mesmo dentro das quatro paredes. Por isso não faz sentido que uma classe arrogante se coloque acima das pessoas que servem. No entanto, para esta classe abrileira, ser deputado não é um serviço, é um privilégio. Eles não gostam do 25 de Abril pela liberdade. Gostam porque comeram o que nunca comeriam no tempo do Estado Novo. Se tivessem comido no tempo do Estado Novo muitos deles nem seriam “democratas”. Não é “tou-me cagando para o segredo da Justiça”? 25 de Abril Sempre… ou quando der jeito. E de preferência o mais afastados possível da população.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesLiteratura erótica de quarentena [dropcap]E[/dropcap]screver histórias eróticas é o que está a dar nesta pandemia. Numa procura na secção erótica, de um site popular de ebooks, usando covid-19 como termo de busca, já existem 44 resultados. Em pouco menos de três meses já houve quem se sentasse, fantasiasse e escrevesse sobre como é que esta pandemia poderia criar cenários apropriados para o sexo. Quem disse que a pandemia não seria produtiva? Há quem já tenha começado colecções de livros eróticos da pandemia, só para perceberem como o negócio deve ser prolífero – ou simplesmente muito satisfatório. Claro que há erótica para todos os gostos, desde a amor incestuoso entre meios irmãos que estão presos em casa, até BDSM mais forte ou leve, heterossexual e homossexual e o covid69 – vocês apanham a ideia. Tudo contextualizado nesta contemporaneidade que ainda temos dificuldade em entender. O que me leva a uma peça fabulosa da literatura erótica que é objecto de um podcast de comédia. A literatura erótica a ser um adereço de comédia não deve ser o objectivo de nenhum escritor erótico. Mas no sexo, e na escrita, para os corpos e a forma como os entendemos, as palavras importam. Irei elaborar sobre isto mais à frente. Este podcast, my dad wrote a porno, tem sido o meu companheiro de pandemia para me introduzir à literatura erótica – e aos meandros do sexo cómico. O título diz tudo: um filho descobre que o pai, na sua velhice, decide escrever sobre sexo (sobre as suas fantasias?). O filho, com mais ou menos vergonha, decide ler um capítulo por cada episódio e comentá-lo com os amigos. Et voilá. Um êxito estrondoso no Reino Unido, e em muitos outros lugares por ouvintes que gostam de ouvir em inglês. Um fenómeno cultural, dizem os comentários. O enredo que sai do Rocky Flintstone, o pseudónimo para o criador desta colecção de livros eróticos, são fabulosos. Desde mamas que são comparadas com romãs, a algemas de plástico vermelhas (que se calhar não cumpririam o seu propósito?), a um pénis, que é tão pequeno que se perde na penugem púbica de quem o pertence. Tudo acontece à heroína desta trama, uma tal de Belinda que é a directora de vendas de uma empresa de panelas e frigideiras, e onde o sexo faz parte do dia-a-dia laboral. Claro que um olhar mais crítico iria horrorizar-se pela objectificação feminina e pela tendência por interacções lésbicas sem explicação prévia. Já a descrição da entrevista de trabalho, é um cenário de exposição absurda, em que a entrevistada tem que se despir totalmente e… abrir as tampas vaginais (em inglês soa melhor, mas juro que é assim que é descrito) como se de uma inspeção ginecológica se tratasse. Com toda a seriedade do sexo, esta possibilidade de rirmos dele, e destas descrições que poderiam ser melhor conseguidas, cria a possibilidade de o reinventar. Claro que o sexo é passível do gozo, muitas vezes bastante violento e de consequências nefastas, mas há qualquer coisa de maravilhoso quando este gozo não faz mal a ninguém. Quando o sexo não precisa de ser uma referência de seriedade e pode ser gozado de tantas outras formas, como a rebolar da cama, no chão, nos lugares estranhos que se quiserem. E ele pode existir nas palavras, neste exercício literário, entre o escritor, o leitor e até o ouvinte. O imaginário erótico, ainda assim, sobrevive nesta pandemia. Nem precisa de muito enredo, só mesmo de muito sexo.
Hoje Macau VozesIntervenção dos EUA em Hong Kong mostram necessidade de lei de segurança nacional [dropcap]O[/dropcap] Programa Fulbright – um programa internacional de intercâmbio educacional do Departamento de Estado dos EUA na Região Administrativa Especial de Hong Kong da China (HKSAR) – tornou-se uma plataforma fundamental para treinar estudantes como parte das forças anti-China enquanto intervém na educação local e manipula importantes cursos do ensino superior, num reflexo das “mãos negras” dos EUA por trás do caos na cidade. Por isso, a aprovação da lei de segurança nacional é altamente necessária, disseram analistas. Já em 2012, quando Hong Kong conduziu 334 reformas curriculares, o Consulado dos EUA enviou 25 académicos da Fulbright em nome da assistência à reforma na cidade, aconselhando e ajudando a elaborar um currículo de estudos liberais e treino relevante, que se tornou numa das principais maneiras de manipular cursos fundamentais do ensino superior em Hong Kong, informou o portal de notícias local wenweipo.com na passada quinta-feira. Embora o Programa Fulbright tenha sido originalmente projectado para ser uma plataforma de intercâmbio académico entre o continente chinês, os EUA e as RAEs de Hong Kong e Macau, desde que os EUA consideraram a China como o seu adversário número um, a plataforma de intercâmbio EUA-Hong Kong, que foi estabelecida e operar na região por muitos anos, transformou-se agora numa ferramenta anti-China, refere a notícia. Estudantes das escolas de Hong Kong foram os principais grupos em protestos contra a proposta de lei da extradição, desde Junho de 2019, que se transformaram em tumultos nas ruas e que duraram meses, arrastando o outrora próspero centro financeiro asiático para a estagnação a longo prazo. Os manifestantes, vestidos de preto, chegaram a transformar algumas universidades de Hong Kong em zonas de guerra em Novembro, forçando centenas de estudantes a fugir das universidades, como a Universidade Chinesa de Hong Kong e a Universidade da Cidade de Hong Kong, após confrontos entre activistas e polícias no campus. Wong Kam-leung, presidente da Federação dos Trabalhadores da Educação de Hong Kong, disse ao Global Times na passada sexta-feira que, desde o retorno de Hong Kong à China em 1997, a interferência estrangeira nos assuntos de Hong Kong tem sido visível e o ensino superior foi profundamente afectado. Wong observou que, durante o movimento Occupy Central em 2014, estudantes universitários realizaram protestos sob o incentivo de Benny Tai Yiu-ting, que agora ensina Direito na Universidade de Hong Kong. Tai foi acusado de receber fundos directamente do governo dos EUA e participou em fóruns e actividades organizadas pela National Endowment for Democracy e pelo National Democratic Institute. Tai também compilou e reviu livros didáticos de educação geral. “Os jovens de Hong Kong podem ser facilmente influenciados pelas forças locais, enquanto fundos e apoio estrangeiros estão por trás dessas mesmas forças”, disse Wong. O Hong Kong-American Center, liderado pelo Consulado dos EUA em Hong Kong, implementou lavagens cerebrais aos estudantes, enquanto académicos participavam do planeamento dos estudos liberais de Hong Kong e desfrutavam de altos salários e acomodações gratuitas, referiu o wenweipo.com, observando que de 2006 a 2012, 25 bolseiros do programa Fulbright ajudaram a financiar o programa de estudos liberais. Todo o projecto de educação geral, planeado por Washington, recebeu uma doação de HK$96 milhões, e três bolseiros foram designados para cada universidade, de acordo com o relatório, indicando que esses bolseiros são responsáveis pelo ensino geral de oito universidades de Hong Kong, e trabalham em estreita colaboração com académicos locais em vários campos, como a estruturação de currículos, eficácia de programas de planeamento geral e métodos de avaliação, influenciando a educação local com as ideias americanas. Embora as forças externas tenham utilizado a liberdade existente em Hong Kong para conceber muitos protestos antigovernamentais, para anarquizar Hong Kong e materializar a cidade como base para desestabilizar o governo central, mais pedidos para apoiar a lei de segurança nacional emergiram, pois a região administrativa especial precisa melhorar o sistema legal de salvaguarda da segurança nacional. “Hong Kong não pode ser um lugar que representa um perigo latente para a segurança nacional. A educação sobre segurança nacional é necessária e a promulgação do artigo 23 é de grande urgência”, disse Wong.
Andreia Sofia Silva VozesIronias do destino [dropcap]U[/dropcap]m olhar sobre os primeiros relatórios das Linhas de Acção Governativa apresentados por Edmund Ho e Chui Sai On, os dois primeiros Chefes do Executivo da RAEM, permitiu-me concluir que Edmund Ho e Ho Iat Seng partilham da necessidade de enfrentar duros desafios, ainda que com dimensões diferentes, enquanto que Chui Sai On foi um líder de manutenção. O jogo estava liberalizado, a economia crescia por si. Cabia-lhe construir mais habitação pública e uma melhor rede de transportes e a sociedade ficaria plenamente satisfeita, mas isso não aconteceu. Quando tomou posse, Edmund Ho teve de lidar com o processo de liberalização do jogo, um dossier difícil, e resolver o problema do desemprego e da insegurança. Por ironia do destino, ainda que a um outro nível, Ho Iat Seng também enfrenta o perigo de aumento da taxa de desemprego devido à pandemia da covid-19. A economia quase parou, não há turistas, as receitas brutas dos casinos caem a pique. Nunca Macau esteve assim. Edmund Ho inaugurou uma nova era, e acredito que Ho Iat Seng também o fará. A crise gerada pela covid-19 assim o obriga. É necessário rapidez de pensamento, estrutura política e, acima de tudo, coragem para fazer diferente. Mesmo que seja necessário ir contra os interesses instituídos.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesFalhas de segurança [dropcap]A[/dropcap] semana passada um deputado da Assembleia Legislativa chamou a atenção para as falhas de segurança de um software amplamente usado no ensino online. Na sequência da sua intervenção, sugeriu que o Governo da RAEM e as empresas de telecomunicações deveriam cooperar para estabelecer um sistema de vídeoconferências adaptado a Macau. Devido ao aparecimento de novos casos de infecção de Covid-19, o prazo para a reabertura das escolas primárias e secundárias foi outra vez adiado. No momento em que escrevo este artigo a nova data ainda não tinha sido estabelecida. Guiadas pelo princípio “parar as aulas mas não parar o ensimo”, as escolas adoptaram diferentes métodos para continuarem a formação dos seus alunos, sendo que o mais usado foi o ensino online, através de vídeo conferências. A vídeo conferência resulta melhor do que outra opções online, porque permite uma comunicação bilateral e reproduz melhor o ambiente da sala de aulas. O professor explica a matéria e os estudantes podem vê-lo e escutá-lo, mas também podem interevir e colocar as suas dúvidas. Algumas aplicações também permitem que os professores entreguem aos alunos testes em tempo real, bem como que os alunos os possam entregar aos professores depois de preenchidos. Infelizmente, no software M, provavelmente o mais usado no ensino online, foram detectadas vulnerabilidades de segurança, o que levou muitas escolas a manifestarem a sua preocupação. Este software já foi utilizado noutros países e há relatos do aparecimento de uma pessoa não identificada durante as aulas, que começou a dizer coisas disparatadas e, inclusivamente, chegou a mencionar o endereço de casa do professor. Certos hackers invadem a sala de aulas online, exibindo tatuagens nazis, e também pirateiam dados dos utilizadores do M, como endereços de email e passwords, que depois vendem noutros websites. Na internet são designados por “bombas”. A empresa que desenvolveu o software de vídeo conferências M declarou publicamente que, embora exista um sistema de encriptação entre os utilizadores e o servidor, essa encriptação não impede que os utilizadores do serviço possam ter acesso às sessões dos outros utilizadores; esta situação ocorre porque não existe encriptação para cada uma das sessões. Esta vulnerabilidade criou falhas de segurança que levaram alguns governos a desactivar o software M. Todos os softwares de vídeo conferência são vulneráveis. O facto de ter de se recorrer a esta tecnologia para efectuar o ensino online implica abrir a porta à vulberabilidade. Não é um problema exclusivo deste software. Face a esta situação, deveremos manter o ensino online? Macau implementou este método de ensino desde o início da epidemia. Para este fim a tecnologia de vídeo conferência revelou-se a mais eficaz. Não havendo de momento nenhuma previsão sobre o fim deste epidemia, e portanto sobre a data da reabertura das escolas, na ausência de métodos alternativos, o ensino online tem de continuar, ou seja, teremos de continuar a ter de lidar com as falhas de segurança decorrentes deste método. Solucionar estas brechas de segurança não está nas mãos do cidadão comum. É um assunto que terá de ser resolvido por peritos. No entanto, os estudantes devem proteger cuidadosamente os seus logins e as passwords e não passar esta informação a outras pessoas. Os professores devem desenvolver um método para lidar com os hackers durante as aulas; por exemplo, se um deles acede a uma aula online, a aula deve terminar imediatamente. Desde que os estudantes tenham sido informados com antecedência desta possibilidade não haverá margem para confusões. A melhor forma de lidar com estas brechas de segurança é usar softwares de vídeo conferência com a tecnologia mais segura. Mas claro que é mais fácil produzir esta afirmação do que levá-la à prática. Que método devemos seguir? Quais terão de ser os critérios? O Comissariado de Privacidade de Hong Kong tem desde sempre recomendado aos utilizadores a adopção dos conceitos de “privacidade estrutural” e de “privacidade por defeito”. A Comissão de Protecção de Dados Pessoais de Singapura e o Comissariado de Privacidade editaram em conjunto o “Guia para a Estruturação da Protecção de Dados nas TIC”, exortando as instituições a incluirem a protecção de dados na construção da informação e nos sistemas tecnológicos de comunicação desde o início. Para atingir o objectivo de proteger a privacidade dos utilizadores, estes conselhos ajudam os consumidores a identificar as melhores formas de o fazer. As brechas de seguranças criadas pelos “bombas” de que falámos é considerada crime e está regulamentada pela Lei de Combate à Criminalidade Informática de Macau. Embora exista legislação específica nesta matéria, a internet é um mundo sem fronteiras. Se os infractores estiverem sediados fora de Macau, será muito difícil trazê-los para enfrentarem a justiça. Mas, mesmo antes que isso pudesse acontecer, seria necessário levar a cabo uma investigação e obter provas incriminatórias. Por isso, em vez de enveredar por intermináveis processos legais, o melhor é adoptar mais e melhores medidas preventivas, que são mais rápidas, mais eficazes e mais práticas. Para adoptar um software de vídeo conferência seguro é preciso estabelecer padrões de segurança. Os conselhos e directrizes de Hong Kong e de Singapura são boas referências. Com base nestes conselhos, podemos construir um sistema e um software de vídeo conferência seguros. O nosso próprio sistema pode ser usado pelo Governo de Macau e pelas nossas escolas. Pode promover serviços governamentais online, Ensino online e fazer com que os nossos cidadãos passem a funcionar mais desta forma. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Salomé Fernandes VozesCaça às bruxas [dropcap]A[/dropcap] força da natureza deu ao Governo de Hong Kong um período de interregno dos protestos que devia ter sido aproveitado para repensar como gerir o descontentamento político na região. O novo tipo de coronavírus conseguiu o que nenhuma outra medida ao longo de meses atingiu: fechar as pessoas em casa e motivar saídas à rua com uma distância de segurança. Mas ainda que a saúde pública seja o tema dominante da actualidade, a detenção de mais de uma dúzia de activistas do movimento pró-democrático por parte da polícia de Hong Kong dificilmente vai passar em branco. Tanto que já foi condenada pelos EUA e pelo Reino Unido. Por muito que o argumento usado tenha sido a organização e participação em protestos não autorizados no ano passado, não deixa de ter um cunho político associado. Uma iniciativa desta dimensão parece uma tentativa de intimidação para reprimir a oposição – e com ela liberdades fundamentais. Mas tendo em conta a resistência da população face a gás lacrimogéneo e pimenta, é de esperar que este tipo de acção leve a uma maior revolta, em vez do silêncio desejado. É difícil não temer pelos “dois sistemas” prometidos. Esperemos que a Justiça proceda de forma transparente de forma a restaurar alguma confiança no sistema e na protecção dos cidadãos contra abusos de poder.
João Luz VozesA segunda vaga [dropcap]M[/dropcap]odelos, referências e padrões são trunfos da neurociência e psicologia comportamental que são jogados com displicência nos dias que correm. A repetição de algo que conhecemos, o paradigma habitual, representam conforto e segurança face ao imprevisto de novos contextos. Mesmo que o comportamento seja destrutivo, se fizer parte de um padrão a que estamos habituados é racionalizado como seguro. Por vezes, uma abrupta alteração de circunstâncias transforma o normal comportamento padronizado num perigo, principalmente quando a vida se transforma numa excepção. Neste momento, seja por medo ou cansaço, o mundo inteiro anseia pelo regresso à normalidade. Todos desejam voltar a sair sem receios, viver como antes, sem restrições, saltitar de nenúfar em nenúfar com a leveza de um anjo. Negócios querem voltar aos lucros, as famílias aspiram à reunião, os rios querem vazar na foz. Queremos o retorno da inocência do contacto próximo. Mas será que a retoma dos dias previsíveis se pode fazer nos mesmos moldes? Ou teremos de inventar uma nova normalidade? Em Macau, o novo normal implica máscara, desinfectante e disciplina de não ceder à sedução inebriante do lucro. Recordo que em Macau, até agora, ninguém morreu deste bicho, apesar de ser uma das regiões com maior densidade populacional a braços com um vírus altamente contagioso e que se camufla assintomaticamente. Ainda assim, a grande indústria do território permanece seca, sem matéria-prima (jogadores ou turistas, como lhe quiserem chamar). De resto, os locais continuam a encher restaurantes, mercados, trilhos na natureza e a cara destapada passou a ser uma vergonha social e um avistamento aberrante. Dou este contexto para alertar o resto do mundo que anseia o retorno aos dias que já lá vão, quando ainda lidam com surtos comunitários. Compreendo que seja mais fácil depender informativamente de memes, ancorados em bodes expiatórios e relativização, mas a microbiologia não atende a caprichos pessoais, inclinação política e não existe vacina contra a realidade e a estupidez. Parece cada vez mais evidente cientificamente, que a infecção pode voltar a quem já recuperou da covid-19. Pela vossa e nossa saúde, tenham isso em consideração. Uma segunda vaga nunca é boa notícia. Como a segunda onda de tsunami, ou a cauda de um tufão. A primeira vaga rebenta tudo enquanto a segunda transforma destroços em aladas armas mortíferas. A segunda vaga de covid-19 pode ser o coup de grâce, o golpe final, em sistemas de saúde altamente debilitados. Sem vacina ou cura à vista, o retorno da curva à sinuosidade que se queria achatada pode ser trágica. Na perspectiva mais míope e economicista, uma segunda vaga significa paralisação ainda mais prolongada, se não tivermos apenas como intenção a breve satisfação de um orgasmo de pico bolsista. Hokkaido, no Japão, e Daegu na Coreia do Sul também se fartaram da disciplina e decidiram reabrir as portas de casa à normalidade. Por arrasto veio a segunda vaga. Claro que o Ocidente ainda pensa que a Ásia é outro planeta, algures entre Marte e Júpiter, e vai, outra vez, ignorar os avisos da experiência. As duas cidades responderam de forma diferente à segunda onda. Daegu apercebeu-se do erro e iniciou testes em larga escala, isolou pessoas que contactaram infectados e voltou à quarentena. Hokkaido fez exactamente o contrário, o que resultou numa vertiginosa subida de infecções, que implica a paralisação total da ilha. Compreendo o desejo fantasioso de quem quer tratar a realidade como um pesadelo do qual se pode acordar. Mas, a menos que se queira voltar à estaca zero, é fundamental controlar os surtos comunitários antes de ambicionar qualquer regresso à normalidade como a conhecíamos. Ou querem voltar à animalesca equação entre o valor da vida e o valor do dólar? Se tiveres sequer uma centelha de dúvida sobre o que é mais valioso, faz um favor à decência e nunca mais voltes a pôr os pés numa igreja, a intitulares-te como pró-vida, ser humano ou pessoa de bem. A pandemia colocou-nos num barco muito precário. Infelizmente, muitos, os do costume, vão passar por enormes problemas económicos e sociais, o pão vai faltar. Mas é aqui que se torna fundamental ter um Estado, um Governo. Lamento libertários, o lucro jamais terá esta incumbência de tábua de salvação, a indústria nunca terá a vida como prioridade e não são raros os casos em que a morte é a base do rendimento, a perfídia a estrela do norte que guia o cifrão. Se me permitem o descaramento, peço um momento de reflexão. Querem mesmo voltar à estaca zero e deitar por terra todos os esforços e sacrifícios que fizeram? Quanto custará ao mundo a vossa petulante teimosia?
João Luz VozesMedo do escuro [dropcap]D[/dropcap]epois de alguns minutos, quando a vista se adapta à escuridão, começam a emergir formas e contornos cada vez mais nítidos. No entanto, por vezes no breu abrigam-se segredos alérgicos a olhos de terceiros, mas que são demasiado evidentes para não se enxergarem à vista desarmada. A situação das empresas de capitais públicos de Macau é uma vergonha para todas as estruturas de poder. Por muito que se escondam milhares de milhões de patacas na Ilha da Montanha, que se repitam mantras de Grandes Baías e cooperação regional, a absoluta recusa em apresentar, até aos deputados, as contas destas empresas levanta suspeitas gravíssimas que precisam ser resolvidas. Comem-se bolos inteiros em três fatias, compra-se o silêncio da populaça com algumas migalhas, e a banda segue tocando alegremente a música da razoabilidade financeira, enquanto se reza que Pequim não adapte a visão ao escuro. É também incrível a passividade dos deputados, que parecem tímidos demais para exercer na única tarefa que lhes compete (fiscalizar o Governo), já que abdicaram de legislar. No escuro, sucessivos Governos esticam até ao limite da interpretação mais extensiva uma lei para justificar que as empresas de capitais públicos não devem prestar contas a ninguém. A palavra dos dirigentes basta. Isto é o primado do poder absoluto sobre a lei, a permissividade a atracar nas docas da pilhagem, o descaramento usado como argumento jurídico. E nada se passa. Pelos vistos, a coisa pública não é do domínio público, pertence à jurisdição do mistério e do oculto.
Pedro Arede VozesPrioridades [dropcap]N[/dropcap]a semana passada o secretário para a Economia e Finanças justificou a exclusão dos trabalhadores não residentes (TNR) do novo pacote de medidas de combate à pandemia com a necessidade de dar prioridade aos trabalhadores locais. Apesar de ter reconhecido os TNR como “uma força activa de Macau” e admitido que gostava de ter incluído estas pessoas nas medidas de apoio, a verdade é que Lei Wai Nong deixou uma vez mais de mãos vazias uma das franjas mais vulneráveis e afectadas pela crise gerada pela covid-19. No entanto, porque não pode ser equacionada, por exemplo, pelo menos a atribuição de vales de consumo aos TNR? Tenho a certeza que nessas mãos, três mil e cinco mil patacas seriam um contributo mais do que precioso para a gestão do orçamento familiar de muitos agregados, que por estes dias se encontram numa situação ainda mais precária economicamente e restringida a nível de medidas nas fronteiras. Além do mais, dado o peso que têm na comunidade, os TNR seriam também mais um motor importante de reactivação da economia de Macau, já que os montantes só podem ser usados nos estabelecimentos comerciais do território. Muito provavelmente, a extensão da atribuição de vales de consumo aos TNR não iria ferir susceptibilidades e teria a vantagem de criar esse duplo ganho. Sobretudo para aqueles cujo contributo, raramente reconhecido, é essencial para o dia a dia de Macau.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA governança da covid-19 “The system that has been developed to provide a global response to epidemics and pandemics has failed miserably. Covid-19 has spread all over the world, shutting down entire countries. Governments, and even subnational governments, are now competing fiercely for scarce medical stocks, while critical supply chains have been disrupted due to governmental export restrictions. The World Health Organization, global health governance’s centrepiece, has been sidelined, with US President Donald Trump now moving to withdraw all American funding to the WHO on 14 April 2020.” Shahar Hameiri [dropcap]À[/dropcap] medida que a Covid-19 continua o seu percurso em todo o mundo, os governos adoptaram medidas comprovadas de saúde pública, como o distanciamento social, para interromper fisicamente o contágio. As medidas interromperam o fluxo de mercadorias e pessoas, contiveram as economias e estão em processo de provocar uma recessão global. O contágio económico está a espalhar-se tão rápido quanto a própria doença, o que não parecia plausível até algumas semanas atrás. Quando o vírus começou a espalhar-se, políticos, formuladores de políticas e mercados, informados pelo padrão de surtos históricos, observaram enquanto a medida inicial (e, portanto, mais eficaz e menos onerosa) do distanciamento social fechava-se. Actualmente, muito mais adiante na trajectória da doença, os custos económicos são muito mais altos e a previsão do caminho a percorrer tornou-se quase impossível de suportar, pois várias dimensões da crise são sem precedentes e desconhecidas. Nesse território desconhecido declarar uma recessão global adiciona pouca clareza, além de definir a expectativa de crescimento negativo. As questões urgentes incluem o caminho do choque e da recuperação, se as economias poderão retornar aos níveis de produção e taxas de crescimento pré-choque e se haverá algum legado estrutural da crise da Covid-19. A pequena abertura para o distanciamento social, a única abordagem conhecida para lidar efectivamente com a doença é estreita. Na província de Hubei, existiu uma falha, mas o resto da China fez questão de não perder o tempo. Na Itália, a abertura criada pelo tempo foi perdida e o resto da Europa seguiu o exemplo. Nos Estados Unidos, ainda limitados por testes insuficientes, o tempo inicial também foi perdido. Assim, a 26 de Fevereiro de 2020, a Covid-19 estava prestes a espalhar-se pelo mundo. Os grandes grupos de casos estavam a surgir fora da China, na Coreia do Sul, Itália e Irão e os “Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) ”dos Estados Unidos esperavam que ocorressem graves perturbações. Mais do que qualquer pandemia recente, a Covid-19 apresenta novos desafios globais e como parte do então anunciado pedido de dois mil milhões e quinhentos milhões de dólares em vacinas, tratamentos e equipamentos de protecção, o governo americano, também deveria ter considerado de alta prioridade o desenvolvimento de um equipamento de diagnóstico barato e de pronto atendimento para uso em clínicas e habitações, para que as comunidades pudessem detectar e conter rapidamente a doença. As vacinas não podem ser desenvolvidas com rapidez suficiente e no mínimo levam um ano para poderem estar disponíveis ao público e para complicar a situação, os fabricantes capazes de produzir a vacina contra a Covid-19 em grandes quantidades, ainda precisam de se comprometer a produzir uma que está a ser desenvolvida pelos “Institutos Nacionais da Saúde (NIH na sigla inglesa)”. A melhor forma é testar pacientes sintomáticos para impedir ou retardar a propagação do vírus. Os testes também podem identificar “pontos quentes” onde medidas em toda a comunidade, como o distanciamento social (fazer com que as pessoas evitem outras pessoas, trabalhando em casa, por exemplo) e isolamento doméstico (exigir que as pessoas com o Covid-19 fiquem em casa) possam ser consideradas. A China tem estado a implementar essa estratégia. Os testes em escala global mais ampla podem ser necessários, no entanto, exigiriam um equipamento de diagnóstico “rápido” no local de atendimento. Foi efectuado na luta contra as crises menos difundidas, embora trágicas, do Ébola e do Zika. Os testes amplos não podem depender de equipamentos especializados e de um conjunto relativo de laboratórios centralizados. As pessoas precisam de ser testadas nas clínicas e talvez até mesmo na porta de suas casas. Os modelos mais recentes indicam que, a pandemia da Covid-19 poderia terminar em pouco menos de um ano se os testes com isolamento e tratamento atingissem 80 por cento dos doentes infectados sintomaticamente nas vinte e quatro horas seguintes ao início dos sintomas (assumindo 10 por cento de transmissão assintomática). A pandemia poderia terminar em seis meses se os testes com isolamento e tratamento chegassem a 90 por cento dos doentes sintomáticos, e se a mesma percentagem de doentes sintomáticos pudessem ser testados nas seis horas seguintes ao aparecimento dos sintomas, a pandemia poderia terminar em menos de quatro meses. Actualmente, a maioria das doenças propensas a pandemia, incluindo a Covid-19, é diagnosticada pela reacção em cadeia da polimerase (PCR), uma técnica molecular que geralmente requer máquinas especiais de laboratório e técnicos altamente treinados para operá-las. Os testes de PCR são difíceis de dimensionar ou descentralizar. O bilionário filantropo Bill Gates, salientou que as versões portáteis dessas máquinas de diagnóstico molecular precisam de ser distribuídas por toda a África para impedir a propagação da Covid-19. No entanto, a operação das máquinas de teste também requer um equipamento de teste de consumíveis, e o número de casos da Covid-19 na China excedeu a sua capacidade de testes de laboratório, devido à falta de equipamento de testes de PCR. O potencial de uma pandemia causada naturalmente ou intencionalmente é uma das poucas situações que podem atrapalhar os sistemas de saúde, as economias e causar mais de dez milhões de mortes e um dos grandes desafios é a natureza infecciosa da Covid-19 no início do ciclo da doença, impactando a população em geral. Tal contrasta com os desafios anteriores, como o Ébola, que eram mais perigosos para os profissionais de saúde que tentavam tratar pessoas doentes. As questões-chave, é de saber qual a intensidade da sua entrada em África e se os sistemas de saúde ficarão sobrecarregados. Se a doença, atingir a África em potência será mais dramática do que nos Estados Unidos. É de realçar os surtos passados de doenças como SARS e Ébola e o ciclo de “crise, preocupação e complacência”, que geralmente os segue. Os avanços e reduções de preço nas ferramentas de diagnóstico molecular certamente são a boa notícia, e apenas os velhos avanços horizontais na maneira como se fabricam essas ferramentas que nos podem ajudar. Existe um plano para obter essas máquinas bastante difundidas nos países em desenvolvimento. Dentro de uma década, o mundo estará em melhor situação devido à maior capacidade de diagnóstico. A capacidade de criar novas vacinas vai ajudar também. Houve um enorme subinvestimento em terapêutica, particularmente antivirais. A China poderá “acelerar” nesse sentido, logo que a actual crise passe. Os avanços nas ferramentas de diagnóstico molecular são uma salvaguarda promissora contra estes surtos. É de recordar que a 24 de Janeiro de 2020, as pessoas em Wuhan, diziam que existia escassez de equipamentos de teste para a mortal Covid-19 que se originou na cidade e quem conseguisse um era como “ganhar na lotaria”. O vírus, conhecido como 2019-nCoV, é transmitido de pessoa para pessoa, sendo o acesso aos equipamentos de teste reservado para aqueles com sintomas mais graves, e os relatórios sugerem que os hospitais nas áreas afectadas fora de Wuhan também tinham acesso limitado aos mesmos. Os relatórios eram divulgados quando os médicos diziam que enfrentavam uma “inundação” de pacientes, o equipamento de protecção era insuficiente, e a cidade lutava para construir um novo hospital em apenas seis dias para tratar a doença. As autoridades chinesas isolaram na altura várias cidades dado o temor que o vírus se espalhasse durante o Ano Novo Lunar, quando as pessoas viajam mais do que o habitual interna e externamente, sendo cerca de trinta e três milhões de pessoas que vive nas principais cidades afectadas postas de quarentena. A China teve de recorrer ao uso de tomografias computorizadas como um teste rápido em hospital para rastrear pacientes infectados pela Covid-19, seguido de testes em laboratório para confirmação. Muitas clínicas não possuem máquinas caras para realizar tomografias computadorizadas e se o número de pessoas que precisam de ser testadas nos Estados Unidos exceder uma pequena percentagem da população, o sistema de saúde do país poderá enfrentar desafios da mesma escala. Durante a emergência de saúde pública do Zika, algumas mulheres grávidas nos estados afectados encontraram dificuldades em fazer o teste, e estas representam apenas cerca de 2 por cento da população dos Estados Unidos. Em resposta a uma solicitação do Congresso, a 2 de Fevereiro de 2020, o CDC desenvolveu um teste baseado em PCR para a Covid-19 que requeria um laboratório, e esses equipamentos de teste foram autorizados para uso em caso de emergência pela “Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA na sigla inglesa).” É fácil imaginar a procura de equipamentos de teste superando a oferta, como na China. As informações nos Estados Unidos sugerem que houve alguns problemas com os testes do CDC, de modo que só poderiam ser utilizados em uma dúzia de mais dos cem laboratórios de saúde públicos americanos. Se fosse dado prioridade aos equipamentos de diagnóstico no local de atendimento poderiam ser desenvolvidos em meses a um custo de dezenas de milhões de dólares. Várias empresas estão a apressar-se para os desenvolver, mas necessitam de ajuda para ter sucesso, o que inclui novas ferramentas de diagnóstico identificadas pela “Fundação para Novos Diagnósticos Inovadores (FIND na sigla inglesa)” que é uma organização sem fins lucrativos de saúde global com sede em Genebra, nomeadamente de um teste de quinze minutos que está a ser desenvolvido por laboratórios chineses, um teste de anticorpos desenvolvido pela Universidade Duke que está a ser introduzido em Singapura e testes de diagnóstico usando a tecnologia “Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats (CRISPR)”. Tais esforços ainda precisam de mais fundos, concorrência robusta, coordenação e gestão coerente do governo. Embora o desenvolvimento de equipamentos de diagnóstico seja menos complexo e caro do que a criação de novas vacinas, ainda requer testes e validação. A FDA dos Estados Unidos tem um caminho acelerado para ferramentas de diagnóstico “urgentes e necessárias”, mas conta com desenvolvedores para enviar resultados de estudos de validação clínica que precisam de realizar ou patrocinar, como foi o caso do desenvolvimento de equipamentos de diagnóstico para o Ébola e Zika. Os desenvolvedores de um para a Covid-19 pode enfrentar obstáculos para obter amostras clínicas do CDC e das autoridades locais de saúde, sendo necessários para validar os seus testes, a fim de obter autorização da FDA. Na ausência de uma metodologia padrão para conduzir essas avaliações com rapidez e confiança usando um número suficiente de amostras clínicas, agências como o CDC ou a “Organização Mundial da Saúde (OMS)” podem questionar a precisão e as condições sob as quais esses resultados foram alcançados, impedindo a sua implantação (mesmo após a autorização de emergência da FDA ser concedida com base em avaliações clínicas conduzidas pelo desenvolvedor), e que foi exactamente o que aconteceu durante o surto do Ébola. O equipamento de diagnóstico rápido que apresentou resultados promissores em Outubro de 2014 não foi autorizado pela FDA até Janeiro de 2015 e seu desempenho não era claro até Junho de 2015, quando os testes de campo foram publicados . Ainda que tenha sido acelerado, nunca foi usado em campo durante o pico da epidemia do Ébola. O governo dos Estados Unidos possui experiência e orçamento necessário para desenvolver equipamentos de diagnóstico rápidos e pontuais para a Covid-19, devendo assumir a liderança, designando uma única agência, com a força tarefa ou estrutura executiva para liderar esse esforço e remover impedimentos desnecessários, semelhante a uma direcção da pandemia do tipo “Czar do Ébola” que o ex-presidente Obama recomendou que fosse criado dentro do Conselho de Segurança Nacional, e devia ser capacitado e responsabilizado pelo rastreamento proactivo e rápido do desenvolvimento de novos equipamentos de diagnóstico. É necessário criar “prémios de desafio” (por exemplo, de cem milhões de dólares) para incentivar esses esforços no sector privado. Sem incentivos suficientes, muitos desenvolvedores e empresas consideram o investimento necessário para desenvolver equipamentos de diagnóstico que envolvem alto risco financeiro. O desenvolvimento de um equipamento de diagnóstico de ponto de atendimento barato e amplamente acessível exige liderança responsável, governança decisiva baseada na ciência, financiamento significativo e aplicação de protocolos científicos confiáveis assentes em princípios para determinar quem testar, como interpretar resultados e qual a melhor forma de tratar e colocar em quarentena os infectados. Tomar essas acções não pode apenas ajudar muito a conter a actual epidemia da Covid-19, mas também pode criar um sistema para o desenvolvimento de ferramentas semelhantes para impedir futuras pandemias. Ao assumir a liderança na criação dessa infra-estrutura, os Estados Unidos podem ajudar-se a si e ao resto do mundo.
Andreia Sofia Silva VozesCiência à moda de Macau [dropcap]C[/dropcap]onfesso que não estou surpreendida com os resultados do estudo produzido pela associação de Kevin Ho relativamente à possível implementação de uma lei sindical em Macau. Mas acabo sempre por me surpreender por quererem fazer de nós mais parvos do que aquilo que realmente somos. E em matéria de lei sindical, penso que já muitos limites foram ultrapassados neste ponto. O Governo irá apresentar a proposta de lei, ponto final parágrafo. Já se percebeu que todas as tentativas de deputados de apresentarem este diploma sairão goradas. Entretanto, Ho Iat Seng, que já prometeu apresentar a proposta, vai deixar o assunto na gaveta porque tem assuntos mais graves a tratar, tal como a crise da covid-19. No entanto, nunca como agora uma lei sindical foi tão necessária, uma vez que a economia corre o risco de colapsar aos poucos, com despedimentos em massa e algumas falências de pequenas e médias empresas. Onde ficam os direitos dos trabalhadores no meio disto tudo? Sobre os resultados do estudo em causa, não me surpreendem tendo em conta que Kevin Ho é, ele próprio, um empresário e, portanto, membro do patronato. E que espécie de estudo é este que cita especialistas vários sem que saibamos os seus nomes? Quais são os entendidos da Lei Básica que foram ouvidos? Quais os académicos escolhidos, e quais os critérios? É ciência à moda de Macau, para inglês ver.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesEm casa não há só conforto [dropcap]D[/dropcap]urante este período de isolamento todos nós lidamos com o estar em casa da melhor forma que podemos. A casa é um sítio seguro para muitos de nós, e para muitos não é. Venho aqui relembrar do que precisamos de ser relembrados – agora que nem podemos ver o mundo lá fora com os nossos próprios olhos. O isolamento é para quem tem as condições para fazê-lo. Claro que venho falar-vos do desconforto relacionado com o sexo, relacionamentos e família. Há várias formas como o desconforto do lar é o resultado de desigualdade sociais profundas e estruturais (como não existirem condições dignas de habitação). Mas dentro dos temas que interessam explorar aqui – de sexo e essas coisas – o caso mais alarmante de desconforto é o de violência doméstica. Ficar preso numa casa com um agressor é uma situação extremamente difícil de ser gerida. Há muitas instituições que estão sensíveis a este problema e têm desenvolvido formas de dar apoio, por telefone – e especialmente por mensagem. Quando uma situação de violência poderia ter momentos de pausa, e de privacidade, com a rotina que nos afastava do lugar dilemático que é uma casa, aqui está a pandemia para complicar estas estratégias. Quando nos dizem que para travar esta guerra basta ficar no sofá a ver séries, esquecem-se que esse sofá pode estar cheio de picos. Sentar-se relaxadamente pode não ser uma possibilidade. Depois claro que há outros problemas que podem surgir. Em Xi’an, assim que o confinamento imposto foi flexibilizado, houve um aumento considerável nos pedidos de divórcio. Depois de meses em confinamento os casais trouxeram as suas dificuldades e não conseguiram lidar com elas. Há quem diga que foram decisões apressadas e que muitos mudaram de ideias. Há quem diga que eram más relações à partida e que mais cedo ou mais tarde estes casais iriam divorciar-se. Não sabemos ao certo qual a resposta certa. De acordo com os depoimentos de casais em confinamento parece que a coisa pode dar para os dois lados: ou criar momentos de re-conexão, ou promover o afastamento, o desentendimento e a confusão. Desde discussões sobre as melhores formas de se protegerem ‘Não toques em maçanetas! Lava as mãos durante 20 segundos! Deixa a roupa suja fora de casa!’ em combinação com ‘Estás a ser paranoico’. Até à dificuldade de criar espaços de comunicação e conexão ao mesmo tempo que se mantêm espaços de privacidade (há quem se esconda no guarda-roupa). A vida ficou em suspenso independentemente das condições. Imaginem quem tinha acabado uma relação amorosa? Não há como mudar de casa, ou mudar de vida. Uma suspensão que até poderia ser boa se fosse noutra altura. Ficar preso em casa com o ex-companheiro soa-me a premissa tonta para uma daquelas comédias românticas que Hollywood já fez. As famílias, ainda assim, fazem malabarismos com a lida da casa, com os filhos, e com a produtividade que muitos ainda impõem, como se nada de especial estivesse a acontecer – é preciso manter a normalidade, é preciso manter a economia. Se, para alguns, este confinamento deu a oportunidade para respirar e repensar na vida, no sexo, nas relações, nos desejos e anseios, no mundo e no estado das coisas; para outros essa possibilidade não é assim tão óbvia. A casa e o isolamento podem não ser lugares de conforto, e estar ali suspenso, um pesadelo. Vale ficar de mau humor e espernear. Vale contar com a solidariedade dos outros para dar sentido ao desconforto. O isolamento é para quem pode, não consigo repetir vezes suficientes. Não consigo parar de pensar nos países onde a desigualdade é atroz e isto se mostra ainda com mais clareza. Esta pandemia traz o melhor e o pior de cada um de nós, ao mesmo tempo, sem dó nem piedade. Obriga-nos a uma adaptação a um contexto muito particular – finalmente percebendo que uma casa é tão complexa como tudo o resto.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesÉ tempo de mudança [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 10 de Abril a comunicação social anunciou que a segunda comissão permanente da Assembleia Legislativa de Macau tinha concluído o debate sobre a “Alteração à Lei do Orçamento 2020”. O presidente da comissão, Chan Chak Mo, afirmou que não existirão alterações significativas à lei. Este vai ser o primeiro orçamento, de acordo com o Artigo 5 da Lei No. 8/2001, “Regulamento do Imposto do Selo e a Tabela Geral do Imposto do Selo”, a usar a reserva excedentária, no montante de 38.95 mil milhões. O Governo declarou que no final de Fevereiro as reservas fiscais ascendiam a 577.6 mil milhões de patacas, dos quais 144.4 mil milhões se referem a reservas básicas e 433,2 mil milhões a reservas excedentárias. O valor acumulado em reservas fiscais indica a saúde e prosperidade da economia. A revisão do orçamento teve por base as questões sociais decorrentes da pandemia. Ressalve-se que o Governo já tinha anunciado no dia 8 deste mês o segundo pacote de medidas de apoio à economia. As verbas aplicadas neste segundo pacote montam a 13.6 mil milhões de patacas. As principais medidas são as seguintes: 15.000 patacas para trabalhadores locais cuja situação o justifique, 10.000 para freelancers As empresas recebem entre 15.000 e 200.000 patacas, consoante o número de empregados Entrega de um vale de 5.000 patacas aos residentes para estímulo ao consumo Devido às medidas de contenção e isolamento, o turismo em Macau sofreu uma quebra brutal, bem como todas as actividades que implicam concentração de pessoas como o comércio e a indústria do jogo. As empresas têm de pagar rendas e salários. Por seu lado, os trabalhadores enfrentam reduções salariais, despedimentos e layoffs, pelo que, tanto empregadores como empregados estão em dificuldades. As empresas temem a falência e os trabalhadores o desemprego. A dor a a incerteza pairam sobre a sociedade. O apoio económico pode ajudar a esbater o pessimismo e beneficiar a sociedade em geral. Este apoio destina-se principalmente a empresas e a trabalhadores em dificuldade. Não se pode esperar que o Governo venha a pagar a totalidade das despesas das empresas e dos salários dos seus trabalhadores. Este apoio destina-se a garantir o minímo necessário e resolver as necessidades mais prementes. O Governo voltou a emitir vales de consumo, que desta vez sobem de 3.000 patacas para 5.000. Estas medidas destinam-se a apoiar a população e também a estimular o consumo de forma a combater a recessão económica. Em qualquer tipo de sociedade se houver retracção ao consumo a economia empobrece. Os vales de consumo vão ajudar à recuperação da economia. As teorias económicas demonstram que por cada pessoa que gasta 8.000 patacas em produtos, os comerciantes terão mais 8.000 patacas, que usarão para o seu próprio consumo, mantendo a cadeia económica no seu rumo normal. Claro que o consumo habitual não vai ser assegurado por estas 8.000 patacas por residente, mas será um impulso que vai beneficiar a sociedade e ajudar a repôr a normalidade. O montante de13,6 mil milhões não vai afectar a estrutura financeira do Governo na totalidade. O Governo possui actualmente 144,4 mil milhões em reservas básicas e 433,2 mil milhões em reservas excedentárias. Se forem atribuídos vales de consumo a 650.000 pessoas, o ratio das reservas fiscais distribuídas pela população será de 666,461 per capita. A situação financeira de Macau é realmente boa. É preciso não esquecer que ainda existe o Fundo de Segurança Social de Macau que, a juntar à reserva fiscal, garante uma a situação financeira sólida. Mas durante quanto tempo teremos de enfrentar a epidemia? O Professor Yuan Guoyong da Faculdade de Medicina da Universidade de Hong Kong especificou claramente que, embora a pandemia possa dar sinais de abrandar no Verão e no Outono, a hipótese de voltar no próximo Inverno é alta. Se até essa altura não for encontrada uma vacina, ou medicamentos que possam debelar a infecção, continuamos a não poder viajar e precisamos de continuar a usar máscaras; ou seja, as nossas vidas continuarão a ser afectadas. Actualmente a infecção está entre nós. O Governo lançou dois pacotes de ajuda económica. Se a pandemia continuar, acredito que o Governo continue a prestar assistência económica. No entanto, esta assistência não se pode prolongar por muito tempo. Por maiores que sejam as reservas do Governo, não são ilimitadas. Com um orçamento finito para combater uma pandemia de duração desconhecida, estaremos em risco. Se não gerirmos bem esse risco, poderemos vir a esgotar as bem abastecidas reservas fiscais. Desta forma, devemos tentar criar um equilíbrio entre a manutenção da economia e a manutenção da nossa saúde. É certo que não existe uma forma única de os residentes lidarem com a pandemia. A situação varia definitivamente de pessoa para pessoa. No entanto, no que respeita aos estudantes a situação já é mais uniforme. Desde o início do surto, Macau implementou “a manutenção do ensino”. A maior parte dos alunos passou a aceder ao ensino online. Claro que este modelo, que se está a experimentar pela primeira vez, terá algumas falhas. Mas é um bom começo e uma boa iniciativa. Não havendo outra forma, deveremos continuar a manter este modelo enquanto a pandemia durar? Enquanto este problema permanecer, as empresas têm de restringir ao máximo os contactos inter-pessoais, mas terão de continuar a obter o maior lucro possível. Por exemplo, já vimos que muitos restaurantes estão a fazer entregas em casa, solicitando o pagamento electrónico. Como as pessoas não se podem deslocar aos restaurantes o consumo e o número de clientes baixam naturalmente, mas as entregas ao domicílio continuam a garantir algumas receitas, o que é sem dúvida melhor do que nada. Mas para lá deste processo, haverá outras formas de os restaurantes continuarem a atrair clientela? As nossas sólidas reservas fiscais permitiram que possamos ter neste período ajuda financeira e são também um teste à nossa capacidade de gerir crises. Embora o Governo faça o possível para salvar as empresas e os trabalhadores durante esta fase, as empresas, os trabalhadores e os residentes também precisam de se salvar a si próprios. Só precisam de ter capacidade de se adaptar à actual situação; quando a pandemia passar completamente, podemos voltar a desfrutar do nosso habitual estilo de vida. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
João Luz VozesÉ como não ver [dropcap]S[/dropcap]em surpresas, o estudo encomendado à associação liderada por Kevin Ho, sobrinho de Edmund Ho, revelou que cerca de 97 por cento da população não sabe o que é uma lei sindical. Não fico chocado perante a total ignorância, numa terra onde se acha que ter opinião política é querer atrair chatices. Não pode existir sociedade civil quando as pessoas abdicam dos seus direitos por desconhecimento. Em Macau não existe a cultura da protecção do trabalhador, mesmo quando muitos foram empurrados para cortes salariais significativos, quando a única alternativa era o desemprego numa altura de crise. Isto não é uma decisão, é coacção. Não é harmonia, é opressão. Mas proponho ao leitor que faça uma sondagem a jovens na casa dos 20 ou 30 e poucos que tenham crescido em Macau, e pergunte se sabem quem é Ho Chio Meng. O desconhecimento é deprimente. É por isso que se pode encomendar um estudo sobre a pertinência dos sindicatos a uma associação dirigida por um empresário familiarmente ligado ao poder político, e que já havia sublinhado não ver necessidade para uma lei sindical, sem quem ninguém diga nada. Ah, não esquecer que temos de papar calados com a tanga cíclica do socialismo, e virar os olhos quando se equipara protecção da parte mais fraca da relação laboral a desarmonia e se celebra a desregulação como liberdade empresarial. Meus amigos, isto é capitalismo selvagem, não há propaganda semântica sobre características que apague o evidente amor de Macau aos princípios do inimigo ideológico. Que reine a desregulação e o mais forte faça farinha dos ossos do oprimido que joga Switch à espera de mais um cheque do Governo. Cegueira autoinduzida.
Pedro Arede VozesDefesa da Globalização [dropcap]S[/dropcap]ão já poucos os que duvidam que o mundo que vamos encontrar, ultrapassada a crise provocada pela pandemia, muito provavelmente, não voltará a ser o mesmo em variadíssimos aspectos. O reposicionamento de forças e a antecipação de vantagens e dividendos económicos é um jogo que está a ser disputado neste preciso momento e tem na acção diplomática um alicerce fundamental. Até mesmo para não deixar morrer um dado por demais adquirido até agora como a Globalização. Foi no Diário de Notícias que li, citando o Le Monde, que a “geopolítica da máscara” a que actualmente podemos assistir, faz lembrar uma prática antiga do Governo chinês de oferecer pandas a líderes estrangeiros quando quer melhorar as suas relações externas. Desta vez, a oferta são máscaras cirúrgicas e podem fazer toda a diferença nos países mais afectados. Mas, para além de uma atitude solidária de louvar e de contribuir para reparar danos na imagem de uma China que chegou a ser questionada ao nível da sua transparência para com a OMS numa fase inicial da pandemia, pode também servir para sair em defesa da Globalização. Considerada como “fábrica do mundo”, a verdade é que a pandemia pôs a nu o excesso de dependência que muitos países têm no facto de o fabrico de alguns produtos, como as máscaras, ter lugar sobretudo na China. Voltaremos a ver uma Europa ou uns EUA a procurar controlar algumas cadeias de produção essenciais dentro de portas? Ou passada a crise, terão os esforços diplomáticos desempenhado o seu papel na manutenção do mercado global? As perguntas certamente não se esgotam por aqui.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA falta que os preservativos fazem [dropcap]A[/dropcap] infecção do momento está claramente a afectar várias indústrias. Na Malásia, a maior fábrica de preservativos fechou – onde 20% dos preservativos do mundo são produzidos. O Guardian já alertou para uma possível falta de preservativos, talvez numa altura de grande necessidade. Serão os preservativos importantes nesta pandemia? Uma pergunta muito pertinente para se falar de sexo, como sempre. Os preservativos parecem bastante descartáveis dado o cenário apocalíptico em que vivemos. Muitos dirão que há coisas mais importantes em que pensar. Talvez ajude se olharmos para o direito ao prazer como um direito humano para justificar o contrário. Os preservativos (masculinos e femininos) são o único tipo de contraceptivo que previne uma gravidez indesejável e a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis. Um bem com dupla função para casais heterossexuais em particular, mas igualmente importante para casais homossexuais que queiram sentir-se protegidos. Tudo bem que nesta altura de isolamento social haverá menos sexo casual ao vivo (deleitem-se com o sexo casual virtual, porque não?). E assim assume-se que os casais presos em casa poderão não precisar dos preservativos porque (1) para os casais heterossexuais existem também outras formas de contracepção e (2) o risco de IST’s já deve ter sido resolvido com testes para os casais que estão juntos há muito tempo. Também podemos imaginar muitos outros cenários onde os preservativos ainda são necessários. Julgar que se pode contar com outras formas de contracepção no mercado pode ser um erro. Os contraceptivos hormonais já mostraram trazer efeitos secundários às vezes até bastante graves e há pessoas que escolhem não os usar. Os preservativos são dos poucos contraceptivos não hormonais do qual imensa gente depende para evitar uma gravidez indesejada. Também posso imaginar cenários de relações ainda verdes ou do surgimento de novas relações românticas que ainda precisam de sexo seguro. Se sair da nossa tendência etnocêntrica então, nos lugares com grandes taxas de transmissão de HIV, o preservativo é quase um bem tão essencial como a comida. A falta de preservativos seria catastrófica. Mas de certeza que há gente que sugere a abstinência como a opção mais acertada, caso cheguemos a um cenário de falta de preservativos severa. Porque o sexo não é importante, dirão as vozes mais conservadoras. Mas o sexo nunca foi tão importante como agora. O sexo é uma ferramenta e um recurso (para quem consegue olhar para o sexo dessa forma). Em alturas de pandemia como esta, de incerteza e de medo, o sexo é uma forma de prazer e conexão – também podem chamar-lhe de meditação ou de exercício físico. O sexo é simples, barato (pode não sê-lo, mas é altura de reforçar esta opção) e promotor de bem-estar. A conclusão é simples: os preservativos são importantes até numa altura de pandemia e a sua escassez deve ser evitada. Claro que temos que dar prioridade a outros bens e objectos que nos ajudam a lutar contra o vírus. Mas o sexo deve continuar lá a manter a nossa sanidade e os preservativos fazem parte dessa sanidade também. Por isso é que a fábrica na Malásia, entretanto, já retomou produção a 50% e uma outra fábrica na Tailândia voltou a abrir as portas (espero eu, com as condições de segurança desejadas). Se não o fizessem, chegaríamos a um ponto de diminuição na produção, e de grande procura, levando à inflação deste objecto singelo – e a segurança do sexo tem que ser garantida a toda a gente.