História Raríssima

Há histórias de vida profissional que são alvo do inacreditável. Lembram-se do caso da associação de assistência social “Raríssimas”? Lembram-se da presidente da referida associação, Paula Brito da Costa, ter sido acusada de desvio de dinheiros e de abusos na gestão da Raríssimas? Lembram-se que a senhora tinha um BMW ao seu serviço? Lembram-se que a senhora foi suspensa e demitida do cargo sem mais conversas? Lembram-se certamente que jornais, rádio e televisão andaram uma semana a falar da senhora, mas cometendo um crime que ficou impune. Mais do que salientarem o que se passou na Raríssimas a comunicação social preocupou-se mais com a vida particular da senhora, a sua privacidade foi estampada nas revistas que há muito deviam estar no lixo. Chegaram ao ponto de indicar que a senhora era amante do ministro Vieira da Silva, que tinha passado férias com outro ministro, que Maria Cavaco Silva abria-lhe todas as portas para sacar dinheiro para a instituição, mas que Paula Brito da Costa gastava o pecúlio angariado em luxos privados.

Tivemos a sorte de conhecer uma personalidade das mais prestigiadas em investigação e revisão das contas das grandes empresas e de instituições do Estado. Na nossa conversa veio à baila o caso da Raríssimas e começámos a insultar a senhora ex-presidente da instituição. De imediato o meu interlocutor provou-me por A, B e C que estávamos absolutamente enganados e que a senhora tinha sido alvo de uma cabala para a destruir como responsável superior de uma instituição que ela tinha criado com o seu dinheiro e de algumas amigas, apenas com o objectivo de fazer o bem. Corria o ano de 2002 quando Paula Brito da Costa, mãe de um rapaz portador de Síndrome de Cornélia de Lange, uma patologia rara associada a malformações congénitas e atraso do desenvolvimento psicomotor, e devido a isso, essencialmente, decidiu criar a Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, a Raríssimas, por incentivo do especialista em genética e pediatria do hospital da Estefânia, Luís Nunes. O objectivo era partilhar experiências e defender os interesses dos portadores de doenças mentais e raras e seus familiares, sem quaisquer fins lucrativos.

Foi-nos transmitido que a gestão da Raríssimas estava em ordem e que nunca a senhora tinha desviado qualquer dinheiro da instituição para proveito próprio. Que o carro tinha sido comprado com o seu dinheiro. Que os pacientes da instituição adoravam a senhora. Que alguém que se portou mal no seio do trabalho na instituição e que foi despedida resolveu através de um amigo jornalista divulgar publicamente as maiores infâmias contra Paula Brito da Costa especialmente sobre a sua vida privada, o que todos nós sabemos que isso não é jornalismo. E não foi digno e ético o conceito que muitos órgãos de comunicação social, sem investigarem a fundo o que se passava, mais se dedicaram a divulgar: que a senhora gostava intimamente de X ou de Y. Mas, afinal, quantos ministros, secretários de Estado, deputados, autarcas e outras personalidades bem situadas na sociedade não têm as suas escapadinhas, as suas amantes, os seus namorados, com quem passam um fim de semana num resort à beira mar plantado? E alguém tem a ver com a vida privada dessa gente? Então, a que propósito pretenderam divulgar os muitos contactos e conhecimentos de Paula Brito da Costa? Muitos desses conhecimentos da senhora serviam apenas para apoio da instituição que dirigia.

A inveja e a maldade humana são sobejamente conhecidas. E muitas vezes têm destruído a vida de muitos de nós. A senhora Paula Brito da Costa sentiu-se injustiçada. Ela que tinha dedicado uma vida ao bem do próximo, especialmente de pessoas incapacitadas, resolveu actuar judicialmente, e para espanto dos energúmenos que a destruíram profissionalmente, a justiça deu-lhe razão no sentido de que tinha sido despedida sem justa causa e terá de receber uma indemnização de mais de 70 mil euros. Fez-se justiça a quem foi insultada, alvo de manobras invejosas, quem sabe por ser uma mulher bonita e interessante e que por esse motivo os invejosos, a quem a senhora nunca concedeu qualquer tipo de confiança, resolveram inventar que era uma funcionária corrupta, má gestora e malvista na associação que dirigia. Recorde-se que nos foi esclarecido que a senhora iniciou a actividade caritativa e benemérita da Raríssimas e que nunca um jornal ou outro órgão de comunicação social teve a seriedade de após investigar a fundo tudo o que a senhora fez pelo bem da associação, inserir nas suas páginas um esclarecimento ou um pedido de desculpas. Na nossa e em outras sociedades a comunicação social é o maior poder porque luta e sacrifica-se por trazer a lume as verdades dos assuntos que integram essas mesmas sociedades. A isso chama-se jornalismo sério. O contrário, não é merecedor de qualquer encómio e, talvez, por isso, a imprensa portuguesa diminui o número de leitores todos os anos.

 

*Texto escrito com a antiga grafia

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