Turismo lento

É verdade que vão emergindo novos conceitos de vida e de viagem associados à lentidão e ao usufruto tranquilo do tempo, normalmente ditos em inglês para acentuar o toque de modernidade, mas ainda assim a maior parte dos turistas tem pressas, pouco tempo disponível, muita coisa para ver e fazer numa visita inevitavelmente curta. Tal como o “slow living”, slow cooking”, slow city”, também o conceito de “slow travel” apela a um abrandamento do ritmo que acrescente prazer, sabor, qualidade àquilo que se faz. Fazer menos mas melhor, demorar mais a preparar e saborear os momentos, impondo uma certa lentidão no quotidiano.

É difícil fazê-lo quando viajamos, sobretudo em cidades: há um ritmo próprio da urbanidade, sobretudo nas grandes metrópoles, que impõem longas e demoradas deslocações diárias para o trabalho, com a ruidosa azáfama dos transportes e dos congestionamentos vários a animar e a marcar a cadência de cada dia. É nesse contexto de relativa aceleração que temos que nos enquadrar mesmo enquanto visitantes, com os nossos planos do que há para conhecer no pouco tempo disponível, em sítios que conhecemos mal mas onde queremos ver e fazer o máximo, já que as despesas para ali estar foram feitas com antecipação.

Se em ambientes rurais ou em áreas menos urbanizadas o conceito de “lentidão” é relativamente fácil de associar a uma certa tranquilidade no usufruto dos tempos de lazer – na realidade, essa ruralidade também implica uma certa escassez de alternativas de actividades que convida a que tudo se faça mais devagar – nas cidades, pelo contrário, há um permanente apelo à velocidade, ao movimento, à aceleração, que não só é induzido pelo ritmo quotidiano de quem lá vive mas também pelas nossas motivações de turistas com planos e agendas quase sempre mais preenchidos do que a realidade do tempo disponível nos permite.

Esse frenesim é pouco compatível com a preferência por formas não-motorizadas de transporte – os transportes suaves, que vão hoje fazendo o seu caminho até uma aceitação mais ou menos generalizada, também em centros urbanos. Andar a pé, de bicicleta ou de patinete começa a ser hoje uma opção facilmente disponível em muitas cidades, quer para quem lá vive, quer para quem visita. São formas de mobilidade com menor (ou nulo) impacto ecológico e também menores impactos sobre o espaço urbano, quer em termos de poluição do ambiente, quer em termos de ocupação de um espaço público cujo planeamento foi nas últimas décadas largamente influenciado pela necessidade de acomodar a garantir a circulação de um número massivo e sempre crescente de automóveis.

Para quem conhece mal as cidades e procura breves mas relevantes descobertas numa visita curta, estas formas de transporte, que obrigam também a uma autonomia máxima de cada pessoa na identificação dos percursos e previsão da sua duração, podem ser vistas como um obstáculo ao usufruto dos atractivos do território. Mas esta opção também pode ser vista como uma oportunidade para se marcar melhor o ritmo da visita, para aumentar a flexibilidade das opções e a liberdade dos caminhos a seguir. Diferentes turistas terão certamente diferentes preferências e essa foi a razão pela qual procurei estudar o assunto na cidade de Barcelona, onde a autarquia local – não por acaso governada por uma formação chamada Em Comum – disponibiliza gratuitamente toda a informação e dados estatísticos recolhidos com financiamento público local.

Nesse estudo (em parceria com a investigadora chinesa Yahua Bi e recentemente publicado no jornal “Sustainability”) identificámos uma dupla clivagem geracional – uma que se vai diluindo e tenderá a desaparecer em breve e outra cuja evolução futura está por conhecer. A primeira tem a ver com a utilização de ferramentas digitais na obtenção de informação para preparação da viagem e decorrentes aquisições de serviços: se numa primeira fase esta era uma opção assumida sobretudo pela população mais jovem, hoje está generalizada a quase todas a gente. Na realidade, os resultados que obtivemos sugerem que apenas as pessoas em situação de reforma não recorrem de forma generalizada à internet e outras tecnologias da informação e comunicação para a preparação das suas viagens.

A segunda clivagem tem a ver com as opções de transporte: apenas na faixa etária mais jovem (abaixo dos 24 anos) se observa uma preferência generalizada pelas formas não motorizadas de transporte. Na realidade, é também a população mais jovem (mas neste caso abaixo dos 34 anos) a que tem maior propensão a utilizar transportes públicos. Se estes comportamentos característicos de uma geração que convive mais directamente com os previsíveis impactos das alterações climáticas em curso corresponde a uma resposta cívica e política a estes problemas ou se se trata apenas de uma questão económica (transportes públicos e/ou não motorizados são mais baratos do que os taxis) é uma questão que o tempo se encarregará de esclarecer. Em todo o caso, as tendências são hoje claramente identificáveis – tal como é clara, já agora, a maior propensão dos turistas de negócios para a utilização de transportes individuais (automóveis), independentemente da idade.

O nosso estudo permitiu ainda identificar outras formas de conservadorismo com manifestos impactos negativos sobre o ambiente: independentemente das respectivas idades, turistas com viagens organizadas por empresas ou outras organizações promotoras de deslocações em grupo (como excursões de estudantes ou empresas) são também menos propensos a utilizar formas não motorizadas de transporte. Se há sinais de que a população – sobretudo a mais jovem – começa a mudar hábitos para se adequar às exigências ambientais contemporâneas, também não deixam de se confirmar os sinais de que no universo dos negócios as prioridades continuam a ser outras, lentas na mudança e uma mudança que parece inevitável e inadiável se ainda queremos preservar a vida no planeta.

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