Vozes extintas

O Chefe do Executivo de Macau costumava reunir-se com várias das maiores associações, incluindo a Associação de Novo Macau e a Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário de Macau, para auscultar os diversos pontos de vista antes de publicar o Relatório das Linhas de Acção Governativa. Mas, devido à desclassificação de candidatos às eleições de 2021 para a Asembleia Legislativa, as vozes dos deputados do campo não alinhado com o Governo deixaram de ser ouvidas. Desta forma, a comunicação social deixou de anunciar as referidas reuniões do Chefe do Executivo com os representantes das maiores associações de Macau antes da elaboração das Linhas de Acção Governativa de 2022.

Algumas vozes de Macau foram extintas, o que não é um factor positivo para a sociedade. Um velho provérbio chinês diz-nos, “ouve ao mesmo tempo todos os diferentes pontos de vista para encontrares as melhores soluções”. O Chefe do Executivo ouve apenas os pontos de vista das associações cujos membros pertencem ao Conselho Executivo ou dos deputados da Assembleia Legislativa. Estas opiniões poderão ser de pouca utilidade na elaboração das Linhas de Acção Governativa. As críticas são sempre desagradáveis de ouvir. Mas se o Chefe do Executivo só ouvir elogios, quando surgirem falhas no programa das Linhas de Acção Governativa, a quem vão ser atribuídas as culpas? Será que a responsabilidade vai recair sobre a sociedade?

O Centro Histórico de Macau foi inscrito na Lista do Património Mundial em 2005 e a Lei de Salvaguarda do Património Cultural foi aprovada em 2013. No enunciado da Lei, estipula-se que o Governo da RAEM deverá estar mais empenhado na preservação e na protecção do património cultural de Macau, recorrendo para tal à autoridade policial sempre que se justifique. Recentemente, as paredes exteriores da Casa do Mandarim e as paredes exteriores do edifício classificado como património, localizado perto da intersecção da Travessa do Padre Soares e da Rua de Pedro Nolasco da Silva, foram ligeiramente danificados por veículos de passagem, o que causou grande preocupação ao Instituto Cultural de Macau. Em contrapartida, as estruturas internas do Edifício do Antigo Restaurante Lok Kok, classificado como edifício de interesse arquitectónico em 1992, colapsaram e o edifício acabou por ser demolido, tendo restado apenas alguns pilares. Após o colpaso da estrutura, e antes da demolição, as autoridades não fizeram nada para proteger este edifício. Depois da demolição, não houve qualquer investigação para apurar responsabilidades. Embora as autoridades tenham decidido reconstruir o Edifício do Antigo Restaurante Lok Kok, o novo edifício, embora se assemelhe ao antigo, será apenas uma “cópia sem valor histórico”. O Governo da RAEM pode ficar tão preocupado com os ligeiros danos em certas paredes exteriores, mas, no entanto, faz vista grossa ao desaparecimento do Edifício do Antigo Restaurante Lok. Desta forma, onde estão as vozes que poderiam transmitir preocupação pelo desaparecimento do Edifício do Antigo Restaurante Lok?

Na actual Assembleia Legislativa, existem deputados com formação em engenharia. Estes expressaram a sua opinião sobre a suspensão da Linha da Taipa do Metro Ligeiro, há seis meses. Mas ao contrário dos deputados do campo não governamental, que habitualmente apresentavam uma proposta de audição, limitaram-se a levantar algumas questões, e não apresentaram uma proposta de audição sobre uma suspensão tão demorada da Linha da Taipa do Metro Ligeiro. Quando o Metro Ligeiro estava a ser construído, o Governo da RAEM declarou que ia servir 50.000 residentes por quilómetro, e que seria o meio de transporte mais prático e mais fácil de utilizar. Mas, na realidade, com a excepção da Linha da Taipa, as outras linhas ainda estão numa espécie de limbo. A construção do Metro Ligeiro ultrapassou o orçamento, gastaram-se milhões e as receitas têm sido insignificantes. Os verdadeiros beneficiários da construção do Metro Ligeiro não foram decididamente os residentes de Macau! Quando surgiu um problema com o cabo da Linha da Taipa, tiveram de suspendê-la para reparação, e já lá vão seis meses. O Governo não explicou à população porque é que houve um erro tão crasso na compra dos cabos. E, como é evidente, ninguém foi responsabilizado. Este problema será resolvido através da substituição gratuita dos cabos pelo fornecedor do Metro Ligeiro, mas já ninguém fala dos seis meses em que a linha esteve suspensa.

O objectivo da Lei é a protecção da população, e não ser uma ferramenta que os legisladores e a polícia usam para controlar as pessoas. Ultimamente, houve quem sugerisse que se utilizasse o Sistema de Videovigilância da Cidade de Macau” (vulgarmente conhecido por Sistema “Olhos no Céu”) em combinação com a “tecnologia de reconhecimento facial”. Mas esta sugestão viola a intenção de estabelecer o “Regime Jurídico da Videovigilância em Espaços Públicos”, e não vai ao encontro das cinco finalidades da videovigilância, definidas no Artigo 5 do “Regime Jurídico da Videovigilância em Espaços Públicos”. A este respeito, nenhum deputado do campo pró-governamental se pronunciou. Se todas as tecnologias forem usadas a pretexto do combate ao crime, virão num futuro próximo o reconhecimento de voz, a detecção de pessoas e o sistema de créditos. Nessa altura, Macau vai ser não só a cidade mais segura, como a mais silenciosa.

As bancas de venda de produtos que se estendiam ao longo da Rua dos Ervanários e da Rua da Tercena desapareceram e todas as pessoas que moram nestas zonas perderam este tipo de comércio tão característico. Lojas que se dedicam à venda de artigos culturais e criativos invadiram estas duas ruas, mas não têm qualquer atractivo em termos turísticos. Além disso, os projectos imobiliários para esta zona foram cancelados pelos construtores. Ultimamente, o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) começou a fazer obras de fachada na baixa da Ilha de Coloane. Os comerciantes ficaram proíbidos de instalar bancas de venda de produtos, o que vai ser desastroso! Será que políticas administrativas deste género beneficiam a indústria do turismo de Macau? Os condutores de autocarros podem pedir aos passageiros que apresentem o Código de Saúde de Macau, e os turistas precisam de ter pelo menos 5.000 patacas para entrarem no território. Por um lado, o Governo da RAEM incita as pessoas a evitarem ajuntamentos, mas por outro lado, o Grand Prix e o Festival Gastronómico de Macau voltam a realizar-se com a participação de equipas vindas de fora. Tudo isto acontece porque não existem vozes que se lhe oponham. Certas coisas inoportunas e desapropriadas são tidas como certas.

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