O fecho do mercado

[dropcap]C[/dropcap]ertamente não tivemos antes experiência semelhante: à falta de suficientes pauzinhos que interferissem suficientemente com cada vez mais poderosas engrenagens globais, um vírus insuspeito fez o mercado fechar subitamente, um colapso estrondoso que vivemos ainda, vagamente entorpecidos e atordoados, e que os livros de história contarão um dia – se ficar alguém para contar, evidentemente, que isso também não é hoje muito certo.

As mãos visíveis que acertam os rumos definidos por poderes invisíveis navegam a curta vista, que são muitas as curvas e denso o nevoeiro: não há rentabilidade dos activos que aguente a passividade deste mercado fechado: mesmo que se amontoem corpos mortos em cemitérios oficiais ou improvisados, há que reanimar os mercados globais com que alimentamos gorduras de minorias privilegiadas e asseguramos com mais ou menos decência a sobrevivência do resto. Mesmo faltando distância suficiente para que se notem os efeitos do bloqueio à economia que vivemos – e ainda mais para que se analise com relevância o problema e as alternativas que podemos colocar – a pandemia que paralisou o planeta já nos deixou sinais suficientes das aberrações do sistema económico contemporâneo.

Uma é a ideia de casa. Parece simples, ficar em casa. E será, em muitos casos. Não me custa nada. Mas não é o caso dos muitos milhões de pessoas que vivem nas periferias suburbanas das grandes metrópoles do sudeste asiático ou da América Latina. Ou das não tão grandes mas também miseráveis periferias das maiores cidades do Sul da Europa. Ou até dos subúrbios de Paris, Bruxelas, Estocolmo, ou de todas as grandes cidades dos Estados Unidos. Para estes milhões de pessoas, frequentemente não há casa. E se há, é um espaço exíguo, sem as infra-estruturas necessárias, onde se acumulam demasiadas pessoas e demasiada miséria. O fecho do mercado mostrou como não resolver esse problema básico e elementar que é o direito à habitação facilmente se torna, também, um problema de saúde pública. Um problema da comunidade e não um problema individual de quem não se enquadra devidamente no tal mercado que entretanto fechou.

Depois da casa, a comida. Mesmo quando ficar em casa é fácil, é preciso comer. É preciso quem produza. Quem transporte os produtos para os locais onde se compra. Quem venda. Ou quem entregue em casa (de quem a tem, evidentemente). O mercado dá pouco valor a estas coisas. E costuma dar pouca importância ao impacto ecológico do transporte internacional de alimentos. Mas este confinamento a que nos vemos obrigados (e que está longe de estar resolvido) recoloca no centro das discussões sobre políticas agrícolas a questão da soberania alimentar e da territorialização da produção de alimentos. A que mercado vamos comprar comida, afinal? Enfrentamos ou não a crise ecológica vigente – e decorrentes alterações climáticas?

Já seriam por si só motivos mais do que suficientes para nos fazer repensar a sociedade que vivemos. Mas não são só essas básicas e elementares necessidades humanas – a habitação e a alimentação – que põem hoje em evidência a aberração do sistema económico em que vivemos e das respectivas políticas e mecanismos de regulação – genericamente, aliás, legitimadas por governos, agências e organizações internacionais por todo o planeta. As questões do trabalho – o seu valor, a sua protecção, as relações sociais e de poder inerentes – são também recolocadas com uma violência que ainda não vislumbramos na sua plenitude – mas que aí estarão, implacáveis.

Em tempos de “normalidade”, o mercado não valoriza médicos e enfermeiros, produtores e distribuidores de comida, trabalhadores dos transportes e sistemas logísticos. E quando as condições se alteram e estas passam a ser as profissões mais relevantes para manter em penoso funcionamento um sistema económico e social em cuidados intensivos, também não há mecanismos de mercado que alterem significativamente a remuneração, a segurança ou as condições de trabalho destas pessoas que asseguram a sobrevivência de todos os que cá estamos. Se a “normalidade” dos mercados faz destas pessoas mercadoria barata e dispensável e remunera CEOs e administradores com rendimentos mensais que um trabalhador jamais auferirá em toda a sua vida, temos algo de profundamente apodrecido para atirar para o caixote de lixo da história. Ou então esperamos e a história atira-nos a nós.

Entretanto há quem viva, de facto, a eficácia poderosa e cruel dos mercados: trabalhadores independentes, pessoas com contratos a prazo, eventualmente transformados à pressa em empresários em nome individual, as vítimas da precariedade que marca cada vez mais as relações de produção no capitalismo contemporâneo – incluindo todos os artistas e profissionais das variadas áreas da cultura indispensáveis para que chamemos “criativa” à economia actual: as pessoas que dependem das encomendas, dos ciclos da procura, das decisões dos gestores, enfim, dos mercados, na sua magnífica dimensão regulatória. Essas pessoas passam fome, não têm outro remédio, e isto ainda mal começou. Enquanto o mercado estiver fechado, sabem que não têm solução. E nós também sabemos que esta regulação económica não serve – até porque o mercado, como se vê, a qualquer momento pode fechar.

Também eles sabem tudo, os que não deixam nada. Sabem que este fecho dos mercados também os ameaça. Sabem que a morte continua a sair à rua e que há um vírus descontrolado pronto a matar. E sabem que precisam de abrir o mercado outra vez. Fazem-no com brutalidade: não se limitam a abrir mercados internos, de proximidade, modestos nos resultados mas ainda assim mais seguros para a saúde. São alarves e têm grandes ambições. Franqueiam as portas à chegada de aviões carregados que alimentem o negócio de um turismo reles, feito de serviços de mínimo valor e de exploração máxima de pessoas e de um território que não é nosso, como o Carvalhal. Vão matar muita gente.

29 Mai 2020

Macau, Arte e Periferia

“Se viesse
se viesse um homem
se viesse um homem ao mundo, hoje, com
a barba de luz dos
patriarcas: só poderia,
se falasse deste
tempo, só
poderia
balbuciar balbuciar
sempre sempre
Só só”
Pallaksch, Pallaksch
de Paul Celan
tradução de João Barrento

 

[dropcap]E[/dropcap]nquanto se processa a “integração” de Macau (uma cidade que está na História por direito próprio) na China, esperamos que nunca a sua “subordinação (?)”, seria louvável que na arte, os confrontos, os diálogos e os intercâmbios fossem abertos para a ampliação da cidadania, não só para consumo à escala local, regional, nacional, mas que torne viável o acesso aos valores maiores de todo o Universo – Arte.

Ruptura na educação (apostar mais na educação pelos sentidos). Formação, promover a inovação e fomentar a criação, eis alguns dos objectivos pretendidos aos agentes culturais de Macau – uma política cutural séria deve assentar em dois vectores fundamentais: as responsabilidades estruturais e as estratégias.
Conhecer, incluir, circular.

Ao constatar as desvantagens da periferia (estar na periferia é ser necessariamente mais cosmopolita, há mais culturas para conhecer, mais mundos para calcorrear) de Macau – o que leva forçosamente à sua integração ou subordinação (a nossa condição periférica pode trazer consigo um certo nacionalismo e, na opinião de Albert Einstein, “o nacionalismo é uma doença infantil, é o sarampo da humanidade”) –, dever-se-ia apostar na criação de uma órbita cultural. Essa órbita cultural (sem saudosismo e sem heróis) deveria ter sempre dois pólos distintos. Uma de oferta local – a criação de novas galerias (existem muitas salas de projectos, galerias Não) – , com escolas de formação e também educação -, para criar autores, público e críticos em diferentes aéreas.

Um ensino que afine a sensibilidade e expanda a criatividade, para que se possa ver as coisas de outros ângulos e se fuja às rotinas. O público em Macau ainda vai muitas vezes ver a marca/colecção/nome, mas ainda não existe o hábito cultural de ver o produto. Falta criar ainda um trabalho conceptual – um trabalho que não se finque na materialidade – que se apoie e que se dirija ao público. Falta criar novos públicos para a criação contemporânea para linguagens artísticas que procuram a inovação e novas formas de comunicação.

Acabar de vez com os produtores/programadores que só produzem/programam quando subsidiados, que a crítica venera e o público despreza ou esquece. Centrar os programas mais nas ideias e menos nas personalidades. Não basta ter programações culturais é indispensável criar políticas culturais – natureza do público, interesses e origens, gostos e horizontes, fidelização.

Da caligrafia à fotografia, passando naturalmente pela cerâmica, pintura, desenho, gravura, só para citar algumas e outra de cariz internacional – nos museus – não antólogicas ou autobiográficas, mas sim temáticas e transversais, privilegiando temas inspirados em matérias de actualidade e do desenvolvimento.

Convém aqui ressalvar que os grandes nomes mundiais – exposições de referência –, nunca poderão passar pelo Território, não por opção de quem dirige, não por questões orçamentais, não por uma questão de ambição do público, mas porque só são possíveis nos grandes museus do mundo, depois de largos anos de enriquecimento das suas colecções, para que a cedência/intercâmbio, torne o sonho realidade. Não fomos ainda capazes de entender os códigos sociais que favorecem a circulação internacional feita de protocolos institucionais.

Não temos capacidade de aqui trazer propostas centrais sintonizadas com o nosso tempo. Ao fim de quase 500 anos de História, Macau não se pode tornar numa cidade cultural periférica (a geografia não pode, não deve ser vista como uma forma de contenção artística) subalterna, porque isso leva-nos facilmente – só se for essa a ideia –, para a menoridade intelectual, que nos arrasta para perigos de uma certa marginalidade social, jogo/casinos.

A periferia não é nem nunca foi sinónimo de pobreza criativa. As periferias são lugares, pessoas, factos e realidades.

A arte é de todos se a todos for dado acesso – a cultura não é nem mais nem menos que uma questão de hábito – ou não será que “A Arte é necessária para que o Homem se torne capaz de conhecer e mudar o Mundo. Mas a Arte também é necessária em virtude da magia que lhe é inerente” – palavras de Ernest Fischer.

Criar uma cidade de contexto multicultural, multi-étnica, multi-religiosa, de pluralismo cultural e ideológico – com uma visão da cultura de fruição, de liberdade e de inteligência. Somos pluralistas, sem poder ideológico (não existe nem produção nem transmissão de ideias), “é um dos riscos de se viver nos subúrbios, percorremos o vazio, estacionamos na ignorância e habitamos no mundo das crenças”.

“A Arte existe porque a Vida não basta” – Ferreira Gullar (1930-2016), escritor, poeta e crítico de arte brasileiro.

29 Mai 2020

Até que enfim

[dropcap]O[/dropcap]s constantes pedidos de independência para Hong Kong por parte dos activistas, bem como as deslocações de delegações a Washington e outros países, no sentido de motivar uma intervenção internacional na ex-colónia britânica são mais do que motivos para justificar a aprovação da lei de segurança nacional para Hong Kong por parte da Assembleia Popular Nacional.

Assim, Pequim está a garantir a integridade territorial da China que se encontra explicitamente ameaçada pelas reivindicações exibidas nos protestos de Hong Kong. Logo, trata-se de um assunto de defesa nacional, uma atribuição do país consagrada na Lei Básica, portanto de uma acção legal e não ilegal, como alguns iluminados consideram.

Claro que se chegou a este ponto depois da RAEHK se ver paralisada durante vários meses e a violência emergir regularmente por parte dos activistas, tendo encontrado uma reacção tímida do lado da polícia local. Sendo regulamentada a lei, o governo de Hong Kong tem finalmente dentes para acabar com esta situação, altamente prejudicial para as suas gentes e estabelecer um clima pacífico que permita o regresso da normalidade, ao abrigo do segundo sistema, isto é, garantindo os direitos cívicos e políticos expressos na Lei Básica. Até que enfim.

29 Mai 2020

Um dia de cada vez

[dropcap]M[/dropcap]acau acordou ontem orfã de um dos seus mais incontornáveis vultos. Apesar de pessoalmente só conhecer mais a fundo o impacto da sua acção a 11 mil quilómetros daqui, é possível sentir que a população de Macau, ou pelo menos os seus representantes, acusaram a sua perda. Macau tem vivido nos últimos meses (e até nas últimas semanas) tempos intensos e inéditos, acredito até, para quem viva no território há décadas.

Penso que nem o próprio Stanley Ho imaginaria ser possível, em tão curto espaço de tempo, assistir à imposição de encerrar os casinos de Macau durante 15 dias, ao início de uma pandemia que fechou fronteiras e está a toldar de forma implacável as relações económicas e internacionais, ao acentuar da crise social e política de Hong Kong e à decisão de proibir a realização da exposição fotográfica do 4 de Junho.

Em tão prováveis tempos de mudança, as perdas custam mais a aceitar e é fácil sairem-nos palavras que casam bem com “os bons velhos tempos”, mas talvez seja precisamente agora que é ainda mais necessário estar vigilante e seguir exemplos que nos levam a fazer aquilo que importa, um dia de cada vez.

28 Mai 2020

A Constituição e a Covid-19

“Our Constitution is partly a reality, but only partially is true. Partially it is still a program, an ideal, a hope, a commitment, a work to be done.”
Piero Calamandrei
Discussion on the Constitution

 

[dropcap]O[/dropcap] poeta italiano Dante Alighieri no “Inferno” da “Divina Comédia” dizia: “Considerai a vossa própria semente; vivamos não como brutos, mas para seguirmos a virtude e o conhecimento”. Neste momento, as pessoas expressam medo, angústia e, por vezes, até pânico. O que produz o medo, angústia e pânico? Estas emoções facilitam uma redução do poder do nosso sistema imunitário e tornam-nos mais vulneráveis aos ataques da Covid-19 (ou de qualquer outra patologia). Se olharmos com atenção, percebemos que “a tarefa da Covid-19” tem na verdade uma raiz mais profunda noutro vírus, o vírus financeiro!

É assim para que possamos dar sinais fortes, porque somos capazes, como povo global, de pôr um fim a esta escravidão, porque todos pedem segurança e serenidade, para si, para as suas famílias, para os seus países e para o mundo inteiro. A segurança e a serenidade são alcançadas de duas formas, primeiro, ter claras práticas “meditativas”, evolução e crescimento pessoal que permitam aos nossos “Eus” ter um guia interior, ligado à nossa alma, porque desta forma experimentamos total segurança e serenidade em qualquer situação e não vamos depender de situações externas! É o mais proveitoso que podemos fazer, porque precisamos de reforçar o nosso sistema imunitário.

Além disso, a segurança, serenidade, alegria, humor e “eros” são os sentimentos e as formas que trazem um grande benefício no reforço das nossas defesas imunitárias. Depois há algo, que temos de fazer para consolidar a segurança e a serenidade, pois necessitamos de ser capazes de ter uma visão do mundo externo articulada, bem formada, como a do mundo interno (quando praticamos meditação e outras práticas de transformação e crescimento pessoal). Devemos poder ver o mundo com os olhos desprendidos, para que possamos ver que existe uma saída. Esta saída está muito próxima de nós e chama-se Constituição. É o que podemos aprender com a Covid-19 Temos de aproveitar como uma oportunidade única que temos de despertar a consciência; no sentido de uma grande ocasião, provavelmente “irrepetível”, porque toda a humanidade tem de mudar os seus hábitos.

Os hábitos que tínhamos antes não eram bons hábitos, eram maus hábitos, tanto alimentares como culturais e sociais! Temos de rever todo o nosso modo de vida, que não foi orientado pela sabedoria, mas sim pela patetice. Nas últimas décadas, a maior parte da humanidade tem-se comportado como um bando de desorientados. É por isso que a Covid-19 pode tornar-se um momento extraordinário, uma oportunidade para despertar toda a humanidade, porque pode expor a gaiola financeira em que todos no mundo são prisioneiros. Encontramo-nos numa prisão financeira global. O dinheiro domina tudo, subjuga o bem-estar dos trabalhadores, sujeita o povo, que é oprimido pelas finanças internacionais. Ainda que não tendo uma visão comunista do mundo, todas as pessoas são escravas deste sistema e apenas uma “elite” muito pequena detém o controlo e a propriedade das finanças mundiais. Como funciona este sistema opressivo de financiamento internacional gerado pela cultura neoliberal?

Simples, as finanças internacionais exigem que todos, enquanto seres humanos individualmente, grupos e comunidade, pratiquem uma forte concorrência (entre nós e entre países); forte concorrência a todos os níveis como concorrência política, económica e social. Não há dúvida de que uma forte concorrência política, económica e social é fundamentalmente inconstitucional em quase todo mundo. Não é preciso “grandes estudos” para compreender este princípio fundamental. A Constituição em geral baseia-se na solidariedade e na cooperação e não numa forte concorrência, por outras palavras, com o sistema actual, as finanças dominam o povo, enquanto “constitucionalmente” deveriam ser as pessoas a dominar as finanças.

As finanças devem estar ao serviço do povo e não o contrário! Este princípio também mudaria completamente os modos de governo, pois actualmente, estes servem para tornar os povos cada vez mais escravos das finanças internacionais, o que é absolutamente inconstitucional! Antes da Covid-19 os economistas que se referiam ao modelo predatório neoliberal aconselharam em quase todo o mundo a reduzir as despesas nos cuidados de saúde, diminuir o número de médicos, cortar o número de enfermeiros, fechar pequenos hospitais, evitar a compra de equipamento médico… Reduzir foi a palavra de ordem! Se olharmos para o mundo actual surge a inevitável pergunta – nos últimos dez anos quantos milhares de milhões de dólares ou euros foram cortados no mundo nos cuidados de saúde pública, quantas camas foram eliminadas e quantas enfermarias foram encerradas, para além do encerramento de inúmeros pequenos hospitais?

Quantos médicos que, uma vez reformados, não foram substituídos por novas contratações? Os resultados destas infelizes escolhas estão à frente dos olhos de todos! Podemos dizer que estas escolhas, implementadas pelos vários governos dos países à escala mundial, têm estado em contraste com a maioria das suas Constituições que deve mencionar mais ou menos a ideia de que o Estado protege a saúde como um direito fundamental do indivíduo e do interesse da comunidade, e garante o atendimento gratuito aos necessitados. Ninguém pode ser obrigado a submeter-se a determinado tratamento médico, excepto por disposição legal. A lei não pode, em caso algum, violar os limites impostos pelo respeito pela pessoa humana. Outro tema actual é o sistema prisional. Houve motins em alguns países e haverá no futuro devido à Covid-19.

Os motins devem-se também ao medo de os prisioneiros serem infectados; as prisões estão sobrelotadas, pelo que, se o vírus entrasse, o contágio alastraria rapidamente e com cenários dramáticos. Não é preciso fechar os olhos! Há uma admissão necessária a ser feita, pois as condições de vida dentro das celas tornaram-se insustentáveis. Mas para todos, não só para os prisioneiros, entre os quais se espalha no silêncio culpado da política e da opinião pública, o número de sujeitos psiquiátricos que, durante muito tempo, já não têm um lugar para os acolher, condições de vida terríveis que, em pouco menos de dez anos, perturbaram e agravaram um ecossistema muito delicado, em que os directores das instituições, a direcção e elementos da polícia prisional, os polícias, o corpo de educadores e o exército de voluntários e profissionais de saúde, todos os dias correm muito mais riscos do que uma infecção por Covid-19. Porque é que as prisões estão sobrelotadas?

Se estão sobrelotadas, significa que são demasiado pequenas em comparação com a população prisional. Mesmo nesta área torna-se fácil desmascarar o perverso guia neoliberal das escolhas de política económica; assim, se as prisões estão superlotadas, significa que aqueles que as deveriam ter alargado receberam a recomendação habitual de reduzir as despesas, porque não há dinheiro; reduzir as despesas com os cuidados de saúde, porque não há dinheiro; reduzir as despesas com a aplicação da lei; reduzir as despesas com os bombeiros, etc. Haverá alguma hipótese de tornar a população prisional menos numerosa? Sim, há.

Poderão ser aplicadas medidas alternativas à prisão, especialmente a prisão domiciliária. Mas para tal precisaríamos de mais agentes da autoridade, ou pulseiras electrónicas, mas não existem o suficiente! Como assim?

A resposta é a habitual, o corte nas despesas, não existe dinheiro suficiente! Deveríamos ter tido mais hospitais, mais médicos, mais camas de cuidados intensivos, mais respiradores. Deveríamos ter tido prisões maiores. Não deveríamos ter o “numerus clausus” para certas disciplinas universitárias (tente pensar nisso, mesmo a tentativa de controlar o crescimento cultural das nossas futuras gerações). Espero que todos acordemos! Que retiremos “os atributos” e que se possa defender toda a população e não uma pequena elite que detém o controlo financeiro. Assim surge o ensinamento cristão de que “Então Jesus entrou no templo e expulsou todos aqueles que ali se encontravam para comprar e vender; derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores …e disse-lhes a minha casa será chamada casa de oração, mas vós fazeis dela um antro de ladrões.”, Mateus 12-13. Por que chegámos a este ponto?

Fizemo-lo porque “não havia dinheiro”? Para construir (reconstruir) uma ponte, um hospital ou uma escola pode faltar matéria-prima, pode faltar trabalho, mas a única coisa que nunca pode faltar é dinheiro! Nas Constituições e na democracia, o dinheiro do Estado é impresso pelo Banco Central. O Banco Central pode imprimi-lo com uma simples decisão e na medida do necessário para a economia, para conseguir o pleno emprego e para criar o bem-estar da população. E poderíamos também falar da gestão do fenómeno da inflação, a que tal processo pode conduzir, mas contra o qual existem medidas que tendem a equilibrar este círculo virtuoso (como a “escada rolante” para o ajustamento dos salários). Imagino agora a reacção dos economistas “mainstream” que arrancam a roupa, rasgam o cabelo, gritam heresias, mas como se atrevem a permitir-se sustentar tais falsidades! Como podem ainda apoiar as provas embaraçosas do fracasso da economia geral? E qual será a justificação de que não há dinheiro! Mas não se percebe? O nível insustentável da dívida pública de muitos países? Continua a aumentar!

As dívidas devem ser pagas! Para construir hospitais criam-se dívidas! Para contratar enfermeiros e médicos criam-se dívidas, etc. O cântico habitual! Estes economistas ou são escravos do sistema ou, pior ainda, da forte folha de pagamentos dos poderes, ou são realmente ignorantes; nunca leram (ou compreenderam) uma página de John Maynard Keynes ou não leram (ou não compreenderam) as Constituições dos países. Ou pior ainda…ambos ao mesmo tempo. A maioria das Constituições dos Estados-Membros da União Europeia (UE) prevê a soberania monetária! Isto significa que os Bancos Centrais (e não o BCE) podem imprimir todo o dinheiro necessário. O problema é que grande parte dos povos europeus acreditou nessas pessoas. Os povos europeus continuam a acreditar que não há dinheiro, que vivem além das suas possibilidades, que se gerou uma enorme dívida pública ao contrário dos alemães, que são formigas salvadoras, e os outros as cigarras gastadoras da Europa.

Quantas falsidades nos enchem a cabeça todos os dias! Chegou o momento de nos fazermos ouvir, de todas as pessoas partilharem estes pensamentos, até que os políticos e os economistas mal intencionados sejam desmascarados e a mudança desejada se realize. Chegou o momento de transformar o medo em raiva, para que a raiva se torne o combustível da mudança: “A raiva é para as pessoas como a gasolina é para os automóveis; é o combustível que nos faz mudar para um lugar melhor”. Caso contrário, não teríamos o impulso necessário para enfrentar um desafio. É a energia que nos permite reagir à injustiça disse Mahatma Gandhi. É de esperar e acreditar, que cada europeu acorde e ponha em acção a sua energia e vontade pessoais para que os valores das diversas Constituições dos Estados-Membros possam ser implementados e renovados.

Os cidadãos da UE são forçados a entrar numa gaiola financeira internacional e encontram-se numa das prisões mais rígidas de toda a comunidade mundial. A UE utiliza a opressão do povo e, em primeiro lugar, a opressão da informação através da destruição dos cérebros pensantes do povo, em virtude do facto de serem donos de todos os meios de comunicação social e, por conseguinte, de terem enchido o povo europeu com a história “da dívida pública fora de controlo”, com o facto de “ter de se manter dentro de um orçamento equilibrado” e com uma sequência de disparates deste tipo. Muitos governos europeus atribuíram milhares de milhões de euros para fazer face às urgências decorrentes dos bem conhecidos acontecimentos ligados à Covid-19. Chegou-se a esses montantes mendigando do sistema europeu, e quem sabe porquê, passados alguns dias, quando a necessidade já não era apenas de uns poucos países, mas também franco-alemã, veio a comunicação da Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen anunciar que a Comissão Europeia activou, pela primeira vez, a cláusula de salvaguarda do Pacto de Estabilidade, que permitirá aos governos de cada um dos países da zona euro “injectar dinheiro no sistema enquanto for necessário” – “A Covid-19 tem um impacto dramático na economia, e muitos sectores são afectados.”

A presidente da Comissão Europeia acrescentaria “O encerramento é necessário, mas atrasa gravemente a actividade económica. …faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para apoiar a economia e os cidadãos, e respeitamo-lo. Os auxílios estatais são os mais flexíveis de sempre e os vossos governos podem dar o dinheiro de que precisam a restaurantes, lojas, pequenas e médias empresas” Só? O que significa “dar o dinheiro de que precisam”? Ela não disse “empresta o dinheiro”. Mas, na verdade, todo o dinheiro que vai ser colocado no sistema será considerado dívida! Esperemos que não. Isso seria o fim! Os principais economistas e pró-europeus obrigaram-nos a viver mendigando à UE. Este é um modelo de controlo sem precedentes para a Europa. É um modelo predatório e violento que apenas serve para matar pessoas e destruir o planeta. Trata-se de um sistema criminoso. A injecção dos milhares de milhões de euros acordados é absolutamente insuficiente. São uma bagatela em comparação com o que é preciso.

Considerando que a pandemia da Covid-19 irá durar alguns meses, que se poderá transformar em vírus endémico e permanecer para sempre, há que considerar que a paragem da economia irá custar pelo menos dois ou três triliões de euros à economia até Dezembro de 2020, o que significa que, se os países saírem da emergência no final de Junho, são precisos muitas centenas de milhares de milhões de euros para reparar os danos à economia que, em grande parte, parou. Mas mesmo que se encontrem os fundos necessários, mesmo que se consiga adiar o pagamento dos impostos, no final será tudo dívida, o que significa que então ter-se-á de pagar porque estão todos endividados! E a única razão pela qual estão endividados é a hipnose gerada pela ignorância e pelo medo de quem sabe que catástrofes poderiam acontecer se os pactos europeus não fossem respeitados. Um povo consciente de que a moeda é impressa e de que se trata de um assunto do Estado, não deve temer nada. Em vez disso, o sistema (predatório e criminoso) prevê que o BCE imprima papel-moeda (ou seja, imprima dinheiro do nada…), empreste esse dinheiro aos bancos privados (a juro zero…) e os bancos privados decidam arbitrariamente a quem o emprestar.

Aplicando taxas, que, em comparação com zero, duplicam, triplicam, quadruplicam na melhor das hipóteses o seu rendimento. O outro aspecto a revolucionar é o sistema de crédito, pois os bancos protegem-se atrás de Basileia 1,2,3,4, e quem sabe que outras “bases de dados” ou registos, onde (cidadãos e trabalhadores honestos) são comparados com criminosos que vivem condenados por toda a vida a deixarem de ter acesso ao crédito por terem saltado ou atrasado alguma prestação de algum empréstimo ou hipoteca, ou (na sua vida empresarial) por terem tido alguns acidentes. Então, uma vez que o dinheiro é criado do nada, porque deixar este privilégio para o BCE e para o “lobby” da banca privada? Ficarem ricos à custa do povo europeu?

28 Mai 2020

Nós que apertámos a mão a Stanley Ho

[dropcap]Q[/dropcap]uando cheguei à cidade do Nome de Deus em 1990, muito pouco tempo depois de ter realmente aterrado, ouvi pela primeira vez a frase, encantatória como um rifão: “O que é bom para a STDM, é bom para Macau”. Por isso, não se lhe discutiam os desejos, as ambições ou mesmo os caprichos. A empresa de Stanley Ho, concessionária do Jogo, senhora de casinos, era a fonte, era o rio, era o mar, onde tudo e todos se banhavam. Era dali que vinha o dinheiro que a todos nós proporcionava a boa, a média e, sobretudo, a má vida. E ele, o rei de Macau, por trás de tudo pairava, tudo e todos inspirava e muito raramente se encontrava alguém que por ele não nutrisse admiração ou mesmo gratidão.

Fôra Stanley Ho que transformara a aldeia adormecida, gasta pela guerra e as intrigas esquineiras, as invejas e as tácticas traiçoeiras, naquela que era já nessa altura a capital do Jogo na Ásia e, nesse movimento, trouxera até este porto os traços do cosmopolitismo e de alguma modernidade. Trouxera o dinheiro, que jorrava a rodos, mas trouxera também as beldades. Quanto aos portugueses, de índole sempre sombria, achei-os passivos e conformados. “É assim Macau, meu filho. Vai-te habituando”. E eu ia. E era bom. Eu diria: mesmo muito bom.

Chegara como jornalista e como tal recebi o meu convite para a festa anual da STDM que, mais que uma festa, era uma gesta. E foi aí que pela primeira vez o vi ao vivo e lhe apertei a mão. Olhou-me como se tivesse realmente curiosidade em conhecer-me. Devia fazer o mesmo a toda a gente, mas ter, ainda que por breves segundos, a atenção de tão augusto personagem, apreciar a sua candura e simpatia, fez-me sonhar que talvez, afinal de contas e bem vistas as coisas, aqui tivesse um lugar. Para ficar, para viver, quiçá morrer.

Afinal, parecia ter adquirido o seu assentimento, a sua real autorização. Eu apertara a mão a Stanley Ho.
Depois veio a realidade, a informação. Soube que tudo, das dragas à televisão, se encontrava nas suas mãos. Mãos que, aliás, eram benévolas e abertas pois havia sempre alguém que o representava, em quem ele delegava e esse era um dos problemas, pois nem sempre seria o tipo certo, o mais competente, o mais ladino, o mais sagaz. Stanley Ho parecia confiar mais por dever, mais por graça, do que por isso lhe proporcionar lucros maiores ou vida mais faustosa. Tinha quatro mulheres, diziam-me, mas isso era natural.

Naturalmente, pensava eu com os botões desabotoados da camisa, enquanto o suor me escorria da testa como uma cascata se despenha da colina. E filhos, filhos às dezenas, às centenas e a todos dava provimento.

Mesmo aos cadilhos que, ao que dizem, prosperavam como o vento sopra por ruelas apertadas, como as que povoam este Macau que eu já, mesmo sem saber, sem me dar conta, por contágio, amava.

E lá o fui encontrando. Cerimónias oficiais e outras coisas que mais. E perguntava-me: ele tem paciência para isto? Chiça, nem Cristo descido da cruz aguentaria estes discursos, estes jantares, esta trepidação de nada, uma curva sem estrada. Mas ele lá estava, sempre de bom humor e, sobretudo, a falar com os portugueses.

Era o Lisboa, o maior casino da Ásia com o nome da minha cidade, o Sintra, o Estoril, o Metrópole, as saunas das vidas quentes, a loucura de uma cidade sem igual. Anos 90, “the Casablanca of the nineties”, rosnava a revista TIME e ele por todo o lado, a providenciar ainda que fosse o que não lhe fôra pedido.

Se queres fazer alguma coisa, pede ao Stanley Ho, dizia-se, sussurrava-se, num murmúrio. E era assim, devia ser assim. E se algo era como era, era porque ele queria que fosse assim e doutra maneira não dava jeito.

Fez-se o Centro, a fundação, o aeroporto, as avenidas, as malas, os contentores, as guitarras e as bailarinas, tudo a preceito. Se ele soubesse o quanto em seu nome foi feito…

Mas assim procede um rei que há muito perdera as ilusões. E Macau recitava baixinho: enquanto for do Stanley temos pão para o caminho. E assim era e assim foi. Tarde houve em que perguntei ao cozinheiro, ao chefe mais famoso do mundo: o que fazes aqui nesta cidade perdida, neste mundo sem lugar? E o Robuchon respondeu: “Foi o dr. Stanley Ho quem me convenceu. Vim por ele. Um homem fino como poucos”. É certo que torcia o sensível nariz francês ao corrupio de armas e miúdas assinaladas, que já na altura trotavam no rés-do-chão. Mas, por ele, ficava, cozinhava e não largava. Não, não era por dinheiro, pela aventura ou para conhecer o Oriente. Os olhos azuis não mentiam: era por ele e só por ele, a quem não queria deixar sem face e partir de malas aviadas para a sua Paris ou para Tóquio ou mesmo para Hong Kong onde se limitou a montar o seu atelier.

O rei agora morreu. A sua cidade morrera um pouco antes. Não podemos dizer que nada será como dantes. Edmundo mudou a face deste sítio. Vieram os americanos a julgar que o afectavam com o calor da sua cozinha mal parida. Mas nada disso. A todos acolheu com calma, lealdade e sem sobranceria. Nada tinha a ganhar e, com certeza não perdia. Não perdeu. Dividiu e agora os vindouros que se amanhem.

Com ele partimos nós também. Parte um mundo de todos desconhecido. Que dançava, que beijava, que se irava e se entregava em noites de delíquios rosa, em quartos bordados de fórmica e peluches. E disso sabemos nós: os que apertámos a mão a Stanley Ho. Até sempre, meu rei.

27 Mai 2020

Uma vida cheia

[dropcap]A[/dropcap]ntes de partir para Macau, em 2011, celebrei o meu 23º aniversário em Portugal. À mesa do almoço, um primo meu disse-me que eu ia para a terra do Stanley Ho. Nunca tinha ouvido falar de tal nome, até que ele me disse que era um importante empresário do jogo. Chegada a Macau, estagiária, depressa percebi a sua importância. Tinha uma rua com o seu nome, mas a sua influência estendia-se a quase todo o território.

Stanley Ho não se limitou a ser empresário na área do jogo mas fez também muito pela sua cidade com vários investimentos públicos, além de sempre ter tido uma inegável importância para o poder político local.

Mas queria destacar a especial relação que sempre teve com os portugueses e com Portugal, uma relação de inteligência e de compreensão, o que levou os seus parceiros de negócios e empresas a manterem sempre uma ligação com aquilo que é português. Quem não se recorda do casino Grand Lisboa com as cores da bandeira portuguesa no 10 de Junho? E o donativo de 65 milhões de patacas da Sociedade de Jogos de Macau à Fundação Escola Portuguesa de Macau? E a presença de Stanley Ho em Portugal através do grupo Estoril-sol SGPS e da relação com a zona do Estoril?

Stanley Ho nunca esteve divorciado do território que o acolheu, bem pelo contrário. Abraçou-o e compreendeu-o, movendo-se bem no meio dos seus interesses e vicissitudes. Percebeu a importância da relação com a comunidade portuguesa e com Portugal muito mais do que certos políticos. Partiu ontem, aos 98 anos, depois de uma vida longa e preenchida.

27 Mai 2020

Não ponham gelados na vagina

[dropcap]N[/dropcap]ão encontro quem confirme que colocar gelados na vagina é um método eficaz para se refrescar num dia de calor, mas tenho visto muitas fontes a pedirem às vaginas que evitem encontros com natas geladas. Claro que com estes avisos vem um mar de explicações, por pessoas de grande autoridade no tema, reforçando que a ideia é péssima: e é. Os gelados têm açúcar, têm corantes, têm tanta coisa que destroem a fantástica homeostasia da saúde da vagina, com o seu pH e flora perfeitos.

De onde virá tamanha parvoíce? Da desinformação ou de falhas graves de lógica? Comer um gelado faz-nos sentir mais refrescados, por isso, porque não experimentar inserir este pedaço de refresco em outro lugar?

Não sei. A desinformação já é amplamente discutida desde 2016, quando um suposto candidato a presidente conseguiu chegar ao cargo presidencial. Tudo com a ajuda de notícias falsas que alimentavam câmaras de ressonância opinativa – onde aquilo em que se acreditava era mantido, repetido e disseminado. Em tempos de covid-19 tem-se visto por aí muita informação falsa que se faz passar por informação legitima de como mitigar esta pandemia. Até o dirigente da ONU já veio alertar que o problema não é só de um vírus, é o da infodemia de desinformação.

Achar que colocar gelados na vagina pode refrescar ou achar que consumir desinfectante é uma forma eficaz de se proteger do coronavírus resultam de processos bastante semelhantes. A literatura é vasta no estudo da desinformação e na probabilidade em alguém acreditar e partilhar conteúdos falsos. A maior parte deles estuda o perfil das pessoas, se são mais liberais ou conservadores, educados, novos ou velhos e presença de alguns traços de personalidade. A resposta não é simples. Não há um perfil concreto, mas a investigação tem mostrado que a educação pode não influenciar, e que a ideologia política pode ajudar se combinada com outras características. Outros teóricos têm olhado para a forma como o descontentamento no mundo tem fomentado a desconfiança nas instituições e na ciência. Daí vem a dificuldade em olhar para informação de forma crítica, porque resulta num natural alinhamento de crenças já pré-existentes, agora reforçadas.

Eu diria até, antes das redes sociais e das ideias parvas, a desinformação começou logo no sexo. Tanto secretismo e tabu deu azo a mitos ao longo dos tempos. Se as mulheres menstruadas entrassem numa adega estragavam o vinho, é um exemplo. A ciência provou-se útil para desmistificar estas crenças, que são parvas, claro. A ciência tornou-se num recurso importante para perceber o que é real e não é, uma bussola que nos orienta. Mas com isso veio outro perigo: a ciência como único mecanismo capaz de clarificar a realidade, deslegitimando os corpos da sua própria vivência. Temos que combater a desinformação sem nunca esquecer que os espaços de diálogo, discussão, partilha críticos continuam a ser necessários. Sem dogmas ou moralismos.

Injectar desinfectante é uma tontice e é extremamente perigoso. Numa altura de pandemia em que há dúvidas, e uma ciência que vai evoluindo na sua imperfeição de perceber umas coisas e ainda não perceber outras, viu-se aqui um terreno fértil para ideias falsas e teorias da conspiração. São precisas soluções consertadas para repudiar esta tendência crescente de acreditar em que tudo o que se diz nas redes sociais nossas conhecidas. São também necessárias formas democráticas de participação no encontro entre a ciência e o nosso dia-a-dia, seja para lidar com uma pandemia, ou para lidar com a nossa sexualidade. De qualquer modo, não coloquem gelados na vagina.

27 Mai 2020

Mediação na Área da Grande Baía

[dropcap]U[/dropcap]ltimamente, algumas personalidades de Hong Kong e de Macau têm sugerido que as cidades que integram a área da Grande Baía devem implementar o mais rapidamente possível o reconhecimento mutúo dos certificados de mediação. Durante os recentes encontros da Assembleia Popular Nacional e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, muitos intervenientes pronunciaram-se sobre a questão da mediação. Poderão as cidades da Grande Baía reconhecer mutuamente os diferentes certificados de mediação?

Em termos gerais, a mediação é efectuada por um “pacificador”, ou seja, alguém que ajuda a resolver as disputas entre duas partes em conflito. A Área da Grande Baía (AGB) é formada por nove cidades da Província de Guangdong e por duas regiões administrativas especias – Hong Kong e Macau. No que respeita ao sistema judicial, a China rege-se pela lei socialista, Hong Kong pelo direito comum e Macau pelo direito cívil. Os três sistemas legais aplicam-se em Guangdong, Hong Kong e Macau. Como Hong Kong e Macau se vão integrar na AGB, a mediação entre os três sistemas é indispensável. Uma das funções da lei é a resolução de conflitos, usando para tal a mediação, a arbitragem e a litigação entre outros. O reconhecimento mutúo dos certificados de mediação entre Guangdong, Hong Kong e Macau promoverá o desenvolvimento da AGB, ajudará a integração dos sistemas jurídicos e criará mecanismos conjuntos de resolução de conflitos.

E porquê optar pela mediação como primeiro passo para a resolução de disputas? Porque é o mais simples. A arbitragem requer um árbitro. Neste caso o ideal é as partes envolvidas escolherem-no de comum acordo.

No entanto, se as partes não chegarem a consenso, a autoridade de arbitragem pode indicar um da sua escolha. A decisão deste árbitro pode ser cumprida através da legislação local. Quando existe um acordo de arbitragem internacional, cada país reconhece as decisões jurídicas do outro. Assim sendo, a arbitragem tem uma natureza internacional.

A litigação passa sempre pelo tribunal, as partes envolvidas têm direito de escolher o juiz, a decisão do tribunal tem de ser cumprida e não pode ser alterada ao sabor dos desejos das partes envolvidas. A mediação pode não ser feita em tribunal, e a decisão do mediador pode ser alterada de acordo com a conveniência das partes envolvidas. Por aqui podemos ver que a mediação é diferente da arbitragem internacional e da litigação.

Como já foi mencionado, as leis de Guangdong, Hong Kong e Macau são diferentes e os procedimentos e requisitos para conduzir a mediação também o são. A melhor forma de reconhecer o certificado de mediação da outra parte é lidar com as legislações locais separadamente. No entanto, pode haver alturas em que os certificados da outra parte levantem problemas. A mediação destina-se a resolver problemas de forma diplomática. Não é tanto o interesse de cada uma das partes que está em causa, mas a forma de chegaram a um acordo. Exemplo disso, é o acordo necessário para a escolha do mediador, sem o qual a mediação não é realizável.

Como os mediadores são escolhidos de comum acordo, as partes envolvidas preocupam-se sobretudo com a sua fiabilidade e eficácia, e não tanto com a sua formação. Se o mediador não teve formação jurídica, mas possuir um certificado de mediação e as partes envolvidas o reconhecerem, poderá este certificado ser aceite em Guangdong, Hong Kong e Macau?

Existem muitas situações susceptíveis de ser mediadas. Quais o poderão ser entre Guangdong, Hong Kong e Macau já é outra questão. A “Convenção de Mediação de Singapura” dá-nos disso um bom exemplo. Promulgada em Agosto de 2019, transpõe a mediação local para mediação internacional. Sessenta e sete países e regiões assinaram esta convenção, que fornece mecanismos e padrões internacionais às empresas e aos parceiros de diferentes nacionalidades para obterem acordos por este meio. Por outras palavras, a Convenção de Mediação de Singapura permite que uma parte execute um acordo de mediação de forma a levantar uma acção no tribunal da região ou país onde reside a parte contrária, pedindo uma indemnização, sem que seja necessário submeter-se de antemão a uma avaliação sobre a possibilidade de violação do acordo de mediação, efectuada no tribunal da zona de residência da parte contrária.

A mediação entre Guangdong, Hong Kong e Macau tem lugar dentro da China, é portanto de âmbito nacional e não está sujeita à Convenção de Mediação de Singapura. Os países que não assinaram esta convenção não são obrigados seguir os seus termos. A Convenção de Mediação de Singapura só se destina a regular conflitos económicos. Poderá a mediação da Área da Grande Baía começar por regular disputas comerciais e depois vir a estender-se a casos cíveis?

A Mediação não é um processo complicado, mas o reconhecimento mútuo dos certificados de mediação por parte de Guangdong, Hong Kong, e Macau implica ajustes, porque estão em causa três sistemas jurídicos distintos, com procedimentos e requisitos diferentes. É inegável que este reconhecimento é o primeiro passo para a integração e é também um passo indispensável para que Hong Kong e Macau possam integrar a Área da Grande Baía.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

26 Mai 2020

O outro medo

[dropcap]A[/dropcap]credito que a razão para não haver eventos relacionados com Tiananmen é puramente política. No entanto, não se trata, ainda, do desejo de proibir de forma permanente as menções a este massacre. Isso vai chegar, mas ainda não é agora.

O grande medo do Governo não é a pandemia, o que está verdadeiramente em causa é o receio de que algumas das pessoas na vigília mostrem simpatia pela causa democrática de Hong Kong. As situações de Tiananmen e Hong Kong têm demasiados paralelismos e a tentação é fácil… Durante muito tempo em Hong Kong perguntava-se quando é que o exército ia para a rua. E ele foi, mas para fazer “voluntariado”, no meio de muita polémica.

Ficou um aviso. É este o grande medo das autoridades locais. Caso houvesse solidariedade pública de pessoas de Macau para com Hong Kong acabava-se a narrativa do filho bom do princípio Um País, Dois Sistemas implementado de forma correcta. E logo numa altura tão sensível. Finalmente, a decisão da Lei de Segurança Nacional em Hong Kong é totalmente contrária à Lei Básica, que foi redigida muito claramente neste ponto para que não houvesse intervenção do Governo Central.

Agora, é falso focar o assunto na legitimidade de Pequim ou tratá-lo como se fosse relacionado com a soberania. Na forma como o sistema está montado, a soberania nunca esteve em causa. O que se esperava era que o Governo Central respeitasse as leis que ele próprio aprovou e que nasceram de uma transição complicada, mas pacífica. Infelizmente não foi isso que aconteceu.

26 Mai 2020

Escravatura moderna

[dropcap]P[/dropcap]arece que em Macau não se vive apenas com base no distanciamento social. Vai ao extremo de haver distanciamento humanitário. Há quem viva numa bolha que não rebenta, independentemente de o outro estar à sua frente ou não.

O que acontece por cá com empregadas domésticas é, muitas vezes, escravatura moderna. Que outro nome se pode dar à autorização de contratação de pessoas por salários inferiores ao definido como de risco social? Nunca será fácil a quem depende de um visto de trabalho impor-se e tornar-se vocal quanto às injustiças que enfrenta.

Desafio quem ainda não o fez a trocar uma noite de Netflix pela leitura da Lei da contratação de trabalhadores não residentes para perceber as dificuldades enfrentadas. Não é preciso pagar a uma pessoa de acordo com o estilo de vida que cada um leva, mas também não se deve poder levar um estilo de vida melhor pelo facto de se pagar a um trabalhador aquém do necessário para este conseguir arrendar um quarto individual em Macau.

Há quem tenha tido o azar de se deparar com falta de oportunidades no país onde nasceu e possa enfrentar outro tipo de dificuldades na emigração para regiões ou países alternativos. Este contexto não deve servir como desculpa para as pessoas serem tratadas com desumanidade. Para se ser bom, a comparação não pode ser feita em relação aos piores cenários, mas antes tentar reduzir a distância face a sistemas melhores.

25 Mai 2020

Apocalipse e biopolítica

[dropcap]A[/dropcap] propósito da pandemia, e das consequências que a sua difusão provocou, fala-se muitas vezes de “catástrofe”. Seria talvez mais correcto falar de um evento apocalíptico. Apocalipse significa, literalmente, “revelação” (do grego apocalypsis): tem por isso que ver com a verdade, uma verdade que podia estar de alguma forma escondida, ou passar despercebida.

A pandemia é um evento apocalíptico porque traz à luz, antes de mais, a fragilidade dos equilíbrios da nossa sociedade globalizada, os seus perigos, os seus conflitos entre diferentes hábitos e formas de racionalidade, os nossos próprios medos, a partir dos quais governamos os fenómenos, as nossas relações com a vida, com a natureza, e com os outros humanos. E é um evento apocalíptico porque, revelando os fundamentos – científicos, políticos, económicos, espirituais, relacionais – que deram forma às nossas maneiras de viver e às nossas crenças, evidencia ao mesmo tempo inevitavelmente a historicidade destes, o que contraria qualquer carácter absoluto que se poderia presumir neles. Não é por acaso que noções como “progresso” e “desenvolvimento”, que caracterizam os nossos paradigmas de conhecimento enraizados na tradição iluminista, são as primeiras a serem postas em causa, a serem abaladas por aquela tempestade que puxa para a frente o Anjo apocalíptico de Klee, descrito por Walter Benjamin. À volta da história global, assim como das nossas biografias individuais, desenha-se assim uma linha de corte. Estamos perante um trauma colectivo que cada um de nós vive ao mesmo tempo como trauma psicológico e relacional: mesmo que muitos eventos do passado recente nos tivessem já alertado para o facto de não vivermos provavelmente no melhor dos mundos possíveis, o que nos é agora atirado à cara é que aquele subtil equilíbrio de forças a que chamamos “normalidade”, se não se tornou de todo inviável, foi e pode voltar a ser, em qualquer momento, posto em causa. O mundo surge-nos agora como precário, assim como precárias nos surgem de maneira imprevista as nossas imagens do presente e os óculos com os quais costumávamos projectar a nossa vida no futuro.

Esta crise tem todas as características descritas pelo antropólogo italiano Ernesto De Martino no seu estudo sobre os “apocalipses culturais”. Para De Martino, cada cultura desenvolve técnicas específicas com o objectivo de tornar habitável o mundo, definindo um equilíbrio com a natureza e construindo hábitos e rituais capazes de lidar com a constitutiva incerteza humana, transcendendo o indivíduo e a mera animalidade da vida: um “mundo” existe enquanto houver técnicas capazes de estabelecer relações. Pelo contrário, verifica-se um “fim do mundo” – um apocalipse cultural – quando estas técnicas deixam de fazer sentido, e já não conseguem “tocar” os fenómenos, tornando inviáveis os nossos pontos de referência relativos ao conhecimento do mundo. Daí aquela sensação de angústia característica de qualquer experiência cultural do apocalipse: com a perta deste ethos transcendente (“ethos del trascendimento” nas palavras de De Martino), desta capacidade de relacionamento permitida pelas técnicas, a existência humana fica como que abandonada a si mesma. A crise apocalíptica revela, portanto, a insuficiência das técnicas construídas por uma cultura à volta da vida, e o risco, que cada cultura vive como o seu mais profundo inconsciente, que além deste fim do mundo, não haja nenhum outro mundo habitável.

Neste sentido, o apocalipse cultural que vivemos é caracterizado, por um lado, pela revelação da dificuldade actual de as nossas “técnicas” nos oferecerem uma maneira de nos relacionarmos com o mundo, e, portanto, de pensarmos um mundo novamente habitável, uma vida não reduzida às suas funções essenciais, e, por outro lado, pela revelação do conflito entre as diferentes racionalidades que sustentam estas técnicas. Um conflito que atravessa toda a história da modernidade e que, como explicava o filósofo francês Michel Foucault, tem como campo de jogo o governo da população no seu todo, assim como o controlo da conduta de vida dos indivíduos: uma biopolítica.

Foucault sublinhou o estatuto “prático” das regras que definem os paradigmas científicos modernos. De forma particularmente evidente no caso de ciências sociais e médicas – se pensarmos como as ciências psiquiátricas ou a medicina foram construindo os seus protocolos através da definição progressiva dos “doentes” – o seu surgimento aparece justamente com o nascimento de instituições de controlo e de separação (hospitais e retiros). Estas ciências da população são ao mesmo tempo formas de governo: como tais, perante um fenómeno novo que não se consegue interpretar no contexto de quadros epistemológicos antecedentes, como a aparição de um vírus desconhecido, há um momento em que o aspecto decisório acaba por prevalecer sobre a fundamentação científica: no caso actual, as contradições e as dúvidas de virólogos e epidemiólogos não evitaram, por exemplo, que as sugestões médicas se tornassem o principal instrumento de governo da vida pública e dos comportamentos individuais. Algo muito semelhante aconteceu no âmbito jurídico, onde a necessidade de prever os fenómenos fora da norma implicou o uso de normas específicas – “excepcionais” ou “emergenciais” – que suspenderam as garantias previstas na “normalidade”, revelando assim também o terreno frágil sobre o qual estas incidem, um terreno em última análise dominado pelo mero poder de decidir. Não é por acaso que o jurista Carl Schmitt falava da “norma excepcional” como correspondente, na episteme jurídica, àquilo que, no âmbito teológico, é o milagre.

Este apocalipse cultural revela-se, portanto, como uma crise epistémica onde a presumida neutralidade científica assume o rosto de um poder decisório: no final, “faz-se assim”. Foucault observa como o Estado Moderno nasce em contiguidade com a antiga figura teológica e ao mesmo tempo política do “pastor de ovelhas”. Tal como o Estado-pastor pretendia cuidar da sua população protegendo-a, assim como o pastor faz com as suas ovelhas, através de um controlo individualizante, os paradigmas científicos ligados à biopolítica – a ciência médica, jurídica, política, etc. – tentam, portanto, fazer o mesmo. Outras formas de racionalidade ou de “governo das vidas”, como o neoliberalismo económico, fundado sobre a premissa thatcheriana de que “a sociedade não existe”, opuseram-se, evidentemente, aos antigos paradigmas biopolíticos, conseguindo hegemonizá-los e subordiná-los aos novos. O que acontece perante um fenómeno inédito é que todos os paradigmas voltam ao jogo e, como carros sem motorista – não é preciso pensar em alguém, num sujeito que queira controlar ou decidir – resistem à mutação, e, mesmo que não consigam enfrentar o fenómeno, avançam através dos seus próprios protocolos até entrarem eventualmente em conflito com outros. Cada ciência do governo, e cada paradigma de poder, pretende à sua maneira controlar e proteger o seu “bem”, até chegar a uma nova forma de equilíbrio, legitimando-se como o paradigma mais apto ao governo da população e dos indivíduos.

Os conflitos político-institucionais que surgiram em várias partes do mundo – emblemáticos os casos do Brasil e dos EUA – e que foram muito superficialmente reduzidos a conflitos entre “economia”, “ciência” e “estado”, podem ser interpretados à luz deste conflito de paradigmas, com as suas crenças e as suas submissões “racionais”, para o melhor governo possível. Nesse reposicionamento cabe também a esfera religiosa, com as praças vazias de São Pedro ou de Fátima, imagens apocalípticas que revelam a nova proximidade – contraditória se pensarmos nas práticas religiosas tradicionais – do paradigma católico do paradigma “pastoral” do distanciamento social, definido nesta ocasião pela ciência médica. Sintomática desta aproximação é também a intervenção do antigo Presidente do BCE Mario Draghi, de formação jesuita, que pediu um abandono da ortodoxia económica neoliberal, que defendera ao longo de toda a sua carreira, para evitar uma catástrofe de “dimensões bíblicas”. Por outro lado, na desobediência de alguns sectores do catolicismo às regras sanitárias impostas pelo Vaticano, vemos a tentativa de reafirmar a independência do antigo paradigma religioso do governo, assim como observamos, no apoio dado por sectores evangélicos à gestão da pandemia de Bolsonaro ou de Trump, a proximidade destas formas religiosas à “arte de governo” do indivíduo neoliberal, para a qual a sociedade, em última análise, pode bem desaparecer.

Soberano, portanto, será no final quem detiver o poder decisório sobre as condutas de vida, decidindo sobre as regras da nova normalidade “distanciada”. Uma normalidade sanitária que sufoca e nos afasta claramente das experiências globais de liberdade biográfica de pelo menos duas gerações. Porém, se, como qualquer apocalipse, também este revela o conflito político – o indecifrável Pólemos entre demónios adversos – que sempre correu subterrâneo entre as técnicas de governo das vidas, o que se revela também agora é a infinita possibilidade humana de inventar novas técnicas de vida em torno da nudez que encerra a nossa mera animalidade e os seus medos. Só na condição de esta possibilidade de reinvenção, ela própria apocalíptica, entrar realmente no jogo, será possível imaginar, ou até experienciar, aqueles infinitos outros mundos possíveis nos quais poderemos ser, não o que é suposto, mas o que queremos devir.

25 Mai 2020

Lei da segurança nacional: um passo importante para o sufrágio universal em Hong Kong

[dropcap]E[/dropcap]sta sexta-feira a Assembleia Popular Nacional, órgão máximo do poder chinês, reunida em Pequim decidiu que o seu comité permanente vai criar uma lei da segurança nacional para ser aplicada em Hong Kong. Esta lei está prevista no artigo 23º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) mas, 23 anos depois da transferência de soberania, nunca foi implementada, em grande parte devido à incompetência dos sucessivos governos da RAEHK. Agora, face a esta situação, Pequim resolveu dizer chega e decidiu tomar a iniciativa, muito também por causa da instabilidade que recentemente tem assolado a ex-colónia britânica.

Quando, em 2003, o governo de Hong Kong procurou implementar o artigo 23º da sua Lei Básica cometeu um erro crasso. De uma forma cega e imoral, ao invés de criar um articulado original ou, pelo menos, de índole contemporânea, resolveu pegar na legislação correspondente deixada pela potência colonial e simplesmente substituir “Rainha” por “República Popular da China”. Ora o conteúdo da lei colonial, severamente aplicado pelos ingleses durante os protestos maoístas em Hong Kong nos anos 60, continha preceitos extremamente rígidos, entre os quais a permissão para entrada, busca, captura, detenção pela polícia sem mandato judicial quando investigasse suspeitos de crimes de sedição, subversão, traição e mesmo a distribuição de publicações/livros considerados sediciosos. Lembremo-nos que estes termos da lei foram herdados do regime colonial inglês e abundantemente aplicados contra os manifestantes e estudantes locais nos anos 60 do século passado.

Por arrogância ou desleixe, o governo de Hong Kong liderado por Tung Chee-wa tentou implementar o artigo 23º, tendo a lei colonial como base e referência. É claro que tal articulado gerou movimentos de protestos pela cidade, que uniram nas mesmas manifestações estudantes e banqueiros. A lei parecia ter sido propositadamente apresentada com o intuito de ser rejeitada pela população. Estamos a falar de factos de 2003.

Entretanto, em 2009, Macau implementou o artigo 23º da Lei Básica, através de uma proposta de lei muito baseada na legislação portuguesa actual, não colonial, que basicamente segue os articulados contemporâneos de vários países ditos democráticos. O facto não levantou protestos entre as forças mais liberais da região, na medida em que a lei não apresentava os aspectos aterradores da sua congénere de Hong Kong. Nessa altura, inúmeros membros da comunidade jurídica e académica da ex-colónia britânica chamaram a atenção para a lei de Macau, no sentido de ser tomada como referência.

Contudo, os sucessivos governos de Hong Kong simplesmente excluíram das suas preocupações a implementação do artigo 23º da Lei Básica, o que, como veremos, se veio a revelar uma enorme pecha no cumprimento total de partes importantes do que está disposto na própria Lei Básica da RAEHK, nomeadamente a realização de um sufrágio universal para o cargo de Chefe do Executivo em 2017.

De facto, quando se aproximou a data em que estava prevista a eleição do Chefe do Executivo de Hong Kong através de um sufrágio universal (2017), na ausência de uma lei da segurança nacional resultante da implementação do artigo 23º, o Governo Central introduziu disposições condicionantes aos candidatos, nomeadamente a impossibilidade de se tratarem de personalidades capazes de propor a independência ou a secessão de Hong Kong em relação à China. Estes condicionamentos foram mal recebidos por uma larga fatia da população que, já nessa altura obnubilada por numerosas campanhas de origem duvidosa, se manifestou durante meses nas ruas (Occupy Central) e que resultou no abandono total do processo, ou seja, o sufrágio não se realizou, o que foi um contra-senso para quem diz defender a democracia e a liberdade, aqui confundida com “vale tudo e mais um par de botas”.

Assim, quando os apoiantes do sufrágio universal referem que este estava previsto na Lei Básica “esquecem-se” que também a implementação do artigo 23º estava prevista na mesma lei e que um, compreensivelmente, não poderia avançar sem o outro, por se correr o risco da emergência de um populismo, fomentado de dentro e de fora, que visasse uma declaração de independência não passível de criminalização devido à ausência da referida legislação.

Claro que a China de modo nenhum admite tal cenário, pois considera Hong Kong parte integrante e inalienável do seu território, facto que nunca foi contestado, à luz do dia, por nenhuma potência estrangeira, incluindo a Inglaterra e os EUA. Contudo, tem razão Pequim quando refere, na sua narrativa, a existência de forças estrangeiras desestabilizadoras na ex-colónia britânica, até hoje consentidas, como fundações e ONGs conhecidas pelas suas ligações à CIA e outras entidades conservadoras dos EUA e do Reino Unido, cuja influência nas universidades, através da colocação de professores, atribuição de bolsas e outras benesses, moldaram decisivamente a mentalidade dos estudantes. Nas manifestações de 2019 foi comum verem-se bandeiras americanas e pedidos ao presidente Trump para que “libertasse” Hong Kong. Outros pediam, sem pudor, o regresso dos amos coloniais ingleses.

Não tendo o governo de Hong Kong sido capaz de implementar o artigo 23º, nem de equilibrar o fosso social que divide a cidade entre uma dúzia de capitalistas milionários e o resto da população – cuja qualidade de vida envergonharia qualquer Executivo que não desprezasse de modo tão óbvio as pessoas que lidera, talvez porque a esses mega-ricos não interessava qualquer alteração do status quo neoliberal herdado do colonialismo – resolveu agora o Governo Central avançar com uma lei de segurança nacional, que fará parte do Anexo III da Lei Básica e será posteriormente aplicada à região.

Paradoxalmente para alguns pretensos democratas, pagos ou intoxicados pela propaganda Breibart, a partir deste momento, estarão finalmente criadas as condições formais para a realização do almejado sufrágio universal e a realização plena da Lei Básica, no âmbito do segundo sistema, na medida em que esta legislação excluirá a possibilidade de actos de secessão e traição à Pátria, não se justificando, portanto, o condicionamento na apresentação de candidatos.

Os protestos de Hong Kong têm sido, finalmente, o maior entrave à democracia e à liberdade, apesar das bandeiras que ostentam. O seu objectivo é criar o caos para provar que é impossível a manutenção do segundo sistema na RAEHK e com isso desacreditar a China no plano internacional e, sobretudo, a possibilidade de integração de Taiwan, nem que para tal destruam a cidade como fizeram ao longo de 2019.

Contudo, não estão sozinhos. O próprio governo de Hong Kong tem uma enorme fatia da responsabilidade neste processo, na medida em que, primeiro, serve os interesses da classe privilegiada de senhores do imobiliário e da banca mantendo o resto da população em condições de vida que roçam a miséria, provocando naturalmente um enorme descontentamento; segundo, porque apresenta propostas de lei absurdas porque baseadas na mentalidade colonialista (como foi o caso da lei da extradição) que herdaram dos britânicos ou simplesmente se demite de legislar o que vem definido na Lei Básica, deixando o tempo passar e assobiando para o lado não fosse o sufrágio eleger alguém que realmente se preocupasse com a população e acabasse com os seus privilégios.

E, neste aspecto, Pequim nunca interferiu, deixando às gentes de Hong Kong governar-se a seu bel-prazer, para gáudio de uma oligarquia ainda herdeira das vénias que abundantemente fizeram no passado ao regime colonialista britânico e que constitui o verdadeiro entrave à realização plena do segundo sistema, de acordo com o que vem estipulado na Lei Básica.

Em Macau, também existem, por razões muito semelhantes, vários buracos na implementação da Lei Básica local. Mas isso é tema para outra ocasião.

23 Mai 2020

Uma pergunta controversa

[dropcap]D[/dropcap]epois do regresso de Macau à soberania chinesa, tem sido realizada todos os anos uma exposição de fotos do “Incidente de 4 de Junho”, nesta data. Mas, este ano por causa da covid-19, o Instituto para os Assuntos Municipais e alguns membros do Governo não aprovaram a mostra. O organizador do evento não apresentou recurso contra a decisão. Será que esta atitude marca o fim do progresso democrático em Macau? Mas em Hong Kong, a situação é ainda mais devastadora, como se pode verificar pelos seguintes acontecimentos: a eleição do Presidente da Casa do Comité do Conselho Legislativo não obedeceu às regras de procedimento; a RTHK (Radio Television Hong Kong) teve de interromper a produção do programa “Headliner” e apresentou desculpas a todos os agentes da polícia que se possam ter sentido ofendidos pelos seus conteúdos; uma pergunta do exame de História do Ensino Secundário levantou sérias preocupações na opinião pública. Tendo em conta a morte recente de Allen Lee Peng-fei, industrial, veterano da política e comentador, irá Hong Kong cumprir a sua missão histórica a curto prazo?

Quando estudamos História, devemos compreender os factos e aprender as lições que ela nos ensina, ou devemos aprender a ser politicamente correctos e subservientes? Há quem afirme que a História é escrita pelos vencedores e que os livros didácticos se limitam a estandartizar as respostas para que os alunos as memorizem mais facilmente. Mas isso não é rigoroso. Para além dos livros didácticos, existem inúmeros outros que se podem consultar. Os vencedores só registam o que os pode enaltecer. Mas existem muitos outros registos escritos e orais que os vencedores não conseguem controlar. Por causa desta incapacidade de controlo, o primeiro imperador da Dinastia Qin, Qin Shihuang, ordenou “a queima de livros e o sepultamento de intelectuais”; a Dinastia Qing implementou a “inquisição literária”, mas existiram muitos movimentos políticos na história moderna da China. Embora muitos intelectuais e historiadores tenham sido executados, os factos e a verdade não podem ser ocultados.

Mas voltemos à pergunta do exame de História do Secundário (HKDSE) que desencadeou muitas críticas e ataques em Hong Kong. Algumas pessoas afirmaram que a pergunta era tendenciosa, que “embelezava” a invasão japonesa da China e que ofendia seriamente os sentimentos e a dignidade dos chineses que sofreram imenso durante esta invasão. Estas acusações pareciam reunir em si todos as técnicas usadas durante a Revolução Cultural, no apogeu da “luta de classes”.

Na realidade, a pergunta que tanta controvérsia desencadeou era uma pergunta de desenvolvimento que requeria análise, um tipo de pergunta que aparece frequentemente nos exames. Pretendia testar a capacidade dos alunos para analisar o texto proposto, e não a sua concordância ou discordância, e também testar os seus conhecimentos da história desse período. A pergunta era formulada da seguinte maneira, “O Japão foi mais benéfico do que prejudicial para a China no período de 1900-45. Concordas? Justifica a tua resposta fazendo referência a [dois textos incluídos] e recorrendo ao teu próprio conhecimento.” Era suposto os estudantes fazerem uso do pensamento crítico para responderem à pergunta.

De uma forma geral, a não ser que o estudante fosse apoiante incondicional do militarismo japonês, ou um autómato que apenas lesse as perguntas e respondesse sem pensar, a resposta deverá ter sido “discordo”.

Os dois textos de apoio só incluiam documentos do período compreendido entre 1905 e 1912, não mencionando a invasão japonesa que decorreu entre 1931 e 1945. A intenção do examinador deve ter sido deixar esse período (1931 a 1945) à consideração dos estudantes, para que pudessem exprimir livremente as suas opiniões, e para que dessa forma os seus conhecimentos pudessem ser avaliados. A maior parte dos estudantes respondeu, “discordo”, na medida em que possuem bons conhecimentos sobre o período da invasão japonesa da China.

Alguns membros do Governo de Hong Kong criticaram esta pergunta porque a consideraram “politicamente incorrecta”, o que só demonstra falta de profissionalismo e autismo em relação às opiniões dos peritos. Os principais alvos das críticas são os professors que conceberam a pergunta e os que a avaliaram. Dois membros da Autoridade de Avaliação e Exames de Hong Kong demitiram-se devido a estas críticas. Algumas pessoas exigiram que a pontuação da pergunta fosse excluída da avaliação final do exame, o que é muito injusto para os estudantes, já que esta questão apenas põe à consideração os conceitos de “bem e mal” para quem tiver pensamento crítico.

Hoje em dia, a Autoridade de Avaliação e Exames de Hong Kong possui um processo rigoroso de verificação da formulação e dos conteúdos das perguntas dos exames públicos, no qual participam muitos profissionais. Por isso, pergunto-me qual teria sido a intenção destes profissionais ao aprovarem esta pergunta, que tanta polémica desencadeou. Além disso, cada pergunta vem acompanhada de um guia de classificação, que serve à avaliação dos revisores. Desta forma, não teria sido difícil aperceberem-se de que esta pergunta poderia ser considerada uma ofensa à dignidade do povo chinês. Se tivéssemos visto o guia de classificação da resposta, e estivesse lá assinalado “concordo” como resposta correcta, isso seria uma prova de que tinha havido intenção de ofender.

Quando interpretamos tudo politicamente, podemos ver problemas em toda a parte. Não é o colapso da educação que destrói um país, mas sim as pessoas que provocam o colapso da educação.

22 Mai 2020

O labirinto da solidão

[dropcap]V[/dropcap]ivemos numa época de transição – entre certezas e dúvidas –, temos de fazer uma recarga anímica, física e espiritual. A partir de agora remendar erros é fruto de decisões erradas: há uma ilusão colectiva. “Vive a vida como se tudo tivesse sido arranjado para te favorecer” – como escreveu o poeta árabe Jalaladim Rumi (1207 – 1273). A vida existe, tenta descobrir a verdade.

A partir de agora vamos olhar o mundo de maneira totalmente diferente – o que a vida tira, a vida dá. Há imagens, memórias, personagens e factos em quantidade suficiente para podermos contar a história da cidade de trás para a frente. Se o turismo é um sector fundamental para diversificar a economia, temos de integrar as comunidades no seio dos projectos artístico-culturais.

Todos os projectos devem ser recordados pelos desafios e não pelas dificuldades. Em qualquer projecto de desenvolvimento turístico – e Macau não é factor de exclusão – há um enorme custo a pagar em termos de desestruturação das comunidades. A pressão turística desenfreada destrói. Vivemos hoje sob a égide de um turismo predador e descontrolado. Por quê ?

Porque não houve um desígnio, não houve um pensamento, polémica ou cosmopolitismo – foi um passo com descompasso. Não houve uma harmonia, um desenvolvimento equilibrado, um conhecer da cidade, sendo a cultura um factor importante para melhorar a vida das pessoas, criaram-se fronteiras, guetos.

A oferta cultural é um factor essencial para a fixação de população, cria dinamismo na economia, regenera o comércio e atrai turistas. Assim vamos olhar, pensar, desenhar, criar estímulos artístico-culturais nos bairros da zona norte da cidade. São bairros de casas e casas sem alma, de pessoas com uma existência sem destino, vivem submersas na miséria do esquecimento. Existências calcificadas na ilusão – desejos, sonhos, ideais, aspirações, esperanças – permanecem exilados do destino.

São zonas sem uma única galeria, sem um único auditório, sem um único anfiteatro, sem um único museu. O único espaço que ali existe é o Teatro Brito (Clementina Leitão Ho), no Centro Comercial Jardim da Cidade, na Av. Artur Tamagnini Barbosa, mas não tem uma programação contínua e grande parte do ano está encerrado. Existem como prováveis galerias – não têm esse fim – o Salão de Exposições da União Geral das Associações de Moradores de Macau, ali para os lados de Tói San e uma outra com o sugestivo nome de Pavilhão do Sentimento de Amor à Pátria, na Rua Nova da Ilha Verde, que serve mais para formatar do que abrir/interrogar mentes.

Vamos cerrar fileiras, após ser implentada a 2a fase do “Programa de Lançamento de Espaços Artísticos e Culturais”. Penso que haverá capacidade de olhar a cidade como um todo. Não pode haver filhos e enteados.

Há pormenores que devem ser corrigidos. Por exemplo, os inúmeros templos que existem nessa área não têm nenhuma indicação, nome, ano de construção, se têm alguma lenda associada – ninguém sabe, ninguém conhece. Dever-se-ia, uma vez que já é prática no centro da cidade, colocar uma placa (Património Cultural de Macau) – penso que são de bronze – a dar essas indicações. Precisamos de dar visibilidade a esses lugares, que contam a história do Território. Todas essas histórias devem estar impressas em todos os folhetos, em todos os espaços onde possa ser contada à população e aos turistas.

Outra coisa que seria necessária era abrir concursos de ideias para dotar esses bairros de arte pública – escultura e painéis de azulejos. Reanimava, revivia as almas. Se vamos integrar, vamos levar a arte a quem não a pode ver. A arte pode e deve descer à cidade.

O bairro de S. Lázaro dá já um novo saciar ao olhar. Foi pena que as duas vivendas ao cimo – uma do lado direito, a outra do lado esquerdo – das escadas da Igreja, não tivessem melhor sorte. A Av. Almeida Ribeiro também está mais arejada, por lapso, penso que se esqueceram de dar uma “borradela” na Rua da Felicidade – seria de certo mais feliz se lhe dedicassem um outro olhar.

Nota Final – a Não perder – como há pouco ou nada para olhar, aproveitem e passem ali pela Rua de Madrid – partindo do Centro Cultural, rua em frente, uns cinquenta metros, lado direito, para admirar a exposição de fotografia “The Story of the Aged Teahouse”- vinte e duas fotos a preto e branco de Tam Keng, no Espaço I –Square, até 3 de Junho.

Como intitulava, o Jornal de Negócios, penso que em 2012 – quando a cerrava os dentes a Portugal – “A Boa Notícia É Que Metade Deste Ano Já (quase) Passou”…

22 Mai 2020

Estado torto

[dropcap]E[/dropcap]ste cão é um rottweiler, arraçado de pitbull com uma bomba incendiária nas mandíbulas. Pronto, acho que podemos parar de fingir que as RAEs têm autonomia e Estado de Direito. A letra e o espírito da lei são formigas esmagadas pelo pé calçado de bota cardada da política, quando convém.

Harmonia, segundo Joey Lao, que é mais representativo do que muitos pensam, é sinónimo de conformismo cego e negação da realidade. Se calhar, não houve massacre, às tantas o grande salto em frente trouxe fartura e levou ao nascimento de milhões de pessoas.

Às tantas, se a Terra esférica for ofensiva, um assunto sensível, passível de perturbar harmonia, todos entoaremos três vivas à Terra Plana. Quanto à justificação para suspender, mais uma vez, os direitos fundamentais e o Estado de Direito por óbvia conveniência política e medo, fiquei com algumas questões. Vão permitir sessões de cinema? Ontem estava um aglomerado enorme de pessoas à porta do Cineteatro de Macau. Vão encerrar os mercados dos Três Candeeiros, São Lourenço, Mercado Vermelho? Ao fim-de-semana estão a abarrotar de gente, multidões roçam-se em torno das bancas.

Vão fechar a Rua do Campo, onde se aglomeram pessoas nos passeios? Ou querem arranjar uma desculpa melhor. Deixo ainda uma palavra de apreço para os portugueses que comem este minchi de esterco às colheradas. Até que ponto acham que a vossa liberdade de discurso está protegida? Já nasceram sem espinha dorsal, ou foi a presença do poder autoritário que vos vergou as costas até à prostração rendida e obediente? Pessoalmente, prefiro os Joey Laos da vida, ao menos têm uma razão para defender o indefensável.

22 Mai 2020

Silêncio incómodo

[dropcap]O[/dropcap] momento em que Chan Chak Mo pede a palavra, em plena troca incendiada de argumentos sobre decisão do IAM de proibir a exposição do 4 de Junho, para perguntar se seria aceitável que o deputado Sulu Sou viesse “vestido com roupa de Verão”, faz lembrar aquela falta a meio campo, que serve apenas para quebrar o ritmo e impedir um contra-ataque perigoso.

Não que seja particularmente entendido em futebol, mas a partir desse momento a sensação que ficou, foi que o debate no plenário tinha acabado, dando lugar a um duelo engenhoso, mas mal disputado. A entrada a pés juntos de Chan Chak Mo foi eficaz e bem capaz de ter evitado danos maiores na imagem do Governo. As atenções, focadas até aí nas graves insinuações de Joey Lao sobre a inconstitucionalidade do evento que acusou de violar a primeira parte do princípio “um país, dois sistemas”, passaram para a t-shirt de Sulu Sou alusiva ao massacre de Tiananmen e acabaram na troca de acusações pessoais.

Joey Lau foi certamente poupado a responder a mais questões incómodas se o debate tivesse seguido outro caminho e o presidente da Assembleia Legislativa, Kou Hoi In, obrigado a intervir. A troca de palavras sobre o tema voltaria, mas já sem a mesma intensidade, com o deputado eleito pelo Governo a manter o que tinha dito. Além disso, talvez motivado pelo bloqueio estratégico, o silêncio que se fez sentir foi, no mínimo, incómodo. É que além de Ng Kuok Cheong, Au Kam San, Sulu Sou e Mak Soi Kun, parece que as palavras de Joey Lau não fizeram estremecer mais ninguém no hemicíclio. Nem conservadores, moderados ou pró-democratas. Afinal de contas, estamos só a falar de declarações que colocam em causa a identidade e a lei de Macau das últimas décadas.

21 Mai 2020

O falhanço do projecto europeu

“Europe, it is true, is a geographical and, within certain limits, an historical cultural conception. But the idea of Europe as an economic unit contradicts capitalist development in two ways. First of all there exist within Europe among the capitalist States – and will so long as these exist – the most violent struggles of competition and antagonisms, and secondly the European States can no longer get along economically without the non-European countries. … At the present stage of development of the world market and of world economy, the conception of Europe as an isolated economic unit is a sterile concoction of the brain.”
Rosa Luxemburg

 

[dropcap]O[/dropcap]s peritos estão a lutar para fazer previsões sobre os possíveis cenários da pós-Covid-19, avaliando principalmente as consequências económicas. Definitivamente importante, mas de um ponto de vista social e psicológico, que sinal deixará esta experiência em cada um de nós? Vamos mudar a nossa forma de viver, de trabalhar, de nos relacionarmos e de viajar? Qual é a experiência que a Covid-19 nos ensinou? De um ponto de vista económico, o quadro é bastante visível. Face à pandemia, que se manifestou com esta rapidez, tornou-se evidente (pelo menos até agora) a inadequação das acções da maioria dos governos. A verdadeira dimensão das consequências da Covid-19 no nosso tecido socioeconómico poderá ser plenamente avaliada nos próximos meses e para além da pandemia, das implicações económicas, a mudança afectará tanto as empresas como o trabalho.

Aqui estão dois cenários possíveis, porque a hipótese de uma solução rápida, é evidente que não é possível em que a primeira hipótese seria de um abrandamento a médio prazo em que a resposta dos sistemas de saúde pública não é decisiva; a taxa de sazonalidade e mortalidade do vírus é mais elevada do que a de uma gripe comum; o impacto socioeconómico na maior parte do mundo e a mudança substancial dos hábitos diários. As consequências são a de que a economia irá sofrer um impacto negativo até ao Outono se não houver uma segunda vaga. Alguns sectores (turismo, transportes, alojamento) serão fortemente afectados em resultado da tendência negativa da época estival. A segunda hipótese é do abrandamento a longo prazo com resposta tardia ou insuficiente dos sistemas de saúde pública. O vírus não é sazonal; a transmissão não cai com temperaturas elevadas; a taxa de mortalidade é muito mais elevada do que a da gripe comum. Os casos de reincidência estão a aumentar, apesar das medidas restritivas.

A mudança radical dos hábitos diários tem como consequências a recessão global que afectará quase todas as economias mundiais sendo necessário alguns anos para retomar e para assegurar que o sistema económico tenha as condições imprescindíveis para recuperar.É essencial uma interacção rápida, eficaz e corajosa da política monetária e fiscal. Desde a chegada da Covid-19, as nossas vidas mudaram em questão de horas. A propagação do vírus está a ter um impacto nas nossas vidas que é difícil de subestimar. As mudanças que estamos a enfrentar serão profundas e não de curta duração. Estamos perante meses e talvez anos de mudanças radicais. Mudanças que exigem uma resposta adaptativa, que a maioria de nós parece estar a implementar com disciplina e calma. Antes de mais, cada um é chamado à cooperação, para que faça o que deve e o que pode.

O contributo, o “esforço”, que nos é pedido no futuro próximo, faz-nos, provavelmente, vislumbrar algo do que poderá ser o pós-vírus. Estamos a redesenhar as nossas prioridades, as modalidades quotidianas; a redescobrir o prazer de muitas coisas que temos ignorado. Creio, no entanto, que recuperámos algo de importante que foi o tempo! Há duas dádivas, que a maioria dos homens não tem e cujo valor não apreciam que são a saúde e o lazer como disse Maomé. O nosso quotidiano já não é marcado pela tensão dos compromissos, telefonemas, actividades, pois a percepção do tempo dilatou-se. Acolheu-se no geral favoravelmente este momento, quase como se fosse um “retiro espiritual”. Voltou-se a insistir na partilha da vida familiar, mas continuou-se a manter os espaços individuais.

O não constrangimento, mas quase libertação de vidas frenéticas que viram passar as semanas, meses, anos como um comboio de alta velocidade e que de repente parou e fez-nos descer e inquirir se tínhamos chegado ao fim da linha? Esperemos que não, mas agora, durante algum tempo, temos de ir mais devagar, “andar”, demorar a olhar e ver o que está à nossa volta; contemplar para o que está dentro de nós. Recuperar as nossas vidas! Esta pandemia (obviamente, infelizmente não do ponto de vista da saúde) dá-nos um ensejo, torna-se uma oportunidade. Cabe-nos a nós agarrá-lo e ver que mudanças podemos fazer; cada um por si, e juntos pela comunidade. A oportunidade de uma mudança sociopolítica é evidente.

A mudança começa sempre na base, começa por nós. Porque não interpretar este vírus como um sinal natural (do universo ou daquilo em que todos querem acreditar), como se fosse um elemento de restauração, uma espécie de reinício! Cabe-nos a nós aproveitar esta oportunidade para produzir uma mudança radical.

Creio que a humanidade tem uma oportunidade de dar um salto em frente, como ser “espiritual”, que depois se reflecte e se manifesta também em todas as outras esferas (relações, trabalho, política, economia). Por exemplo, nestes tempos apenas se fala de intervenções económicas a favor das famílias, dos trabalhadores e das empresas, mas com um enfoque diferente do anterior, pois discute-se como garantir a todos a possibilidade de satisfazer as necessidades básicas como alimentação, casa e saúde! Não se fala de competição, mas de criar uma relação de ganho ou seja, onde todos são convidados a fazer um esforço (pessoal e provavelmente também económico), para o bem da comunidade.

É importante quando se fala de sobrevivência, auto-regulamentamo-nos imediatamente e conseguirmos entrar num modo que tínhamos esquecido. Concentrarmo-nos no essencial! Esta mudança positiva pode ser desencadeada pela necessidade (de sobrevivência ou autopreservação como nesta pandemia), mas para ser duradoura e gerar uma verdadeira mudança social, requer a vontade dos indivíduos de implementar uma “evolução” que leve a nossa consciência a um nível “mais elevado”. Isto permitir-nos-á implementar todas essas mudanças em todas as esferas como a pessoal, social, política e económica. Fácil? Absolutamente não.

Será possível? Absolutamente, sim. Vai levar tempo, talvez gerações, mas se o foco, se o objectivo final for claro, podemos lá chegar. Uma comunidade (uma sociedade) mais equitativa, mais humilde e mais solidária, para que este mundo possa ser melhor para todos. O mantra desta emergência de todos tem uma vibração positiva muito poderosa. No entanto, é preferível comprometermos a que tudo de bom aconteça o que acontecer, no final, “tudo correrá bem!”

O filósofo alemão Arthur Schopenhauer dizia que “A saúde não é tudo, mas sem ela, todo o resto é nada.” Qual a prioridade, a economia ou a saúde? A resposta a esta pergunta torna-se necessária, após a “trágica lição” do que o mundo está a sofrer por causa da Covid-19. A Covid-19 é, antes de mais, uma pandemia tal como foi definida pela OMS. Não devemos esquecer que a primeira prioridade continua a ser salvar vidas e matar o vírus. Todos devem fazer a sua parte Seria bom ouvir as respostas dos governantes a esta pergunta e depois compará-las com os debates internacionais das últimas décadas sobre opções orçamentais, inúmeros cortes na saúde, “negligência médica”, desperdício e má gestão de recursos e bens públicos. É evidente que não há dúvidas, a saúde é uma prioridade absoluta nas nossas vidas! Parece uma afirmação trivial. Depois a outra questão é de saber qual é o verdadeiro interesse político na saúde pública em relação ao respeito dos “parâmetros orçamentais” e outras opções em matéria de despesas públicas?

Mais uma vez, temos de sublinhar como houve dois aspectos que trouxeram a nossa saúde a um nível de despreparo (tanto estrutural como de recursos), a primeira foi a diminuição contínua dos investimentos e das despesas correntes em saúde, devido a necessidades orçamentais, associadas a restrições europeias por exemplo no que concerne à União Europeia (UE), que impõem parâmetros de rigor. Estes parâmetros são números, que provavelmente não têm em conta a objectividade e a singularidade, devido à diversidade geográfica, demográfica e comportamental dos vários países. A segunda é a gestão “melhorável” das despesas de saúde. Há décadas que se tem vindo a discutir os resíduos, a má gestão dos cuidados de saúde e também o comportamento nem sempre profissional e responsável de alguns operadores do sector. Nunca devemos esquecer que as coisas funcionam, ou pelo menos podem mudar para melhor, se todos fizerem a sua parte, com responsabilidade, justiça e sentido cívico.

Não há dúvidas de que a Covid-19 levará (pelo menos assim se espera) a ter uma atitude diferente em relação às escolhas políticas relacionadas com os cuidados de saúde, mas o importante é que o preço a pagar não se torne um nó duplo à volta do pescoço para aqueles que virão depois de nós, porque nessa altura morreríamos enforcados, mesmo estando de boa saúde! É igualmente claro que será necessária uma abordagem diferente, especialmente na lógica dos governos, no sentido de que terá de ser encontrado o equilíbrio certo em todos os aspectos. Para simplificar, por exemplo, face à necessidade de apoiar as despesas de saúde, qual será a escolha? Reduzir as despesas ou encontrar recursos? Actualmente, de todos os lados, há sinais como “um choque” como a Covid-19 exige que superemos as restrições do Banco Central Europeu e do Mecanismo Europeu de Estabilidade.

A política terá de trabalhar para criar novos cenários socioeconómicos que coloquem os direitos fundamentais das pessoas em primeiro lugar, acima de tudo. Isto só pode acontecer se, perante qualquer escolha, a avaliação for orientada pelos valores fundamentais expressos nas Constituições, e se a política não age de forma decisiva, devem ser as pessoas a exprimir a sua vontade, com os instrumentos constitucionais à sua disposição. Daí que no futuro, não devemos esquecer o debate e as opções políticas para serem colocadas questões como a saúde ou a economia primeiro? Será que estas escolhas respeitam os nossos valores constitucionais? Qual será o impacto no nosso tecido social? Que preço estamos dispostos a pagar para apoiar estas escolhas? Que soluções possíveis, em conformidade com as Constituições, podemos implementar para resolver o problema?

Dante Alighieri, no “Inferno” da sua “Divina Comédia” escreveu que “Esta maneira miserável de ignorar as tristes almas daqueles que vivem sem fama e sem elogios. Misturados são para aquele coro maléfico de anjos que não eram rebeldes nem fiéis a Deus, mas para si mesmos foram. Que expulsem os céus, para que não sejam menos bonitos, nem o inferno profundo os receba, para que não haja glória que os ímpios possam ter deles.” Os acontecimentos dramáticos desmascaram o falso e realçam a verdadeira identidade, para o bem e para o mal. Porque quando estamos “encurralados” a verdadeira natureza de cada pessoa, de cada comunidade e de cada “sujeito” (também entendido como um grupo) surge. A Covid-19 determinou quiçá o fracasso definitivo do projecto Europa (pelo menos na sua estrutura actual).

A preguiça dos órgãos europeus e as profundas contradições surgiram primeiro na frente política, a UE não conseguiu produzir nenhuma iniciativa significativa, nem sequer de simples coordenação entre os vários Estados-Membros (ver, por exemplo, o encerramento unilateral das fronteiras imposto por alguns Estados durante o agravamento da pandemia); segundo na frente económica, nem é bom referir e o único “agradecimento” à nova presidente do BCE pelo que disse: (… talvez ela não soubesse da pandemia da Covid-19) “cabe aos governos reduzir os “spreads” com um comportamento prudente do lado das contas públicas”. E depois tentou recuar, dizendo “o BCE irá trabalhar para evitar a fragmentação num momento difícil da zona euro”, mas, nessa altura, o terror financeiro já se tinha espalhado e para compensar esta saída, no mínimo absurda, a factura (apenas provisória) é muito elevada e de quanto?

A presidente do BCE escreveu que “O Conselho do Banco Central Europeu criou um novo programa de aquisição de emergência pandémico até ao final do ano, no valor máximo de setecentos e cinquenta mil milhões de euros, para além dos cento e vinte mil milhões de euros de compras adicionais anunciados em 12 de Março de 2020”, mas mais do que os aspectos estritamente económicos e financeiros, é de ter em conta outro aspecto, o de que as palavras têm peso e, neste caso muito peso! As palavras podem ser o resultado de uma reflexão racional (estudadas, preparadas, com um propósito preciso) ou podem ser uma manifestação emocional.

Quando estamos sujeitos a uma forte pressão emocional (em momentos de raiva, desânimo ou desilusão, etc.) surgem os nossos medos e sentimentos mais profundos e, libertando os travões inibidores, expressamo-nos dizendo coisas que em situações de normalidade não diríamos (fora de auto-controlo, vergonha, medo ou mesmo auto-defesa). Qualquer das duas hipóteses, no caso dos dizeres da presidente do BCE, dado o papel que desempenha, são ambas muito graves pois primeiro se fosse um pensamento preparado dá para pensar, quem são os beneficiários (ou vítimas) da tempestade que se seguiu? E segundo se se tratou de uma “emoção” representa bem as convicções profundas dos responsáveis na Europa. É de deixar a reflexão e as conclusões a quem quiser.

Além disso, enquanto o problema da Covid-19 parecia ser primeiramente, italiano e espanhol, não havia sinais de abertura por parte da Europa; depois, assim que os acontecimentos se precipitaram e mesmo a França e a Alemanha passaram a ser atacadas pela pandemia, a atitude mudou completamente; e os parâmetros de estabilidade, as aberturas sobre medidas financeiras, etc., foram ultrapassados. É de ter em conta um último testemunho dramático. O Conselho da União Europeia de 27 de Março de 2020 terminou mal; com uma clara divisão entre os países latinos (Itália, França, Portugal, Grécia e Espanha) e os países nórdicos, a Alemanha e os Países Baixos na liderança. Alguns ficaram desapontados com o facto de os “Corona Bonds”, títulos de dívida europeus que deveriam financiar os vários países, terem sido imediatamente postos de lado pelos países “nórdicos”, os Países Baixos e a Alemanha à frente da banda, que não queriam de todo falar sobre o assunto.

O Primeiro-Ministro português António Costa ficou mais amargamente desapontado com o Ministro das Finanças holandês. Perguntou por que motivo “certos países” não tinham margem para medidas fiscais, ou seja, não tinham dinheiro para gastar, afirmando que seria necessária uma comissão de inquérito da UE. A reacção de António Costa foi veemente e, em termos inequívocos, afirmou: “Isto é uma conversa nojenta no quadro da União Europeia”. A expressão é precisamente esta: descontentamento. É de acreditar que ninguém está disposto a ouvir ministros das Finanças como os que ouvimos em 2008, 2009, 2010 e anos consecutivos”, advertiu António Costa, sublinhando que a pandemia “é um problema comum”… “O vírus afectou-nos a todos da mesma forma”… “Esta resposta é absolutamente inconsciente”. Os neerlandeses não querem obrigações comuns, não querem qualquer partilha de riscos. Nenhum, Zero. Mesmo os alemães, embora num tom menos agressivo, têm uma posição semelhante e para eles é “Incrível” que não muitos dos países da UE não tenham dinheiro para fazer face a uma queda de 10 por cento a 20 por cento.

Talvez também tenham razão no final, pois podia-se começar a penalizar seriamente as empresas, como a “Fiat Chrysler Automobiles (FCA)” (e muitas outras), que mudaram a sua sede fiscal para os Países Baixos para evitar o pagamento de impostos sobre os lucros distribuídos. Talvez seja passível de punição a IKEA, que é propriedade, para não pagar impostos, de uma organização sem fins lucrativos ainda sediada na Holanda e com este sistema, os recursos poderiam ser facilmente recuperados. Talvez seja de recordar à Alemanha, a toda a Europa e a todos os países envolvidos nesse caso o que aconteceu com a dívida pública alemã após o fim da II Guerra Mundial. Que emergência é esta da Covid-19, senão uma guerra, da qual alguns países sairão provavelmente muito mais maltratadas do que outros, sem qualquer culpa de terem começado uma guerra? A história deve ensinar-nos. Mas o problema com os homens é o esquecimento. E depois? É o que é e nada mais! Que precisamos de compreender mais e declarar definitivamente o fracasso deste modelo europeu que está agora diante dos olhos de todos? As Repúblicas e as Monarquias da Velha Europa podem ser salvas, mas, para que tal aconteça, têm de se tornar as Repúblicas e Monarquias da Constituição.

21 Mai 2020

O elo mais fraco

[dropcap]S[/dropcap]erve esta crónica para traçar um breve olhar sobre a politização que há muito se faz da pandemia da covid-19 e do trabalho da Organização Mundial de Saúde (OMS). Repare-se no jogo de pingue-pongue entre a China e os EUA que, até há bem pouco tempo, se fazia sobretudo a nível comercial.

Os EUA cortam no financiamento à OMS, a China anuncia apoios de 2 mil milhões de dólares americanos para países necessitados e mantém o seu financiamento à OMS, criticando a postura de Donald Trump. Pelo meio está Taiwan, pequenina como há muito é em termos diplomáticos, mas um caso bem sucedido no combate à covid-19 que não tem hipótese de ser membro observador da OMS porque está lá a gigante China a predispor-se a financiar e a ajudar.

Tudo isto numa altura em que os americanos cortam no financiamento. Perante isto, não surpreende o resultado do primeiro dia da assembleia-geral da OMS esta segunda-feira. China anuncia ajuda a tudo e todos, a lançar mais uma jogada de soft power, o mundo observa e a OMS curva-se. Quase que nos esquecemos da politização que também houve com o início de uma pandemia que mudou a vida de todos.

20 Mai 2020

O Sexo e a Maria-Joana

[dropcap]A[/dropcap] investigação do efeito das drogas no sexo ainda está na sua infância. Há evidência clara de que as drogas psicoactivas afectam a sexualidade de forma negativa – tanto que é uma barreira para a aceitação da medicação psiquiátrica – mas pouco mais se sabe. A criminalização de outras drogas são uma barreira para a investigação e auto-descoberta, à excepção de umas vozes dissidentes que querem ver além. Pessoas, investigadores e terapeutas sexuais querem perceber a relação entre o sexo e a canábis, na sua totalidade de características de alteração de consciência, e o óleo CBD, que não é uma droga, mas que pode ser de aquisição difícil e de uso ainda bastante estigmatizado.

A pouca investigação que existe mostra que o consumo continuado e excessivo da canábis pode levar a disfunção eréctil e a contagem de esperma diminuída (o que não quer dizer que possa ser usado como contraceptivo!). Mas outros efeitos ainda estão longe de ser explorados. Paralelamente, muito se tem questionado acerca do uso da canábis e do óleo CBD para o tratamento de situações de ansiedade e controlo da dor. Não é fácil separar a discussão do sexo e a canábis da discussão global de como esta planta pode ser usada para fins terapêuticos. Aqui falaremos do pouco que se sabe da sua relação com o sexo e as suas especificidades.

No sexo há problemas que já nos são bem conhecidos, como a ansiedade em alcançar a performance perfeita, agradar o outro, ter um orgasmo assim ou assado ou querer apresentar-se da forma que se “julga” normal. A desigualdade do orgasmo também, discriminado por género, é um problema complexo de origens socio-culturais e biológicas. Todas estas dificuldades criam barreiras a uma boa conexão com o sexo, coisa que a canábis diz ajudar a resolver. Um estudo publicado em 2017 mostrou que muitas mulheres reportam um efeito positivo, de aumento de intensidade sexual e do orgasmo, consumindo canábis no pré-coito.

Apesar de, para outras pessoas, o uso de drogas poder ter o efeito completamente contrário – de desconexão e retracção – para outros, parece intensificar a experiência. A teoria é que a canábis ajuda a baixar as resistências mentais e ter uma experiência mais conectada com o corpo, e com o outro.

O óleo CBD, por sua vez, proveniente da canábis e do cânhamo, sem THC (a substância psicoactiva) pode trazer um estado de corpo e mente igualmente interessantes para o sexo e para a saúde sexual. Só que a investigação nessa área é mais escassa ainda. A indústria, contudo, não se retraiu de trazer cá para fora produtos inspirados no potencial deste óleo, que é discutido em teoria, mas que na prática não se sabe quase nada. Já existem lubrificantes sexuais com óleo CBD que dizem ajudar no relaxamento da zona pélvica e ajudar na minimização da dor sexual. Também já existem tampões com óleo CBD que dizem ajudar nas dores menstruais. Para quem sofre de endometriose, parece que o CBD tem um potencial enorme no tratamento dos sintomas. Há pessoas que têm deixado o seu testemunho por aí, mas pouco mais sabemos.

O perigo de não existir investigação que nos ajude a navegar nas incríveis vantagens que estes produtos podem trazer, é que se sabe pouco sobre dosagens e, como todas as drogas, que outros efeitos podem trazer. O uso desta planta e dos seus derivados para efeitos sexuais deve ser ponderada e cuidadosamente analisada. Não deve demorar muito até começar a existir um corpo de literatura mais robusto que nos ajude a perceber as vantagens e desvantagens dos seus efeitos.

20 Mai 2020

À Sombra da Cidade

“Não que de Macau eu tenha
queixas. Pelo contrário:
afeiçoei-me à terra e aqui
fiquei. Nunca ganhei nem
perdi dinheiro no jogo, porque
nunca joguei; nunca ganhei
rios de dinheiro nem cousa
que com isso se parecesse
porque, além de outras razões,
em Macau, rios de dinheiro,
honestamente, ninguém pode
ganhar.”

Manuel Silva Mendes (1867-1931); professor, sinólogo, filósofo, advogado

 

[dropcap]S[/dropcap]ophia de Mello Breyner (1919 – 2005) dizia que o ócio é o trabalho do poeta. O meu é vaguear – “ não sei por onde vou/ sei que não vou por aí”, sigo as palavras de José Régio (1901 – 1969) –,sem horas, sem destinos, sem objectivos – desbloqueio a cabeça – e é aí, quando menos espero, que as ideias me visitam – abandonei a cidade nos últimos anos, vivo inconformado.

Gasto os caminhos com os meus passos ao visitar diariamente a cidade. O tempo não é inocente ao percorrê-la agora. O tempo devora o espaço, um espaço vazio de existência. Esta brusca interrupção da vida criou um sentimento de ansiedade, solidão, medo – e o medo substitui a esperança.
A cidade foi devolvida aos habitantes.

O bafo quente já castiga, mas prefiro aos dias cinzentos de chuva, frio, de ar abafado, húmido. A cidade nesses dias parece obscurecida por um humor colectivo – triste, zangada, melancólica, aborrecida, deprimida. Não é imaginação minha, é pura realidade: Macau não é uma cidade de chuva.
Macau ergueu-se de desamparos e alimenta-se de silêncios – para calar silêncios, precisamos de novas elites, novos protagonistas –, mas mesmo as novas elites, novos protagonistas, são uma classe proletarizada no gosto, na educação e na ambição, vivem em crise de ideias e valores – vivem de preconceitos e dogmas.

O maior défice da sociedade de Macau é o pensamento. Houve uma degradação do “ser” em “parecer”, para citar o autor de “A Sociedade do Espectáculo”, Guy Debord.

Ao calcorrear as calçadas da história, tropeçamos, involuntariamente, nas palavras da poesia, ruas arrumadas em toponímias – perdemo-nos a folhear um passado presente – , andamos até desaguar em pátios fabulados de fábulas.

Macau tem história e muitas histórias para contar. Considero-me um Homem de sorte por ter visto/vivido Macau num estado poético. É aqui, na malha urbana da cidade, que a estética é a do improvável e do incongruente – “nós ao sentir evaporamo-nos”, como dizia Rilke. Em Macau, o passado é construído no presente, é uma realidade física tão perceptível quanto a luz do sol que nos ilumina e nos reconforta.

Ao longe, surge como um quadro fantástico, não é mais na realidade do que um simples amontoado de ruas estreitas, íngremes, fechadas, escuras, sem o mínimo de carácter, povoadas por um conjunto de velhas casas. Esses labirintos – vasos capilares –, ainda transportam uma beleza “naive” e as velhas casas já mudas, cegas e surdas, uma dormência irespirável, desmoronam-se na solidão, no abandono – do esplendor à ruína.

É aqui que se sente o seu real e verdadeiro batimento cardíaco – respira mais vagarosamente – e se pode olhar verdadeiramente a alma de Macau. Aqui, não há sangue novo – há uma serenidade imposta. Uma cidade sem alma convida ao sono.

As pessoas vivem uma tristeza disfarçada de tímida felicidade. É com esta gente, nestes meios, e cito Sto. Alberto Magno, que “na doçura da vida comunitária se encontra a verdade”.

Demoramos anos a deixar de ouvir – “E Depois do Adeus” -, já é tempo para termos um olhar mais reflexivo, crítico e sem complexos, não nos devemos martirizar. O objectivo nem sempre é criticar ou culpar alguém, mas ajudar a construir uma nova sociedade, até porque, conforme os tempos, outros tempos virão, as conversas, debates em Macau, vão tendo problemas e discussões diferentes – vamos abrindo consciências ao mundo.

Tive o feliz prazer de aqui viver, conviver numa época em que ainda havia pessoas que fizeram frente ao tempo sem nunca ambicionar a eternidade – hoje os tempos são outros! Foram vozes que apareceram para pintar a cidade de cores vivas, nas injustiças, desigualdades, desonestidades, ignorância, corrupção, boçalidade e uma pitada de novos sabores na justiça, igualdade, fraternidade transparência, exigência, verdade.

O meu olhar ocidental – nunca o corrigi – leva-me por vezes a uma reflexão instável, movediça, contraditória – sem nunca cristalizar o pensamento –, como acontece quando vagueio pelas vielas, becos e pátios. Não me sinto filho da terra – os tempos também são outros -, mas para falar verdade também não me sinto completamente de outro lugar algum, mas preservo e tento vitalizar e revitalizar a minha ligação com “Ao Men”.

É preciso olhar a cidade com um outro olhar. É urgente regenerar a habitação e o pequeno comércio de bairro. Criar novas dinâmicas do quotidiano, mobilidade, aumentar a qualidade de vida dos moradores, requalificar e fixar espaços públicos e reforçar dinâmicas culturais. Além disso, é essencial, para promover e dispersar o turismo, limpeza, casas de banho, iluminação, ambiente, segurança, nova sinalética e sobretudo limitação de tráfego e estacionamento.

Nostalgia de uma outra vida, mais humana… é humano idealizar o passado e alimentar a nostalgia. Volto quando a tarde avança, lentamente, à conquista da noite, as sombras são agora mais lânguidas… o que nos define é o prazer, a alegria e a felicidade!

20 Mai 2020

Mais três milhões

[dropcap]“(…) M[/dropcap]antendo-se inalterados durante cinquenta anos o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes”. Antes de 1999, os democratas já colocavam exposições nas ruas com informação sobre o Massacre de Tiananmen, por isso esperava-se que pelo menos até 2049 este aspecto não fosse alterado. Argumenta-se que existe riscos de propagação da covid-19.

A preocupação não é descabida, mas basta entrar nos autocarros, principalmente no 25 e 26A ao fim-de-semana, para perceber que a covid-19 não foi uma consideração. E em 2021, coincidência das coincidências, haverá obras em todos os espaços da exposição. Como sabemos, as obras não permitem que hajam condições de segurança. É uma desculpa que já foi utilizada antes. Sobre a questão quero ainda sublinhar as palavras de Joey Lao.

A exposição viola o princípio um País, disse o académico sem conseguir explicar a teoria sem negar a Lei Básica. É nas crises que surgem as oportunidades, meus amigos. Joey Lao apenas utilizou o grande argumento que tudo pode abarcar e vai servir para a caçar as bruxas. Não concordas com o Massacre de Tiananmen? Estás a violar o princípio um País. A Lei Básica impede a aplicação do sistema socialista? Está a violar o princípio um País. Compraste um carro italiano em vez de chinês? Mais uma violação do princípio…

A liberdade de expressão da população é seriamente ameaçada, mas o deputado vai ser nomeado para um novo mandato. É certinho. E com uma salário próximo das 60 mil patacas por mês, Joey Lao assegurou quase três milhões de patacas até 2025, fora o salário como académico. A vida corre-lhe bem.

19 Mai 2020

Partilha de rendimentos em Hong Kong

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 15, o Conselho Legislativo de Hong Kong aprovou o Orçamento para 2020/21, com 42 votos a favor, 23 contra e 1 abstenção. A população acolheu com bastante agrado a decisão do Governo de entregar a cada residente, com mais de 18 anos, a quantia de 10.000 dólares de Hong Kong. O Governo local prevê que as candidaturas deverão ser aceites em Junho e que os pagamentos serão efectuados em Agosto.

Quer o Governo de Hong Kong, quer o Governo de Macau têm vindo a distribuir dinheiro pela população, mas a situação difere bastante nas duas cidades. Macau começou com esta política em 2008, quando o então Chefe do Executivo Edmund Ho propôs o “plano de partilha de rendimentos”. O objectivo era permitir que os residentes de Macau partilhassem os benefícios do desenvolvimento económico, que pudessem fazer face à inflação e era também uma forma de diminuir o impacto da crise financeira que assolava o mundo. Nessa altura, cada residente permanente de Macau recebia 5.000 patacas e os residentes não permanentes 3.000.

Desde então, todos os anos se tem efectuado a distribuição de verbas pelos residentes, e os montantes têm vindo a aumentar; este ano o valor ascende a 10.000 patacas. Assim sendo, cada residente permanente de Macau recebeu entre 2008 e a presente data um total de 104.000 patacas; e cada residente não permanente recebeu no mesmo período 62.400 patacas. Esta política conferiu valor aos cartões de residência em Macau.

Embora Hong Kong apresente todos os anos o seu Orçamento Anual, não procedeu à distribuição de verbas em todos eles. O primeiro plano de partilha de rendimentos teve lugar em 2011. Nessa época, o secretário das Finanças, Zeng Junhua, na proposta do Orçamento de 2011-2012, sugeria que fosse injectado o montante de 6.000 dólares de Hong Kong na conta do Fundo de Previdência Obrigatório dos residentes, para reforçar a protecção na reforma. No entanto, esta opção foi muito criticada, porque, segundo a sabedoria popular “não se deve deixar para amanhã o que se pode fazer hoje”. Depois da contestação, os 6.000 dólares por residente acabaram por ser disponibilizados de imediato nesse ano. Em 2020, o Governo colocou na proposta de Orçamento o montante de 10.000 dólares de Hong Kong, sendo esta a segunda vez que a distribuição vai ser feita na antiga colónia britânica.

Embora este ano Hong Kong tenha seguido o exemplo de Macau, o Governo tem continuado a ser alvo de críticas, acusado de ter tomado uma decisão tardia. No entanto, como é sabido, mais vale tarde que nunca.

Mas, ao contrário de Macau, para Hong Kong esta distribuição de verbas representa um grande esforço. As reservas financeiras de Hong Kong são muito inferiores às de Macau. Há algum tempo atrás, um economista salientou que as reformas pagas aos idosos estavam a estrangular as reservas financeiras e, além disso, o Governo recorreu a parte destas reservas para minimizar o impacto negativo na economia provocado pela Covid-19. É possível que as reservas financeiras do Governo de Hong Kong se esgotem nos próximos dez anos.

No entanto, o que acabo de afirmar não passa de uma suposição. Mas uma coisa é certa, desde há muito que as receitas do Governo de Hong Kong provêm principalmente da taxação sobre a venda de terrenos, cujos preços são muito elevados. Os residentes de Hong Kong gastam a maior parte dos seus rendimentos nas prestações das casas. Basicamente trabalham para “ter um tecto”. A vida é dura e as pessoas revoltam-se facilmente. E, mais importante do que tudo, vai chegar o dia em que os terrenos se vão esgotar. Quando isso acontecer, vão também acabar as receitas do Governo de Hong Kong. Quando Tsang Yin-quan foi Chefe do Executivo, quis taxar a venda de todos os produtos para garantir receitas certas ao Governo da cidade. Só se puder contar com um rendimento certo, o Governo pode levar a cabo obras importantes, como o plano de pensões de reforma universal e o apoio à saúde. Sem um rendimento estável, esses projectos são irrealizáveis.

É inegável que em Hong Kong é mais difícil disponibilizar apoios do que em Macau. Hong Kong tem cerca de 8 milhões de habitantes, enquanto que em Macau existem apenas 600.000 pessoas, uma percentagem de 13 para 1. Quando o Governo de Hong Kong gasta 13 dólares, o Governo de Macau só precisa de gastar 1 e, para além disso, o rendimento per capita das duas cidades tem sinal contrário. Segundo o relatório publicado pelo Fundo Monetário Internacional em 2019, o rendimento per capita anual em Macau era de 81.151 US dólares, ou seja, 651.967 patacas, enquanto em Hong Kong era de 49.334 US dólares, ou seja 396.349 patacas.

Portanto, o rendimento anual per capita em Macau é 1,64 vezes superior ao de Hong Kong. Com muito menos população e mais rico, Macau está sem dúvida em melhor posição para implementar a política de partilha de rendimentos do que Hong Kong.

Hong Kong e Macau estão separados pelo mar e as políticas das duas cidades têm valores e referências comuns. Hong Kong não deve apenas seguir o exemplo de Macau no que respeita à partilha de rendimentos e ao plano de segurança social. Mais importante do que tudo é desenvolver uma indústria própria e criar receitas que alimentem o Governo da cidade, para que este possa implementar todas as medidas necessárias. É sobre estas matérias que o Governo de Hong Kong deve reflectir.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau

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19 Mai 2020

Licença para a igualdade

[dropcap]É[/dropcap] óbvia a necessidade de as mulheres precisarem de licença de maternidade, e incompreensível a discrepância de dias entre o sector privado e a função pública, principalmente quando nem a última cumpre o período temporal aconselhado pela Organização Mundial do Trabalho. Mas se queremos que haja igualdade de género precisamos de começar a falar mais da licença de paternidade. Com as alterações feitas à Lei das Relações de Trabalho, a figura do pai passa a ter uma licença de cinco dias úteis.

É absurdo que seja tão pouco tempo. A licença de paternidade não só permite que o pai passe mais tempo a criar laços com a criança, mas também promove o reconhecimento de que ambos os pais têm um papel a desempenhar no cuidar dos filhos, e torna mais equilibrada a participação das mulheres no mercado de trabalho.

Se os cuidados a dar começarem a ser entendidos como uma responsabilidade partilhada quando a criança nasce, pode ser que se torne um padrão para os anos seguintes, garantindo também que a mulher se possa dedicar tanto quanto o homem ao trabalho. A maternidade leva a que muitas mulheres sejam discriminadas de diferentes formas no contexto laboral. Com uma licença de paternidade mais aproximada à da maternidade, é de esperar que eventualmente o género deixe de ser um factor na perspectiva empresarial sobre a contratação ou progressão da carreira.

18 Mai 2020