João Romão VozesHistória por contar Não faz parte das minhas leituras técnicas necessárias e habituais mas chamou-me a atenção – num momento em que estas discussões têm ganho tanta visibilidade pública – a publicação de um artigo científico, na área da história, com uma análise detalhada da produção de café com base em trabalho escravo durante o século 18, com a decorrente identificação da importância dessa actividade para a centralidade da Holanda nas cadeias globais de produção que caracterizam as economias contemporâneas. Não é assunto, a escravatura que caracterizou o período colonial que se seguiu à Idade Média, sobre o qual encontre com muita frequência produção científica, pelo que segui a pista aberta pela autora – conhecida dos meus tempos na belíssima Amesterdão – que divulgou o trabalho numa popular “rede social” dos universos digitais em que nos movemos. A pista que segui tinha vários elementos de interesse: desde logo a revista onde o artigo era publicado, com o título “Slavery & Abolition”, editada desde 1980 e propriedade de uma das mais reputadas corporações do multimilionário negócio das publicações académicas. Não se trata então de uma publicação obscura e marginal, antes pelo contrário: é uma revista devidamente instituída nos meios académicos internacionais e com bastante razoáveis pergaminhos históricos. Outro elemento de notório interesse foi o volume especial da revista em que o artigo era publicado, exclusivamente dedicado ao papel da Europa nas redes globais de escravatura e o seu impacto no desenvolvimento económico do continente entre 1500 e 1850: desde o início dos chamados “Descobrimentos” até à consolidação da Revolução Industrial, só possível graças à acumulação gerada pelos fluxos comerciais globais que a antecederam e que viria a abrir caminho à hegemonia da Europa na economia global. O interesse do tema e a relativa profusão de trabalhos de investigação publicados internacionalmente contrasta com a escassa atenção que ainda hoje á dada pela sociedade portuguesa a um assunto que, se não constitui tabu absoluto, é certamente remetido para uma certa marginalidade para a qual se olha com desconfiança. Não deixa de ser curioso que neste volume especial haja um artigo produzido por uma investigadora portuguesa, mas que trabalha numa instituição holandesa. De resto, percorrendo as publicações dos últimos 40 anos na tal revista “Slavery & Abolition”, são muito poucos os trabalhos com origem em universidades portuguesas, apesar da manifesta importância histórica que o colonialismo português teve na criação, consolidação e exploração de redes de escravatura. São certamente muitos os documentos, temas e perspectivas possíveis para olhar para o assunto a partir da experiência histórica portuguesa. O mesmo se passa nos Países Baixos, aliás: com um papel extremamente activo nas navegações e no comércio internacional do período que se seguiu à Idade Média, também foram protagonistas centrais da exploração de trabalho escravo. Mas, apesar de tudo, há na sociedade actual uma abordagem mais frontal e transparente do que isso representou e das implicações que teve – quer dos manifestos benefícios que a Holanda conseguiu, quer do papel subalterno e dependente que as economias dos países colonizados foram assumindo na chamada “divisão internacional do trabalho” ou nos processos de especialização no quadro da economia global contemporânea. Essa frontalidade também se reflecte na museologia, outro tema recorrente e permanente adiado na sociedade e na opinião pública em Portugal: devem os museus de História reflectir aspectos como a escravatura quando documentam e mostram o chamado período dos “Descobrimentos”? Parece haver sempre um generalizado consenso, mais ou menos interrompido por manifestações esporádicas de desacordo, em relação a uma suposta necessidade de preservar uma certa boa imagem do país, atirando para baixo do tapete as poeiras que possam conspurcar a gloriosa aura da nação, fechando as janelas a olhares críticos sobre a história e parte das suas consequências sobre a contemporaneidade – a exploração que se mantém em modos diferentes e pós-coloniais alicerçada em posições de controle e dependência ou o racismo sistemático e estrutural que ciclicamente se torna mais evidente, quando as crises e a falta de emprego apertam. Também nisso encontrei uma diferença nos meus tempos de vida na Holanda, em que ocasionalmente visitava o Museu dos Trópicos, designação eventualmente pouco feliz para o belo edifício que em tempos foi o “Museu das Colónias”. O nome e os conteúdos programáticos do museu viriam a ser alterados, passando à actual designação, ainda que o termo “trópicos” não tenha um sentido geográfico demasiado estrito. Na realidade, o museu está aberto a diferentes formas de arte popular não europeias. Na última vez que o visitei, tinha duas belas exposições temporárias: uma sobre a moda em África e outra sobre a cultura da manga no Japão. Já a exposição permanente sobre o papel da Holanda nos circuitos globais da escravatura entre os séculos 15 e 19 continuava, informativa, detalhada, inalterada e inquestionada, no mesmo sítio onde sempre a vi. É verdade que nem a produção científica nem o museu resolvem os problemas actuais de dependência económica, exploração sistémica e sistemática, ou racismo omnipresente e estrutural. Na realidade, movimentos políticos abertamente racistas e neo-fascistas até emergiram no século 21 holandês bastante antes do que aconteceu em Portugal. Mas há apesar de tudo, uma liberdade diferente para se falar destes assuntos nos espaços públicos, que se traduz, também, em decisões políticas com impacto óbvio no quotidiano. Por exemplo, na imprensa holandesa é proibido referir a nacionalidade das pessoas quando se noticiam crimes. Não se trata de um apelo à cidadania nem de ética profissional, mais ou menos reflectida numa qualquer carreira profissional: é uma lei que tem que ser cumprida para se protegerem as comunidades dos estigmas que este tipo de notícia pode criar. Não resolve tudo, certamente, mas desconfio que em Portugal não se consegue sequer discutir a criação de uma lei deste género.
Carlos Morais José A outra face VozesO amargo fedor do sucesso O pior que pode acontecer a alguém é ter sucesso. Ser o orgulho dos parentes, reconhecido pelo vulgo, cumprimentado pelos amigos. Experimenta produzir qualquer coisa que agrade aos outros, que te catapulte ainda que por quinze minutos para alguma fama e, mesmo que te faça entrar na carteira algum dinheiro inesperado, verás o sarilho em que inesperadamente te embrulhaste. E não se trata aqui de lidar mal com a falta de anonimato, que isso é chato, mas na verdade não importa. Nem sequer de sentir a inveja alheia a morder-te os calcanhares, as facas a entrarem nas costas, quando tu, simplesmente, estás a passar a manteiga pelo pão. Não. É muito pior do que isso tudo junto. O Andy Warhol inventou os tais quinze minutos de fama. Mas ele sabia muito bem no que se estava a meter. Só que não alertou ninguém para o que realmente interessa no assunto. Como bom rato que era, ficou calado e a roer queijo, a ver se esquecia a própria fama entre festas e festinhas. O primeiro problema é que na nossa sociedade ter sucesso parece ser um objectivo primordial e imprescindível, algo de obrigatório, sem o qual não és ninguém. Mal nascemos e gatinhamos, que nos gritam ao juízo a sua necessidade, a imperiosa precisão. O sucesso é a cenoura que nos impõem para que corramos sem saber muito bem para onde, ainda que nos digam para quê. Sussurram que para o alcançar vale tudo e que se chega lá por quase nada. O sucesso é a justificação em si mesma seja lá do que for, nem que sejam as piores atrocidades. Chega a ser da dor que a outro indiferentes provocamos, sem que isso a nós possa causar qualquer dano. Pode ser de ter vendido a alma por dez réis de mel orgânico, raramente por ter escrito o texto mais belo do mundo. No fundo, o sucesso é o que importa, é a porta sempre querida, não importa se merecida e quase sempre fechada, que a custo entreabrimos. E para quê? Ah… se soubéssemos o que nos espera além, nunca um passo seria dado, uma corrida encetada, uma finta executada, enfim, nada. Ficaríamos parados, a contar os nossos berlindes nesse saco sem fundo a que chamamos existir. Ou então, simplesmente, descansados, que é hoje tão difícil quão subir um Himalaia. “O menino não é ambicioso. O menino não faz pela vida. O menino não merece o pão que come mas, no entanto, tem fome. Onde é que já se viu?” Não pode ser. Insistimos em vencer, em ser conhecidos, famosos e, por esses quinze minutos, quase capazes de matar. Se não o outro, a nós mesmos de tanto nos afogarmos nesse mar de tentativas. E repetimos baixinho: é por mim, é por mim… e que se lixe o vizinho. Truz, truz, truz… bato à porta sem temor. A porta abre e eu entro, entre clamores de uma turba que, à falta de ser real, transporto nesta cabeça, antes que o mundo adoeça e a coisa seja vã. Mas… o que há do outro lado? Tu mesmo e chateado de nada de importante em ti ter realmente mudado. Conseguiste, chegaste lá, enriqueceste ou és conhecido no pequeno charco onde nadas. Mas isso o que significa, quando fechas a porta de casa e mergulhas na solidão com franqueza? O que mudou o sucesso de importante na tua vida? Na verdade, tudo parece agora mais distante: o amor, as amizades, o mundo, as cumplicidades que, num só dia, se esvaem. Num primeiro momento, quase não dá para acreditar. Não é este o reino que nos fora prometido. Depois advém o vazio e a obrigatoriedade de guardar o que a tanto custo se conquistou. Uma trabalheira infernal e o que em ti era espontâneo passa ser algo fatal, do qual dependes para te manter nesse topo imaginário, nessa torre de cristal na qual és, afinal, prisioneiro. Mas o pior de tudo é quando olhas o espelho e já não te reconheces. Não sabes quem é aquele, ali semi-reproduzido, nem tens a certeza dos próximos passos a dar. Vês o abismo como caminho. E, acredita, mais que nunca estás sozinho, que o sucesso é feito a sós e as gentes não têm dó quando te virem cair. É quando um cheiro mau, repugnante, se evola – meio podre, meio a ti – que ao corpo e à mente se cola. Nunca mais te deixará, por mais cara que seja a colónia que agora usas. Não podes voltar atrás, ainda que tudo percas, nisto não há retrocesso. Todos o sentem e conhecem, mas garantem que é perfume. Não é, sabemos bem: é o amargo fedor do sucesso.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO aquecimento global pré-COVID-19 “Before the COVID-19 pandemic of 2020, emissions of carbon dioxide were rising by about 1% per year over the previous decade, with no growth in 2019. Renewable energy production was expanding rapidly amid plummeting prices, but much of the renewable energy was being deployed alongside fossil energy and did not replace it, while emissions from surface transport continued to rise.” Nature Climate Change volume 10, pages647-653 (2020). Desde pequeno sempre me fiz perguntas que a maioria das pessoas não pensa: como é que o Universo teve origem e como vai acabar, como se formou a vida e será o futuro, até onde iremos? Tenho sido um fã da ficção científica, em particular da que imaginava viagens entre as estrelas e a descoberta de novos mundos. Sou apaixonado pelos problemas do mundo em vez do futebol ou outros desportos, e sonho com um mundo muito diferente do verdadeiro, onde não há guerras, nem fome, nem ultra-ricos o ambiente é respeitado. Ao longo dos anos, fiquei convencido de que, devido à natureza do Homem, estes poderiam estar destinados a permanecer apenas utopias. Na verdade, o Homem sempre foi egoísta e possessivo. Desde muito cedo aprende a dizer: “É meu”. A reacção mais comum das pessoas quando obtêm algo não é a satisfação, mas o desejo de ter ainda mais. E depois a resistência à mudança pois a mente é habitual por natureza e, portanto, a mudança custa energia e esforço, por isso resiste. A mudança significa a quebra de um padrão, de uma forma de ser e de funcionar, agora familiar, para passar para outro completamente novo e estranho. Estas são algumas das razões pelas quais, em vez de ter em conta que existe apenas uma Terra e de fazer investimentos para um futuro melhor, houve uma corrida ao consumismo mais desenfreado, sem considerar os danos para o ambiente e o legado prejudicial deixado às gerações futuras. Mesmo os países são governados por indivíduos que pensam em termos egoístas para o seu país e o povo apoia-os porque o nacionalismo prevalece. O homem é um animal que graças à sua adaptabilidade e capacidade de colaborar, conseguiu prevalecer sobre os outros animais e desenvolver uma inteligência tal que o tornou o senhor absoluto do planeta Terra, explorando plenamente os seus recursos naturais a fim de satisfazer as suas necessidades. Se nas épocas anteriores o impacto humano na natureza tinha sido mínimo, desde a primeira Revolução Industrial, há mais de duzentos anos, com as suas actividades e comportamentos, o Homem modificou profundamente o clima e o ambiente. Nos últimos anos tem havido um animado debate sobre o aquecimento global e as suas causas e efeitos. Actualmente, a grande maioria dos cientistas afirmam e demonstram que o aquecimento global em curso se deve a actividades humanas. Há muito poucos que o negam e que têm interesses económicos e/ou políticos significativos, como o ex-presidente americano Trump, que não desistia mesmo quando confrontado com a evidência dos efeitos nocivos sofridos pelo seu país. Há algumas décadas muito poderia ter sido feito para o evitar, mas, em vez disso, continuou-se sem medo ao longo do caminho do consumismo e do desperdício. Hoje ainda podemos fazer algo, pelo menos para limitar os danos, mas devido aos egoísmos individuais e nacionais não conseguiremos sequer abrandar o ritmo. O aquecimento global poderá tornar-se inevitável e mais acelerado do que pensamos, com as consequentes catástrofes naturais devido a fenómenos cada vez mais extremos, tais como chuvas intensas, furacões e grandes secas que provocarão inundações, destruições, desertificação, incêndios, derretimento do gelo e subida dos mares que farão desaparecer enormes superfícies cultiváveis ou habitadas, perecerão flora e fauna, tanto terrestre como marinha, até chegar a uma nova extinção em massa. Entretanto, haverá migrações de populações inteiras, guerras pela água e pela terra cultivável, mortes, doenças e sofrimento. A única esperança de parar ou pelo menos abrandar o aquecimento global é agir incisivamente “AGORA” a nível global tentando fazer com que as utopias se tornem realidade. O comboio está a partir e para não o perder temos de o apanhar à pressa. Não podemos esperar que a ciência, com os seus desenvolvimentos futuros, encontre uma solução prática para resolver o problema ou que seres extraterrestres venham e nos façam mudar radicalmente o nosso estilo de vida. Também não se pode esperar que a política resolva tudo. Se não fizermos todos um esforço para adoptar um estilo de vida diferente e assumirmos um compromisso político, mesmo apoiando partidos que defendem o Ambiente, será difícil mudar o estado das coisas. Pode-se sempre fazer algo por muito pouco que seja como instalar painéis fotovoltaicos no telhado, cultivar um pedaço de terra com uma horta e pomar, seguir uma dieta principalmente vegetariana nos passos da dieta mediterrânica dos nossos avós, tentar andar a pé ou de bicicleta o máximo possível, mas isto não é suficiente porque são muito pouco a fazer. Os cientistas dizem que ainda temos nove anos até que o processo de aquecimento global se torne irreversível. O que tem sido feito até agora é insuficiente e não será capaz de conter o aumento da temperatura média global. Só se todos remarmos em sincronia conseguiremos conduzir os nossos netos para um futuro onde possam viver em paz e harmonia com a natureza. É de fazer um apelo especial aos jovens em particular, porque são eles que mais sofrerão com as consequências das alterações climáticas. Rebelem-se tomando parte activa na política ou, em todo o caso, dando o seu apoio aos partidos que assumem a responsabilidade pelos problemas ambientais. O aquecimento global é um fenómeno climatológico que tem afectado o nosso planeta desde a segunda metade do século XX, o que implica um aumento da temperatura média da superfície do planeta, incluindo tanto a atmosfera da Terra como as águas dos oceanos, causado pelo efeito de estufa e atribuível à actividade humana. O efeito estufa, como o nome sugere, é comparável ao que acontece numa estufa ou num carro exposto ao sol com as janelas fechadas. O ar no interior é aquecido pelos raios solares enquanto as janelas do carro ou as folhas transparentes da estufa o impedem de irradiar e entrar em contacto com o ar mais frio do exterior, fazendo com que a temperatura interna suba consideravelmente. No caso da Terra, a função do vidro ou da folha transparente é realizada principalmente pelos chamados “gases com efeito de estufa”. Os mais conhecidos e mais utilizados são o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), enquanto o mais influente é o vapor de água, que é de origem natural. Tal como numa estufa, a Terra aquece mais do que o normal. O aumento das temperaturas médias globais provoca o derretimento dos glaciares e o aumento do nível do mar. O aquecimento climático, contudo, tem efeitos diferentes de região para região e as suas influências locais são muito difíceis de prever. O que é certo, porém, é a natureza extrema dos fenómenos meteorológicos e o seu aumento de frequência. As consequências do aquecimento global são numerosas e aumentam em gravidade à medida que a temperatura média global aumenta como chuvas fortes, furacões, inundações, deslizamentos de terras, seca extrema, desertificação, fome, incêndios, derretimento do gelo, subida dos mares, extinção de espécies, migração de populações inteiras, guerras por causa da água e terras aráveis. Estas catástrofes naturais, no entanto, não atacam de forma homogénea. Um continente pode sofrer de seca extrema, enquanto outro pode sofrer chuvas fortes, inundações ou furacões. A situação actual até ao aparecimento da Covid-19 (Janeiro de 2019) quanto à temperatura atmosférica era de que os últimos quatro anos tinham sido os mais quentes desde 1880, pois a concentração de CO2 na atmosfera foi a mais elevada em oitocentos mil anos (410 partes por milhão) e está a aumentar. O aquecimento global era actualmente cerca de 1 grau acima dos níveis pré-industriais. Isto soa como um não cerebral, mas está longe disso. Mesmo a mais pequena mudança importa e pode trazer mudanças drásticas. O ano de 2018 foi o mais quente desde 1800 para a maioria dos países da Europa do Sul +1,58°C acima da média. Dos trinta anos mais quentes desde 1800, vinte e cinco foram desde 1990. Em vários estados europeus, particularmente na Alemanha, França, Suíça, Áustria, Hungria e Finlândia, 2018 foi também o mais quente registado desde que foram feitas observações, assinalando temperaturas recordes como, por exemplo, na Finlândia, onde as temperaturas de Verão excederam os 30°C. O ano de 2018 foi o ano mais quente de sempre porque, o fenómeno El Niño estava em curso, amplificando eventos climáticos extremos já exacerbados pelas alterações climáticas. Quanto a eventos extremos, 2018 tem até uma dúzia de acontecimentos excepcionais, a começar pelos Furacões Florence e Michael, que foram os mais destrutivos e dispendiosos da história dos Estados Unidos. Os incêndios na Califórnia são também considerados como os mais destrutivos e dispendiosos em termos de vidas na história do estado. No Japão, inundações e deslizamentos de lama causaram duzentos e trinta mortes e destruíram milhares de casas, seguidas por ondas de calor excepcionais, com cento e cinco mortes só em Tóquio. A China também sofreu chuvas torrenciais com mortes e danos consideráveis. Finalmente, a Austrália, Argentina e a área da Cidade do Cabo na África do Sul foram atingidas por uma seca excepcional. A situação para o gelo e glaciares não é certamente melhor pois o gelo da Gronelândia está a derreter mais rapidamente do que o esperado e o fenómeno, que começou em meados do século XIX, é o mais pronunciado em quatrocentos anos. Glaciares de todo o mundo estão a retroceder. Basta pensar no glaciar Marmolada que está a desaparecer, bem como em todos os glaciares Dolomitas e Alpinos cujo recuo não pára, apesar de uma estação de Inverno e Primavera caracterizada por uma boa pluviosidade. As más notícias também vêm de glaciares suíços vizinhos. Entre 1973 e 1985, a superfície dos glaciares suíços permaneceu praticamente inalterada, enquanto de 1985 a 2000 foi reduzida em 18 por cento. No Ticino, entre 1985 e 2009, a superfície dos glaciares foi reduzida em 70 por cento, desaparecendo abaixo de uma altitude de 2100 metros acima do nível do mar. A Antárctida detém 90 por cento das reservas de gelo do planeta e desempenha um papel fundamental no clima da Terra. É daqui que o ciclo começa, o que permite que a temperatura da superfície terrestre permaneça constante e evite o sobreaquecimento. Entre 1992 e 2017, a Antárctida perdeu três triliões de toneladas de gelo. O derretimento do gelo árctico levou a uma subida do nível do mar de cerca de dez milímetros. A emergência dos refugiados climáticos está a tornar-se cada vez mais alarmante, pois estamos a falar de mais de um milhão de pessoas forçadas a abandonar as suas casas devido à erosão e às tempestades causadas pela subida do nível do mar. Este número poderia aumentar significativamente, uma vez que muitas comunidades costeiras recorrem à migração interior como medida preventiva. Está a acontecer na Louisiana, Brasil, Nova Iorque, Austrália, Tailândia, Filipinas e Alasca. Em Veneza, por exemplo, o nível do mar está a subir a um ritmo recorde e “la Serenissima” poderia estar debaixo de água até 2100. Isto é revelado no capítulo dedicado ao clima do volumoso “Relatório Estatístico 2018” divulgado pela Região de Veneto. O nível do mar Adriático em Veneza subiu “significativamente acima da média global” e mesmo “quase o dobro do de Trieste”. A subida do nível do mar causada pelo aquecimento global está a acelerar e, no final do século e cerca de 7 por cento da população mundial poderá terminar submersa, com imensos danos e inconvenientes. O novo alarme, que reforça ainda mais os precedentes sobre o derretimento do gelo, vem de um grupo de investigadores da Universidade de Boulder, no Colorado. Estes cientistas calcularam que o nível médio do mar nos últimos vinte e cinco anos aumentou sete centímetros, e mostraram que a velocidade de crescimento deste nível não é a mesma em cada ano que o anterior (três milímetros por ano), mas é dada pelo anterior adicionando quase um milímetro para cada ano. Por isso, é como se mantivesse o pé no acelerador de um carro cuja velocidade continuaria sempre a aumentar. O texto foi desenvolvido utilizando dados fornecidos desde 1993 até 2018 por vários satélites em órbita da Terra, tais como TOPEX/Poseidon e Jason-1 a 3. O ano de 2018 é também um ano recorde para o aquecimento dos oceanos. De facto, foi o ano mais quente de que há registo, com uma acumulação recorde de calor. A investigação publicada na Nature, utilizou um método novo e mais fiável para calcular os efeitos do aquecimento global nos mares e oceanos e descobriu que os oceanos estão a aquecer muito mais rapidamente do que se pensava anteriormente. Um factor chave que está a exacerbar o aumento das temperaturas, que é o aumento constante dos níveis de vapor de água na atmosfera. A investigação mostra que os seres humanos, com as suas actividades diárias, são largamente responsáveis pela crescente “hidratação” na atmosfera superior. Nos últimos trinta anos, o nível de humidade na troposfera superior (de 4,8 a 11,2 quilómetros), tem tido uma constante tendência ascendente principalmente devido a actividades humanas. A presença de florestas desempenha um papel muito importante na manutenção do equilíbrio do ecossistema. Através do processo de fotossíntese, as plantas removem o dióxido de carbono do ar, libertando oxigénio em seu lugar. Enquanto a destruição das florestas produz enormes quantidades de CO2, o seu crescimento absorve-o, fazendo da sua protecção um dos elementos-chave na luta contra as alterações climáticas, especialmente as tropicais, cujo crescimento ocorre ao longo de todo o ano. Em vez disso, estamos infelizmente a perder treze milhões de hectares de floresta todos os anos. A este ritmo, mais de duzentos e trinta milhões de hectares desaparecerão até 2050. Apesar dos esforços para reduzir a desflorestação tropical, a taxa de perda de árvores quase duplicou ao longo dos últimos cinco anos. A desflorestação acrescentou 7,5 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono à atmosfera em 2017, de acordo com estimativas do World Resources Institute (WRI), 50 por cento mais do que as emissões produzidas pelo sector energético dos Estados Unidos. A desertificação, tal como a desflorestação, reduz a capacidade da vegetação para absorver CO2. As causas são múltiplas, devido tanto a causas naturais (aumento das temperaturas, seca, degradação do solo e transporte devido ao efeito de chuvas fortes) como antropogénicas, ou seja, causadas por actividades humanas (uso insustentável de aquíferos, remoção de solos férteis e impermeabilização do solo devido à urbanização, lavra em encostas, etc.). Globalmente, uma área com metade do tamanho da União Europeia (4,18 milhões de quilómetros quadrados) é degradada todos os anos. A África e a Ásia são os continentes mais afectados. Em menos de um século, o número de animais que vivem no nosso planeta diminuiu praticamente para metade. Actualmente, cerca de seiscentas espécies animais estão ameaçadas de extinção do que já é conhecido, como constituindo uma longa lista vermelha com noventa mil entradas. A biodiversidade é um património precioso para a vida na Terra que deve ser preservado a todo o custo. Basta pensar nas preciosas abelhas que polinizam e fertilizam as nossas árvores de fruto. Se, devido ao aquecimento global, se extinguissem, seria extremamente prejudicial para a agricultura, pois não só faltaria mel, mas também fruta, legumes e forragens para animais. Seguir-se-iam grandes fomes, pondo em risco a nossa própria sobrevivência.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireito à reparação A lei que garante o direito à reparação de produtos, aprovada em Novembro de 2020 pela União Europeia, entrou em vigor no passado dia 6 deste mês. A lei garante que o consumidor tem o direito de reparar os artigos que adquiriu, nomeadamente artigos electrónicos. Após a lei entrar em vigor, os fabricantes têm de garantir que, nos sete anos posteriores à compra, têm suficientes peças sobresselentes para substituir as que se estragam. Após receber a encomenda, o fornecedor tem de fazer a entrega num prazo de 15 dias. A lei cobre produtos eléctricos, tais como máquinas de lavar roupa, máquinas de lavar loiça, frigoríficos, câmaras de vigilância, mas exclui telemóveis e computadores. Por outras palavras, esta regulamentação estipula que o consumidor tem direito a obter peças, ferramentas e informação, eliminando assim os obstáculos que se colocam à manutenção dos artigos e garantindo a possibilidade de fazer ele próprio os arranjos necessários. Na ausência desta garantia, os consumidores viam-se obrigados a deitar fora os artigos que se avariavam e a ter de comprar outros. Com o direito à manutenção, os consumidores podem usar os produtos por mais tempo, reduzir a aquisição de produtos novos, e os fabricantes não podem monopolizar o mercado das reparações, que se assim se expande para outros sectores. Os motivos para os fabricantes se oporem a esta lei são óbvios. Se as pessoas não conseguissem arranjar os equipamentos, os fabricantes monopolizavam o mercado das reparações. Além disso, podiam decidir se fabricavam ou não peças sobresselentes. Desta forma determinavam o ciclo de vida dos produtos, que não é muito alargado pois a sua prioridade é a venda de novos produtos. Neste cenário, os consumidores teriam de deitar fora os produtos avariados e comprar outros novos. Em 2019, o novo coronavírus reduziu os contactos directos, criou o tele-trabalho e activou as comunicações globais online, mas o que não se esperava é que também tivesse impulsionado o direito dos consumidores à reparação dos artigos. Exemplo disso são os ventiladores. Os fabricantes estipulavam que quando um destes aparelhos se avariava, só podia ser reparado por técnicos da marca. Proibia terceiros de fornecer peças e equipamentos para reparação. Após o surto da epidemia, os fabricantes viram-se obrigados a reduzir as equipas técnicas, o que levou os hospitais a não conseguirem reparar os ventiladores sempre que se avariavam, pondo assim em risco a vida dos pacientes. Em 2020, o senador democrata Ron Wyden e a representante Yvette D. Clark propuseram o “Regulamento de 2020 para a Reparação de Equipamento Médico Crucial”, o que permitiu que os hospitais recorressem ao serviço de terceiros para reparação de equipamentos durante a pandemia, que incluía a colocação de peças, o desbloqueio de restrições do software e a obrigação do fabricante de fornecer informação e ferramentas. Esta foi a primeira vez nos Estados Unidos que um Governo Federal criou uma Ordenança de reparação de produtos. Em Janeiro de 2021, antes da União Europeia implementar o direito à reparação, a França introduziu uma lei anti-desperdício. Passou a haver uma etiqueta nos produtos eléctricos onde se lista todas as possibilidades de reparação. A lista tem vários indicadores, como a capacidade de desmontagem, o preço das peças, etc. Os itens listados estão avaliados de 0 a 10. Quanto mais baixa for a avaliação, menor será a capacidade de reparação do produto. Reparar os produtos permite usá-los durante mais tempo. Para além de pouparmos dinheiro, podemos também reduzir os impactos ambientais. Prolongar a vida dos produtos electrónicos, significa a redução da produção dos seus substitutos e a Terra agradece. O fabrico de produtos electrónicos provoca a emissão de gases que aumentam o efeito de estufa e também a poluição do ambiente. Assim sendo, quanto menos produtos electrónicos forem fabricados, menos danos provocamos no ambiente. No que diz respeito à protecção do ambiente, estejamos nós onde estivermos, devemos sempre dar o nosso melhor. A pandemia alterou as tecnologias, mas as nossas políticas e as nossas legislações devem acompanhar os tempos. Só quando colaborarmos uns com os outros em pleno, poderemos criar um ambiente melhor para todos. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesO Alqueva pode não chegar para todos Hoje vou contar-vos uma história surreal. Encontrei um amigo alentejano e falou-me do maior lago artificial da Europa, o Alqueva. Todos devem estar lembrados de como começou o Alqueva, com a possibilidade de as águas virem a submergir algumas aldeias ali existentes e até se construiu uma aldeia semelhante a uma que ficou debaixo de água. O meu amigo contou-me que na altura de se retirarem pessoas e bens da aldeia, o seu pai estava no hospital. Ele levou para sua casa montes de caixas e objectos da família. Nas caixas de papelão encontravam-se imensos escritos de seu pai que o meu amigo resolveu mexer mais tarde até porque o senhor seu pai veio a falecer. Recentemente, resolveu começar a rasgar papéis e encontrou uma carta do pai onde estava escrito que tinha construído um alçapão por baixo da sala da lareira e que no seu interior encontrava-se o dinheiro (muito) de uma vida. Naturalmente, que o meu amigo quase enlouqueceu porque a aldeia e o dinheiro estão lá muito no fundo das águas do Alqueva. E um lago que é o maior da Europa, local já de grande turismo, com barcos-casas, com aviões a amarar, com uma praia fluvial lindíssima, com tudo isto, está em perigo de não chegar para todos no Alentejo. Um reservatório gigante de água pode vir a ter restrições severas e imediatas para aqueles que actualmente são servidos. A barragem do Alqueva é um sonho com séculos dos alentejanos que foi concretizado apenas na década passada. As obras começaram em 1996 e as comportas foram encerradas em 2002. Neste momento, com a muita chuva que tem caído, está apenas a três metros do seu limite de enchimento. A quantidade máxima de água é de 4 150 000 000 000 litros de água, uma monstruosidade, mesmo assim este volume é da mesma ordem de grandeza de todo o consumo anual de água em Portugal incluindo todo o regadio, o abastecimento humano e a indústria. A título de exemplo, olhando para as disponibilidades do Guadiana vemos um rio muito artificializado e explorado do lado espanhol, mas que faz chegar à barragem de Alqueva, por ano e em média, de cerca de 2000 hm3 e logo a sua albufeira pode armazenar cerca de 2 anos de escoamento médio. Na verdade, o Alentejo parece outro, há hectares verdinhos e onde nunca mais faltará água. Mas, há um problema bicudo: o Alqueva pode não chegar para todos. Como assim? Acontece que os responsáveis pela barragem têm os seus clientes e os acordos para determinados regadios e esses clientes começaram a estragar tudo em 2019. Esses proprietários que já estão beneficiados têm naturalmente, outra perspectiva pois acreditam que a expansão pode lhes ser confiada para estenderem as suas redes privadas de distribuição de água às áreas vizinhas. Muitos deles já concretizaram essa expansão explorando as chamadas “áreas precárias”. Segundo os técnicos é essencial travar o crescimento de essas “áreas precárias” que já somam cerca de 18 mil hectares, quando o total da rega atinge 95 mil hectares. A água do Alqueva não é ilimitada, mas com os cenários de consumo e eficiência que hoje conhecemos será suficiente para garantir o abastecimento de todos os clientes actuais – integralmente em áreas exploradas pelos responsáveis da barragem e reforçando os sistemas confinantes ligados – bem como toda a expansão projectada que já começou a ser concretizada e conta com financiamento assegurado. O que o Alqueva nos deixa a pensar é como antes, durante décadas, os alentejanos viviam com as secas e iam à fonte com o recipiente de barro buscar água para beber e para a horta e nos tempos de hoje já se pensa na ganância total para se ficar rico expandindo a água por onde lhes apeteça. O Alentejo está lindo com o Alqueva, mas é importantíssimo pensar que a água é um bem indispensável com tendência mundial a desaparecer. *Texto escrito com a antiga grafia
Carlos Morais José Editorial VozesEm Macau é diferente É totalmente absurdo da parte das potências ocidentais julgarem que poderiam utilizar Hong Kong ou Macau como plataformas para atacarem o governo central da China. Contudo, foi a esta tentativa que assistimos nos últimos anos. Não em Macau, onde a lei e o costume não deram azo a tal desiderato, mas com sucesso em Hong Kong, onde uma poderosa campanha anti-China causou a paralisia e o caos na ex-colónia britânica. As forças separatistas de Taiwan, apoiadas pelos EUA de Donald Trump, conseguiram introduzir em Hong Kong um cavalo de Tróia chamado lei da extradição, a propósito da fuga para a RAEHK de um criminoso comum, fomentando ao mesmo tempo numerosas manifestações contra essa mesma lei, tendo os manifestantes “esquecido” que não fora proposta pelo governo central. Rapidamente essas acções alteraram o seu mote para exigir mais autonomia ou mesmo independência. Apoiadas por uma extensa e bem financiada campanha mediática local e globalmente, as forças anti-China em Hong Kong conseguiram seduzir um elevado número de jovens locais, que se deixaram arrastar durante meses em reivindicações tão irrealistas quão absurdas, impedindo o normal funcionamento da cidade. Foi, contudo, debalde que tentaram estender o mesmo movimento a Macau. Por aqui não resultaram o mesmo tipo de manobras, nem a cidade conheceu a mesma agitação social. Aparentemente, a população local não se deixou manobrar como os seus compatriotas de Hong Kong pelos interesses estrangeiros que cuidavam fazer das duas regiões plataformas para desestabilizar a RPC e impedir o seu desenvolvimento e abertura. A partir de certa altura, tornou-se imperativo acabar com a situação em Hong Kong que se tornara insustentável. A RPC fê-lo através da lei de segurança nacional e não, como alguns pareciam desejar, através da força. Agora a implementação do princípio “HK governado por patriotas” surge como constituinte óbvio do “um país, dois sistemas”, pois como poderia existir “um país” num local em que se conspira pela independência e se pretende como ponta de lança no ataque ao governo central? Que outra nação qualquer admitiria isto no seu seio? Já em Macau este problema não existe, nem nunca existiu. A RAEM implementou a sua lei da segurança nacional sem precisar de Pequim, de acordo com a Lei Básica, e os seus habitantes nunca tiveram quaisquer veleidades separatistas, incluindo os residentes estrangeiros. Em Macau é diferente.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto Vozes3,5 mil milhões de patacas Durante a tarde do quinto dia do Novo ano Lunar (16 de Fevereiro), o Chefe do Executivo, depois de ter informado vários órgãos de comunicação social, visitou as Ruínas de São Paulo e o Bairro da Horta da Mitra. Fez-se acompanhar pelo secretário para a Economia e Finanças e por vários chefes de departamento. Nessa altura, estava eu na Rua das Estalagens a cumprimentar os residentes. O Novo Ano Lunar não trouxe qualquer melhoria para os comerciantes dos bairros antigos de Macau, o consumo local continua fraco e as ruas desertas estão repletas de lojas vazias. O Chefe do Executivo deve ter consciência de que as saudações que distribuiu durante a sua visita, para além de terem levado algum conforto aos comerciantes que continuam à espera de clientes, não tiveram a capacidade de melhorar os negócios dos bairros antigos, vítimas do impacto da pandemia. A previsão de que a economia de Macau seria a primeira da Ásia a recuperar acabou por não se verificar. O que importa de momento é encontrar forma de ajudar a população da cidade a ultrapassar as dificuldades económicas durante os próximos seis meses. Alguns deputados propuseram ao Governo que se começasse de imediato o debate da moção relativa à terceira ronda de medidas de apoio económico ao combate à epidemia. A moção será com certeza aprovada pela Assembleia Legislativa, e a terceira ronda de medidas de apoio económico ao combate à epidemia será certamente apresentada depois da visita do Chefe do Executivo aos bairros antigos, e apoiada por vários deputados. Com a total cooperação entre o poder legislativo e o poder administrativo, acredito que nas eleições de Setembro, os candidatos do movimento “Amar a Pátria, Amar Macau” serão claramente eleitos. A melhor altura para anunciar o lançamento da terceira ronda de medidas de apoio económico ao combate à epidemia foi Novembro último, altura em que o cartão de consumo electrónico ainda estava activo. Penso que o momento ideal para implementar a terceira ronda seja por meados deste ano, e não durante o período em que a confiança dos cidadãos e a sua capacidade de consumo estão tão em baixo. Uma mentalidade excessivamente conservadora empurrou a economia da cidade para uma situação muito complicada, e a excessiva manipulação política transformou recursos sociais em despesas eleitorais. Quem beneficia com estas políticas são sempre os mesmos, o resto da população continua a sofrer em silêncio. Na segunda fase do “plano de subsídio de consumo” (cartão de consumo electrónico), foi atribuído a cada residente um subsídio de consumo no valor de 5000 patacas, o que totalizou um montante de cerca de 3,6 mil milhões de patacas. Mas será que 3,6 mil milhões de patacas representam assim tanto dinheiro? Só para o projecto da Extensão da Linha do Metro Ligeiro na Ilha de Hengqin, o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas alocou 3,5 mil milhões de patacas. Quem apoia este projecto do Governo acredita que vai estar pronto num prazo de quatro anos e que vai promover o crescimento do sector do turismo. Não me oponho à construção da Linha do Metro Ligeiro na Ilha de Hengqin, mas sou de opinião que o Governo da RAEM deveria investir pelo menos 3,5 mil milhões de patacas para implementar a terceira ronda de medidas de apoio económico ao combate à epidemia nos próximos três meses, para dar aos residentes a oportunidade de encararem os meses de Verão com outro ânimo. O projecto do Metro Ligeiro de Macau foi considerado pelo secretário para os Transportes e Obras Públicas como tendo “zero benefícios”. Mas lembro-me que quando o Metro Ligeiro de Macau foi construído o Governo declarou que iria beneficiar 50.000 residentes por quilómetro, e que iria ter uma determinada taxa de utilização. Elogiar sempre as políticas governamentais e expressar sistematicamente apoio ao Governo não é de facto uma manifestação genuína de “Amar a Pátria, Amar Macau”. O Governo da RAE gastou 3,5 mil milhões de patacas para financiar o Grupo Nam Kwong na construção da Linha do Metro Ligeiro na Ilha de Hengqin. No entanto, quantos postos de trabalho vai criar este projecto para a população desempregada de Macau? E será que os residentes de Macau vão ter capacidade financeira para adquirir casas na Ilha de Hengqin? Se a economia da cidade continuar retraída nos próximos seis meses, terá a bela Linha do Metro Ligeiro na Ilha de Hengqin, concluída daqui a quatro anos, capacidade de proporcionar aos habitantes de Macau meios para viverem confortavelmente? A taxa de desemprego dos residentes de Macau é sempre superior à média geral. Diz-se que a importação de trabalhadores não-residentes se destina apenas a colmatar a falta de recursos humanos locais. Será uma piada? Lembro-me que durante o período da administração portuguesa, quando a taxa de desemprego local estava perto dos to 3.8%, o então secretário anunciou imediatamente que Macau deixaria de importar trabalhadores não residentes. Nessa altura, tomei parte numa acção de protesto contra a importação de trabalhadores não residentes. Mas, hoje em dia, com muitas pessoas a partilharem um sentimento de patriotismo, Macau tornou-se apenas uma das pequenas cidades da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Estou agradecido ao Governo Central pelo forte apoio que tem dado a Macau depois do regresso à soberania chinesa, e Macau deve dar a sua contribuição à Mãe Pátria sempre que necessário. No entanto, também peço que o governo da RAE aloque imediatamente pelo menos 3,5 mil milhões de patacas a fundos públicos para ajudar a população de Macau, depois de tão generosamente ter alocado 3,5 mil milhões de patacas à commissão do Grupo Nam Kwong para construir a Linha do Metro Ligeiro na Ilha de Hengqin. Quando os peixes vivem num lago que está a secar, morrem passados seis meses. Torna-se-lhes absolutamente impossível esperar pelas chuvas que irão cair daí a quatro anos.
Olavo Rasquinho VozesNão há planeta B O nosso planeta, com a idade aproximada de 4,5 mil milhões de anos, é um pequeno corpo celeste, comparado com os milhares de milhões de astros que se distribuem pelo universo, que, por sua vez, já conta com cerca de 13,8 milhares de milhões de anos. O acaso fez com que o sistema solar se encontre na Via Láctea, uma dos muitos milhões de galáxias que se distribuem pelo espaço. Este sistema, de que a Terra faz parte, orbita a cerca de 26 mil anos-luz da zona central da galáxia, onde existe o imenso sorvedouro que é o buraco negro Sagittarius-A*. Tivemos a sorte de o nosso planeta ter massa suficiente para gerar a atração gravítica necessária para não deixar escapar a camada gasosa que o envolve para o espaço exterior. A vida à superfície não poderia existir com as características atuais, se a Terra não estivesse protegida por filtros naturais constituídos pela camada de ozono estratosférico, que filtra radiações na banda do ultravioleta, e por um campo magnético que impede que a radiação cósmica nos atinja. Assim protegidos, as várias espécies animais e vegetais foram-se espalhando e reproduzindo. Algumas destas espécies sofreram extinções, grande parte destas associadas ao aumento das concentrações de dióxido de carbono e a outros fatores, entre os quais o choque de um asteroide há cerca de 65 milhões de anos. Entretanto, há alguns milhões de anos, certos primatas deram origem a hominídeos, que evoluíram, sendo o homo sapiens o resultado mais recente dessa evolução. Nómadas, os sapiens sobreviviam como caçadores-coletores até que introduziram a prática da agricultura, há cerca de 12 mil anos, passando, a partir daí, a interferir de maneira cada vez mais acentuada com o meio ambiente. Esta influência passou a ser muito mais intensa a partir de meados do século XVIII, com o início da revolução industrial, passando a serem injetadas na atmosfera quantidades cada vez maiores de gases de efeito de estufa (GEE), entre os quais o dióxido de carbono (CO2). Para termos uma ideia deste aumento, não será demais mencionar que a concentração média global anual do CO2, o principal dos GEE, aumentou desde a revolução industrial, de cerca de 280 partes por milhão (ppm) para 410 ppm em 2019 (de acordo com o WMO Greenhouse Gas Bulletin). Através de medidas preconizadas pelo Protocolo de Montreal, relativo às substâncias que empobrecem a camada de ozono, que entrou em vigor em 1989, a humanidade conseguiu inverter a tendência para a diminuição do ozono estratosférico, restituindo-lhe a concentração necessária para impedir que os raios ultravioletas atinjam a superfície do globo terrestre com intensidade prejudicial à vida. Este Protocolo é considerado um dos mais bem-sucedidos no que se refere à intervenção humana em prol do ambiente. O mesmo já não se pode afirmar em relação ao Protocolo de Quioto (entrado em vigor em 2005), que não surtiu efeito no que se refere ao seu objetivo principal: diminuir a injeção de GEE na atmosfera. Sucedeu-lhe o acordo de Paris (que entrou em vigor em 2016), o qual está a ser motivador de medidas que estão a ser tomadas a nível global, embora ainda sem grande convicção por parte de alguns governos. Se fizermos uma análise ao comportamento humano através dos tempos, concluiremos que a nossa espécie tem atuado sem o devido cuidado para preservar as condições que nos foram oferecidas pelo acaso, injetando quantidades elevadas de GEE na atmosfera, danificando o ambiente que nos rodeia e, consequentemente, reduzindo drasticamente a biodiversidade do nosso planeta ao contribuir avassaladoramente para a extinção de outras espécies animais e vegetais. Como é do conhecimento geral, o assunto “alterações climáticas” é dos que mais preocupam os cientistas, grande parte dos governos e o público mais esclarecido. Há, no entanto, quem considere, mesmo no meio científico, haver um exagero nas estimativas levantadas por numerosos estudos no que se refere aos valores da subida da temperatura do ar e do nível médio do mar. Existem mesmo lóbis, pagos por magnatas da exploração de combustíveis fósseis e da exploração florestal, no sentido de desacreditarem esses estudos e tentarem inculcar a ideia de que o aquecimento global é uma farsa. Os negacionistas do aquecimento global estão em geral associados a movimentos de extrema direita, tendo mesmo alcançado algum sucesso no que se refere a ajudar políticos a conseguirem lugares cimeiros a nível governamental. Veja-se, por exemplo, os êxitos obtidos em eleições democráticas pelo atual presidente do Brasil, e pelo prévio presidente dos EUA, que alcançaram o sucesso com a ajuda desses lóbis, recorrendo frequentemente a redes sociais, difundindo fake news. É aceitável que haja gente, menos esclarecida, que duvide da influência das atividades humanas sobre o aquecimento global e, consequentemente, sobre as alterações climáticas. Os próprios cientistas que estudam este assunto não falam em certezas absolutas. As conclusões do IPCC são expressas em termos de probabilidades de diversos graus, e não de certezas. Assim, nos seus relatórios, são usados, entre outros termos, “provável” e “muito provável”, que correspondem às probabilidades de 66 a 100% e de 90 a 100%, respetivamente, de determinados valores de parâmetros climáticos virem a ser atingidos. Suponhamos que os negacionistas têm razão e que as atividades antropogénicas nada têm a ver com as alterações climáticas. Mesmo assim, valeria sempre a pena recorrer a fontes de energia renovável em vez de combustíveis fósseis, na medida em que há algo que não pode ser negado, que se baseia na observação do que já aconteceu, e não em projeções para o futuro: são injetadas na atmosfera, anualmente, milhares de milhões de toneladas de GEE, que, juntamente com outros poluentes, provocam anualmente cerca de 9 milhões de mortes precoces, devido à sua inalação. Está provado estatisticamente que uma em cada cinco mortes precoces são causadas direta ou indiretamente pela inalação de gases resultantes da combustão de combustíveis fósseis, nomeadamente dióxido de enxofre (SO2), dióxido de azoto (NO2) e monóxido de carbono (CO). Seguindo o acordado internacionalmente, utiliza-se a expressão “dióxido de carbono equivalente” (CO2e) para designar a medida da quantidade de GEE equivalente à quantidade de CO2, em termos de potencial de aquecimento global. Seguindo este critério, pode-se afirmar que são emitidos anualmente cerca de 50 mil milhões de toneladas de CO2e. Será que, perante o perigo de um desastre climático, haverá condições de habitabilidade fora da Terra? Existem, de facto, outros planetas fora do sistema solar, os chamados exoplanetas, mas até agora não foi possível descobrir nenhum relativamente perto, cujas condições de habitabilidade se aproximem das existentes na Terra. Um dos mais próximos, designado por Gliese 832 c, encontra-se a cerca de 16 anos-luz da Terra, isto é, se fosse possível uma nave espacial voar à velocidade da luz, demoraria 16 anos a lá chegar. Como estamos muito longe dessa possibilidade, é melhor convencermo-nos que não existe um planeta B ao nosso alcance, como afirmou o ex-Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, numa alocução na Universidade de Stanford, em janeiro de 2013: “There can be no Plan B because there is no Planet B”. Perante esta realidade, se se quiser que haja condições propícias a uma vida saudável no nosso planeta, há que seguir o preconizado pelo Acordo de Paris, cujo objetivo principal consiste na tomada de medidas, a nível global, no sentido de que o aumento da temperatura média do ar seja inferior a 2 graus Celsius no final do século XXI e, tanto quanto possível, inferior a 1,5 graus, tendo como referência os níveis pré-industriais.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO amor não é turismo Há todo um movimento que reivindica o amor em tempos de pandemia. As burocracias da mobilidade têm vindo atrapalhar esse singelo gesto de amar além fronteiras. Nestes novos significados de mobilidade e imobilidade a que a pandemia nos obrigou, isto é, que só se movimenta a quem de direito de residência ou nacionalidade, esquecem-se que há outros critérios tão ou mais importantes. As relações amorosas não são todas desenhadas em constelações perfeitas, nem passíveis de serem burocratizadas. Há namorados que se encontram em continentes diferentes, há quem tenha filhos com alguém do outro lado do mundo. As maravilhas da globalização tornaram todo este amor e sexo sem fronteiras uma realidade para muita gente. Sem que casamentos ou formalidades fossem um obstáculo. Foi mais ou menos há um ano que as fronteiras começaram a fechar-se gradualmente, e muitos casais bi-nacionais ficaram a ver navios. Ou ficaram a ver cidades vazias, porque transporte foi coisa que deixou de existir. Na impossibilidade de se dar relevância à vida amorosa das pessoas, notou-se a clara prioridade dada ao sentido de homogeneidade que define ideias de nação, amor, família e até de sexo. Há coisas que achamos supérfluas e outras mais relevantes. O que importa são relações duradouras de anos; aquelas que se mostram nas relações simbólicas institucionalizadas, como o casamento ou a união de facto. O que é tudo o resto? O resto talvez seja prazer, e nós sabemos como as sociedades pós-modernas ainda encaram o prazer. O prazer é o que se faz nas horas vagas, enquanto não se dá corpo à produtividade e ao crescimento económico – de onde os conceitos do amor, família e sexo tradicionais se vão alimentar. Para os casais bi-nacionais, separados pelo tempo e espaço, contam-se os dias de separação com pesar. Bebés nasceram sem os seus pais por perto porque, em muitos países, nem o direito à família não-formal foi permitido. Por causa destas injustiças o movimento pelo “amor que não é turismo” surgiu. Esta foi uma forma de alertar os governos que nem todos os casais vivem no mesmo lugar, nem todos os casais se formalizam como tal, e que isso não pode ser um obstáculo ao direito da sua cidadania íntima nestes tempos globalizados e pandémicos. Em Portugal, por exemplo, existe o direito à mobilidade para os amantes e apaixonados, se a polícia da fronteira assim o entender. O procedimento é este: chega-se à fronteira portuguesa e é preciso provar que se está a movimentar por amor. Se a polícia não ficar convencida, a pessoa pode ser recambiada de onde veio. Acrescendo, assim, os custos de uma viagem que não tem garantias à partida. Claro que ninguém sabe exatamente os critérios de decisão pelos quais a polícia se baseia. Por certo que cairá no cliché do compromisso, exclusividade e longevidade da relação amorosa. Porque, supostamente, o amor só existe quando é “sério”. As formas de intimidade amorosas podem ter formas muito distintas das que estão reguladas, é certo. Mas também parece que há um esquecimento colectivo que qualquer relação séria e duradoura, e nos moldes que as sociedades contemporâneas tentam definir, pressupõe fases menos sérias ou casuais. Como se apagassem os passos para o amor nas suas formas múltiplas e incertas, que não precisam de se mostrar em oposição das outras tais mais oficiais, mas que também são parte integrante. Não permitir que um cidadão americano e outro porto-riquenho namorem à vontade, obrigando-os a casar (!) para, pelo menos, garantirem estar na presença um do outro em tempos de fronteiras selectivas, é de quem não percebe como é que o amor funciona. O amor e o sexo precisam de liberdade para serem expressos – e precisam de fronteiras abertas para isso.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesHong Kong, orçamento 2021 Na passada quarta-feira, 24 de Fevereiro, Chen Maobo, Secretário das Finanças de Hong Kong, anunciou no Conselho Legislativo o Orçamento para 2021. O déficit fiscal do Governo é de 101,6 mil milhões e as reservas reduziram de 1 bilião para 900 mil milhões. Este ano, o anúncio do Orçamento atraiu fortemente as atenções. Isto ficou a dever-se aos seguintes factos: as receitas do Governo de Hong Kong serão de 591.1 mil milhões, acrescidas de 35,1 mil milhões das acções emitidas pelo Governo em projectos verdes, o que perfaz 626,2 mil milhões. As despesas estão orçamentadas em 727,8 mil milhões, donde o déficit está calculado nos 101,6 mil milhões. O déficit do Governo é uma questão delicada. O ano passado, devido à epidemia, o déficit atingiu os 257,6 mil milhões. O deficit acumulado dos dois anos será de 359,2 mil milhões. O Orçamento também prevê que nos próximos quatro anos, de 2022 a 2025, o déficit fiscal do Governo de Hong Kong possa vir a situar-se entre os 22,4 mil milhões e os 40,7 mil milhões. A existência de décit fiscal durante cinco anos consecutivos é verdadeiramente inquietante. As reservas fiscais são também motivo de preocupação. Dos 1.161,6 mil milhões em 2018-19, passaram para 1.133,1 mil milhões em 2019-20 e finalmente em 2020-21, para 994 mil milhões. Este valor cobre as despesas do Governo apenas durante 16 meses. Neste orçamento existem cinco pontos que merecem análise mais detalhada. Primeiro, as receitas fiscais do Governo não aumentaram significativamente. Devido às perturbações causadas pela emenda à Lei de Extradição e ao impacto da pandemia, as despesas do Governo de Hong Kong aumentaram substancialmente e as receitas não foram suficientes para as cobrir. Para anular a diferença foi necessário recorrer às reservas fiscais que, por este motivo, têm vindo a diminuir de ano para ano. Se a situação se mantiver, as reservas fiscais do Governo de Hong Kong acabarão por se esgotar um dia. As que estão actualmente disponíveis só suportam as despesas do Executivo durante 16 meses. Esta é a prova de que Governo não goza de boa saúde financeira. Quanto mais baixas foram as receitas fiscais, mais dificuldade terá a Administração para operar. Para resolver este problema, só existem dois caminhos: aumentar as receitas e reduzir as despesas. Para aumentar as receitas é necessário aumentar os impostos. O Governo de Hong Kong tem cinco principais áreas de taxação, imposto de selo, imposto sobre o lucro, sobre os salários, sobre a venda de propriedades, e ainda outros. Num quadro de retração económica, aumentar os impostos sobre o lucro e sobre os salários vai colocar o Governo sobre grande pressão. O valor dos terrenos em Hong Kong já é muito elevado. Se ainda subir mais, haverá muito descontentamento. O Orçamento deste ano prevê o aumento do imposto de selo de 0.1% in para 0.13%, que pode grangear ao Governo uma receita de 92,1 mil milhões. Para aumentar as receitas e reduzir o deficit, a subida do imposto de selo é incontornável. O segundo ponto é a entrada no mercado livre das acções. No Orçamento de 2018-19, o Governo de Hong Kong recorreu à emissão de acções em projectos verdes com um limite de 100 mil milhões de HK dólares. O primeiro pacote de acções “verdes”, no valor de mil milhões de US dólares foi lançado em Maio de 2019. No Orçamento de 2020-2021, o Governo anunciou que vai emitir um total de cerca de 66 mil milhões de HK dólares em acções “verdes”, durante os próximos cinco anos. Os lucros serão usados para a protecção do ambiente, impulsionando Hong Kong para atingir em 2050 o objectivo definido pelo Acordo de Paris; ou seja, a abolição das emissões de carbono. Espera-se que o programa das acções “verdes” consiga angariar cerca de 35 mil milhões. Os lucros serão investidos na protecção ambiental bem como na cobertura as despesas do Governo. Embora estas acções possam ajudar a liviar a pressão financeira, podem também trazer consigo alguns mal-entendidos. As pessoas pensam que o Governo precisa de pedir dinheiro emprestado para fazer face às suas despesas. Em terceiro lugar, o Governo criou um Fundo a 10 anos em 2016, o Fundo do Futuro, para investimentos a longo prazo. Até agora já acumulou cerca de 100 mil milhões. Este ano, o Governo transferiu deste Fundo 25 mil milhões, que considera como receitas, ajudando desta forma a reduzir o déficit fiscal. O Fundo do Fututo é sem dúvida “uma reserva das resevas fiscais”, que permite ao Governo alocar recursos financeiros de forma mais eficaz. No entanto, como só foram alocados cerca de 100 mil milhões, esta quantia representa apenas um sexto das despesas anuais do Governo. A eficácia do Fundo do Futuro não é muito alta. O quarto ponto prende-se com os 5.000 HKdólares em vouchers de consumo electrónico atribuídos a cada residente de Hong Kong e aos novos imigrantes com idade igual ou superior a 18 anos, para encorajar o consumo local. O Governo de Hong Kong adoptou a política de distribuição de dinheiro em 2020, e também a distribuição de vouchers de consumo, sem dúvida medidas inspiradas noutros locais e que se destinam a revitalizar a economia. O Orçamento não específica em detalhe as normas dos vouchers de consumo para este ano, mas há quem pense que será melhor distribuir verbas do que cartões de consumo. Para os consumidores o dinheiro é preferível aos cartões. Mas numa perspectiva de revitalização da economia, os cupões de consumo são a garantia de que os 5.000 HK dólares serão gastos em compras. O ano passado, o programa de distribuição de dinheiro beneficiou cerca de 7,2 milhões de pessoas em Hong Kong. Com base neste número, cada pessoa recebeu 5.000 dólares em cartões de consumo, o que perfaz um total de 36 mil milhões. Embora não se saiba ao certo até que ponto esta medida ajudou a revitalizar a economia, não há dúvida de fez diferença. O quinto ponto tem a ver com os empréstimos pessoais a 100%. O Orçamento propõe fazer face ao desemprego com mais uma opção; os empréstimos com garantia do Governo. O montante máximo é de 80.000. O juro está fixado em 1%, o prazo máximo de pagamento é de cinco anos. Os doze primeiros meses destinam-se ao pagamento dos juros, que serão reembolsados depois de a dívida estar paga na totalidade. Desta forma, se o devedor pagar no prazo, pode obter um empréstimo até 80.000 dólares, sem juros. Não é um valor muito elevado, mas pode ajudar a colmatar as necessidades mais urgentes; a implementação desta política não implica qualquer fardo financeiro para o Governo, e de certa forma acaba por matar dois coelhos de uma só cajadada. Contas feitas, o Orçamento do Governo de Hong Kong é aceitável. Foram tomadas medidas adequadas para revitalizar a economia e para aliviar as dificuldades da população. No entanto não são apresentadas muitas medidas para promover o desenvolvimento a longo prazo da cidade. Para além disso, este Orçamento vai ter impacto nos orçamentos dos próximos cinco anos. A previsão do déficit torna a futura situação financeira do Governo de Hong Kong verdadeiramente preocupante. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesAscenso, o demolidor Aqui em Portugal chegou-se à loucura completa. E não é por causa da covid-19. Deve ser consequência de uma doença mental. Durante a semana passada nunca tinha visto nas redes sociais tantos gráficos a desenhar as mais interessantes e irónicas obras artísticas contra o socialista Ascenso Simões. O homem colocou o país a interrogar-se onde está a sua razão e lógica ao anunciar que o Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, devia ser demolido. O homem é socialista? É da escola de Mário Soares? Ou a criatura devia ser militante de um partido esquerdista da Catalunha ou do País Basco? Demolir um monumento que simboliza a história de Portugal? Está certo. Se dermos razão ao dito Ascenso vamos igualmente derrubar o Mosteiro dos Jerónimos, a estátua de D. José no Terreiro do Paço, a do Marquês de Pombal que mandou matar milhares de concidadãos. Desmembre-se já a ponte sobre o Tejo do fascista Salazar, tal como o monumento aos combatentes do Ultramar. Na sexta-feira, perguntei a um membro do Comité Central do Partido Comunista, qual era a sua opinião sobre as ideias do Ascenso. Respondeu-me: “O gajo é maluco e ninguém lhe liga mais. O partido dele já o devia ter expulso desde que foi governante incompetente”. Isto diz tudo. Temos pelo país fora o maior testemunho do que foi edificado durante os 40 anos de fascismo e durante toda a nossa história estatual do tempo da Monarquia e nunca ninguém democrata se lembrou de mandar abaixo uma estátua, nem sequer retiraram os nomes das ruas a homenagear os mais radicais fascistas. Quando a Assembleia da República aprovou um voto de pesar pela morte do tenente-coronel Marcelino da Mata, Ascenso Simões votou contra, contrariando o sentido de voto do seu partido. Depois, pôs-se a escrever armado em literato num jornal diário e defendeu que o Padrão “devia ser destruído”. Ainda pior e perplexo adiantou que “devia ter havido mortos no 25 de Abril”, desculpando-se que não seriam mortos físicos, mas cortes epistemológicos. Mas Ascenso não deixou de referenciar que o Padrão dos Descobrimentos devia ser destruído enquanto “monumento do regime ditatorial”… Isto é caso para rir ou chorar. Ria quem acha que o homem é louco. Chorem os que passaram pela guerra do Ultramar e que se encontram física e mentalmente afectados e que são homens para dar um tiro no socialista Ascenso. O caso é grave dito por quem foi. Um membro do Partido Socialista não pode ter posições destas. Não quererá Ascenso Simões destruir o templo romano de Évora por todo o mal que os romanos fizeram ao nosso povo? Não quererá destruir as igrejas que foram construídas no “regime ditatorial” com o qual a Igreja portuguesa esteve sempre em conluio? Incrivelmente o articulista vai ao ponto de salientar que “em Portugal, o salazarismo foi muito eficaz na construção de uma história privativa”. Privativa? Alguém acha que os milhões de crentes que têm visitado a “construção” do santuário de Fátima é algo de privativo ou é de quantos ali vão rezar? Ou Fátima também deve ser destruída porque foi edificada no “regime ditatorial”? Há mesmo razão para o povo na sua maioria estar revoltado com Ascenso Simões, especialmente quando se refere ao regime de Salazar e à nossa história do império consequente dos descobrimentos? Então, o império que pertenceu ao Portugal teve a ver alguma coisa com o Salazar? No século XV já existia instabilidade em Portugal e ninguém pegou fogo às caravelas ou cortou a cabeça ao Infante D. Henrique. São dados concretos que demonstram que esta criatura que ainda é deputado do Parlamento não sabe o que diz. O “herói” do revolucionarismo do século XXI esqueceu-se, ou fez de propósito, quando votou contra o voto de pesar pela morte do Marcelino da Mata que para além de ofender a memória de um português que se limitou a cumprir as ordens do regime fascista, também está a ofender todos os portugueses que vestiram a farda militar e que lutaram nas colónias, o que traduz uma ofensa gravíssima e merecedora de um voto no Parlamento da sua imediata expulsão de deputado. Não podemos envergonharmo-nos do império que tivemos, tal como o fazem os ingleses. Pessoalmente, só gostaria de perguntar à criatura Ascenso Simões, como é que ele justifica a “infâmia” dos descobrimentos se ainda se fala português em São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Brasil, Guiné-Bissau, Timor-Leste e Macau? *Texto escrito com a antiga grafia
João Romão VozesJovens suicidas É problema relativamente antigo na sociedade japonesa, o do elevado número de suicídios, e são certamente complexas as suas causas: um sistema educativo altamente competitivo na infância e adolescência, longas jornadas de trabalho na idade adulta, uma vida social em relativo isolamento e um certo estigma em relações às perturbações psicológicas e mentais que inibe o seu acompanhamento e tratamento estão entre as razões geralmente aprontadas para a sua persistência. Uma das consequências é também a monitorização detalhada, sendo o Japão dos países que dispõe de dados mais precisos, regulares e atualizados sobre o fenómeno. Isso permite saber que, apesar de os valores se manterem altos, o número de suicídios tem vindo a descer sistematicamente e sem interrupções ao longo dos últimos 10 anos. Até 2020, quando os impactos económico, social e psicológico do covid-19 implicaram uma inversão dessa tendência: o número de suicídios voltou a aumentar a partir de Julho de 2020 e com muito maior incidência na população jovem feminina. Os números disponíveis indicam 20919 suicídios no Japão em 2020, claramente abaixo dos quase 35000 que se tinham registado em 2003 e que tinham levado à criação de programas de prevenção e à monitorização sistemática do fenómeno. Desde então os números tinham diminuído, sem interrupções entre 2009 e 2019. A partir de Julho do ano passado a situação alterou-se e 2020 acabou por fechar com 13943 suicídios entre os homens (1% mais do que em 2019) e 6976 suicídios de mulheres (15% mais do que no ano anterior). Só no mês de Outubro suicidaram-se 851 mulheres, um acréscimo de 85% em relação ao mesmo mês de 2020. Aliás, o número total de mortes por suicídio nesse mês (2153) foi superior ao número de mortes por covid-19 até esse momento (2087). É também de salientar a coincidência de se tratar de um ano em que o número total de mortes no país diminuiu em relação ao ano anterior, o que aconteceu pela primeira vez em 11 anos. Uma das justificações adiantadas para este fenómeno é o de se terem adoptado cuidados gerais de saúde mais rigorosos devido ao covid-19 que contribuíram também para prevenir outras doenças – do corpo, não da mente. Os dados também revelam que os casos de suicídio não aumentaram durante a primeira fase da pandemia, com a primeira vaga de infecções, que no Japão tinha começado ainda em Janeiro. Foi na segunda vaga, no Verão – com um volume de casos mais significativo e medidas de contenção mais restritivas e com maiores impactos económicos e sociais – que se começou a consolidar uma subida anormal do número de suicídios no país. Explicações adiantadas para o problema focam-se no impacto do encerramento forçado de estabelecimentos comerciais e de restauração, com níveis de emprego feminino proporcionalmente mais altos que os da indústria ou outros serviços. Em consequência, quase dois terços dos empregos perdidos em 2020 em resultado da pandemia eram ocupados por mulheres. Apesar de a população feminina ter uma participação no mercado de trabalho francamente inferior à dos homens, a perda de postos de trabalho de mulheres reflecte a precariedade generalizada da sua situação laboral, uma vez que cerca de dois terços ocupa postos de trabalho a tempo parcial. Resta então saber qual será o impacto da terceira vaga, que agora parece estar finalmente a terminar, mas que atingiu valores muito mais altos nos níveis de infecções e implicou restrições ainda mais severas. Na realidade, os números parecem apontar para uma tendência semelhante também na Coreia do Sul: durante quase todo o ano de 2020 (até 10 de Dezembro) 564 pessoas tinham morrido de covid-19, enquanto o número de suicídios por mês era mais do dobro, pelo menos entre Janeiro e Setembro (último mês com dados disponíveis). Em particular, o número de suicídios em mulheres de 20 a 30 anos de idade aumentou 40% em relação ao ano anterior. As explicações adiantadas por comentadores na imprensa são semelhantes às do caso japonês: incapacidade de suportar os custos de vida para quem ocupa os lugares mais vulneráveis à pandemia no mercado de trabalho actual (pessoas com contratos de curta duração ou trabalho informal, geralmente a tempo parcial, nos sectores do comércio a retalho e restauração mais orientados para o turismo). Este sofrimento solitário imposto por sucessivos confinamentos tem evidentes consequências sobre a saúde mental que se juntam aos problemas sociais e económicos que este tipo de recessão inevitavelmente implica. Mas o caminho está longe de estar percorrido, não só porque a pandemia não está controlada, mas também porque os seus devastadores impactos económicos e sociais ainda vão perdurar. O capitalismo contemporâneo não lida bem com este confinamento que representa também um encerramento generalizado dos mercados, cuja abertura permanente permite a competição sistemática em que vivemos e alimenta o eventual crescimento das economias. Os estados emagrecidos que temos hoje não estão preparados para substituir esta dinâmica em caso de emergência. E é essa emergência que vai persistir, não só no Japão ou na Coreia do Sul, mas também em todos os outros países onde a pandemia tem impactos significativos, com mais ou menos intensa monitorização dos suicídios e suas causas, ou das implicações sociais e individuais desta doença.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA economia social do globo “Hume basically explains that an excess of money (gold and silver bullion) is not the basis for national prosperity, but rather the relation between money and commodities, aka prices, is what is actually important. He advocates against money being put into storage and against a simple life, in which people produce things locally for themselves and with their neighbors. These practices reduce the circulation of both money and commodities. These practices also prevent efficient taxation, hindering the government’s ability to utilize said taxes, because self-sufficient communities would only be able to pay taxes with their crops and cottage-industry productions, while money in storage is virtually absent from the market.” On “Of Money, and Other Economic Essays” David Hume No final de Dezembro de 2008, o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao deu uma entrevista a Fareed Zakaria. Apenas alguns dias após a falência do banco Lehman Brothers, o Congresso americano estava a discutir medidas de resgate para o sistema financeiro dos Estados Unidos, que só dariam origem ao TARP (Programa de Alívio de Activos Turbulentos) a 3 de Outubro de 2008. O governo chinês nessa altura era visto como um factor de estabilização da economia mundial, sobretudo devido ao seu crescimento anual do PIB de dois dígitos desde 2003, que atingiu 14,2 por cento em 2007. Em 2007, a capacidade de mobilizar recursos substanciais nos mercados deu origem ao fundo soberano China Investment Corporation (CIC), que é capaz de investir mais, e com maiores rendimentos, em acções e não apenas em obrigações do Tesouro, das quais a China através do banco central e outros instrumentos é um grande comprador há algum tempo. O nascimento do CIC em Dezembro de 2007, e nos mesmos meses em que o sistema financeiro começou a sofrer os efeitos da crise das hipotecas subprime, levou-o perto do sistema bancário ocidental, juntamente com outras instituições financeiras soberanas dos países do Golfo e Singapura. O processo de decisão permite ao Partido Comunista Chinês (PCC) agir de forma mais independente das dinâmicas parlamentares e administrativas. Neste cenário, a entrevista de Wen Jiabao destaca a interdependência dos dois sistemas, pois uma recessão nos Estados Unidos teria certamente um impacto na economia chinesa, dada a interconexão comercial; as relações intensas entre as finanças dos dois países não podem permear qualquer isolamento do sistema financeiro. A situação nos Estados Unidos é preocupante, mas a China está pronta a dar uma mãozinha. O sucesso chinês, segundo Wen Jiabao, reside num “pensamento importante de que o socialismo também pode praticar a economia de mercado”. O entrevistador objecta que é uma contradição pois os recursos são atribuídos pelo mercado, numa economia de mercado adequada, ou existe um planeamento central. Face a esta objecção, o primeiro-ministro chinês esclarece a sua referência histórica, enraizada em todos os aspectos no nascimento do capitalismo dado que o objectivo de Pequim, a partir de 1978, é assegurar que tanto a “mão visível” como a “mão invisível” sejam utilizadas para “regular” as forças do mercado. Esta complementaridade, segundo o primeiro-ministro chinês, remonta a um clássico do pensamento ocidental, uma vez que se conhece as obras clássicas de Adam Smith e sabe-se que existem dois textos famosos. O primeiro é “A Riqueza das Nações”, o outro é o texto sobre moralidade e ética. A Riqueza das Nações lida mais com a mão invisível, as forças de mercado. O outro livro trata da igualdade social e justiça e nele é enfatizada a importância da regulamentação governamental para distribuir riqueza entre as pessoas. Com esta palestra em mente, o primeiro-ministro chinês iniciou uma digressão pelas principais capitais europeias, que incluiu também algumas conversas na Grã-Bretanha sobre Adam Smith. As suas palavras eram aguardadas com grande atenção, pois cruzam-se com as fases mais agudas da crise financeira ocidental, que levaria o nome convencional de “Grande Recessão”. É evidente que a “mão”, na perspectiva chinesa, é a impossibilidade de uma separação entre economia, direito e política; uma forma de “capitalismo político” ou “politicamente orientado”, de acordo com a definição ampla de Max Weber. O que mantém as mãos juntas é a “regulamentação governamental”e mais recentemente, o PCC. Wen Jiabao foi deslegitimado em 2012, no final do seu mandato, por outra “mão visível”, dado que o New York Times publicou uma investigação premiada com o Prémio Pulitzer sobre a riqueza acumulada dos seus parentes. A operação, muito provavelmente, não é alheia ao tumulto relacionado com a mudança de liderança do Partido, que nesse ano assistiu à purga de Bo Xilai e à ascensão do presidente Xi Jinping, há muito esperada, mas inesperada na extensão do poder que será capaz de alcançar. No final de 2011, Alex Salmond, então primeiro ministro da Escócia, visitou a China pela terceira vez. No seu discurso na Escola Central do Partido, Salmond sublinhou a importância de Adam Smith na abordagem dos desafios contemporâneos das alterações climáticas e da sustentabilidade, e agradeceu ao governo chinês a oferta de dois pandas gigantes à cidade de Edimburgo. Tian Tian e Yang Guang, símbolos da amizade entre a Escócia e a China, são os novos residentes da cidade onde Adam Smith ensinou e foi Comissário da Alfândega antes da sua morte. Nunca é demais recordar que a economia política para Adam Smith não tem qualquer pretensão de auto-suficiência. Faz sentido apenas dentro de um projecto maior de organização do conhecimento, “a ciência do estadista ou do legislador”. As suas principais obras, “Teoria dos Sentimentos Morais”, “A Riqueza das Nações” em si, e “Palestras sobre Jurisprudência”, fazem parte deste edifício. A ciência de Adam Smith tem uma pretensão de organicidade que a sua obra fundamenta em certas concepções filosóficas, a começar pela simpatia. O próprio ramo da economia política repousa numa concepção de conhecimento que torna o sistema possível. A especulação, ou filosofia, rege o sistema. Para Smith, a profissão dos filósofos, ou homens de especulação, não é fazer nada em particular, mas observar todas as coisas. A especulação implica a capacidade de ver por si e pelos outros, e não se limita a olhar para o presente. Num sentido lato, especular “designa olhar para além, observar antes, perceber o que pode acontecer”. A tarefa dos filósofos, segundo Adam Smith, é a “ligação dos objectos mais distantes e díspares uns com os outros”. A ciência Smithiana analisa as ligações, de acordo com três significados principais, o sistema, os espaços e as formas. Smith tem um interesse, teórico e retórico, no conceito de sistema. No início de Julho de 1790, pouco antes da sua morte, encarregou-se de supervisionar a destruição dos seus escritos, de modo a deixar para a posteridade apenas as suas obras publicadas, como testemunho da sua tentativa de construir o sistema do qual a economia política era uma peça. Smith tende a ligar o espírito sistemático ao pensamento francês, àquele “talento peculiar da nação francesa” que consegue “organizar cada assunto numa ordem natural e simples, de modo a suscitar uma admiração sem esforço”. O objectivo sistemático de Smith é o desenvolvimento de uma “ciência do estadista, ou legislador”. Este não é um projecto isolado, mas um empreendimento comum a essa paisagem intelectual europeia. Em Vico “a legislação considera o homem como ele é”. A Ciência da Legislação de Gaetano Filangieri, publicada alguns anos após “A Riqueza das Nações”, transfere a necessidade de sistemática, queixando-se de que o “estudo das leis” é tratado por juristas, filólogos e políticos considerando “apenas uma parte deste imenso edifício” em vez de produzir “um sistema de legislação completo e fundamentado”. O objectivo de Smith é o mesmo; construir uma ciência do Estado, para dar aos estadistas uma fonte de certeza. A estabilidade e a volatilidade confrontam-se sempre nesta ciência, até porque as duas figuras que visa tocam-se mutuamente mas diferem. Segundo Smith, existe uma diferença entre o legislador e o estadista. Existe uma “ciência” da legislação porque as suas deliberações são regidas por uma lógica de estabilidade, “princípios gerais que são sempre os mesmos”.Por outro lado, há a habilidade de “aquele animal insidioso e espirituoso, vulgarmente chamado estadista ou político, cujo conselho é, diria eu, das flutuações momentâneas dos negócios”. Legisladores e estadistas, unidos em intenções, distinguem-se pela sua relação com o tempo. Os interlocutores da economia política são os juristas, sem os quais não tem qualquer fundamento. Os beneficiários da economia política são os estadistas. Estaticistas, porque devem calcular. O sistema e o cálculo mantêm-se juntos no direito. “O sistema, qualquer sistema, implica um nexo unitário de conteúdo, uma substância comum às suas normas”. O pai da economia política é antes de mais nada um jurista, um homem “profundamente lido na constituição e nas leis do nosso país”. Uma vez que Smith dá uma educação jurídica, então as suas lições podem gerar políticos. Charles Townshend escreveu ao jovem Duque de Buccleauch em Junho de 1765 dizendo “Smith vai fazer de si um político”. E a própria “Riqueza das Nações” é “um livro para estadistas, não para estudantes”. A ciência da legislação aponta assim para uma relação essencial entre economia, política, e direito, em termos orgânicos. Smith experimentou no seu tempo um nascimento da economia política em estreita correlação com todos os problemas humanos, através da “união íntima do pensamento económico, religioso, político e moral na percepção de que existe apenas uma fronteira móvel e indefinida entre as relações políticas e económicas, entre a vida económica e os outros aspectos da vida”. Neste sentido, “a vida económica, para Smith, estava intimamente ligada ao resto da vida, ou à vida da política, do sentimento e da imaginação.O pensamento económico estava ligado ao resto do pensamento, ou à reflexão jurídica, filosófica e moral. No pensamento especulativo dos filósofos, bem como nos planos e projectos dos mercadores, os económicos e os políticos eram virtualmente impossíveis de distinguir”. No princípio, existe assim esta acumulação de conhecimentos, para interpretar o processo histórico, do qual a economia política faz parte. A ciência do legislador que encontra a sua legibilidade na era da divisão do trabalho, mas que, por outro lado, encontra uma antecipação decisiva a nível histórico na primeira era do desenvolvimento do capitalismo, que podemos localizar desde o nascimento da Companhia holandesa e inglesa das Índias Orientais, e a nível intelectual na época do Iluminismo escocês. Por outro lado, a comparação entre “A Riqueza das Nações” e “A Teoria dos Sentimentos Morais” conduziu a uma polémica interpretativa influente, a mesma à qual o ex-primeiro-ministro chinês Wen Jiabao se refere pro domo sua. É a alegada “dissociação” entre os dois ferreiros que carateriza o chamado problema de Adam Smith (identificado especialmente pelos intérpretes alemães do século XIX). No pensamento do filósofo escocês, existe realmente uma contradição entre filosofia moral (baseada no “mito” da benevolência) e filosofia económica (baseada no “mito” do interesse)? Esta questão surge inevitavelmente na passagem “para além” da obra de Smith, à qual ele próprio dá importância. No final da “Teoria dos Sentimentos Morais”, depois de recordar o trabalho de Grotius como exemplo do primeiro sistema jurídico realizado sobre os direitos das nações e sobre os problemas da guerra e da paz, Smith tenta traçar as linhas do seu principal projecto para o futuro, que é descrito nestes termos: “Num outro discurso tentarei examinar os princípios gerais do direito, do governo, e as diferentes revoluções que sofreram nas distintas épocas da sociedade, não só no que diz respeito à justiça, mas também à polícia, às receitas do Estado, à defesa, e a tudo o que é objecto do direito. ” A “Teoria dos Sentimentos Morais”, ao procurar a sua realização num sistema legal, remete para outro discurso, o horizonte geral do direito. Claro que, como os intérpretes e biógrafos, e mais recentemente Phillipson, mostram, Smith continua este projecto nas suas outras obras, mas a sua decisão final é queimar “Os Manuscritos Incompletos” e “O Outro Discurso” que nunca foi publicado o que com toda a probabilidade, nem sequer foi queimado. O sistema da política, no sentido pretendido por Smith, encontra o desinteresse subsequente, que é o outro lado da moeda do sucesso da ciência da economia política (e da sua crítica). Nenhum trabalho no contexto britânico tem a ambição de Smith, querendo alcançar a mesma amplitude nas esferas histórica, política e jurídica, interrogando os mesmos fundamentos filosóficos. Como Donald Winch observa, “grande parte da ciência da legislação de Smith morreu com ele, e qualquer avaliação do seu ramo que constitui a economia política deve considerar este facto”. Ao mesmo tempo, o carácter muito incompleto do sistema Smithiano torna a “Riqueza das Nações” um texto de grande interesse para historiadores, filósofos e juristas. Abeiremos à ligação entre espaços, um aspecto crucial do trabalho de Smith e da sua “imaginação geopolítica”. O ano de 1776 é a data da publicação da “Riqueza das Nações”, o primeiro volume de Gibbon’s e “História do Declínio e Queda do Império Romano”, e a “Declaração de Independência dos Estados Unidos da América”. O “começar”, é o verbo-chave com que Thomas Paine abre o ano em senso comum, transmitindo um sentido de urgência na cesura, na abertura de uma nova história que pretende ser radicalmente diferente. Não se pode compreender a era da tentativa Smithiana sem a situar dentro destes conceitos, em conexão com o que é novo, no auge das novas formas políticas que querem nascer e que reclamam a sua quota-parte de liberdade. Num novo e cada vez maior espaço, a ciência do legislador responde às convulsões que se seguiram às grandes descobertas e à navegação transoceânica, e à subjectividade das colónias americanas. É uma era que Smith descreve através do conceito de sociedade comercial. A sociedade é “comercial” porque o comércio expande-se no espaço. O sistema de comércio requer uma instrumentação espacial. O estadista que quer compreender o seu tempo terá de repetir a invocação de Lear no início da sua tragédia: “Tragam-me o mapa”. Mapas desenhados por comerciantes, respondendo à lógica de troca e apropriação. A ascensão do poder marítimo britânico não pode ser compreendida sem este gosto cartográfico, sem a mente cartográfica, a arte de ler mapas e de pensar através dos mapas. Já em 1634 Henry Peacham chama à geografia a “arte prática dos princípios” e aconselha mapas de desenho, para exercitar a mão, instruir a mente e manter a memória. A mente marítima de texto é essencial para a compreensão das obras políticas de Hume e Smith. Hume fala de uma “economia social do globo”, no cenário de um “comércio alargado no vosso mundo” capaz de despertar da letargia as mentes de homens que “correm para as capitais, portos, rios navegáveis”, em oposição ao espírito de império e conquista, a que Adam Smith também se opõe. Assim que a economia atlântica do século XVIII estava a tomar forma, Hume desenvolveu o seu pensamento sobre o papel do comércio, o poder da informação, os conceitos de distância e ligação, e o equilíbrio do poder, precisamente observando a história atlântica e as suas crises. Smith reconhece a importância de novas geografias, reflectida também pelas frequentes referências à América e à China no seu trabalho. O pensamento do nascimento da economia política dentro da ciência da legislação ocorre ao confrontar todo o globo da terra, e assim pensar na unidade do mundo. Smith escreve, numa das passagens mais significativas da “Riqueza das Nações”: A descoberta da América e a descoberta de uma passagem para as Índias Orientais através do Cabo da Boa Esperança são os dois maiores e mais importantes acontecimentos da história da humanidade. As suas consequências já foram muito grandes, mas é impossível que no curto período de dois ou três séculos decorridos desde essas descobertas se tenha podido ver toda a extensão das suas consequências. Toda a sabedoria humana pode prever as vantagens que podem resultar destes dois grandes acontecimentos no futuro. Unindo em algum grau as partes mais distantes do mundo, e permitindo-lhes contentar as suas necessidades mútuas, aumentar as suas satisfações, e encorajar a sua indústria, a sua tendência geral parece ser vantajosa. No entanto, para os nativos das Índias Orientais e Ocidentais todas as vantagens comerciais derivadas destes dois eventos foram anuladas e perdidas nas terríveis calamidades de que foram a causa.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesQuarentena apetecível Este é o meu primeiro artigo após o Ano Novo chinês. Aproveito para desejar a todos os meus leitores um feliz Ano Novo. Durante os feriados, a comunicação social de Hong Kong anunciou que a Tailândia, para revitalizar o turismo, passou a permitir que os viajantes cumpram a quarentena de 14 dias num dos seus resorts, que possui um campo de golfe. Durante o período de quarentena, os turistas confinados podem dedicar-se a este desporto. Existem seis campos de golfe na Tailândia. O que se encontra no resort que pode servir de local de isolamento, fica a uma hora e meia de Banguecoque de carro. A quarentena é uma medida que é aplicada a quem vem do estrangeiro. Assim que chegam à Tailândia, os turistas têm de fazer um teste ao ácido nucleíco. Se o teste for negativo, a partir do quarto dia de estadia podem jogar golfe. Durante este período, terão de fazer mais três testes. No campo, os grupos de jogadores têm de estar separados por dois buracos. No entanto não têm acesso aos cacifos nem às cafeterias. Como medida de segurança, o clube de golfe não disponibiliza caddies nem outro tipo de pessoal e os turistas não podem sair do resort. O clube de golfe só aceita turistas estrangeiros. Embora estas medidas tentem proporcionar entretenimento durante o período de isolamento, os turistas pagam por ele um preço bastante elevado. Para além da quarentena de 14 dias que têm de cumprir na Tailândia, terão de passar por idêntico período de isolamento quando regressarem aos seus países de origem. Terão ainda de pagar o alojamento no resort. Na actual situação de pandemia, muitos países têm relutância em aceitar turistas. Mas, aparentemente, os tailandeses pensam de forma diferente. Parecem concordar com este plano e acreditam que esta abordagem pode revitalizar a economia, ajudando a trazer divisas para o país através do turismo; mas recusam-se a reduzir o período de isolamento de 14 para 10 dias; porque se mesmo a quarentena de 14 dias não garante que não haja qualquer possibilidade de contágio, a redução para 10 dias é encarada como bastante preocupante. Em última análise, a saúde está em primeiro lugar. O plano de golfe é uma ideia muito inovadora. A epidemia afectou em larga escala os sectores da aviação e do turismo. As pessoas deixaram de viajar. Hoje em dia quase só se viaja por necessidade. Todos nos sentimos inseguros. E, como é evidente, as indústrias da aviação e do turismo estão estagnadas. Este plano permite que os turistas usem as instalações do resort para jogarem golfe durante os 14 dias de isolamento. É um factor que permite atrair turismo para a Tailândia. Quase em toda a parte, a quarentena obriga à permanência em hotéis ou em centros médicos, sem qualquer possibilidade de saídas. As pessoas são obrigadas a estar em confinamento e isoladas. Para além disso, os turistas ainda têm de pagar este alojamento forçado. O plano de golfe tira obviamente partido da possibilidade de circulação ao ar livre, num ambiente em que as hipóteses de contágio são extremamente baixas. A saúde dos turistas fica garantida; além disso ainda lhes é proporcionada a possibilidade de divertimento. O preço que são obrigados a pagar pelo alojamento durante a quarentena garante-lhes isolamento e diversão. Comparado com o isolamento dentro das quatro paredes de um hotel, o plano do golfe apresenta grandes vantagens. Mas claro que a revitalização do turismo na Tailândia não pode contar apenas com esta medida. Ainda teremos de esperar para avaliar a eficácia do plano. Macau usa actualmente um hotel como centro de quarentena. Durante este período, os turistas têm de ficar encerrados no quarto e não podem contactar com ninguém. O mesmo se passa mais ou menos em toda a parte. A política de revitalização da economia em Macau privilegia os casinos em detrimento dos hotéis. Eles são a principal fonte de receitas de Macau, mas a maior parte das suas instalações são constituídas por espaços fechados. Macau e a Tailândia dependem ambos do turismo. A Tailândia decidiu apostar no golfe como forma de aliviar os inconvenientes do isolamento. Este conceito tira partido dos vastos espaços ao ar livre, junto ao local onde os turistas têm de estar alojados. No sector do turismo, é necessário haver constante inovação para que sejam criados novos pontos de interesse, caso contrário os turistas podem vir uma vez a Macau mas já não voltam uma segunda vez. Tendo isto em mente, quando pensarmos o futuro da indústria do turismo na cidade, devemos considerar a construção de instalações em espaços amplos, com acesso a zonas ao ar livre. Por exemplo, Macau pode considerar a construção dos seus resorts em espaços amplos, onde se possa praticar desportos motorizados, construir um parque aquático e campos de golfe. Em tempos normais, os residentes de Macau podem usar o resort. Se tiver de ser usado como um centro de isolamento, todas as valências acima mencionadas podem estar à disposição dos turistas. Desta forma a saúde dos visitantes pode ser protegida, porque a distância social pode ser assegurada; quando não houver necessidade de utilizar estas áreas, o resort pode encerrá-las temporariamente. O Ocean Park de Hong Kong está actualmente num processo de reformas devido à crise financeira. Embora o Ocean Park não seja tão amplo como um campo de golfe, é mesmo assim um local com muito espaço. As zonas interiores do Ocean Park, como os restaurantes, estão fechadas. Se fossem transformadas num centro de quarentena, para que os turistas que chegam a Hong Kong pudessem visitar o parque durante a quarentena, seria uma mais valia para todos e bem melhor do que fechar o Ocean Park durante a pandemia. Os economistas afirmam muitas vezes que os recursos são limitados. Mas todos sabemos que a criatividade humana não tem limites. O segredo está em como usar essa criatividade para benefício da colectividade. Os recursos naturais de Macau são limitados, e como tal, Macau tem de ser criativo se quiser revitalizar as indústrias do jogo e do turismo. O plano de golfe tailandês merece a nossa atenção em profundidade. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Hoje Macau Direito de Resposta VozesDireito de resposta de Maria Ó Bruno Soares Maria Ó Bruno Soares, representante legal das vítimas dos crimes de abuso sexual de crianças cometidos por João Tiago Martins, vem exercer o seu direito de resposta à notícia da primeira página do jornal de que V. Exa. é director, publicada em 18-02-2021, sob o título “De culpado a inocente”, na qual é afirmado que a “Justiça portuguesa reverte decisão dos tribunais de Macau”, desenvolvida nas páginas 2 e 3 da mesma edição e assinada pela jornalista Andreia Sofia Silva. Quanto ao antetítulo “Justiça portuguesa reverte decisão dos tribunais de Macau”: Contrariamente ao que se infere do antetítulo da notícia, a Justiça portuguesa não pode, em circunstância alguma, reverter as decisões proferidas pelos tribunais de Macau, os quais pertencem a uma jurisdição autónoma da República Popular da China. Como tal, a Justiça portuguesa não reverteu, nem podia reverter, a decisão proferida pelos tribunais de Macau que, em 5 de Setembro de 2017, condenou João Tiago Martins à pena de 5 anos e 6 meses de prisão efectiva pela prática do crime agravado de abuso sexual dos seus próprios filhos. Quanto ao título “De culpado a inocente”: Este título é inverídico e induz os leitores em erro. A Justiça portuguesa não declarou a inocência, nem sequer questionou a culpabilidade do João Tiago Martins na prática dos mencionados crimes pelos quais foi condenado em Macau. Pelo contrário, o Juízo de Família e Menores de Lisboa deu como provada aquela condenação criminal e a respectiva confirmação pelos tribunais superiores da RAEM. A decisão proferida agora pelo Juízo de Família e Menores de Lisboa, no âmbito de um processo de natureza cível, apenas indeferiu o pedido, instaurado na jurisdição portuguesa, de inibição total das responsabilidades parentais do João Tiago Martins, através de decisão que não transitou em julgado e está sujeita a recurso. Como tal, para todos os efeitos, o João Tiago Martins é culpado dos crimes em causa e nunca poderá ser considerado inocente, muito menos por uma justiça estrangeira alheia aos tribunais de Macau. Quanto à frase “Em Portugal, o tribunal considerou que o julgamento de João Tiago Martins em Macau careceu de prova suficiente”: Também esta frase vertida na entrada da notícia é inverídica e induz os leitores em erro. Em lado algum da decisão agora proferida pelo referido Juízo de Família e Menores, se concluiu que o seu julgamento em Macau careceu de prova suficiente. Ao invés, o tribunal português afirmou que não lhe cabia “realizar avaliação da forma como os factos foram julgados por outros tribunais.” O motivo pelo qual factos foram dados como não provados na sentença proferida pelo mencionado Juízo é essencialmente formal e , como dela decorre, traduz-se no facto de não ter sido previamente efectuada na jurisdição portuguesa a revisão da sentença penal condenatória proferida pelos tribunais de Macau. “Daí que tenha concedido ao pai a guarda parental dos filhos contra a vontade da ex-mulher”: É também errónea a notícia de que o tribunal português tenha concedido ao pai a guarda parental dos filhos. De resto, tal nem sequer estava sob discussão no referido processo de inibição. Com efeito, a guarda parental dos menores cabe, desde 2011, à signatária desta resposta. Acresce que, na sequência da condenação criminal do João Tiago Martins, este foi inibido totalmente de exercer o poder paternal pelos tribunais de Macau, até à maioridade dos filhos, por decisão de 11 de Dezembro de 2019, ainda antes da data de o mesmo ter sido colocado em liberdade condicional. Considerando a gravidade dos crimes em causa e o facto de ser totalmente desprovida de sustentação factual a autoproclamada inocência do João Tiago Martins (na página 2 da referida edição), tal notícia – que inculca nos leitores conclusões inverídicas e erróneas -, atenta contra a dignidade e o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada e familiar das vítimas dos crimes, meus filhos, bem como contra a independência e dignidade dos tribunais de Macau e dos Exmos. Senhores Juízes que, nas três instâncias locais, condenaram, sempre por unanimidade, o autor dos crimes a que este jornal dá voz. É de lamentar que, perante uma matéria que envolve dois menores vítimas de crimes cometidos em Macau, o jornal que V. Exa. dirige não tenha contactado a representante legal das vítimas, ou os seus advogados, no sentido de confirmar a veracidade das conclusões extraídas pela jornalista que subscreve a notícia, em omissão clara do dever de verificação dos conteúdos jornalísticos por que é responsável. A signatária reserva todos os direitos que legalmente lhe assistem de recorrer aos meios judiciais para cabal exercício dos direitos dos seus filhos. Maria Ó Bruno Soares Nota da direção O jornal Hoje Macau não utilizou, de facto, a linguagem jurídica que consta dos processos, tendo interpretado e “traduzido”, em linguagem comum, as afirmações do tribunal português, que rejeitou as pretensões da signatária, apesar de ter tido acesso aos documentos do processo realizado na RAEM. De igual modo, por respeito aos menores envolvidos, tivemos o cuidado de não expor a sua identidade, bem como a identidade da signatária deste direito de resposta. Se, eventualmente, causámos alguma perturbação à signatária, desde já esclarecemos que não foi essa, de todo, a nossa intenção. Os representantes legais em questão nunca responderam às nossas solicitações de esclarecimento deste ou de quaisquer casos em que tenham estado envolvidos. Esperamos que, para a próxima, esses mesmos representantes legais respondam às nossas solicitações ou nos facultem o contacto dos seus clientes que, infelizmente, não possuíamos. Estamos, contudo, disponíveis para ouvir uns e outros e noticiar as suas opiniões e versões sobre os factos em questão.
André Namora Ai Portugal VozesJuiz revolta homossexuais Ao que isto chegou em Portugal. Um país a ocupar-se durante uma semana de um juiz presidente do Tribunal Constitucional que há anos tinha uma posição anti-homossexual. É um tema antigo e demasiadamente badalado. Até entre os nossos reis tivemos D. Sebastião, D. Pedro I e D. Afonso VI que eram mais para lá do que para cá. O homossexualismo tem sido um dos maiores preconceitos da história humana mundial e em Portugal sempre existiu a prática do amor entre homens ou entre mulheres. Há anos, os sacerdotes católicos abusavam de jovens ainda no seminário. Alguns foram expulsos da Igreja, mas nos dias de hoje até o Papa Francisco admitiu o casamento homossexual. A Assembleia da República aprovou o casamento gay e a partir daí muita gente tem saído do armário. Entretanto, um magistrado de nome João Caupers, sem qualquer investigação sobre o seu passado conseguiu chegar a presidente do Tribunal Constitucional. A maioria dos comentadores televisivos indicaram que para se chegar a um cargo desta natureza tem de ser um cidadão impoluto e exemplar. Ora, o juiz Caupers escreveu em 2010 alguns textos, que indignaram as pessoas em geral e até os seus pares na área judicial, textos esses completamente anti-homossexuais. Quer dizer, não me digam que durante toda a carreira deste juiz se lhe apareceu pela frente qualquer réu que ele soubesse ser homossexual, seria certo que o condenava mesmo sendo um inocente? Nem posso acreditar nisso. O que sabemos é que o juiz presidente do Tribunal Constitucional referiu-se aos homossexuais como uma “inexpressiva minoria cuja voz é despropositadamente ampliada pelos media”, posicionando-se como um fulano integrante de uma “maioria heterossexual dominadora”. As suas declarações estiveram directamente ligadas à promulgação da lei que abriu a possibilidade de casamento para casais homossexuais. O juiz tem agora em 2021 o desplante de se desculpar e de afirmar que se tratou de um “instrumento pedagógico, dirigido a estudantes para melhor provocar o leitor” e acrescentando que hoje em dia não tem as mesmas ideias. Não tem? Será que passou a ser homossexual? Claro que não. O que o juiz escreveu por diversas vezes, tais como “os homossexuais não são nenhuma vanguarda iluminada, nenhuma elite”, pelo que não faria sentido a sua “promoção”. Gostaria de ouvir a opinião de um juiz que conheci e que era homossexual e que, infelizmente, já faleceu. Tenho a certeza que esse homem de uma competência extrema e que nunca misturou alhos com bugalhos exigiria a demissão do juiz Caupers de presidente do Constitucional. Um juiz deste pensamento quando era professor catedrático nunca poderia chegar ao mais alto cargo do Tribunal Constitucional, com a agravante dos seus textos continuarem à mercê dos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e onde os docentes partilham e expõem artigos de opinião. Eu não sou homossexual nem defendo qualquer causa ligado ao tema, mas sei de fonte clínica de que a homossexualidade não é doença nenhuma e que desde a nascença do ser humano que os genes já têm a sua tendência hetero ou homossexual. Não tenho nada a ver com a vida e opções de cada um, mas não posso admitir pacificamente que um juiz desta envergadura deixe revoltados quantos já compreenderam que ser homossexual não é crime nenhum, apesar de continuarem a ser terrivelmente perseguidos e discriminados, sendo ainda criminalizados pela sua orientação sexual em muitos países, nalguns inclusive submetidos à pena de morte. A criminalização da homossexualidade em Portugal só foi definitivamente afastada em 2007. Mas em 2010, o professor Caupers ainda tentava provar aos estudantes que ser homossexual era um crime hediondo. Mas, como em Portugal o habitual é que a discriminação, a injustiça, a corrupção e a prepotência morram solteiras, temos mais um caso em que um “senhor” juiz rir-se-á disto tudo.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesAlma taurina No dia 4 de Dezembro de 2019, uma vaca que ia ser enviada para o matadouro, escapou da manada, passou pela vedação de ferro, passeou-se nas ruas do Bairro da Ilha Verde e só parou depois de ter sido anestesiada. Por causa da anestesia, a carne ficou imprópria para consumo, por isso os donos do animal entregaram-no ao Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), que o colocou no Parque de Seac Pai Van de Coloane, onde passou a viver alegremente num belo habitat. As suas companheiras que não fugiram, acabaram no matadouro e, finalmente, na mesa dos comensais. Esta história revela-nos duas verdades. Primeira, nunca devemos esperar pela morte, sem antes termos tentado encontrar forma de a evitar. Se não conseguirmos lutar contra a morte, podemos ficar num beco sem saída. Segunda, quando temos o poder de decidir sobre a vida de terceiros, ao optarmos pela vida, o resultado final pode beneficiar ambas as partes. Estas duas verdades são igualmente aplicáveis na política. As lágrimas dos mais fracos nunca geram simpatia nos mais fortes, que só respeitam adversários à sua altura. Quando não existe possibilidade de sobrevivência, a resistência é o único recurso. A vaca que fugiu para o Bairro da Ilha Verde em 2019 ficou conhecida em Macau como “a vaca corajosa”, porque lutou pela vida. A forma como o IAM lidou com a situação também é digna de louvor. Podiam tê-la mandado para o matadouro, depois de ter passado o efeito da anestesia, até porque o animal tinha “vandalizado” e destruído propriedade pública durante a fuga, e podia por isso ter sido “condenado à morte”, mas o IAM pelo contrário albergou-a no Parque de Seac Pai Van, parque esse que ganhou mais uma atracção. No “Ano do Boi”, e no meio da pandemia, as pessoas de Macau vêem na vaca do Parque de Seac Pai Van um símbolo da luta pelo aperfeiçoamento constante, o que as incentiva a ter confiança no auto-fortalecimento e na auto-ajuda. Como diz o ditado, “há um tempo para morrer e há um tempo para viver em paz”. Espanha e Portugal são países onde as touradas já foram muito populares. Lembro-me de ter visto uma em Macau, num Ano Novo Lunar, ainda no tempo da administração portuguesa. No entanto, com a luta pelos direitos dos animais, as touradas foram gradualmente entrando em declínio. Inúmeros touros foram mortos nestas arenas ao longo dos tempos, bem como vários toureiros, já que a tauromaquia é um desporto de alto risco. As touradas desapareceram de Macau após o regresso da cidade à soberania chinesa. Depois disso também houve a promulgação da “Lei de Protecção dos Animais”, e o IAM optou pela “preservação da vida” e não pela “sentença de morte”. Isto significa que Macau é um local que defende uma política de paz e de estabilidade. O mesmo não se passa na vizinha Hong Kong que, embora nunca tenha assistido à violência das touradas, tem assistido no último par de anos a uma violência bem pior, a que lança os homens uns contra os outros. A mentalidade do toureiro (ou morres tu ou morro eu) tornou Hong Kong numa praça de touros, onde acontecem touradas violentas de vez em quando. Ser um lutador não é uma grande virtude, porque em última análise implica a destruição de tudo o que nos rodeia. As vacas são animais gentis e, se forem bem tratadas, permanecem calmas. Mas sem não o forem, o seu poder destrutivo é enorme, especialmente se forem massacradas com bandarilhas. Em 2020, muitas pessoas foram afectadas pela COVID-19 e sofreram imenso. Em 2021, o “Ano do Boi”, vai ser determinante se os governantes possuirem mentalidade de “toureiros” ou de “criadores de gado”. Os “toureiros” vão provocar mortes, mas os “criadores de gado” estão destinados a ter bons resultados. Ficarei feliz se me puder sentar no restaurante que foi instalado no último piso da velha praça de touros de Barcelona, a beber vinho tinto e a comer melão com presunto, em vez de iscas feitas a partir do fígado do touro morto na arena.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCanção de Engate Na natureza, quando é que ouvimos música? Quando os passarinhos tentam engatar as passarinhas. A música faz algumas coisas pelo sexo e pelo amor, como com outras coisas na nossa vida. A música ajuda-nos a expressar identidades, regular as nossas emoções e ajuda no bem-estar. A música até pode afectar o que compramos – parece que há maior probabilidade de comprar um vinho alemão quando há música alemã a sair dos altifalantes da loja – para alegria dos comerciantes. Os arqueólogos encontraram flautas feitas de osso com mais de 35 mil anos. A insistente ideia de que a música é só uma atividade “extra” não dá conta da sua importância no nosso dia a dia, e na evolução da espécie humana. Mas voltemos ao que interessa: a relação entre a música, o sexo e o amor é-nos intuitiva. Principalmente porque, e houve quem tivesse perdido tempo para averiguar, à volta de 60% das canções dos tops internacionais são sobre amor. A música é dos veículos mais eficazes para dar sentido àquele frio na barriga ou a um coração partido – que depois ressoa nas experiências dos ouvintes. Os estudos sobre o tema são muitos, criativos e de resultados curiosos. Tal como em contexto comercial, parece que a música romântica pode aumentar a possibilidade de alguém partilhar o número de telefone com um estranho, em comparação com uma música neutra. Até Darwin opinou sobre o papel da música (e da sua evolução!) em relação às fases de acasalamento humanas. A sua teoria dizia que as mulheres teriam preferência por homens que tocavam instrumentos porque eles mostrariam uma clara vantagem genética (destreza, ritmo, musicalidade…). A teoria vai mais longe a supor que é na ovulação que as mulheres prefeririam música mais complexa, para garantir um acasalamento propício à propagação de bons genes. Não é piada, o Darwin pôs a hipótese de que a evolução da música terá dependido das tentativas de engate. A grandiosidade do Piano Concerto nº 2 do Rachmaninoff viria dos homens a quererem superar-se. Claro que estudos empíricos subsequentes não conseguiram provar muitos destes pressupostos darwinianos, apesar das inúmeras tentativas. Aliás, esta forma de estudo da música é extremamente insatisfatória. É como se a música estivesse à mercê dos humanos para uma manipulação calculista, como se ouvíssemos e fizéssemos música para um fim muito concreto. E sim, a verdade é que muitos de nós já perdeu horas a fazer colectâneas de canções para umas férias de sonho, ou para um jantar romântico especial. Quem mais adequado do que o Nick Hornby para, nos seus romances, esmiuçar o amor que se coloca a fazer uma colectânea de canções. O que a investigação talvez tenha explorado menos é a capacidade da música juntar as pessoas na criação de ligações sociais e comunitárias. Muito antes da possibilidade de gravar ou escrever música (com anotação musical) a música era vivida e co-criada. Imaginem as pessoas da aldeia com canções para ajudar a trabalhar na terra. Ou melhor, antes disso, imaginem a tal flauta de osso inventada muito antes da agricultura. Acho que perceber a música como este veículo comunitário e ritualista, que até envolve muita dança e oxitocina – a hormona do prazer que também é libertada no sexo –, é um caminho mais frutífero para perceber esta ligação da música com o amor. Pensem nas discotecas, por exemplo, são antros de engate não porque passam música romântica constantemente, mas porque há esta comunhão entre a música e os outros. Depois, claro, “não se ama alguém que não ouve a mesma canção” e a partilha de música importa, principalmente, na atracção. Como nos grandes filmes de amor, uma grande banda sonora faz toda a diferença.
João Romão VozesO vírus olímpico Primeiro por manifesta influência familiar e depois por opção, a prática desportiva foi desde cedo importante na minha existência, apesar das minhas limitadas habilidades. A ginástica ocupou grande parte da minha infância e depois passei a desportos colectivos e com bola, tendo aderido à grande família do andebol português, onde permaneci por uns 10 anos, só depois de ter comprovado a minha manifesta incompetência para a prática do desporto-rei. Passei para o pavilhão em vez dos ar livre e a usar as mãos em vez dos pés, mas na realidade o jogo até era semelhante. Eram tempos em que acompanhava com regularidade os Jogos Olímpicos, na altura relativamente fáceis de entender: que modalidades se praticavam ou não, que atletas podiam ou não participar, enfim, até a Guerra Fria que se jogava naqueles dias – e os inerentes boicotes políticos aos Jogos – eram coisas inteligíveis, mesmo para crianças ou adolescentes que seguissem o assunto com algum interesse e dedicação. Não viria a ser assim depois: hoje estou muito longe de perceber o que se passa nos Jogos Olímpicos, porque são aquelas as modalidades praticadas, porque estão outras de fora, que critérios estão definidos para a participação de atletas, agora que a divisão entre “amadores” e “profissionais” é tão dificilmente aplicável, porque há critérios diferentes segundo a modalidade, enfim, toda uma série de questões regulamentares que certamente condicionam a competição e os resultados mas que deixaram de ser facilmente inteligíveis, requerem um certo estudo para mim incompatível com a simplicidade das regras que historicamente tornaram globalmente tão populares tantos jogos desportivos. Deixei-me de Olimpíadas, portanto, e passei a seguir campeonatos nacionais e mundiais, competições simples e de regras claras que ainda consigo acompanhar com a minha limitada disponibilidade para o estudo de normas regulamentares que não me dizem directamente respeito. De resto, o romântico, generoso e inteligente princípio de que o que importa é participar há muito tinha sido erradicado do desporto em geral e do Olimpismo em particular. Foi no Japão que me reconciliei com os Jogos. Foi logo na primeira visita ao país, quatro meses no Verão de 2012. Com a diferença dos fusos horários, as competições em Londres podiam ser vistas em directo na noite japonesa e quase todos os cafés, bares ou restaurantes que tivessem televisão davam grande importância ao assunto. Não deixava de haver alguma motivação nacionalista a determinar o interesse nas modalidades que se acompanhavam, mas estava o Japão representado em tantas modalidades, com homens e mulheres, que era grande a diversidade de opções. Mesmo com as insuficiências e barreiras comunicacionais inerentes à língua, não foi difícil perceber o genuíno entusiasmo e apoio popular às equipas e atletas e também – muito mais importante – a aceitação generosa da possibilidade de derrota, quando muito manifesta num certo desinteresse pelo resto da prova depois da eliminação da participação japonesa, mas em nenhuma circunstância orientada para manifestações de ódio, xenofobia ou violência verbal contra adversários e equipas de arbitragem que vão caracterizando – aparentemente cada vez mais – as competições desportivas. Quando se jogaram os Jogos de 2016 já eu estava no Japão mais regularmente e voltei a acompanhar os Jogos, desta vez no continente americano e com horários mais difíceis, com muitas provas a disputar-se na minha manhã. Seriam Jogos de grande impacto político no Brasil, que queria transformar o relativo sucesso económico e social dos anos anteriores numa projecção internacional sem precedentes, a que estas competições globais aparecem hoje inevitavelmente associadas: foi também o Mundial de futebol de 2014, ambos vividos já no contexto dos impactos implacáveis da crise económica global que se seguiu à crise financeira de 2008. Com maior ou menos demagogia ou manipulação mediática, em vez de projecção internacional estes eventos contribuíram para intensificar a revolta e a oposição popular a um governo em dificuldades para lidar com o regresso da crise social e históricos problemas de corrupção. Os Jogo, enquanto super-evento mediático, contribuiriam então para o declínio da popularidade dão PT e a emergência deste novo poder que ainda vigora. Em 2020 teria oportunidade de acompanhar pela terceira vez os Jogos Olímpicos em território japonês, com a particularidade de ser Tóquio a cidade escolhida para os organizar, essa fabulosa metrópole com 37 milhões de pessoas em intenso movimento. Como é norma actual, também aqui os Jogos se assumiram como uma gigantesca intervenção de renovação urbana e promoção internacional, com investimentos de visível impacto ainda muito longe de se começar a competir. Os principais estádios e os edifícios da aldeia olímpica estavam prontos ainda no final de 2019, mais um significativo desenvolvimento na baía de Tóquio, um oásis de tranquilidade, amplas avenidas, espaços verdes e transportes com pouca gente, numa cidade intensa em que o normal é o contrário: multidões aceleradas em espaços relativamente exíguos, transportes cheios e infra-estruturas urbanas pesadas. As estações de comboios e transportes metropolitanos foram objecto de renovação profunda, passando a ter informação digital e multilíngue a facilitar a vida a pessoas como eu, e novas torres de escritórios, hotéis e centros comerciais, que por aqui as grandes estações são, na realidade, pequenas cidades – ou não tão pequenas, já que as maiores (como Shinjuku ou Shibuya) movimentam mais de 3 milhões de pessoas por dia. Foi com alguma supresa que assisti a esta gigantesca renovação. É verdade que se trata da maior área metropolitana do mundo, mas também é verdade que é das únicas em que a população está a decrescer, apesar do contexto global em que as pessoas continuam a concentrar-se cada vez mais nas grandes cidades. Esta excepção de Tóquio tem a ver com o envelhecimento populacional que caracteriza o Japão há várias décadas mas nem assim constituiu impedimento para que se investisse tanto em novos edifícios e infra-estruturas para diferentes tipos de uso, aproveitando-se, naturalmente, para melhorar os aspectos da ecologia urbana, dos modes de transporte e da ocupação dos espaços públicos. Como visitante, só posso agradecer. Em todo o caso, com ou sem realização dos Jogos este ano, o impacto desta operação parece inevitavelmente longe das intenções: todas as intervenções urbanas associadas a este evento – e também à Expo-2025, em Osaka – estão fortemente orientadas para a promoção internacional do país, não só do ponto de vista turístico, mas também do ponto de vista da localização de empresas e atração de população estrangeira jovem e qualificada, um papel que o Japão já teve mas no qual foi perdendo protagonismo em relação a Singapura, Hong Kong ou mesmo Seul, actualmente o mais importante ponto de ligação para os transportes aéreos entre a Ásia e o resto do mundo. Além do evidente impacto do covid-19, que na melhor das hipóteses permitirá a realização de umas mini-olimpíadas em 2021, o contexto actual parece ser de de-globalização, não só turística mas da generalidade da economia. Não parece ser o tempo dos grandes eventos de promoção internacional. Também não parece bom tempo para Jogos Olímpicos, agora ou num futuro próximo.
Carlos Morais José A outra face VozesRestaurante Harmonia (por ocasião do Ano Novo Lunar) Enquanto em Portugal se desenrolam vários dramas, por Macau caminha-se com pachorra p’ró Ano Novo Lunar. De nenúfar em nenúfar, no pequeno país teme-se pela pancada; no pequeno enclave é que não se teme nada: tudo aqui é passível de uma marcha regular, sem tragédias, nem lamentos: isto é bom de governar. Com a bênção lá do Céu e as riquezas da Terra, aqui não medram tormentos. Nesta nova utopia, à sombra da grande árvore da pataca, regurgitamos e rimos: não sabemos, não vemos e não ouvimos. Mas, por enquanto, comemos. Eis o menu: Primeiro prato: o leitão. Ornado de luzes com um alegre piscar. Iguaria para os olhos, jovens de uniforme rosa não param de desfilar. Seguram sobre as cabeças o bicho sacrificado, a cada um distribuem elegantes um bocado. Depois, é sublime o momento em que os dentes se cravam na crocante pele enquanto, em simultâneo perfeito, afluem às narinas odores de um aipo santo. Uma respiga de picante vermelho conclui o incidente. Segundo prato: Garoupa ao vapor. Lascas que se elevam brancas, oferecidas, em cama de ervas claras, de coentros da ribeira, da escura soja a pontilhar. Delírio de suavidade no palato, inflamado pela sombra de gengibre. Rodou o peixe e, quando aqui chegou, restava uma ternura de óleo sobre o arroz alvíssimo. Cheirava a fresco, que delícia… Terceiro prato: Galinha assada. Apresente-se a condenada! Tostadinha, crepitante, de cabeça ainda agarrada. Reparta-se agora a ave p’los ilustres comensais: para ali, o peito gordo, a perna, o ovo; as peles para os demais. Não gostais? Mas a pele é nutritiva, tem gordura e bom sabor. Há quem diga que é mesmo a melhor parte, ainda que a rejeite quem parte. Quarto prato: Sopa de tubarão. Que delícia de odor se evola daquela panela, onde ossos e barbatanas partilham da mesma cama, do calor, da cozedura. É cálido o caldo fino, desliza pela colher e sinaliza a fartura. Aí vem a minha vez, levo ao lábios a loucura. E, quando, com prudência, engulo a carne do frango, ainda creio na língua fiapos de tubarão, que certamente nadou numa outra direcção. Quinto prato: Camarões à Sichuão. Polvilhados de picante, do que faz adormecer, são camarões singulares que fartamente se dão a todos os populares. Fazem beber, é certo, mas a vida não se faz a metro: é à unidade e camarões de Sichuão para todos são, não queremos excepção. Afinal, há que dar comida ao povo e o picante dormente é um achado brilhante. Saia mais uma travessa para aquela mesa do canto até que barriga cante. Sexto prato: Bacalhau à brava. Adaptação local do lusitano à Brás. Igual na confusão, na mistura e na falta de rigor, da caótica acepção do ovo com a batata, da cebola que todo o prato engraça, da salsa com a chalaça. À origem, acrescente-se-lhe o “vale tudo”, condimento a ser usado com toda a impunidade, sem pejo e sem poejo. Mexa-se bem, evite-se o sal, pimenta ainda vale, mas deixe de fora o mistério, público ou privado: um prato para comer como se fosse a sério. Sétimo prato: Arroz frito, massa e sobremesa. Para quem ainda tiver fome, eis o truque definitivo, a tranca da refeição. Que ninguém diga: ai que fome, meu Senhor! Aqui tem, senhor doutor, o complemento da casa: arroz ali de Cantão, massa e doce de feijão. É comer até fartar. De barriga bem fornida, são suaves os desgostos desta e da outra vida. Tendes queixas da comida? Não digais que estava má. Deve ser da digestão. Recomendamos um chá… Convém uma explicação. A refeição apresentada foge ao tradicional banquete de catorze pratos. A razão é a contenção necessária em época de crise internacional, para não despertar escusadas invejas em vizinhos e parentes. Por aqui tudo desliza, com vigor e alegria, à medida do menu do Restaurante Harmonia. Kung Hei Fat Chói!
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO elusivo capitalismo “Capitalism is facing at least three major crises. A pandemic-induced health crisis has rapidly ignited an economic crisis with yet unknown consequences for financial stability, and all of this is playing out against the backdrop of a climate crisis that cannot be addressed by “business as usual.” Mariana Mazzucato Capitalism’s triple crisis A defesa é muito mais importante do que a riqueza. Adam Smith marca assim os limites da economia política, no momento do seu nascimento. Ainda hoje, o mercado tem o seu único limite na segurança nacional, o domínio arcano dos grandes concorrentes na arena global, os Estados Unidos e a China. As duas potências fundem as esferas económica e política, através das decisões do Partido Comunista Chinês (PCC) e dos aparelhos de defesa e segurança nacional dos Estados Unidos. Pequim e Washington vivem um conflito acalorado de geo-dirreito, ou seja, uma guerra jurídica e tecnológica travada através de sanções, utilização política de instituições internacionais e bloqueios aos investimentos estrangeiros. O “capitalismo” é um termo elusivo. É um conceito que utilizamos por conveniência, devido à falta de alternativas, mas também devido à estratificação histórica e filosófica que o caracteriza. É impossível evitar o capitalismo, mesmo para aqueles que ainda o rejeitam em retórica, tais como a China. É de recordar as palavras de Alan Greenspan, o ex-chefe de longa data da Reserva Federal, numa entrevista a um jornal suíço no Outono de 2007 quando afirmou “Temos sorte, pois graças à globalização, as decisões políticas nos Estados Unidos foram em grande parte substituídas pelas forças do mercado global. Para além da segurança nacional, faz pouca diferença quem é o próximo presidente. O mundo é governado pelas forças do mercado”. São palavras poderosas, ditas num momento significativo (e infeliz, dada a sequência) por alguém que foi “o” banqueiro central de outra época. Uma paisagem de há alguns anos atrás que agora parece estar a algumas eras geológicas de distância. A liderança do banco central é um trabalho que historicamente tem exigido silêncio ou a obscuridade. As palavras de Greenspan, tão peremptórias, confiam às forças de mercado o “governo” político-administrativo do mundo, daí a produção de decisões e políticas públicas. Acrescentam a advertência de “segurança nacional”, e assim, talvez involuntariamente, voltam a uma ambiguidade histórica, fundamental para nós, que é o peso da segurança na construção da economia, o espaço político de quem decide o que é segurança e o que não é, moldando a decisão através de medidas legais. É uma decisão essencial da sociedade comercial, pelo menos desde que Adam Smith em “A Riqueza das Nações” recordou a primazia da defesa sobre a riqueza. É uma decisão que também acompanha os capitalismos contemporâneos como uma sombra, no pêndulo entre Estados e mercados, particularmente se olharmos para a impotência geopolítica do cenário europeu e as potências presentes na cena internacional (em primeiro lugar, os Estados Unidos e a China). Este é então o destino da frase de Greenspan, o discípulo de Ayn Rand, o “mágico” dos bancos centrais, aprisiona-se no odiado Manifesto de Marx e Engels. Ele assemelha-se ao inevitável “mágico que não consegue dominar os poderes do submundo que conjura”. A investigação sobre o capitalismo político deve entrelaçar três vertentes como a história do Estado, e as formas como o poder estatal é declinado nos aparelhos burocráticos, nos confins do político e do económico; as ordens jurídicas com que os mercados interagem; a história do espaço em que o capitalismo é codificado, a Europa, e a história presente e futura em que o espaço europeu tendo perdido o seu papel de sujeito da história, se torna a periferia ou o objecto de divisão dos outros. Em particular, os poderes do capitalismo político, os Estados Unidos e a China, empenharam-se num combate de leão com armas legais. O sulco vem dos juristas que foram mais longe no seu confronto com a filosofia, identificando os elementos de crise do nosso tempo. A primeira lição que se retira do académico e político italiano Guido Rossi, que, além de ter raciocinado sobre a última crise do capitalismo nas suas obras, reconheceu por um lado a dificuldade das definições, por outro a importância do evento não só jurídico-económico, mas também histórico-filosófico, que nos conduz “da Companhia das Índias à Lei Sarbanes-Oxley”. Só com esta perspectiva histórico-filosófica, no método de Rossi, é possível ler o direito comercial e as suas transformações, tendo também em conta as questões políticas e sociais colocadas pelo antitrust. O outro horizonte fundamental vem das obras do académico e advogado italiano Natalino Irti, que antecipou a mesma revelação candidata de Greenspan, identificando a ambiguidade entre a ausência de fronteiras da economia e a ancoragem a lugares próprios do direito. Sem ver em “geo-direito” a simples superação dos espaços, mas identificando o problema do confronto entre o horizonte político e os poderes económicos, bem como os acontecimentos da sua negociação. O capitalismo, se visto nestes termos, pode ser considerado um problema de geo-direcção, na esteira identificada por Irti, a fim de reler e expandir as consequências involuntárias da própria declaração de Greenspan. É este o assunto essencial e não outros elementos específicos como a origem do pensamento económico em relação à ascensão do estado moderno (“a invenção da economia”), nem a génese do capitalismo, o estatuto filosófico da ciência económica, o peso das finanças na actual globalização, o papel do euro, a história do chamado “neoliberalismo”, o futuro do trabalho, pois sobre estas questões existe uma vasta e controversa literatura. A questão-chave é sobre a relação problemática entre capitalismo e segurança, que conduz a confrontos geo-jurídicos com amplas implicações no presente e no futuro próximo, e tem recebido menos atenção, mas é mais importante para a compreensão do conflito China-Estados Unidos. Aqui está então a razão essencial para esse entendimento, e ao mesmo tempo a limitação das suas reivindicações. O “capitalismo político” na nossa época pode ser definido por características como a interpenetração da economia e da política num “todo” orgânico, que nos sistemas de autoridade musculada coincide com a presença de um partido-Estado articulado, enquanto nos sistemas democráticos passa pela intrusão na liberdade económica das burocracias de segurança e dos poderes de emergência; a utilização política do comércio e das finanças, num cenário em que os elementos competitivos coexistem sempre com a interdependência económica; a utilização da tecnologia, e das empresas tecnológicas, para fins e vantagens políticas e dentro de conflitos geopolíticos e a designação de indústrias e empresas estratégicas como “inimigos” devido à sua localização geográfica. Estas indústrias e empresas são protegidas e opostas não só através de participações, mas também e sobretudo através de directivas políticas, burocracias estatais dedicadas, regulamentos especiais, o julgamento da economia com base na segurança nacional, e o seu alargamento conceptual e operacional, através de instrumentos de “geo-direito”. É com base nestes elementos, que o “capitalismo político” é praticado pela China e pelos Estados Unidos, os dois principais actores económicos e geopolíticos do planeta. A extensão e o poder do capitalismo político merecem, mais atenção do que outras expressões de capturar tudo o utilizado para designar a ordem económica mundial. O chamado “neoliberalismo” não ajuda totalmente a enquadrar os fenómenos com que estamos a lidar. À luz destas considerações, é necessário investigar a construção da economia política como um “ramo da ciência dos legisladores e estadistas”, de acordo com a opção de Adam Smith. De particular interesse é o renascimento das interpretações de Adam Smith no contexto da crise. Especialmente a leitura chinesa. Na apropriação por parte dos líderes chineses do grande pensador escocês, a ciência do legislador torna-se parte de um novo capitalismo político. É a realidade do capitalismo em que coexistem as forças do mercado e a omnipresença política do governo chinês, detentor da “mão visível” e do monopólio da força no Império do Centro. O equilíbrio específico entre “mão invisível” e “mão visível” mostra a sobrevivência da violência no que diz respeito ao império dos mercados. É ainda necessário comparar Adam Smith e Carl Schmitt, a fim de analisar os problemas da sociedade comercial e a sua relação com os conflitos. A “Riqueza das Nações” e “Os Nomos da Terra, O: No Direito das Gentes do Jus Publicum Eruropaeum” parecem responder a duas antropologias incompatíveis, enunciadas noutras obras como empatia, por um lado, conflito, por outro. Isto está interligado com o chamado “problema de Adam Smith”, ou seja, a suposta incompatibilidade entre o papel de simpatia na “Teoria dos Sentimentos Morais” e o da mão invisível em “A Riqueza das Nações”. O que está realmente em jogo, é a relação entre comércio e segurança. A sociedade comercial de Smith é a dissolução do jus publicum europaeum de Schmitt. Ambos lidam com a era da descoberta e as contradições do comércio como um factor de poder e de exclusão. O conflito sobre o comércio não pode ser divorciado da história da ascensão e declínio das grandes potências, razão pela qual existe uma crítica às formas de “romantismo geopolítico” de Carl Schmitt que caracterizam a sua interessante leitura instrumental dos impérios britânico e americano (através dos escritos de Alfred Thayer Mahan). É importante também a centralização antes no problema europeu. Seja o que for, a União Europeia foi derrotada pela crise que começou em 2007. Tentativas de fazer história da crise, como o livro de Adam Tooze “Crashed: How a Decade of Financial Crises Changed the World” reflectem este facto flagrante, confirmado pelas reconstruções autobiográficas dos protagonistas que viveram a crise como decisores políticos económicos. A crise parece ter confirmado que o Estado Providência, o grande caminho económico e social europeu do pós-II Guerra Mundial, foi uma excepção, não a norma na história do capitalismo. Thomas Piketty, no seu livro “Capital no Século XXI”, de grande sucesso, deve ser um dos focos. Apesar do seu título, o livro de Piketty está intimamente ligado ao século XX, entendido como o “século social-democrata” (Ralf Dahrendorf). É sempre difícil, mesmo no século XXI na Europa, levar a sério a citação profética shakespeariana do economista e académico italiano, Raffaele Mattioli, do início da década de 1960 de que “os milagres acabaram”. O que significa viver após milagres, para aqueles que acreditavam que a “excepção” do Estado-Providência do pós-II Guerra Mundial era a progressão normal e inevitável do mundo? A demografia europeia está em declínio, em comparação com os outros pólos de crescimento e com os Estados Unidos. Alguns países europeus, além disso, estão na vanguarda deste processo, porque há mais pessoas com mais de sessenta anos do que com menos de trinta anos. Os Estados europeus não estão a convergir, mas estão a separar-se no seu interesse. Os seus horizontes estão a afastar-se e dada a fraqueza do aparelho militar e da relação crucial entre defesa e indústria (as longas “férias da história” vividas no intervalo após a II Guerra Mundial), a capacidade da Europa para gerar inovação em relação aos outros é reduzida. É importante repensar e aprofundar os diferentes pontos de vista da grande questão do capitalismo dos últimos quarenta anos, como o problema chinês, na relação com os Estados Unidos. Há ainda que relembrar das “características chinesas”, tais como missionários americanos e burocratas chineses, a fim de retraçar a controvérsia sobre o atraso e a natureza do capitalismo chinês, de Max Weber a Xi Jinping, passando por Deng Xiaoping e Zhu Rongji. Os técnicos ocidentais são abandonados para um confronto com o pensamento e as acções dos grandes burocratas do nosso tempo que abraçam o capitalismo e que são os quadros do PCC. O capitalismo chinês, apesar das suas dificuldades estruturais, resiste às perspectivas repetidas do seu colapso iminente, refuta as profecias sobre a ascensão de uma classe média contrária ao controlo do PCC, reescreve a relação entre a autoridade e a difusão da inovação. Acima de tudo está o elemento central e fulcral do casamento entre capitalismo e burocracia como a continuidade multi-milenar da “burocracia celestial” estudada pelo académico húngaro Balázs Kovács e ampliada pelo PCC. É o mandarinato que também pode ser encarnado num centro de transferência de tecnologia ou num laboratório de computação quântica, refutando a ilusão da impossibilidade de inovação num sistema como o chinês sem deixar de concluir aplicando o inverso de uma das categorias do filósofo político francês Alexandre Kojève aos investimentos chineses em infra-estruturas e à sua influência à escala global. É ainda de interesse o papel dos Estados Unidos no capitalismo político que a começar por Joseph Schumpeter como o “profeta da inovação”, e que foi um pensador que com uma originalidade insuperável colocou a inovação no centro da sua análise. É por isso que os seus escritos são essenciais para abordar o capitalismo digital e as suas encarnações nos Estados Unidos e nos gigantes chineses, bem como a guerra tecnológica entre as duas potências. A dupla cidadania de Schumpeter nos seus dois mundos, de política pública e académica. A Europa Central e os Estados Unidos continua a ser interessante ver que as suas intuições dizem respeito ao papel do empresário, mas também às contradições entre capitalismo e democracia. Temos de considerar Schumpeter como um leitor de Marx e um admirador-adversário do socialismo, por um lado, e por outro lado como um guia do capitalismo digital e das suas contradições monopolistas. Nas fases do capitalismo americano ainda devolve o caminho da Companhia das Índias à Lei Sarbanes-Oxley ou, para actualizar o destino, do bilionário Elon Musk, enviando “tweets”, fumando um charuto e sendo sancionado pela Comissão de Títulos e Câmbios. O singular pensador/investidor que se apanha em Schumpeter à sua maneira é Peter Thiel, o bilionário jurista, uma figura central no elogio do monopólio e do planeamento que se destaca na paisagem americana, sempre com a relação interminável com o aparelho de defesa que marca a forma americana do capitalismo político. Uma peça do capitalismo político que vive na “terra de Canaã do capitalismo”, enquanto a capacidade de análise e vigilância de dados dos gigantes digitais aprofunda as “possibilidades técnicas”, particularmente na Inteligência Artificial (IA) e na simbiose entre o homem e a máquina. Até à última tonelada em que restará algo que reconhecemos como humano. É importante ainda considerar o problema da relação entre segurança e mercados, utilizando a categoria de geo-direito para descrever em pormenor o conflito entre os Estados Unidos e a China que caracteriza a nossa era. A casuística do geo-direito, que pode ser colocada a par das operações da lei (o prosseguimento da guerra, incluindo a guerra económica, através de meios legais), mostra o poder da tensão entre os dois litigantes. Algumas pedras de fronteira caracterizam a crise entre Washington e Pequim, quase reescrevendo a sentença de Greenspan numa constante, bem como violenta, ampliação do primado smithiano da defesa sobre a riqueza. Os conflitos estão a ocorrer em instituições internacionais, particularmente na OMC. Dizem respeito ao crescimento exponencial da proeminência do CFIUS (Committee on Foreign Investment in the United States), o aparelho burocrático que decide sobre o investimento estrangeiro, um obstáculo à invasão do sentido global do mercado, já cimentado na altura da ascensão japonesa. No caso dos Estados Unidos, não é uma “burocracia celestial”, mas a mais poderosa burocracia de segurança nacional da história que toma o centro das atenções, como no caso Huawei. Não se pode abordar o trabalho de Adam Smith sem considerar a ascensão do Império Britânico. Não se pode considerar a leitura de Schumpeter sem ler a transição entre o capitalismo burguês europeu e as contradições do sistema americano, e portanto o exercício do poder dos Estados Unidos, na continuidade geopolítica do pensamento de Mahan, nas reflexões sobre as “fases” do capitalismo americano, que têm repercussões no direito das sociedades e na governação empresarial. No outro pólo está a ascensão da China, a ser considerada na relação entre o Estado-Partido e o mercado, na definição daquilo que, na retórica do PCC, ainda é “socialismo com características chinesas”, no qual uma nova burocracia celestial assimilou o capitalismo. Ao fundo, dançar as bruxas e as suas vítimas, antigos e novos Macbeths. Pois a “dança das bruxas” adapta-se e continua, como na troca relatada em “Modern Capitalism, entre Werner Sombart e Max Weber: “até ao fim da dança das bruxas que a humanidade tem vindo a encenar nos países capitalistas desde o início do século XIX? “até que a última tonelada de ferro seja fundida com a última tonelada de carvão”.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesVotos de bom ano Dentro de três dias, vai começar o Ano Novo Chinês. Nesta época, continuamos a ver pessoas que afixam cartazes com o “Deus da Fortuna”, esperando que o “Deus da Fortuna” venha com o novo ano e lhes traga riqueza. Este também é o seu desejo de ano novo? Os votos de ano novo relacionados com dinheiro estão sempre ligados à recuperação económica e à prosperidade nos negócios. Mas os votos deste novo ano estão mais direccionados para a saúde e para o desaparecimento da epidemia. Para sermos saudáveis, temos de combater o novo coronavírus. Isto é fácil de dizer, mas mais difícil de fazer. A comunicação social já anunciou a chegada das vacinas a Macau e a vacinação vai começar em breve. Depois da implementação do método, que para já é o mais eficaz para combater o vírus, os residentes de Macau vão permanecer saudáveis. Depois de vacinadas, as pessoas desenvolvem antígenos para combater o vírus. Mesmo que o vírus se continue a propagar, não haverá infecções e, aos poucos, a epidemia irá desaparecendo. Se todos trabalharmos nesta direcção, podemos atingir o nosso desejo de ano novo. Para restabelecer a economia, o mais importante é revitalizar o principal sector económico de Macau – a indústria do jogo. Mesmo em tempo de pandemia, Macau já fez acordos com a China no que respeita à abertura das fronteiras. Os cidadãos chineses podem viajar para Macau desde que tenham um resultado negativo no teste à covid. Os trabalhadores dos casinos também têm de ser testados. Embora o Governo tenha tomado muitas medidas para proteger a indústria do jogo, temos de compreender que neste cenário pandémico, é impossível continuar a afluir a Macau a quantidade de turistas a que estávamos habituados, e que a economia não pode voltar tão depressa a estar no patamar em que se encontrava antes do surto da doença. As empresas ligadas ao turismo e ao jogo irão retomar aos poucos. Mas para revitalizar a economia, também é necessário fazer crescer o consumo interno, e isso só depende de Macau. Nas circunstâncias actuais, embora muitas lojas tenham fechado por falta de movimento, as vendas online aumentaram. As empresas que usam plataformas de venda electrónicas redobraram as vendas. Se a epidemia continuar por mais algum tempo, as empresas que apostam nestas plataformas vão ganhar vantagem sobre as outras. Se os empresários quiserem aumentar os seus negócios, terão inevitavelmente de aderir a este modelo. No entanto, as plataformas electrónicas são apenas meios que facilitam o encontro entre a oferta e a procura. Em último caso, os serviços prestados e a qualidade dos produtos são o factor determinante para fazer crescer a clientela. Uma boa plataforma que venda produtos de qualidade inferior não vinga, vende uma vez e o cliente insatisfeito não volta a comprar. Assim sendo, ter em conta a qualidade dos produtos e dos serviços, e disponibilizá-los através de uma boa plataforma electrónica, é a estratégia para fazer negócio de hoje em diante, e é também uma forma de encorajar o “deus da fortuna” a vir e a fazer os negócios prosperarem. Os chineses dão grande importância ao Ano Novo, não só porque as famílias se podem reunir, mas mais do que isso, porque todos acreditam que cada ano será melhor do que o ano anterior. A epidemia embotou a vitalidade das sociedades e fez adormecer a esperança. O Novo Ano que aí vem tem de realçar a importância do conceito de “cada ano é melhor do que o anterior”. Os votos de “Bom Ano” desta vez têm de incluir saúde, prosperidade, recuperação económica, mas também o desaparecimento da epidemia. Serão palavras sentidas que transmitem o desejo colectivo. Estas palavras vão aquecer-nos o coração e fazer-nos sentir importantes e amados. Abençoo os meus leitores e a todos desejo um “Bom Ano Novo”. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Hoje Macau Ai Portugal VozesAté nas vacinas há fraude Vive-se em Portugal na loucura da vacinação. Não se entende a pandemia cerebral que vai no íntimo desta gente com medo de morrer quando todos sabemos que temos um fim. As vacinas existem desde o século XVIII, quando o médico inglês Edward Jenner utilizou a vacina para prevenir a contaminação por varíola. As vacinas multiplicaram-se para os mais variados combates a doenças que podem ser mortais. Até os animais foram contemplados com vacinas. Até Março do ano passado, a vacina de que mais se falou foi a chamada vacina da gripe, doença que em Portugal mata anualmente entre 3000 a 3500 pessoas e nunca ninguém do Ministério da Saúde indicou o uso de máscara ou o confinamento. A loucura pela vacinação contra a covid-19 tem levado aos mais diferentes disparates e actos criminosos. O plano de vacinação, disse um especialista na televisão, nunca existiu e o coordenador que foi nomeado pelo governo para o task force, um tal Francisco Ramos, que já tinha sido governante várias vezes e que o Partido Socialista contemplou com mais um tacho como presidente executivo da Cruz Vermelha e coordenador do plano de vacinação. Mas, o homem alguma vez na vida teria sido vacinado contra a gripe, contra o tétano, contra a cólera ou mesmo visto alguma seringa? A sua incompetência foi total e o plano “inexistente” de vacinação começou a dar que falar e foi o tema de discussão durante toda a semana passada. Os abusos de autoridades responsáveis começaram a ser uma realidade e, por exemplo, quando se vacinaram 800 padres, também se vacinaram por tabela, e que não estavam na lista prioritária, um número inusitado de freiras. Houve autarcas que determinaram a si próprios a vacinação e aos amigos na edilidade que dirigiam. Enfim, por todo o país não se respeitou o tal plano de vacinação e foram milhares de doses parar aos bracinhos de quem não tinha direito. Anteriormente, já tinha havido uma polémica porque se queria vacinar primeiramente os políticos em vez de os profissionais de saúde. Igualmente não queriam vacinar quem tivesse mais de 80 anos. Devia ser com a intenção de morrerem todos para que o governo pudesse poupar nas pensões… Com tanta ilegalidade e com vários juristas a sublinhar que se trata de um crime a merecer prisão para todos os que tomaram vacina e que não estavam nas listas prioritárias, que o coordenador tachista e incompetente Francisco Ramos pediu, obviamente, a demissão do cargo, tendo a desfaçatez de afirmar que tomava essa posição por ter descoberto que no próprio hospital da Cruz Vermelha tinham havido abusos. Vocês riram ou choraram? É demais, assistirmos a tamanha incompetência numa área como a saúde das pessoas. Ainda há médicos, enfermeiros e bombeiros que não foram vacinados e a preocupação da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) está na realização de umas inspecções aos abusos deixando para trás aqueles que vivem em risco constante a tratar dos doentes com a covid-19. A descoberta das irregularidades no hospital da Cruz Vermelha foi a gota de água que forçou Ramos a apresentar a demissão, acrescentando-se os inúmeros casos de abusos nas mais variadas instituições e as falhas de supervisão no terreno sobre a distribuição das vacinas. No meio disto tudo tinha de aparecer a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que tem a gestão do hospital da Cruz Vermelha e um outro socialista como provedor, por sinal um arrogante e malcriado que nem responde às missivas que lhe são enviadas e que, segundo funcionários da Santa Casa, só se preocupa com o Euromilhões e a Raspadinha. A Santa Casa defendeu sempre Francisco Ramos e no seio da instituição que se devia preocupar na construção de lares para idosos com condições dignas para humanos também correu a informação que teriam havido vacinações fraudulentas. O governo diz que a vacinação corre sobre rodas, mas não se pronuncia sobre as dezenas de unidades que se estragaram e que foram para o lixo, nada diz se existe numerário suficiente para a segunda toma dos utentes e muito menos parece que ninguém sabe de matemática porque não tenhamos dúvidas que a população portuguesa não estará vacinada antes do fim do verão. E com uma agravante: a maioria dos velhos não tem telemóvel e as autoridades decidiram requisitar os cidadãos por mensagem telefónica… E agora, perguntarão os meus leitores? Agora, chamou-se um elemento da instituição que percebe de organização e logística. A militar. Sem dúvida, que os militares nunca brincaram em serviço no respeitante a organizar e a disciplinar. Agora, foi nomeado o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo que tem um curriculum mega exemplar. E começou bem. Afirmou logo que “Não é em bicos de pés que vamos ajudar o povo português”. Gouveia e Melo não alinhará em fraudes e muita gente que pensa ser muito importante neste país vai ficar em sentido e a trabalhar seriamente num plano de vacinação sem buracos. Gouveia e Melo ocupava recentemente o cargo de adjunto para o Planeamento do Estado-Maior das Forças Armadas. É um homem que não quer louros nem tachos para o curriculum, disse logo que vai trabalhar com a estrutura da Saúde valendo-se da fama que tem na Marinha, um homem exigente e de pensamento vanguardista. Comandou submarinos onde o planeamento é algo de infalível para o bom cumprimento de uma missão. Com um português desta estirpe, que se ponham a pau os fraudulentos e irresponsáveis que grassam pelo nosso país oficial e que até num plano de vacinação correram logo para a prática da fraude. *Texto escrito com a antiga grafia
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto Vozes2021, o ano decisivo Com Joe Biden na presidência dos Estados Unidos, as relações sino-americanas entraram numa fase delicada. Para o Governo da China, um Presidente americano conhecedor da política chinesa torna-se um interlocutor mais complicado do que o intempestivo Donald Trump, que jogava cartadas políticas de forma irresponsável. No final do seu mandato, a estratégia de lançar um ataque à China em grande escala criou um clima político. Por isso, se Biden mudar de repente esta estratégia, pode vir a ser encarado pelos americanos como cobarde e pró-comunista. As recentes declarações dos EUA sobre os aviões de guerra da RPC que sobrevoaram Taiwan, demonstram que a atitude em relação à China se vai manter firme durante os tempos mais próximos. 2021 vai ser um ano decisivo para perceber se as relações sino-americanos se virão a tornar hostis ou cordiais. A nova liderança americana tem de afirmar rapidamente uma imagem de sucesso, caso contrário o povo americano pode vir a sentir saudades do slogan de Trump “A América primeiro”. Se os Estados Unidos forem bem- sucedidos, a China tem de recuar. A Armadilha de Tucídides (um termo que descreve a aparente tendência para a guerra sempre que um poder emergente ameaça uma hegemonia internacional) não é só uma terminologia política, é uma realidade. Devido à ascensão da China para a posição de segunda maior potência económica, e à iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” ao longo dos últimos anos, A Europa e a América deixaram de a encarar como um país em desenvolvimento, para a passarem a ver como uma ameaça às suas economias. Neste xadrez politico-económico, Hong Kong tornou-se a plataforma de confronto entre a China a Europa e a América. Face a estes voláteis desenvolvimentos internacionais, e no cenário da actual pandemia, 2021 pode ser o ano decisivo para determinar quem serão os vencedores e os vencidos neste jogo de luta entre Hong Kong e a China e entre Macau e a China. As transições de poder propiciam o surgimento de crises, e a eleição presidencial americana é disso um exemplo. Em 2022, o Partido Comunista Chinês (PCC) vai realizar o seu 20.º Congresso Nacional, que pode vir a mexer com os quadros de topo da política chinesa. Nos últimos anos, os corredores de poder da China tornaram-se ainda mais homogéneos, e qualquer erro pode provocar abalos políticos. Como em 2021 se comemora o 100.º aniversário da fundação do Partido Comunista Chinês, a distribuição de poder entre os quadros neste período vai determinar as mudanças pessoais no Congresso de 2022. Se essas mudanças não forem abruptas, os riscos para o país durante a transição de poder serão reduzidos, o que vai ser determinante para o equilíbrio de forças entre a China e os Estados Unidos. Caso contrário, quando a situação estabilizar na América e a sua presença militar se voltar a sentir na Ásia, estaremos de regresso a mais uma luta pelo poder. Quanto a Hong Kong, é situação é ainda mais precária, e as clivagens no seu seio vão de mal a pior. Quando a discussão política passa para o campo do confronto, o enquadramento constitucional fica em segundo plano. Com a promulgação da Lei da República Popular da China sobre a Salvaguarda da Segurança Nacional na Região Administrativa Especial de Hong Kong, Hong Kong tornou-se num caranguejo que foi empurrado para debaixo de água por um pedregulho. O caranguejo certamente que não se consegue mexer, mas os peixes e os camarões que nadam à sua volta também sofrem. Basta olhar para as questões levantadas pelo BNO (British National Overseas passport) que pode dar ou não aos habitantes de Hong Kong a possibilidade de emigrarem para o Reino Unido, para ficarmos a perceber se as decisões que forem tomadas nesse âmbito serão certas ou erradas. Depois de os legisladores democratas se terem demitido do Conselho Legislativo de Hong Kong, os do campo pró-governamental tomaram controlo absoluto do Plenário. Infelizmente, o seu desempenho tem sido frustrante. Se nas próximas eleições de Setembro, os democratas continuarem a ser sistematicamente banidos da corrida, a cosmopolita cidade de Hong Kong tem grandes hipóteses de se vir a tornar apenas mais uma cidade da Área da Grande Baía de Cantão-Hong Kong-Macau. Hong Kong sem os seus habitantes vai tornar-se uma cidade portuária e nada mais. 2021 vai ser um ano crucial para virmos a saber o rumo que Hong Kong vai tomar. Macau sobreviveu à pandemia em 2020. No entanto, a sua recuperação económica ainda depende do turismo, e os problemas dos cidadãos têm vindo a acumular-se. O V Governo da RAEM, foi muito bem-sucedido na resposta à epidemia com a estratégia de “defesa da estabilidade”, mas o seu desempenho tem sido medíocre no que respeita `à promoção da economia e à salvaguarda do estilo de vida da população. A administração excessivamente conservadora impediu que Macau se tenha tornado a cidade a registar a recuperação económica mais rápida da Área da Grande Baía de Cantão-Hong Kong-Macau. As eleições para a VII Legislatura da RAEM também estão marcadas para o próximo mês de Setembro. Mas na premissa de que a actual composição da Assembleia Legislativa permanecerá inalterada, o sufrágio directo seria a única forma de a revitalizar. Como é que se pode impedir o Governo liderado pelo Chefe do Executivo de errar se não houver suficiente supervisão? Quando as pessoas só sabem dizer “sim” e tecer “louvores”, estamos sempre a chover no molhado. Se a reorganização dos vários poderes que atrás mencionámos for bem conduzida, estaremos todos seguros. Mas se não for, temo que se venha a criar um problema sem solução.