O sucesso do Partido Comunista Chinês

“In accordance with the principle of Marxism, the economy is the foundation of all kinds of development. Therefore, as long as economic development is achieved, society will be relatively stable and the legitimacy of CCP governance will be strengthened.”
Mu Chunshan

 

Desde o início da civilização humana, a humanidade tem procurado a melhor forma de governo. Durante milhares de anos, os nossos sistemas políticos evoluíram constantemente com a mudança dos valores políticos e o progresso das civilizações humanas, até ao final dos anos de 1980 quando se afirmou que esta evolução tinha chegado ao fim.

O colapso dos regimes comunistas na Europa de Leste e na União Soviética parecia marcar o golpe de misericórdia do comunismo e sugerir a superioridade da democracia liberal ocidental. Desde então, a democracia liberal ocidental tem sido reivindicada como “o ponto final da evolução ideológica da humanidade” e “a forma final do governo humano”.

Parecia que, mais cedo ou mais tarde, a democracia liberal ocidental, o chamado “melhor” sistema político e a “última” conquista da humanidade iria derrotar todas as outras formas de sistemas políticos (de qualidade inferior) e tornar-se a única forma de governo no mundo. Pelo contrário, a sua resiliência tem colocado desafios sem precedentes ao domínio esmagador da democracia ocidental. Agora, mais de trinta anos após a queda do comunismo na Europa Oriental e na União Soviética, o partido comunista na China tem colocado um forte desafio à democracia liberal ocidental. Em vez de cair, como muitos esperavam durante décadas, o Partido Comunista Chinês (PCC) realizou um milagre económico notável além de um controlo inimaginável sobre a COVID-19.

Em 2011, a China ultrapassou oficialmente o Japão para se tornar a segunda maior economia do mundo. Com uma taxa de crescimento anual do PIB superior a 7 por cento, espera-se que a China se torne a maior economia mundial dentro de uma década. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a China tinha, em 2014, substituído os Estados Unidos para se tornar a maior economia do mundo. Agora, mais do que nunca, o mundo tem-se interrogado se ou mesmo quando é que a China irá liderar o mundo. A 1 de Julho de 2021, o PCC celebrou 100 anos desde a sua fundação com uma série de eventos públicos destinados a legitimar o domínio do partido sobre a China e a autoridade absoluta do seu líder, o Presidente Xi Jinping.

O regime comunista da China atribui grande valor simbólico aos aniversários, pelo que o centenário é considerado uma data extremamente importante, e uma ocasião cuidadosamente preparada para recordar ao país e ao mundo as realizações do regime e durante uma cerimónia maciça diante de mais de setenta mil pessoas em Pequim, o Presidente Xi disse que nada podia deter a ascensão da China e que “só o socialismo pode salvar” o país. Sendo a única força política que governa com autoridade a segunda maior potência mundial, o PCC é sem dúvida o partido político mais poderoso do mundo, e a sua permanência no poder desde 1949 até ao presente tem desmentido e surpreendido muitos peritos ocidentais que ao longo das décadas previram o seu colapso. Hoje, todos acreditam que o poder do partido é sólido, graças a uma mistura de adaptabilidade, preparação e legitimidade por parte da liderança comunista, que aprendeu a equilibrar a autoridade com os benefícios derivados do crescimento económico excepcional.

O sucesso do Partido Comunista também foi reconhecido no estrangeiro. Para os Estados Unidos e o Ocidente, por exemplo, a China tornou-se não só um adversário estratégico, mas também um adversário ideológico, pois o modelo de governo apresentado pelo partido apareceu tão eficiente nos últimos anos que Joe Biden, o presidente americano, disse recentemente que o sucesso da China levou o mundo a perguntar “se as democracias são capazes de competir”.

De muitas maneiras, então, os membros do PCC poderiam celebrar o aniversário com satisfação. Mas apesar disso, o Partido nunca deixou de governar a China, com uma mistura de optimismo, preocupação e ansiedade.

O Presidente Xi Jinping, desde que chegou ao poder, forçou o aparelho do Partido a estudar o colapso da União Soviética, nos anos de 1990, para evitar cometer os mesmos erros. O PCC não foi realmente fundado a 1 de Julho de há cem anos. Esta data convencional foi escolhida nos anos de 1940 do século XX, mas a maioria dos historiadores concorda que a reunião secreta em que o Partido foi fundado teve lugar a 23 de Julho desse ano, numa casa da Concessão Francesa em Xangai, a área da cidade dominada pelos colonialistas franceses (nessa altura várias potências ocidentais tinham dividido a cidade, ocupando grandes áreas). O encontro contou com a participação de menos de quinze pessoas, incluindo o jovem Mao Tse Tung, que em poucos anos se tornou o líder indiscutível do Partido.

Em 1921 o Partido Comunista tinha apenas cerca de cinquenta membros, mas rapidamente cresceu e tornou-se uma ameaça para o Kuomintang, o partido nacionalista presidido por Chiang Kai-shek, que então governava a China. A rivalidade entre os dois partidos transformou-se numa guerra civil em 1927, durante a qual o Partido Comunista se viu à beira de poder ser destruido. Em 1934 veio a Longa Marcha, uma retirada maciça das forças comunistas lideradas por Mao, que ao longo de vários meses viajou nove mil quilómetros a pé para retirar-se ao exército do Kuomintang. A Longa Marcha é considerada como um acto de coragem excepcional. A guerra civil foi interrompida pela invasão da China pelo Japão em 1937, e pelo início da II Guerra Mundial em 1939, quando o Partido Comunista e o Kuomintang se aliaram para contrariar a invasão japonesa. Os conflitos civis recomeçaram após o fim da II Guerra Mundial em 1945, e as forças do Kuomintang, enfraquecidas pela guerra com os japoneses e desencorajadas pelo regime corrupto e ineficiente de Chiang Kai-shek, foram incapazes de responder ao avanço comunista, embora fossem apoiadas pelos Estados Unidos.

Em 1949 os comunistas entraram em Pequim, e a 1 de Outubro Mao anunciou a fundação da República Popular da China, enquanto Chiang Kai-shek e o que restava das forças nacionalistas fugiram para Taiwan. O período entre 1949 e a morte de Mao em 1976 foi marcado por uma enorme mudança. O Partido Comunista consolidou o seu poder sobre toda a China excepto Taiwan, mas sob a liderança de Mao existiram dois funestos períodos que foi o Grande Salto em Frente de 1958, tendo-se registado uma das maiores fomes da história e a Revolução Cultural de 1966. Após a morte de Mao, o líder mais importante do Partido Comunista (e da China como a conhecemos) foi Deng Xiaoping, que alcançou dois resultados importantes no espaço de poucos anos pois a partir de 1979, reformou gradualmente a economia chinesa para a abrir ao mercado e ao livre empreendimento, lançando as bases para o crescimento económico excepcional das décadas seguintes, que tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza e também reformou o Partido para evitar desastres e instabilidade.

Pôs fim ao governo absoluto de Mao, tornando a gestão do Partido mais colegial; impôs um limite de dois mandatos e cinco anos aos cargos de presidente da China e secretário-geral do Partido (tradicionalmente ocupado pela mesma pessoa, indicando a identificação entre o Partido e o Estado); e eliminou o culto à personalidade que Mao tinha cultivado até à sua morte. O principal sucesso de Deng foi ter conseguido criar um novo pacto social entre o Partido Comunista e o povo chinês, segundo o qual o Partido garantiria o crescimento económico e a prosperidade, bem como um grau crescente de liberdade pessoal, em troca de um controlo absoluto sobre a vida política do país. Os dois sucessores de Deng, Jiang Zemin e Hu Jintao, respeitaram largamente a abordagem dada ao Partido e a estrutura política do país desenvolveu-se a partir de 1979, e inicialmente parecia que Xi Jinping, filho de um proeminente líder comunista que tinha feito a revolução com Mao também iria manter o status quo.

Nomeado Secretário-Geral do Partido em 2012 e Presidente da China em 2013, Xi provou ser o líder mais ambicioso e inovador desde Mao e Deng. No início do seu mandato, lançou uma grande campanha anticorrupção que colocou centenas de milhares de pessoas, incluindo muitos membros de alto nível do Partido, sob investigação, e nos anos seguintes limpou algumas das estratégias maoístas que tinham sido abandonadas por Deng. Apertou a disciplina ideológica, forçando os funcionários a sessões contínuas para estudar a teoria comunista, que entre outras coisas tem um forte elemento de revisionismo histórico, enquanto até há poucos anos atrás o debate sobre o legado de Mao era relativamente vivo mesmo dentro da China, e actualmente aqueles que questionam as primeiras três décadas de domínio comunista sobre o país são acusados de “niilismo histórico”.

O Presidente Xi reavivou o culto da personalidade e limitou a gestão colegial do Partido, que está em grande parte nas suas mãos. Mais importante ainda, em 2018, fez avançar a remoção do limite de dois mandatos para a presidência, sugerindo que permanecerá no poder depois de 2023, quando o seu mandato estiver prestes a terminar.

Tendo concentrado o poder dentro do Partido, o Presidente Xi Jinping estendeu a sua influência a numerosos estratos da sociedade como disse num discurso em 2017, “a leste, oeste, sul e norte, o Partido comanda tudo”. As empresas públicas voltaram a tornar-se centrais para a economia, e o governo criou gabinetes de controlo político geridos pelo partido na maioria das grandes empresas privadas. Muitos empresários famosos, como o fundador da Alibaba, Jack Ma, só recentemente revelaram que são membros do Partido. O poder do Partido estendeu-se a toda a sociedade sob a vigilância do Presidente Xi Jinping. Sob o domínio do Presidente Xi Jinping, o PCC chega aos 100 anos desde a sua fundação, aparentemente em excelentes condições. Governou a China durante 72 anos, e em dois anos, em 2023, ultrapassará o Partido Comunista da União Soviética como o Partido Comunista com o mais longo mandato no poder.

Tem mais de noventa e cinco milhões de membros e não faltam novos recrutas, porque a filiação no Partido é necessária para obter os empregos seguros e bem pagos na função pública e em empresas estatais. O Presidente Xi Jinping ordenou nos últimos anos que a taxa de novas admissões fosse reduzida, para diminuir o número de especuladores. Além disso, várias pesquisas independentes realizadas ao longo dos anos demonstraram que o nível de satisfação das pessoas com a administração pública é bastante elevado, e as grandes celebrações do centenário que começaram há meses com um enorme esforço levou à publicação de filmes patrióticos, à exibição de cartazes, à organização de inúmeras cerimónias públicas e de grandiosos eventos comemorativos transmitidos ao vivo na televisão que deveriam reforçar entre os chineses o sentimento de patriotismo e nacionalismo que o Presidente Xi Jinping cultiva há anos.

O segredo da longevidade do partido reside também numa mistura de “resiliência”, “adaptabilidade ideológica”, e a capacidade de redistribuir os lucros do crescimento económico ao contrário dos partidos dominadores que governaram outros países no passado, o PCC conseguiu conter pelo menos parte da corrupção e não se transformar numa cleptocracia. Apesar disso, o Partido foi capaz de resolver várias contradições perigosas. O Financial Times escreveu que o PCC dirige uma economia sofisticada, de alta tecnologia, animada por energias que teriam sido familiares a Milton Friedman (economista americano considerado um dos maiores campeões do mercado livre).

Segundo muitos estudiosos, o Presidente Xi Jinping e funcionários do Partido estão convencidos de que o apoio da população não está a mudar e que o contrato social estipulado no tempo de Deng e renovado até hoje é duradouro, porque a adesão do povo chinês ao domínio do Partido Comunista não é ditada pela ideologia ou convicção, mas pelas boas condições de oportunidade económica, prosperidade e autonomia pessoal que o Partido tem conseguido assegurar nas últimas décadas. Só se estas condições falhassem o que não é minimamente previsível, o Partido poderia entrar em colapso. Esta é também a razão pela qual desde que chegou ao poder o Presidente Xi Jinping citou repetidamente a União Soviética. O Presidente Xi despreza Nikita Khrushchev, o líder soviético que iniciou algumas tímidas reformas políticas nos anos de 1960, e especialmente Mikhail Gorbachev, que no final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990 introduziu reformas que levaram ao “súbito e retumbante” colapso do Partido Comunista Soviético. O colapso aconteceu porque “ninguém era homem suficiente para se levantar e resistir”, disse o Presidente Xi num discurso interno do Partido no início do seu mandato, e é bastante claro que pretende ser esse homem.

Da varanda acima da Porta de Tiananmen, onde Mao declarou o início do regime comunista em 1949, o Presidente Xi Jinping abriu as celebrações para assinalar o centésimo aniversário do nascimento do PCC com o sorriso confiante de quem está consciente de que é o líder vitalício do único poder capaz de assustar os Estados Unidos e de ser o secretário do partido mais poderoso do mundo. O Presidente Xi espancou os “inimigos do povo”, tanto internos como externos. Vestido com um fato cinzento “maoísta” e mantendo a sua habitual atitude seráfica, o “Tio Xi”, como gosta de ser chamado pelo povo que realmente o teme por causa do seu superpoder e do seu punho de ferro contra a mais pequena forma de dissidência, fez um discurso apologético para com os fundadores do PCC e exaltou o desempenho do “Dragão”, que num século deixou de ser uma criatura pobre e atrasada para passar a ser uma muito rica e moderna.

No que diz respeito ao resto do mundo, o Presidente Xi reservou palavras de desprezo como nunca antes o tinha feito. Esta é uma reacção previsível, especialmente após a recente digressão do Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, com o objectivo de reunir a Europa e todo o Ocidente contra o “Dragão”, mas o Secretário-Presidente acrescentou uma não pequena agressão por esta oportunidade. O líder advertiu que quem tentar intimidar a China “verá derramamento de sangue”. No seu discurso de tomada de posse foi o Presidente Xi quem apresentou uma agenda mais arrojada, para o dizer de forma suave, na esfera estrangeira, mas a selecta multidão aplaudida não parecia lembrar-se disso.

Afinal de contas, aqueles que participaram na cerimónia fazem parte do estabelecimento e concordam com a linha de pensamento do Presidente Xi. E se não estivessem de acordo, não o mostrariam. Durante uma hora, numa linguagem invulgarmente enérgica, o presidente também afirmou que a nação deve respeitar a regra do partido único, enfatizando o papel dos comunistas em trazer a China para a proeminência global. O Presidente Xi, que está a considerar um terceiro mandato como secretário do PCC a partir do próximo ano, recebeu os mais altos aplausos quando disse que o partido tinha restaurado a dignidade da China após décadas de subjugação às potências ocidentais e ao Japão nos séculos XIX e XX.

O Presidente Xi afirmaria que “O povo chinês não permitirá absolutamente que qualquer força estrangeira nos oprima ou nos escravize, e quem tentar fazê-lo enfrentará cabeças partidas perante a Grande Muralha de Ferro de 1,4 mil milhões de chineses”. O Presidente Xi também garantiu que o partido manterá o controlo absoluto sobre os militares, que agora tem o segundo maior orçamento anual do mundo, depois dos Estados Unidos.

“Transformaremos o Exército Popular num exército de classe mundial, com capacidades ainda mais fortes e meios ainda mais fiáveis para salvaguardar a soberania, a segurança e os interesses do desenvolvimento da nação”. Uma promessa aos chineses, uma ameaça para os povos do resto do mundo. É importante de realçar outras passagens do seu discurso como a de que “O renascimento da China é um processo histórico irreversível assim como o povo chinês acordou e os tempos em que poderiam ser pisados, ou sofrer e ser oprimidos nunca mais voltarão”.

“Nunca aviltámos povos de outros países e nunca o faremos, e não permitiremos que forças estrangeiras nos abusem, oprimem ou subjugam”. Aqueles que o tentarem fazer “encontrar-se-ão em rota de colisão” com Pequim. A China acolherá sugestões de outras culturas, mas não aceitará “pregações fanáticas” no seu caminho de desenvolvimento. “Vamos assegurar que o desenvolvimento da China permaneça firmemente nas nossas mãos”, acrescentou o Presidente XI. Qualquer tentativa de dividir o Partido do povo, advertiu, está condenada ao fracasso pois o PCC está enraizado no povo e representa os interesses fundamentais do povo chinês.

O presidente Xi prosseguiu dizendo que resolver a questão de Taiwan e conseguir a reunificação completa da ilha com a China é uma “missão histórica” do PCC. “Ninguém deve subestimar a determinação do povo chinês em defender a sua soberania nacional e integridade territorial”, e que “só o socialismo pode salvar a China, e só o socialismo com características chinesas pode desenvolver a China”. “O povo chinês, não só tem sido bom a destruir o velho mundo, mas também a construir um novo”; a China conseguiu a construção de uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos.

8 Jul 2021

De boas intenções a gordofobia está cheia

No corrente ano de 2021 a gordofobia ataca de novo, camuflada de boas intenções, como não podia deixar de ser.
Viremo-nos para a Nova Zelândia, dos primeiros países a oferecer produtos menstruais nas escolas, um país evoluído e cheio de boas intenções, que não tem medo de tomar medidas para erradicar a pobreza menstrual. Pena que nem sempre o ímpeto se alastre a outras áreas. A universidade de Otago na Nova Zelândia publicou um estudo que correu o mundo. Eu fui ler o comunicado oficial da universidade, para perceber o tom de celebração que se veiculava.

Atentem: os investigadores desenvolveram a primeira gerigonça do mundo para a perda de peso. Um acessório interessante, uma espécie de cadeado magnético que não deixa que a mandíbula se afaste mais do que 2 mm. A justificação desta invenção é simples: já que a obesidade é uma epidemia global, são necessárias mais e melhores técnicas para as pessoas perderem peso. A cirurgia bariátrica é um procedimento muito invasivo e caro. O cadeado é bem mais baratinho com resultados promissores, dizem eles. Os dentistas colocam-no na boca dos interessados e as pessoas ficam reduzidas ao consumo de líquidos. As pessoas perdem peso a custo de “algum desconforto” e “algum embaraço”, como a investigação mostrou.

Claro que os mais sensatos e sensíveis prontamente se referiram ao acessório como um objecto de tortura medieval. Parece uma brutalidade não poder abrir a boca à vontade ou ficar com dificuldades em falar. Fui ler a publicação científica. Os investigadores enquadraram a utilidade do “cadeado” numa narrativa que já nos cansa: a de que os obesos são uns “coitadinhos” que não têm saúde física e mental, que não têm vida social, e que, pior, em tempo de COVID-19, estão ainda mais vulnerabilizados – e precisam de um milagre. Pensei para comigo, em que raio de contexto isto foi permitido? Que comissão de ética foi favorável a um estudo que se propunha trancar a boca das pessoas?

A Nova Zelândia – o tal país que oferece produtos menstruais – usa o índice de massa corporal como um indicador de saúde na decisão de aceitar ou rejeitar imigrantes. A entrada pode-lhes não ser permitida, ou os seus pedidos de renovação podem ser rejeitados quando já lá moram. Só para clarificar: obesidade não é uma doença, apesar dos serviços de fronteiras neozelandeses assim o entenderem por vezes (ainda que rejeitar alguém doente é bastante problemático também). A metáfora da epidemia da obesidade claro que não ajuda a passar esta mensagem. O país teme que as pessoas com excesso de peso sobrecarreguem os serviços de saúde. Contudo, investigação mostra que o índice de massa corporal não é um indicador de saúde, visto que não compromete um estilo de vida activo. Nesta tentativa de se culpar a pessoa com excesso de peso pelos seus problemas também se negligenciam os factores sistémicos, sociais e culturais, que contribuem para eles. O problema não é a gordura, o problema é o estigma associado à gordura. Posto isto, a Nova Zelândia é um contexto socio-cultural bastante propício à gordofobia declarada, camuflada e pseudo-bem-intencionada. De todas as formas e feitios. Se é verdade que há pessoas que sofrem com excesso de peso, este sofrimento não existe no vácuo. As sociedades travam guerras declaradas contra a gordura. Não há mudança possível sem consciência de que o problema não são as pessoas individuais, mas o sistema que recusa o seu corpo à partida.

Há uns tempos referi que a mera menção da obesidade como epidemia faz aumentar o preconceito contra o excesso de peso. Só um exemplo, entre muitos, de como a linguagem e os discursos à volta destas coisas afectam os processos que nos tornam mais inclusivos em relação aos outros. O desafio é pudermos olhar para as medidas bem-intencionadas com olhar critico e feroz de que podem, na verdade, perpetuar aquilo que queriam mitigar desde o início.

7 Jul 2021

Inundações na RAEM (II) – Dos tipos de redes de drenagem e dos usos autorizados

Por Mário Duarte Duque, arquitecto 

 

Importa ter presente que as normas do Regulamento de Águas e de Drenagem de Águas Residuais de Macau de 1996 (o RADARM) só passaram a ser aplicáveis a obras cuja concepção ou licenciamento se iniciou a partir da entrada em vigor desse diploma.

Ou seja, que a obrigatoriedade de os sistemas de drenagem de águas domésticas e de águas pluviais serem separativos, tendo em vista o tratamento dos esgotos domésticos e industriais, e o descarregamento das águas pluviais pudesse ser feito directamente no estuário livre de poluentes, só passou a ser obrigatório para tudo o que se realizou a partir dessa data.

Disso resulta que a observação de regras relativas aos lançamentos permitidos nas diferentes redes de drenagem são condições de base e são essenciais para o lógico, correcto e seguro funcionamentos de todos os sistemas de drenagem.

Assim, não é permitido que entrem esgotos domésticos em redes pluviais, para que esgotos domésticos não sejam lançados no estuário sem tratamento sanitário. Não é permitido que entrem esgotos pluviais numa rede de esgotos domésticos, para que não seja exorbitante e desnecessário o caudal enviado para tratamento sanitário. Como não é permitido certos lançamentos nas redes domésticas que danifiquem as canalizações ou que inviabilizem os processos das centrais de tratamento sanitário do esgoto.

Os materiais que não estão autorizados a entrar nas redes têm que ser separados logo nas instalações onde são produzidos, e têm de ser recolhidos nessas instalações de outro modo.

Nas redes domésticas não podem entrar produtos que sejam quimicamente ou biologicamente incompatíveis com o tratamento que é feito a esses esgotos em estações de tratamento, não podem entrar materiais que danifiquem mecanicamente ou quimicamente as canalizações, objectos de determinadas dimensões, substâncias corrosivas e gorduras, que danificam as paredes, obstruem o fluxo e são origem de “aneurismas” e de “tromboses” dos sistemas de drenagem, tal como acontece no sistema vascular do corpo dos humanos.

Assim, na rede pluvial só entra água da chuva, de lavagem de pavimentos, de despejo de tanques ou piscinas, também de arrefecimento de torres de refrigeração, mas desde que não excedam determinada temperatura.

Para fácil identificação da presença dessas redes no espaço público, tudo o que é sumidouro ou sarjeta de pavimento (público ou privado), ou vala aberta, deveria pertencer a um sistema de drenagem pluvial.

Assim, sempre que a capacidade de drenagem dessas redes seja excedida, o refluxo, o transbordo ou o assomo de águas no espaço público, a partir desses dispositivos, deveriam ser apenas águas pluviais.

A questão importa porque o colapso de uma rede de drenagem pode ser admissível ou mesmo inevitável, disso resultarem inundações, mas a capacidade dos humanos conviverem com essas inundações depende de condições que não constituam perigo para a vida, tais como a profundidade da água, a velocidade com que corre, a temperatura e, principalmente, os níveis de poluição.

O apuramento das condições em que uma inundação acontece permite estabelecer a linha divisória entre o que constitui mera perturbação e o que constitui perigo para a vida.

Permite ainda avaliar se, na impossibilidade de resolver o problema das cheias a outra escala, ou por outros meios, a “inundação controlada”, ou monitorizada, é solução a ponderar.

Desde já podemos interpretar comportamentos que atentam contra o bom funcionamento dessas redes quando vimos alguém largar as beatas de cigarros, ou lojas fazerem despejos, nas sargetas à sua porta.

O que já não conseguimos identificar é o que se passa por debaixo do solo e nas instalações privadas onde os resíduos são produzidos, o obsoletismo das normas por que essas instalações ainda se pautam, ou as modificações ilegais feitas no interior dos edifícios.

Sabemos contudo que quando as inundações ocorrem, as águas que correm à superfície estão poluídas com esgoto doméstico, e que isso constitui perigo para a vida.

A entrada em vigor do Regulamento de Águas e de Drenagem de Águas Residuais de Macau em 1996 teve em vista um cenário em que o esgoto doméstico é para ser tratado, e que o território de Macau mantém ainda em funcionamento redes unitárias de drenagem de esgotos.

Com o mesmo regulamento a DSSOPT ficou encarregada de manter actualizados os cadastros dos sistemas públicos de drenagem, assim como os cadastros dos sistemas prediais onde deve constar, pelo menos, a ficha técnica do sistema predial, com a síntese das suas características principais;

A entrada em vigor do mesmo regulamento pressupõe o início de um processo de evolução, de actualização e de apetrechamento da rede.

Nomeadamente nas zonas antigas, ainda servidas por redes públicas unitárias, qualquer nova construção já está obrigada à separação dos sistemas prediais de drenagem de águas residuais domésticas dos de águas pluviais, até às câmaras de onde sai o ramal de ligação à rede pública.

A partir daí, essas câmaras ligam-se ao colector único, mas também passam a ligar-se separadamente, logo no dia em que a via seja remodelada e infra-estruturada com uma rede de drenagem separativa.

Num cenário de contingência de inundações urbanas, a questão mais pertinente é saber qual é presentemente a predominância de redes unitárias ainda em funcionamento, e para onde essas redes são conduzidas ou despejadas.

Ou seja, se todo esse caudal, composto por águas sujas e limpas, é tratado, o que se afigura um desperdício, ou se todo esse caudal é antes lançado directamente no estuário sem tratamento e, nesse caso, qual é a concentração média de poluentes na rede num evento de chuvas intensas.

Na certeza porém que, qualquer rede unitária, que esteja a ser despejada no estuário, assoma necessariamente à superfície, nas ocasiões em que não há condições de entrega desse caudal no estuário.

Muito do conteúdo que aqui se reúne prende-se com disposições construtivas obsoletas, comportamentos e obras não autorizadas, e a necessidade de tarefas de fiscalização.

Tarefas de fiscalização são primordialmente tarefas de “monitorização”. Servem para conhecer comportamentos e o estado de coisas. Atingem a esfera da “fiscalização” quando quilo que se apura colide com o ordenamento jurídico que regula esses comportamentos e esse estado de coisas, consubstanciando infracções, à qual está atrelada uma consequência específica, i.e. uma a sanção.

Muito do que corre aos olhos do público em geral poderia regular-se por via de uma consciência cívica e ética onde os próprios cidadãos podem desaconselhar outros cidadãos a práticas incorrectas e a exortá-los à prática correcta que se impõe.

Todavia, para tudo o que é complexo, e muitas das vezes sequer é visível, a supervisão já depende de meios especializados.

Na RAEM essa fiscalização está demarcada entre (1) o IAM, que é responsável pela reparação, conservação, aperfeiçoamento e limpeza da rede pública de drenagem de águas residuais domésticas e pluviais, assim como do licenciamento de actividades onde os efluentes são produzidos industrialmente, nomeadamente estabelecimentos de restauração, e (2) a DSSOPT, que é responsável pela concepção de todas as redes, nomeadamente pelo licenciamento das redes no domínio privado, e pela supervisão do estado em que as mesmas se encontram, integrada na obrigatoriedade de manter as edificações em bom estado de conservação na sua generalidade, e de as defender de disposições não autorizadas.

Desta demarcação resultam também tradições diferentes. Enquanto os fiscais do IAM andam efectivamente na rua porque têm de aí realizar tarefas rotineiramente, os fiscais da DSSOPT já não estão obrigados a qualquer rotina no exterior. Só saem dos seus gabinetes quando são feitas denúncias ou quando têm que recolher elementos para informar processos.

São esses moldes de cultura administrativa que resultam de inércia, e que dependem de um exército de residentes “bufos” para o desempenho do dever funcional.

Mas muito do que importa conhecer e cuidar numa rede drenagem é hoje possível monitorizar pelo recurso à tecnologia.

É possível conhecer à distância a composição química do efluente que corre, em determinado troço de canalização, em determinado momento, para se conhecer que nessa canalização estão a entrar despejos não autorizados.
É possível conhecer a frequência da turbulência resultante de chuvas intensas numa canalização, para apurar a agressão mecânica, o atrito e a degradação acelerada das canalizações.

É ainda possível conhecer a cada momento a ocupação das canalizações abaixo do solo, para que, muito antes que tudo isso assoma à superfície, e se deflagre ume inundação urbana, se possam produzir avisos mais úteis à população.

6 Jul 2021

O melhor e o pior de um país

Um amigo meu na companhia da esposa e de outro casal percorreu o centro e o norte do país. Ele regressou e quis descrever-me o que viu, apesar de há uns anos ter passado por alguns dos mesmos locais. Só que desta vez ficou atónito com a diferença que encontrou pelas mais diversas aldeias, vilas e cidades. Ficou maravilhado, diz que tem sido feito muito trabalho autárquico apesar de alguns responsáveis terem sido acusados nos últimos anos de corrupção. A verdade, disse-me ele, é que o país está lindo na Soalheira, em Viseu, na Guarda, na Régua, em Bragança, em Vila Real e nas margens do rio Douro. Houve muito progresso, muitos jardins, parques infantis, praias fluviais, piscinas, igrejas, tudo muito bem tratado, restaurado e de uma higiene tal, que o meu amigo chegou a dizer durante a viagem que a limpeza das localidades lhe fazia lembrar Singapura.

Neste particular, salientou que os autarcas mantêm as ruas, os largos, as praças num brilho. Que não se vê um papel no chão e muito menos uma beata de cigarro. Isto, pelo país fora. É um regozijo ouvir dizer bem do nosso país, quando o quotidiano político, por exemplo, não passa de uma panóplia de fraudes, roubos, concursos públicos adjudicados directamente a empresas de amigos, informações confidenciais enviadas para governos estrangeiros, carros de ministros que rolam a mais de 200 kms/hora e que não têm seguro e matam trabalhadores na estrada. São os actos mais vergonhosos que podem suceder a uma sociedade, tal como um ex-juiz que entregava processos de um tribunal superior a uma amiga estagiária para advogada.

A situação na governação é discutida diariamente de uns políticos contra outros, com o povo a assistir sempre à mesma “pandemia” que vigora no interior dos partidos políticos e no Parlamento com os deputados a rejeitarem uma proposta que criminalizasse o enriquecimento ilícito. Esse país político já enerva qualquer habitante do Portugal real.

É totalmente merecedor dos maiores encómios que salientemos que a parte urbana do país, incluindo o bom estado das estradas, apresenta ao visitante nacional ou estrangeiro uma dignidade extraordinária e onde os monumentos estão conservados e mantendo a sua estrutura arquitectónica devido ao trabalho incessante de quem é responsável pelas aldeias, vilas e cidades. E a viagem do meu amigo com os seus companheiros foi ainda contemplada com uma culinária tradicional das Beiras, Trás-os-Montes e Minho que pode ser considerada uma das melhores do mundo, quando se ingere a carne barrosã, única no país. Uma culinária de excelência acompanhada por vinhos de um nível tão elevado que Portugal tem conquistado prémios de renome internacional.

Os amigos leitores que possam este ano deslocar-se a Portugal de férias, não deixem de optar por visitar o interior do país para se sentirem honrados com a modificação positiva que Portugal tem sido alvo. Venham, mas não comprem jornais. Caso contrário ficam logo tristes com o vosso Portugal, onde apenas lêem em manchetes a vergonhosa acção de certos “tubarões” que há anos gozam com todo um povo modesto e trabalhador. Na semana passada aquele grupelho chefiado pelo fora-de-lei Joe Berardo, o tal amigo de José Sócrates e que ninguém sabe onde foi buscar tanto dinheiro na África do Sul para depois chegar a Portugal e começar a tirar milhões de vários bancos e a abrir portas de museus com obras caríssimas que nem os especialistas em arte sabem explicar onde foi o figurante arranjar tanto dinheiro para obter obras de arte tão valiosas.

Acabou-se o gozo de fazer dos deputados parvos quando foi ouvido na Assembleia da República e teve um comportamento abaixo de ignóbil. O homem foi detido, bem como o seu advogado de sempre e foi declarada arguida mais uma pandilha que com Berardo realizou as mais diversas fraudes ficais, lavagens de dinheiro e burlas qualificadas nos mais diversos bancos. A maior vergonha prendeu-se com as centenas de milhões de euros que lhe facilitaram na Caixa Geral de Depósitos (CGD), o banco público, para o meliante ir comprar acções no banco BCP Millennium.

O caso está a ultrapassar a perplexidade dos investigadores. Berardo depositou milhares de milhões em offshores e é este fulano que teve o desplante de afirmar no Parlamento que apenas tinha uma garagem… Esperemos que se faça justiça rapidamente sobre este caso que envolveu quase duas centenas de investigadores, procuradores e juízes de instrução criminal numa operação sem precedentes que os levou a actuar em Lisboa, Funchal e Sesimbra com dezenas de buscas domiciliárias e não domiciliárias.

A operação da Polícia Judiciária e dos magistrados incidiu sobretudo num grupo económico, que entre 2006 e 2009, contratou quatro operações de financiamentos com a CGD, no valor de cerca de 439 milhões de euros. Este grupo económico tem incumprido com os contratos e recorrido aos mecanismos de renegociação e reestruturação de dívida para não a amortizar e causou um prejuízo de quase mil milhões de euros à CGD, ao Novo Banco e ao BCP Millennium, tendo sido identificados actos passíveis de responsabilidade criminal e de dissipação de património. Mesmo assim, o juiz deixou Berardo ir gozar a liberdade em troca de uma caução de cinco milhões de euros, o que para Berardo são amendoins… Que país é este que tem do melhor e do pior?

*Texto escrito com a antiga grafia

5 Jul 2021

Bill Gates e a crise climática

A luta contra as alterações climáticas tem vindo a ser liderada pela Organização das Nações Unidas através de algumas das suas agências especializadas e programas, nomeadamente a Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente. Foi sob os auspícios destas duas entidades que surgiu o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), que é o órgão das Nações Unidas para monitorizar as alterações climáticas, reunir estudos de numerosos cientistas e apresentar relatórios periódicos sobre o estado do clima. Além da ONU, muitas outras entidades desenvolvem atividades na luta contra a crise climática, nomeadamente organizações intergovernamentais, universidades, ONGs e outras instituições privadas.

É na área da iniciativa privada que Bill Gates, conhecido mundialmente por ter sido cofundador da Microsoft, tem vindo a desempenhar um papel de grande relevância. Não se limita a contribuir financeiramente com milhões de dólares para um mundo mais sustentável, mas também a desenvolver grande atividade, informando-se junto de cientistas sobre as implicações das alterações climáticas, participando ativamente em reuniões de caráter científico e em encontros promovidos pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC) e outras entidades.

Bill Gates tem transmitido os conhecimentos adquiridos a governantes e público interessado, através de entrevistas, intervenções em diferentes meios de comunicação e redes sociais e, mais recentemente, através do livro “Como Evitar um Desastre Climático – As soluções que temos e as inovações necessárias”.

Em 2015, durante a COP21 na capital francesa, Gates foi um dos que colaborou na redação do Acordo de Paris, tendo apresentado uma tese em que se realça que só será possível alcançar a neutralidade carbónica caso se recorra a forte investimento em inovação tecnológica, enfatizando que essa tarefa compete não só aos governos, mas também aos privados. Anunciou, nesta conferência, a criação de um grupo de investidores de vários países que se comprometeram com a iniciativa Breakthrough Energy, através da qual se pretende investir na inovação tecnológica no sentido de um melhor aproveitamento das energias renováveis tendo em vista o alcance da neutralidade carbónica. Foi também anunciada por Bill Gates a iniciativa complementar “Mission Innovation: Accelerating the Clean Energy Revolution”.

Os seus investimentos, tendo em vista a sustentabilidade do planeta, incidem sobre várias áreas, entre as quais a fissão nuclear com recurso a reatores nucleares avançados, investigação sobre reatores de fusão nuclear, baterias de grande capacidade de armazenamento e biocombustíveis.

Segundo ele, sem inovação tecnológica será impossível atingir o preconizado no Acordo de Paris, ou seja, que o aumento da temperatura média global do ar seja inferior a 2 graus Celsius no final do século XXI e, tanto quanto possível, inferior a 1,5 graus, tendo como referência os níveis pré-industriais.

Ainda de acordo com a opinião de Gates, com o conhecimento tecnológico atual não haverá condições para que a energia verde fique mais barata do que a energia obtida a partir de combustíveis fósseis. Aponta, por exemplo, a dificuldade em armazenar energia elétrica produzida a partir do vento e do sol, devido à sua intermitência, o que a torna menos eficaz do que a produzida com recurso aos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral). As baterias atualmente existentes não têm grande capacidade, sendo necessárias quantidades enormes de baterias para um armazenamento eficaz. Além da energia eólica e solar, Bill Gates também se refere a outros tipos de energia limpa em que considera necessário investir, como a geotérmica, das ondas e hidrogénio.

O recurso ao hidrogénio como combustível seria uma boa solução para evitar o inconveniente da intermitência da produção das energias eólica e solar, mas para produzir este gás é necessário recorrer a energia elétrica, e o processo só poderá ser considerado limpo se esta energia não for produzida por combustíveis fósseis. Por enquanto a produção de energia com recurso ao hidrogénio é ainda altamente controverso. Veja-se, por exemplo, a celeuma que se está a levantar em Portugal sobre os planos para a produção de hidrogénio em Sines. O conhecimento atual nesta área é ainda insuficiente para se poder garantir que essa produção seja rentável. O atual governo de Portugal aposta no hidrogénio como fonte de energia, tendo prevista, no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a quantia de 186 milhões de euros para a produção de hidrogénio e outros gases de origem renovável, o que é considerado insuficiente pelos potencias investidores que pretendem ser parceiros do Estado.

Apesar de ser um entusiasta das energias limpas, Gates não acredita que, só por si, elas nos poderão conduzir à tão almejada “garantia de acesso a energia acessível, confiável, sustentável e moderna para todos”, conforme preconizado no número 7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Programa das Nações Unidas. Assim, enquanto não existir tecnologia para a exploração de centrais de fusão nuclear, ter-se-á de recorrer à fissão nuclear, embora com reatores mais aperfeiçoados. Com base neste seu pensamento, Gates anunciou recentemente investir na construção de um reator nuclear avançado, designado por Natrium, no Estado de Wyoming, o que mais produz carvão mineral nos Estados Unidos da América. Para esse efeito, e com a colaboração do Departamento de Energia dos EUA e de outros investidores, entre eles o seu amigo Warren Buffet, pretende-se investir cerca de mil milhões de dólares.

Este interesse pela energia nuclear parece ser um contrassenso por parte de Bill Gates, na medida em que esta energia, tal como é produzida atualmente, com recurso à fissão nuclear, não é na realidade energia limpa, atendendo a que é gerado lixo radioativo, tando durante a produção de eletricidade como na extração mineira do urânio.

Apesar de não implicar injeção de gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera durante o processo de produção de energia, os governos de muitos países resolveram não recorrer à fissão nuclear, pressionados pela opinião pública e desencorajados pela possibilidade de acidentes como os que ocorreram, por exemplo, em de Three Miles Island (EUA, 1979), Chernobil (Ucrânia, 1986), Seversk (Sibéria, 1993), Tokaimura e Fukoshima (Japão, respetivamente em 1999 e 2011).

As populações dos países que recorrem à fissão nuclear são por vezes sobressaltadas por notícias sobre a fuga de gases radioativos gerados aquando do processo de produção de eletricidade. Recentemente, a população de Macau foi alertada por um incidente na central nuclear de Taishan, onde foi detetado um aumento do nível de radiação num dos dois reatores, sem que tivesse havido fuga de radioatividade para o exterior. Atendendo à pouca distância, cerca de 80 km a sudoeste de Macau, e à direção predominante dos ventos de monção que sopram do quadrante sul durante a estação mais quente, Macau é suscetível de ser afetado por gases radioativos, em caso de acidente grave nesta central.

A fissão nuclear, com recurso ao urânio, consiste na fragmentação das moléculas deste elemento e consequente libertação de energia que é aproveitada para o aquecimento de água, cujo vapor é utilizado para a laboração de turbinas que, por sua vez, geram eletricidade. A fusão nuclear, contrariamente à fissão nuclear, consiste numa reação nuclear em que os átomos de dois elementos leves são combinados, formando um átomo mais pesado. No caso dos átomos dos elementos leves serem de hidrogénio, forma-se um átomo de hélio e liberta-se uma quantidade gigantesca de energia. O problema reside no facto de, para se dar a fusão, é necessário aquecer gás (em geral o hidrogénio ou um isótopo seu) a temperaturas altíssimas de modo a que se transforme em plasma, que é uma espécie de quarto estado da matéria, em que as partículas que o compõem estão carregadas de eletricidade, o que faz com que tenha de ser controlado com poderosíssimos ímanes. As grandes vantagens da fusão consistem essencialmente em as fontes de hidrogénio serem praticamente inesgotáveis, os níveis de contaminação serem baixos e não existir o risco de uma reação em cadeia suscetível de provocar desastres, como no caso da fissão.

A fusão nuclear, que ocorre naturalmente no Sol e nas estrelas, ainda não é utilizável industrialmente, na medida em que, com a tecnologia atual, seria necessário mais energia para desencadear o processo do que a que seria produzida.

A inovação nesta área poderá fazer com que se possa produzir energia em grandes quantidades sem emissões de GEE e sem fugas de radioatividade.

Atualmente está a ser construído, no sul de França, um reator experimental de fusão nuclear, designado por International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), cuja construção se iniciou em 2010, fruto de uma parceria de 35 membros, incluindo EUA, União Europeia, Reino Unido, China e Índia. Espera-se que, com esta iniciativa, se possa provar que a fusão nuclear é uma solução energética viável para a descarbonização do nosso planeta.

É opinião de muitos dos que se debruçam sobre a problemática da produção de energia que a dicotomia energias renováveis/energia nuclear é um falso problema, na medida em que os dois tipos de energia terão de se complementar para que se atinja a neutralidade carbónica até 2050, conforme estipulado no Acordo de Paris.

2 Jul 2021

Os Jogos da Vergonha

Tempos houve em que se faziam tréguas entre os povos para se disputarem os Jogos Olímpicos, mas isso foi na Grécia Antiga. Ao longo do século XX os Jogos foram progressivamente perdendo esse espírito olímpico segundo o qual “mais rápido, mais alto, mais forte” é um ideal de superação de limites em que se enfrentam adversários circunstanciais e não inimigos políticos ou da pátria. Na realidade, os Jogos tornaram-se mesmo um prolongamento da Guerra Fria, dentro e fora dos estádios, quer nas contagens de medalhas de cada um dos lados da Cortina de Ferro, quer na mobilização para os boicotes que haviam de assinalar tentativas de manifestar hegemonias na política global.

Caído o Muro, os Jogos perderam, pelo menos provisoriamente, esse sentido de disputa das hegemonias políticas e económicas planetárias, para se integrarem no devido espírito da ideologia dominante. Aliás, tornaram-se mesmo um dos mais perfeitos exemplos do que se pode definir como a organização neo-liberal do capitalismo tardio, decrépito e degradante que nos calhou viver: gigantescas parcerias público-privadas suportadas por ostentações de vãs glórias e desígnios nacionais promovidas por governos em permanente auto-promoção mediática, promovendo investimentos de grandes empresas transnacionais, altamente protegidas de qualquer tipo de concorrência, em mega-projectos de “renovação urbana” que tendem a mercantilizar cada vez os espaços públicos e a alimentar cada vez maior especulação imobiliária para promover novos processos de gentrificação e expulsão de populações indesejadas dos espaços que as modas determinam com os mais apetecíveis das cidades. O desporto – como os parques verdes urbanos, as ciclovias ou os dispositivos “inteligentes” que monitoram e vigiam a vida urbana – oferecem o branqueamento necessário a estas mega-operações que reforçam poderes económicos já dominantes, inevitavelmente financiados pelas instituições que dominam a economia global.

Em Fevereiro escrevi aqui sobre os Jogos, numa crónica com o título “O vírus olímpico”, em que descrevia o Japão como um país onde o espírito original de superação pela prática do desporto e de respeito por oponentes se mantém vivo de uma forma que não encontrei noutros lugares. Será eventualmente o país olímpico, por excelência, mas nem por isso os Jogos deixam de constituir uma mega-operação de promoção nacional e de renovação urbana alimentada por projetos megalómanos de novas construções para habitação, serviços, comércios ou renovados sistemas de transportes. Contava-se também que a promoção internacional associada aos Jogos contribuísse para atrair população estrangeira, não só turistas, mas também novos residentes, ligados a novos negócios internacionais que quisessem assumir Tóquio como uma nova centralidade para os negócios na Ásia. Essa promoção, escrevia eu em Fevereiro, estava já irremediavelmente perdida, com o adiamento dos Jogos e a sua previsível realização num formato modesto, protegido, acanhado, definitivamente afastado da habitual opulência olímpica.

A duas semanas do início dos Jogos Olímpicos, o que se sente no Japão é uma vergonha profunda. Não há qualquer sinal dos Jogos nos espaços públicos. Nenhuma manifestação de orgulho nacional por organizar o maior evento desportivo do planeta. Nenhuma marca patrocinadora a usar os Jogos para se promover a ganhar notoriedade. Há Jogos mas parece não haver, não é assunto de que se fale, a não ser o mínimo: as restrições à chegada de visitantes internacionais, algumas alterações nos feriados para ainda assim evitar eventuais congestionamentos nos momentos de abertura e encerramento, enfim, pouco mais do que informação formal e burocrática. Nenhuma festa, nenhuma celebração, nenhuma promoção.

O motivo é a desconfiança generalizada. O governo preferia certamente não fazer os Jogos nesta altura mas não pode tomar essa decisão unilateralmente, a não ser pagando gigantesca indemnização ao Comité Olímpico Internacional. Há eleições em Outubro e o resultado eleitoral do actual partido no governo dependerá em grande medida do impacto que os Jogos possam ter na propagação da pandemia de covid-19. Na realidade, houve outros erros anteriores que foram objecto de crítica severa, sobretudo quando se decidiu subsidiar o turismo interno para reanimar economicamente o sector e afinal se alimentou um crescimento da propagação do vírus. Depois foram os atrasos no processo de vacinação, com uma demora dificilmente compreensível na aprovação das vacinas, que só seriam aprovadas no Japão quando Europa ou Estados Unidos tinham já grande parte da população vacinada.

O governo, impedido de cancelar os Jogos e inibido de os adiar, tenta proteger o evento o mais possível, fazê-lo em pequenino mas com televisão para mostrar ao mundo que afinal o Japão conseguiu lidar com o vírus e organizar o maior mega-evento desportivo do planeta. A população parece altamente crítica, ainda que as manifestações públicas de protesto sejam escassas, como é habitual. As marcas patrocinadoras, conhecedoras da desconfiança generalizada, tentam vincular-se o menos possível aos Jogos. Em vez do orgulho nacional pela organização de tão magnífico evento, vive-se com alguma vergonha a obrigação de o ter que realizar nestas circunstâncias.

2 Jul 2021

Discurso de Xi Jinping na cerimónia de celebração dos 100 anos do PCC

Camaradas e amigos,

Hoje, 1 de Julho, é um grande e solene dia na história tanto do Partido Comunista da China (PCC) como da nação chinesa. Reunimo-nos aqui para nos juntarmos a todos os membros do Partido e ao povo chinês de todos os grupos étnicos, de todo o país, na celebração do centenário do Partido, olhando para trás na gloriosa viagem que o Partido percorreu ao longo de 100 anos de luta, e olhando em frente para as brilhantes perspectivas de rejuvenescimento da nação chinesa.

Para começar, permitam-me que felicite calorosamente todos os membros do Partido em nome do Comité Central do PCC

Nesta ocasião especial, tenho a honra de declarar, em nome do Partido e do povo, que através dos esforços contínuos de todo o Partido e de toda a nação, realizámos o primeiro objectivo centenário de construir uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos. Isto significa que conseguimos uma resolução histórica para o problema da pobreza absoluta na China, e estamos agora a marchar confiantes em direcção ao segundo objectivo centenário de construir um grande país socialista moderno em todos os aspectos. Este é um grande e glorioso feito para a nação chinesa, para o povo chinês, e para o Partido Comunista da China!

Camaradas e amigos,
A nação chinesa é uma grande nação. Com uma história de mais de 5.000 anos, a China tem feito contribuições indeléveis para o progresso da civilização humana. Após a Guerra do Ópio de 1840, no entanto, a China foi gradualmente reduzida a uma sociedade semi-colonial, semi-feudal e sofreu estragos como que nunca antes. O país sofreu uma humilhação intensa, o povo foi sujeito a grandes dores, e a civilização chinesa mergulhou na escuridão. Desde essa altura, o rejuvenescimento nacional tem sido o maior sonho do povo chinês e da nação chinesa.
Para salvar a nação do perigo, o povo chinês travou uma luta corajosa. Enquanto patriotas nobres procuravam juntar a nação, o Reino Celestial Taiping, Reforma dos Cem Dias, Movimento de Yihetuan, e a Revolução de 1911, ergueram-se um após o outro, e foram concebidos vários planos para assegurar a sobrevivência nacional, mas todos estes acabaram por fracassar. A China precisava urgentemente de novas ideias para liderar o movimento para salvar a nação e de uma nova organização para reunir forças revolucionárias.
Com as salvas da Revolução Bolchevique russa em 1917, o marxismo-leninismo foi trazido para a China. Depois, em 1921, quando o povo chinês e a nação chinesa estavam a sofrer um grande despertar e o marxismo-leninismo se estava a integrar estreitamente no movimento dos trabalhadores chineses, nasceu o Partido Comunista da China. A fundação de um partido comunista foi um acontecimento marcante, que mudou profundamente o curso da história chinesa nos tempos modernos, transformou o futuro do povo e da nação chineses, e alterou a paisagem do desenvolvimento mundial.
Desde o dia da sua fundação, o Partido procura a felicidade do povo chinês e o rejuvenescimento da nação chinesa é a sua aspiração e missão. Toda a luta, sacrifício e criação através da qual o Partido se uniu e conduziu o povo chinês ao longo dos últimos cem anos foi unida por um tema final – o grande rejuvenescimento da nação chinesa.
Para realizar o rejuvenescimento nacional, o Partido uniu e liderou o povo chinês em batalhas sangrentas com determinação inabalável, alcançando grande sucesso na nova revolução democrática.
Através da Expedição do Norte, da Guerra Revolucionária Agrária, a Guerra de Resistência contra a Agressão Japonesa, e a Guerra de Libertação, lutámos e derrubámos as três montanhas do imperialismo, do feudalismo, e do capitalismo burocrático, e estabelecemos a República Popular da China, que tornou o povo mestre do país. Assegurámos assim a independência da nossa nação e libertámos o nosso povo.
A vitória da nova revolução democrática pôs fim à história da China como sociedade semi-colonial, semi-feudal, ao estado de total desunião que existia na velha China, a todos os tratados desiguais impostos ao nosso país por potências estrangeiras e a todos os privilégios de que as potências imperialistas gozavam na China. Foram criadas condições sociais fundamentais para a realização do rejuvenescimento nacional.
Através de uma luta tenaz, o Partido e o povo chinês mostraram ao mundo que o povo chinês se tinha levantado, e que o tempo em que a nação chinesa podia ser intimidada e abusada por outros tinha desaparecido para sempre.
Para realizar o rejuvenescimento nacional, o Partido uniu e conduziu o povo chinês no esforço de construir uma China mais forte com um espírito de auto-suficiência, alcançando grande sucesso na revolução e construção socialista.
Ao realizar a revolução socialista, eliminámos o sistema feudal explorador e repressivo que persistia na China durante milhares de anos, e estabelecemos o socialismo como o nosso sistema básico. No processo de construção socialista, superámos a subversão, sabotagem e provocação armada das potências imperialistas e hegemónicas, e fizemos as mais extensas e profundas mudanças sociais na história da nação chinesa. Esta grande transformação da China de um país pobre e atrasado no Oriente numa grande população num país socialista estabeleceu as condições políticas fundamentais e as fundações institucionais necessárias para a realização do rejuvenescimento nacional.
Através de uma luta tenaz, o Partido e o povo chinês mostraram ao mundo que o povo chinês era capaz não só de desmantelar o velho mundo, mas também de construir um novo, que só o socialismo poderia salvar a China, e que só o socialismo poderia desenvolver a China.
Para realizar o rejuvenescimento nacional, o Partido uniu e conduziu o povo chinês a libertar a mente e a avançar, alcançando grande sucesso na reforma, na abertura e na modernização socialista.
Estabelecemos a linha básica do Partido para a fase primária do socialismo, avançámos resolutamente na reforma e na abertura, superámos riscos e desafios de todas as direcções, e fundámos, defendemos, salvaguardámos e desenvolvemos o socialismo com características chinesas, trazendo assim uma reviravolta importante com grande significado na história do Partido desde a fundação da República Popular da China.
Isto permitiu que a China se transformasse de uma economia planificada altamente centralizada numa economia de mercado socialista cheia de vitalidade, e de um país largamente isolado para um país aberto ao mundo exterior em geral. Permitiu também à China alcançar o salto histórico de um país com forças produtivas relativamente atrasadas para a segunda maior economia do mundo, e fazer a transformação histórica de elevar o nível de vida do seu povo de uma situação de fraca subsistência para um nível global de prosperidade moderada. Estas realizações alimentaram o impulso para o rejuvenescimento nacional, fornecendo garantias institucionais imbuídas de novas energias, bem como as condições materiais para um rápido desenvolvimento.
Através de uma luta tenaz, o Partido e o povo chinês mostraram ao mundo que, ao prosseguir a reforma e a abertura, um passo crucial para fazer da China o que ela é hoje, a China tinha-se aproximado dos tempos em grandes passos.
Para realizar o rejuvenescimento nacional, o Partido uniu e conduziu o povo chinês na prossecução de uma grande luta, um grande projecto, uma grande causa, e um grande sonho através de um espírito de auto-confiança e inovação, alcançando com grande sucesso o socialismo com características chinesas da nova Era.
No seguimento do 18º Congresso Nacional do Partido, o socialismo com características chinesas entrou na nova Era. Neste novo período histórico, mantivemos e reforçámos a liderança global do Partido, assegurámos a implementação coordenada do plano integrado de cinco esferas e da estratégia abrangente de quatro esferas, mantivemos e melhorámos o sistema de socialismo com características chinesas, modernizámos o sistema chinês e a capacidade de governação, continuámos empenhados em exercer uma governação baseada em regras sobre o Partido, e desenvolvemos um sistema sólido de regulamentos intrapartidários.
Superámos uma longa lista de grandes riscos e desafios, cumprimos o primeiro objectivo centenário e estabelecemos passos estratégicos para alcançar o segundo objectivo centenário. Todas as realizações e mudanças históricas no Partido e no país proporcionaram o rejuvenescimento nacional com instituições mais robustas, bases materiais mais fortes, e uma fonte de inspiração para tomar maior iniciativa.
Através de uma luta tenaz, o Partido e o povo chinês mostraram ao mundo que a nação chinesa conseguiu a tremenda transformação de se erguer e prosperar para se tornar forte, e que o rejuvenescimento nacional da China se tornou uma inevitabilidade histórica.
Ao longo dos últimos cem anos, o Partido uniu e liderou o povo chinês na escrita do capítulo mais magnífico da história milenar da nação chinesa, encarnando o espírito destemido que Mao Zedong expressou quando escreveu: “As nossas mentes tornam-se mais fortes para o sacrifício dos mártires, ousando fazer brilhar o sol e a lua no novo céu”. O grande caminho que temos sido pioneiros, a grande causa que empreendemos, e os grandes feitos que fizemos ao longo do século passado, irão descer nos anais do desenvolvimento da nação chinesa e da civilização humana.

Camaradas e amigos,
Há cem anos atrás, os pioneiros do comunismo chinês estabeleceram o Partido Comunista da China e desenvolveram o grande espírito fundador do Partido, que é composto pelos seguintes princípios: manter a verdade e os ideais, manter-se fiel à nossa aspiração original e missão fundadora, lutar corajosamente sem medo de sacrifícios, e permanecer leal ao Partido e fiel ao povo. Este espírito é a fonte da força do Partido.
Ao longo dos últimos cem anos, o Partido tem levado avante este grande espírito fundador. Através das suas lutas prolongadas, desenvolveu uma longa linha de princípios inspiradores para os comunistas chineses e temperou um carácter político distinto. À medida que a história foi avançando, o espírito do Partido foi sendo transmitido de geração em geração. Continuaremos a promover as nossas gloriosas tradições e a sustentar o nosso legado revolucionário, para que o grande espírito fundador do Partido seja sempre mantido vivo e levado por diante.

Camaradas e amigos,
Devemos tudo o que alcançámos nos últimos cem anos aos esforços concertados dos comunistas chineses, do povo chinês, e da nação chinesa. Os comunistas chineses, com os camaradas Mao Zedong, Deng Xiaoping, Jiang Zemin, e Hu Jintao como seus principais representantes, deram enormes e históricas contribuições para o rejuvenescimento da nação chinesa. A eles, expressamos o nosso maior respeito.
Aproveitemos este momento para acalentar a memória dos camaradas Mao Zedong, Zhou Enlai, Liu Shaoqi, Zhu De, Deng Xiaoping, Chen Yun, e outros revolucionários veteranos que contribuíram grandemente para a revolução, construção e reforma da China, e para a fundação, consolidação e desenvolvimento do Partido Comunista da China; acalentemos a memória dos mártires revolucionários que corajosamente deram a sua vida para estabelecer, defender e desenvolver a República Popular; acalentemos a memória daqueles que dedicaram as suas vidas à reforma, abertura e modernização socialista; e acalentemos a memória de todos os homens e mulheres que lutaram tenazmente pela independência nacional e pela libertação do povo nos tempos modernos. As suas grandes contribuições à nossa pátria e à nossa nação serão imortalizadas nos anais da história, e o seu nobre espírito viverá para sempre no coração do povo chinês.
O povo é o verdadeiro herói, pois é ele que cria a história. Em nome do Comité Central do PCC, gostaria de prestar a minha mais elevada homenagem aos trabalhadores, agricultores e intelectuais de todo o país; a outros partidos políticos, figuras públicas sem filiação partidária, organizações populares, e figuras patrióticas de todos os sectores da sociedade; a todos os membros do Exército de Libertação do Povo, da Polícia Armada Popular, da polícia de segurança pública, e dos serviços de bombeiros e salvamento; a todos os trabalhadores socialistas; e a todos os membros da frente unida.
Gostaria de estender as minhas sinceras saudações aos compatriotas nas regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau e em Taiwan, bem como aos chineses ultramarinos. E gostaria de expressar a minha sincera gratidão a pessoas e amigos de todo o mundo que demonstraram amizade pelo povo chinês e compreensão e apoio aos esforços da China na revolução, desenvolvimento e reforma.

Camaradas e amigos,
Embora a missão fundadora do nosso Partido seja fácil de definir, assegurar que nos mantemos fiéis a esta missão é a tarefa mais difícil. Ao aprendermos com a história, podemos compreender por que razão os poderes sobem e descem. Através do espelho da história, podemos encontrar o ponto em que nos encontramos actualmente e ganhar previsão para o futuro. Olhando para os 100 anos de história do Partido, podemos ver por que razão fomos bem-sucedidos no passado e como podemos continuar a ser bem-sucedidos no futuro. Isto garantirá que actuamos com maior determinação e propósito em mantermo-nos fiéis à nossa missão fundadora e em perseguir um futuro melhor na nova jornada que se nos depara.
À medida que nos esforçamos conscientemente por aprender com a história para criar um futuro brilhante, devemos ter em mente o seguinte:
Temos de manter a firme liderança do Partido. O sucesso da China depende do Partido. Os mais de 180 anos de história moderna da nação chinesa, os 100 anos de história do Partido, e os mais de 70 anos de história da República Popular da China, todos eles fornecem amplas provas de que sem o Partido Comunista da China, não haveria uma nova China e não haveria rejuvenescimento nacional. O Partido foi escolhido pela história e pelo povo. A liderança do Partido é a característica que define o socialismo com características chinesas e constitui a maior força deste sistema. É o fundamento e a força vital do Partido e do país, e o núcleo do qual dependem os interesses e o bem-estar de todo o povo chinês.
No caminho a seguir, devemos manter a liderança global do Partido e continuar a reforçá-la. Temos de estar profundamente conscientes da necessidade de manter a integridade política, pensar em termos de grande imagem, seguir o núcleo de liderança, e manter-nos alinhados com a liderança central do partido. Temos de permanecer confiantes no caminho, teoria, sistema, e cultura do socialismo com características chinesas. Temos de manter a posição central do Secretário-Geral no Comité Central do Partido e no Partido como um todo, e manter a autoridade do Comité Central e a sua liderança centralizada e unificada. Tendo em mente os interesses mais fundamentais do país, devemos reforçar a capacidade do Partido para conduzir uma governação sólida, democrática e baseada na lei, e assegurar que este exerça plenamente o seu papel central de liderança global e de coordenação dos esforços de todas as partes.
Temos de unir e liderar o povo chinês no trabalho incessante para uma vida melhor. Este país é o seu povo; o povo é o país. Temos lutado para estabelecer e consolidar a nossa liderança, mas também para ganhar e manter o apoio do povo. O Partido tem no povo as suas raízes, o seu sangue vital, e a sua fonte de força. O Partido sempre representou os interesses fundamentais de todo o povo chinês; está com ele até ao fim e partilha com eles um destino comum.
O Partido não tem interesses especiais próprios – nunca representou qualquer grupo de interesses individuais, grupo de poder, ou estrato privilegiado. Qualquer tentativa de dividir o Partido do povo chinês ou de colocar o povo contra o Partido está condenado ao fracasso. Os mais de 95 milhões de membros do Partido e os mais de 1,4 mil milhões de chineses nunca permitirão que tal cenário se concretize.
Na jornada que se avizinha, temos de confiar estreitamente no povo para criar a história. Defendendo o propósito fundamental do Partido de servir de todo o coração o povo, permaneceremos firmes com o povo, implementaremos a linha de massas do Partido, respeitaremos a criatividade do povo, e praticaremos uma filosofia de desenvolvimento centrada no povo. Desenvolveremos a democracia popular de processo integral, salvaguardaremos a justiça e equidade social, e resolveremos os desequilíbrios e insuficiências no desenvolvimento e as dificuldades e problemas mais prementes que são de grande preocupação para o povo. Ao fazê-lo, faremos progressos mais notáveis e substantivos no sentido de alcançar um desenvolvimento humano bem fundamentado e prosperidade comum para todos.

Temos de continuar a adaptar o marxismo ao contexto chinês. O marxismo é a ideologia orientadora fundamental sobre a qual o nosso Partido e o nosso país estão fundados; é a própria alma do nosso Partido e a bandeira sob a qual se esforça. O Partido Comunista da China defende os princípios básicos do marxismo e o princípio de procurar a verdade a partir dos factos. Com base nas realidades da China, desenvolvemos uma visão apurada das tendências da época, tomámos a iniciativa na história, e fizemos explorações meticulosas. Conseguimos assim continuar a adaptar o marxismo ao contexto chinês e às necessidades do nosso tempo, e a orientar o povo chinês no avanço da nossa grande revolução social. A nível fundamental, a capacidade do nosso Partido e os pontos fortes do socialismo com características chinesas são atribuíveis ao facto de o Marxismo funcionar.
No caminho que temos pela frente, devemos continuar a defender o Marxismo-Leninismo, o pensamento de Mao Zedong, a teoria de Deng Xiaoping, a Teoria das Três Representações, e a perspectiva científica sobre o desenvolvimento, e implementar plenamente o pensamento sobre o cocialismo com características chinesas para uma nova Era. Temos de continuar a adaptar os princípios básicos do marxismo às realidades específicas da China e à sua fina cultura tradicional. Utilizaremos o Marxismo para observar, compreender e orientar as tendências do nosso tempo, e continuar a desenvolver o Marxismo da China contemporânea e no século XXI.
Temos de manter e desenvolver o socialismo com características chinesas. Devemos seguir o nosso próprio caminho – esta é a base que sustenta todas as teorias e práticas do nosso Partido. Mais do que isso, é a conclusão histórica que o nosso Partido tirou das suas lutas ao longo do século passado. O socialismo com características chinesas é uma conquista fundamental do Partido e do povo, forjada através de inúmeras dificuldades e grandes sacrifícios, e é o caminho certo para alcançarmos o rejuvenescimento nacional. Ao mantermos e desenvolvermos o socialismo com características chinesas e ao impulsionarmos o progresso coordenado em termos materiais, políticos, culturais-éticos, sociais e ecológicos, fomos pioneiros num novo e único caminho chinês para a modernização, e criámos um novo modelo para o progresso humano.
No caminho a seguir, devemos aderir à teoria básica, linha e política do Partido, e implementar o plano integrado de cinco esferas e a estratégia abrangente de quatro esferas. Devemos aprofundar a reforma e a abertura generalizada, fundamentar o nosso trabalho nesta nova fase de desenvolvimento, aplicar plena e fielmente a nova filosofia de desenvolvimento, e fomentar um novo padrão de desenvolvimento. Temos de promover um desenvolvimento de alta qualidade e reforçar a força do nosso país em ciência e tecnologia. Temos de assegurar que é o nosso povo que dirige o país, continuar a governar com base no Estado de direito, e defender os valores socialistas fundamentais. Devemos assegurar e melhorar o bem-estar público no decurso do desenvolvimento, promover a harmonia entre a humanidade e a natureza, e tomar medidas bem coordenadas para tornar o nosso povo próspero, a nossa nação forte, e o nosso país bonito.
A nação chinesa tem fomentado uma civilização esplêndida ao longo de mais de 5.000 anos de história. O Partido também adquiriu uma riqueza de experiência através dos seus esforços nos últimos 100 anos e durante mais de 70 anos de governação. Ao mesmo tempo, estamos também ansiosos por aprender as lições que podemos tirar das realizações de outras culturas, e acolhemos sugestões úteis e críticas construtivas. Não aceitaremos, contudo, pregações hipócritas daqueles que sentem que têm o direito de nos dar lições. O Partido e o povo chinês continuarão a avançar com confiança em largos passos no caminho que escolhemos para nós próprios, e garantiremos que o destino do desenvolvimento e progresso da China permaneça firmemente nas nossas próprias mãos.
Temos de acelerar a modernização da defesa nacional e das forças armadas. Um país forte deve ter um exército forte, pois só assim poderá garantir a segurança da nação. No momento em que se envolveu numa luta violenta, o Partido veio a reconhecer a verdade irrefutável de que deve comandar a arma e construir um exército próprio do povo. Os militares do povo fizeram conquistas indeléveis em nome do Partido e do povo. É um pilar forte para salvaguardar o nosso país socialista e preservar a dignidade nacional, e uma força poderosa para proteger a paz na nossa região e para além dela.
No caminho que temos pela frente, devemos implementar plenamente o pensamento do Partido sobre o reforço dos militares na nova era, bem como a nossa estratégia militar para a nova era, manter a liderança absoluta do Partido sobre as forças armadas do povo, e seguir um caminho chinês para o desenvolvimento militar. Tomaremos medidas abrangentes para aumentar a lealdade política das forças armadas, para as reforçar através de reformas e tecnologia e da formação de pessoal competente, e para as gerir de acordo com a lei. Elevaremos as forças armadas do nosso povo a padrões de classe mundial, para que estejamos equipados com maior capacidade e meios mais fiáveis para salvaguardar a nossa soberania nacional, segurança, e interesses de desenvolvimento.
Temos de continuar a trabalhar para promover a construção de uma comunidade humana com um futuro comum. Paz, concórdia, e harmonia são ideias que a nação chinesa tem perseguido e levado por diante há mais de 5.000 anos. A nação chinesa não carrega traços agressivos ou hegemónicos nos seus genes. O Partido preocupa-se com o futuro da humanidade, e deseja avançar em conjunto com todas as forças progressistas em todo o mundo. A China sempre trabalhou para salvaguardar a paz mundial, contribuir para o desenvolvimento global, e preservar a ordem internacional.
No caminho que nos espera, continuaremos empenhados na promoção da paz, desenvolvimento, cooperação e benefício mútuo, numa política externa independente de paz, e no caminho do desenvolvimento pacífico. Trabalharemos para construir um novo tipo de relações internacionais e uma comunidade humana com um futuro comum, promoveremos o desenvolvimento de alta qualidade do Cinturão e da Iniciativa Rodoviária através de esforços conjuntos, e utilizaremos as novas conquistas da China no desenvolvimento para proporcionar ao mundo novas oportunidades. O Partido continuará a trabalhar com todos os países e povos amantes da paz para promover os valores humanos partilhados de paz, desenvolvimento, justiça, justiça, democracia e liberdade. Continuaremos a defender a cooperação sobre o confronto, a abrir em vez de fechar as nossas portas, e a concentrar-nos nos benefícios mútuos em vez de jogos de soma zero. Vamos opor-nos à hegemonia e à política de poder, e esforçar-nos por manter as rodas da história a rolar em direcção a horizontes brilhantes.
Nós, chineses, somos um povo que defende a justiça e não nos sentimos intimidados por ameaças de força. Como nação, temos um forte sentimento de orgulho e confiança. Nunca intimidámos, oprimimos, ou subjugámos o povo de qualquer outro país, e nunca o faremos. Da mesma forma, nunca permitiremos que qualquer força estrangeira nos intimide, oprima, ou nos subjugue. Qualquer pessoa que tente fazer isso, irá encontrar-se em rota de colisão com uma grande parede de aço forjada por mais de 1,4 mil milhões de chineses.
Devemos levar a cabo uma grande luta com muitas características contemporâneas. Ter a coragem de lutar e a fortaleza de vencer foi o que tornou o nosso Partido invencível. A realização do nosso grande sonho exigirá trabalho árduo e persistência. Hoje, estamos mais próximos, mais confiantes e mais capazes do que nunca de tornar o objectivo do rejuvenescimento nacional uma realidade. Mas temos de estar preparados para trabalhar mais do que nunca para lá chegarmos.
Na viagem que nos espera, devemos demonstrar uma vigilância mais forte e estar sempre preparados para um perigo potencial, mesmo em tempos de calma. Devemos adoptar uma abordagem holística da segurança nacional que equilibre os imperativos do desenvolvimento e da segurança, e implementar a estratégia nacional de rejuvenescimento dentro de um contexto mais amplo das mudanças que ocorrem no mundo, uma vez num século. Temos de adquirir uma compreensão plena das novas características e exigências decorrentes da mudança para a principal contradição na sociedade chinesa e das novas questões e desafios decorrentes de um ambiente internacional complicado. Temos de ser simultaneamente corajosos e competentes na realização da nossa luta, forjando novos caminhos e construindo novas pontes sempre que necessário para nos levar a ultrapassar todos os riscos e desafios.

Temos de reforçar a grande unidade do povo chinês. No decurso das nossas lutas ao longo do século passado, o Partido sempre colocou a frente unida numa posição de importância. Consolidámos e desenvolvemos constantemente a frente unida mais ampla possível, unimos todas as forças que podem ser unidas, mobilizámos todos os factores positivos que podem ser mobilizados, e reunimos o máximo de força possível para os esforços colectivos. A frente unida patriótica é um meio importante para o Partido unir todos os filhos e filhas da nação chinesa, tanto no país como no estrangeiro, por detrás do objectivo de rejuvenescimento nacional.
No caminho que se segue, devemos assegurar uma grande unidade e solidariedade e equilibrar a uniformidade e a diversidade. Devemos reforçar a orientação teórica e política, construir um amplo consenso, reunir as mentes mais brilhantes, e expandir o terreno comum e a convergência de interesses, para que todos os chineses, tanto no país como no estrangeiro, possam concentrar o seu engenho e energia no mesmo objectivo e reunir-se como uma força poderosa para a realização do rejuvenescimento nacional.
Temos de continuar a fazer avançar o grande novo projecto de construção do Partido. Uma marca que distingue o Partido Comunista da China de outros partidos políticos é a sua coragem em empreender a auto-reforma. Uma razão importante pela qual o Partido continua tão vital e vibrante apesar de ter passado por tantas provações e tribulações é que pratica uma auto-supervisão eficaz e uma auto-governação plena e rigorosa. Assim, tem sido capaz de responder adequadamente aos riscos e testes de diferentes períodos históricos, de assegurar que permanece sempre na vanguarda dos tempos, mesmo com mudanças tão profundas a varrer a paisagem global, e de se manter firme como a espinha dorsal da nação ao longo do processo de enfrentar vários riscos e desafios a nível interno e externo.
Na viagem que se avizinha, devemos ter bem presente o velho adágio de que é preciso um bom ferreiro para fazer bom aço. Devemos demonstrar uma maior consciência política do facto de que uma autogovernação plena e rigorosa é uma jornada sem fim. Com o reforço político do Partido como nosso princípio fundamental, temos de continuar a avançar o grande novo projecto de construção do Partido na nova era. Temos de apertar o sistema organizacional do Partido, trabalhar arduamente para formar funcionários de alto calibre que tenham integridade moral e competência profissional, continuar empenhados em melhorar a conduta do Partido, defender a integridade e combater a corrupção, e erradicar quaisquer elementos que possam prejudicar a natureza avançada e a pureza do Partido e quaisquer vírus que possam corroer a sua saúde. Temos de assegurar que o Partido preserva a sua essência, cor e carácter, e ver que serve sempre como o forte núcleo de liderança no curso da manutenção e desenvolvimento do socialismo com características chinesas na nova era.

Camaradas e amigos,
Manter-nos-emos fiéis à letra e ao espírito do princípio de Um País, Dois Sistemas, segundo o qual o povo de Hong Kong administra Hong Kong, e o povo de Macau administra Macau, ambos com um elevado grau de autonomia. Iremos assegurar que o Governo Central exerce jurisdição global sobre Hong Kong e Macau, e implementar os sistemas legais e os mecanismos de aplicação para as duas regiões administrativas especiais, a fim de salvaguardar a segurança nacional. Ao mesmo tempo que protegemos a soberania, segurança e interesses de desenvolvimento da China, iremos assegurar a estabilidade social em Hong Kong e Macau, e manter a prosperidade e estabilidade duradouras nas duas regiões administrativas especiais.
Resolver a questão de Taiwan e realizar a reunificação completa da China é uma missão histórica e um compromisso inabalável do Partido Comunista da China. É também uma aspiração partilhada por todos os filhos e filhas da nação chinesa. Defenderemos o princípio de uma só China e o Consenso de 1992, e faremos avançar a reunificação nacional pacífica. Todos nós, compatriotas de ambos os lados do Estreito de Taiwan, devemos unir-nos e avançar em uníssono. Devemos tomar medidas resolutas para derrotar completamente qualquer tentativa de “independência de Taiwan”, e trabalhar juntos para criar um futuro brilhante para o rejuvenescimento nacional. Ninguém deve subestimar a determinação, a vontade e a capacidade do povo chinês de defender a sua soberania nacional e a sua integridade territorial.

Camaradas e amigos,
O futuro pertence aos jovens, e as nossas esperanças também recaem sobre eles. Há um século atrás, um grupo de jovens progressistas ergueu a tocha do marxismo e procurou assiduamente, nesses anos negros, formas de rejuvenescer a nação chinesa. Desde então, sob a bandeira do Partido Comunista da China, geração após geração de jovens chineses dedicaram a sua juventude à causa do Partido e do povo, e permaneceram na vanguarda do esforço de rejuvenescimento da nação.
Na nova era, os nossos jovens devem fazer da sua missão contribuir para o rejuvenescimento nacional e aspirar a tornar-se mais orgulhosos, confiantes e seguros na sua identidade como povo chinês, para que possam estar à altura da promessa da sua juventude e das expectativas do nosso tempo, do nosso Partido e do nosso povo.

Camaradas e amigos,
Há um século atrás, na altura da sua fundação, o Partido Comunista da China tinha pouco mais de 50 membros. Hoje, com mais de 95 milhões de membros num país com mais de 1,4 mil milhões de pessoas, é o maior partido governante do mundo e goza de uma tremenda influência internacional.
Há um século atrás, a China estava em declínio e a definhar aos olhos do mundo. Hoje, a imagem que apresenta ao mundo é a de uma nação próspera que avança com imparável impulso para o rejuvenescimento.
Ao longo do século passado, o Partido Comunista da China assegurou realizações históricas extraordinárias em nome do povo. Hoje, está a reunir-se e a conduzir o povo chinês numa nova viagem em direcção à realização do segundo objectivo centenário.

A todos os membros do Partido,
O Comité Central apela a cada um de vós a manter-se fiel à missão fundadora do nosso Partido e a manter-se firme nos vossos ideais e convicções. Agindo de acordo com o propósito do Partido, devem sempre manter laços estreitos com o povo, criar empatia e trabalhar com ele, estar com ele nos bons e maus momentos, e continuar a trabalhar incansavelmente para realizar as suas aspirações por uma vida melhor e para trazer ainda mais glória ao Partido e ao povo.

Camaradas e amigos,
Hoje, cem anos após a sua fundação, o Partido Comunista da China continua no seu auge, e continua tão determinado como sempre em alcançar a grandeza duradoura para a nação chinesa. Olhando para o caminho que percorremos e para a viagem que nos espera, é certo que com a firme liderança do Partido e a grande unidade do povo chinês e de todos os grupos étnicos, alcançaremos o objectivo de construir um grande país socialista moderno em todos os aspectos e realizar o sonho chinês do rejuvenescimento nacional.
Viva o nosso grande, glorioso, e correcto Partido!
Viva o nosso grande, glorioso, e heroico povo!

2 Jul 2021

O mês do orgulho tingido pela LGBTQI-fobia húngara

Para os mais distraídos, a Hungria passou uma lei que criminaliza conteúdos homo e transsexuais a menores de 18 anos. A razão, dizem eles, é que as crianças são supostamente influenciadas e motivadas para desfazer os valores da sociedade tradicional húngara ao serem expostos a esses conteúdos. E eles, os governantes populistas da extrema-direita, não querem isso. Se se atreverem a ler os comentários à notícia, apanham os protectores da lei a emitir pérolas como “porque é que os pervertidos acham que têm direitos?”. Desde quando é que uma sexualidade bem informada e saudável é perversão?

Uma notícia muito triste para comunidade LGBTQI+ húngara e do mundo, uma notícia triste para a humanidade. Um movimento legislativo muito semelhante ao russo e ao polaco que acontece no mês em que se celebra o orgulho da diversidade sexual e de género. A comissão europeia prontamente avalia se pode fazer alguma coisa em relação a isto – a presidente já veio a público criticar a medida. Os seus apoiantes, contudo, governamentais e não governamentais protegem-se com valores liberais. Os pais das crianças “devem” ter o direito de decidir o que as suas crianças aprendem e como, principalmente em relação ao sexo.

As consequências de tais tentativas por legitimidade são problemáticas. Há coisas que simplesmente não deveriam estar disponíveis à discussão. Lamento se soa autoritário. Ainda falta um longo caminho para transformar os valores de uma sexualidade verdadeiramente livre como um direito humano universal. Por exemplo, ninguém põe em causa que as crianças devem ser protegidas e que devem ter uma infância digna. É um direito inscrito nas legislações nacionais e internacionais. Há uns 200 anos atrás a ideia de criança não era nada assim. As crianças eram pessoas em ponto pequeno – pobre rei D. Sebastião que começou a reinar aos 14 anos. Mas hoje em dia ninguém dúvida de que as crianças precisam do tempo e espaço para o serem. O mesmo não aconteceu com os direitos sexuais. Ainda não estão suficientemente normalizados como direitos humanos – muito menos que estes não são exclusivos da maioridade. O Freud não foi totalmente parvo ao perceber o desenvolvimento psico-social como um desenvolvimento sexual também. Esta não integração, infelizmente, continua a fazer sentido a muitos. O Freud, e os a seguir a ele, não conseguiram silenciar a tradição judaico-cristã – ou a confucionista na China – que envergonha qualquer conversa sobre sexualidade. O sexo e o prazer são tabus nas sociedades que continuam a fomentar o ethos do sofrimento completo. Não é para isso que as sociedades patriarcais e heteronormativas servem? Parece-me que sim.

A sexualidade é central ao desenvolvimento do ser humano. A educação sexual centrada no prazer deveria ser obrigatória, e ajustada a várias idades. Como é que se incute essa ideia, especialmente, num mês tão importante como este? Já não faço ideia. Muito se faz e ainda pouco acontece. Tenta-se marchar em tempos de Covid-19 e em que a colectividade é obrigada a distanciamento social – e onde muitas marchas tiveram que ser canceladas.

Partilha-se nas redes sociais. Tenta-se criar uma consciência global de que há direitos universais sexuais (ainda que precisem de adaptação e sensibilidade cultural). O que é preciso é tornar os direitos LGBTQI+ a norma explícita e implícita. Já muito me queixei do conceito de “ideologia de género”. Um termo que confere flexibilidade de se ser contra ou a favor. Não pode ser o caso. A ciência é clara, as crianças, adolescentes e adultos que não conseguem desenvolver a sua sexualidade alinhada com os seus desejos, as que são constrangidas e limitadas por representações tradicionais e retrógrada de se ser, são mais infelizes, sofrem de depressões e têm maior probabilidade de cometer suicídio. Não tenho dúvidas que a solução é fomentar uma consciência global para estes assuntos, mas como, é que me deixa dúvidas. Faz-se o que se pode com a zanga e a angústia que estas facadas húngaras, e tantas outras, provocam.

30 Jun 2021

Medina, o russo

Já imaginaram vocês organizarem uma manifestação contra o ditador Putin e por lei terem de entregar os vossos dados na Câmara Municipal de Lisboa? O que acho um exagero. Agora, a edilidade pegar nos vossos dados, que incluem o nome completo, idade, morada, número de telefone, email e se forem estudantes, o nome da faculdade, e enviar esses dados não para a Polícia de Segurança Pública, como a lei obriga, mas os vossos dados irem parar à embaixada da Rússia e a Moscovo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros? Eu penso que nem no Estado Novo isto acontecia. Só para a Rússia foram enviadas 27 vezes os dados dos promotores das manifestações anti-Putin. Os organizadores de manifestações correm risco de vida porque uma auditoria à Câmara Municipal de Lisboa já detectou que em 58 manifestações que se realizaram junto de embaixadas, a Câmara de Lisboa enviou 52 dados pessoais de organizadores para as embaixadas visadas. Isto é um crime contra os direitos humanos e contra a liberdade dos cidadãos. Como se pode dizer que Portugal vive numa democracia se as nossas autoridades, incrivelmente camarárias dão-se à facilidade de colocarem em risco a vida de cidadãos residentes em Portugal? De há nove anos para cá já foram enviadas informações confidenciais para além da Rússia, para o Irão, Arábia Saudita, Israel, China, Venezuela, Turquia e EUA.

A Câmara, presidida por Fernando Medina, disse através de um comunicado que “tem cumprido da forma homogénea a Lei portuguesa, aplicando os mesmos procedimentos a todo o tipo de manifestações, independentemente do promotor e do destinatário da mesma”. No entanto, a oposição pela voz do candidato à presidência da Câmara pelo PSD, Carlos Moedas, exige a demissão de Fernando Medina, salientando que o facto é gravíssimo e é um atentado contra a liberdade dos cidadãos. Moedas poderá ter razão se atendermos que Fernando Medina tinha conhecimento desde 2018 que os dados das pessoas eram enviados para diferentes embaixadas.

No entanto, soubemos que António Costa quando exercia o cargo de presidente da Câmara de Lisboa tentou três vezes que estes trâmites acabassem de uma vez por todas. Sendo público que a análise feita pelos serviços internos do município lisboeta versou sobre todos os processos levados a cabo desde 2012 até à actualidade, fica agora patente que António Costa tentou travar a divulgação de dados a embaixadas, mas não teve sucesso. Além disso, muito mais tarde, no protocolo elaborado pela autarquia ficava também patente que o Governo, recebia, ao mais alto nível, as comunicações sobre as manifestações. Não só o Ministério da Administração Interna (MAI), mas também o gabinete do ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, como também o gabinete do primeiro-ministro. À época Pedro Passos Coelho. Tal procedimento deveria ter acontecido em 2013 quando foram feitos alguns ajustamentos ao procedimento que havia sido estabelecido em 2012, dando origem a novas minutas de articulação com os promotores e com as entidades externas. A partir de então, os dados deveriam ser enviados apenas mara o MAI e para a PSP. Um despacho de António Costa deu origem a uma reformulação dos protestos de procedimento nos quais está implícita a supressão de envio de um conjunto de informações e comunicações, mormente embaixadas. No entanto, tal não aconteceu e não se sabe porquê.

É muito grave não se saber por que razão o despacho de António Costa não foi cumprido e em 2021 o país fica atónito com uma Câmara Municipal que quebra todas as regras da confidencialidade e da liberdade de informação.
Fernando Medina foi ouvido na Assembleia da República e admitiu ter induzido os portugueses em erro quando afirmou que “apenas” as embaixadas que recebiam manifestações à sua porta eram notificadas com dados pessoais.

A audição ficou marcada por contestação sólida e unânime ao sucedido, excepto o deputado do PS, José Magalhães, que devia ter vergonha da sua posição. Telmo Correia, do CDS, afirmou que Fernando Medina procurou de todas as formas esquivar-se à responsabilidade deitando culpas para os outros. Carlos Peixoto, do PSD, disse a propósito do que a Câmara fez que só faltou ter enviado uma cópia do cartão de cidadão dos manifestantes. Medina respondeu aos deputados que admitia que o assunto era “grave” pois mexia com o direito dos lisboetas se poderem manifestar em liberdade. Acrescentou que, assim que teve conhecimento de tal procedimento que solicitou uma auditoria interna urgente. Todavia, os deputados do CDS e do PSD atacaram novamente Medina e afirmaram que se este caso tivesse acontecido na Alemanha que Medina nunca mais voltaria a ser edil. Se Medina começou a audiência calmo e sereno, não foi assim que terminou. Muito vermelho, apontou o dedo a quem o acusara, pronunciando que os acusadores apenas estavam a montar uma cabala com vista à sua demissão. “O que aqui está, confundido com uma preocupação legítima, é o oportunismo político: não é preciso fazer um boneco para ilustrar o que eu disse”, concluiu Fernando Medina que nunca conseguiu explicar como era possível passar informações confidenciais para as embaixadas.

*Texto escrito com a antiga grafia

29 Jun 2021

Inundações na RAEM (I)

Será que para combater as inundações a prioridade reside na revisão da legislação em sentido de aumentar as multas de drenagem ilegal?

 

Foi isso que se extraiu da reunião do Secretário para a Administração e Justiça com a comissão da Assembleia Legislativa de acompanhamento para os assuntos da administração pública no passado dia 22 de Junho, onde o Regulamento de Águas e de Drenagem de Águas Residuais de Macau (o RADARM), publicado pelo Decreto-Lei n.º 46/96/M de 19 de Agosto e em vigor há 25 anos, foi apontado de muito desactualizado, nomeadamente no que se refere ao montante das multas, e importa conhecer o que está compreendido nesse regime normativo.

A legislação a que essa conclusão reporta é um código predominantemente técnico que regula a concepção e o funcionamento de instalações de abastecimento de água e de drenagem, mediante especificação técnica ao longo 290 artigos. A fiscalização do seu cumprimento e o acompanhamento da sua aplicação está atribuída à Direcção de Solos, Obras Públicas e Transportes, a DSSOPT. Todavia, nenhum dos seus artigos se refere à aplicação de multas relativas a utilizações não autorizadas dessas redes. As únicas penalizações por incumprimento, que se podem extrair desse regulamento, resultam da lei geral, por via dos termos de responsabilidade que os técnicos subscrevem, uma vez autorizados a conceber essas instalações.

A aplicação de multas relativas a lançamentos interditos na rede de colectores que se encontram nas vias públicas está antes prevista no Regulamento Geral dos Espaços Públicos de 2004, diploma bem mais recente, que compete ao Instituto para os Assuntos Municipais administrar, o IAM, através da sua Divisão de Saneamento.

Compete ainda àquele órgão cuidar da reparação, conservação, aperfeiçoamento e limpeza da rede pública de drenagem de águas residuais domésticas e pluviais, bem como fiscalizar todos os equipamentos associados ao normal funcionamento do sistema público de drenagem.

Compete em especial àquele órgão proceder à vistoria dos estabelecimentos de comidas e bebidas e industriais em matéria da utilização, manutenção e limpeza das câmaras retentoras de gorduras, cujo incorrecto funcionamento pode ser origem do colapso de sistemas de drenagem.

Por outras palavras a DSSOPT, é responsável pela aplicação de normas de concepção dessas redes, e o IAM é responsável pela gestão das redes de drenagem, sendo que as situações de mau funcionamento competem aos dois órgãos averiguar e apurar, se a origem se prende com a concepção ou com a sua gestão.

Chegados aqui, poderíamos virar as costas à questão, pois que esse regulamento foi apontado por desactualizado em matéria que sequer é sua competência.

Todavia, alguns elementos de interpretação do seu conteúdo importam ter presentes, nomeadamente para avaliar da sua actualidade.

Desse regulamento constam bases para cálculo das redes e normas para a sua concepção, nomeadamente normas de dimensionamento, geométricas e de materiais a aplicar na construção do sistema.

As normas de concepção resultam do estado do engenho e da arte que remontam a 1996. Avaliar da sua actualidade, face ao desenvolvimento da técnica desde esse momento, é trabalho de especialidade.

Já as bases que servem o cálculo das redes de drenagem pluvial é matéria mais transversal a outras áreas de conhecimento a que o próprio regulamento recorreu, nomeadamente informação estatística de dados atmosféricos.

As bases que o regulamento analisou estatisticamente foram as séries históricas de registos udográficos (o mesmo que pluviométricos) correspondentes ao período entre 1952 e 1989, e a magnitude das ocorrências para dimensionamento dos sistemas foi fixada para um “período de retorno” de 10 anos, podendo este valor ser aumentado para 20 ou 25 anos, em situações devidamente justificadas.

E é aqui que pode residir conteúdo passível de actualização ou de conciliação do regulamento em vigor.
Estes eram dados atmosféricos considerados estatisticamente estacionários até à discussão das alterações climáticas. I.e. dados que variavam, mas os valores máximos e mínimos eram tidos por estabilizados num determinado período de tempo.

Ou seja, num cenário de alterações climáticas, que veio colocar em causa a estacionariedade de muitos fenómenos naturais, importa tratar estatisticamente as séries históricas de registos até à actualidade para concluir se a magnitude pluviométrica correspondente a um “período de retorno” de 10 anos é a mesma, ao qual o sistema de drenagem da cidade deve, por regulamento, estar em capacidade de responder.

Importa aqui ter presente que um “período de retorno” de 10 anos de dados pluviométricos, significa o intervalo de tempo médio que ocorre para que determinado valor de intensidade de precipitação seja igualado ou excedido.

Assim, por via desse regulamento, admite-se que, em média, uma vez, de 10 em 10 anos, a rede de drenagem da RAEM possa não ser capaz de responder.

O conceito de “período de retorno” aplica-se a diversas normas de segurança e varia em função do impacto do fenómeno e da onerosidade das medidas necessárias para resistir a esse impacto. Ou seja, no dimensionamento do sistema de drenagem da RAEM, admite-se que a cidade possa inundar por chuvas intensas de 10 em 10 anos, porque os prejuízos que daí resultam não justificam o encargo económico de um sistema de drenagem que satisfizesse magnitudes mais raras, podendo para isso lançar-se mão de outras precauções.

Naturalmente o “período de retorno” para magnitudes de outros fenómenos é bastante mais largo, nomeadamente de fenómenos sísmicos, para os quais a resistência das estruturas deve estar preparada, porque o colapso de edifícios tem consequências muito mais graves.

Mesmo assim o actual regulamento de drenagem admite que, em algumas situações, a concepção do sistema de drenagem tenha em vista magnitudes de pluviosidade com “períodos de retorno” de 20 ou 25 anos, em situações devidamente justificadas.

A excepção tem em vista a necessidade de, numa situação generalizada de inundação, haver zonas da cidade em que a drenagem não pode entrar em colapso. Zonas destinadas geralmente à localização de hospitais, quarteis de bombeiros, postos de polícia, comandos de operações de protecção civil e vias de resgate e evacuação.

A pouca especificação que o mesmo regulamento dedica a essas situações é porque as mesmas facilmente se resolvem com a localização dessas instalações em pontos altos (como sempre se localizaram em Macau), as vias de resgate são as já existentes na encosta, e outras podem construir-se elevadas, sem recurso a sistemas de drenagem sobredimensionados.

Chegados aqui, importa conhecer se a magnitude da pluviosidade para um período de retorno de 10 anos é hoje em dia manifestamente diferente, para que o sistema de drenagem da RAEM entre em colapso com mais frequência, em resultado disso contemplar, ou não, o actual regulamento efectivamente desactualizado, ou antes, a origem das cheias são outras.

São efectivamente outras as actuais condições do estuário para onde a descarga da rede de drenagem urbana é feita, e isso já não é âmbito desse regulamento, todavia é resultado de fenómenos naturais que também se tratam de forma estatística.

Uma das características de um sistema de estuário é estar sujeito ao regime de maré dos corpos de água com que comunicam, e que resultam de condições astronómicas, geográficas, atmosféricas e de alterações climáticas, sendo esta a ordem da magnitude dos factores.

Imaginemos uma grande “alguidar” que agitamos, criando uma onda ao longo do bordo e que, por vezes, agitamos com mais vigor. É isso o que acontece aos corpos de água nas ocasiões de lua nova e de lua cheia, ou seja todos os 14 dias, e que em Macau resultam presentemente em marés que se podem elevar a cerca de 3m acima do zero hidrográfico.

Devido ao facto de as órbitas dos corpos celestes em causa serem elípticas, o vigor dessa agitação pode ainda ser maior nas situações de perigeu (quando a lua está mais próxima da terra) conjugadas com periélio (quando a terra está mais próxima do sol), ocorrências que se podem sentir em média duas vezes consecutivamente, por ocasião dos meses de Verão e dos meses de Inverno, nomeadamente no passado dia 26 de Junho, pelas 9:53 da manhã e novamente no próximo dia 24 de Julho pelas 9:01 da manhã.

Estamos assim a falar da componente astronómica da maré a qual é possível prever com uma exactidão de relógio.
Por sua vez, se deformarmos o bordo do nosso “alguidar” imaginário, a propagação da onda ao longo do bordo também se desregula em amplitudes diferenciais.

Estamos a falar da componente morfológica dos estuários no comportamento das marés. Essa componente não se calcula, mas é possível aferir, calibrando coeficientes que resultam da correlação do modelo de cálculo com as observações reais.

Essa calibragem tem por vezes que se actualizar, seja após uma tempestade forte que tenha modificado o contorno do litoral, seja pela alteração dos padrões de descarga dos rios e consequente movimentação do depósito de sedimentos.

Essa calibragem tem necessariamente que se actualizar após o desenvolvimento de trabalhos de urbanização ou de construção na orla costeira, simulando esses efeitos preferencialmente, e prudentemente, antes de empreender esses trabalhos.

Podemos ainda espremer o nosso “alguidar” imaginário e o mesmo volume de água gera necessariamente níveis mais altos ao longo do bordo.

Nesse caso estamos a falar de novos e significativos coeficientes morfológicos que resultam da ocupação desenfreada e não criteriosa do espaço de inundação temporária de um estuário pela construção de novos aterros.

A outra maré, a que chamamos meteorológica, já é aquela que resulta de condições momentâneas da atmosfera, nomeadamente de ventos e da pressão atmosférica. É particularmente elevada em situações de tempestade, em resultado de ventos fortes (fetch) e de inversão da pressão atmosférica (surge). Esses níveis acrescem aos níveis da maré astronómica, e têm conjugação extrema quando acontecem por ocasião das marés astronómicas extremas dos meses de Verão.

Enquanto a espectativa da maré astronómica tem a precisão do relógio, a maré atmosférica já tem uma espectativa probabilística que se obtém estatisticamente de séries históricas de registos.

Ou seja, o mesmo tipo de dados que eram considerados estatisticamente estacionários nos seus máximos e mínimos e tratados em “períodos de retorno”, mas que perderam essa estacionariedade num cenário de alterações climáticas.

A esse respeito os relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (o IPCC) vem informando que num cenário de aquecimento global, as tempestades tropicais são expectáveis menos frequentes, mas mais intensas.

Essas tempestades servem para arrefecer os oceanos. Logo, num cenário de aquecimento global, se as mesmas são menos frequentes, cada vez que ocorrem, só podem ter de descarregar essa energia mais intensamente.

Chegados aqui, todo este espectro de informação confronta-se com a seguinte constante: a Rua Visconde Paço de Arcos, ao longo do Porto Interior, regula-se por níveis a menos de 2m acima do Nível Médio do Mar (N.M.M.), e que podem ser tão baixos como 1,70m.

Importa ainda tranquilizar a população que vive e tem os seus negócios nessas zonas que o anúncio de uma maré astronómica com mais de 3m de altura não significa uma altura de 2m de água no rés-do cão das suas lojas.

Por razões cujo detalhe não importa aqui, a navegação e hidrografia regulam-se por um datum (base de referência) que é diferente do datum por que a cartografia e o cadastro se regula.

O datum da navegação e da hidrografia é o “zero hidrográfico” que está fixado abaixo do nível da maré astronómica mais baixa, e o datum da cartografia e do cadastro é o N.M.M. (nível médio do mar). A correlação entre um e outro estava fixada em 2013 em 1,80m para o “zero hidrográfico” abaixo do N.M.M.

Esse é o motivo por que em terra temos níveis de terreno positivos e negativos, enquanto no estuário os níveis de água são sempre positivos, mesmo quando muito baixos.

Assim, quando uma maré máxima astronómica é anunciada com 3,20m de altura significa que poderá estar a 0,3m (i.e. 3,20 – 1,80 – 1,70) logo abaixo do pavimento de algumas zonas do Porto Interior. Se a atmosfera estiver absolutamente calma, a maré não irá inundar essa zona da cidade, mas os colectores subterrâneos não vão poder descarregar no estuário, se chover.

Situação que se poderá converter num impacto severo, se essas condições coincidirem com tempestades tropicais, que facilmente resultam em níveis de maré acima do solo pela conjugação da maré astronómica com a maré meteorológica.

A existência de duas bases de referência diferentes resultou da conveniência para quem opera em terra e para quem opera no mar. Quem labora nessas confrontações tem isso em presença, só que sempre foram considerados instrumentos de mundos diferentes, por vezes voltados de costas com costas, a terra e o mar, na medida que, no passado, quem saía de casa de manhã para o empregou, não cuidava de saber se a maré estava alta ou baixa.

A progressão da ocupação urbanística do estuário é a origem porque sequer é possível estabilizar a magnitude e a frequência destes eventos.

Assim, de nada serve termos um regulamento de drenagem preparado para acomodar eventos de pluviosidade cuja magnitude se espera com intervalos de 10 anos, ou que o efluente da rede possa vir a ser elevado e descarregado no estuário a níveis mais altos, se existem pontos da rede em frequente iminência de serem directamente alimentados e bloqueados pela entrada da própria maré no espaço urbano.

Como também de muito pouco servem as medidas que não tenham presentes tudo o que contribui para esses cenários de inundação.

As intervenções mais de base que se podem resolver são a nível inter-regional, se tiverem em vista o controlo de toda a bacia hidrográfica, e são a nível da Região Administrativa Especial, se tiverem em conta a adaptabilidade criteriosa e robusta do desenho urbano da orla costeira, para assegurar melhor estanquidade do espaço urbano, independente de outras decisões, nomeadamente de elevar a descarga do efluente, ou de guardar esse efluente temporariamente, para o descarregar no estuário logo que possível.

Em verdade, presentemente, a medida mais útil tem sido o aperfeiçoamento da informação, dos avisos e dos alertas junto da população, e da aquisição por parte dos particulares de barreiras para protecção das suas instalações.

Já a questão dos despejos interditos na rede pública de saneamento configura actos susceptíveis de destruição de bem público, de poluição de águas e de solos e de provocar perigo para a vida, carecem da disseminação dessa consciência, são passíveis de procedimento criminal.

28 Jun 2021

Editorial

Vivemos tempos em que os conceitos mais reaccionários e retrógrados encontraram meios de sair dos armários onde a racionalidade da segunda metade do século XX, na sequência da II Guerra Mundial, os havia forçado a ocultar a sua estranha malvadez. Infelizmente, com o advento das redes sociais, assistimos ao regresso impoluto e desbragado dos discursos e das práticas fascistas, racistas e homofóbicas. Na “civilizada” Europa, berço dos “direitos humanos”, um país membro de pleno direito da União Europeia acaba de promulgar uma lei que distingue cidadãos tendo em conta as suas preferências sexuais. Ou seja, assistimos a uma regressão ética que julgávamos impossível.

O Hoje Macau entende que a sexualidade de cada um a cada qual diz respeito. Afinal, referimo-nos a comportamentos recorrentes, constatáveis ao longo de toda a História e em todas as culturas, que não vale a pena mais omitir ou reprimir, cuja existência é criminoso não reconhecer. Assim sendo, a sociedade em geral e as leis mais não devem fazer que proporcionar a cada cidadão os mesmos direitos, independentemente das suas escolhas privadas. Não podemos discriminar, não devemos marginalizar, não temos o direito de excluir seja quem for pelas suas opções sexuais ou de género, desde que estas não interfiram com a liberdade alheia.

Todos sabemos que na RAEM existe uma significativa e etnicamente transversal comunidade LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexuais) que não vê reconhecidos os seus direitos cívicos, como o casamento, por exemplo, e se vê forçada a existir na sombra como se qualquer forma de amor, relação sexual ou escolha de género pudesse acarretar alguma “vergonha”.

Pelo contrário, vergonhosas, hipócritas e de dúbia motivação são a discriminação e a violência que sobre essa comunidade alguns pretendem exercer. É também tempo de aqui algo mudar e o mais rapidamente possível. Neste sentido, desafiamos o Governo da RAEM, bem como a República Popular da China, a reconhecer plenamente os direitos de todos a uma plena cidadania.

Por tudo isto, o Hoje Macau altera nesta edição as cores do seu cabeçalho, juntando-se assim a uma campanha internacional de repúdio à homofobia, de solidariedade com as pessoas LGBTI e de denúncia dos ataques de que são alvo.

28 Jun 2021

Eleição no condicional

Tendo em conta que a pandemia de COVID-19 ainda não está controlada, penso que ninguém pode garantir que a 32ª edição dos Jogos Olímpicos da era moderna, com abertura agendada para 23 de Julho, em Tóquio, se possa vir a realizar.

Pelo mesmo motivo, as eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong, inicialmente marcadas para 2020, foram adiadas para 19 de Dezembero de 2021. Quanto à realização das eleições para a 7.ª Assembleia Legislativa, marcadas para 12 de Setembro de 2021, acredito que tudo irá depender da vontade de Deus e dos esforços concertados dos residentes e das equipas de saúde no combate à pandemia.

A realização das eleições para a 7.ª Assembleia Legislativa vai depender da evolução da situação pandémica. Mas os 12 candidatos que concorrem para ocupar o lugar dos 12 deputados eleitos por sufrágio indirecto, serão inevitavelmente eleitos. Não haverá factores externos que afectem esta eleição porque existe apenas uma comissão de candidatura para cada um dos cinco sectores que têm capacidade para propôr candidatos. Por outras palavras, na ausência de competição, a menos que a Península de Macau seja tragada pelas águas, mesmo que surja uma variante de COVID-19 mais letal, os 12 candidatos serão definitivamente eleitos. Por outo lado, os 7 deputados que serão nomeados por despacho do Chefe do Executivo, vêm evidenciar a eficácia da estrutura política com predominância do poder Executivo, se comparada com o novo sistema eleitoral de Hong Kong. Neste contexto, “Macau governado por patriotas” será o resultado inevitável das eleições para a 7.ª Assembleia Legislativa de Macau. É expectável que o progresso democrático em Macau seja feito gradualmente, no entanto temo que esse progresso dificilmente se venha a manifestar com eleições por sufrágio indirecto e nomeações efectuadas pelo Chefe do Executivo.

Posto isto, as eleições por sufrágio directo são a única possibilidade de determinar o resultado final das eleições para a 7.ª Assembleia Legislativa. No entanto, não é tarefa fácil eleger candidatos que verdadeiramente representem e sirvam o povo.

Macau é conhecida como “uma sociedade assente em associações”, e algumas figuras políticas que as representam podem frequentemente usar vários meios, facultados por essas associações, para, em período eleitoral, aliciarem a população com descontos em refeições, em viagens, presentes, vouchers, etc, e darem uma imagem favorável da sua agremiação. Desde que não haja um apelo explícito ao voto num candidato, ou oposição explícita no voto em qualquer outro, este tipo de presentes são aceites no contexto da campanha eleitoral para a 7.ª Assembleia Legislativa.

Recentemente, um grupo entregou uma carta à Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa solicitando que se abrisse um inquérito para apurar se estas ofertas feitas pelas Associações constituem uma violação à Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM. Contudo, desde que a associação em causa cumpra os requisitos do Comissariado contra a Corrupção, no que respeita a transparência eleitoral e actue dentro dos limites da lei, penso que será muito improvável vir a ser condenada.

Muitos acontecimentos são determinados pelo povo, mas este resultado eleitoral possivelmente não será um deles. A Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa, recebeu 27 pedidos de reconhecimento de constituição de comissão de candidatura, dos quais 22 para o sufrágio directo, até à data limite (15 de Junho) para a apresentação do pedido de reconhecimento de constituição de comissão de candidatura aos sufrágios directo e indirecto das eleições. Ninguém pode prever os resultados eleitorais, e mesmo que tenha havido menos pedidos de reconhecimento de constituição de comissão de candidatura ao sufrágio directo este ano, não quer dizer que o antagonismo seja menos intenso.

Durante uma eleição, independentemente dos meios que são utilizados, o resultado será negativo se a equidade, a justiça e a integridade tiverem sido violadas. Para ficarmos a saber qual é a vontade de Deus, basta ouvirmos a voz do povo.

25 Jun 2021

A oportunidade na crise

“The Chinese use two brush strokes to write the word ‘crisis.’ One brush stroke stands for danger; the other for opportunity. In a crisis, be aware of the danger-but recognize the opportunity.”
John F. Kennedy

 

Os negócios não funcionam no vácuo, por isso a sua história está ligada à nossa história social mais ampla. A pandemia revelou e acelerou tendências mais amplas na cultura e política, porque é de acreditar que uma geração de mudanças empreendidas em nome do capitalismo minou o seu sistema, e o que podemos fazer a esse respeito. Esta tem sido uma crise mundial com duas teses. Primeiro, o impacto mais duradouro da pandemia será como um acelerador. Apesar de iniciar algumas mudanças e alterar a direcção de algumas tendências, o principal efeito da pandemia tem sido o de acelerar a dinâmica presente na sociedade. Em segundo lugar, em qualquer crise há oportunidades; quanto maior e mais perturbadora for a crise, maiores serão as oportunidades.

Contudo, o optimismo em relação à segunda tese é temperado pela primeira pois muitas das tendências que a pandemia acelera são negativas e enfraquecem a nossa capacidade de recuperar e prosperar num mundo pós-COVID-19. Há um ditado atribuído a Lenine de que “Nada pode acontecer durante décadas, e depois décadas podem acontecer em semanas”. Não foi Lenine, mas sim o deputado escocês George Galloway que o parafraseou, com a típica brevidade escocesa, algo muito mais redondo e obtuso o que Lenine disse em 1918, após as mudanças radicais operadas pela sua revolução. Este tema, décadas em semanas, está a ser abordado na maioria dos sectores e facetas da vida.

O comércio electrónico começou a criar raízes em 2000. Desde então, a quota do comércio electrónico no comércio a retalho tem crescido aproximadamente 1 por cento todos os anos. No início de 2020, aproximadamente 16 por cento do comércio a retalho era transaccionado através de canais digitais. Oito semanas após a pandemia ter atingido os Estados Unidos a 12 de Março de 2019, esse número saltou para 27 por cento e não vai voltar atrás. Registamos uma década de crescimento do comércio electrónico em oito semanas. O período para o social, empresarial, ou pessoal é de dez anos e considera-se rápido. Mesmo que a sua empresa ainda não esteja presente, o comportamento do consumidor e do mercado assenta agora no ponto 2030 que é a linha de tendência positiva ou negativa.

Se a sua empresa tinha um balanço fraco, é agora insustentável. Se está no retalho essencial, os seus bens são mais essenciais do que nunca. Se está na venda a retalho discricionária, está mais arbitrária do que nunca. Na sua vida pessoal, se estava a brigar com o seu parceiro, as suas discussões são piores. As boas relações têm agora mais dez anos de história e boa vontade. Durante décadas, as empresas investiram milhões de dólares em equipamento para reuniões virtuais, na esperança de diminuir as distâncias. As universidades adoptaram a contragosto ferramentas tecnológicas, incluindo o “Blackboard” no início dos anos de 1990 para acompanhar o ritmo do mundo exterior. As empresas de comunicação publicaram numerosos anúncios com jantares familiares virtuais, médicos a ver pacientes, e estudantes a aprender com os grandes professores do mundo sem saírem da sua cidade natal. E durante décadas, não aconteceu grande coisa.

Os sistemas de videoconferência multimilionários não funcionaram, e os professores resistiram a qualquer tecnologia mais complexa do que o “Dry Erase” ou o “PowerPoint”. O “FaceTime” e o “Skype” fizeram incursões nas nossas comunicações pessoais, mas não atingiram a massa crítica. Depois, em semanas, as nossas vidas mudaram “online” e os negócios passaram ser feitos à distância. Cada reunião de negócios tornou-se virtual, cada professor tornou-se um educador “online”, e as reuniões sociais passaram para um ecrã. Nos mercados, os investidores calibraram o valor das empresas problemáticas, com base não nas semanas ou anos seguintes, mas em pressupostos da posição da empresa em 2030.

A Apple levou quarenta e dois anos para atingir o valor de um trilião de dólares, e vinte semanas para acelerar de um trilião para dois triliões de dólares (Março a Agosto de 2020). Nessas mesmas semanas, a Tesla tornou-se não só a empresa automóvel mais valiosa do mundo, mas mais importante do que a Toyota, Volkswagen, Daimler, e Honda combinadas. Durante décadas, os presidentes de câmara das grandes cidades e os responsáveis pelo planeamento têm apelado a mais pistas para bicicletas, acesso pedonal, e menos carros. E durante décadas, o tráfego, a poluição atmosférica e os acidentes congestionaram as nossas ruas e os nossos céus. Depois, em semanas, os ciclistas tomaram conta da estrada, as mesas de jantar ao ar livre brotaram, e os céus desobstruíram.

As tendências negativas podem ter acelerado a um ritmo maior. Durante décadas, os economistas têm vindo a advertir que a desigualdade económica se estava a aprofundar, enquanto a mobilidade económica estava a diminuir.

Uma economia com tendências subjacentes incómodas transformou-se numa distopia. Quarenta por cento dos americanos, teriam dificuldade em cobrir uma despesa de emergência de quatrocentos dólares. Mas uma expansão económica de onze anos sem precedentes significou que a maré nunca se esgotou. Depois, nos primeiros três meses da recessão Covid-19 os Estados Unidos perderam mais emprego (13 por cento) do que perderam nos dois anos da Grande Recessão (5 por cento). Metade das famílias americanas tiveram pelo menos uma pessoa a perder um emprego ou a sofrer um corte salarial devido à pandemia.

As famílias com rendimentos inferiores a quarenta mil dólares foram as mais atingidas e cerca de 40 por cento foram despedidas ou dispensadas no início de Abril de 2020, em comparação com apenas 13 por cento das famílias com rendimentos superiores a cem mil dólares. O mundo girou mais depressa, para melhor ou pior. As crises trazem oportunidades. É um cliché que tem uma razão e o presidente John F. Kennedy fez dele um dos seus principais discursos da sua campanha. O ex-vice-presidente dos Estados Unidos e Prémio Nobel da Paz, Al Gore, utilizou-o no seu discurso de aceitação do Prémio Nobel. A palavra chinesa para crise consiste em dois símbolos, um que significa perigo, o outro, significa oportunidade. Que oportunidades nos esperam no post-COVID-19? A pandemia tem um lado bom que pode rivalizar com o tamanho da “nuvem”. A América tem uma maior taxa de poupança e menos emissões e três das maiores, e mais importantes categorias de consumidores (saúde, educação, e mercearia) estão num estado de ruptura sem precedentes e, possivelmente, de progresso.

Embora a esmagadora maioria dos hospitais devido à COVID-19 tenha sido a história principal, a narrativa mais duradoura pode ser como os outros 99 por cento das pessoas que tiveram acesso aos cuidados de saúde durante a pandemia sem pôr os pés num consultório médico, muito menos num hospital. A adesão forçada à telemedicina promete uma explosão de inovação e abre uma nova frente na guerra contra os custos e os encargos do fracturado sistema de saúde americano. Da mesma forma, o abraço forçado da aprendizagem à distância, por mais desajeitado e problemático que tenha sido, poderia catalisar a evolução do ensino superior, produzindo custos mais baixos e taxas de admissão mais elevadas, e devolvendo à aptidão o seu papel de lubrificante para a mobilidade ascendente dos americanos.

Ainda mais fundamental do que a educação, a nutrição está no precipício da revolução, se a dispersão da mercearia através da entrega criar oportunidades para uma distribuição mais eficiente, maior alcance para alimentos frescos, e adopção de bens locais. Por baixo destas mudanças, a chegada à idade adulta numa crise mundial tem o potencial de amadurecer uma geração com um renovado apreço pela comunidade, cooperação e sacrifício; uma geração que acredita que a empatia não é fraqueza, e que a riqueza não é virtude. As oportunidades não são garantias. De facto, a história popular sobre a palavra chinesa para crise não é muito correcta. O primeiro caracter significa perigo, mas o segundo caracter é melhor traduzido como uma conjuntura crítica. Uma encruzilhada. Para os compatriotas de Lenine, as transformações radicais de 1917 também apresentavam oportunidades.

O seu fracasso em aproveitá-las levou a um imenso sofrimento. É fácil acreditar que isso não nos vai acontecer, que “não pode acontecer agora”. Mas consideremos que não há muito tempo (meados do século XX), foram postos setenta e cinco mil cidadãos americanos atrás do arame farpado porque tinham ascendência japonesa. Considerando que nenhum de nós, no início da pandemia, pensou que os Estados Unidos poderiam perder mais vidas por dia para um vírus que outros países (menos desenvolvidos) travaram no seu caminho. A resposta americana a esta crise não inspirou confiança. Apesar de terem mais tempo para se prepararem, gastando mais nos cuidados de saúde do que qualquer outro país, e acreditando que eram a sociedade mais inovadora da história, com 5 por cento da população mundial, os Estados Unidos suportaram 25 por cento das infecções e mortes. Foram necessários os últimos dez anos para criar vinte milhões de empregos e dez semanas para destruir quarenta milhões.

As viagens estão em baixa, os restaurantes estão na obscuridade, a bebida e as vendas de armas de fogo estão em alta. Mais de dois milhões de “Gen Zers” voltaram a viver com os seus pais, e setenta e cinco milhões de jovens vão à escola no meio da incerteza, conflito e perigo Os historiadores podem dissecar os passos errados que os trouxeram até aqui. A causa mais profunda do seu fracasso é clara. O envolvimento da América na II Guerra Mundial durou três anos e oito meses, e quatrocentos e sete mil americanos pereceram. Apesar do “stress financeiro” do tempo de guerra, foi pedido aos agregados familiares que esvaziassem os seus bolsos e comprassem títulos de guerra. Os fabricantes remodelaram as suas fábricas para construir bombardeiros e tanques, e foi imposto um limite de velocidade “Vitória” a quarenta quilómetros por hora a nível nacional para poupar combustível e borracha para o esforço de guerra. Preparam estudantes e professores do ensino secundário que deram as suas vidas pela liberdade.

Após a guerra, investiram nos seus inimigos e produziram mais riqueza e prosperidade do que qualquer sociedade até à data. Durante algum tempo, distribuíram de forma mais justa do que nunca. Mudaram o local onde viviam (subúrbios) e como viviam (o carro e a televisão), e começaram a contar com as suas mais profundas desigualdades de raça e género. As forças americanas lutam no Afeganistão há dezanove anos, e perderam dois mil e trezentos e doze efectivos. O conflito transformou-se em violência que se estende por metade do globo, com mortes de centenas de milhares de civis. Durante esse tempo, eram vistos “slogans” nos veículos utilitários desportivos com autocolantes “apoiem as nossas tropas”, mas não existia dificuldade em encontrar chocolate, ou qualquer outra coisa que se pudesse desejar, na loja ou no telefone. Quanto mais dinheiro ganham, mais baixa é a taxa de imposto, e ninguém pede para comprar um título de guerra. Em vez disso, subcontrataram a guerra a um exército voluntário de jovens da classe trabalhadora, financiado pelas gerações futuras através de um aumento do défice de quase sete triliões de dólares.

O patriotismo costumava ser um sacrifício, agora é um estímulo. Na pandemia, a América e os seus líderes falaram com as suas acções; milhões de mortes americanas seriam más, mas um declínio no NASDAQ seria trágico. O resultado tem sido um sofrimento desproporcionado. Os americanos com rendimentos mais baixos e as pessoas de cor têm mais probabilidade de serem infectados e enfrentam o dobro do risco de doenças graves do que as pessoas de famílias com rendimentos mais elevados. Para os ricos, o tempo com a família, a Netflix, as poupanças, e o valor da carteira de acções aumentaram à medida que as deslocações e os custos diminuíram. Se os Estados Unidos estão a dirigir-se para um futuro de “jogos da fome” ou para algo mais brilhante depende do caminho que escolherem depois da COVID-19.

Um dos aspectos mais surpreendentes da crise da COVID-19 tem sido a resiliência dos mercados de capitais. Após uma breve queda quando o surto se transformou numa pandemia, os principais índices de mercado rugiram de volta. No Verão de 2020, tinham recuperado a maior parte do terreno perdido, apesar de quase duas centenas de milhares de mortes nos Estados Unidos, do desemprego recorde, e de nenhum sinal de que o vírus tivesse recuado.

A Bloomberg Businessweek chamou-lhe “The Great Disconnect” numa reportagem de capa de Junho de 2020 e mesmo os profissionais de Wall Street”, declaram que ficaram “atónitos”. Dois meses mais tarde, na altura em que o artigo foi escrito, o vírus estava a matar mais de mil americanos por dia, e os índices de mercado continuavam a subir. Os índices de mercado podem, no entanto, ser enganadores. A “recuperação” tem sido o produto de ganhos de dimensão exagerada de algumas empresas, nomeadamente as grandes empresas de tecnologia e outros actores importantes.

Não se reflecte nos mercados públicos mais vastos. De 1 de Janeiro a 31 de Julho de 2020, o S&P 500, que acompanha as quinhentas maiores empresas públicas, foi apenas positivo no ano. Mas as empresas do meio, de média capitalização, caíram 10 por cento. E as seiscentas empresas de pequena dimensão que foram seguidas no S&P 600 tiveram uma redução de 15 por cento. Enquanto os meios de comunicação social foram distraídos por objectos brilhantes como grandes índices tecnológicos, um incansável abate do rebanho está bem encaminhado. Os fracos não estão apenas a ficar para trás, estão a ser abatidos. A lista de falências é longa e chocante. As acções “BEACH” (reservas, entretenimento, companhias aéreas, cruzeiros e casinos, hotéis e resorts) desceram em média 50 a 70 por cento. Isto ajuda a explicar o forte desempenho dos líderes de mercado.

A avaliação de uma empresa é uma função dos seus números e narrativa. Neste momento, a dimensão pode alimentar uma narrativa não só sobre como uma empresa irá sobreviver à crise, mas também sobre como irá prosperar no mundo pós-COVID-19. Após a crise, quando as chuvas regressam, há mais folhagem para menos elefantes. Empresas com dinheiro, com garantias de dívida, com acções altamente valorizadas, serão posicionadas para adquirir os activos de concorrentes em dificuldades e consolidar o mercado. A pandemia está também a impulsionar uma narrativa de “inovação”. As empresas consideradas inovadoras estão a receber uma avaliação que reflecte estimativas de fluxos de caixa daqui a dez anos, e com desconto de volta a uma taxa incrivelmente baixa. Os investidores parecem estar concentrados na visão de uma empresa, na sua narrativa sobre onde poderá estar dentro de uma década. É assim que o valor de Tesla excede agora o da Toyota, Volkswagen, Daimler, e Honda combinados.

Isto apesar do facto de em 2020 a Tesla ir produzir aproximadamente quatrocentos mil veículos, enquanto as outras quatro empresas vão construir um total de vinte e seis milhões.

O mercado está a fazer apostas ousadas sobre o ambiente pós-COVID-19, e estamos a assistir tanto a grandes ganhos como a declínios abruptos. No final de Julho de 2020, a Tesla subiu 242 por cento em relação a 2019, enquanto a GM desceu 31 por cento. A Amazon subiu 67 por cento, e a JCPenney faliu. Esta “desconexão” entre o grande e o pequeno, o inovador e o antiquado é tão importante como o fosso mais falado entre o mercado e a economia em geral. Os vencedores de hoje são julgados como os maiores vencedores de amanhã, e os perdedores de hoje parecem condenados. O que se passa com as previsões do mercado de capitais é que elas se autorrealizam, em certa medida.

Ao decidir que a Amazon, Tesla, e outras empresas promissoras são vencedoras, os mercados reduzem o custo de capital dessas empresas, aumentam o valor da sua compensação (através de opções de compra de acções), e aumentam a sua capacidade de adquirir o que não podem construir por si próprios. E há uma quantidade incrível de capital à procura de um lar neste momento.

O governo americano injectou 2,2 triliões de dólares na economia, e devido a algumas decisões políticas terríveis uma enorme quantidade desse montante vai directamente para os mercados de capitais. Assim, as empresas que se estavam a sair bem antes da pandemia beneficiaram notavelmente desta crise mundial. Encontraram fundos disponíveis para absorver as perdas de receitas, enfrentar a concorrência e expandirem-se para as novas oportunidades que a pandemia está a abrir. Entretanto, os seus concorrentes mais fracos foram excluídos dos mercados de capitais e verão as suas notações de dívida serem reduzidas, os detentores das suas contas a telefonarem, e os clientes a ficarem nervosos com os negócios a longo prazo. Há um árbitro não económico para quem perece, sobrevive, ou prospera que é o apoio do governo. As companhias aéreas, por exemplo, não estão em condições de sobreviver a esta pandemia na sua forma actual.

É difícil imaginar um produto mais propício à propagação de um vírus do que um avião. A pandemia acelera o trabalho remoto e evita as viagens de negócios, a vaca a dinheiro da indústria. Além disso, as companhias aéreas têm enormes despesas gerais e dificuldade em reduzir os custos quando as receitas diminuem. Várias pequenas companhias aéreas nacionais, não vistas como campeãs nacionais, e uma série de transportadoras estrangeiras, incluindo a Virgin Atlantic, declararam falência. Mas suspeito de que não veremos uma única grande transportadora dos Estados Unidos a afundar-se, porque as companhias aéreas têm um controlo mortal sobre o Congresso. Em Abril de 2020, o governo deu-lhes vinte e cinco mil milhões de dólares, e é provável que recebam mais. Uma combinação de bons lobistas e pessoas de relações públicas, alta consciência dos consumidores, e uma profunda ligação ao orgulho nacional podem salvar uma indústria, dando-lhe uma linha de vida com capital.

24 Jun 2021

Cartão de consumo de Hong Kong   

O Governo de Hong Kong divulgou no passado dia 18 a forma de funcionamento do Programa de Cartões Electrónicos de Consumo de Hong Kong (ECVP/sigla em inglês). O valor por cartão monta a 5.000 HK dólares.

Qualquer pessoa maior de 18 anos com residência em Hong Kong, anterior a 18 de Junho de 2021, os residentes permanentes e os recém chegados podem registar-se no website ou preencher um formulário em papel para se registarem no ECVP.

Chen Maobo, Secretário das Finanças de Hong Kong, afirmou: “Espero que a emissão de cartões de consumo, carregados com 5.000 HK dólares, possa encorajar os residentes a usarem este meio de pagamento prático e flexível no comércio local, na restauração e nos serviços. Espero também que o consumo cresça e que a recuperação económica de Hong seja acelerada. O ECVP vai incentivar os pequenos e médios comerciantes a adoptarem o sistema de pagamento electrónico e abraçarem novas oportunidades de negócio.”
  
Os residentes de Hong Kong podem optar pelo Alipay Hong Kong, pelo Octopus, o Tap & Go “Take and Stay Reward” e o WeChat Pay HK para receberem os cartões electrónicos, carregados com 5.000 HK dólares. Estes carregamentos serão efectuados em duas fases. Em todas as plataformas, excepto no Octopus, na primeira recebem 2.000 dólares e na segunda 3.000. As duas fases podem ser combinadas. No Octopus, existem três fases, duas com 2.000 dólares e uma com 1.000. As três fases podem ser combinadas.

Os cartões podem ser usados em lojas físicas e em lojas online, em compras e serviços e também em transportes públicos. Não podem, no entanto, ser usados em pagamentos de impostos, de serviços públicos, doações, etc.

Existem algumas diferenças do cartão de consumo electrónico de Macau que vale a pena salientar.

Em primeiro lugar, quem usar o Octopus em Hong Kong recebe dinheiro em três fases. O Governo não impõe restrições à utilização do cartão nem data limite. Ou seja, o utilizador pode decidir como e quando usar o cartão. Se optar por não gastar os 1.000 dólares da última fase, pode cancelar o cartão e guardar esse montante. Esta possibilidade não existe no cartão de Macau. O objectivo do cartão de Macau é a promoção do consumo local. Por isso existe uma data limite para utilização do cartão. Se o valor não for usado dentro da data limite, o remanescente reverte para o Governo. Os residentes não podem levantar o valor que não gastaram nem revertê-lo para as suas poupanças.

Em segundo lugar, em Hong Kong o Governo informa os cidadãos do saldo em cartão através de um SMS. Em Macau, para ter acesso a esta informação é necessário aceder a uma aplicação específica. Este método parece ser mais conveniente.

Em terceiro lugar, a emissão do cartão de consumo com 5.000 HK dólares para revitalizar a economia assemelha-se aos primeiros cartões de Macau. Se o Governo de Hong Kong seguir o plano de Macau, os residentes depois de terem recebido estas injecções de dinheiro, poderão usar os subsídios em pleno. Esta estratégia irá revitalizar a economia de Hong Kong.

Em quarto lugar, para beneficiar deste programa é necessário ser maior de 18 anos e ter residência em Hong Kong antes de 18 de Junho de 2021, ou seja, a data da implementação da medida. A intenção é garantir que o plano abrange apenas residentes da cidade. Há quem afirme que as pessoas deveriam dizer porque motivo não viviam em Hong Kong antes da implementação do plano. Esta abordagem só irá criar mais divisões e conflitos na cidade.

Por último, embora os cartões electrónicos de Hong Kong sejam emitidos de forma faseada, podem ser combinados. A maior vantagem desta modalidade é permitir o pagamento de uma só vez de produtos de valor elevado. Esta possibilidade não existe em Macau onde o limite diário do cartão de consumo é de 400 patacas. Neste aspecto são completamente diferentes.

O cartão de consumo de Hong Kong pretende revitalizar a economia da cidade. A intenção é boa, mas se houver muitas restrições e o montante disponível ficar pelos 5.000 dólares, resta ainda saber se os benefícios que trará à economia irão suplantar as críticas ao plano.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

23 Jun 2021

A internet é um monte de informação falsa

Estamos a viver em Portugal a era da informação desinformada. Cada vez mais a informação que temos é uma aldrabice. Tudo se inventa, tudo se especula, tudo se mente, enfim, o que se passa? Acontece que os jornais portugueses não têm nada de interessante a não ser os recados do Governo que digam respeito à vida das pessoas.

Os jornais existentes apenas contratam miúdos com salários que antigamente nem a um estagiário se pagava e estes passam a vida a sacar informação da internet. As redacções não têm quem saiba da história portuguesa e da internacional muito menos. Gramaticalmente são um zero e os erros são diários. Não são as chamadas gralhas, são mesmo erros de ortografia, de falta de conhecimento da língua portuguesa. A um jovem jornalista foi-lhe perguntado por um familiar o que era uma vacina e para o que servia e ele respondeu que ia ver na internet e já respondia.

A organização do sistema de vacinação na luta contra a covid-19, que os jornais já não sabiam o que publicar, mudou de um dia para o outro com a nomeação do vice-almirante Gouveia e Melo. Em boa hora este militar colocou ordem, disciplina e trabalho sério para que o país fosse vacinado.

– É pá, a AstraZeneca é que eu não tomo, pode matar!
– Ó pá, quem é que te disse isso?
– Li na internet…

– Ouve bem o que te digo, não te vacines!
– Porquê, meu?
– Porque se te dão a Pfizer podes ficar com lesões cerebrais.
– Onde ouviste tal coisa?
– Li na internet…

– Sabes que a vacina que andam a dar às pessoas é perigosíssima?!
– Porquê?
– Porque tem morrido muita gente!
– Ouviste isso na CNN?
– Não, pá! Li na internet…

– Já te vacinaste, meu querido filho?
– Não, pai! Isso das vacinas tem que se lhe diga… estão a criar graves problemas nas pessoas que são vacinadas!
– Mas eu e a tua mãe já fomos e nada aconteceu!
– Vocês são do número das excepções…
– Mas quem é que te informou disso?
– Ó pai, li na internet…

– Ó tio, estou cheio de medo de ser vacinado!
– Tás doido, pá! Aquilo não custa nada e toda a gente deve ser vacinada!
– E o perigo que é depois de se ser vacinado?
– Qual perigo?
– Uma pessoa pode morrer…
– Como é que soubeste tal disparate?
– Li na internet…

Não se admite este estado de espírito que certas empresas estão a criar propositadamente no seio da população, entendendo que o importante é prejudicar as multinacionais que fabricam as vacinas. Que absurdo o que estamos a assistir nas redes sociais, onde se espalham as maiores invenções informativas sobre a vacinação e os males que pode provocar. É a isto que eu chamo a informação desinformada, ou melhor, afincadamente criminosa. Afinal, para que servem os cientistas? Temos confiança na ciência ou não? Acreditamos que trabalham para o bem da humanidade ou para o extermínio global?

As campanhas que assistimos contra a vacinação deviam ser investigadas até ao último pormenor informático. O número de infectados com a covid-19, infelizmente, voltou a aumentar na Área Metropolitana de Lisboa e no Algarve. Pudera, são as zonas do país onde a falta de cumprimento das regras estipuladas mais se verifica. E esse aumento regista-se agora nas camadas jovens. Tinha de ser porque a juventude não usa máscara, junta-se em grupos de duas dezenas a beber nos jardins depois dos restaurantes encerrarem, organizam festas com cerca de 400 inscritos onde vale tudo desde o beijar na boca entre quem não se conhece, até às conversas onde a distância entre eles é de dois palmos. Em Albufeira, chegaram ingleses aos magotes e é na Inglaterra que se desenvolvem cada vez mais as variantes do coronavírus e esses ingleses, todos sem máscara, enchem as artérias principais com cerveja na mão, abraçados e aos beijos uns aos outros. Como é que será possível que o sistema de vacinação possa ter êxito?

Não o creio, apesar de no passado fim-de-semana já ter sido decretado que ninguém podia entrar ou sair na Área Metropolitana de Lisboa.

Toda a gente sabe que a situação é séria em qualquer local do mundo. Portugal começou a melhorar substancialmente e o desconfinamento estava a ser progressivo. Tudo indica que está tudo a ir por água abaixo porque a ajuda principal para tal é a informação falsa e a desonestidade dos prevaricadores incivilizados.

*Texto escrito com a antiga grafia

21 Jun 2021

Novas rotas dos Impérios

Está a fazer dois anos: foi a 28 de Junho de 2019 que aqui publiquei “Muros e estradas”, uma crónica em que comparava o abnegado esforço do então presidente dos Estados Unidos da América para a construção de muros que protegessem o seu país de potenciais invasões de imigrantes, com a iniciativa que a China designou como a “nova rota da seda”, a reactivação dos caminhos que ligam o extremo oriente asiático à Europa, desta vez através de um programa de investimentos promovidos pelo estado chinês e destinados a reforçar as infraestruturas e capacidade produtiva de países com recursos mais escassos, não só na Ásia mas também em África, que as rotas de hoje têm maior amplitude e flexibilidade geográfica – também à medida das ambições de quem pode adaptar-se às circunstâncias ou disputar em várias frentes territoriais as competições desenfreadas que a globalização capitalista vai promovendo.

Na altura olhava-se desde os Estados Unidos e da Europa com manifesta desconfiança e animosidade para esta iniciativa chinesa, percebida como uma tentativa de aumentar a influência económica, cultural e política do país com o pretexto do apoio ao desenvolvimento – enfim, o discurso habitual sobre os perigos e consequências do imperialismo, das pouco democráticas implicações da expansão da hegemonia política por via da dominação económica. A curiosidade, desta vez, é que o discurso sobre estes perigos vinha precisamente do governo de um dos países mais desenvolvidos do mundo – os Estados Unidos, com toda a sua longa tradição e pergaminhos no assunto em questão – com o diligente e dedicado apoio de governos e instituições europeias.

Na minha crónica de há anos comparava então a nova “Rota da Seda” promovida pelo governo chinês com o que ficou conhecido como o “Plano Marshall”, financiado sobretudo pelos Estados Unidos, que apoiou programas de larguíssima escala para a reconstrução de infra-estruturas e capacidade produtiva após a II Guerra Mundial. Foi um plano altamente apreciado, não só por quem o promoveu, mas também pelos países que receberam os investimentos – e até pela generalidade dos analistas e estudiosos de políticas económica nas décadas que se seguiram, à esquerda e à direita do espectro ideológico. Foi um plano que claramente beneficiou os países que receberam os investimentos e que tiveram oportunidade de promover um ciclo longo de acelerada e intensa recuperação económica, que levaria até a que se viessem a questionar os limites destes acelerados processos de desenvolvimento, com a inerente delapidação de recursos e degradação ambiental, já no final dos anos 1960.

Na altura, evidentemente, o plano também contribuiu – e muito largamente – para se afirmar no planeta uma hegemonia económica, cultural e política dos Estados Unidos que até então se desconhecia. Havia Hollywood, o jazz e viria o rock’n’roll, que dificilmente teriam a expansão global que tiveram se não fosse o ambiente de generalizada expansão económica, aumento do consumo, florescimento de novas actividades e interesses culturais, abertura de horizontes e perspectivas mais cosmopolitas, pelo menos para quem não vivesse sob a tenebrosa sombra de regimes ditatoriais, pobres e broncos, como o que assombrou o povo português por quase meio século. A consolidação dos EUA na hegemonia política do planeta é largamente tributária da sua liderança económica no período do pós-II Guerra e isso muito se deve a este portentoso programa internacional de investimentos.

Dois anos volvidos sobre a tal crónica que aqui publiquei, muda então o cenário: há um novo governo nos Estados Unidos e uma outra percepção sobre as novas rotas da seda – que são, na realidade, novas rotas da finança: não basta olhar com desconfiança e discurso crítico para o papel que a China está a assumir ou a reforçar no apoio ao desenvolvimento económico da regiões mais desfavorecidas do planeta: se se quer disputar o inerente reforço da influência económica, cultural e política, não há outra alternativa senão fazer o mesmo. Nasce agora então novo plano, apresentado esta semana pelo presidente dos Estados Unidos aos seus parceiros líderes das potências económicas planetárias, o chamado G7, um dos símbolos máximos do imperialismo económico do planeta, disposto agora a mobilizar 40 mil milhões de dólares para apoiar investimentos na América Latina, Caraíbas, África e Indo-Pacífico.

Posicionam-se então os impérios para nova disputa sobre a economia do planeta e a inerente hegemonia política. A China retomou a velha Rota da Seda para propor uma modernização acelerada de países menos desenvolvidos. Os Estados Unidos aproveitam a crise provocada pela pandemia de covid-19 para oferecer apoios à recuperação económica. Em ambos os casos, mobilizam-se os recursos da sobre-acumulação de capital que vai engordando bilionários avarentos, alimentando processos globais de especulação imobiliária ou financeira e criando sucessivas novas oportunidades para branqueamento de capitais variados. Pelo menos parte do que estes respeitáveis larápios vai acumulando retornará à esfera da produção. Já não é mau de todo.

18 Jun 2021

O clima como questão política

“Political action and intervention, on local, national and international levels, is going to have a decisive effect on whether or not we can limit global warming, as well as how we adapt to that already occurring.”
Anthony Giddens
The Politics of Climate Change

 

O clima na Terra é o produto de uma enorme variedade de fenómenos físicos como a irradiação do Sol, o ciclo da mancha solar, o reflexo imediato em espaço sideral de parte da energia solar, a formação de nuvens, a evaporação do vapor de água da superfície dos oceanos, o transporte de energia da faixa tropical em direcção aos pólos devido às grandes correntes oceânicas e à complexa circulação dos ventos, a acumulação de calor nos oceanos, a emissão de radiação infravermelha da superfície terrestre e a interacção desta radiação com moléculas de gás na atmosfera, o ciclo do dióxido de carbono, aerossóis, vulcanismo e a energia irradiada da Terra para o espaço sideral. Embora a maioria destes fenómenos sejam cientificamente bem caracterizados nas condições simplificadas do laboratório, a sua correcta representação em situações climáticas reais é extremamente difícil. O grau de ligação entre entradas e saídas dos vários subsistemas é demasiado elevado, os numerosos “feedbacks negativos” e positivos são demasiado relevantes, e a diferença nas escalas espaciais e temporais dos fenómenos a ter em comum é enorme.

A dinâmica do clima ainda é, portanto, afectada por incertezas consideráveis. Historicamente, a questão do clima tem sido sempre uma questão científica. Mas no final da década de 1980 tornou-se rapidamente uma questão política. O aumento da temperatura média global da Terra que ocorreu nesses anos levou os políticos e diplomatas ocidentais, particularmente os que gravitam no ambiente da ONU, a preocuparem-se e a suporem que a causa do aquecimento global era antropogénica. A primeira iniciativa da ONU sobre o problema foi a criação em 1988 do “Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC)”, um órgão encarregado de elaborar relatórios apropriados que resumem as investigações climáticas em curso em todo o mundo, a fim de melhor compreender os efeitos das actividades humanas sobre o clima e prever as consequências a longo prazo.

As outras iniciativas da ONU foram a organização da importante “Conferência do Clima do Rio”, em 1992 (que endossou em particular a necessidade de desenvolvimento sustentável) e a proposta de um tratado internacional para minimizar as alterações climáticas induzidas pelo homem, a “Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC na sigla inglesa)”, que entrou em vigor em 1994 e foi assinado por quase todos os Estados-membros da ONU em 1997, o “Protocolo de Quioto” e o “Acordo Internacional de Paris”, em 2015. Acerca da questão do clima desde o início dos anos de 1990, importantes instituições políticas ocidentais (a ONU, a União Europeia, a Presidência dos Estados Unidos com o Vice-Presidente Al Gore) tomaram uma posição totalmente alinhada com o IPCC que foi a não hesitação em atribuir às actividades humanas (e em particular à combustão de combustíveis fósseis) o aquecimento global em curso desde o início da revolução industrial; partilha das previsões catastróficas do IPCC sobre o aumento da temperatura que ocorrerá até 2100 (previsões obtidas com modelos de dinâmica climática totalmente carentes de validação); convicção da urgência de intervenções de mitigação radicais; nenhuma dúvida científica sobre a correcção destas decisões.

Estas foram (e são) as principais características da ideologia do “Aquecimento Global Antropogénico (AGW na sigla inglesa)”, que nasceu no início dos anos de 1990 no contexto político elitista mas limitado da ONU e de importantes governos ocidentais, e nos anos seguintes espalhou-se por todo o mundo com uma rapidez impressionante. Vários factores contribuíram para este extraordinário sucesso que foram o colapso da União Soviética em 1989, a consequente difusão geral e partilha do objectivo do desenvolvimento sustentável, a pressão das ONGs verdes, a adopção de posições verdes pelos partidos políticos progressistas nos governos dos países ocidentais, a aspiração da ONU de exercer uma “governação” global (particularmente na gestão da atmosfera), o apoio dos produtores de gás natural visando a marginalização do carvão, o apoio dos países em desenvolvimento atraídos pela promessa de financiamento dos países desenvolvidos até cem mil milhões de dólares por ano em compensação, e sobretudo a excepcional fortuna mediática da poderosa mensagem alarmista contida na AGW.

A AGW tem conseguido nos últimos vinte e cinco anos tornar a questão climática talvez a mais importante questão política partilhada pelos governos de todo o mundo. O facto de ser substancialmente compartilhado pela opinião pública mundial permitiu aos governos de países desenvolvidos importantes (especialmente os da União Europeia) embarcar em onerosos programas plurianuais destinados a conseguir uma rápida descarbonização da economia, ou seja, a revolucionar a estrutura energética da nossa sociedade. Neste contexto altamente politizado, o aspecto científico da questão climática perdeu quase toda a relevância. Alguns cientistas até insistem que a questão científica foi resolvida, mas este não é de modo algum o caso. Na complexa ligação de causas e efeitos do sistema climático, há uma série de aspectos científicos importantes que ainda têm de ser esclarecidos.

Além disso, as previsões das tendências climáticas a médio e longo prazo continuam a ser completamente duvidosas. Um indicador seguro da fraqueza da base científica da AGW é a falta de divulgação científica séria. Por exemplo, num dos aspectos fundamentais da AGW, a atribuição ao CO2 antropogénico do aquecimento global em curso, as pessoas com preparação mas não especializadas não encontram na literatura mundial qualquer apresentação científica convincente do mecanismo físico de tal acção do CO2. Pelo contrário, a literatura está cheia de revelações superficiais, pouco claras, omissivas, ou evidentemente catastróficas sobre os processos climáticos. Toda a história da humanidade mostra que a energia é um factor chave no seu desenvolvimento. Todas as melhorias socioeconómicas mais significativas foram sempre associadas à disponibilidade de energia fiável e à capacidade de a utilizar da melhor forma. A forte melhoria das condições de bem-estar desde o início da revolução industrial está intimamente ligada à disponibilidade de energia segura e barata.

A este respeito, foram introduzidos dois parâmetros para cada país que é o “Índice de Desenvolvimento Humano”, que é composto tendo em conta a esperança de vida, o nível de educação e o rendimento per capita e o “Índice de Desenvolvimento Energético”, que tem em conta o consumo de energia per capita e a mistura de fontes utilizadas.

Os índices estão bem correlacionados entre si, especialmente em valores baixos, mostrando que a disponibilidade de energia é crucial especialmente na fase inicial do desenvolvimento de um povo. Os valores elevados do Índice de Desenvolvimento Humano podem ser acompanhados por valores bastante diferentes do “Índice de Desenvolvimento Energético”, devido à multiplicidade de factores envolvidos, incluindo condições climáticas, densidade populacional e disponibilidade de fontes de energia. Até há três ou quatro séculos atrás, as fontes de energia predominantes eram fontes renováveis que diferiam de acordo com a localização geográfica, mas durante os últimos dois séculos os combustíveis fósseis têm vindo progressivamente a assumir e cobrem agora cerca de 80 por cento das necessidades energéticas mundiais.

Não se pode esperar que os combustíveis fósseis sejam facilmente substituídos a curto prazo. No século XX surgiu também a fonte nuclear, que, entre momentos de expansão e outros de abrandamento, cobre agora cerca de 4 por cento das necessidades mundiais. A utilização de combustíveis fósseis implica a emissão de CO2 adicional para a atmosfera em comparação com os fluxos naturais, sendo um gás com efeito de estufa, que tem sido responsabilizado pelo aquecimento que ocorreu no século XX, em particular o registado na segunda metade do mesmo século, em conjunção com o forte desenvolvimento de países que até então tinham sido subdesenvolvidos. A este respeito, é de salientar que o CO2 produzido por fontes fósseis representa agora menos de 5 por cento do total de CO2 libertado na atmosfera, as maiores contribuições provenientes da desgaseificação dos oceanos e da degradação de todos os compostos biológicos. Além disso, a concentração de CO2 na atmosfera varia consideravelmente de local para local, de modo que as medições de referência são geralmente efectuadas em locais localizados fora da “camada limite planetária ” em áreas não particularmente antropizadas e sem vegetação intensa.

O ponto de referência para o hemisfério norte é a medição a cerca de quatro mil e duzentos metros acima do nível do mar no vulcão Mauna Loa no Havai. O CO2, com os níveis actuais de concentração na atmosfera (400 ppm igual a quatro moléculas a cada dez mil) está longe de ser um poluente; de facto, o homem vive sem problemas em ambientes com concentrações muito mais elevadas. O CO2 não é tóxico, o perigo é de roubar espaço ao oxigénio, mas este é um caso extremo dada a desproporção entre a concentração dos dois gases na atmosfera (400ppm correspondendo às ditas quatro moléculas em dez mil para o CO2 e 210.000ppm correspondendo a vinte e uma moléculas em cem para o O2). O ar exalado por um ser humano em condições normais tem um teor de CO2 da ordem de 40.000 ppm. O CO2 é também a molécula chave no processo de fotossíntese e, portanto, revela-se um poderoso fertilizante de toda a biosfera. Assistimos a um processo de ecologização de quase todo o globo, provavelmente resultante do aumento da sua concentração na atmosfera e de 1958 até Março de 2019 aumentou de 315 ppm para 410 ppm.

Em geral, na presença de um maior teor de CO2, a vegetação pode crescer bem mesmo em áreas mais secas porque, por um lado, pode permitir um menor número de estomas, limitando assim as perdas de água, enquanto por outro lado pode investir mais biomassa no desenvolvimento dos sistemas radiculares, que podem assim explorar melhor os recursos hídricos do solo e armazenar mais carbono orgânico no próprio solo. Para um determinado local geográfico ou para um território mais ou menos alargado, o clima é uma abstracção estatística obtida através do cálculo dos valores médios e extremos das variáveis meteorológicas medidas em várias escalas espaciais e durante um período de trinta anos. Neste contexto, o clima actual deve ser entendido como referindo-se aos últimos trinta anos.

O sistema climático, de acordo com uma definição da Organização Meteorológica Mundial, é um sistema composto por atmosfera, hidrosfera, criosfera, litosfera e biosfera. Na sua essência, todo o planeta participa no sistema climático. O clima local está relacionado com uma determinada área da superfície da terra que pode ser mais ou menos extensa. O clima global diz respeito a todo o planeta e é obviamente a soma de muitos climas locais. A principal variável que a caracteriza é a “Temperatura Global Média da superfície (TGM)” que influencia duas variáveis globais essenciais que são a cobertura glaciar e o nível do mar. À medida que a TGM aumenta, a cobertura glaciar diminui e o nível do mar aumenta devido ao derretimento da neve e do gelo e, em menor grau, à expansão térmica da água líquida. Se as primeiras medições instrumentais da TGM datam de 1650 e se devem à Academia do Cimento fundada por Galileu, aproximando-se dos tempos recentes, a rede de detecção da TGM tornou-se cada vez mais fiável, cobrindo uma boa parte do planeta por volta de 1850.

Esta rede é de facto ainda deficiente em muitos aspectos, porque algumas áreas são mal controladas e outras estão sujeitas a influências negativas ligadas a actividades antrópicas, em particular as chamadas “ilhas de calor”, cujo efeito de distorção é corrigido por ajustamentos que, em vários casos, podem contudo ser problemáticos. Deve-se ter em conta que grandes complexos urbanos com uma alta concentração populacional podem levar a aumentos de temperatura local de até alguns graus Celsius. Estas medidas têm sido progressivamente aperfeiçoadas e considerando o nível tecnológico actual, são uma boa referência. Desde 1956 que existem levantamentos atmosféricos com balões de sondagem e desde 1979 com satélites que também nos permitem rastrear a TGM. No passado, antes de 1850, existem algumas séries de dados a nível local úteis para conhecer o clima em áreas limitadas, em geral na Europa, enquanto vários sinais de tipo físico ou biológico deixados pelas alterações climáticas são utilizados para reconstruir aproximadamente a TGM.

A opinião pública está muito condicionada pelo clima do lugar onde vive e tende a generalizá-lo a um clima global. Só raramente nos lembramos que mais de 70 por cento da superfície terrestre é coberta pelo mar e que apenas 30 por cento é constituída por terra seca, da qual apenas uma fracção, não superior a 10 por cento, é antropizada com uma densidade populacional significativa. É de recordar que uma grande parte da superfície terrestre é coberta por desertos, florestas tropicais, tundra, zonas montanhosas ou coberturas glaciares. Assim, menos de 3 por cento da superfície terrestre total é significativamente antropizada. O clima local depende principalmente do clima em maior escala e do clima global, mas em áreas antropizadas é também significativamente influenciado pelas actividades humanas. Em particular, a utilização maciça de energia, produzida principalmente com combustíveis fósseis com a consequente emissão de poluentes (não queimados, óxidos de enxofre, óxidos de azoto e partículas em suspensão) é certamente corresponsável pela mudança do clima local.

Um exemplo clássico pode ser o clima local como o do Delta do Rio das Pérolas que é influenciado por actividades antrópicas. É também óbvio que, uma vez que o clima global é a composição de muitos climas locais, os das zonas fortemente antropizadas intervêm para caracterizar o clima global, mas como ocupam uma pequena fracção da superfície total do planeta a sua contribuição é modesta. A situação muda se, como resultado de actividades antrópicas, algo que possa influenciar o clima global for introduzido na atmosfera, que é rapidamente remisturada ao nível de um único hemisfério. É o caso do CO2 com a sua função como gás com efeito de estufa. Não há dúvida de que a utilização de combustíveis fósseis deve visar a redução da emissão dos poluentes primários reais (não queimados, óxidos de enxofre, óxidos de azoto e partículas) tanto quanto possível, de forma compatível com as tecnologias disponíveis.

Produzir energia reduzindo os poluentes é mais amigo do ambiente, mas mais dispendioso. Por conseguinte, é evidente que a forma como os combustíveis fósseis são utilizados está ligada ao nível de desenvolvimento tecnológico do país e não se pode esperar que os países subdesenvolvidos utilizem os combustíveis como fazem na Suécia, mas progressivamente todos os países tenderão a utilizá-los cada vez mais para reduzir as emissões poluentes. Na história do clima da Terra sempre houve fenómenos extremos como as “ondas de calor”, secas e precipitação intensa (chuvas torrenciais indevidamente chamadas “bombas de água”), aumento da pluviosidade e falta de precipitação, ciclones, furacões, tornados e outros. O termo “eventos extremos” foi recentemente introduzido para estes fenómenos. Apenas uma série relevante e bem documentada de eventos extremos durante um período de tempo significativo poderia ter significado climático e possivelmente estar ligado às alterações climáticas.

O próprio IPCC no relatório “AR5 Climate Change 2013 – The Physical Science Basis SPM” salienta que tais eventos na segunda metade do século passado provavelmente se intensificaram em algumas áreas, mas não à escala global; relativamente a estes eventos é muito difícil comparar, mesmo a nível local, com o que aconteceu no passado por falta de dados estatísticos cientificamente fiáveis.

17 Jun 2021

O fascismo está sempre atrás da porta

Em Portugal gerou-se um fenómeno político no dia 25 de Abril de 1974 que poucos antifascistas se deram conta do sucedido. Aconteceu que a grande maioria dos funcionários da PIDE/DGS e altas patentes da administração pública passou-se logo para o Partido Socialista (PS), para o Partido Popular Democrático (PPD), para o Centro Democrático-Cristão (CDS) e até para o Partido Comunista. Bem disfarçados e escondidinhos foram caminhando por esta pseudo democracia até aos dias de hoje. Mas, entretanto, já o gato foi às filhoses, porque mais de cinquenta por cento desses “fascistas-democratas” já mudaram de partido político várias vezes. Uns, que estavam como militantes e até membros do PS já se passaram para o Partido Comunista e para o PPD/PSD. E o mais espampanante é que alguns desses já estão ao lado do neofascista do Chega. Outros deixaram o PPD/PSD e foram para o CDS de onde já saíram para o Chega. Há ainda outros que conseguiram vestir a pele de cordeiro de tal forma que são hoje funcionários da Polícia Judiciária e dos serviços secretos da República.

E afinal, há ou não fascistas em Portugal? Há e não são poucos. Voltámos a ter uma maioria silenciosa que começa a despontar no tal fenómeno fascizante chamado Chega, que está a ser financiado por quase toda a extrema-direita europeia. O Chega não é nada e é tudo. Há quem não dê valor nenhum ao antigo social-democrata André Ventura e simplesmente o definem como populista e demagogo. Estão errados. André Ventura sabe muitíssimo bem o que está a fazer e para onde quer ir. Por exemplo, há dias teve até o desplante de afirmar que o Chega queria ser governo.

Estão a ver a jogada? Como os sociais-democratas e os democratas-cristãos se habituaram a ser governo e a ter de imediato um lugar numa autarquia, no executivo ou na Assembleia da República têm assistido às quedas na adesão dos portugueses aos seus partidos e nessa conformidade estão a ser ludibriados por André Ventura que lhes acena com a ida para o governo, o que se traduz na possibilidade de um “tacho” aqui ou acolá. O Chega não tem programa de uma mudança credível, moderna, democrática para o país. O Chega está apostado em captar o maior número de latifundiários, empresários e saudosistas do antigo regime para se transformar numa organização ditatorial que pudesse governar Portugal com mão de ferro e com leis, cuja maioria coartaria a liberdade de informação e outras.

Os portugueses eleitores em partidos ditos democráticos não se estão a aperceber do avanço que está a ser gerado pela demagogia e aldrabice anunciadas por Ventura. Mas, ele tem levado a água ao seu moinho. Todos os meses as empresas de sondagens realizam inquéritos a nível nacional e já chegámos a um ponto em que os inquiridores ficaram de boca aberta porque o Chega estava praticamente com a mesma percentagem do PPD/PSD, não do Bloco de Esquerda ou de outro partido, mas sim do PPD/PSD que sempre foi o mais votado ou o segundo com mais preferência do eleitorado.

O Partido Socialista está a governar o país, anda distraído com uma terceira ponte que quer construir entre Lisboa e a Margem Sul sobre o rio Tejo; com um comboio de alta velocidade entre o Porto e Vigo, sem pensar que o mais importante seria entre o Porto e Lisboa ou entre as capitais portuguesa e espanhola; com as patetices do ministro Pedro Nuno Santos e do agora governante João Galamba; com as injecções de milhões de euros no Novo Banco; com os refugiados que acomoda em estabelecimentos turísticos sem sequer avisar ou indemnizar os proprietários; com a luta interna no governo e no interior do partido onde muitas figuras (já) públicas não querem deixar o poder ou, se possível, subir ao lugar de António Costa, enfim, um partido de importância vital para impedir o avanço da maioria silenciosa e que nada faz por isso. O PS assiste ao André Ventura a enganar os portugueses e chama-lhe “sonhador”, “populista” ou “demagogo” e nada faz para esclarecer os portugueses que por trás daquela falácia está uma espécie de fascismo disfarçado de salvador do povo, tipo Hitler.

Por seu turno, o PCP e BE não têm força política para travar um avanço politicamente a rondar uma ditadura. As forças que se dizem democráticas têm de olhar para Espanha e ver o que aconteceu com o partido de extrema-direita, o VOX, que paulatinamente foi andando até chegar à meia centena de deputados no Congresso de Espanha, sendo já a terceira força política. A nossa nova geração que sempre viveu em liberdade nem sabe o que é não poder estar a uma esquina a conversar com amigos, só quer copos pelo meio das ruas, noitadas sem máscara e sem distanciamento físico, pergunta aos pais o que foi isso do 25 de Abril e acha uma imensa piada aos gritos de André Ventura quando se põe no Parlamento a insultar tudo e todos. Os jovens deviam ter um papel importantíssimo nas universidades, onde deveria ser obrigatório o ensino de uma disciplina sobre política que lhes ensinasse o que tem sido o seu país desde que terminou a monarquia. Infelizmente, em política a juventude está apenas activa nas minorcas associações juvenis que pertencem aos principais partidos. Mesmo assim, há dias, perguntei a um jovem da Juventude Comunista quem foi Salazar e ele respondeu-me que foi “o fascista que matou Álvaro Cunhal”… Não brinquemos mais com coisas muito sérias porque o fascismo está sempre atrás da porta.

*Texto escrito com a grafia antiga

16 Jun 2021

Fundo de Previdência em revisão

A lei que regula o Fundo de Previdência Não Obrigatório entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2018. O regulamento estipula que a lei deve ser revista após terem passado 3 anos e 6 meses sobre a data da sua implementação. Ou seja, a revisão deve ser realizada até 30 de Junho do corrente ano. Passados estes três anos, o que é que pode ser dito sobre o sistema de Pensões em Macau?

O sistema de segurança social em Macau está dividido em dois níveis. O primeiro garante aos residentes reformas, subsídios de incapacidade, subsídios de desemprego, baixas por doença, subsídios de nascimento, de casamento, funeral, etc. Este primeiro nível garante a cobertura das necessidades básicas. Desta forma, todos os residentes de Macau, desde que cumpram os requisites necessários, ao atingirem os 65 anos podem usufruir de uma reforma mensal de 3.740 patacas, acrescida de outros benefícios, como a pensão de velhice de 9.000 patacas anuais, o cheque pecuniário 10.000 patacas (anual), e uma contribuição do Governo de 7.000 patacas nas suas contas pessoais associadas ao Fundo de Previdência, etc. Os residentes de Macau, em média, podem receber 6.000 patacas por mês; é por isso um bom sistema.

O segundo nível está associado ao Fundo de Previdência Não Obrigatório, regulado pela Lei No. 7/2017 e pelo Regulamento Administrativo No. 33/2017. Este nível destina-se a reforçar a protecção à terceira idade e pretende colmatar algumas deficiências do primeiro nível. Para aceder a este segundo escalão, os empregados e os empregadores têm de contribuir mensalmente com 5% do salário auferido pelos primeiros. O valor acumulado fica à disposição do trabalhador após ter completado os 65 anos de idade.

Presumindo que um trabalhador ganha 20.000 patacas por mês, que quantia pode acumular no Fundo De Previdência Não Obrigatório ao fim de 30 anos?

= $20.000 x 10% x 12 meses x 30 anos= $720.000

Sem calcular os juros do investimento, este é o valor de que pode dispor ao atingir os 65 anos.

Os estudos demonstram que a esperança de vida dos homens é de 85 anos e das mulheres de 87. Assim sendo, as pessoas têm de se preparar para poderem garantir as suas despesas durante 20 anos. Tendo em contas as 720.000 patacas acumuladas no Fundo de Previdência, o valor que pode ser gasto deste total, por mês, vai ser achado a partir do seguinte cálculo:

= $720,000 / 12 meses / 20 anos

Combinando com o valor que recebe do primeiro nível de segurança social:

= $3,000 + acerca de $6,000 = cerca de $9,000

Façamos agora o cálculo para um salário de 30.000 patacas mensais, para perceber quanto é que o trabalhador terá acumulado no Fundo ao atingir os 65 anos de idade:

= $30,000 x 10% x 12 meses x 30 anos= $1 milhão e 80 mil patacas

O valor que pode gastar por mês deste Fundo, será:

= $1.08 milhão/ 12 meses / 20 anos= $4,500

Combinando com o valor que recebe do primeiro nível de segurança social:

= $4,500 + cerca de $6,000 = cerca de $10.500

Claro que estes números não incluem os juros do investimento no Fundo de Previdência. Desta forma, o valor que fica disponível ao atingir os 65 anos será seguramente mais elevado.

9.000 patacas mensais são suficientes? E 10.500? Quanto é que se gasta mensalmente depois da reforma? A resposta varia de pessoa para pessoa, e não pode ser generalizada.

De acordo com a Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, o salário médio dos residentes de Macau em 2019 e 2020 era de 17.000 patacas. Os números indicam a diferença do valor mensal que se recebe durante a vida activa e depois da reforma. É um alerta para começarmos a planear a nossa reforma o mais cedo possível.

Será que é boa ideia tentar aproximar o valor do Fundo de Previdência da média do salário e usar como padrão as despesas mensais durante a reforma? Mais uma vez a resposta vai variar de pessoa para pessoa e não pode ser generalizada, mas é certo que os reformados continuam a querer desfrutar da vida, e para que isso seja possível é necessário fazer preparativos atempadamente.

Se o Fundo de Previdência Não Obrigatório for convertido em Fundo de Previdência Obrigatório, os residentes de Macau podem ter automaticamente acesso aos dois níveis da segurança social e a protecção na reforma aumenta imediatamente. No entanto, devido à pandemia, as condições socio- económicas foram afectadas e muitas pessoas encontram-se actualmente numa situação económica difícil. Fazer esta alteração nesta altura, dará certamente origem a vários protestos. Assim sendo, por enquanto será mais realista reforçar a informação sobre o Fundo de Previdência e encorajar as pessoas a participarem voluntariamente neste plano, o que poderá conduzir à melhoria das condições de vida dos reformados de Macau e simultaneamente ajudar a estabilizar as finanças do Governo.

Todos têm reformas diferentes. Quanto mais cedo nos começarmos a preparar, melhores condições teremos nessa altura. Uma reforma próspera não pode depender só da segurança social, o nosso esforço e preparação são igualmente importantes.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

15 Jun 2021

Plano Director IX – Oportunidade para uma análise S.W.O.T.

Por Mário Duarte Duque, Arquitecto

 

O regime de encomenda de obras públicas implica uma metodologia pela qual as decisões se pautam, e que se forma a partir de parâmetros previamente estabelecidos. Desses parâmetros os mais recorrentes são o preço, o prazo, a concepção e a experiência dos intervenientes, sem que a ordem tenha necessariamente significado.

Esta ordem só ganha significado quando se associa a esses parâmetros um coeficiente que pondera diferentes apreciações numa apreciação final.

Por sua vez a atribuição de coeficientes de ponderação deverá ser função das características da obra. Assim, para uma obra corrente e simples, o preço e prazo afiguram-se o mais importante, enquanto, para uma obra exigente e fundamental, a concepção e a capacidade técnica são essenciais, naturalmente dentro de prazos admissíveis e dentro de custos já aptamente estimados e reservados para o efeito.

Fácil é também admitir como os coeficientes desses parâmetros podem atentar uns contra os outros, e influenciar nefastamente o resultado final, no caso de a ponderação não estar ajustada às características da obra.

No caso da encomenda do Plano Director para Macau a concepção do plano não foi factor de apreciação. Apenas foram o preço, o prazo e a aptidão técnica da equipa.

Desde logo se afigurou que colocar à concorrência o número de dias e o preço para a elaboração da proposta de plano seria irrelevante face ao tempo que o mesmo plano precisaria para ser discutido e analisado, ou face ao encargo de toda a máquina necessária montar para discutir, analisar e desenvolver a mesma proposta.

Deixada a concepção de fora, ocorre que o aspecto que mais importaria na escolha, e que permaneceria ao longo de todo o processo, seria antes a aptidão técnica da equipa e a sua experiência em outras realizações que relevassem para o estudo em causa.

Sendo o Plano Director um plano fundamental, o facto de a concepção não ter sido critério de escolha, também não deve significar que a concepção não interessasse. Apenas deve significar, admitamos, que o dono da obra já estava munido de um documento estratégico do que pretende, para com isso prosseguir, como é capacidade e prática das administrações públicas.

Mas também significou que o dono da obra prescindiu de outros contributos que emergissem tanto de conhecimento como de intuição. Esses contributos não resultam de pensamento analítico ou dedutivo, mas são oportunidade para lançar mão de soluções que não se extraem do prato das considerações, com capacidade de propulsionar saltos que permitem ganhar tempo.

Essa consideração também só tem lugar em fase de proposta de plano, e extingue-se em fase de análise de proposta, sob pena de trazer o processo à estaca zero.

E, sendo as actuais circunstâncias apenas de análise, importam mais os instrumentos de que a análise se mune.
Tal como como se extrai do acrónimo, a análise S.W.O.T. é uma técnica de planeamento estratégico, que recorre a uma matriz onde se identificam os pontos fortes (Strengths) e fracos (Weaknesses), assim como as oportunidades (Opportunities) e as ameaças (Threats) na estratégia em consideração.

A mesma análise tanto assiste projectos e negócios, como assiste actos de governação e de participação em consultas de interessados.

Os pontos fortes (Strengths) estão onde as vantagens da estratégia se revelam, enquanto os pontos fracos (Weaknesses) são os que colocam a estratégia em desvantagem em relação a outras.

As oportunidades (Opportunities) já são os elementos e as condições do ambiente dos quais é possível tirar partido para a eficácia da estratégia, enquanto as ameaças (Threats) são os elementos e as condições do mesmo ambiente que podem frustrar ou colocar a estratégia em crise.

Nas categorias de informação que a análise S.W.O.T. trata, os pontos fortes e fracos são as características próprias da estratégia, enquanto oportunidades e ameaças já resultam da interacção da estratégia com o meio.
Como ferramenta, este instrumento de análise serve estágios preliminares de tomada de decisão para avaliação da eficiência global de uma estratégia, assim como da necessidade de mitigar algumas das suas componentes.

Permite concluir sobre a robustez do projecto face aos objectivos em vista, fazendo e respondendo a perguntas que permitem gerar informação significativa para cada componente do projecto, identificando os factores internos e externos que são favoráveis ​​e desfavoráveis ao atingimento desses objectivos.

A predominância de pontos fortes e de oportunidades configuram confiança. Por outro lado, a predominância de pontos fracos e ameaças devem suscitar prudência.

Chegados aqui, resulta que, em actos de governação, uma análise S.W.O.T. tanto assiste um governo na globalidade das estratégias de administração de bens públicos, como assiste a população em geral nas especificidades e interesses de cada grupo a que a iniciativa interessa.

Ou seja, é uma ferramenta que deve estar geralmente distribuída para que possa ser utilizada por todos os participantes, para que a informação possa ser integrável e gerível em sínteses subsequentes.
E, quando os interessados não estão dotados de aptidões e meios necessários para interpretar, gerir e gerar essa informação, assistem questionários onde as perguntas são, por si, estrategicamente vocacionadas para obter respostas relevantes de cada sector do universo dos interessados.

Esta interacção em consulta de interessados não serve apenas para “comprar” a legitimidade que interessa a uma iniciativa pública, serve principalmente para averiguar da combinação da estratégia com o ambiente externo, e concluir num conceito quantificável a que se chama a “adequação estratégica”.

As conclusões que resulta dessas consultas, quando dirigidas ao público menos especializado, devem ser “traduzidas” por comunicadores sociais, em moldes compreensíveis por esse público, mas a estrutura de análise deve manter-se evidente em qualquer versão desses relatórios.

Estabilizado o instrumento de governação em vista, a análise S.W.O.T continua a ser útil para medidas supervenientes, nomeadamente de “combinação” e “conversão” de elementos da estratégia.
Isso porque, as vantagens competitivas da estratégia emergem da combinação de pontos fortes com oportunidades.

Já a conversão dos elementos da estratégia tem por alcance a transformação táctica de pontos fracos e ameaças em pontos fortes e oportunidades. Exemplos recorrentes de medidas de conversão em iniciativas públicas é a reconfiguração de instrumentos, infra-estruturas, actividades e universos de participantes.

E, se as ameaças e pontos fracos não podem ser convertidos, as medidas não devem estabilizar, e o efeito estimado deve ser evitado, minimizado ou compensado, necessariamente nesta ordem de prioridade.

Se mesmo assim os objectivos não forem atingíveis, objectivos diferentes devem ser seleccionados e o processo repetido.

Quando aplicada a um Plano Director, uma análise S.W.O.T. também não deve ser abandonada com a conclusão da análise, antes deve continuar presente em fase de acompanhamento do plano ou de observatório, onde o desenvolvimento das condições iniciais, vantagens estimadas e impactos mitigados são monitorizados, para avaliação da sua eficácia e para informação de subsequentes revisões de plano.

Em Macau não existe experiência desenvolvida em acompanhamento de planos. Todos os que existiram não tiveram acompanhamento, muito menos revisões, foram simplesmente revogados, sequer substituídos. A avaliação desses resultados não está sistematizada. Só é possível através de um esforço de interpretação.

11 Jun 2021

Aquela noite em São Domingos

Em Macau, durante a Páscoa, o “Correr as Igrejas” é uma prática habitual. Como a Sé Catedral está em obras, todas as cerimónias que aí se iriam realizar foram transferidas para a Igreja de São Domingos. Foi por este motivo que na Páscoa de 2021 visitei pela primeira vez a Igreja de São Domingos, durante o “Correr as Igrejas”.

Para os chineses de Macau a Igreja de São Domingos é apenas uma das muitas que existem na cidade, mas para os portugueses, ou para os seus descendentes, esta Igreja é muito especial porque ficou para sempre associada a um incidente político. Talvez porque houve derramamento de sangue, esta história seja raramente mencionada, mas, seja como for, a Igreja de São Domingos é um local único.

Quando vou à missa em dias normais, só costumo olhar para o cenário que se ergue por cima do altar e raramente vou à parte detrás onde podemos adorar a Presença de Cristo na Eucaristia. Mas, nesta noite do “Correr as Igrejas”, visitei as traseiras do altar da Igreja de São Domingos, onde está uma estátua de Cristo. A estátua parece contar-nos a história desta Igreja e a longa escada de pedra, que se ergue em frente ao altar, também parece conduzir-nos à Pedra da Agonia, que fica em frente ao Altar Mor da Igreja de Todas as Nações, em Jerusalém. Nesse local, podemos meditar sobre o caminho que queremos trilhar; seguir os nossos caprichos ou optar por uma vida com um propósito, digna de ser vivida.

Em Macau, desde que sejamos subservientes, sigamos a tendência em vigor e juntemos a nossa voz ao coro colectivo, a vida corre tranquilamente. Por analogia, quando a ideologia dominante apelava ao combate ao “vento desviacionista de direita de Deng Xiaoping”, poderíamos ter desenhado uma cruz no retrato de Deng. Mas, quando “O Bando dos Quatro” soçobrou e Deng Xiaoping voltou ao poder, veio a afirmar-se como o grande arquitecto das reformas e da abertura da China, pelo que será para sempre louvado.

Se vivermos para comer e para levar uma vida confortável, negligenciando a nossa alma, o que é que nos vai diferenciar dos porcos que são criados para a engorda?

À primeira vista, Macau parece ser uma cidade próspera e rica, mas se procurarmos melhor, as fraquezas vão ser reveladas. A obra de construção de “Box-Culvert” da Estação Elevatória de Águas Pluviais, que se arrasta há muito tempo, criou graves problemas de circulação. O objectivo era resolver o problema da acumulação das águas da chuva, mas muitas zonas de Macau continuam a ficar inundadas quando chove com mais intensidade. Diversos projectos do Governo, como foi o caso do megalómano, embora inútil, do Metro Ligeiro da Taipa, do Novo Estabelecimento Prisional de Macau em Coloane, em construção há vários anos, da proposta de Lei intitulada “Lei de protecção dos direitos e interesses do consumidor”, em discussão há dois anos, e das desorganizadas “obras viárias” que se estendem por toda a cidade, só têm suscitado o desagrado da população. Mas projectos e acções que promovam verdadeiras reformas, são raros e insuficientes. Se todos tivessem vontade de dar o primeiro passo, dizer o que pensam e agir independentemente dos seus próprios interesses, acredito que alguma coisa haveria de mudar.

O abandonado sistema de recolha de resíduos na Zona da Areia Preta serve para demonstrar que Macau, a chamada cidade-feliz, poderia vir a ser ainda mais feliz.

Se Jesus não tivesse entrado em Jerusalém, nem tivesse abandonado a cidade após uma breve estadia, e também não tivesse criticado os poderosos locais, acredito que nunca teríamos sido acusados do crime de tentar subverter o Império Romano e condenados à morte. No entanto, a escolha do silêncio não traz necessariamente a felicidade.

Não vou falar sobre o que aconteceu na Igreja de São Domingos no passado. Mas, naquela noite, quando integrei o “Correr as Igrejas” e visitei este local, repleto de santidade e humanismo, compreendi profundamente a escolha de Jesus. Esta deveria ser também a escolha de cada cristão, que se proclama Seu seguidor. Para fazer do mundo um sítio melhor, as orações são indispensáveis, mas as acções também são muito importantes.

11 Jun 2021

Epidemia biológica e social

“Great pandemics have resulted in significant death tolls and major social disruption. Other “virgin soil” epidemics have struck down large percentages of populations that had no previous contact with newly introduced microbes.”
Jo N. Hays
Epidemics And Pandemics: Their Impacts On Human History

A história lembra-nos que as interligações entre o momento das epidemias biológica e social estão longe de ser óbvias. Em alguns casos, quando a própria epidemia é tão claramente marcada como anormal, como as características dramáticas da febre-amarela ou cólera nos séculos XVIII e XIX ou a apresentação clássica da gripe espanhola no início do século XX, o fim da epidemia pode parecer relativamente claro. Como um saco de pipocas a estalar no micro ondas, o ritmo dos eventos de casos visíveis começa lentamente, aumenta para um pico frenético, e depois recua, deixando uma frequência decrescente de novos casos que eventualmente são espaçados o suficiente para serem contidos e depois eliminados. Noutros casos, porém e aqui as epidemias de poliomielite do século XX são talvez um modelo mais útil do que a gripe ou a cólera em que o próprio processo da doença está escondido, ameaça voltar, e termina não num único dia, mas em escalas de tempo diferentes e de formas distintas para pessoas diversas.

As campanhas contra as doenças infecciosas tendem a ser discutidas em termos militares e trabalham com o pressuposto de que tanto as epidemias como as guerras devem ter um desfecho singular. Existe um “pico” como se fosse uma batalha decisiva como Waterloo ou um acordo diplomático como o Armistício de Compiègne, em Novembro de 1918. No entanto, a cronologia de um final único e decisivo nem sempre é verdadeira, mesmo para a história militar. Mais de três meses separaram o termo da II Guerra Mundial na Europa, formalizada pelo “Dia V-E”, do final, tal como experimentado no teatro mais amplo do Pacífico como “Dia V-J”, quanto mais o final como vivido por Teruo Nakamura, o último soldado japonês a depor armas em 1974, após quase 30 anos escondido numa ilha remota nas Filipinas. Para países ocupados como o Japão, Alemanha e Áustria, o fim da guerra teve também uma temporalidade diferente.

Quando a Áustria assinou um tratado de paz da II Guerra Mundial em 1955, as operações militares da Guerra da Coreia já tinham cessado após o armistício de 1953, mas ainda não existe um tratado de paz entre a Coreia do Norte e do Sul. Tal como o fim claro de uma guerra militar não se aproxima necessariamente da experiência da guerra na vida quotidiana, também a contenção de um agente biológico não desfaz imediatamente os impactos sociais de uma epidemia. No decurso da II Guerra Mundial, os historiadores calcularam que sessenta milhões de pessoas foram deslocadas só na Europa, entre elas sobreviventes do Holocausto, prisioneiros de guerra, refugiados e deportados.

Dois anos mais tarde, havia ainda perto de um milhão de pessoas presas em campos de deslocados, o último dos quais fechou apenas em 1959. O regresso à vida “normal” para as pessoas nos seus países de origem também levou tempo e o racionamento de alimentos na Grã-Bretanha continuou até 1954.

Assim também os efeitos sociais e económicos da pandemia de 1918-1919 se fizeram sentir muito depois do fim da terceira e putativa onda final do vírus, mesmo que relatos explícitos sobre a pandemia pareçam ter sido rapidamente “esquecidos “. Embora o efeito económico imediato em muitas empresas locais causado pelos encerramentos parecesse ter sido resolvido numa questão de meses, os efeitos da epidemia sobre as relações laborais e salariais ainda eram visíveis nos inquéritos económicos em 1920, novamente em 1921, e em várias áreas da economia até 1930. Alguns historiadores económicos argumentaram que havia um efeito ainda mais longo, detectável ao longo de gerações que era o impacto negativo da gripe espanhola na confiança social, que por sua vez influenciou o desenvolvimento económico a longo prazo. Tal como a I Guerra Mundial, com a qual a sua história estava tão intimamente ligada, a pandemia de gripe de 1918-1919 pareceu, no início, ter um final singular. Em cidades individuais, a epidemia produziu frequentemente picos dramáticos e cai em ritmo igualmente rápido.

Em Filadélfia, como observa John Barry no seu livro “The Great Influenza: The Story of the Deadliest Pandemic in History”, após um aumento explosivo e mortal em Outubro de 1919, que atingiu uma taxa de mortalidade de quatro mil e quinhentas e noventa e sete pessoas por semana em meados do mês, os casos caíram subitamente de forma tão precipitada que no final do mês foi levantada a proibição de ajuntamento público, e duas semanas depois quase não houve novos casos. Como qualquer parte de um universo materialmente determinado, Barry descreve, “o vírus queimou através do combustível disponível, e depois desapareceu rapidamente”. E no entanto, como Barry nos lembra, os estudiosos aprenderam desde então a diferenciar pelo menos três sequências diferentes de epidemias dentro da pandemia mais vasta. A primeira vaga surgiu através de instalações militares na Primavera de 1918, a segunda vaga causou os picos de mortalidade devastadores no Verão e Outono de 1918, e a terceira vaga começou em Dezembro de 1918 e prolongou-se por muito tempo durante o Verão de 1919.

Algumas cidades, como São Francisco, celebraram o sucesso das suas medidas de saúde pública depois de passarem pela primeira e segunda vagas relativamente incólumes, para serem devastadas pela terceira vaga. Nem era claro para aqueles que ainda estavam vivos em 1919 que a pandemia tinha terminado após o fim da terceira vaga. Em 1920 ocorreram onze mil mortes relacionadas com a gripe na cidade de Nova Iorque e Chicago. Mesmo já em 1922, um mau período de gripe no Estado de Washington mereceu uma resposta dos funcionários da saúde pública para ser tratada da mesma forma que a gripe pandémica. É difícil, olhando para trás, dizer exactamente quando é que esta pandemia prototípica do século XX realmente terminou. Quem pode dizer quando uma pandemia termina? Em rigor, só a Organização Mundial de Saúde (OMS) pode. O Comité de Emergência da OMS é responsável pela governação global da saúde e pela coordenação internacional da resposta a epidemias. Após a pandemia da SARS coronavírus de 2002-2004, este organismo recebeu o poder exclusivo de declarar o início e o fim das “Emergências de Saúde Pública de Preocupação Internacional (PHEICs na sigla inglesa)”.

Ainda que a morbilidade e mortalidade da SARS (cerca de oito mil casos e oitocentas mortes em vinte e seis países) já seja reduzida pelas proporções que a COVID-19 está a atingir, o efeito da pandemia nas economias nacionais e globais levou a revisões do Regulamento Sanitário Internacional em 2005, um corpo de direito internacional que permaneceu inalterado desde 1969. Talvez o passo mais fatal implementado na sequência da SARS tenha sido a decisão de expandir os poderes declarativos dados à OMS nas revisões de 2005 do Regulamento Sanitário Internacional. Esta revisão alargou o âmbito da resposta global coordenada de um conjunto de doenças para qualquer evento de saúde pública que a OMS considerasse de interesse internacional e passou de um mecanismo reactivo para um mecanismo proactivo baseado na vigilância em tempo real e da acção nas fronteiras para a detecção e contenção na fonte. Sempre que a OMS declara um evento de saúde pública de interesse internacional e frequentemente quando opta por não declarar um evento, este torna-se uma questão de notícia de primeira página.

A OMS tem sido criticada tanto por declarar um PHEIC demasiado apressadamente (como no caso da pandemia de H1N1) ou demasiado tarde (no caso da pandemia de Ebola). A cessação de um PHEIC raramente é sujeita ao mesmo escrutínio público que o seu início. Quando um surto anteriormente conhecido como PHEIC não é classificado como “evento extraordinário” e não se considera que represente um risco de propagação internacional, o PHEIC é simplesmente considerado injustificado, levando a uma retirada da coordenação internacional. Na maior parte do seu funcionamento corrente, a OMS actua para apoiar as acções dos seus especialistas de saúde, em vez de desempenhar qualquer função como uma agência executiva supranacional. Uma vez que os países possam lutar contra a doença dentro das suas próprias fronteiras, com os seus quadros nacionais, presume-se que a coordenação internacional não é necessária, e o PHEIC é discretamente desprovido de objectivo.

No entanto, como a resposta ao surto de Ébola de 2014-2016 na África Ocidental demonstrou que o acto de declarar o fim de uma pandemia pode ser tão poderoso como o acto de declarar o seu início, e um regresso ao “normal” pode de facto existir juntamente com a continuação de uma emergência. Quando, em Março de 2016, a directora-geral da OMS, Margaret Chan, anunciou que o surto de Ébola já não era um evento de saúde pública de preocupação internacional, o pronunciamento teve consequências significativas a nível internacional, nacional, e local. Os doadores internacionais já não viam justificação para fornecer fundos e cuidados aos países da África Ocidental devastados pelo surto, mesmo quando estes sistemas de saúde em dificuldades continuaram a ser sobrecarregados pelas necessidades dos sobreviventes do Ébola. A nível local, para aqueles que lutam com consequências físicas e mentais e para os sobreviventes do Ébola e as suas famílias e comunidades traumatizadas pela epidemia, a situação mal tinha terminado.

O fim oficial da epidemia também causou preocupação para além dos contextos nacionais pois as organizações não-governamentais internacionais temiam que o fim de uma emergência internacional impedisse o trabalho e a colaboração em matéria de vacinas, que ainda estavam em desenvolvimento na altura, sendo parte da razão pela qual o papel da OMS na proclamação e cessação do estado de pandemia está sujeito a tanto escrutínio. Ao contrário de outros grandes financiadores da saúde mundial, como a Fundação Bill & Melinda Gates ou o Wellcome Trust, que são responsáveis apenas perante si, a OMS é a única agência de saúde internacional que é responsável perante todos os governos do mundo e contém os ministros da saúde de cada país no seio do seu órgão parlamentar, a Assembleia Mundial da Saúde. Desde a sua fundação em 1948, a organização tem sido crucial na coordenação de uma resposta sanitária, fazendo recomendações, e dirigindo esforços na gestão de epidemias.

A sua autoridade não se baseia principalmente na obtenção de fundos para orçamentos mal geridos, mas sim no seu acesso à inteligência e ao conjunto de indivíduos seleccionados, peritos e técnicos com vasta experiência em resposta a epidemias. E no entanto, embora o reconhecimento desta autoridade científica e de saúde pública seja fundamental para o seu papel em crises pandémicas, em última análise as recomendações da OMS são levadas a cabo de formas muito diferentes e em prazos muito díspares em distintos países, províncias, estados e cidades.

Podemos ver, através do nosso consumo diário de notícias, que a linha do tempo das epidemias se desenrola de formas diferentes em vários países. Um país pode começar a aliviar as restrições à circulação e à indústria, enquanto outro está prestes a decretar medidas cada vez mais rigorosas, à medida que as fatalidades aumentam de dia para dia. Como as viagens aéreas internacionais e as redes globais de produção e distribuição quase pararam, ou pelo menos reduziram significativamente, o fluxo de mercadorias, somos diariamente recordados pela falta de laços que nos ligam ao resto do mundo que o fim de um surto numa comunidade, país ou continente não significará o fim da epidemia.

Embora o corte possa parecer universal, a reconexão mostrará uma extraordinária variação local. Muitos acreditam que o fim da COVID-19 chegou simplesmente com o aparecimento das vacinas. No entanto, um olhar mais atento a uma das histórias de sucesso da vacina central do século XX mostra que as soluções tecnológicas raramente oferecem solução para as pandemias por si só. Ao contrário das nossas expectativas, as vacinas não são tecnologias universais. As práticas de vacinação e as infraestruturas existentes para as fornecer são tão diversas como as estratégias de gestão de epidemias seguidas pelos governos nacionais. São sempre implantadas localmente, com recursos e compromissos variáveis em termos de conhecimentos científicos. Isto não é mais visível em lado nenhum do que na gestão de epidemias de poliomielite que causaram estragos em todo o mundo nos anos de 1950. O desenvolvimento da vacina contra a poliomielite é uma história relativamente conhecida, geralmente contada, tanto da história da poliomielite como da americana.

No entanto, nos anos de 1950, as epidemias de poliomielite varreram o globo sem qualquer consideração pelas fronteiras, ou mesmo pela Cortina de Ferro, e em muitos aspectos uniram o mundo politicamente dividido da Guerra Fria com um objectivo comum. Encerradas num conflito que prosseguiria por décadas, às superpotências antagonistas foram providenciadas um porto seguro pela doença em que se podiam encontrar e colaborar. Uma miríade de publicações, cientistas e espécimes cruzaram o globo num esforço para partilhar experiências e investigação na prevenção e tratamento. Alguns anos após o licenciamento da vacina de Jonas Salk nos Estados Unidos, a utilização da vacina inactivada tornou-se amplamente utilizada em todo o mundo. Não funcionou, contudo, em certos cenários, ou pelo menos não tão bem como os governos e cientistas esperavam. Esta incerteza com eficiência deu lugar ao teste em massa de outra vacina viva e oral desenvolvida por Albert Sabin, que colaborou nas fases finais com colegas da Europa de Leste e da União Soviética, principalmente Mikhail Chumakov.

O sucesso dos ensaios soviéticos da vacina contra a poliomielite tornou-se um marco raro da cooperação na Guerra Fria, o que levou na Segunda Conferência Internacional de Vacinas Vivas contra o Poliovírus, em 1960, a afirmar-se que “em busca da verdade que liberta o homem da doença, não há guerra fria”. No entanto, a utilização diferenciada desta vacina fez recuar as divisões da geografia da Guerra Fria. A União Soviética, Hungria, e Checoslováquia foram os primeiros países do mundo a iniciar a imunização a nível nacional com a vacina Sabin, logo seguida por Cuba, o primeiro país do Hemisfério Ocidental a eliminar a doença. Quando a vacina Sabin foi licenciada nos Estados Unidos em 1963, grande parte da Europa Oriental já tinha eliminado as epidemias e estava em grande parte livre da poliomielite. O fim bem-sucedido desta epidemia no seio do mundo comunista foi imediatamente considerado como prova da superioridade do seu sistema político.

Será que a natureza estatista destes regimes os tornou capazes de pôr fim a epidemias de poliomielite? Esta questão pode ser vista e reflectida nos debates em curso sobre as intervenções acerca da COVID-19 no presente. No entanto, foi também colocada em 1948, numa das primeiras reuniões da recém-formada OMS. Após uma guerra devastadora com ditaduras fascistas, e na crescente sombra da Guerra Fria, a invocação de medidas autoritárias foi no mínimo desconfortável, mas a sua necessidade foi amplamente reconhecida. Além disso, foi a organização militar do sistema de saúde soviético que Dorothy Horstman, virologista de Yale e enviada da OMS, enfatizou em apoio à validade dos ensaios de vacinas soviéticas. Tal regime estava bem posicionado para organizar e entregar o empreendimento de forma eficiente. O que uniu o Leste da Guerra Fria não foi apenas autoritarismo e hierarquias pesadas na organização do Estado e da sociedade. Era também uma crença partilhada na integração da política e da saúde como uma imaginação particular da modernidade, numa combinação de um estado paternal, abordagens biomédicas, e medicina social e socializada.

Independentemente da disponibilidade de recursos e de quão longe estavam as realizações dos cuidados de saúde dos seus objectivos, a gestão de epidemias nestes países combinava uma ênfase global na prevenção da doença, trabalhadores da saúde facilmente mobilizados, organização de cima para baixo das vacinas, e a retórica da solidariedade, tudo assente num sistema de cuidados de saúde que visava proporcionar o acesso a todos os cidadãos.

Por mais incompletas que sejam as intervenções imperfeitas, verticais e tecnocráticas de vacinação, encontraram-se com infraestruturas horizontais de saúde e cuidados sociais. As medidas estatistas e dominadoras, portanto, não são suficientes, nem são necessariamente tão benéficas como se poderia imaginar. Soluções alternativas, construídas com base na compaixão e solidariedade e conjugadas com provisões adequadas, podem aliviar e até eliminar tensões que muitas vezes são elevadas em contextos epidémicos. O historiador Samuel Cohn examinou o exemplo do surto de cólera em Berlim, em 1831, onde as autoridades se concentraram na assistência e nas negociações em vez de se debruçarem duramente sobre o assunto, estabelecendo cozinhas de sopa para os desempregados e cuidando dos órfãos das vítimas.

E como resultado, Berlim tornou-se única em evitar os motins da cólera, que se espalharam por cidades alemãs e grande parte da Europa na altura. Há outros exemplos pois no início da Florença moderna durante um surto de peste, o seu conselho de saúde, o Sanitá, combinou medidas de mão pesada com punição para quem violasse as medidas de quarentena (por exemplo, dançando), e ao mesmo tempo fornecia comida e medicamentos a todos os habitantes. O pressuposto era que uma dieta insuficiente, especialmente entre os pobres, contribuiria para a sua vulnerabilidade à doença, pelo que recebiam pacotes diários e semanais de pão, vinho, salsichas, queijo e ervas aromáticas. O número global de mortos em Florença permaneceu significativamente mais baixo do que noutras cidades italianas (cerca de 12 por cento contra 61 por cento) na altura em que a epidemia terminou. Ainda assim, o autoritarismo como catalisador para acabar com as epidemias pode ser destacado e perseguido com consequências duradouras. As epidemias podem ser precursoras de mudanças políticas significativas que vão muito além do seu fim, levantando questões sobre o que então se torna um novo “normal” depois de a ameaça passar.

Muitos húngaros assistiram com alarme ao completo afastamento do parlamento e à introdução do governo por decreto no final de Março de 2020. Não foi fixada qualquer data para o fim das medidas de emergência. O fim da epidemia, e portanto o fim da necessidade do aumento significativo do poder do Primeiro-ministro Viktor Orbán, seria determinado por ele. Da mesma forma, muitos outros Estados, apelando à mobilização de novas tecnologias como solução para acabar com as epidemias, estão a abrir a porta a uma maior vigilância estatal dos seus cidadãos.

As aplicações e os rastreadores agora concebidos para acompanhar o movimento e a exposição das pessoas, a fim de permitir o fim dos bloqueios epidémicos, podem recolher dados e estabelecer mecanismos que vão muito além da intenção original. A vida posterior digital destas práticas levanta questões novas e sem precedentes sobre quando e como terminam as epidemias. Embora queiramos acreditar que um único avanço tecnológico acabará com a crise pré-enviada, a aplicação de qualquer tecnologia de saúde global é sempre local.

10 Jun 2021

Ghosting – a prática ignóbil de terminar relacionamentos

Ghosting. A palavra mais proferida pelas redes socias nos últimos tempos. Todos falam dela e nem parece ter uma tradução para português. Por miúdos: o ghosting é o acto de cortar relações súbita e abruptamente com alguém, desaparecer sem rasto, nem com sucessivas tentativas de contacto. Certamente que já passaram por isso, seja como recipientes ou protagonistas. Uma estratégia progressivamente comum desde que nos virámos para o mundo das seduções e namoros online. É tão comum que já é normal. Só que isso traz problemas.

O contacto online ajudou a “anonimizar” as pessoas, não as responsabilizando pelos seus actos. Quando conhecemos alguém online é provável que não haja amigos em comum, tornando muito mais fácil cortar relações sem explicação alguma, sem pressão para dar uma justificação. Empurrando o trabalho emocional de se dizer “este relacionamento já não me interessa”, ao outro, que fica a pensar que raio poderá ter acontecido. Para as pessoas mais fantasiosas o desaparecimento de alguém pode ser sinal de desgraça. Um acidente de carro e um coma induzido que pode durar 6 meses ou mais. Mas raramente é o caso. As pessoas desaparecem dos chat-rooms, deixam de responder a mensagens, bloqueiam, sem ajudar o outro assimilar: o que aconteceu? Porque é que x ou y deixou de falar comigo?

Nestes casos, o trabalho emocional – que devia ser partilhado – duplica ou triplica só para um dos lados. O problema é a criatura que julga que ignorar os outros é a forma mais fácil de incutir uma mensagem: a de que não estão interessados. A falta de clareza tem consequências na auto-estima das pessoas e no seu bem-estar. Não que as pessoas precisem de tudo explicadinho do porquê ou como é que uma relação deixou de dar certo, precisam de saber que terminou. As características da comunicação digital tem aumentado esta possibilidade de evitarmos as conversas difíceis. Um escudo de proteção que serve a uma pessoa, somente. Como consequência, as pessoas deixam de querer mostrar vulnerabilidade. Começam a ter receito de se envolver se o resultado final for este. Como é que não são dignos de uma conversa onde expressamente se diga que aquela relação não vai a lado nenhum?

O medo de nos pormos em situações que nos deixam desconfortáveis fala mais alto, e as tecnologias ajudam a que ninguém necessite, quiçá, de partir o coração a alguém. Assim damos um passo civilizacional contraproducente.

Ensinamos as pessoas a não enfrentarem o seu trabalho emocional e a empurrarem-no para o evitamento como se fosse uma solução viável. Mas não é. Está a deteriorar a natureza das relações interpessoais para uma mecanização que anseia seguir algoritmos informáticos. Como se fossemos robots onde simplesmente se reage ao que se quer e não quer. Eu diria mais – dependendo da natureza da relação, o mesmo se pode dizer dos emails telegráficos que têm intuito de terminar relações de anos. Protegerem-se do sofrimento do outro, da sua expressão viva de desilusão, é a escolha dos fracos. E assim a comunicação digital explora esta vulnerabilidade humana de não querermos confusões emocionalmente difíceis. O futuro distópico que viverá destas estratégias deixará a nossa humanidade flutuar na espuma do que é verdadeiramente importante: a conexão, e sabermos geri-la.

9 Jun 2021

O trânsito em Macau e as soluções insolúveis

No passado dia 2 ocorreu um acidente grave no Iao On, Macau. Um autocarro atropelou duas crianças, tendo ficado uma delas debaixo do veículo. Os vídeos que circularam na Internet mostraram que alguns transeuntes bateram nas janelas do autocarro para obrigarem o motorista a parar e em seguida ajudaram a retirar a criança.

Posteriormente, a transportadora emitiu um comunicado de imprensa onde afirmava que o autocarro atravessava a passadeira à velocidade de 8 Km/hora quando atingiu as crianças. Foi constituída uma equipa de emergência para analisar as causas do acidente. A empresa apresentou um pedido de desculpas às crianças e aos seus familiares e suspendeu temporariamente o motorista.

É inegável que um acidente deste género é grave. Não é de estranhar que muitos habitantes de Macau estejam preocupados com esta situação. A transportadora suspendeu imediatamente o motorista, deu início a uma investigação e apresentou um pedido de desculpas às crianças e aos familiares. São indicadores que o caso está a ser tomado muito a sério. A suspensão do motorista terá sido a mais importante de todas as medidas, pois é uma forma de garantir a segurança da população.

O apuramento da responsabilidade deste acidente é uma tarefa que cabe à Polícia, ao Gabinete dos Transportes, à transportadora e às crianças envolvidas. A população está mais preocupada com a forma de evitar acidentes semelhantes de futuro.

O acidente ocorreu numa esquina. As passadeiras normalmente são colocadas nas extremidades das ruas. A colocação das passadeiras desta forma facilita a passagem entre artérias. Os carros têm de abrandar quando contornam uma esquina, no entanto, ao curvar, o condutor pode perder a visibilidade de certos ângulos da rua. É realmente difícil abarcar toda a complexidade da temática rodoviária. Se surgirem situações menos comuns, como chuva intensa, peões que desrespeitam as regras de trânsito, inclusivamente que atravessam com o sinal vermelho, as estradas ficam ainda mais perigosas.

Para além da concepção das vias, levanta-se ainda a questão da consciencialização dos peões. É frequente ver pessoas que não respeitam os sinais quando atravessam. O Governo pode processar quem viola as regras, mas isso só iria castigar quem fosse apanhado em flagrante. Este problema só pode ser resolvido através da pedagogia e todos os projectos que envolvem educação são sempre resolvidos a longo prazo. Se os problemas de trânsito em Macau só puderem ser solucionados desta forma, os residentes vão ter de sofrer ainda por muito tempo.

Entretanto, para evitar que acidentes deste género voltem a acontecer, os peões têm de obedecer às regras e os condutores também têm de manter uma atitude conscienciosa. Mas mais importante ainda, é refazer o traçado das passagens de peões que, se estiverem colocadas a meio da via, vão permitir que os condutores vejam claramente se está alguém a atravessar. Desta forma, os atropelamentos podem ser bastante reduzidos.

Claro que em certas ruas de Macau esta mudança não será feita com facilidade, porque muitas delas têm no centro os depósitos para os caixotes do lixo. Se viermos a pôr aí as passadeiras, onde é que poríamos os caixotes do lixo? E onde é que os residentes depositariam os seus resíduos domésticos? Noutras artérias, na parte central foram plantadas árvores e flores. Se estas zonas viessem a ser ocupadas com passadeiras, qual viria a ser o destino das plantas?

As pontes pedonais e os túneis poderiam ser a solução. No entanto, muitos peões têm relutância em subir e descer de pontes para atravessar a estrada. A taxa de utilização das pontes pedonais é baixa. Além disso, de cima da ponte pode ver-se o interior das casas que se situam ao nível do solo, o que vai naturalmente acarretar consigo toda uma complexa questão de privacidade. Ao contrário das pontes, os túneis não levantam questões de privacidade, mas, desta vez, contemplamos o problema da inundação. Se voltar a haver chuvas torrenciais em Macau e os túneis inundarem, como é que os peões vão ousar entrar nos túneis outra vez?

Qualquer solução para este problema desemboca noutro problema e não há nada que possamos fazer para o evitar. Contudo, as condições de circulação do trânsito em Macau têm de ser melhoradas, porque é muito provável que acidentes graves continuem a acontecer.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

8 Jun 2021