José Simões Morais Via do MeioQuinta viagem de Zheng He (VIII) Quando Zheng He regressou a Nanjing da quarta viagem marítima, o que ocorreu na 7.ª lua do 13.º ano de Yongle (ano Yi Wei, 乙未, que corresponde a 12 de Agosto de 1415), trouxe consigo muitos enviados dos países visitados, para além de Sekandar, o usurpador do poder no Sultanato Pasai de Samudera. Mas o Imperador Yongle encontrava-se fora da capital, pois tinha ido ao Norte, à Mongólia, combater pela segunda vez no seu reinado os mongóis e apesar de ter saído vitorioso ainda não regressara, chegando apenas à capital a 14 de Novembro de 1416. À sua espera encontrou embaixadores de 18 ou 19 países e reinos, da Ásia [Champa, Pahang, Java, Palembang, Malaca, Samudera, Lambri, Ceilão, ilhas Maldivas, Cochim, Calicute, Shaliwanni (local indeterminado)], da Península Arábica [Ormuz, Las’ã, Adem] e de África [Mogadíscio, Brava (o porto de Barawa era a capital do Estado Sudoeste da Somália) e Melinde (actual Quénia, que na quarta viagem quando a frota chinesa aí passou em 1414, o governante enviara uma girafa)]. Foram recebidos trinta e cinco dias depois na corte Ming, com uma grande cerimónia realizada a 19 de Novembro de 1416, oferecendo o Imperador prendas a cada um. O enviado do Raja de Cochim (Kezhi) teve um tratamento especial por ser esse reino tributário desde 1411 da China e o Raja requeria ao Imperador que o nomeasse ministro seu subordinado e o investisse como Rei, pedindo o selo oficial como representante de Yongle. O Imperador concedeu-lhe tais desejos e enviou-lhe uma carta onde atribuiu a Cochim o título . Também Megat Iskandar Shah (母干撒于的儿沙, Mu-Gan Sa-Yu-De-Er Sha ou Xá Muhammad) aqui viera para comunicar ao Imperador ter o seu pai, o Rei de Malaca Parameswara, conhecido em chinês por Bai-Li-Mi-Su-La (拜里迷苏剌), falecido em 1414. Nesse mesmo ano de Jia Wu (甲午), 12.º ano do reinado de Yongle, embarcara para a China, segundo refere o Registo Histórico da dinastia Ming compilado na dinastia Qing, mas Fei Xin (费信) no seu livro Xingcha Shenglan (星槎 胜览) diz ter o Xá (Shah) ido à China no 13.º ano de Yongle. Quando foi recebido, o Imperador nomeou-o Rei de Malaca. A despedida aos enviados realizou-se a 28 de Dezembro de 1416 seguindo todos para a corte onde receberam de Yongle túnicas de seda. No mesmo dia, Inverno do 14.º ano de Yongle (1416, ano Bing Shen, 丙申), o Imperador ordenou a realização da quinta viagem, instruindo Zheng He a escoltar os enviados de 18 estados asiáticos e africanos no regresso às suas terras. Tinham vindo à corte Ming apresentar tributos e aqui estavam há quase ano e meio. O Imperador entregou ao Almirante cartas imperiais e prendas para levar aos muitos governantes por onde a viagem iria passar. Viagem entre 1417 e 1419 No 15.º ano de Yongle (ano Yi Wei 乙未, 1417) saiu do porto de Liujia, em Taicang, a armada capitaneada por Zheng He com a missão de se dirigir ao Oeste. Primeiro passou por Quanzhou, onde o Almirante visitou a cidade fundada em 711 no reinado da dinastia Tang. Fora um notável porto na costa de Fujian, ponto de partida da Rota Marítima da Seda e rapidamente se tornara na China um dos quatro mais florescentes no comércio com o estrangeiro. Atingira o apogeu na dinastia Song, mantendo-se como principal porto durante a dinastia Yuan e contou com uma grande comunidade muçulmana até perder em dez anos toda a sua influência devido à rebelião muçulmana Ispah (1357-1366). O porto entrou em declínio e na dinastia Ming estava ligado exclusivamente às trocas com as Filipinas. No 16.º dia do 5.º mês do 15.º ano de Yongle (31 de Maio de 1417) Zheng He em Quanzhou foi ao Templo da deusa Mazu, naquele tempo chamado Tian Fei Gong e hoje com o nome de Tian Hou, no monte Jiuri e queimando incenso pediu à divindade protecção para lhe conceder uma viagem segura. No monte Ling no Cemitério Islâmico (ShengMu) encontra-se a estela XingXiang “Orar para uma viagem segura de regresso”, mandada erigir por Pu Heri (蒲和日), oficial que viajava na armada e onde está referido ter o Imperador enviado Zheng He em missão diplomática a Ormuz e a outros países. Com o mesmo dizer, outra estela (bei) ligada à quinta viagem marítima e agora desaparecida, encontrava-se na ponte Wuwei (无尾) onde se situava o porto Xunmei (浔美) junto ao monte Longtou e nela estava referido no 17.º dia do 5.º mês Tai Jian [Grande Eunuco] Zheng He ter aqui permanecido para segurança da armada devido aos ventos fortes. Nos anos 70 do século XX, o local do porto desapareceu devido aos aterros, tal como o bei, que também fora mandado fazer por Pu Heri. Zheng He em Quanzhou embarcou muita porcelana para as trocas e prendas e seguiu viagem. Em Vijaya (Qui Nhon) a armada dividiu-se, uma frota foi à ilha de Java e a Palembang, em Sumatra, e a armada seguiu para Malaca. Daí passou ao Ceilão onde novamente se separou, indo uma frota directamente para a costa africana, passando ao Sul das ilhas Maldivas e chegou à costa da Somália (no Corno de África). Já a armada navegou ao longo da costa indiana, passando por o importante porto de Cambaia (Khanbayat, actual Guzerate no Noroeste da Índia, cujos mercadores tinham então relações privilegiadas tanto com Adém como com Malaca) e já na Península Arábica foi a Ormuz, atingindo Oman. Aí a armada voltou a dividir-se, rumando uma frota para o Mar Vermelho e ainda na costa Arábica visitou Las’ã [Ash-Shiher, um dos portos mais antigos e importantes do Iémen, ao qual Duarte Barbosa se referiu: “uma vila de mouros que chamam Xaer e pertence ao reino de Fartaque. Lugar em que há grandes quantidades de mercadorias, (…) muito bons cavalos que na terra há, os quais cavalos são muito maiores e melhores que os que vêm de Ormuz. Também na terra nasce muito incenso e há muito trigo, carnes, tâmaras e uvas. É este porto de mui grande escala de muitas naus e nasce aqui tanto incenso que se leva para todo o mundo.” Shiher era a capital de um pequeno sultanato e o principal porto da costa de Hadramaut, a meia distância entre Adem e o cabo Fartaque, (actual Oman).] A frota chegou em Janeiro de 1419 a Adem e foi a Ta’izz [capital do Sultanato do Iémen na dinastia Rasulid] de onde saiu depois de 19 de Março e seguiu para Jedá, na costa do Mar Vermelho [actual Arábia Saudita]. A armada de Oman continuou para Mogadíscio, passando por a ilha de Socotorá (à entrada do Mar Vermelho), para se juntar à que tinha navegado directamente do Ceilão. De Mogadíscio chegaram a Mombaça, depois de ir a Melinde levar o embaixador. A viagem terminou em Nanjing no 7.º mês lunar do ano 17.º de Yongle (ano Ding You 丁酉, 8 ou 17 de Agosto de 1419) e trouxe dezasseis embaixadas cheias de prendas e um grande número de animais enviados tanto da Ásia como da África, sendo recebidos um mês depois por o Imperador. Entre eles estava o Sultão de Malaca Megat Iskandar Shah, sua esposa e filho, que voltava pela segunda vez à corte Ming para pessoalmente apresentar tributo a Yongle e queixar-se da invasão de Malaca por o Reino do Sião. Esta fora a maior de todas as viagens feitas por Zheng He e, em sinal de gratidão pelo envio dos seus representantes, os governantes ofereceram como tributos um grande número de animais exóticos. Mogadíscio deu um leão, mas morreu durante a viagem e Ormuz, um leão, um leopardo e rinocerontes, tendo Brava oferecido camelos dromedários e avestruzes e Adem uma girafa. Vieram também zebras e antílopes, além de muitos outros animais, mas poucos chegaram à China vivos.
Hoje Macau Via do MeioFalando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚 Tradução de André Bueno (continuação) 141. Compartilhar com os outros o peso de suas faltas, e não dividir a glória de seus méritos: isso atrairá ciúmes mútuos. Passar junto com os outros suas atribulações e dificuldades, mas não dividir com eles sua paz e alegria: isso leva a inimizade mútua. 142. Um Educado que caiu na pobreza não pode ajudar os outros com bens materiais; mas ao encontrar alguém que perdeu o Caminho, pode lhe dizer algumas palavras boas e ajudá-lo; ao encontrar alguém que passa pela adversidade, pode dizer palavras amáveis e resgatá-lo. Isso se constitui num bem incomensurável. 143. Famintos, buscamos ajuda de alguém; satisfeitos, vamos embora. Frente ao poderoso, nos apressamos e aproximamos; frente ao pobre, o abandonamos. A natureza das relações humanas tem seus problemas. 144. Uma pessoa virtuosa aclara sua visão, de modo a ser sóbrio, e é cuidadoso em não ser apressado com sua conduta reta e justa. 145. A virtude segue a tolerância, e a tolerância cresce com o conhecimento. Assim, quem deseja aprofundar a virtude, não pode deixar de lado a tolerância; e se aspira à tolerância, não pode se contentar com pouco conhecimento. 146. Quando a luz da lâmpada é tênue como um vaga-lume, e as dez mil flautas não produzem nenhum som; esse é o estado de ‘alegria e repouso’* que alguém pode alcançar. No meio da madrugada, quando não há nenhum barulho; é como emergir no próprio caos original, antes da criação. Se aproveitarmos esses momentos para refletir sobre nós mesmos, perceberemos que ouvidos, bocas e nariz não são mais que correntes e grilhões, e que nossos desejos e vontades nos desviam do verdadeiro entendimento. *Serenidade, equilíbrio interno e desprendimento do ambiente advindos da meditação. 147. Aquele que exercita a introspecção, converte as coisas em remédios e agulhas de pedra; o que critica e culpa os demais, faz com que o pensamento seja como uma adaga ou uma lança. Uma atitude abre o Caminho para todos os bens; outra, para todos os males. Ambas estão tão separadas como o Céu e a Terra. 148. As obras e os escritos perecem com seus criadores, mas o espírito delas permanece por dez mil anos. Um grande nome e a riqueza podem mudar o mundo; mas para a sinceridade moral, mil anos são apenas um dia. O Educado nunca deve trocar o valioso pelo vão. 149. Ao jogar uma rede de pesca, às vezes cai nela uma folha; o louva-deus vem comê-la, mas vira presa de um pardal. Existem engrenagens nas engrenagens, e mudanças nas mudanças; de nada vale a astúcia vã do ser humano. 150. Uma pessoa sem pensamentos sinceros é como um adorno de vestir, superficial e vazio. Uma pessoa que trata o mundo sem maleabilidade e atenção é como um boneco de madeira: duro, encontra obstáculos em todos os lugares. 151. Águas tranqüilas não têm ondas; um espelho limpo não tem pó. O coração não precisa ser limpo; apenas afaste os pensamentos impuros, e ele ficará puro. A felicidade não pode ser encontrada; apenas afaste a dor do coração, e ela surge. 152. Apenas um pensamento pode ir contra as proibições dos deuses e espíritos; apenas uma palavra pode acabar com a comunhão do Céu da Terra; apenas uma única ação pode desgraçar nossos filhos e netos. Devemos ser cuidadosos e conscientes de nossos atos. 153. Existem coisas que, quanto mais buscamos, mais nos escapam ao entendimento; do mesmo modo, quando não estamos mais ansiosos por elas, elas aparecem de modo natural a nossa frente. Existem pessoas que recusam ajuda, mas ao deixá-las por si mesmas, elas abandonam seus interesses. Não se deve pressionar, nem provocar, aqueles que são muito obstinados. 154. Ainda que sua moralidade seja alta como as nuvens, e seus escritos puros como neve branca; se essas coisas não foram modeladas pela virtude, ao fim, todas as suas ações se basearam no egoísmo, e toda a sua técnica e capacidade serão Nada. 155. Retire-se do seu posto de trabalho quando está no auge da prosperidade, e se transfira para um lugar tranqüilo e retirado. 156. Quanto à virtude, seja atento e cuidadoso com as mínimas coisas; Quanto à generosidade, exercite-a com quem não pode retribuir. 157. Ser amigo de um mercador não é tão bom quanto ser amigo de um asceta; ser recebido nas portas vermelhas* não é tão bom quanto freqüentar casas brancas**; escutar as conversas nas ruas não é tão bom quanto ouvir o canto dos pássaros ou as canções dos pastores; e comentar os erros das pessoas de hoje não é tão bom quanto refletir sobre a virtude dos antigos. *Portas Vermelhas: Casas de pessoas ricas ou importantes. ** Casas brancas: residências humildes ou pobres. 158. A virtude é a base do sucesso; sem raízes não há frutos, sem alicerce não há casa que dure. 159. Um bom coração é a raiz da prosperidade das gerações futuras; sem raiz, não há crescimento, folhas e plantas não florescem. 160. Os antigos diziam: ‘abandone seu lugar sem guardar nada, e passe pelas portas com uma cuia de esmolas, como o filho de um pobre’. Também diziam: ‘o filho de um pobre não deve dizer que é rico, como um louco sonhador; onde já se viu uma estufa com fogo, mas sem fumaça?’ O primeiro provérbio nos aconselha a conhecer a nós mesmos; o segundo, a nos guardar contra soberba. Ambos devem servir de guia em nossos estudos. 161. Seguir o Caminho é algo para todos, mas cada um tem o seu próprio. O estudo [do Caminho] é como cozinhar, ou fazer os trabalhos cotidianos; deve-se estar preparado e atento. 162. Aquele que age de boa fé atua com sinceridade, mesmo que os outros não sejam sinceros; Aquele que suspeita de tudo age com falsidade, mesmo que os outros não sejam falsos. 163. Uma pessoa de pensamento generoso é como o vento da primavera que faz florescer a Terra, e que faz as Dez mil coisas se desenvolverem. Uma pessoa de pensamento egoísta é como a neve do norte, sombria e gelada, que traz a morte a tudo que toca. 164. Ao se fazer o bem não se vê os benefícios; é como um melão, que cresce no mato sem ser notado. Ao se fazer o mal não se vê os danos; é como geada, que cai no pátio no fim da primavera, e quase não se nota o avanço da decadência. 165. Ao encontrar um velho amigo, o afeto é maior do que antes; Ao encontrar conhecimento oculto e secreto, a ansiedade deve ser controlada; Ao tratar dos mais velhos e incapazes, nossa cortesia e respeito devem ser ainda maiores. 166. Aquele que é realmente diligente se aprimora na virtude e na moral; mas existem aqueles que só são diligentes para escapar da pobreza. Aquele que realmente é simples é indiferente a comodidades e riquezas; mas existem pessoas que utilizam a simplicidade para disfarçar sua obtusidade. É uma pena que aquilo que o Educado usa pra se cultivar, as pessoas pequenas usam para suas mesquinharias. 167. Quem se move, impulsionado pela animação, acaba ficando parado; uma roda não gira pra trás. Quem se baseia apenas na percepção, acaba ficando confuso e nada compreende. Guarde: uma lâmpada não ilumina para sempre. 168. O apropriado é perdoar os erros alheios, e evitar cometê-los. O apropriado é ter paciência com nossas adversidades, mas não com a que os outros sofrem. 169. Aquele que evita as convenções é especial; mas aquele que as busca para se diferenciar é um excêntrico. Aquele que não se contamina com coisas banais é puro; mas aquele que se desliga de tudo que é banal é um radical. 170. Ao praticar o Humanismo, o apropriado é ir do pouco ao muito; do contrário, as pessoas se esquecerão rápido dos benefícios recebidos. Ao exercer a autoridade, é apropriado ir da severidade a tolerância; do contrário, as pessoas se ressentirão amargamente. 171. Sem pensamentos impuros, a verdadeira essência do coração aflora. Buscar a verdadeira essência, sem um coração tranquilo, é como fazer ondas na água querendo ver o reflexo da lua. Se os pensamentos são puros, o coração estará sempre limpo. Buscar um coração brilhante, sem pensamentos puros, é como buscar brilho em um espelho empoeirado. 172. Se tenho fama e poder, as pessoas me saúdam; mas o que elas buscam, mesmo, é meu cinto de oficial e meus distintivos. Se me acho na pobreza, as pessoas me desprezam; mas o que elas desprezam, mesmo, são minhas roupas gastas e humildes. Assim, se de fato não meu saúdam, porque me sentir lisonjeado? Se não me desprezam, porque me sentir afrontado? 173. Diz um provérbio: ‘Deixe um pouco de arroz pros ratos, e apague a lâmpada para os cupins’. Essa atitude compassiva dos antigos é o que faz com que a humildade prospere e floresça. Sem essa atitude, as pessoas não são mais do que uma casca vazia, um templo sem alma. 174. A essência do coração é como a essência do Céu: um pensamento de felicidade, e aparecem estrelas e nuvens de bom auspício; um pensamento desagradável, e desatam trovões e chuvas violentas. Um pensamento bom traz ventos suaves e orvalho doce; um pensamento incômodo é como o sol ardente, ou o gelo do outono. Como harmonizar os extremos? Seguindo as mutações do universo: depois que algo floresce, há a continuidade. Assim, de forma livre e sem obstáculos, se unem as essências do Céu e da Terra. 175. Sem ocupação, a mente facilmente obscurece; então, é necessária a tranqüilidade para aclarar as idéias. Ocupada demais, a mente facilmente se agita; então, é necessário aclarar a mente para devolver a tranqüilidade ao espírito. 176. Quem contempla as coisas está fora delas, e compreende os ganhos e as perdas de suas possíveis ações. Quem realiza as coisas está submerso nelas, e ignora as perdas e os ganhos de suas ações. 177. Um Educado, com alto cargo, deve ser incorruptível, mas deve ser amável e modesto. Não deve comprometer sua integridade de modo algum, nem buscar algo em proveito próprio. Não deve ser extremado, nem perder a centralidade, muito menos provocar enxames de insetos venenosos.* *Literalmente: atrair gente corrupta. 178. Aquele que alardeia moralidade atrai maledicência; quem se gaba de virtude e saber, receberá censura. Por isso, o Educado se afasta tanto da má quanto da boa reputação; ele apenas preserva sua integridade e gentileza, e onde mora, sua conduta é tida como exemplo. 179. Ao encontrar uma pessoa equivocada, use a sinceridade para mudar sua mente; ao encontrar uma pessoa violenta, use a calma e a gentileza para conquistá-la; ao encontrar uma pessoa malvada e egoísta, use seu bom nome e a energia moral para ensiná-la. Assim, não haverá nada, debaixo do Céu, que você não possa mudar com sua influência. 180. Um pensamento de bondade pode harmonizar o Céu e a Terra; Um coração, sem manchas, estende a fragrância de sua pureza por cem gerações. (continua) * O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas
Hoje Macau Via do MeioNota sobre a Montanha da Vila de Pedra Partindo de Sichuan, o caminho vai direto ao norte. Ao descer do porto da montanha, o caminho se bifurca; para oeste, não se encontra nada de interessante; e para o norte, logo se vira para o leste. A quatro léguas de distância, o caminho se vê interrompido por um rio. A beirada do rio tem rochas cujos tetos se assemelham a vigas e colunas. Ao lado, há uma espécie de muralha e algo parecido com uma porta. Dentro, reina a escuridão. Se alguém lançar um grito, ouvirá apenas o burburinho da água, como em uma caverna; o eco ressoa algum tempo e depois cessa. Dando uma volta, se pode chegar ao alto; dali se descobre uma vista muito ampla. Sem que haja terra fértil, crescem lindas arvores e magníficos bambus profundamente enraizados. As plantas, ora ralas, ora frondosas, ora inclinadas, ora retas, parecem haver sido dispostas por algum ser consciente. Há muito tempo venho me perguntando se há um criador de todas as coisas; aqui me inclino a pensar que sim. O inseto chamado Fuban O Fuban é um pequeno inseto capaz de levar cargas sobre o lombo. Quando encontra algo em seu caminho, colhe imediatamente e, levantando a cabeça, deposita em seu lombo e leva. Deste modo, o peso que transporta é cada vez maior; no entanto, quando está cansado a ponto de sucumbir, segue fazendo o mesmo até não poder mais. Como seu lombo é rugoso, as coisas se acumulam ali sem cair nem se perder. No final, o inseto tropeça e cai no chão, e com tanto peso, não consegue mais levantar-se. Às vezes as pessoas tem piedade dele e tiram a carga de suas costas. Mesmo assim, quando se vê livre, levanta e começa a fazer as mesmas coisas de antes. Como também gosta de trepar cada vez mais alto, com a carga nas costas, chega um momento em que ele se esgota, cai no solo e morre. Hoje os homens anseiam por acumular bens; apenas o encontram e, no lugar de evitá-los, tomam-no e começam a aumentar seu patrimônio, sem perceber as consequências disso. Seu único temor é não acumular bastante. Acabam exaustos e tropeçam, vendo-se então obrigados a abandonar tudo, pondo-se em marcha e se instalando em outro lugar. Tanto o fazem que, não raro, terminam doentes. mas quando conseguem se levantar, começam a fazer tudo igual, de novo. Cada dia que passa, estes homens pensam em subir de posição, em aumentar sua fortuna; sua conduta e sua avidez crescem sem cessar e acabam levando-os ao perigo e a queda final. Mesmo vendo que muitos antes deles perderam tudo e morreram, não sabem aprender com o exemplo. Por mais imponente que seja o seu aspecto, e quão eminente seja sua posição, estes levam o nome de “homens”, mas abrigam a mente de um inseto. Isso não é realmente triste? Liu Zongyuan (773-819) Tradução de André Bueno
Carlos Morais José Via do MeioChá de nuvens I Subi os dez mil degraus para beber um chá de nuvens com Han Shan, Li Bai e Mi Fu, mas no cimo da montanha somente o riso das nascentes me acolhia. Ainda assim, fiz arder o carvão e aqueci a água num bule de nevoeiro. Era tarde quando o vento separou as brumas e rios de nuvens tombaram avermelhados dos setenta e dois picos, verdadeiros mestres de horizontes e visões. Foi em vão que ascendi e em vão me procurei em Huangshan: nada havia para encontrar. No vazio que transporto, remoinhavam ainda fantasmas e vozes incrédulas. Cansado, adormeci ou assim sonhei ter acontecido. No dia seguinte, pela friagem da aurora, de novo aqueci a água e as nuvens vieram dóceis ao meu bule. Bebi o chá e quando terminei as montanhas haviam partido. Ao meu lado, jazia um livro sem palavras. O vazio não estava em mim mas no mundo. Estar só era um inútil exercício. II Não aguentava, no entanto, a presença de ninguém. Pesava-me a gente, os desejos alheados, a conversa. Era por dez mil almas habitado. De que me serviriam os outros? De novo, me lancei ao caminho, seguindo as nuvens. Precisava de reencontrar Huangshan, de repetir os degraus e, como Sísifo, sempre recomeçar. Creio ter chegado ao anoitecer, pois entre as árvores os cães latiam e os símios erguiam aos céus os seus lamentos. De tão espargida, a névoa perdera a densidade e houvera luz e talvez eu pudesse olhar Huangshan e nela encontrar os mestres ausentes. Mas também a lua se esquecera de comparecer e eu sentia ainda medo de cego subir tantos degraus. No sopé da montanha, montei a minha tenda e no vinho ascendi a nuvens saturadas de imprecações. Ainda assim, funâmbulo no diâmetro das espirais, julguei encontrar algum sossego. III Nunca mais as nuvens se dignaram a repousar no meu bule, nem o riso das nascentes me alegrou os dias. Falava agora com o vento e o trovão. Em vertigens de relâmpagos, por instantes, cuidava vislumbrar Huangshan e tanto me bastava. Latia com os cães e uivava com os macacos, ignorando o bule e o sino. Por dez mil dias o fiz, por dez mil vezes olhei o céu sem nuvens. Não sei se conseguirei voltar à cidade de meus pais; se a estrada conduz ao lago ou ao palácio. Bebi em todas as tabernas, dormi com todas as mulheres aquiescentes. Pegadas na bruma, não as segui. De nada me valeu procurar Huangshan, de nada me serviu beber o chá de nuvens: sob o céu, tudo era, doravante, um labirinto e eu, minotauro coxo e cego, tacteava impudente, sem guia e sem destino, orando baixo aos deuses surdos para que nunca me deixassem encontrar uma saída. In O Comedor de Nuvens
António Graça de Abreu Via do MeioSegunda jornada à Falésia Vermelha – Su Dongpo Tradução de António Graça de Abreu No mesmo ano, na lua cheia do décimo mês, na companhia de dois amigos, parti de minha casa, a pé, em direcção ao pavilhão de Lingao. O orvalho já se havia transformado em geada gelada, as árvores tinham perdido todas as folhas. Na terra, distinguiam-se as sombras dos homens e, levantando-se a cabeça, aparecia uma lua brilhante. Olhávamos à nossa volta e contemplávamos a paisagem, caminhávamos cantando, ou íamos conversando uns com os outros. Por fim, eu disse, suspirando: “Tenho amigos comigo, mas não temos vinho. Mesmo se tivéssemos vinho não haveria iguarias para acompanhar. O prateado da lua, a doçura da brisa, que fazer numa noite tão bonita?” Um dos meus amigos respondeu: “Hoje, ao cair da noite recolhi a minha rede e a pesca foram uns tantos peixes de bocas grandes e escamas finas, uma espécie de percas. Mas onde encontrar vinho?” Regressámos a minha casa e falei com a minha esposa. Ela disse: “Tenho uns potes de vinho que ficaram guardados já há algum tempo, esperando que um dia te recordasses deles.” Partimos de novo com o vinho rumo à Falésia Vermelha. Impetuosa a corrente do rio, as escarpas subiam a mil pés de altura. Enormes as montanhas, pequena a lua, baixo o caudal e as ondas, as pedras no leito rompiam as águas. Habitamos estes lugares há já tantos anos e ainda não conhecemos o rio e as montanhas. Saímos da barca, levantei a cabaia comprida, trepei pela margem rochosa, caminhei sobre pedras afiadas, afastando, ao passar, as ervas selvagens. Sentei-me sobre penedos semelhantes a tigres ou leopardos, atravessei matagais, os arbustos pareciam dragões com cornos, no alto, havia ninhos de falcões. Levantando os braços procurei encontrar um poiso entre a ramaria, para passar a noite, baixando a cabeça, tentei descobrir o palácio solitário do deus das águas. Não fui seguido pelos meus dois amigos. Dei então um enorme grito que perfurou o espaço e fez estremecer as ervas e as árvores. Sonoridades na montanha, o eco, o vale respondeu. Levantou-se vento, a água caía nas cascatas. Em mim, alguma inquietação, tristeza, receio. Eu tremia, não queria ficar na margem do rio. Regressei à nossa barca que vogava ao sabor da corrente. Para satisfação de todos, era ela quem decidia por onde devia navegar. Era quase meia-noite. À nossa volta, um imenso silêncio e calmaria. Apenas um grou solitário, vindo de leste, sobrevoava o rio. Asas grandes como as rodas de uma carroça, o corpo, negro em cima, branco, em baixo. Grasnava, longos gritos que rasgavam a escuridão. Passou, rasando, por cima da nossa barca e seguiu para oeste. Os meus amigos partiram e eu adormeci. Sonhei que um monge taoista, vestindo um manto de penas ondulantes, passava junto ao pavilhão de Lingao. Saudou-me e disse: “A vossa viagem à Falésia Vermelha foi ou não foi uma jornada de espantar?” Perguntei-lhe como se chamava. Um leve aceno de cabeça e não me respondeu. Questionei-o, outra vez: “Não foste tu que ontem à noite sobrevoaste o nosso barco?” O monge sorriu. Sobressaltado, despertei por completo. Abri a janela da barca, olhei a paisagem, não se via ninguém.
Hoje Macau Via do MeioZhuang Zi, a técnica e o fim do humanismo Condenando toda a autoridade, toda a hierarquia, toda a vida em sociedade, Zhuang Zi, o maior pensador chinês da Antiguidade não cessa, ao longo da sua obra, de estigmatizar a bondade e os seus defeitos. Oferece-nos uma crítica do humanitarismo de extraordinário alcance. Jean Levi* Tradução de Rui Cascais Todos conhecem os nomes de Confúcio, o santo patrono dos letrados, ou de Lao Zi, o sábio taoista, mas são poucos os que conhecem Zhuang Zi. E, no entanto, ele foi o maior pensador chinês da Antiguidade (início do século III A.C.). O leitor erudito ligará, sem dúvida, o seu nome à história do filósofo que sonhava que era uma borboleta e, ao acordar, não sabia já se era um homem que tinha sonhado que era uma borboleta ou uma borboleta que sonhava que era um homem, invocada por Borges como prova da inexistência da coerência temporal na sua vertiginosa “Nova refutação do tempo”. Zhuang Zi ficou assim associado a imagens de sonhos e borboletas, e firmemente enquadrado nessa evanescência que habitualmente atribuímos ao misticismo oriental. É certo que não falta encanto a esta visão e que ela permitiu popularizar o nome de Zhuang Zi no Ocidente. Porém, ela não lhe prestou nem serviço, nem justiça e instalou o lugar comum do sábio subtraído das contingências do mundo e da matéria, evoluindo como um insecto diáfano entre sonho e realidade, que foi utilizado para forjar a própria tradição filosófica chinesa afim de retirar a carga subversiva deste homem que Diógenes não teria hesitado em alistar na sua matilha de cães enraivecidos. Pois, na verdade, se se tivesse de escolher um animal para Zhuang Zi este seria mais uma baleia que uma borboleta, uma baleia feroz do género Moby Dick, capaz de tudo destruir e de tudo quebrar. A tal ensina a obra que leva o seu nome, o Zhuang Zi, que, na abertura, invoca um gigantesco monstro marinho, o kuan, meio peixe meio ave e cujo vôo não é mais que a própria metáfora do texto de potente e irado sopro que se desenvolverá daí em diante. Zhuang Zi viveu num mundo de ruído e furor em que sete grandes estados absolutistas disputavam a supremacia e procuravam realizar, em benefício próprio, a unificação totalitária de toda a terra sob o céu, levando-o a reagir com igual furor condenando, com tons de Rousseau, toda a autoridade, toda a hierarquia, toda a vida em sociedade. Para ele, as invenções técnicas exercem uma tirania à qual não podemos fugir a não ser destruindo as máquinas e regressando à vida selvagem: “As máquinas criam actividades mecânicas. As actividades mecânicas mecanizam o coração. Quem tem no peito um coração mecânico perde a sua candura natural; quem tiver perdido a sua candura natural não saberá conhecer a paz de alma!”, colocará ele na boca de um dos seus porta-vozes, um velho jardineiro, num diálogo fictício que o opõe a um discípulo de Confúcio. Zhuang Zi envolve-se num questionar radical desse modo de pensar próprio do homem social que conduz a considerar o mundo unicamente sob a forma de uma matéria a explorar, ou seja, a ver a vida apenas sob uma perspectiva de meios e fins sucessivos, de forma que, totalmente subsumido aos fins, o indivíduo não é ele próprio mais que um meio e como tal se perde no ambiente técnico que criou. Mas a crítica do filósofo ultrapassa o terreno político para se colocar no duplo plano ôntico e epistemológico. Zhuang Zi ama os mitos. A maldição do homem enredado na especialização técnica e na dominação hierárquica graças a uma utilização indevida da sua consciência vai manifestar-se sob a forma de uma curta fábula cuja simplicidade – somos quase tentados a dizer indigência – ressoa de uma terrível profundidade. Trata-se da história do Caos morto por dois personagens demasiado ansiosos que julgaram adequado agradecer-lhe a hospitalidade fazendo-lhe orifícios. O drama de Caos é o drama da psique. Abrindo-se, entrega-se às coisas que para ela não são mais que objectos de prazer e precipita o tema do paraíso da confusão no universo das relações humanas marcadas pela distinção entre um eu que coloca o outro como um exterior irredutível a si. Esta dicotomia entre interioridade e exterioridade conduz, por um lado, à servidão da consciência aos objectos e, por outro, à ruína da natureza – do elemental, como diria Lévinas – colocada como meio a conquistar afim de a transformar em bens capazes de satisfazer os seus apetites, de forma que ao escravizar o seu elemento, o sujeito é escravizado e reificado pelas coisas que produz. Finalmente, instalam-se a luta pela posse da riqueza e as relações de dominação. Assim, a consciência do separado inaugura o reino do conflito, um conflito que a justiça e a misericórdia não conseguem temperar, bem pelo contrário. Zhuang Zi nunca cessa, ao longo da sua obra, de estigmatizar a bondade e de denunciar os seus erros. O homem bom é pior que o pior dos criminosos. Na verdade, a compaixão não é um defeito que possamos apontar a Zhuang Zi. Esta assumida insensibilidade, reivindicada mesmo, transparece nas maravilhosas e terríveis passagens em que ele se encontra confrontado com a morte, seja o falecimento da esposa, de velhos amigos ou ainda no seu diálogo com o crânio que lhe serve de almofada. Uma vez que é um homem sem qualidades, ao modo de Ulrich, o herói de Musil, Zhuang Zi é um homem superiormente lúcido. A sua crítica do humanitarismo é de um extraordinário alcance. Diz-nos o seguinte: que virtude é essa que nos põe a calcar aos pés a nossa verdadeira natureza, de tal modo já nada temos para os outros? Inaptos no desembaraçar dos nossos próprios sentimentos, não conseguimos alimentar o nosso princípio vital e tornamo-nos vítimas da benevolência de gente incapaz de nos compreender, pois afastados de si e do mundo, não se conseguem colocar no lugar dos outros. Cada acto de bondade e de caridade é sinal da perda de identidade consigo próprio e com a espontaneidade e torna quimérica toda a tentativa de comunhão com o outro. Zhuang Zi exige que estabeleçamos um contacto diferente com o mundo, que passa pelo corpo e pela sensação na sua imediatez absoluta, para instaurar relações mais humanas e mais justas, uma vez que mais animais. O que o conduz a interrogar-se sobre a relação da linguagem com o real. Decide atacar as distinções operadas pelo discurso no tecido homogéneo da totalidade vivida. Todo o juízo, na medida em que é juízo, é a expressão de uma subjectividade que opera um corte arbitrário. A linguagem, enquanto é simultaneamente produto e suporte da inteligência, não pode dar conta de uma realidade contínua e fluida senão em termos de descontinuidade. O homem verídico de Zhuang Zi, ao contrário, mantém uma relação justa com a linguagem, da qual faz instrumento da sua acção sem sucumbir ao prestígio das palavras atribuindo um qualquer valor a um juízo expresso no modo discursivo:”Não há, diria ele, qualquer diferença entre a mais bela das mulheres e o pior monstro, entre um talo de erva e uma coluna de templo, porque gigantescas, belas, enganosas ou estranhas, todas as coisas obedecem a um principio comum que as reúne numa única e mesma unidade.” Tal atitude supõe o estar-se livre da ganga da linguagem e tudo o que o que ela comporta de determinações de tomada de controle, como o Tao que, abstraído do mundo dos fenómenos rege as coisas a partir do centro vazio do universo. Coerente consigo mesmo, Zhuang Zi forjou uma língua que tenta escapar à maldição da linguagem humana que denuncia. O seu estilo é marcado por uma singularidade e alteridade que, num movimento mimético, zombam de um universo atingido de desmesura. O Zhuang Zi prodigaliza uma colecção de monstros de feira, exibe uma galeria de horrores: enfermos mutilados, desgraçados. Só existem homens disformes, tudo é barroco em Zhuang Zi, tanto a natureza como a música. Compreendemos assim porque recorre tanto ao mito: o mito nunca recua perante o exagero; deleita-se no delírio e no excesso. Pelo desvio, pela dissonância que introduz no modo discursivo, o mito pode oferecer no plano da sintaxe narrativa a manifestação da deformidade. Está para o discurso filosófico como as figuras do enfermo ou do amputado estão para o homem normal: uma anomalia, um desvio. Mas, para os monstros, esta desgraça é uma graça: o mito permite regressar a uma forma mais alta e mais intuitiva da razão pois justamente, aniquilando as categorias da linguagem, aparece à razão como informe e não-conforme. Dando um sentido mais puro às palavras da tribo, renova a indistinção primordial que põe em movimento e de onde provém. O recurso a tal forma literária não é um simples capricho de escritor; tem implicações políticas, perfeitamente entendidas pelo historiador dos Han, Sima Qian, o qual conclui a nota biográfica que lhe consagra nas Memórias Históricas com este reparo: “A sua linguagem transgride tudo, segue apenas a sua própria inspiração de forma a que os poderosos jamais possam fazer dele seu instrumento.” *Sinólogo e tradutor
Leandro Durazzo Via do MeioTomando vinho Tao Yuanming (陶淵明, 365-427 EC) Tradução de Leandro Durazzo 飲酒 結廬在人境, 而無車馬喧。 問君何能爾? 心遠地自偏。 採菊東籬下, 悠然見南山。 山氣日夕佳, 飛鳥相與還。 此中有真意, 欲辯已忘言。 moro em meio aos homens, mas nenhum barulho me perturba. “Como pode ser?”, você pergunta, seu coração distante se confunde. crisântemos colhidos dos arbustos, montanhas bem ao longe. a luz por suas névoas são brilhantes e os pássaros voltando todos juntos. em tudo há sentido verdadeiro, mas não tenho palavras pra dizê-lo.
Ana Cristina Alves Via do MeioMentalismo com Características Chinesas (I) Wang Yangming (王阳/陽明1472-1528), cujo nome pode ser traduzido por “Sol brilhante”, também é conhecido pelo seu nome de nascença, Wang Shouren (王守仁), que significa “Guardião da Benevolência”. Natural de Yuyao (余姚), da província de Zhejiang (浙江), perto de Hangzhou (杭州) , foi um importante pensador neo-confucionista ao qual é atribuído o desenvolvimento da Escola do Coração-Mente (心学/學 Xīn Xué), contra grande parte da sua tradição filosófica, a escola dos princípios (理学/學Xué Lǐ ), que defendia a existência basilar de princípios celestiais (天理 Tiān Lǐ), fundamentais para a explicação da realidade, separados do poder mental. Filho de um oficial, recebeu a melhor educação clássica, tendo acesso a todo o acervo da biblioteca confucionista. Apesar de conhecer e defender bem a ortodoxia clássica dos Quatro Livros e dos Cinco Clássicos (四书五经/四書五經 Sì Shū Wǔ Jīng), ainda jovem sentiu-se atraído pelo Taoismo e pelo Budismo, o que o tornaria um verdadeiro neo-confucionista, já que esta filosofia se caracteriza por ser uma conjugação e ligação entre o Confucionismo, Taoismo e Budismo, regida e orquestrada pelos valores ético-morais da filosofia confucionista. Também na sua vida filosófica e profissional os valores confucionistas estiveram sempre em primeiro plano, habilmente conjugados num “idealismo dinâmico”, como lhe chamou Wade Baskin em Classics in Chinese Philosophy, que sistematizou e desenvolveu na esteira de Lu Jiuyuan (陆九渊,1139-1193). Passou nos exames imperais e em 1499 alcançou o exame de topo. Seguindo as pisadas do pai, também ele serviu o seu governo, durante longos anos até ter ofendido um eunuco, o que lhe valeu uma sova enxovalhante na praça pública e o afastamento do centro do poder, tendo sido banido para à época pouco desenvolvida Província de Guizhou (贵州) em 1506. Aí teve oportunidade de melhorar as condições de vida dos habitantes e, também, de aperfeiçoar o seu sistema filosófico. Foi reabilitado em 1510, regressando à corte, tendo-se distinguido não apenas como bom administrador e homem de estado, mas como um general de obra feita e várias vitórias no currículo. A influência da sua filosofia perdurou. E ele recebeu a honra póstuma de em 1584 lhe ser prestado culto no templo confucionista. A sua linha filosófica afastava-o do maior neo-confucionista até então, Zhuxi (朱熹, 1130-1200). Distinguia-o não o louvor à Humanidade ou Benevolência (Rén仁), mas, por um lado, a defesa da indissociabilidade entre o conhecimento e a acção (知行和一Zhī xíng hé yī), em termos práticos e resumidos, a seus olhos não era possível ao sábio pensar uma coisa e fazer outra, porque formava um todo como uma árvore, cuja raiz já indicava os ramos, as flores e os frutos; por outro, a identificação dos princípios celestiais com o coração-mente e este, por seu turno, com o universo, formando um todo inseparável, mais uma vez como a árvore, imagem a que recorre frequentemente para explicar que os princípios são o coração e este os princípios. A união indica a mente correta, a divisão ou separação, o mau viver, ou seja, a mente egoísta. O coração-mente controla o corpo, e só é controlado pelas paixões deste, concretamente pelas suas sete paixões, quando deixa de ser o mestre que contém os princípios celestiais e virtuosos prontos a desabrocharem e frutificarem. Há, portanto, ideias inatas, como a do bem que são alcançadas intuitivamente, pois estão dentro de nós. O coração-mente é um espelho que precisa de ser polido para compreender e empreender a união consigo próprio e com o universo. “A mente é una, no caso de não ter sido corrompida pelas paixões humanas, é então chamada a mente justa. Mas se é corrompida por intuitos humanos e paixões, denomina-se mente egoísta” (1974, Baskin: 578.) Neste neo-confucionista, o domínio do coração implica a relação com os princípios morais inatos. Só é benevolente quem compreende e atua de forma benevolente, porque teoria e prática, reitera-se, são uma e mesma coisa. O objetivo do sábio é que a sua mente esteja tão afinada ou polida que reflita perfeitamente a realidade que o rodeia. Para tal é fundamental tranquilizar a mente, como? Harmonizando as sensações e paixões num equilíbrio tão perfeito quanto possível. Neste tipo de filosofia mentalista o que significa a natureza? Recordemos, antes de prosseguir, que estamos perante uma forma de idealismo, logo a natureza é, primeiro, quanto à substância, o Céu (Tian), impessoal, mas também pode assumir a figura popular de um deus personalista, O Senhor Supremo (上帝 Shàngdì); segundo, do ponto de vista funcional, o destino; terceiro, enquanto relação com a humanidade, é a disposição; quarto, é o coração-mente enquanto poder controlador do corpo, (Baskin, 1974: 593) porém, em quinto lugar, enquanto manifestação da mente ou princípio mental, é as suas próprias virtudes, que lhe vão permitir alcançar o equilíbrio ou o meio entre as paixões, suscitando os bons pensamentos, que são as raízes e radículas geradas pela mente altruísta (Baskin, 1974: 597). A natureza, tal como é entendida por Wang Yangming, neste caso o coração-mente (心xin) é o bem maior, pelo que o filósofo nos aconselha a tratá-lo como se cultivássemos uma das suas imagens já nossa conhecida, a árvore, com calma e sem ansiedade, pois precisa de tempo para se desenvolver, não se deve esperar que o tronco surja antes das raízes e quanto a estas devem ser regadas parcimoniosamente, de modo a que cresça a seu ritmo, deixando surgir os ramos, as folhas, as flores e os frutos. Nesta filosofia, procura-se alcançar uma mente altruísta, tranquila, guiada por virtudes morais, pela justiça e serviço à humanidade, com o controlo atento das paixões e das vicissitudes da vida, em nome do caminho do dever, determinado pela mente. E os filósofos taoistas e budistas que não praticam esta via, vivem separados, mergulhados em ilusões e comportamentos desviados pelas suas personalidades egoístas, já que segundo Wang Yangming os taoistas se revelam incapazes de conhecer e praticar os princípios morais e os budistas de se exercitarem nos relacionamentos humanos. A verdade é que este filósofo também foi poeta. Na excelente edição Quinhentos Poemas Chineses (2014), coordenada por António Graça de Abreu e Carlos Morais José, podemos ler dois poemas de Wang Yangming, traduzidos por Camilo Pessanha: “Ascensão ao Miradoiro do Kiang” e “À noite, no Pego do Dragão”, onde seguimos com emoção a luta do neo-confucionista pelo domínio do corpo e suas paixões, sobretudo no segundo poema, donde retiro os últimos versos “À borda da torrente, intento fazer versos aos viço das orquídeas. /Embargam-mo as saudades violentas, empolgando-me, do Kiang-Pei e do Kiang-Nan.” (Wang Apud Abreu, Morais José, 2014:271 ) Recorde-se com o Clássico Trimétrico que entre as sete paixões a controlar: a alegria (喜 xi), a fúria (怒nù), a tristeza(哀āi), o medo (惧/懼jù), o amor (爱/愛ài), o ódio(恶/惡 wù) e o desejo (欲yù), se encontra o amor . Este, na versão neo-confucionista de Wang Shouren, “Guardião da Benevolência”, assume-se como amor à humanidade (仁爱/愛 rén´ài), mas, ainda assim, deve ser sentido e expresso com contenção, equilíbrio e harmonia para que a mente egoísta não se sobreponha à altruísta. Acompanhemos a exteriorização poética desta ideia, que ao ganhar corpo adquire forte sentimento em “Oração de invocação à Chuva” (《祈雨辞》), registada no reinado do Imperador Ming Zheng De, no Rio Gan na actual parte Sul de Jiangxi , no 11º ano, que corresponde ao ano de 1516 da era cristã (正德丙子南赣作): Ó Céus! Há dez dias que não chove. O campo não tem colheitas. Há um mês que não chove, o rio vai deixar de correr. Ah, há um mês que não chove, o povo já está doente. Se não chover no próximo mês, como vai a população sobreviver? Que culpa tem a arraia-miúda para sofrer tamanho castigo?! Se falhei no cumprimento do meu dever, que me seja ditada a sentença. Ó Céus! Já não bastam os ladrões para às gentes dar aflição, é sobre eles que deve recair a ira, não sobre o povo inocente. Por que se consomem mutuamente o bem e o mal? Ó Céus! Que mal te fez o povo para tão pronta fúria! Ergam-se velozes as nuvens no céu, caindo a chuva benfazeja sobre os campos. Mais do que os roubos não terem sido travados a tempo, pesa-me a tristeza de ver à minha volta tanto sofrimento e pobreza. (呜呼!十日不雨兮,田且无禾。 一月不雨兮,川且无波。 一月不雨兮,民已为痾。 再月不雨兮,民将奈何? 小民无罪兮,天无咎民! 抚巡失职兮,罪在予臣。 呜呼!盗贼兮为民大屯,天或罪此兮赫威降嗔。 民则何罪兮,玉石俱焚? 呜呼!民则何罪兮,天何遽怒? 油然兴云兮,雨兹下土。 彼罪遏逋兮,哀此穷苦!) O mentalismo de Wang Yangming, porque é neo-confucionista, implica amor, respeito e atenção aos outros e ao seu contexto natural e social, tal como o ponto de chegada da sua filosofia requer, pelo que este tipo de mentalismo se na raiz se aproxima do budismo, distingue-dele, mesmo quando este último manifesta caraterísticas chinesas, como teremos oportunidade de ver num próximo texto. O objectivo dos neo-confucionistas será grosso modo o de transformar a terra num paraíso benevolente, onde a humanidade possa viver em harmonia por acção directa de chefes empenhados e sérios, que muito se penalizam ao jeito dos governantes da antiguidade chinesa, como Yao (尧) e Shun (舜), quando o vento não sopra a favor da população, ou melhor, quando as condições não permitem que todos os seres desabrochem tão naturalmente como plantas regadas por bons agricultores. Referências Bibliográficas Baskin, Wade. 1974, Classics in Chinese Philosophy. New Jersey: Helix Books. Graça de Abreu, António, Carlos Morais José (Coord.). 2014. Quinhentos Poemas Chineses. Lisboa: Nova Veja. Wang Yangming. 2019.Stanford Encyclopedia of Philosophy. https://plato.stanford.edu/entries/wang-yangming/ Wang Yangming (王陽阳明) 2013《祈雨辞》璞如子(释注).http://www.ziyexing.cn/articles/article-37.htm Xu Chuiyang.1990. Three Classic in Pictures. Ilustrações de Shang Liangxin. Singapura: EPB Publishers.
Paulo Maia e Carmo Via do MeioChen Qingbo e as senhoras que esperavam a Lua Marco Polo (c.1254-1324), regressando das suas viagens entre 1271-95, relatou no terceiro Livro da narrativa Il Milione, o incontido espanto que lhe causou o modo inesperado e admirável como as pessoas desfrutavam de um lago junto de uma metrópole que encontrou no Extremo Oriente: «O lago está repleto de grande número de navios e barcas, pequenos e grandes, nos quais as pessoas embarcam em agradáveis passeios… Tapados por cima com cobertas sobre as quais homens de pé empurram com varas até ao fundo do lago, fazendo assim mover as barcas de onde elas estão atracadas… E não há dúvida que uma viagem nesse lago é mais repousante e deliciosa do que qualquer outra experiência no Mundo.» Esse lugar invulgar era o Lago do Oeste (Xihu), junto de Hangzhou, uma paisagem que guarda os sepulcros de beldades como Su Xiaoxiao ou Feng Xiaoqing e foi escolhida para morada de notáveis e acarinhados poetas como Lin Bu ou Zhu Xi e até modificada por alguns deles como Bai Juyi (772-846) ou Su Shi (1037-1101) quando governaram esse território. E, se pintores Japoneses que nunca lá estiveram, como Kano Sunraku (155-1635) ou Ike Taiga (1723-1776) refizeram o aspecto do lago, reconhecido espelho de civilização, os que lá passaram ou viveram não cessariam de figurar o lugar. Desde o tempo em que Hangzhou foi a capital do império que o seu Lago do Oeste era também um cenário de pinturas feitas para a corte, chegando a ser desde Song Di no século XI, um constante objecto de estudo, dividido em dez panoramas canónicos. E imaginando a exuberante vida que se desenrolava dentro dos palácios, alguns encenariam situações que pareciam querer dizer algo misterioso. Foi o que fez um pintor que tomou o nome de uma das três portas de Hangzhou, quando se chamava Lin’an no tempo dos Song do Sul; Fengyu (actual Yongjin) Qiantang e Qingbo. Chen Qingbo, cuja actividade é registada entre 1210 e 1260, é referido por Xia Wenyan, no tratado de 1365 Tuhua Baojian (Precioso espelho da pintura) como um pintor que trabalhou fora da corte e que, «nascido em Qiantang, pintou muitas vezes vistas panorâmicas do Lago do Oeste». E é isso que se pode ver em Manhã de Primavera no Lago Oeste, uma pintura para leque montada como folha de álbum (25 x 26,7 cm, tinta e cor sobre seda no Museu do Palácio, em Pequim) uma sua característica representação em ziguezague, semelhante ao caracter zhi, que indica uma pertença ou algo, alguém. Uma outra pintura também em formato de leque, mostra um encontro nocturno e tem o título No terraço do palácio ao luar (25,6 x26,7 cm, tinta e cor sobre seda, no Museu do Palácio, Pequim) nela cinco mulheres, três senhoras e duas criadas subiram a um terraço para contemplar a lua. Uma das senhoras segura uma bandeja onde estão cinco figuras cónicas, reforçando o número cinco que no Yijing corresponde a «esperar».
José Simões Morais Via do MeioQuarta viagem marítima de Zheng He (VII) Malaca fundada em 1400 por o príncipe hindu Parameswara, quando o moribundo império de Majapahit (Java) e o Reino do Sião reclamavam suserania sobre a Península Malaia, era ainda uma aldeia de pescadores na altura da visita do eunuco Yin Qing nos princípios de 1404. Parameswara, que procurava desenvolvê-la como centro comercial devido à posição privilegiada no Estreito de Malaca, logo aproveitou a oportunidade para pedir o reconhecimento da sua independência e colocar-se sobre a protecção do Imperador Ming. Malaca pagava então um anual tributo de 40 taéis de ouro ao vizinho Reino do Sião para ser protegida e estar a salvo dos ataques dos siameses e javaneses. Yin Qing, que partira da China na 10.ª lua de 1403 com a missão de ir à Índia, já visitara Java e Palembang quando chegou a Malaca, onde anunciou o reinado do novo Imperador Yongle e daí partiu para Calicute (Guli) e Cochim (Kezhi). No regresso fez uma nova paragem em Palembang, na ilha de Sumatra, onde embarcou um representante do rei, assim como de Malaca levou uma delegação para ir à corte Ming pagar tributo e ficar sobre protecção da China. A segunda viagem de Yin Qing, iniciada na 9.ª lua do terceiro ano do reinado de Yongle (1405), trouxe de regresso os embaixadores de Palembang e de Malaca, onde deixou uma estela. Assim, Zheng He na sua primeira viagem marítima em vez de ir a Malaca seguiu para o reino do Sião (XianLo, Tailândia) a fim de tratar da segurança do novo protecturado e avisar o rei do Sião estar Malaca sob protecção do Imperador da China. Segundo alguns investigadores, o Rei de Malaca Parameswara terá visitado a China quando embarcou com Zheng He durante a terceira viagem marítima no final de 1410 e em Nanjing chegou no 6.º mês de 1411, sendo muito bem recebido por o Imperador Yongle. Após dois meses, na 9.ª lua embarcou de novo com Zheng He para o Reino de Malaca. Mas Zheng He só partiria para a quarta viagem marítima nos finais de 1413 e como os dois meses de estadia de Parameswara na China acertam com o período de chegada da segunda viagem no final do Verão de 1409 e a partida para a terceira viagem no nono mês (9 de Outubro a 6 de Novembro de 1409), daí resulta ser a hipótese mais acertada a da segunda viagem. Estando registado ter sido Zheng He a levar de volta Parameswara para Malaca, tal anula a hipótese de ter sido o eunuco Hong Bao, enviado em 1412 por o Imperador Yongle como embaixador ao Sião, expedição ocorrida entre a terceira e quarta viagem marítima de Zheng He. Após a terceira viagem, não foi mais a razão que motivara as três primeiras expedições de procurar o ex-Imperador fugitivo Jianwen. Ficaram desde então as rotas marítimas bem estudadas através da confirmação de anteriores conhecimentos como, o determinar geograficamente a latitude através da altitude das estrelas, o reconhecer-se de novo os locais dos baixios e rochedos, o confirmar das correntes e dos ventos sazonais específicos a cada zona daqueles mares. A chegada à China de “inúmeros mercadores estrangeiros com produtos exóticos e de luxo, motivaram uma nova dinâmica económica, tanto em relação às viagens imperiais como, para a população, agora autorizada e estimulada a dedicar-se ao comércio, numa tentativa para resolver a crise financeira”, originada pelos gastos das dispendiosas viagens marítimas e das batalhas a Norte contra os mongóis. ATÉ À COSTA DE ÁFRICA Os Registos Históricos da dinastia Ming compilados na dinastia Qing referem ter o Imperador, no dia 15 do 11.º mês lunar do décimo ano do reinado de Yongle (1412), dado ordem a Zheng He para realizar a sua quarta viagem marítima e visitar Malaca, Java, Champa, Sumatra, Aru, Cochim, Calicute, Lambri, Pahang, Kelantan, Kayal, Ormuz, Maldivas, Laquedivas e outros locais. Mas essa viagem só começaria no ano seguinte, no Inverno do 11.º ano de Yongle em 1413. Antes de Zheng He partir, largara já em Fevereiro de 1413 uma pequena armada comandada por Wang Jinghong e Hou Xian, dois subcomandantes das expedições anteriores, que seguiram para o Golfo de Bengala devido ao vassalo sultão Giyassudin Azam ter morrido em 1412. Estando o Sultanato de Bengala sem governante vinham eles como representantes do Imperador Yongle para dar aval à sucessão do filho do sultão. Depois, o Grande Eunuco Wang Jinghong foi para Sumatra e daí navegou directamente seis mil quilómetros sem escalas até Mogadíscio, na costa Oriental de África, onde se juntou à armada, sendo acompanhado por Fei Xin, outro dos subcomandantes de Zheng He da primeira viagem. Já o eunuco Hou Xian ficou em Bengala onde conseguiu adquiriu uma girafa oferecida por um governante de Melinde, cidade-Estado na costa Oriental africana, ao Reino de Pegu, vassalo do Sultanato de Bengala, como prova de gratidão aos excelentes pilotos bengalis. Nesse entretanto, Zheng He foi a Xian, província de Shaanxi, onde na mesquita Yangshi convidou o íman Ha San para ser tradutor, pois o destino final dessa sua viagem era os países da Arábia. A armada de 63 barcos e 28560 homens capitaneada por Zheng He partiu do estuário do Rio Yangtzé no Outono de 1413 e navegando pela costa de Fujian chegou a Vijaya (Qui nhon), onde se dividiu. Uma frota partiu para Palembang e voltando-se a dividir, seguiu uma para Surabaya e outra para Malaca, onde se encontrou com a que tinha partido de Vijaya. De Malaca passou a armada por Samudra (Aché, na ponta setentrional de Sumatra) e Ceilão, e contornando as ilhas Maldivas foi a Calicute. De Angediva (ilha em frente a Goa, Índia) partiu para a península Arábica e para as costas Orientais de África. Outra frota navegou sempre junto à costa e chegou a Ormuz, na altura o porto principal de comércio na península Arábica. Depois, dirigiu-se para Hadramout, na costa do Iémen, ancorando em Adem, tendo sobrevivido a uma grande tempestade que só acalmou pelas orações do tradutor árabe, que seguiu com a armada até à China. De Adem entraram pelo Mar Vermelho atingindo Jidda e depois um porto egípcio. Daí vão a Mogadíscio, onde se encontrou com a frota comandada por Wang Jinghong, e de Brava chegaram a Kilwa, partindo para Sofala. O eunuco Hou Xian, regressado da visita ao Nepal, em 1415 passou por Bengala para agradecer a oferta da girafa, que só foi entregue ao Imperador Yongle a 16 de Novembro de 1416 e como esta se parecia com o mitológico animal chinês qilin, foi considerada um sinal do Céu e a aprovação para a transferência da capital de Nanjing para Beijing. Na viagem de regresso, Zheng He ao passar pelo Sultanato Pasai de Samudera, porto muçulmano na costa Norte de Sumatra, encontrou no poder Sekandar, irmão mais novo do sultão Zain Al-Abidin, e estando o reino sobre protecção chinesa, o Almirante derrotou o usurpador e as suas forças, terminando com a revolta, levando Sekandar para a China a fim de ser presente ao Imperador. A armada chegou a Nanjing na 7.ª Lua do 13.º ano de Yongle (12 de Agosto de 1415), trazendo muitos embaixadores dos países visitados.
António Graça de Abreu Via do MeioDa tradução de poemas de Su Dongpo Traduzir poemas de Su Dongpo (1037-1011) para língua portuguesa. Quase nada sei, e contemplo o universo todo na arte abstrusa do tradutor. Uns pingos de clarividência, tentar conhecer umas resmas largas de caracteres, a sequência das palavras, passear pela língua chinesa, espreitar cuidadosamente traduções inglesas e francesas, movimentar-me nas assombrações da vida fantástica de Su Dongpo, o real com toneladas de sofrimento à espreita em cada esquina, mais os caminhos por alamedas plenas de alegria e humor. A estrutura da língua chinesa tão diferente e afastada das línguas ocidentais. Desbravar o infinito. A tradução próxima e distante. Lá do Extremo Oriente, do rendilhado das margens do lago Oeste, em Hangzhou, da ilha de Hainan ou da província de Shandong lançam-me música, um erhu chinês, um violino, uma pipa, o guzheng a enobrecer sentimentos. Acompanho Su Dongpo, com a sorte de tentar conhecê-lo, de ser seu amigo, de ter viajado por parte importante dos lugares do Império do Meio onde o poeta nasceu há mil anos atrás, desempenhou funções de mandarim, cruzou montes e vales, subiu e desceu rios, jornadeou pelos espaços do vazio, foi afastado para o outro lado do mar, para terras do degredo e do exílio.[1] Em prefácios a traduções anteriores de grandes poetas da China, sobretudo Li Bai, de 1990, Han Shan, de 2009 e Du Fu, de 2015, debrucei-me, tanto quanto sabia e era capaz de explicar, sobre o trabalho de tradução. O tradutor assume-se como o feitor de uma tarefa diferente, que se abre a partir de um outro código linguístico, mas no português de chegada têm de estar a raiz original das palavras e um mesmo sentir. Em Su Dongpo, encontrar a delicadeza, a suavidade, o encanto, a frescura da grande poesia clássica chinesa. Depois, difícil de fazer bem feito, mas é por aí que caminho. Yan Fu (1853-1921) um dos primeiros grandes tradutores de obras literárias inglesas e norte-americanas para língua chinesa falava nos três princípios fundamentais de uma tradução譯事三難:信 xin, ou seja fidelidade ao texto original, 達 da ou seja, fluência e legibilidade e 雅ya , ou seja, elegância e beleza, assim se harmonizando a língua de partida com a língua de chegada. Min Xiaohong (1963-), professora na Universidade de Senzhen, especialista em Su Dongpo, diz que “Translation is an art of transforming everything in form while changing nothing in meaning.”[2] Nuno Júdice, num texto brilhante sobre David Mourão Ferreira tradutor, refere George Steiner, no seu Depois de Babel onde o autor fala da tradução como “contrabando” processado a partir da língua e da cultura originárias para a língua e cultura de chegada. [3] No que me diz respeito, sei que no poema traduzido tem de estar a voz e o sentir do poeta chinês, mais a minha própria leitura poética, em língua portuguesa. Porque se o poema sínico parece intraduzível (por isso eu o traduzo!) tudo o mais é reinvenção, recriação, reimaginação, transcriação, retradução. E o poema contrabandeado já é outro poema. É de Su Dongpo, mas também é meu. Do grande universo da poesia da China clássica passou para o mundo da língua de Camões, Machado de Assis e Fernando Pessoa. Contrabandear, com certeza, considerando um produto poético em busca de qualidade literária também na língua de chegada. E, porque os conhecimentos de língua chinesa serão sempre reduzidos, a necessidade da viagem por traduções noutras línguas mais próximas do português, sobretudo as boas traduções inglesas e norte-americanas. Vamos a um exemplo de um poema de Su Dongpo, conhecidíssimo na China, objecto de múltiplas traduções. É um 绝句 jueju, uma espécie de quadra, com sete caracteres por verso, assim: Eis uma tradução portuguesa possível, caracter a caracter: Meio Outono Lua Anoitecer nuvem juntar excesso límpido frio Via Láctea ausência silêncio tornar-se jade prato Esta vida esta noite não extensa boa Próximo ano brilho lua onde contemplar Minha tradução A lua do Meio Outono Anoitece, novelos de nuvens desaparecem na limpidez fria do céu, em silêncio, a Via Láctea dá a volta na abóbada de jade. Se esta noite, no nosso existir, não fruimos prazeres, no próximo ano estaremos onde, contemplando o luar? Agora a tradução inglesa du professor chinês Xu Yuanzhong, com rimas emparelhadas que não existem no original de Su Dongpo. Recordo que o poema tem outras rimas tonais praticamente intraduzíveis, características dos jueju: Evening clouds dispelled, a jade plate turns on high, Pure, cold flood overwhelms the silent silver sky. We can’t oft in this life have a mid-Autumn night, Where shall we see next year a harvest moon as bright?[4] A tradução do mesmo poema pela chinesa Wang Yun, há muitos anos radicada nos Estados Unidos da América: Dusk clouds vanish as a crystal chill blooms The moon’s jade plate turns against the soundless Milky Way This life this night is a flower about to fade Where will we see this lustrous moon next year[5] Por último, a tradução do norte-americano Bill Porter, aliás Red Pine: As evening clouds withdraw a clear cool air floods in the jade wheel passes silently across the Silver River This life this night has rarely been kind Where will we see this moon next year[6] Tenho tido como mestre no meu labor de tradutor, o velho Arthur Walley (1889-1966). O historiador Jonathan Spence (1936-), talvez hoje um dos mais brilhantes estudiosos e divulgadores da cultura e civilização chinesa no mundo da língua inglesa, e não só, referia-se a Arthur Waley como tendo aprisionado no seu peito o que de melhor existia nas literaturas chinesa e japonesa. Spence diz que nunca ninguém fez nada de parecido, embora “there are now many Westerners whose knowledge of Chinese or Japanese is greater than his, and there are perhaps a few who can handle both languages as well. But they are not poets, and those who are better poets than Waley do not know Chinese or Japanese.” [7]l Waley era um bom poeta e muitas das suas traduções foram incluídas como poemas seus integrados na literatura inglesa, por exemplo no Oxford Book of Modern Verse 1892-1935, ou no Penguin Book of Contemporany Verse (1918-1960). Recebeu, em 1952, a condecoração de Commander of the Order of the British Empire e, no ano seguinte The Queen Medal for Poetry. Su Dongpo é um poeta maior, atravessando os trinta e um séculos de poesia chinesa, amado e lido em toda a China, até hoje, não muito conhecido em Portugal, embora a modernidade da sua mensagem poética contemple o perpassar do tempo. Talvez com alguma surpresa, o leitor de traduções de poesia chinesa para língua portuguesa descubra que Su Dongpo já foi objecto de umas tantas versões, recriações e traduções poéticas em português. Foi António Feijó (1859-1917) quem, em finais do século XIX, no seu Cancioneiro Chinês, traduziu do francês quatro poemas atribuídos a Su Dongbo, que, na realidade, não saíram do pincel e da inteligência do nosso poeta. Feijó traduziu e reinventou setenta e um poemas aparentemente chineses que formam o Livre de Jade, de Judith Gautier e de Tin Tun-ling, de 1867, um sucesso literário na Europa culta da época. Ora os poemas chineses pretensamente traduzidos pela jovem filha de Theóphile Gautier, são, quase todos uma reinvenção absoluta. No que a Su Dongpo diz respeito cito as frases do estudo de Ferdinand Stocès: “Du poème de Su Dongpo Bloqué par le vent sur le lac Ci, qu’elle intitule Un navire à l’abri du vent contraire, sur les cinquante-six caractères de ce poème de huit vers, Judith Gautier et son tuteur — en ont identifié quatre, ce qui ne leur a point permis de saisir le message du poète chinois.” [8] As engenhosas traduções parnasianas de António Feijó são assim, quase todas traduções de não traduções. Camilo Pessanha, em Macau, interessou-se pela poesia chinesa e chegou a traduzir, com a ajuda de um letrado chinês e do seu amigo José Vicente Jorge, pelo menos oito poemas chineses, de poetas menores da dinastia Ming (1368-1644). Pessanha tinha admiração pela língua chinesa que, na sua opinião, era “a mais formosa e a mais sugestiva de todas as línguas literárias vivas ou mortas.” Pena os maiores poetas da China, homens como Li Bai, Du Fu, Bai Juyi, Su Dongpo ou a delicada Li Qingzhao terem passado ao lado da caneta de Camilo Pessanha. Existe a lenda de que na última vinda a Portugal, em 1915, trouxe de Macau sete mil páginas manuscritas com poemas que entretanto desapareceram. Não será de acreditar, dada a desorganização completa com que, nesta fase da sua vida, já afundado em ópio, Pessanha tratava os seus papéis. Gil de Carvalho, no seu trabalho Uma Antolologia de Poesia Chinesa, Lisboa, Assírio e Alvim, 2ª. Edição, 2010, traduziu sete poemas de Su Dongpo. Na primeira edição, de 1989, havia incluído apenas um poema do nosso poeta. Adelino Ínsua, poeta e editor, publicou no ano 2000, na Pedra Formosa Edições, a primeira antologia de Su Dongpo em língua portuguesa, constituída por apenas 27 poemas e uma apresentação de duas páginas que intitulou A Flor da Ameixieira, Poemas de Su Dongpo. Trata-se de um pequeno trabalho, deveras simpático. Na também pequena antologia de poesia chinesa que Adelino Ínsua publica em 2002, sob o título Pavilhão da Chuva, aparece um poema de Su Dongpo. Em 2013, com o apoio de Carlos Morais José, eu próprio organizei uma grande antologia que intitulámos 500 Poemas Chineses, com uma edição feita em Macau e outra da responsabilidade da Vega Editora, em Lisboa, 2014. Su Dongpo entra com 18 poemas, com traduções António Feijó, Alberto Osório de Castro, Jorge Sousa Braga, Adelino Ínsua, Gil de Carvalho e António Graça de Abreu. Eu tive a ousadia de traduzir cinco poemas de Su Dongpo. No Brasil, tanto quanto sei, Su Dongpo não tem sido muito traduzido. Em 2022, foi defendida na Universidade de São Paulo, uma dissertação de Mestrado, da autoria de César Augusto Matiusso, intitulada “Meditação sobre o passado: tradução comentada da poesia de Su Dongpo.” Bom será que seja colocada na net ou editada em livro. Su Dongpo e os leitores de língua portuguesa merecem tudo. [1] Nos dois volumes de Toda a China, Lisboa, Guerra e Paz, 2013 e 2014, ver os textos sobre as minhas jornadas pelas actuais províncias de Sichuan, Hunan, Hubei, Shaanxi, Shanxi, Henan, Shandong, Jiangsu, Zhejiang, Guangxi, Guangdong e ilha de Hainan, de quando em quando na companhia de grandes poetas da China Clássica, como Su Dongpo. [2]Ambos os textos estão na net, onde é infindável a busca por Su Dongpo, com milhares e milhares de entradas e pistas de trabalho. Ver também o You Tube, tendo a vida e carreira de Su Dongpo sido na China objecto de uns tantos filmes e telenovelas. [3] Nuno Júdice, in Jornal de Letras, nº. 1290, 11.03.2020, pag. 10. [4] Su Dongpo – a NewTranslation,,(bilingue), Xu Yuanzhong (trad.), Hong Kong, The Commercial Press, 1982, pag 98. [5] https://www.amazon.com/Dreaming-Fallen-Blossoms-Poems-Dong Po/dp/194568027X/ref=sr_1_2?crid [6] Poems of the Masters, Red Pine (trad.), Port Townsend, Copper Canyon Press, 2003, pag. 319. [7] https://site.douban.com/106369/widget/notes/134616/note/137774609/ [8] https://www.cairn.info/revue-de-litterature-comparee-2006-3-page-335.htm. E também de Ferdinand Stocès, O Livro de Jade, de Judith Gautier, características gerais das edições de 1867 e 1902, Revista Oriente, Lisboa, Fundação Oriente, 2002, pags 3 a 20.
José Simões Morais Via do MeioTerceira viagem marítima de Zheng He (VI) A Noroeste de Nanjing, na área exterior da muralha junto à Porta Yifeng, em Xiaguan desde 1407, por ordem do Imperador Yongle (1402-1424) a pedido de Zheng He, estava a ser construído o Templo em honra de Mazu, deusa que salvara a armada de um naufrágio na costa do Reino do Sião (Tailândia) em 1406, durante a primeira expedição. Agora, no primeiro mês do sétimo ano do reinado de Yongle, em 1409 realizava-se a cerimónia da abertura do Longjiang Tian Fei Gong presidida pelo próprio Imperador, onde, além de conferir à divindade Mazu o título de Tian Fei (Concubina Imperial Celeste), deu a ordem para se realizar a terceira viagem marítima, endereçando-a a Zheng He, Wang Jinghong e Hou Xian. No entanto, andava Zheng He ainda por Malaca, pois só no final do Verão desse ano de 1409 regressaria a Nanjing, terminando assim a segunda expedição marítima. Segundo o livro “Xin Cha ShengLang, ‘Levantamento dos Países Estrangeiros’”: “No 22.º dia da nona Lua do sétimo ano do reinado do Imperador Yongle (1409) o Imperador ordenou que Zheng He e Wang Jinghong partissem em missão aos territórios bárbaros com uma armada de 48 juncos e uma tripulação de 27 mil homens.” A terceira viagem seria similar à segunda, visitando mais ou menos os mesmos locais. Do estuário do Rio Yangtzé, partindo do porto de Liujia (刘家港) em Taicang a armada chegou na 10.ª Lua a Changle, próximo de Fuzhou, onde Zheng He ainda nesse mês visitou o Templo a Tian Fei, tendo no 12.º mês saído de Changle e por Wuhumen entrou para o Mar do Sul da China. A viagem até Champa durou dez dias e em Vijaya (Qui Nhon) a armada dividiu-se, partindo uma frota para o Sião, outra foi para Palembang e Surabaya e a armada principal dirigiu-se para Malaca. Wang e Hou seguiram para o Sião, Semudera, Coulão e Cochim, enquanto a armada principal comandada por Zheng He foi a Malaca deixar o Rei Parameswara, que em 1409 partira na segunda viagem para visitar a China. Mas outras fontes referem ter o Rei de Malaca embarcado apenas na terceira viagem para pagar tributo ao Imperador chinês, pois quando em 1410 Zheng He chegou ao Reino de Malaca aí instalou o Rei Parameswara no trono, presenteando-o com um robe, chapéu e cinto de oficial e um carimbo de prata. O Almirante dirige-se depois para Calicute e no caminho ter-se-á reunido aos restantes juncos na ponta setentrional da ilha de Sumatra, em Samudra (actual Aché). Daí acompanhado por a frota capitaneada por Wang Jinghong e Hou Xian, Zheng He na passagem por o Ceilão (Xilanshan, hoje Sri Lanka), em Galle colocou em 1410 uma estela feita em Nanjing a 15 da segunda Lua de 1409 que referia ser este porto vassalo do Império Ming. Estava escrita em três idiomas diferentes e cada um dos textos endereçava homenagem e orações respectivamente a Buda, no texto chinês, a Xiva no tamil e a Alá no texto árabe. Em chinês podia-se ler: “O Grande Eunuco do Império Ming Zheng He e Wang Jinghong oraram a Buda com o seguinte desejo: Nós pedimos ao benevolente Buda que dê a sua bênção a quem vier ao Templo pedir a bênção. O Imperador Ming enviou-nos a visitar os países do Oceano do Oeste. A nossa viagem foi segura e pacífica. Nós nos lembraremos da benevolência de Buda e a sua protecção para sempre. O donativo que presenteamos ao templo inclui fundos para a construção em mil qian de ouro [3,78 kg], cinco mil qian de prata, 50 rolos de seda e tafetá, quatro pares de bandeiras bordadas a ouro (duas vermelhas, uma amarela e uma verde), cinco incensórios de bronze, cinco incensórios vermelhos, cinco pares de flores de lótus em ouro, 2500 cates de óleo, dez pares de velas e dez pares de incenso de sândalo.” No final pedia-se a bênção e protecção para as viagens, seguindo a data, sétimo ano do reinado de Yongle (1409). [Esta estela foi levada por um engenheiro britânico em 1911.] O Almirante Zheng He ofereceu tributo a cada um dos deuses. Viagem de regresso De Galle, a armada entrando no Mar Arábico percorreu a costa do Malabar (hoje Kerala) na parte Sul do lado Ocidental da Índia, onde se situava Coulão, ou Quilon (Xiaogelan para os chineses), seguindo depois Cochim (Kezhi) e por fim Calicute, hoje Kozhikode. Zheng He apenas aportou em Calicute (Guli) para a sagração do novo Samorim Mana Vikraan, sendo a cidade o maior centro de comércio do Malabar e para além das especiarias era famosa por os panos de calico, ou chita. Para o Golfo de Cambaia, a Noroeste da Índia (actual Gunjerate), terá seguido talvez a frota capitaneada por Wang Jinghong e Hou Xian, pois a cidade de Cambaia era na altura um importante centro de comércio, que privilegiava os tecidos de algodão (chader cambaiate) em vez das especiarias, mais enraizadas na Costa do Malabar. No regresso de Calicute, Zheng He ao passar na costa Noroeste da ilha do Ceilão escutou muitas queixas dos reinos vizinhos, então tributários dos chineses, sobre os problemas criados e os actos hostis de pirataria levados a cabo por o autoritário Vira Alakesvara. Este, também conhecido por Vijayabahu VI, entre 1397 e 1408 fora Rei de Gampola e já em 1406 criara problemas a Zheng He, na primeira viagem da armada chinesa quando passara por o Ceilão, resolvendo o Almirante deixar a ilha e seguir para o destino final, Calicute. Em 1408, Vira Alakesvara perdeu a soberania do reino de Gampura (1341-1410) afastado por Parakramabahu VI (1408-1410), que foi o último rei desse reino, e então dirigiu-se para Kotte, no Sudoeste do Ceilão, onde se instalou e na zona estendeu a governação. Aí, no reinado de Vikramabahu III (1357-1374), ainda como ministro (1370-1385) do Reino de Gampola tinha feito uma fortaleza e fundara a cidade de Kotte. Agora, em 1411 nesta terceira viagem voltaram os problemas com Vira Alakesvara. Após a armada chinesa aportar em Colombo, Zheng He quis falar com Vira Alakesvara (Rei Alakeshivara) para o colocar na ordem, mas como ele se encontrava em Kotte (Sri Jayawardenepura Kotte), mandou um convite para o Almirante ir até à sua capital. Zheng He dirigiu-se a Kotte por terra com um séquito de 2000 soldados. O plano de Vira Alakesvara era, enquanto Zheng He estivesse fora, cortar-lhe o caminho e separá-lo dos seus homens que ficaram nos barcos da armada, lançando um ataque-surpresa para os cingaleses pilharem os juncos em Colombo. Ao saber o que estava a acontecer, Zheng He com a sua tropa e um contingente a ajudar de dois mil cingaleses, descontentes com o rei descendente tamil, invadiu e conquistou a capital Kotte. As tropas do Vira (Rei), à volta de 50 mil, cercaram a capital, mas as inúmeras tentativas falharam, não conseguindo reconquistá-la, pois perderam todas as batalhas. Os chineses capturaram Vira Alakesvara e destronaram-no, colocando Parakramabahu VI, então Rei de Gampola entre 1409 a 1412, a governar Kotte, que desde então ficou a capital do Reino de Kotte (1412-1597). O ambiente hostil acalmou e a armada não teve mais problemas durante a estadia na ilha. Quando deixou o Ceilão, Zheng He levou preso para a China Vira Alakesvara, com toda a família e muitos oficiais cingaleses. Voltando a Malaca (Manlajia), Zheng He opôs-se à pretensão do reino de Java no controlo do reino de Malaca e terá então embarcado o Rei Parameswara e esposa com um séquito de 540 pessoas para irem à China prestar tributo ao Imperador da China. A armada chegou a Nanjing no dia 16 da sexta lua no nono ano do reinado de Yongle (1411). Alakeshvara foi levado à presença do Imperador, que ordenou a sua libertação e retornou no ano seguinte ao Ceilão, tal como o Rei Parameswara, que passou dois meses na capital chinesa.
Hoje Macau Via do MeioFalando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚 Tradução de André Bueno (continuação) 101. Quando um coração atinge a sinceridade perfeita, pode nevar no verão, as muralhas caírem, e a rocha mais dura ser gravada. Uma pessoa falsa não é mais do que uma casca vazia; sua natureza apodreceu, ele é odiado pelos demais, e somente atrai vergonha sobre si mesma. 102. Quando um escrito alcança a perfeição, não é porque contenha algo extraordinário, mas porque está escrito de forma apropriada. Quando uma pessoa eleva seu caráter à perfeição, não tem em si mesmo nada de estranho ou secreto, mas simplesmente alcança sua verdadeira natureza. 103. Nesse mundo de palavra e ilusões, tanto a riqueza quanto as posições, e mesmo os membros de nosso corpo, tudo nos foi concedido por certo tempo. No Caminho correto, não apenas pais e irmãos, mas as dez mil coisas do mundo formam uma só coisa com o ser humano. Se uma pessoa for capaz de ver além das diferenças, e reconhecer o verdadeiro, ele pode se responsabilizar por todas as coisas debaixo do Céu, e tomar as rédeas do mundo em suas mãos. 104. As comidas gostosas e delicadas são como venenos, que apodrecem o intestino e corrompem os ossos; ao comer, apenas se sacie, sem causar exageros. As coisas que provocam prazer estragam o corpo e destroem o caráter; somente desfrutando-as, na medida correta, não haverá arrependimento. 105. Não reprove aos outros por suas pequenas transgressões, não divulgue seus segredos vergonhosos, não pense em suas faltas passadas. Essas coisas refinam nosso caráter, e mantém afastada a desgraça. 106. Um Educado não deve ter uma conduta frívola. Se ele for frívolo, as coisas externas o afetarão, e ele não conseguirá se aperfeiçoar. Ao usar sua mente, não a carregue de coisas pesadas. Se a mente estiver pesada, as coisas emperram, e não se pode desfrutar das atividades prazerosas. 107. O Céu e a Terra duram para sempre, mas a vida humana não. A vida humana dura cem anos, e seus dias passam depressa. Dispondo apenas desse tempo, evite desperdiçar o tempo com preocupações desnecessárias, e saiba viver feliz. 108. Encontrar inimizade graças a sua virtude, ou as pessoas que se sentem agradecidas contigo; mas não pense que inimizade e gratidão são diferentes. Pode haver ressentimento devido a sua bondade, ou pessoas que o reconheçam pelo que você é; mas não pense que a bondade faz desaparecer o ressentimento. 109. A velhice traz consigo doenças, e todas elas têm raízes na juventude; Na decadência se cometem excessos, e todos tem origem nos tempos de prosperidade; Por isso, o sábio é cuidadoso, e mantém seus passos retos nas épocas de plenitude. 110. Negociar com a gratidão não é tão bom quanto ajudar sem interesse; Fazer novos amigos não é tão bom quanto tê-los há muito tempo; Criar uma boa reputação não é tão bom quanto guardar a virtude do silêncio; Dedicar-se a condutas espalhafatosas não é tão bom quanto levar a cabo pequenas coisas com esmero. 111. Não transgrida contra o justo, ou se envergonhará para sempre. Não vá onde se usa o poder com fins egoístas, ou será desacreditado para sempre. 112. É melhor despertar a perfídia dos outros por agir de modo correto, do que perverter o caráter para agradar aos outros. É melhor ser caluniado sem ter cometido faltas, do que ser reconhecido sem ter feito coisas boas. 113. Quando uma desgraça se abate sobre a família, mantenha-se tranqüilo e não se desespere. Quando um amigo erra, tente corrigi-lo, e não deixe que ele se perca. 114. O verdadeiro herói não desdenha os pequenos detalhes, não comete maldades escondido dos demais, e nem mede esforços para enfrentar obstáculos formidáveis. 115. Mil peças de ouro não compram um momento de amizade verdadeira; Uma comida simples, oferecida com amor, merece toda uma vida de gratidão. Um amor, levado ao extremo, pode despertar a inimizade; Mas uma amizade pura, e sem amarras, pode transformar o rancor em alegria. 116. Disfarce seu talento com inaptidão, e use sua luz em segredo; encubra sua claridade, encolha-se, para depois expandir-se. Essas técnicas são como um vaso para preservar alimentos, ou como o coelho que têm três tocas.* *[Preserve-se, esconda-se, surja somente no momento oportuno e necessário.] 117. As causas da decadência estão presentes nos tempos de prosperidade; e uma nova vida surge quando tudo está podre. Assim, o sábio, nas épocas de paz e abundância, está atento as possibilidades de desastre; e nos tempos turbulentos, mantém-se firme e olha para os êxitos que vêm adiante. 118. Quem é fascinado por maravilhas e novidades, não obtém um conhecimento profundo e extenso. Quem persegue a virtude em completa solidão, não conseguirá manter seu sossego por muito tempo. 119. Quando a fúria de alguém é como fogo, seus desejos como água fervente, e mesmo sabendo que está errado, ele persiste em suas ações; Essa pessoa sabe que está errada; mas quem é o ‘alguém’ que a obriga a continuar errando? Se neste momento ele subitamente pondera, então, seu demônio interior pode virar um mestre. 120. Não veja apenas um lado da moeda, pois os maus o enganarão; não se obstine no egoísmo, ou serás sempre impulsivo. Não use sua força para subjugar os fracos; não faça com que sua inépcia atrapalhe os talentos dos outros. 121. Para emendar as faltas alheias, use meios indiretos; ao usar meios bruscos e reveladores, você usará suas próprias faltas para atacar os outros. Para lidar com uma pessoa obstinada, deve-se ser sutil e amável; se você se enojar, ou se enjoar, ante tais atitudes, estará usando sua própria obstinação para vencer a do outro. 122. Ao encontrar uma pessoa calada e reservada, não revele seus pensamentos. Ao encontrar uma pessoa orgulhosa e soberba, guarde bem suas palavras. 123. Quando sua mente estiver confusa e dispersa, você deve saber se concentrar e estar alerta. Quando ela estiver confusa e tensa, você deve saber relaxar seus pensamentos. De outro modo, a confusão se tornará enfermidade, e trará constante mal-estar adiante. 124. Um Céu claro e ensolarado pode, rapidamente, se converter em nublado e tormentoso. O vento forte e a chuva podem se converter, rapidamente, em uma paisagem clara a luz da lua. Podem os movimentos da natureza cessarem por apenas um momento? Pode a essência do universo ser captada nas coisas mínimas? A essência do coração humano tem essa mesma natureza. 125. Alguns não dominam seus desejos mundanos porque não os percebem a tempo; outros os percebem, mas falham em resistir às tentações da carne. A percepção é uma pérola para enxergar os demônios da mente; a vontade é uma espada poderosa para afugentá-los. Não podemos permitir, nunca, que nossa percepção e vontade decaiam. 126. Ao encontrar alguém que te engana, não o denuncie; ao ser insultado, permaneça impassível. Assim você terá um bom humor infindável, incontáveis benefícios e vantagens. 127. A adversidade e a privação forjam e temperam as pessoas excepcionais, como se fossem um martelo e uma bigorna. Essas provas beneficiam o corpo e coração, e sua ausência causa a deterioração do corpo e do coração. 128. O corpo humano é um pequeno universo; se a alegria e a tristeza tiverem seu tempo certo, se os gostos e aversões tiverem sua justa medida, isso será resultado da habilidade em seguir as propensões naturais. O universo é como pai e mãe das coisas: evitar que as pessoas se ressintam, que sejam afetadas por desastres, essa é a natureza pacífica e sincera do universo. 129. Não se deve conspirar e atacar os outros, mas precisamos saber nos defender. Essa é uma advertência para os que são negligentes em apreciar o caráter das pessoas. É melhor equivocar-se do que ser enganado, ou pensar que os outros querem nos enganar. Essa advertência é para os que falham ao julgar as pessoas. Mantenha consigo essas advertências, e você se destacará como alguém perspicaz e honesto. 130. Não vacile em suas convicções porque outros duvidam delas, não se obstine em suas opiniões, e descarte a dos demais; Não conceda favores triviais em prejuízo aos seus princípios, e não aprove a opinião pública para satisfações pessoais. 131. Ante uma pessoa virtuosa, não é correto incomodá-la, apressá-la ou abordá-la de modo inconveniente, pois isso a exporia a calúnia dos ignorantes. Ante uma pessoa má, não a corte bruscamente, nem a desmascare antes do tempo; fazer isso provocaria uma onda de desastres. 132. A virtude é como um sol brilhante no Céu claro, que se cultiva em meio a um lugar escuro e invisível. Adquirir a habilidade para manejar as coisas do mundo é um processo longo e lento, como desfiar um casulo de seda. 133. Um pai é fraterno e amoroso com seus filhos, os irmãos mais velhos são cordiais com os menores; ainda que isso seja levado à perfeição, não é mais do que obrigação, e não deve ser causa de gratidão. Se aquele que distribui bondade se orgulha disso, e os que recebem se sentem agradecidos, então os familiares se convertem em estranhos, e suas relações se transformam em negócios. 134. Se há beleza, certamente haverá fealdade; se não me incomodar com a beleza, quem me achará feio? Se há limpeza, certamente haverá sujeira; se eu mesmo não me limpar, quem poderá me sujar? 135. Ser ‘frio e quente’* é coisa muito mais dos ricos do que dos pobres; brigas e ciúmes são mais fortes entre familiares do que entre estranhos. Ao tratar com as pessoas, sem o ventre livre* e o espírito equilibrado, até mesmo o brilhante perde sua luz, e fica-se constantemente preocupado e incomodado. *Frio e quente = simpático e solícito *Ventre livre= aberto, simpático (contrário da pessoa com ‘prisão de ventre’, ou ‘ventre preso’ = antipática, insensível, pesada). A analogia é semelhante a que encontramos no Brasil. 136. A respeito dos méritos e faltas dos outros, não deve haver confusão ou ambigüidade; senão, os corações se assustarão, e ficarão inertes. Os favores e os rancores não devem ficar bem definidos; senão, as pessoas desejarão trair. 137. Nunca fique numa posição muito alta, ela traz perigo; nunca ganhe demais, isso gera decadência; nunca se orgulhe de ser virtuoso, isso atrai calúnia e ruína. 138. Teme o mal à noite; teme o bem de dia. O mal feito de dia é superficial; mas na escuridão é profundo. O bem feito de dia é superficial; mas na escuridão, ele é magnânimo. 139. A virtude é senhora do talento, e o talento é servo da virtude. O talento, sem virtude, é como uma casa sem amo, controlada pelos servos; quantos demônios e monstros não surgirão assim? 140. Ao afugentar traidores e aduladores, é necessário deixar-lhes uma via de escape; se não os deixar escapar, é como encurralar um rato, que rói e destrói todas as suas coisas para fugir. (continua) * O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas
Hoje Macau Via do MeioLi Bai – Poemas da Guerra Tradução e texto* de António Izidro PROVAVELMENTE a pergunta terá sido feita com raiva — quantos nos pudestes devolver com vida? A dinastia Tang havia consolidado o poder e tornara-se militarmente forte, mas as batalhas nas fronteiras não davam sinais de terminar. Na mente de Li Bai perpassam memórias da série de conflitos armados que desgastaram o Estado e sacrificaram o povo. Eram as lutas fratricidas, as revoltas populares, guerras entre reinos e os bárbaros do Norte que cobiçavam terras mais produtivas. O posto de vigia, as montanhas e a Lua, a simbiose que o poeta escolheu para descrever os campos de batalha do Monte Branco e do Lago das Águas Límpidas, palco onde durante largos anos muito sangue correu de pobres soldados que eram obrigados a alistarem-se nas fileiras do exército. Uma sentinela que guarda o posto de vigia, o sentimento de saudade, a família que anseia pelo seu regresso, descritos em versos. A sentinela sob a Lua A Lua brilha sobre a celeste cordilheira,1 num infindo mar de esparsas nuvens, dez mil lis viajaram estes ventos, pela Porta de Jade trespassam a fronteira.2 Marcham os Han pela estrada de Baiteng,3 bárbaros espreitam das margens azuis da baía. De tanta batalha neste palco cumprida, quantos nos pudeste devolver com vida? A sentinela vagamente olha além-fronteira,4 a face crispada de dor, o pensamento no lar e nos que à noite, na solidão das casas, entre suspiros, também não podem descansar. 1. Celeste cordilheira Cordilheira dos Qilian, situada no nordeste da China, junto à Mongólia, cobrindo uma extensão de cerca 800 Km. 2. Porta-de-Jade Posto de vigia construído na dinastia Han, junto à fronteira Norte com a Mongólia. As ruínas desta construção podem ser visitadas na Província de Gansu. 3. Han Nome que geralmente designa a principal etnia chinesa e que deriva da dinastia Han, período durante o qual se travaram inúmeras batalhas com as tribos nómadas mongóis, os Xiongnu, que se aliaram aos Tubós Tibetanos em Baiteng (Monte Branco, na região de Shanxi ) e no Lago das Águas Límpidas (Baía), na província de Qinghai. 4. Fronteira Trata-se do Posto de Fronteira de Tiemenguan, situado no actual Xinjiang. A missão era fazer recuar o inimigo aos Montes Altaicas, na Mongólia, de onde a invasão havia começado. Na Porta-de-Jade trava-se a grande batalha com sérias baixas para o exército real que se viu obrigado a retirar e voltar ao acampamento pelo caminho do Sul. Antecipando-se, os invasores impuseram um apertado cerco. Para poder conduzir as tropas de novo ao acampamento, o comandante apenas tinha uma solução: a cabeça do chefe dos invasores. Ode à Campanha Militar Pela Porta de Jade irrompe o exército, acossando o inimigo na montanha Jinwei,1 a canção das ameixas nas flautas a soar,2 a lua das espadas não cessa de brilhar.3 Rufos de tambores revolvem o Mar,4 bravos soldados as nuvens dominam. Quando a Danyou a cabeça cortar,5 à nossa fronteira iremos voltar. Cem batalhas no deserto, armaduras quebradas, do lado sul, a nossa cidade de hunos cercada. Mas logrando, num só golpe, Huyan eliminar,6 soldados feridos e mil cavalos podem regressar. 1. Montanha Jinwei Hoje chamada montanha Altai, situada nas fronteiras da China, Rússia, Mongólia e Cazaquistão. 2. Canção das Ameixas Canção antiga intitulada “Quando caem as flores da ameixeira”. 3. Lua das espadas O pomo das antigas espadas era redondo, fazendo lembrar a lua-cheia. 4. Mar “Vasto mar deserto”, como era antigamente designado o deserto de Gobi. 5. Danyou Rei dos Xiongnu, um povo huno. 6. Huyan Um dos quatro principais generais dos Xiongnu. Da Ásia Central, Mongólia e do Deserto de Gobi, Tártaros, Uigures e povos turcomanos das línguas altaicas ameaçavam seriamente o império da grande dinastia Han, acabando, gradualmente, por se fixarem nas regiões Norte e Noroeste da China sem grande resistência por parte do exército. Ao cabo de intensas lutas percebeu-se que a estratégia residia na conquista do Monte Yanzhi e obrigar ao recuo dos invasores. No seu poema, composto na corte, o poeta aponta as falhas da estratégia do rei Han, o que pode ser visto como uma advertência ao imperador Tang, quanto à necessidade de reforçar uma zona do Norte que se revelava mais vulnerável aos ataques dos temíveis Xiongnu. Curiosamente, as campanhas militares lançadas por volta do ano 745 culminaram na derrota dos invasores que acabaram por aceitar o estatuto de protectorado da corte, juntando-se ainda ao exército real para fazer frente a outras ameaças. Cântico à fronteira O grande rei Han estratégia não tivera, os hunos da ponte de Wei se apoderaram;1 no condado, tropa e rija cavalaria assentaram, quando sobre Wuyan pairava a Primavera.2 Às fragas d’ Oeste ide como ordenado, marcharam guerreiros para Yishan,3 e quando o monte Yanzhi tomaram,4 as faces das damas alvas se quedaram. Pelo Rio Amarelo muito pelejaram só vitoriosas as armas acalmaram, por mais de mil lis a paz espalharam, as ondas do Mar enfim amainaram.5 1. Rio Wei O maior afluente do Rio Amarelo, com cerca 800 km, banhando diversas províncias como Gansu e Xanshi. 2. Wuyuan O condado foi estabelecido durante o reinado de Hanwudi, depois de uma vitória sobre os bárbaros invasores no ano 129 a.C. 3. Yinshan Trata-se da Cordilheira dos Yinshan, situada na Mongólia Interior. 4. Monte Yanzhi Actualmente é mais conhecido pelo nome “Grande Monte Amarelo”. Famoso pelo seu parque florestal e topografia acidentada, o que tornou num ponto estratégico no período das guerras contra as incursões das Tribos do Norte. O nome Yanzhi tem origem na planta que cresce abundantemente nesse monte e donde se extrai o corante que as mulheres usam para ruborizar as faces; a conquista do monte pelo exército real ditou a retirada dos Xiongnus, cujas damas não mais puderam enfeitar-se com aquela substância. 5. Mar Han Hanhai não é um mar, mas a antiga forma como era designado o Deserto de Gobi, situado na região Sul da Mongólia. Li Bai assiste o embarque de tropas para uma campanha e a voz sai embargada do seu pincel, para contar a tragédia da guerra e o cataclismo que ameaçava o reinado do imperador Tang Xianzong. Expedições, campanhas, incursões, cenários sangrentos de uma luta interminável contra as invasões dos bárbaros do Norte. As Guerras a Sul da Cidade Ontem batiam-se no rio Sang,1 hoje guerreiam nas margens do Hedao.2 Limparam-se armas nas águas do Eufrates3 e as montadas pastaram no Monte Celeste.4 Guerras esforçadas, longínquas incursões a quanto obrigas, exércitos consumidos por anos de arenas, de matanças fazem os bárbaros sustento, ontem como hoje, os seus ossos jazem em areia seca. Dos Tártaros o rei Qin defendeu-se com muralhas, o tempo jamais apagará as chamas do fogo que os arqueiros de Han lançaram. Cruezas mortais, combates sem fim, corpos tombando em pelejas no campo agreste; cavalos choram fitando o céu, corvos famintos arrancam-lhes as entranhas, devoram-nas em ramos de árvores secas. O sangue dos soldados ensopa as ervas silvestres enquanto generais regressam de mãos vazias. Sabeis que o soldado é sempre uma arma? Os virtuosos usam-na só quando dela precisam. (…) Reino de Shu – Os desafios de uma senda No período em que a Europa vivia sob o domínio autocrático do Império Romano, desde Heliogábalo a Floriano (218-276), a China encontrava-se dividida em três reinos. Estandartes com as insígnias Wei, Shi e Wu, desfraldados em campos de batalha, sangue e corpos espalhados em terrenos áridos, peripécias e planos de conspiração nos bastidores das cortes, eram o quadro que perpassava na memória de Li Bai enquanto viajava as terras do antigo reino de Shu, hoje província de Sichuan, cujo terreno acidentado constituía um enorme desafio para as tropas invasoras. Com as batalhas a não poderem ser resolvidas de forma rápida, a guerra arrastava-se por entre incursões intermináveis, empobrecendo cada vez mais os recursos e aumentando o sofrimento do povo. Em “Os árduos caminhos do reino de Shu”, Li Bai imagina os obstáculos que os invasores teriam encontrado devido às características topográficas da região, para descrever como teriam decorrido os acontecimentos e dar um alerta, tardio, ao inimigo. Os árduos caminhos do Reino de Shu1 Eia! Ai! Ei!2 Vede estes caminhos de Shu! Que perigo! Que alturas! Mais árduos que escalar ao céu azul. Can e Yu vagamente são lembrados3 e, desde que este antigo reino fundaram, quarenta e oito mil anos passaram, sem que alguém tenha cruzado a fronteira com Qin. Só um caminho de aves une as duas montanhas,4 de Taibai a oeste até ao cume de Emei. Mas o chão e a montanha tremeram, esmagando os heróis, e só esta estrada celeste une os países separados.5 Lá em cima, o grande marco onde os Seis Dragões dão meia-volta!6 Lá em baixo, um rio agitado de vagas e turbilhões! Por mais alto que voem, os grous não conseguem atravessar, mesmo os macacos desistem da escalada amedrontados. Como dá voltas e mais voltas a vereda! A cada cem passos nove curvas, até aos picos acerados. Ali podes olhar o céu e afagar as Três Estrelas, a respiração ofegante, mão no peito procurando fôlego. Quando voltarás desta viagem ao Oeste, deste terror de penhascos intransponíveis, de aves lúgubres, silvando em árvores antigas, machos voando e fêmeas seguindo-os pelos bosques? Também se ouve o planger dos cucos,7 sob o assustador luar de serras desabitadas. Caminhos árduos de Shu, mais árduos que escalar ao céu azul! Quando deles se fala, as faces rosadas empalidecem. Os cumes sucedem-se a menos de um pé do céu; pinheiros murchos pendurados sobre abismos. Torrentes e cataratas entrechocam com fragor, caem de penhascos, arrastam dez mil pedras por barrancos, em vozes trovejantes ribombando. Tanto perigo… ah, homem que vens de longe, para quê enfrentá-lo? O Passo da Espada, altíssimo e rochoso, imponente, vertiginoso, apenas um homem basta para o guardar, de dez mil nem um conseguirá passar. E se esse guarda for desleal, no seu lugar surgem os lobos e os chacais. Fujai! De manhã, tigres ferozes! Fujai! De noite, enormes serpentes! Afiam os dentes e sugam-vos o sangue; massacram homens como se ceifassem linho. Apesar de dizerem que se é feliz na cidade de Jin,8 é melhor voltar depressa para casa. Caminhos árduos de Shu, mais árduos que escalar ao céu azul! Dou meia-volta, fixo os olhos no Oeste e longamente suspiro. 1. Shu Reino antigo, corresponde à actual Província de Sichuan, com uma área de 48 mil Km2, caracterizada pela sua peculiar geografia, dominada por grandes cadeias montanhosas, planaltos e desfiladeiros e a célebre falha tectónica de Longmengsha, que marca o grande desnivelamento entre as regiões situadas a Leste e a Oeste. 2. Eia! Ai! Ei! Era costume as cantigas populares começarem com interjeições. 3. Can e Yu, os monarcas Can Cong e Yu Fu, a quem a tradição popular atribui a fundação do Reino de Shu. 4. As duas serras Refere-se à Serra de Taibai e o pico da Serra de Ewei; Taibai situa-se na Província de Sanxi, sendo hoje um importante ponto turístico devido às reservas naturais do Parque Nacional de Florestas. Emei é um dos cumes da serra com o mesmo nome, situada na província de Sichuan, com 4000m de altitude. Notável pela sua riquíssima fauna e flora, de espécies únicas. 5. Escada celeste Está associada à história dos cinco oficiais que, em missão ao serviço do monarca de Shu, sucumbiram numa fenda aberta na terra. Deste acidente geográfico terá partido a formação de cinco elevações e aberto uma via, designada por “Escada do Céu”, ligando o Reino de Shu e as regiões vizinhas. 6. Coche-seis-dragões Alusivo aos seis picos da serra, dispostos em série, lembrando uma carruagem com seis dragões a proteger o Reino de Shu. 7. Planger dos cucos Os chineses tradicionalmente acham que o crocitar do cuco reproduz as palavras “²»Èç歸È¥£¡” – “Volta para trás!” 8. Cidade de Jin Actual Chengdu. In Li Bai – António Izidro, A Via do Imortal, Macau: Livros do Meio, 2021
Ana Cristina Alves Via do MeioNacionalismo com características chinesas Não se pode falar de um nacionalismo chinês, mas de vários. Estes desenvolveram-se na sequência de acontecimentos que levaram os chineses a formar determinadas ideias da sua nação. Como lemos no artigo de Jean Pierre Cabestan dedicado a este tema no dicionário Compreeender a China Contemporânea, dirigido por Thierry Sanjuan (2009). O autor distingue quatro tipos de nacionalismo, eu acrescentarei mais um. Há, por exemplo, um primeiro tipo, quase instintivo, advindo do sentimento de insegurança, que conduz ao fechamento da China sempre que esta se sente atacada do exterior. Recordemos que o país foi várias vezes invadido, tendo mesmo recebido dinastias estrangeiras como a Jin (金, 1115 -1234), a Yuan (元, 1271-1368) e a Qing (请,1644-1911). No entanto, conseguiu resistir parcialmente ao longo das duas Guerras do Ópio (1839-1842;1856-1860), tentou fechar-se, mas foi liminarmente aberta e à força. A insegurança resultante de uma ameaça externa, conduz a um forte nacionalismo, seja ele fruto de guerras ou de epidemias e, consequentemente, a uma tendência para a recriação da grande muralha. Há um segundo tipo de nacionalismo, que surge no discurso político chinês. Este assume a forma de patriotismo, tendo como objetivo específico fomentar a união das 56 nacionalidades chinesas, as cinquenta e cinco minorias, mais a maioria Han (汉 hàn) em torno de um mesmo amor ao país, o Aiguozhuyi (爱国主义/愛國主義 Àiguózhǔyì) , à letra, o “Amor à Pátria”, que como tive oportunidade de salientar em Cultura Chinesa, Uma Perspetiva Ocidental (Alves, 2022: pp. 64-70) vem colmatar e completar a nova ideologia chinesa, que se desenvolveu num socialismo espiritual e ecológico, manifestado num grande amor à terra, após anos de exploração intensa e pouco ecológica dos recursos naturais. Encontramos um terceiro tipo de nacionalismo, o vingativo, alimentado pelas elites chinesas, cansadas das incompreensões a que a imagem da China é sujeita nos vários países ocidentais e que alimentam no povo chinês o ódio ao exterior, porque também não recebem dos outros países um tratamento carinhoso. Os chineses recolhem nos meios de comunicação ocidentais uma série de epítetos, dos quais “estranhos” e “distantes” estão entre os mais suaves. Ainda não há muitos anos, quando a nova vaga de emigração chinesa nos primeiros anos do século XXI chegou a Portugal para estabelecer as suas lojas comerciais, ouviu-se de tudo um pouco contra os reccém-chegados, por causa da concorrência que vinham oferecer à classe média portuguesa, com as suas horas de trabalho a perder de vista e a incapacidade de se regerem pelos padrões horários ocidentais. Foi um passo até se espalhar pela sociedade portuguesa que não havia mortos por entre os chineses, com obscuras insinuações agregadas, e que eram todos espiões das autoridades do país. Um exemplo bem recente da imagem dos chineses divulgada pelos países europeus, são as supostas esquadras policiais que terão surgido em Portugal, França, etc., ou ainda mais próximo o episódio de um balão meteorológico, supostamente espião, que entrou no espaço americano, mantendo-se a teoria da espionagem e interrompendo-se uma viagem do secretário de estado norte-americano Antony Blinken à China, mesmo depois das autoridades chineses terem apresentado desculpas pelo erro de cálculo que levou o engenho a penetrar no espaço aéreo americano. Já para não falar das teorias da conspiração que grassaram durante o primeiro ano de guerra declarada a que Rússia forçou a Ucrânia, tendo havido quem afirmasse que estavam os chineses por detrás dos russos a alimentar o expansionismo bélico destes, quando, de facto, os chineses têm vindo a manter, de acordo com a sua tradição pacifista, uma posição de neutralidade relativamente ao conflito em curso. É por isso natural que encontremos entre a população chinesa, informada pelas suas elites, quem pague da mesma moeda aos ocidentais, formando a pior imagem possível das nossas gentes. Um quarto tipo de nacionalismo surge em nome da modernização do país e à procura de um lugar de destaque no cenário internacional. Este recua aos tempos de presidência de Hu Jintao (胡锦涛 2003-2013) e à sua ideia de “emergência pacífica” (Cabestan, 2009: 229) e tem vindo a ser oportunamente desenvolvido pelas iniciativas do atual presidente chinês Xi Jinping (习近平, 2013-) , através, por exemplo, da pré-pandémica da Rota da Seda e das ideias de uma Nova Era (新时/時代Xīn shídài) assente nas Quatro Modernizações (四个现代化/四個現代化Sì gè xiàndàihuà), a saber, no campo, na indústria, na ciência e tecnologia, com vista à prosperidade da China e à sua colocação inter pares na nova ordem internacional. Um quinto tipo de nacionalismo, na minha perspetiva, é aquele com características mais especificamente chinesas, ou seja, um nacionalismo cultural assente na plena consciência da cultura chinesa e no modo como esta é vivida e lida por autores contemporâneos, por exemplo por Lin Yutang (林语堂/林語堂, 1895-1976), que foi inventor, romancista, tradutor e filósofo. Este espírito enciclopédico, tanto se interessou por mecânica, dando ao mundo uma máquina de escrever chinesa, a Mingkwai, ou seguindo o alfabeto fonético chinês atual, a Mingkuai (明快 Míngkuài) que significa “clara e rápida”, tendo sido comercializada durante a guerra com Japão, além de ter desempenhado um papel de relevo durante a Guerra Fria. Mas Lin Yutang é também um filósofo, que andou a conhecer mundo, deixou vasta bibliografia em Inglês e Chinês. Entre a sua criação, gostaria de distinguir o best seller escrito em inglês My Country and My People (吾国与吾民) de 1935, ano em que chegaria aos Estados Unidos. À época também ele notou que os chineses eram sistematicamente mal compreendidos pela comunidade internacional: “É o destino dos grandes ser mal compreendidos, portanto é também o destino da China. A China tem sido imensa e magnificamente mal compreendida.” (Lin, 1998: 6) E diz-nos mais, com um orgulho claramente cultural a respeito do seu país: “É a nação viva mais antiga com uma cultura contínua” (Lin, 1998: 4) . Adiante, distinguirá como característica da mente cultural especificamente chinesa estabelecer uma ligação direta entre a cabeça e o coração, dando origem à ideia que nós atualmente, na sequência dos estudos do sinólogo e filósofo Chad Hansen, apelidamos de “coração- mente (心 xīn)”, devido à deteção da bem sucedida união entre o coração e a mente, e acrescenta: “estabelecer a união entre a mente e o coração não é um estado de graça fácil, já que envolve nada menos do que resgatar uma cultura antiga” (Lin, 1998: 13). Ora é esta capacidade de ver com o coração o que torna, segundo o filósofo, os chineses tão únicos no panorama mundial. Ao que se segue um pedido não do distanciamento entre ocidentais e chineses, mas a procura de uma comunidade de valores humanos partilhados por todas as civilizações. Antecipa o mesmo sentido a obra do pensador Gu Hongming (辜鸿铭,1857-1928), de influência claramente romântica, intitulada The Spirit of Chinese People《中国人的精神》, na qual se defende ser a civilização chinesa profunda, vasta e simples, apesar de não ser uniforme e haver diferenças regionais significativas, especialmente entre o Norte e o Sul da China, ainda assim consegue o autor descobrir um traço de união entre todos os chineses, que, tal como sucede com a defesa de Lin Yutang, lhes advém da simpatia e da ligação direta ao coração, que utilizam para comunicar e interpretar a realidade circundante. Diz-nos o pensador (Gu, 1998: 13): “Os chineses têm o poder da simpatia, porque vivem uma vida totalmente concentrada no coração – uma vida de emoção ou de afectos humanos”, sendo por essa razão que possuem, segundo Gu Hongming, tão boas memórias, “porque se lembram das coisas com o coração e não com a cabeça.” (Gu, 1998:15) e, ainda, parafraseando o pensador, têm uma grande espontaneidade e simplicidade, que se nota por exemplo na língua, manifestação cultural muito valorizada, daí os estrangeiros serem aconselhados a aprender chinês cultivando a simplicidade infantil. (Gu, 1998: 14). Estes autores concordam para que haja comunicação entre civilizações é necessário desfazer ideias e preconceitos, procurando, por exemplo, através da defesa expressa por Lin Yutang, encontrar valores comuns, acima de todos os nacionalismos, ou, ainda, como Li Xia (李霞) (2009) aconselha em Unravelling The Mystery Chinese Faces/《趣读中国人》, no capítulo Olhar para o Povo Chinês (看中国人去) proceder a uma reavaliação de imagens, quer por parte dos chineses quer por parte dos ocidentais, em nome de um saudável realismo. Seria bom que houvesse mais contacto e turismo cultural entre os povos (Li, 2009: 145): “Há cada vez mais ocidentais a virem para a China, apesar da ambivalência de sentimentos e impressões que têm das muitas faces do nosso povo e da nossa cultura (…) A ideia Ocidental do povo chinês está-se a aproximar muito mais da realidade. O melhor que temos a fazer é continuar a viver as nossas vidas ao máximo e manter a calma e a abertura de espírito quando lidamos com a observação e avaliação Ocidental.” Do meu ponto de vista, entre os nacionalismos chineses, o mais constante e duradouro é o nacionalismo cultural, pelo que não será preciso muito para nós ocidentais obtermos uma imagem realista dos chineses, basta que procuremos compreender, com igual calma e abertura de espírito, os sinais emitidos pelas várias manifestações culturais chinesas, através das artes como a poesia, a caligrafia, a pintura e a música, ou até as artes marciais, onde bem transparecem o humanismo e pacifismo dos chineses, bem como a vontade deste povo em ser aceite sem preconceitos pela comunidade internacional. Bibliografia Alves, Ana Cristina. 2022. Cultura Chinesa, Uma Perspetiva Ocidental. Coordenação de Carmen Amado Mendes. Coimbra: Almedina e Centro Científico e Cultural de Macau. Cabestan, Jean-Pierre. 2009. “Nacionalismo”. Compreender a China contemporânea. Um Dicionário. Direção de Thierry Sanjuan. Lisboa: Edições 70. Gu Hongming (辜鸿铭) 1998. Spirit of Chinese People《中国人的精神》Beijing: Foreign Language Teaching and Research Press. Li Xia (李霞) .2009. Unravelling The Mystery Chinese Faces/《趣读中国人》.Beijing: Foreign Languages Press. Lin Yutang (林語堂). 1998. My Country and My People. Beijing: Foreign Language Teaching and Research Press. “Este espaço conta com a colaboração do Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, sendo que as opiniões expressas no artigo são da inteira responsabilidade dos autores. https://www.cccm.gov.pt/”
Paulo Maia e Carmo Via do MeioFeng Yuan, o urso preto e a cor vermelha Gu Kaizhi (c.345-c.405) será o autor de uma memorável pintura narrativa que hoje se pode observar através de uma cópia feita a tinta e cor sobre seda, que se encontra no Museu Britânico. No extenso rolo horizontal Advertências para as senhoras da corte (Nushi Zhentu, 329 x 25 cm) estão representadas situações que ilustram um texto do funcionário e poeta Zhang Hua (232-300). A que seria a quarta cena mas que no rolo preservado é a primeira por dela faltarem as três primeiras, também consta do Livro de história dos antigos Han (Qian Hanshu, do ano 111 A.D., vol. 9) e relata um facto ocorrido no reinado do imperador Han Yuan (75-33 a.C.), que na altura tentava impor no Império a doutrina de Confúcio, mas era visto como indeciso e incapaz de pôr termo aos conflitos internos que minavam a sua administração. Essa parábola ilustrada no rolo de Gu Kaizhi envolve a Senhora Feng Yuan (?-6 a.C.) e é descrita em quatro linhas de quatro caracteres que podem ser traduzidos: «Quando um urso preto saltou da jaula, Feng Yuan correu para a sua frente. Como é que ela não teve medo? Sabia que poderia morrer mas não se importou.» E o que se vê figurado é só o essencial: o urso preto que se aproxima perigosamente da impassível Feng Yuan de saia rosada e de mãos postas que se interpõe entre a fera e o imperador sentado num estrado, acompanhado de outras senhoras da corte. Junto dela, dois guardas, um dos quais de traje vermelho forte, acorrem de lanças em riste e afastando-se vai a Senhora Fu, rival de Feng Yuan. Da situação se poderia extrair uma plêiade de sentidos, como o simbolismo do urso, percebido como exemplo da audácia masculina ou mais imediatamente a coragem de Feng Yuan, consciente do seu lugar e papel na ordem social, disposta a dar a vida pelo imperador, assegurando a continuidade da harmonia sob o Céu. Qianlong, o imperador que reconhecia o fascínio da pintura, guardaria cuidadosamente o rolo atribuído ao pintor da dinastia Jin Oriental, dentro de um estojo de brocado com uma tira beje para o título onde escreveu: «Pintura de Gu Kaizhi das Advertências às Senhoras com texto, uma verdadeira relíquia. Preciosa obra de arte do Palácio interior, classe divina.» Mas a sua admiração ver-se-ia também no modo como, durante o seu reinado (1735-96), pintores ligados à corte recriaram a história de Feng Yuan. Numa dessas pinturas, a de Jin Tingbiao (?-1767) nota-se outra concepção do espaço; num rolo vertical a acção decorre numa linha oblíqua subindo da direita e vê-se a Senhora Feng com uma fita vermelha no cimo de escadas, único indício do palácio. Na versão de Cheng Zhidao (rolo vertical,tinta e cor sobre papel,193 x 130,8 cm, Museu de Arte de Seattle) activo entre 1726- c.1772, o palácio é figurado em pormenor, ela tem os braços bem abertos evidenciando a parte superior do vestido, toda vermelha.
Caroline Ting Via do MeioO papel da analogia no desenvolvimento da filosofia na China A analogia é um tipo de raciocínio que estabelece uma comparação entre dois objetos, conceitos ou eventos que de outra forma são independentes (Barlow, 2016). Exemplos de analogia incluem metáforas, similitudes e alegorias. De acordo com Rosker (2014), na China, este modo de raciocínio foi moldado pelas condições sociais únicas predominantes durante a era pré-Qin (776-221 a.C.). No seu artigo intitulado “Características específicas da lógica chinesa”, Rosker discute a estrutura das inferências analógicas na tradição sínica. A autora afirma que as analogias no pensamento chinês seguem uma organização que reúne todos os elementos dentro de um determinado tipo. Um exemplo de analogia na tradição chinesa é a comparação entre a relação entre um governante e seus súbditos com a de um pai e seus filhos. Nesta analogia, o governante é visto como o pai, e seus súbditos são vistos como seus filhos. Ambas as relações envolvem um nível de cuidado, proteção e orientação, e tanto o pai quanto o governante são responsáveis pelo bem-estar de seus respectivos dependentes. Outro exemplo é a comparação entre o relacionamento entre o sol e a lua com o relacionamento entre dois irmãos, onde o sol é visto como o irmão mais velho e a lua como o irmão mais novo. Esta analogia é usada para explicar o facto de que o sol ilumina o céu durante o dia e a lua durante a noite, assim como cada irmão cumpre um específico papel dentro do clã familiar. O trabalho de Mozi (墨子 , c. 470 a.C. – c. 391 a.C.) foi fundamental para o avanço da lógica chinesa. Ele foi o primeiro pensador a sistematizar os conceitos de lógica e argumentação, criando uma estrutura de raciocínio baseada em analogias. Seu legado deu início ao que viria a ser conhecido como “Três Modos e Três Estágios”. Esse sistema, como o nome indica, é baseado em três métodos: o método da analogia, o método da média ponderada, e o método da mais forte inferência. Estes três métodos formam as três etapas: a análise de dados, a inferência, e a avaliação da inferência. A Análise de Dados é a primeira etapa da abordagem lógica dos Três Modos e Três Estágios (Wang, 2011, p. 172.). Nesta etapa, os dados são coletados e organizados de maneira a facilitar a inferência. A Inferência vem a seguir, na qual os dados são usados para formar uma conclusão lógica. Por último, há a Avaliação da Inferência, onde a conclusão lógica é avaliada usando outros fatos e argumentos para verificar sua validade (Wong, 2011, p. 144.). Esta abordagem lógica foi amplamente usada na China e está relacionada à matemática, à lógica moderna, e à lógica da ciência. Em suma, o analogismo desempenhou um papel significativo no desenvolvimento da filosofia chinesa e moldou a forma como os filósofos chineses abordaram diversas questões filosóficas. Esse modo de raciocinar permitiu que os filósofos chineses explorassem conceitos e relações complexos, estabelecendo conexões entre elementos aparentemente não relacionados, fornecendo uma lógica distinta da ocidental. Referências: 1 – Barlow, M. (2016). A Arte da Razão Analógica: Um Estudo em Definição e Método. Oxford University Press. 2 – Em termos econômicos, o crescimento das atividades comerciais e a disseminação da moeda levaram a novas formas de pensamento econômico. Em termos culturais, a tradição religiosa taoísta e o confucionismo serviram como base para o desenvolvimento de novas ideias. Esses fatores econômicos e culturais contribuíram significativamente para o desenvolvimento da filosofia chinesa durante a era pré-Qin. 3 – Rošker, Jana. (2014). Specific features of Chinese logic: Analogies and the problem of structural relations in confucian and mohist discourses. Synthesis Philosophica. 29. 23-40. 4 – Para conhecer mais sobre o pensamento de Mozi, convidamos à leitura do artigo publicado: https://hojemacau.com.mo/2022/10/24/amor-universal. 5 – Wang, Li-sheng. The Development of Logic in China: The Three Modes and Three Stages. Brill, 2011, p. 172. 6 – Wong, Kim-chong. A Companion to Chinese Philosophy. Wiley-Blackwell, 2011, p. 144. Profª Drª Caroline Pires Ting 丁小雨 Pesquisadora de Pós-Doutorado (UFRJ – Faperj Nota 10) www.carolting.art contact@carolting.art CV: lattes.cnpq.br/8196832659963144
Roderick Ptak Via do MeioA ofensiva holandesa a Macau e ao Arquipélago dos Pescadores: Realidade e “história contra factual” I – Macau 1622 O ano de 1622 foi uma data histórica para Macau, de grande importância para o Estado da Índia. Marcou a tentativa holandesa de conquista da cidade, motivada pela sede expansionista de Jan Peterszoon Coen (1587–1629), ambicioso Governador-Geral da Companhia Neerlandesa das Índias Orientais (Vereenigde Oostindische Compagnie). Os mercadores que então residiam em Macau dedicavam-se à venda de seda da China para diferentes locais, especialmente para o Japão, onde obtinham enormes quantidades de prata para os seus clientes chineses de Guangzhou. Este negócio gerava imensos lucros, parte dos quais eram reinvestidos em Macau. Consequentemente, ao longo dos anos Macau tornou-se um porto próspero, despertando por este motivo a inveja dos holandeses. A inveja foi alimentada por outro factor: A Companhia Neerlandesa das Índias Orientais, com sede em Batávia (actual Jakarta) não tinha conseguido penetrar no mercado chinês. Os funcionários da Dinastia Ming e os mercadores tomaram conhecimento que os holandeses eram perigosos e agressivos, por isso, Guangdong e Fujian mantinham os portões fechados e não os deixavam entrar. A Companhia Neerlandesa reagiu capturando barcos chineses e barcos ibéricos e bloqueando sistematicamente os portos mais importantes. Contudo, estes actos de pirataria não satisfaziam a ambição de Coen. Em 1622, enviou uma frota para Macau, com ordens para conquistar o entreposto português. Mas o seu projecto não se concretizou: Quando os holandeses desembarcaram na península, encontraram uma forte resistência e tiveram de se retirar, deixando para trás muitos mortos e algum equipamento militar. Os portugueses saíram vencedores do maior episódio da História do Estado da Índia. Estranhamente, os britânicos apoiaram a Companhia Neerlandesa através do fornecimento de navios. Embora não se tenham envolvido na batalha, violaram o antigo Tratado Anglo-Português de 1373, como na realidade voltaram a fazer, por diversas vezes, depois de 1622. Potenciar os lucros foi sempre mais importante para os britânicos do que respeitar o ideal de “perpétua amizade”. Infelizmente, nunca compensaram Macau pelo sofrimento que causaram aos portugueses. Não há notícia de no passado, os holandeses ou britânicos alguma vez terem respeitado os chineses ou os ibéricos. Hugo Grotius (1583–1645), nascido numa família calvinista, disse aos seus correligionários “reformistas” que na Holanda as pessoas tinham o direito ao comércio. Se alguém impedisse a sua actividade comercial, era legítimo usar a força. Seguindo estes rigorosos princípios, o Governador holandês em Batávia não teve quaisquer escrúpulos quando ordenou o ataque a barcos chineses, espanhóis e portugueses, nem quando enviou tropas da Companhia Neerlandesa invadir território estrangeiro. Os britânicos, nem é preciso acrescentar, agiam de forma semelhante. Naturalmente, o ataque de Coen a Macau implicou um ataque dos holandeses à China do Imperador Ming, porque a batalha teve lugar em solo chinês. Desta forma, os acontecimentos de 1622 marcaram a primeira grande batalha entre potências europeias na zona costeira da China. Tanto os holandeses como os britânicos, movidos por ambições materiais, causaram desnecessariamente tumulto às portas de Guangzhou o que alarmou as autoridades chinesas. Ou por outras palavras, a imagem que os “bárbaros de barba ruiva” deixaram na China a partir dessa altura, só foi de mal a pior. II – O Arquipélago dos Pescadores 1622–1624 Mas a história não se ficou por aqui. Coen era uma personagem implacável e tinha dado instruções para pôr em acção um “plano B” caso o ataque a Macau falhasse. O plano alternativo era muito simples: As forças holandesas sobreviventes deveriam ocupar o Arquipélago dos Pescadores, ou Penghu qundao 澎湖群島, no Estreito de Taiwan. Estas ilhas tinham uma posição estratégica. Os barcos que navegavam entre Macau e o Japão e entre Fujian e Manila tinham de passar por lá. Ou seja, a partir do Arquipélago dos Pescadores é possível controlar uma parte substancial do comércio e do tráfego feito no Estreito de Taiwan. Assim, Coen teria todo o interesse que a Companhia holandesa, que não se tinha conseguido estabelecer nas proximidades da China, tomasse as Ilhas dos Pescadores, uma base convenientemente localizada a meio caminho entre Batávia e o Japão. Registos escritos das Dinastias Song e Yuan demonstram-nos que a China começou a administrar o Arquipélago dos Pescadores muito antes da chegada dos holandeses ao Sudeste Asiático. A arqueologia fornece ainda outras provas da presença de colonos chineses nestas ilhas. Ao que tudo indica, muitos deles viviam da pesca. Isso também explica o topónimo português “Pescadores”. Além disso, a China tinha enviado para lá alguns militares, principalmente para controlar o contrabando e a pirataria costeira. Claro que Coen sabia muito bem que estas ilhas pertenciam ao Imperador Ming e que se as ocupasse iria enfrentar uma forte reacção. Podemos ainda acrescentar: Já em 1604, dois navios holandeses tinham aportado ao arquipélago. Nessa altura, o comandante holandês Wijbrand van Waerwijck (cerca de 1566/70–1615), insistiu em iniciar relações comerciais, mas os chineses, bem informados sobre as atitudes agressivas destes hóspedes indesejados, obrigaram-nos a retirar-se. É claro que, quando a frota enviada por Coen chegou ao Arquipélago dos Pescadores, ainda em 1622, a situação era um pouco diferente. Desta vez, os holandeses chegaram com sete navios de guerra totalmente equipados. Por este motivo, os chineses não conseguiram impedi-los de desembarcar. Além disso, após a tomada das Ilhas, a Companhia holandesa ordenou a construção de uma pequena fortaleza junto à entrada do porto de Magong 馬公, a principal baía do arquipélago. Mas pior ainda, os holandeses obrigaram os ilhéus a trabalhar como escravos e muitos deles pereceram. Como se não fosse bastante, navios holandeses bloquearam uma força naval Ming perto da China continental. Desta forma, Fujian ficou incapaz de ajudar os ilhéus a combater os maus tratos dos invasores. Em suma, a invasão do Arquipélago dos Pescadores foi, até agora, o episódio mais desagradável da longa lista de confrontos sino-holandeses. No entanto, o controlo holandês sobre o arquipélago durou pouco tempo. Em 1623/1624, Nan Juyi 南居益 (1565–1644), o Governador da Província (xunfu 巡撫) de Fujian, reuniu várias tropas e navios. Estas unidades de combate navegaram através do Estreito de Taiwan e tentaram expulsar os holandeses das ilhas. Foram travadas várias batalhas e no final os holandeses foram obrigados a partir. Este acontecimento marcou a primeira vitória do exército chinês sobre um poderoso inimigo europeu. Em comparação, o breve encontro entre os portugueses e uma força chinesa no início da década de 1520 – a chamada batalha de Xicaowan 西草灣 – foi um acontecimento pequeno e pouco significativo. III – Taiwan: da presença holandesa à governação Qing Embora os holandeses tivessem sofrido pesadas baixas, continuaram a ser uma ameaça constante. Em vez de se retirarem para Batávia, seguiram para Taiwan onde se estabeleceram na região da actual cidade de Tainan 臺南. Esta base foi sendo gradualmente cercada por uma fortaleza, considerada resistente para os padrões da altura, e acabou por receber o nome de Forte Zelândia. Era o principal reduto holandês das ilhas. As outras instalações eram mini-dependências com pouca importância militar. Além disso, os holandeses nunca conseguiram controlar as densas florestas e regiões montanhosas do interior de Taiwan. A presença da Companhia Neerlandesa nas ilhas é um assunto sobejamente estudado, mas devemos ter cuidado com os livros e os artigos ingleses e holandeses, porque muitas vezes apresentam os acontecimentos de um ponto de vista que diverge da visão chinesa. Aqui pode ser suficiente dizer que os holandeses exploraram alguns dos recursos naturais de Taiwan. Um desses produtos, principalmente adquirido pelo mercado japonês, era a pele de veado. A caça ao veado quase levou à extinção desta espécie na ilha. A relação dos holandeses com os grupos autóctones e com os colonos chineses constituía outra dificuldade. A maior parte dos colonos era proveniente de Fujian. Alguns destes migrantes cooperavam com a Companhia Neerlandesa, mas também houve períodos de dissidência de ambos os lados. Na década de 50 do séc. XVII, as tensões levaram a um grande massacre: os holandeses mataram milhares de chineses. Este foi o primeiro crime do género cometido por uma potência colonial em solo chinês. A deplorável actuação dos holandeses foi um factor importante que motivou os chineses, liderados por Zheng Chenggong 鄭成功 (1624–1662), a atacar o Forte Zelândia. Em 1661, este homem, que controlava diversos pontos ao longo da cintura costeira da China continental, enviou uma grande frota para a zona do Forte. Após um prolongado cerco, as suas tropas desembarcaram, forçando os holandeses a entregar a fortaleza. Este acontecimento teve lugar em 1662. Assim, a presença da Companhia Neerlandesa em Taiwan chegou ao fim em menos de quarenta anos. As forças de Zheng tinham ganhado uma vitória decisiva e rapidamente transformaram Taiwan num estado marítimo quase independente com uma ampla rede comercial, que se estendia do Japão a certas zonas do Sudeste Asiático. No início da década de 80 do séc. XVII, quando a China era governada pelo Imperador Kangxi 康熙 – tropas da Dinastia Qing conquistaram Taiwan. Daí em diante, Taiwan ficou sob a administração de Fujian (como já tinha acontecido por diversas vezes anteriormente). Foi o início de um longo período caracterizado pela estabilidade regional: a China tinha retomado o controlo sobre o Estreito de Taiwan; o poder colonial europeu estava activo no Sudeste Asiático, ao passo que o Mar da China Oriental lhes permanecia inacessível. Na verdade, Taiwan serviu como uma espécie de barreira contra a expansão a Norte do colonialismo europeu. Esta situação só começou a mudar no final do século XIX, mas isso é outra história. IV – As possíveis consequências de uma vitória holandesa em Macau Voltemos agora aos acontecimentos ocorridos no início da década de 20 do séc. XVII: ao ataque dos holandeses a Macau, à sua breve ocupação do Arquipélago dos Pescadores e à sua ida para Taiwan. Tudo isto aconteceu num curto período de dois a três anos, há cerca de quatro séculos. Conhecemos os factos, mas, paradoxalmente, raramente consideramos a sua importância num contexto mais alargado, possivelmente porque o número de homens e navios envolvidos nestes confrontos eram irrisórios quando comparados com os grandes exércitos usados em guerras de larga escala. Seja como for, às vezes, os pequenos eventos podem mudar o curso da história. Uma forma de perceber a sua importância, é colocar uma questão simples: O que teria acontecido, se estes acontecimentos tivessem tido um desenvolvimento diferente, conduzindo a resultados diametralmente opostos? No contexto do presente artigo: Quais teriam sido as possíveis consequências de um controlo holandês permanente sobre Macau e sobre o Arquipélago dos Pescadores? Os historiadores raramente colocam questões tão hipotéticas. Consideram que se trata, segundo a sua designação, de “história contra factual” (do latim: contra facta), inútil e unilateral. No entanto, em certa medida, a escrita da História é sempre unilateral. O modelo conceptual que aplicamos ao passado depende da formatação do nosso pensamento. O nosso entendimento da realidade forma-se a partir dos conceitos a que estamos acostumados e envolvem as determinantes culturais que marcaram o nosso crescimento. Por isso, talvez colocarmos as questões “e se”, “o que podia ter sido, se outra coisa tivesse acontecido” – não seja de todo despiciente. Olhemos primeiro para Macau. Suponhamos que a Companhia Neerlandesa tinha expulsado os portugueses do sul da península. Teria a China reagido e enviado tropas para os escorraçar? As relações entre o Império Ming e Macau beneficiavam de confiança mútua e de proventos materiais. Os Jesuítas na China também eram uma grande ajuda. Teriam estes factores contribuído para um contra-ataque chinês? Provavelmente a resposta será “sim”. A China tinha tido más experiências com a Companhia Neerlandesa, cujos navios circulavam no Estreito de Taiwan, assaltando inúmeros barcos chineses. Além disso, os Jesuítas e os portugueses em Macau certamente teriam avisado os seus amigos chineses, explicando-lhes a ideia que os Calvinistas tinham de “comércio livre”. Mas teria a China vencido efectivamente a Companhia Neerlandesa? Talvez não de imediato. Um ou dois anos mais tarde a vitória de Zheng Chenggong no Forte Zelândia sugere que uma campanha chinesa em larga escala teria sido bem-sucedida. Como é que os espanhóis teriam lidado com um “Macau holandês”? Teriam unido forças com os chineses contra a Companhia Neerlandesa? Nessa época, portugueses e espanhóis estavam unidos sob a mesma Coroa, e embora os entrepostos e possessões coloniais continuassem na sua maioria separados, Manila e Macau estavam obrigados a ajudarem-se entre si em caso de ataques externos. Teria isso importância? Ou devemos pensar num cenário alternativo? Ter-se-ia Espanha entendido com os holandeses e aproveitado a oportunidade para aumentar a sua influência sobre as missões Católicas da China continental? Do ponto de vista puramente comercial, até 1622 encontramos dois importantes corredores comerciais sino-ibéricos, muito bem definidos pelo câmbio “seda por prata”: (1) a ligação Goa-Melaka-Macau/Guangzhou-Japão e (2) a ligação México-Manila-Fujian. Teriam estes circuitos mudado para uma nova constelação: (1) Batávia-Macau/Guangzhou-Japão e (2) México-Manila-Fujian? Em termos logísticos, os Jesuítas em Pequim, ou em qualquer outra parte da China, dependiam de Macau. É evidente que uma conquista holandesa de Macau teria interrompido este eixo. Por isso, se supusermos que tivesse havido um acordo entre Manila e a Companhia Neerlandesa, é possível que daí tivesse surgido uma nova linha de comunicação: Pequim-Fujian-Manila, um eixo com consequências a longo prazo para a estrutura do Padroado e para os missionários em serviço na China. Podemos ainda argumentar que se as missões sediadas na China não se poderiam ter deslocado numa direcção diferente: nesse caso, os Jesuítas e os seus ideais poderiam não ter sido tão significativos. Claro que podemos modificar este cenário. Suponhamos que os holandeses tinham alcançado os seus objetivos – mais ainda, suponhamos, que depois da conquista de Macau se tinham entendido com as autoridades de Guangzhou e, depois, ou simultaneamente, tinham impedido o intercâmbio comercial e cultural entre Manila e a China do Sul, principalmente ao tentarem expandir a sua influência sobre os portos de Fujian. Num tal cenário, os missionários católicos na China teriam ficado isolados da Europa. Teria sido difícil ou impossível desenvolverem ligações alternativas via Yunnan e a região do actual Myanmar para Goa, ou através da Ásia Central e da Europa de Leste directamente para Roma. Finalmente, isoladas, as missões católicas teriam provavelmente desaparecido após alguns anos. Todos sabemos que os Jesuítas, produziram muitos textos eruditos em chinês, que circularam amplamente, mesmo até à Coreia. Tudo isso teria acontecido? Teria a Igreja Ortodoxa, na sequência da lenta expansão da Rússia para o Pacífico, assumido a liderança do empreendimento europeu de cristianização da China? Ou teriam os intelectuais chineses aceitado a cooperação com os ideólogos Protestantes e Calvinistas? A última possibilidade parece ser muito improvável, se considerarmos o facto de que grande parte da doutrina protestante não estar de acordo com a ideologia Confucionista. Portanto, a ideia de que a elite chinesa, ou mesmo a corte de Pequim, teria aprendido com os holandeses, ou os teria admirado, parece muito rebuscada. É verdade que os holandeses levaram para o Japão conhecimentos científicos, mas os intelectuais japoneses eram diferentes dos seus pares chineses. Outra questão que se apresenta clara leva-nos de volta ao campo político. A hipotética conquista de Macau pelos holandeses teria tornado desnecessária a ocupação do Arquipélago dos Pescadores. Da mesma forma, teria sido muito pouco provável que a Companhia Neerlandesa se tivesse instalado em Taiwan, o que por sua vez, poderia ter tido algumas implicações para os espanhóis. Manila sentiu-se obrigada a estabelecer pequenas dependências no norte de Taiwan, porque acreditava que serviriam para equilibrar a presença holandesa noutras partes da ilha. Se a história tivesse sido outra, provavelmente nada disso teria sido necessário. Finalmente, neste cenário alterado, a emigração chinesa para Taiwan teria seguido outro rumo, e alguns dos episódios associados ao Império não teriam tido lugar. Em suma: Foi principalmente através das potências europeias que Taiwan foi agredida devido a um processo de globalização precoce. Na eventualidade da vitória holandesa em Macau, provavelmente Taiwan não teria passado por este período de instabilidade. V – As possíveis consequências de uma vitória holandesa nos Pescadores A China pressionou os holandeses para saírem do Arquipélago dos Pescadores. Suponhamos que a Companhia Neerlandesa, embora enfraquecida pela batalha de Macau, teria conseguido manter a sua posição nestas ilhas. Como já foi dito, nesse caso, a ida para Taiwan e a construção do Forte Zelândia não teria sido necessário. Mesmo assim, parece improvável que a China tivesse aceitado uma presença holandesa permanente perto do porto de Magong. Além disso, com toda a probabilidade, a Espanha teria reagido de forma semelhante. O motivo é simples: o Arquipélago dos Pescadores situa-se na rota entre Manila e Zhangzhou 漳州 ou Xiamen 廈門, no Sul de Fujian (ao passo que Taiwan está a alguma distância deste corredor). Portanto, podemos imaginar uma série de ataques conjuntos à Companhia Neerlandesa nos Pescadores, comandados pelas forças de Fujian e pelas forças espanholas. Contudo, teria Portugal ajudado Espanha? Ou teria Macau preferido ficar de fora deste conflito e, em vez disso, concentrar-se na manutenção do seu comércio com o Japão? Uma guerra prolongada entre a Companhia Neerlandesa e a aliança Sino-Espanhola teria enfraquecido o papel dos holandeses no Japão? No início da década de 20 do séc. XVII, mercadores chineses, espanhóis e portugueses estavam presentes em Nagasaki; poderemos afirmar que um cerco prolongado dos Pescadores teria obrigado os holandeses a enviar mais tropas para as ilhas levando ao inevitável enfraquecimento da sua presença no Norte do Mar Oriental da China? Claro que se trata de pura especulação e não há respostas para esta pergunta. Apesar de tudo, um outro aspecto parece ser certo. Uma presença permanente dos holandeses nos Pescadores não teria perturbado a logística dos Jesuítas na China, a sua “descida” para Macau e, a partir daí, para Goa e para Roma. No pior dos casos, teria perturbado a actividade dos missionários enviados de Manila para Fujian. Mas talvez possamos levar as coisas um pouco mais longe. Havia alguma rivalidade entre os grupos Católicos presentes no Extremo Oriente. Os exaltados espanhóis estavam descontentes com o Tratado de Saragoça (1529). Alguns representantes do clero e a “comunidade” mundial tinham apoiado o sonho da expansão da influência espanhola a muitos pontos da Ásia insular. Teriam estes sonhos sido postos de lado, de uma vez por todas? Ou teriam ressurgido e alimentado uma forte reacção espanhola contra a presença holandesa às portas de Fujian? Além disso, com os holandeses a tentar cimentar as suas possessões nos Pescadores, teria Espanha seguido a mesma política em relação a Taiwan, que efectivamente adoptou após a construção do Forte Zelândia? Ou seja – teria Manila estabelecido algumas bases em Taiwan? Da mesma forma, teria uma ocupação holandesa dos Pescadores conduzido a um padrão diferente da migração chinesa de Fujian para Taiwan? E a uma diferente distribuição regional destes grupos na ilha? Mais uma vez, é impossível encontrar respostas apropriadas a todas estas questões, mas pelo menos parece útil colocá-las, porque sugerem que muitos acontecimentos potenciais podem ser ligados à cadeia de eventos que ocorreram no início do século XVII. VI – Rumo a uma perspetiva mais alargada A fim de rematar o panorama acima descrito, podemos adicionar algumas notas para uma perspectiva geo-política mais ampla. A perda de Macau para os holandeses em 1622 teria sido um golpe terrível para o Estado da Índia. Nessa altura, Macau era um dos portos mais prósperos do Estado da Índia. Provavelmente, depois de uma ocupação holandesa, alguns residentes portugueses teriam emigrado para Manila, exortando a Espanha a organizar uma campanha em larga escala contra a Companhia Neerlandesa. No entanto, é igualmente possível que Goa tivesse abandonado as suas actividades no Extremo Oriente. O comércio continuo entre Melaka e o Japão teria sido arriscado e pouco lucrativo. Além disso, uma queda de Macau em mãos holandesas teria tido implicações negativas para a presença portuguesa na região de Timor. O comércio florescente de sândalo de Timor, via Macassar (no sul de Sulawesi), para Macau, ou de Timor directamente para Macau, e daí para Guangzhou – em meados do séc. XVII – especialmente após o confinamento do Japão em 1639/40 – não teria acontecido, ou teria tido um formato diferente. Salientemos ainda outro aspecto: Ainda no séc. XVI, foi proposto que Portugal se deveria focar no Brasil em vez de se tentar expandir através da vasta rede asiática. Existia uma constante falta de fundos, de navios e de mão-de-obra, o que tornava difícil a manutenção dessa rede. Assim sendo, uma possível queda de Macau para os holandeses poderia ter revitalizado esses debates e conduzido a uma “divisão do trabalho” geográfica na Ásia insular, com Portugal a limitar o seu comércio às zonas ocidentais do Oceano Índico e do Sri Lanka, e os holandeses a concentrarem as suas actividades no universo malaio, nas zonas costeiras da China e no Japão, e assim, tirando enormes lucros do câmbio “da seda por prata”. Finalmente, dependendo da situação no Estreito de Taiwan e do comportamento dos holandeses, a Espanha provavelmente teria decidido enviar mais homens e equipamentos do México para Luzon e para outros locais próximos, com o propósito de estabilizar as suas posições no Sudeste Asiático. É óbvio, que tais actividades teriam implicado uma intensificação do comércio e do tráfego através do Oceano Pacífico. Aqui podemos pensar nos mercadores de Fujian e do Japão, nos funcionários, e noutras pessoas que viajavam a bordo dos navios espanhóis para o Novo Mundo. De uma forma mais geral, provavelmente a “globalização” teria progredido mais rapidamente se tivesse havido uma participação indirecta (ou directa) mais forte de certas regiões asiáticas nesse processo. As sugestões acima apresentadas dizem principalmente respeito ao século XVII. As consequências a longo prazo de uma presença holandesa em Macau ou no Arquipélago dos Pescadores, para lá do séc. XVII, são uma questão de ordem diferente. Como foi mencionado, provavelmente teria havido vários confrontos militares entre a Companhia Neerlandesa e a China. O século XIX proporciona um cenário comparável: Nessa altura, os britânicos tentaram forçar as portas da China. A primeira fase foi marcada por uma diplomacia arrogante, depois Londres usou a força bruta para alcançar os seus objectivos. O mais interessante é que, durante estes anos, a Grã-Bretanha também tentou engolir Macau, mas o Império Qing ficou firmemente ao lado dos portugueses. Na maior parte do tempo, as relações Sino-Lusitanas eram cordiais e o passado ensinou à China que era impossível estar de boas relações com os grupos “reformistas” do Nordoeste Europeu, portanto, a China apoiou Macau. Ou seja, a relação indefinida entre a China e Portugal proporcionou mais estabilidade do que o Tratado Anglo-Português de 1373. Regressemos agora à Companhia Neerlandesa. Como já foi dito, é extremamente improvável que se tivesse desenvolvido uma relação cordial entre Pequim e Batávia, nem no séc. XVII nem posteriormente. Na melhor das hipóteses, podemos simplesmente imaginar a existência de um grande complexo urbano nos Pescadores – do género de Hong Kong – com mão de obra chinesa barata, ferozmente explorada pela elite colonial. Um local principalmente ou exclusivamente interessado no lucro, sem uma estrutura intelectual de apoio no continente comparável à dos primeiros Jesuítas. Admito que esta visão é unilateral. A “História contra factual” funciona assim. Não pode considerar todas as possibilidades. Por exemplo, podemos argumentar, os primeiros britânicos não receberam atenção suficiente neste artigo. No entanto, o que foi dito anteriormente mostra que podemos atribuir bastante peso aos acontecimentos do início do séc. XVII, há quatrocentos anos. De uma forma mais geral, as guerras geralmente mudam os mapas e a rede de relações internacionais. Uma longa ou permanente ocupação holandesa de Macau e/ou do Arquipélago dos Pescadores teria alterado o curso da História de forma significativa, possivelmente com resultados duradouros. Somos ainda tentados a prolongar esse pensamento até aos nossos dias e a discutir o caso de Taiwan, agora exposto a um novo poder, que se expande gradualmente através do Pacífico, impulsionado pela ganância e pela crença na sua própria superioridade, não muito diferente dos holandeses e dos britânicos dos primeiros tempos – mas claro que isso é um assunto diferente.
Hoje Macau Via do MeioFalando sobre as raízes da sabedoria – Cai Gen Tan 菜根譚 Tradução de André Bueno (continuação) 61. Aquele que estuda deve pensar de modo consciente e cuidadoso, deve ter gostos e modos apropriados. Se ele se apega a alegrias e tristezas mundanas, ele decairá como o outono, e não será forte como uma primavera. Dessa forma, como pode fazer florescer as dez mil coisas? 62. Uma pessoa verdadeiramente honesta não tem fama de honesta; os gananciosos é que querem essa reputação. Uma pessoa realmente talentosa não alardeia suas habilidades; os inaptos é que fazem tal alarde. 63. O cântaro Qi* se derrama quando está cheio; o cofre Puman* continua intacto mesmo quando está vazio. Assim, o sábio prefere morar num lugar em que não haja ambições constantes; e deseja viver num lugar que ainda esteja incompleto, sem terminar. *o cântaro Qi era um antigo vaso de bronze que só se equilibrava quando estava pela metade: quando vazio, ele caía; cheio, ele derramava. O vaso era usado perto dos governantes, para advertir contra os excessos e ausências. O cofre Puman era feito de barro, e era quebrado quando estava cheio de moedas. 64. Aquele que não se livrou da ânsia de reconhecimento, pode desdenhar mil riquezas e se comprazer em viver livremente, mas ao final se perderá na vulgaridade do mundo. Aquele que é cerimonioso, mas não compreendeu o significado dos costumes [ritos], por mais que sua influência se estenda pelos quatro mares, e dure por dez mil gerações, ao final, seus gestos serão vazios. 65. Se os pensamentos de uma pessoa forem claros, ela terá o Céu azul, mesmo no meio de um quarto escuro. Se seus pensamentos ocultam intenções obscuras, mesmo em um dia brilhante, haverá demônios [em sua mente]. 66. As pessoas sabem que um cargo e a fama fazem alguém feliz; mas não sabem que aquele que é mais feliz, é o que não tem nem cargos, nem fama. As pessoas sabem que a fome e o frio preocupam; mas não sabem que se preocupar sempre é pior do que a fome e o frio. 67. Se uma pessoa faz algo errado e tem medo que os outros saibam, ainda assim ela tem consciência em meio ao mal. Se uma pessoa faz algo correto e quer que todos saibam, ainda assim sua bondade está contaminada pelas raízes do mal. 68. O poder do Céu e a força das coisas não têm medida; às vezes restringem, às vezes expandem, movem e dirigem os heróis, derrubam tiranos. Quando um sábio encontra a adversidade, exercita sua paciência; quando vive na tranqüilidade, ele pensa no perigo. Mesmo o Céu não pode influenciar sua natureza. 69. Uma pessoa irascível é como um fogo devorador; tudo que ela encontra, ela consome. Uma pessoa malvada é fria como gelo; tudo que ela encontra, ela dana. Uma pessoa obstinada e inflexível é como água estacada ou madeira podre; sua vitalidade está extinta. Essas pessoas vivem se preocupando em conseguir as coisas, mas a felicidade continua escapando delas. 70. A felicidade não pode ser conseguida; manter o espírito feliz é a essência da felicidade. Isso é tudo. A desventura não pode ser evitada; expulsar os pensamentos daninhos mantém a desventura longe. Isso é tudo. 71. Se de dez frases ditas, nove forem corretas, não se receberá crédito; mas se uma frase for falsa, se carrega toda a culpa. Se de dez planos traçados, nove se realizam, não se receberá felicitações pelo talento demonstrado; mas um plano que fracassa atrai todas as críticas. Uma pessoa realizada prefere o silêncio à ação impetuosa, e prefere parecer um bobo a talentoso. 72. Há um espírito do Céu e da Terra*; quando ele é cálido, faz com que as coisas cresçam; quando ele é frio, faz com que as coisas morram. Assim, quando o espírito humano é frio, ele é triste; mas quando um coração é cheio de calor, ele é feliz e benévolo. *Vento 73. O Caminho do Céu é muito amplo; se o coração se inclina em sua direção, ele se expandirá e brilhará em seu peito. O Caminho do desejo humano é muito pequeno; quem caminhar por ele, encontrará espinhos e lamaçais. 74. Vivendo a constante alternância entre tristeza e alegria, chega-se à verdadeira felicidade; provando por si mesmo a dúvida e a certeza, alcança-se o verdadeiro conhecimento. 75. O coração não deve estar cheio de desejos; apenas vazio, ele recebe a presença da razão. O coração não deve estar sem substância; somente assim ele impede a entrada das tentações. 76. Em lugares sujos, muitas coisas florescem; às vezes, nas águas cristalinas, não há peixes. O sábio deve preservar a paciência em seu coração, pois ele não estará sozinho, o tempo todo, desfrutando de suas virtudes. 77. Um cavalo impetuoso pode ser domado e cavalgado; as gotas de ouro que caem de um forno podem voltar ao molde; mas uma pessoa capaz, que tenha perdido seu entusiasmo, e está parado, não poderá progredir. Baisha* disse: ‘as pessoas cometem erros, e isso não é causa de vergonha; mas uma vida toda sem erros, isso sim me preocuparia!’. Sábias palavras! *Sábio Confucionista do período Ming. 78. Se apenas um pensamento errado entra na mente, a força se converte em fraqueza, a inteligência se confunde, o Humanismo se desvia, o espírito puro se corrompe, e a virtude acumulada por toda uma vida se perde. Assim diziam os antigos: ‘não corrompa seus tesouros’; e puderam vencer a ambição durante todas as suas vidas. 79. O olho e ouvido vêem e enxergam as coisas que lhe atraem, externas e enganadoras. A mente tem seus desejos e paixões, íntimas e enganadoras. A pessoa de mente clara não se confunde; ela se coloca no centro de sua casa, e converte os inimigos em hóspedes. 80. Planejar, para alcançar aquilo que não se tem, não é melhor do que progredir, e se expandir, com o que se tem. Arrepender-se dos erros passados não é tão bom quanto prevenir-se de enganos futuros. 81. O espírito humano deve ser elevado e amplo, mas não disperso ou fechado; deve ser meticuloso e detalhado, e não insosso ou trivial; o temperamento deve ser tranqüilo e sensível, mas sem ser insípido ou monótono; suas ações devem ser ordenadas e imparciais, mas não extremas e inflexíveis. 82. O vento agita um bosque de bambus, sopra, e não deixa nem um silvo atrás de si; um pato voa sobre o lago no inverno, passa, e ao ir embora, sua imagem não permanece na água. Assim, o sábio vai até o problema e se concentra nele; depois que termina, seu coração volta a repousar. 83. Ser puro, mas tolerante com os demais; Ser humanista, e tomar decisões justas; Ser claro, mas criticar sem ferir; Ser reto, mas sem se exceder; Assim como as frutas em conserva não devem ser muito doces, nem a comida do mar muito salgada, tudo isso* forma a virtude perfeita. *O equilíbrio, a justa medida das coisas. 84. Um homem pobre capina o baldio até ele estar pronto; a mulher pobre lava a pele até deixá-la limpa. Essas cenas não parecem bonitas, mas sua grandeza as reveste de elegância. Assim, quando um Educado encontra pobreza e austeridade, porque razão ele desistiria de seus ideais? 85. No ócio, não desperdice seu tempo; há sempre algo com que ocupar-se. Na tranqüilidade, não deixe de fazer as coisas; há sempre um bem que se possa fazer. Na obscuridade, não deixe que sua mente trame ou se engane: é benéfico manter o pensamento claro. 86. Se seu pensamento busca o Caminho dos desejos, então o traga de volta; ao notar uma idéia impura, pegue-a e a jogue-a fora. Assim, se transforma a desventura em felicidade, e se afasta a morte. É um momento crucial, em que não deve haver pressa. 87. Na tranqüilidade, os pensamentos são claros como a água, e se pode ver a verdadeira essência do coração; Nos momentos de ócio, o espírito não está perturbado, e se podem ver as verdadeiras intenções do coração; Em uma vida simples, a atitude é modesta e moderada, e assim se pode sentir a verdadeira essência do coração; Para examinar um coração, essas são as três melhores coisas. 88. Estar em um lugar silencioso não é o silêncio verdadeiro; o silêncio em meio aos afãs é que está de acordo com a natureza do Céu. Estar feliz numa situação alegre não é felicidade verdadeira; a felicidade, em meio à adversidade, é a verdadeira realização do coração. 89. Ao sacrificar seus interesses, não tenha dúvidas; ter dúvidas atrai vergonha sobre o sacrifício. Ao ser caridoso, não exija recompensa: exigir recompensa arruína um coração generoso. 90. Se o Céu me concede uma pequena porção de felicidade, eu acumulo virtude para compensar o que falta. Se o Céu me enche de adversidades, eu alegro meu coração para compensar as circunstâncias. Se o Céu põe desvios no meu Caminho, aperfeiçôo meu entendimento para suavizar minha andança. Sendo assim, o que o Céu pode me fazer de mal? 91. Um Educado não reza por felicidade, e o Céu, sem mostrar, enche seu coração de felicidade. O ignorante se concentra em evitar acidentes, e o Céu sempre faz com que ele se perca. Assim vemos que o poder e a sutileza do Céu são as coisas mais profundas que existem; de que adianta a astúcia contra ele? 92. Se depois de anos uma cortesã se casa, é porque sua vida passada não foi um obstáculo; se uma mulher virtuosa perde a integridade, tudo que ela fez ao longo dos anos se perde. Um provérbio diz: ‘ao julgar uma pessoa, olhe seus últimos anos’. Palavras acertadas! 93. Se uma pessoa comum está disposta a cultivar a virtude em segredo, ela é como um alto oficial sem fama. Se um nobre fica apenas tramando meios de aumentar seu poder e fortuna, ele não é mais do que um miserável com um alto posto. 94. Ao lembrar os méritos de nossos antepassados, graças aos quais podemos desfrutar de nossas vidas, devemos pensar também nas dificuldades pelos quais passaram. Ao pensar na felicidade de nossa descendência, que aproveitará a herança que a deixarmos, devemos lembrar também o quanto é fácil que eles a dilapidem. 95. Uma pessoa supostamente justa, que só pretende fazer o bem, não é diferente de um egoísta. Uma pessoa supostamente justa, que mascara sua conduta, está abaixo de um comum que apenas começou a mudar de vida. 96. Quando membros de uma família têm suas desavenças, não é apropriado ter ataques de fúria, nem descartar os problemas como se fossem triviais. A situação pode ser difícil de discutir; assim, é melhor usar de analogias para mostrar o problema. Se isso não funcionar no momento, espere o outro dia para corrigir o culpado. Como o vento da primavera que descongela, como o calor que derrete o gelo lentamente; esse é o modelo para cuidar de assuntos domésticos. 97. Se o coração olhasse paras as coisas e achasse tudo bom, todas as coisas abaixo do Céu seriam perfeitas. Se o coração for habitualmente generoso e sereno, desaparecerão todos os vícios e a malícia deste mundo. 98. Aquele que não busca fama nem riqueza certamente desperta a inveja do ambicioso; aquele que é moderado em sua conduta certamente desperta o incômodo no falador. Nessas circunstâncias, o sábio não deve comprometer de modo algum sua conduta, nem mesmo ser condescendente com tais atitudes. 99. Em meio à adversidade, tudo o que encontramos tem o efeito de agulhas de acupuntura e da medicina dos remédios amargos; essas coisas reforçam nosso caráter, sem que notemos. Em meio a circunstâncias favoráveis, é como se estivéssemos entre soldados, facas, machados e lanças*, ou como uma lâmpada que vai se consumindo: essas coisas enfraquecem nosso espírito, sem que notemos. *Desgaste de um combate; Tensão gradual. 100. Em meio aos luxos e comodidades, uma pessoa é como um fogo abrasador, e sua ânsia de poder é como um incêndio violento. Se esses desejos não foram moderados com aspirações sensíveis e honestas, esse fogo não consumirá aos outros, mas a si próprio. (continua) * O Cai Gen Tan菜根譚foi escrito no século XVI pelo erudito Hong Yingming 洪應明 (ou Hong Zicheng洪自誠, 1572-1620), próximo ao final da dinastia Ming大明 (1368-1644). (…) Hong buscava estabelecer uma analogia entre as três grandes correntes do pensamento chinês em sua época: Confucionismo, Daoísmo e Budismo Chan (Zen). O livro de Hong é uma apresentação de trezentos e sessenta aforismos sobre os mais diversos aspectos da vida, sempre baseado nos ensinamentos das três grandes linhas
António Graça de Abreu Via do MeioA ratazana astuta Ia adiantada a noite quando eu, Su Dongbo, comecei a ouvir o roer de um rato. Bati na madeira da cama para acabar com o ruído. Parou durante alguns instantes, mas logo recomeçou. Pedi ao meu criado que me trouxesse uma vela e, depois de muito procurar, encontrámos um saco vazio, do interior do qual provinha o barulho. Eu disse: “Ah, a ratazana ficou fechada lá dentro e não pode sair.” Então abrimos o saco, olhámos para o interior e não vimos nada. Levantámos a vela e descobrimos o que parecia ser uma ratazana morta. O meu criado exclamou, surpreendido: “Como é possível este animal que ainda agora roía a madeira, ter morrido tão depressa? Há pouco, de onde vinha o ruído, não seria o fantasma do rato?” Ditas estas palavras, tirou a ratazana para fora do saco. A bicha, assim que tocou o chão, desatou a correr a uma tal velocidade que nem mesmo o mais rápido estafeta a conseguiria apanhar. Eu suspirei e disse. “Estranhas as artimanhas da ratazana. Fechada num saco de onde não podia sair, começou a roer, para chamar a atenção, depois fingiu-se de morta e assim conseguiu escapar.” Tenho ouvido dizer que o homem é o mais inteligente dos seres vivos, consegue domar dragões, vencer infindáveis monstros, caçar unicórnios, subjugar tartarugas. Será, por isso, o mestre de toda as criaturas. E agora, aqui temos um homem enganado pela astúcia de uma simples ratazana, um animal que associa a velocidade da lebre ao comportamento de uma donzela.[1] Eu pergunto, onde está a inteligência dos homens? Sentei-me, num leve dormitar. Interrogava-me quanto a estas questões quando, de súbito, me pareceu ouvir uma voz, dizendo: “Os teus conhecimentos são demasiado livrescos, procuras o Tao e não o encontras. Em vez da subjectividade, tentas ser objectivo e acabas por te escravizares às circunstâncias. Até o roer de uma ratazana te perturba. És um homem que não sabe viver com jóias raras e lamentas a perda de caldeirões cheios de coisa nenhuma. És capaz de atacar tigres ferozes, mas mudas de côr ao seres picado por uma abelha. Estas são algumas das moléstias que fazem parte de ti e as palavras foram pronunciadas por ti próprio.[2] Já as esqueceste?” Levantei a cabeça e sorri. Depois, completamente desperto, pedi ao meu criado que me trouxesse um pincel e tinta para eu escrever este texto, nada elogioso sobre a minha pessoa. Tradução: António Graça de Abreu [1] “Primeiro assume o comportamento de uma donzela, e o teu inimigo abrir-te-á as portas, depois sê rápido, como uma lebre em corrida e o teu inimigo não terá tempo para se defender.” Citação de Sun Zi (544 a.C.-496 a.C.), Arte da Guerra, cap. 9. [2] Aos dez anos de idade, a pedido do pai, Su Dongbo escreveu uma pequena composição sobre um homem que não gostava de jóias e queria destruir grandes caldeirões. Atacava tigres ferozes mas mudava a cor do rosto com a picada de uma abelha.
José Simões Morais Via do MeioPrevisões por animal e ano para 2023 – Parte II As pessoas que nasceram antes do Lichun (Princípio da Primavera, que este ano e normalmente ocorre a 4 de Fevereiro, mas pode acontecer a 3 ou a 5 desse mês) são nativas do animal do zodíaco respeitante ao ano anterior. Assim quem nasceu em 2023, mas antes de 4 de Fevereiro será do ano do Tigre. As previsões aqui expressas são a interpretação das ideias escritas por Edward Li. Cabra No ano de Coelho, a Cabra está com os três que se combinam (三合, San He: Coelho, Cabra e Porco) e por isso, encontra-se nos melhores três animais do ano. Não importa onde chega, terá imensos amigos ao seu redor e nada poderá encobrir a sua luz, pois é encantador e muito charmoso. Carreira: Ano para poder atingir o topo, pois conta com as poderosas estrelas da sorte Ba Zuo (八座) e Jiang Xing (将星, do General) relacionadas com ficar na posição de comando e ter o poder nas mãos. Como líder, toda a gente o respeita e com um grupo perfeito a trabalhar para si, todos os seus projectos facilmente se concretizam, sendo o muito bom retorno dos investimentos propiciado pela estrela da sorte Jin Kui (金柜, Cofre Dourado). As estrelas da sorte Tian Jie (天解) e Jie Shen (解神) ajudam a solucionar os problemas e mesmos os causados por acidentes não provocarão qualquer crise. Assim, não importa quão grande é o problema, ou as dificuldades, facilmente consegue resolvê-los, ou alguém o irá ajudar à sua resolução. É ano para levar todos os seus sonhos a tornarem-se realidade. Amor: No ano que três combinam (三合San He) encontra-se muito atractivo, chamando a atenção sobre si e daí, tenha cuidado pois poderá não conseguir controlar tudo. Uma das fortes más estrelas, Bai Hu (白虎, Tigre Branco) representa problemas proveniente do ser feminino e daí os solteiros nativos de Cabra deverem tomar cuidado e não deitar fora a boa sorte colocando-se em trabalhos complicados. Os casais devem prestar mais atenção à família, pois a harmonia familiar ajuda não só a carreira, mas também engrandece o respeito que as pessoas têm por si. Saúde: Terá as más estrelas, Chen fu (沉浮, altos e baixos), a representar desequilíbrio emocional e a facilmente ter acidentes e magoar-se e Xue Ren (血刃, Fio da lâmina com sangue) a indicar confronto, ou ter de ser operado, especialmente para o ser masculino devido à má estrela Bai Hu (白虎, Tigre Branco). Assim, em Junho e Julho, meses de maior Fogo, deve equilibrar com o Elemento Água, por exemplo comendo sobretudo cozidos e evitar os fritos e assados. Os nativos de Cabra nascidos em: 1967 – Uma poderosa ajuda coloca a carreira num novo patamar e ao trabalhar arduamente ganhará mais, mas não se esqueça da sua saúde. 1979 – Ano para experimentar novas áreas pois nos caminhos que escolher conseguirá bons resultados. Importante realizar uma festa de aniversário para juntar os amigos e assim terá boas energias. 1991 – O trabalho preparado até agora dará frutos. Será um ano muito activo, mas deverá tomar cuidado e não beber muito à noite, pois tal pode trazer-lhe problemas. Os seres femininos nascidos neste ano terão uma grande mudança e terão de ter cuidado com tudo. Macaco Parabéns aos nativos de Macaco pois este ano estão no primeiro lugar dos animais do zodíaco e contarão com a ajuda de oito estrelas da sorte, a permitir facilmente trepar aos lugares cimeiros. Macaco (shen, 申) é Elemento Metal yang e como normalmente Fogo arde Metal e sendo este yang, alimentado pelo Elemento do ano Madeira transforma-se em aço. Daí a mudança ser completa e apenas precisar de um plano detalhado para agarrar a sorte, a colocá-lo no auge da vida. Carreira: Zi Wei (紫微) e Long De (龙德, virtude do dragão) são as mais poderosas das estrelas da sorte e representam conquistar poder e ser promovido, sendo muito bom para a carreira e daí o sucesso estar quase todo nas suas mãos. Tal é promovido ainda mais pelas estrelas da sorte Yu Tang (玉堂, lugar cheio de jade), Guo Yin Gui Ren (国印贵人, Carimbo oficial a ajudar) e Tai Ji Gui Ren, (太极贵人), pois devido às muito boas relações com uma honorável e respeitável pessoa, conta com a ajuda de um governante com carimbo de jade a trazer-lhe riqueza. A estrela da sorte Di Jie (地解, Terra e abrir o cadeado) representa solucionar os problemas e a estrela da sorte Ci Guan (词馆, Perfeitas palavras) colocam as pessoas a acreditar e a investir em si só por o ouvir falar. As más estrelas Bao Bai (暴败, Perdedor e mudanças que não pode controlar) e Tian E (天厄, Catástrofes provenientes do Céu) colocam-no perante um acontecimento imprevisto, mas que não lhe trará graves problemas. Só os nativos nascidos entre 8 de Outubro e 7 de Novembro e os que tenham o bazi cheio do Elemento Fogo precisam de tomar mais cuidado com as ocorrências provocadas por estas duas más estrelas. Amor: A estrela da sorte Hong Yan (红艳, emoção e amor) representa um ano emocionalmente feliz e não importa se quer casar ou ter uma relação amorosa, conseguirá o que deseja. Apenas precisa de se mostrar e não guarde para si os seus sentimentos, expresse-os em voz alta, pois está no máximo da sua sorte, o que aparece apenas uma vez em cada doze anos. Saúde: Num ano de sucesso, precisa, no entanto, de ser modesto/a, pois deve manter as emoções equilibradas e tranquilas, assim exige a sua saúde. Os nativos nascidos no Verão, logo com mais Fogo, facilmente terão acidentes ou precisam de fazer uma operação cirúrgica. Por isso, evite discussões e deve ir ao Templo fazer sacrifícios para colocar o ano mais seguro. Os nativos de Macaco nascidos em: 1968 – Ano para mostrar as suas qualidades e qualificações profissionais, e levar os outros a respeitá-lo. Conseguirá alcançar o que esperava há muito tempo. 1980 – Na área profissional terá uma surpresa, pois poderá ser promovido e alcançar um lugar de destaque. Mas trabalhando arduamente, não se deve esquecer de descansar, e mesmo ao conduzir, pois o mais importante é a segurança. 1992 – Ano para criar o seu próprio negócio, abrir uma empresa, comprar propriedades, sendo ainda bom para casar e constituir família. 2004 – Com os familiares a tomar conta de si, é um importante ano para entrar no mundo social e deve usar essa boa oportunidade para preparar o espaço que se apresenta à frente. Galo No ano de Coelho, os nativos de Galo (Elemento Metal) estão em Chong Tai Soi, a colidir com o Deus do Ano, significa que o Metal corta a Madeira, o Elemento do Coelho, mas porque a Madeira é mais forte, pois está em Tai Sui, leva o Metal a quebrar e daí, sem ajudas de estrelas da sorte, os nativos de Galo ficam muito sós. Apenas poderá contar consigo para resolver os problemas. Os nascidos na Primavera e Verão sofrerão mais ainda, sendo um pouco melhor para os nascidos no Outono e por isso é ano para exigir menos e moderar as expectativas. Carreira: Precisa de se mexer, pode ser mudar de emprego, de casa ou de parceiro. Muitas destas mudanças estarão fora dos seus planos, o que leva a não estar preparado. Irá trabalhar arduamente, mas o que recebe é nada, ou apenas problemas. Não conta ajuda de nenhuma estrela da sorte e as más estrelas Yue Kong (月空, mês vazio) Da Hao (大耗, gastar uma fortuna) colocam-no a gastar muito dinheiro e a não conseguir amealhar. A má estrela Lan Gan (阑干, barreira) indica ter sempre de se confrontar com problemas. Já a má estrela Qiu Yu (囚狱, Dentro da Prisão) previne-o para quando assinar algum documento tomar muito cuidado e evite dar garantias às pessoas. Ano em que menos é mais! Amor: Ano de Chong Tai Sui combinado com a má estrela Po Sui (破碎, separação) leva a não existirem dúvidas quanto a mudanças que ocorrerão. Se sentir que não consegue decidir, fale com um amigo. Mantenha-se calmo e trate tudo como se fosse uma situação normal. Saúde: Propenso a ter acidentes, deverá controlar as emoções e evitar qualquer tipo de discussão. Pode-lhe ocorrer não só um AVC, como ter problemas de coração e também de estômago, pele, membros superiores e inferiores. Deve ir ao Templo fazer sacrifícios ao Deus do Ano e não se esqueça de relaxar o mais possível. Os nativos de Galo nascidos em: 1957 – O mais importante é a saúde e quando falar tome muito cuidado pois poderá causar bastante ruído. Mantenha-se como se estivesse reformado e a não-acção é o estado mais criativo para este ano. 1969 – Ano em que vai usar a sua imobilidade para se confrontar com as mudanças. Não importa na carreira ou no amor, não precisa fazer nada de especial, pois se acontecer, aconteceu. 1981 – Precisa de tomar conta de tudo e trabalhar arduamente, o que o coloca sob pressão, tanto física como emocional. Ano para aprender e deixar andar, melhor do que tentar controlar sempre tudo. Entre o casal haverá imensas discussões. Não se deixe ir em relações amorosas exteriores. 1993 – Ano cuja criatividade e interesses o podem ajudar a tentar experimentar diferentes áreas, mas ter sucesso não dependerá de si, sendo mais importante ganhar experiência. 2005 – Ano para facilmente entrar em depressão e os transtornos de humor tomarem conta da sua vida, por isso procure distrair-se com assuntos do seu interesse, devendo os seus parentes tomar mais atenção e acompanhá-lo. Cão Sendo o Cão e Coelho um dos seis pares que se combinam (liu he 六合), no ano de Coelho, os nativos de Cão tornam-se muito simpáticos, tendo boas relações com todas as pessoas e daí todos gostarão de cooperar consigo. Para o seu desenvolvimento, apenas poderá fazer pequenas coisas, pois não é ano de realizar grandes projectos. Relaxe, deixando as coisas ir e vir naturalmente e assim terá uma vida encantadora. Carreira: A estrela da sorte Yue De (月德, Virtude da Lua) coloca-o muito generoso e amigo, com boas emoções para tudo e todos, o que ajudará no trabalho devido a cooperar muito bem com os colegas. É um ano bom para transformar os inimigos em amigos. Conseguirá resolver a maior parte dos problemas que vinham do passado, mas não deve esperar grandes desenvolvimentos nos projectos, apenas servirá para criar as bases. A má estrela Xiao Hao (小耗, pequenos gastos) poderá até ser benéfica, pois gastando um pouco de dinheiro consegue reunir os amigos em convívio festivo no qual todos gostarão de estar e daí atingir a harmonia. Amor: A estrela da sorte Xian Chi (咸池) propicia o casamento e boas relações entre pessoas, logo será um ano para começar a namorar e mesmo casar, ou se já for casado poderá ter filhos a trazer-lhe prosperidade. Entre o casal, os problemas que existiam há muito tempo serão resolvidos e será uma boa oportunidade para uma nova lua-de-mel. Assim, para os nativos de Cão este ano nada é mais importante que o amor. Saúde: Como o Cão (戌, Xu) é do Elemento Terra yang, logo quente, este ano os nativos estarão separados entre os que têm um bazi a precisar de Fogo, como os nascidos no Inverno, e quem já tem muito Fogo, nascido em Março ou Outubro, a ter de tomar cuidado com problemas de coração e fígado, em especial os anafados seres masculinos. A má estrela Shi Fu (死符, sinal de morte) previne-o para ter cuidado pois poderá ter um acidente e por isso deve evitar praticar desportos radicais perigosos. Os nativos de Cão nascidos em: 1958 – É o mais afortunado dos nativos de Cão. Ano relaxado e fácil, com muitos encontros e convívio com a família e amigos. Por isso, controle bem o estômago e não coma e beba em demasia. 1970 – Tornar-se-á activo a expressar na carreira a sua personalidade e saber, mas estará muito pressionado. Melhor transferir a atenção para a família, pois tê-la harmoniosa traz-lhe boas e saudáveis emoções. 1982 – Sentir-se-ão como peixe na água. As boas relações sociais trarão muitas ideias criativas. Para o ser masculino, a vida terá algumas pequenas ondas. Tome mais atenção à saúde e é importante oferecer sacrifícios ao Deus do Ano. 1994 – Ano muito ocupado e pode vir a casar, ou a ter um novo membro na família. Se nasceu no Verão, precisa ter muito cuidado durante as viagens, ou a conduzir. 2006 – Estudará bem e terá um bom relacionamento com os colegas, sendo mencionado pelos professores como um exemplo e constantemente requisitado pelos outros para participar em actividades. Porco Porco no ano do Coelho está em San He (三合, três animais que combinam, Coelho, Cabra e Porco) a representar poder juntar pessoas à sua volta e ser bem-vindo onde chega. Os nativos de Porco gostam normalmente de trabalhar sozinhos e tudo decidir para ter sucesso, mas este ano já estão no momento e lugar certo, faltando apenas trabalhar em conjunto e assim conseguir uma boa cooperação. Essa é a chave para adquirir um poder forte. Carreira: Contará com três estrelas muito boas, logo o sucesso está à sua frente e apenas precisa de agir. As estrela da sorte San Tai (三台, Três plataformas com Carimbo) coloca-o este ano na posição de chefia e combinada com a Jiang Xing (将星, do General, ligada à carreira, autoridade e ao poder) ajudará as pessoas a seu cargo a trabalhar bem melhor. Só precisa de se colocar no meio das pessoas e organizá-las para as guiar a conseguir maximizar o trabalho conjunto. Ampliar o grupo, diversificar as áreas e ter uma nova estratégia. A estrela da sorte Jin Kui (金柜, Cofre Dourado) traz sorte em assuntos financeiros e acumulação de ganhos e quanto mais trabalha mais recebe. A estrela da sorte Tian Chu (天厨, Cozinha do Céu) permite saborear boa comida. A má estrela Guan Fu (官符, tomar muito cuidado e não colocar como garantia a sua palavra) adverte não dever usar o caminho fácil e muitas vezes ilegal, mas manter-se na via correcta. Já a má estrela Wu Gui (五鬼, Cinco fantasmas, a representar pessoas a dizer mal de si nas suas costas e que lhe querem mal) não trará problemas se se mantiver escorreito. Amor: Este ano a sua disposição leva-o a ser muito simpático, cativando as pessoas ao seu redor e apesar de muito solicitado para relações amorosas, por estar muito ocupado com a carreira não terá espaço para nelas se embrenhar. Para os casais, o amor vai-se vivendo em pequenos gestos e actos. Saúde: A má estrela Yang Ren (羊刃, representa corte a provocar sangue) avisa poder ter de fazer uma operação cirúrgica, precisando os nativos de Porco nascidos na Primavera de tomar mais cuidado. Já a má estrela Wu Gui (五鬼) leva a ser fácil ocorrerem pequenos problemas, como quedas e outros acidentes menores e para os evitar deverá colocar a sua casa com bom Feng Shui (Vento, Água), limpando todo o lixo e a guardar bem os objectos cortantes. Os nativos de Porco nascidos em: 1959 – Tem muitas oportunidades para ganhar dinheiro, mas deve focar-se no que será bom para si e escolher o momento certo para agir. Ano em que conquista grande respeito. 1971 – Ano muito ocupado. Quanto mais trabalha mais ganha, mas deverá controlar o que bebe e come e moderar as saídas à noite para se manter em forma e com saúde. 1983 – Este ano a sua mente acorda e ilumina-se, conseguindo ter pensamentos argutos e rápidos e contará com a ajuda e apoio de diferentes grupos. Aprenderá muito facilmente e reage rápido. Na carreira, é o melhor entre os nativos de Porco. 1995 – O melhor entre os nativos de Porco quanto a dinheiro, pois este virá ter consigo. Por um lado, precisa de agarrar todas as oportunidades para vencer na competição, mas também deverá dar espaço ao adversário e não lhe tirar a face, criando assim a situação de ganhar e dar a ganhar. 2007- Ano para aprender a cooperar com os amigos. Evite ser muito efusivo e deve saber respeitar os outros, pois ao conseguir conquistar um amigo, deixa de ter mais um inimigo. Rato Este ano os nativos de Rato encontram-se em Xing Tai Sui, a ser julgados pelo Deus do Ano, levando a facilmente entrarem em discussões e poderem encontrar-se fora da lei. Carreira: Em tudo o que fizer este ano, como assinar documentos, deverá tomar muito cuidado e verificar todos os pormenores. Evite dar garantias em assuntos ligados com dinheiro. Se trabalhar como advogado, ou no Tribunal, será um bom ano. Sem estrelas da sorte a ajudar na carreira, no entanto, terá a muito boa estrela da sorte Tai Yin (太阴, Lua) a permitir ampliar o grupo de amigos, pois esta representa boas relações sociais e com esse investimento, consegue transformar o negativo em situações positivas. A estrela da sorte Lu Shen (禄神) leva a não precisar de se preocupar com as finanças e a ter mesmo a possibilidade de arrecadar mais dinheiro do que esperava. Amor: A estrela da sorte Hong Luan (红鸾, Sorte no Amor) representa matrimónio e só lhe aparece de doze em doze anos, por isso é fundamental não perder esta oportunidade; quem se encontra ao seu lado e o acompanha é a pessoa certa para si. Saúde: Num ano Fan Tai Sui, o corpo facilmente terá problemas e também estará sob enorme pressão devido a ter de resolver inúmeros problemas. Os seres idosos femininos estão propensos a problemas ligados com o útero, enquanto os masculinos com a próstata, sobretudo os nascidos em 1960. Daí, no início do ano ser melhor fazer um exame de saúde. Os nativos de Rato nascidos em: 1960 – Irá sentir-se desanimado/a com o demasiado trabalho que tem pela frente, e reconhece que poder e dinheiro são apenas ilusões do momento e o vazio que sente obriga a guardar mais tempo e espaço para si. A saúde é verdadeiramente a essência. 1972 – A carreira continua a desenvolver-se sem problemas. Novas ideias podem ser colocadas em acção, mas precisa de ter cuidado pois poderá encontrar alguém que lhe queira roubar os seus projectos. 1984 – A sua confiança está elevada e daí pode conseguir mais trabalho, mas tome cuidado com a saúde. As grávidas poderão ter de realizar uma operação para dar à luz. 1996 – Terá hipóteses de ser promovido/a, ou de ficar numa posição de chefia. Com ajudas qualificadas, a carreira conseguirá atingir um novo patamar. Realizar uma festa de aniversário leva a ter boas energias e a melhorar a sua vida. 2008 – Está na idade de abrir e descobrir o novo mundo que começa a aparecer-lhe à frente. Explore em conjunto com os amigos a curiosidade por coisas novas e a sexualidade que desponta, devendo recorrer ao saber dos familiares para desfazer dúvidas e não cair em erros. Búfalo No ano anterior chegou ao topo do monte e agora começa a fase descendente. Perante esse caminho natural, precisa de se preparar bem e saber aceitar o que tem pela frente. Será um ano em que prefere ficar só e fora do jogo da competição. Sem o apoio de estrelas da sorte, os nativos não irão ter grandes mudanças, tanto na carreira como no amor. Entre os doze animais, os nativos de Búfalo não gostam de se confrontar com algo novo, apenas de se manter como estão e por isso não será um ano difícil. No entanto, a má estrela Sang Men (丧门, ligado à porta da morte) irá afectá-lo emocionalmente, colocando-o muito em baixo durante todo o ano. Carreira: A estrela da sorte Fu Xing (福星, protectora a limpar o caminho) ajudá-lo-á e mesmo enfrentando alguns problemas, tal não influenciará a sua base. Ano para trabalhar em silêncio, sem espalhafato e daí terá hipóteses de conseguir oportunidades de sucesso. Normalmente trabalha arduamente e o que faz é com seriedade, mas este ano deve orientar-se para tornar fácil e leve a realização do seu trabalho. A estrela da sorte An Lu (暗禄, Dinheiro Sombra, ou da Sorte) significa que conseguirá dinheiro fora das expectativas. Amor: Como este ano prefere ficar sozinho/a e fora da vida social, pode imaginar o quão fechado/a estará e mesmo sendo convidado/a por alguém que se declara a si, não reagirá. A emoção afectada pela má estrela Sang Men (丧门, ligado à porta da morte) coloca-o/a sem interesse em nada e daí se o parceiro for nativo de Búfalo deve compreender essa tristeza e dar-lhe espaço e mais atenção, tomando conta dele/a. Saúde: Ano para acompanhar com mais tempo a família, sobretudo dar mais atenção aos idosos. Normalmente fecha-se com os seus problemas, mas este ano tal só lhe fará mal, devendo pedir ajuda para desanuviar a pressão e colocar-se fora das angústias. Os nascidos em 1973 estarão susceptíveis de ter problemas físicos e por isso, no início do ano faça um exame de saúde e evite todo o tipo de desportos radicais. Os nativos de Búfalo nascidos em: 1961 – Ano em que precisa de trabalhar arduamente e por isso tome cuidado para não ultrapassar as suas capacidades. Será fácil atrair más relações, por isso tenha cuidado para evitar perder dinheiro e face. 1973 – Terão muito apoio dos amigos e é um bom ano para trabalhar em cultura e ligado à gastronomia, mas cuide da saúde dos seus familiares mais velhos. O ser masculino está mais propenso a ter problemas do que o ser feminino e daí é bom ir ao Templo oferecer sacrifícios ao Deus do Ano. 1985 – É bem-vindo no grupo de trabalho, pois todos gostam da sua companhia, mas precisa de abrir mais o seu coração à família. Não importa quantos amigos tem, a família é na realidade o seu apoio mais forte. 1997 – Tudo terá de ser feito passo a passo, pois a rapidez leva a resultados opostos ao que pretende. Ano para parar e visualizar o que se passa à sua volta. Tigre Este ano tem a super estrela da sorte Tai Yang (太阳, Sol) e com esse poder os nativos de Tigre mostram-se com uma luz brilhante que tudo ofusca, levando-os a mudar completamente. Poderá ser verdadeiramente um tigre, o rei dos animais. É tão livre que não precisará de se preocupar com a carreira, amor e dinheiro, pois tudo isso o espera. Por isso, goze a vida. Carreira: Para os nativos de Tigre o centro da vida está na carreira e nada mais importa pois é fascinado pelo trabalho. Mas este ano com a muito poderosa estrela da sorte Tai Yang (o Sol) os nativos ficam muito mais simpáticos, preferindo entregar-se à família e à vida social, sabendo não importar se trabalha ou não, pois tudo está controlado. A estrela da sorte Jin Yu Lu (金舆禄, grande fortuna) também representa facilidades, mas com a má estrela Tian Kong (天空, Vazio Céu) significa ficar confuso e não conseguir escolher pois tem uma grande quantidade de ideias e hipóteses e daí surge a sua indecisão. Amor: A poderosíssima estrela da sorte Tai Yang em conjunto com a estrela da sorte Xian Chi (咸池, propícia o casamento e boas relações entre pessoas) levam a muita gente gostar de si e você reciprocamente transmite esse sentimento. Com tantas opções, os solteiros podem escolher quem preferem, mas a má estrela Liu Xia (流霞, atraente, mas com rápido terminar do relacionamento) leva a diversificar as pessoas com quem se relaciona, podendo trazer-lhe alguns problemas. Os casais, se a mulher escolher ter um filho poderá quebrar essa cadeia, ou então se realizar uma lua-de-mel, ou uma festa de casamento. Saúde: Perante muitas relações amorosas, é mais fácil ter problemas relacionados com o sexo. Uma vida nocturna muito activa, com muito álcool leva a perder o controlo emocional e poderá provocar situações de violência. Os nativos nascidos na Primavera e no Verão estão propensos a ter AVC’s e ataques de coração, sobretudo por ainda estarmos num ano de pandemia. Os nativos de Tigre nascidos em: 1962 – Terão um novo projecto e hipóteses de adquirir propriedades. Todos os amigos à sua volta o irão ajudar. 1974 – Conseguirá ajuda das pessoas mais velhas da sua família. Não haverá problemas com a evolução na carreira e daí este ano poder relaxar a tensão que normalmente empresta à sua vida. Apenas precisa de tomar atenção para evitar acidentes. 1986 – Com ajudas qualificadas, este ano pode dar asas às suas ideias e actuar livremente sem ter problemas. Será promovido a um lugar de responsabilidade. 1998 – Já com um lugar na sociedade, é ano para tirar resultados do que anteriormente preparou, devendo manter o caminho de desenvolvimento para poder dar continuidade ao seu rumo. É um vencedor tanto na carreira como no amor. Votos de muito Boa Saúde – 身体健康 (Sun Tan Kin Hong, em mandarim Shen Ti Jian Kang).
José Simões Morais Via do MeioPrevisões por animal e ano para 2023 – Parte I As pessoas que nasceram antes do Lichun (Princípio da Primavera, que este ano e normalmente ocorre a 4 de Fevereiro, mas pode acontecer a 3 ou a 5 desse mês) são nativas do animal do zodíaco respeitante ao ano anterior. Assim quem nasceu em 2023, mas antes de 4 de Fevereiro será do ano do Tigre. As previsões aqui expressas são a interpretação das ideias escritas por Edward Li. Coelho Os nativos de Coelho encontram-se em Zhi Tai Sui, contra o Deus do Ano, e se nos últimos anos esperaram, sem fugir de uma rotineira normalidade, sentindo não ter a sorte a seu lado, agora chega uma nova vaga de mudança, provocada por estar contra o Tai Sui, o que traz boas notícias. É ano para preparar ou cuidar de muitas coisas: Muitos tomarão conta de si e outros pedir-lhe-ão ajuda. Se quer uma mudança completa terá antes de tudo de se esvaziar, deitar fora o que trazia e assim haverá espaço para receber o novo. Conta com cinco estrelas da sorte. Carreira: As estrelas da sorte Tian Yi Gui Ren, (天乙贵人, poderosa ajuda ligada à criatividade) e Jiang Xing (将星, do General, conectado com carreira, autoridade e poder) trazem bons parceiros e apoio de pessoas qualificadas, que o colocam numa posição de poder, mais activo e a poder actuar. Já a estrela da sorte, Jin Kui (金柜, Cofre Dourado, sorte nos assuntos financeiros e acumulação de ganhos) significa que as suas acções resultarão em dinheiro. As estrelas da sorte Wen Chang (文昌), deus dos Letrados e da Literatura) e Tian Chu (天厨, Cozinha do Céu) trarão sucesso ao trabalho se estiver ligado à cultura ou à gastronomia. Amor: Terá as relações marcadas por amantes e a sua activa vida social levará a um luminoso conjunto de possibilidades, mas por outro lado arranjará muitos problemas e tudo depende da sua capacidade para controlar as situações. Sendo um ano de mudança, não há dúvida que irá mudar de companheiro/a e por isso não pode colocar-se numa posição intransigente. Goze o tempo em conjunto e não peça resultados. Saúde: Viajando muito, ou devido às muitas mudanças ficará exposto a acidentes. Tome atenção pois este ano estará sob a influência das más estrelas, Jian Feng (剑锋, ponta da Espada), podendo ocorrer problemas com objectos metálicos, ou ter de ser operado e Fu Shi (伏尸, Corpo Morto, a representar morte) propício a poder ter um grave acidente, especialmente aos nascidos na Primavera. Deve ir ao templo pedir protecção ao Deus do Ano, oferecendo-lhe sacrifícios. Os nativos de Coelho nascidos em: 1963 – Este ano, tal como no anterior, encontram-se posicionados no topo entre os nativos de Coelho e mais activo, os negócios e carreira contam com um maior desenvolvimento. Terá uma vida cheia e feliz. 1975 – A estrela da sorte Lu Shen (禄神, bom rendimento e boas relações públicas) leva a ganhar dinheiro facilmente. Terá apoio e bons parceiros pois, ou tem um bom patrão, ou conta com bons empregados, por isso não desperdice esta boa oportunidade para ampliar a sua área de actuação. 1987 – Será promovido pois tem fama de trabalhar bem e daí poderá mostrar as suas capacidades, mas tudo deve ser feito degrau a degrau para evitar inveja e competição desonesta. 1999 – Terá a possibilidade de colocar a cabeça fora da toca para poder ser reconhecido, por isso não é ano de esperar, mas de fazer. Isto não lhe trará apenas mais dinheiro, mas também mais experiência para o caminho que se segue. Dragão Os nativos de Dragão estão em Hai Tai Sui, magoado pelo Deus do Ano, o que significa ter de se confrontar com muitos trabalhos e problemas. O Dragão nos 12 ramos terrestres (Di Zhi 地支) é chen (辰), Elemento Terra yang, e quando encontra Coelho, que é Madeira, significa a Madeira a beber toda a Água da Terra e daí os nativos sentirem-se vazios, sem força e assim este ano é como se estivessem no intervalo do jogo. Carreira: Não contará com nenhuma estrela da sorte. Hai Tai Sui significa não ter boas relações com o seu parceiro/a, com quem terá imensas discussões. Mesmo tendo alguns projectos em mãos não conseguirá nenhum proveito. A má estrela Bing Fu (病符, a sinalizar doença) irá criar problemas, não só na saúde, como não terá vontade e interesse no trabalho. Já a má estrela Mo yue, representa não encontrar a direcção e sem acreditar nos outros, apesar de muito pensar, tem grandes dificuldades em tomar decisões. Assim, se nada fizer não haverá problemas, mas se tentar fazer algo só provoca erros. A solução é colocar-se como reformado. Amor: Magoado pelo o Deus do Ano, não terá boa vida social e mesmo os amigos poderão tornar-se seus inimigos. Não terá desejo de se relacionar com pessoas interessadas em si e daí, se a/o sua/seu companheira/o de vida é Dragão deve preparar-se pois não só se magoarão fisicamente, mas também emocionalmente. Saúde: Em Hai Tai Sui e com a má estrela Bing Fu (病符, Sinaliza doença) conjuntamente com a maligna estrela voadora 5 Amarelo (Wu Huang) na posição Noroeste (que representa o ser masculino) leva a que este ano o sexo masculino será quem mais sofre, em especial pais e homens mais velhos. É fundamental pedir protecção ao Deus do Ano e ir ao templo oferecer sacrifícios. Os nativos de Dragão nascidos em: 1964 – Terão menos problemas entre os nativos de Dragão e se entender abrir o seu coração e aceitar não ser este um ano para melhorar a carreira, terá um ano confortável e relaxante. 1976 – Os seres do sexo feminino estarão em melhor situação do que os do sexo masculino. Na carreira, se as mulheres trabalharem bem conseguem proveitos, mas precisam de ter muito cuidado nos investimentos pois é um ano propenso a tomar decisões erradas e a perder dinheiro. 1988 – A segurança é mais importante do que todo o resto. Não espere um ano activo e quanto à carreira, mantenha o que já tem e evite competição, pois só lhe trará problemas. Ano de preparar as bases para o próximo, que será de Tai Sui, logo de mudança. 2000 – Terá de enfrentar muita pressão e por isso deve aprender a lidar com as emoções. Evite desportos pesados e tenha cuidado com os praticados fora de casa. Serpente Sem hipóteses de realizar grandes mudanças, este ano deverá preparar-se para contar apenas consigo. Mesmo sendo os nativos de Serpente normalmente de rápidas resoluções e arguta visão, habituados a antecipar e preparar os planos de actuação, as boas decisões são mais difíceis de tomar este ano sem o apoio dos outros. Carreira: As estrelas da sorte, Tian Yi Gui Ren, (天乙贵人, poderosa ajuda ligada à criatividade) e Tai Ji Gui Ren (太极贵人, alguém a ajudar), trazem normalmente ajudas de qualidade, mas algo estranho ocorre no ano do Coelho, pois os apoios encontram-se nas suas costas. Se eles não agirem não haverá problemas, mas se actuarem, o resultado poderá ser oposto ao que queria ou esperava. Em especial para os seres masculinos nativos de Serpente, que ao quererem ajudar alguém fora dos seus conhecimentos, irão arranjar muitos problemas. Use mais a criatividade, pois se uma porta se fecha, poderá sempre abrir outra. Amor: Fraco ano para relações amorosas. Não tome decisões precipitadas, pensando ter a pessoa certa à primeira vista. Os casados deverão ser mais pacientes para com o parceiro/a. Com a má estrela Tian Gou (天狗, Cão do Céu) é fácil criar conflitos. Terá gastos monetários imprevisíveis e alguém a enganá-lo/a e daí os nativos de Serpente perderem a confiança nos amigos acusando-os do que lhes acontece. Saúde: As más estrelas Tian Gou, (天狗, Cão do Céu) e Diao Ke (吊客, morte de um familiar) provocam turbulência emocional, criando distúrbios aos nativos de Serpente. Já a má estrela Fei Ren, (飞刃, fio da lâmina), representa acidente ou operação cirúrgica. Se não sentir a mente limpa e clara é melhor nada fazer. Os nativos de Serpente nascidos em: 1965 – A estrela da sorte Lu Shen (禄神) traz-lhe um bom ano na carreira e dinheiro. 1977 – Evite expor-se, pois pode provocar inveja aos outros. Bom ano para trabalhar no duro e manter-se em silêncio. 1989 – Ajudas qualificadas colocam-no a facilmente a vencer na sua área. Pode investir num trabalho extra a trazer-lhe mais rendimentos. 2001 – Ano rico materialmente, deve evitar ocupar todo o seu tempo nas relações amorosas e dê mais atenção ao estudo, ou no trabalho. Ano para aprender a aceitar a imperfeição, o que coloca a sua vida perfeita. Cavalo O nativo de Coelho, cujo Elemento é Madeira, está na posição Tai Sui e por isso recusa ajudar o nativo de Cavalo, de Elemento Fogo, e daí este ficar em Po Tai Sui (quebrado pelo Tai Sui, leva facilmente a ocorrerem danos), apesar de normalmente serem amigos pois, Madeira faz nascer Fogo. Mas este ano o nativo de Cavalo nada tem a recear já que conta com cinco estrelas da sorte a protegê-lo e assim poderá ter um ano feliz e cheio de riqueza. Carreira: Sendo um parceiro excelente a trabalhar em equipa, este ano é perfeito pois consegue unir as pessoas e colocá-las a trabalhar muito bem e contentes. Tal deve-se à ajuda das estrelas da sorte Fu Xing (福星) e Tian De (天德), ambas estrelas protectoras que limpam o caminho e Fu De (福德, a trazer riqueza material e protecção pela virtude), significa que com o trabalho normal conseguirá o dobro dos resultados e sendo primoroso, com as três condições perfeitas, tempo certo, lugar certo e pessoas certas, não há dúvida, será um ano de sucesso. Nem mesmo a má estrela Juan She (卷舌, alguém a falar mal de si) lhe trará problemas. Amor: A auspiciosa super estrela da sorte Tian Xi (天喜, Alegria Celeste, a transformar pequenos infortúnios em bons acontecimentos) e a estrela da sorte Xian Chi (咸池), ambas a propiciar o casamento e a ter boas relações, faz com que todo o ano seja doce e harmonioso. Para os solteiros, havendo um duplo Lichun é perfeito para convidar a/o parceira/o a entrar na sua vida e daí poder surgir um novo membro na família. Para os casais, o melhor é fazer uma nova viagem de lua-de-mel para fortalecer a relação. Quanto aos idosos, é bom fazerem uma festa de aniversário para reunir amigos e família em convívio à sua volta a dar-lhe boas energias. Saúde: Demasiada vida social, muitas festas e comezainas, poderá levar o seu corpo a ficar fatigado, especialmente os nascidos no Verão e daí facilmente pode arranjar problemas de coração, ou um AVC. Logo, para este ano o mais importante é controlar o estômago e evitar engordar. Deve praticar exercício físico e ter atenção à saúde, pois uma vida demasiada confortável e sempre com comida saborosa é também uma espécie de doença. Os nativos de Cavalo nascidos em: 1966 – Ano para expressar completamente o seu talento e colocar a carreira numa posição elevada. 1978 – Com imensas oportunidades a chegar até si, é um ano em que trabalha arduamente, mas será bem recompensado e mesmo enfrentando alguns problemas facilmente os resolve. 1990 – Ano muito criativo, cheio de ideias, em que estará extremamente focado no trabalho, mas lembre-se de ter também uma vida familiar e de dar tempo às relações, sendo um ano perfeito para casar. 2002 – Vida socialmente muito activa, terá muita vontade de aprender tudo o que lhe aparece à frente. Os nativos solteiros terão muitas hipóteses para um bom ano amoroso.
Ana Cristina Alves Via do MeioFilosofia Clássica com Características Chinesas Não é segredo para ninguém o grande apego que os chineses têm aos seus clássicos, os Quatro Livros (四書 Sì Shū) e os Cinco Clássicos (五經Wǔjīng), bem como alguns manuais de ensino com pendor filosófico, por exemplo, o Clássico Trimétrico (《三字經》Sānzìjīng), cuja influência chegou aos nossos dias, quando devidamente ultrapassados os excessos da era revolucionária dos primórdios do poder comunista. O mais interessante é que estes se estenderam não apenas à elite bem pensante como ao comum dos chineses através do pensamento proverbial, de aforismos (格言géyán), provérbios (語俗Súyǔ), cuja tradução literal é “dizeres comuns” ou “ditos coloquiais” , bem como de histórias proverbiais, condensadas em 4 caracteres, os Chéngyǔ (成語), que têm implícito no caractere chéng (成), a meu ver, o potencial desenvolvimento da história, tantas vezes real, para a qual remetem com uma finalidade moral indisfarçável. Comecemos por provérbios retirados ao Clássico das Mutações (易經Yì jīng), onde o princípio da Unidade (同心 Tóng Xīn) se assume como valor fundamental do pensamento chinês, procurando associar este modo proverbial de apresentar a filosofia, com alcance tão vasto quanto a comunidade chinesa o permite, aos cinco elementos (五行Wǔ Xíng) constantes na filosofia chinesa, a saber: a Terra (土 Tǔ), a Madeira (木Mù) (que corresponde ao Ar no Ocidente), o Fogo (火 Huǒ), a Água (水 Shuǐ) e o Metal (金 Jīn) para que não nos percamos no que se adivinha ser labirinto dos provérbios filosóficos. Ora estes elementos são os representantes do pensamento filosófico que será condensado ritmicamente em frases sugestivas e de fácil memorização para o povo e letrados de todos os tempos. Penso que não será difícil associar um ou mais elementos a cada uma das principais escolas filosóficas clássicas que têm como ponto de partida o Clássico das Mutações, pelo menos o Confucionismo e o Taoísmo dependem diretamente desta obra. O Clássico das Mutações inaugura com o Hexagrama do Criativo, composto por dois Trigramas de Céu (乾 Qián), que nos chama a atenção para a importância do Céu e dos seus decretos como condutor essencial dos destinos humanos, desde que as pessoas o saibam entender e, por isso, lemos o seguinte provérbio “Alegremo-nos com o Céu e seus Decretos para que não nos venhamos a arrepender” (樂天知命故不憂Lè Tiān zhī Mìng gù bù yōu). O Criativo é a força divina e inspiradora, a abertura que existe em cada um de nós, sendo representado por 3 linhas contínuas, masculinas. No que respeita às transformações, é o começo, é forte, e, do ponto de vista da relação familiar, é o pai. Ele é a energia que inicia a transformação no Céu, na Terra e no Homem. A sua cor é o branco, as propriedades: a atividade, a criatividade e a firmeza, expressando-se pela razão, força e durabilidade. Corresponde-lhe em termos de corpo natural a cabeça, sendo o seu animal o cavalo, ainda que também tenha o dragão como imagem, o correspondente natural é o gelo. O Céu é, portanto, o começo, a abertura, a primeira transformação, que se vai conjugar com a segunda transformação, a Terra, para originar os restantes seis trigramas. O Céu, pelo seu poder criativo, energia e durabilidade estabelece uma estreita relação com o Metal, sendo superior a este, como verificamos no seguinte provérbio, que reitera a unidade essencial: “Quando duas pessoas se unem a sua acutilância consegue dividir o metal” (二人同心◦其利斷金◦Èr rén tóngxīn, qí lì duàn jīn), diríamos nós num equivalente possível em Português que “a União faz a força”, sendo superior à pulsão bruta. E, como não podia deixar de ser, há um provérbio para os elementos do Fogo e da Água, figurados no sol e na lua e na constante mutação que estes pelas suas relações cósmicas proporcionam “o sol e a lua girando, o calor e o frio alternando” (日月运行◦一寒一暑◦) organizam e compõem o mundo em nosso redor. Se no Clássico das Mutações encontramos vários elementos expressos através do pensamento proverbial, já na filosofia confucionista domina o elemento da Terra e a Humanidade que lhe dá o seu máximo sentido, por isso os provérbios possuem quase todos um intuito ético-moral orientado para fins políticos. A melhor terra será aquela onde foi implementado um sistema benevolente dominado pelas principais virtudes confucionistas com a Benevolência (仁Rén) em lugar de destaque. Esta expressa e associa-se à Tolerância (恕 Shù) e respeito para com os outros, sendo célebre o seguinte aforismo atribuído a Confúcio (孔子, 551-479 a.C.) no Capítulo dos Analectos Senhor Wei Ling, 24: “Não faças aos outros o que não desejas para ti” (Yǐ suǒ bù yù, wù shī yú rén) (論語•衞靈公第十五——二十四). De facto, e se pensarmos bem a Benevolência tem uma tradução prática no relacionamento com os outros onde a captamos como uma forma de tolerância, como nos é dito neste texto que acompanha o aforismo: “Zi Gong perguntou, ‘Existe alguma palavra que uma pessoa possa seguir como princípio orientador de vida? ’Confúcio respondeu: ‘Sim. Será talvez a palavra “tolerância”. Não faças aos outros o que não desejas para ti próprio’ ”. Passando agora o segundo grande mestre da Escola Confucionista, Mâncio (孟子c.372/289 a.C) encontramos ditos e histórias proverbiais na obra homónima Mencius《孟子》. A este filósofo associo sobretudo os elementos Terra e Madeira. O autor, cuja influência se prolonga pela tradição, por exemplo no manual para o ensino elementar de pendor filosófico, O Clássico Trimétrico (《三字经》) , onde podemos ler logo na primeira frase do Clássico, que terá grande repercussão a partir dos tempos medievais, a adopção do princípio filosófico fundamental de Mâncio, transformado em provérbio para toda a posteridade chinesa: “A Natureza humana é boa” (人之初、性本善Rén zhī chū, xìng běn shàn). Nos múltiplos provérbios do texto de Mâncio sempre ligados a uma mundividência agrícola, nota-se a referência a crianças que não caem aos poços, porque a bondade inata das pessoas não o permite, já que mesmo os fora-da-lei, considerados maus, se prontificarão a socorrê-las em tais circunstâncias extremas, porque são afinal naturalmente bons, ou quando o deixam de ser, não é por culpa do Céu, mas sim das más práticas humanas, tal como sucede no Monte Niu (牛山 Niú Shān) , numa parábola em que as pessoas são como árvores, que vão sendo devastadas e roubadas ao monte, que acaba deserto e, portanto, totalmente abandonado e perdido, representando já a ausência do bem. Entre os ditos, gostaria de destacar uma história proverbial, muito ligada aos elementos Terra e Madeira, para figurar mais uma vez, como a acção humana pode degradar, interromper e aniquilar uma tendência inata para o bem, na qual o Céu dita o tempo certo, a fim de que os seres se desenvolvam, bem como às suas virtudes morais. É então pelo respeito à ordem natural que todos os viventes alcançarão a sua melhor realização. O Chéngyǔ (成語) é “Ajudando os Rebentos a Crescer” (揠苗助長 Yàmiáo-zhùzhǎng), que se encontra em Gongsun Chou, Primeira parte, Segundo Capítulo (《孟子•公孫丑上篇第二章). Aqui se conta a história de um homem do Estado de Song, que muito impaciente por os brotos de arroz demorarem a crescer, foi para o arrozal, ajudá-los a desenvolverem-se, resultado, matou-os, porque a acção humana sem respeito pelo tempo da natureza acaba por ter consequências trágicas. Para Mâncio este é um exemplo claro de que somos comandados por ordem superior, através de um Mandato Celestial (天命Tianmìng), que se expressa não só em cada um de nós, na nossa natureza inata, mas também através do povo, pelo que mais importante do que os governantes será a população, já que a suas acções e reacções espontâneas se ligam a essa ordem natural divina. É o que nós ocidentais chamaríamos, mutatis mutandis, “vox populi vox dei”, ou seja, para Mâncio o povo sabe e será sempre quem tem a última palavra porque se mantém espontaneamente imerso e ligado ao Céu. Continuando, na busca filosófica com características chinesas por via proverbial, encontramos uma outra filosofia, desta feita a taoista, onde também abundam os ditos e as histórias proverbiais, e não nos deixemos enganar pelo o facto de apenas se mencionar uma outra considerada mais exemplar no que respeita à ligação entre os princípios filosóficos e os elementos que melhor traduzem o pensar filosófico destas escolas. O elemento preferido pelo alegado fundador do Taoísmo, Laozi (老子) para expressar a sua filosofia é a Água, que é empregue como imagem metafórica para representar o bem supremo, na sequência de duas outras expressões proverbiais conhecidas por todos os chineses, com as quais inaugura o Clássico da Via e da Virtude (《道德經•第一》) :“O Tao/Dao que se pode indicar não é o verdadeiro Tao. O nome que pode ser dito, não é o verdadeiro nome” (道可道,非常道。名可名,非常名Dào kě dào, fēicháng dào. Míng kě míng, fēicháng míng). Seguindo esta lógica, compreendemos por que motivo nos surge o seguinte dito no Capítulo VIII (《道德經•第八》) “O Bem Supremo é como a água” (Shàng shàn rú shuǐ). Depois, pelo desenvolvimento do texto, somos esclarecidos relativamente à imagem, porque o filósofo recorre às características deste elemento que se adequam perfeitamente à expressão da bondade máxima de acordo com o seu modo de pensar, senão vejamos, a água nutre, beneficiando todos os seres, tem uma natureza flexível, não entra em conflito, penetrando em toda a parte, mesmo nos lugares que as pessoas desprezam A Água torna-se assim a imagem modelar do bem supremo mas também do agir do Santo Taoista (聖人 Shèng Rén), que é espontaneamente bom, sendo a sua maior força a aparente fraqueza e flexibilidade, sem se impor a ninguém, nem exercer a força ou o poder, consegue que tudo siga o seu rumo natural sem que nada fique por fazer. Gostaria ainda de referir a filosofia proverbial do segundo maior filósofo taoista, Zhuangzi (莊子,396-286 a.C) onde encontramos uma aliança entre os elementos da Água e da Madeira/Ar, com predominância para os seres do ar. O melhor exemplo do espaço onírico em que Zhuangzi se move é, sem dúvida, a história proverbial “Zhuangzhou sonha que é uma borboleta”(莊周夢蝶Zhuāngzhōu-mèngdié ) , que surge no livro homónimo nos Capítulos Interiores, Segundo Capítulo, intitulado “A Uniformidade de Todas as Coisas” (《莊子•内篇•齊物論第二》), no qual o filósofo conta que sonhou ter-se transformado numa borboleta para defender a sua tese principal que há uma uniformidade essencial entre todos os seres, estes diferem apenas no acidental, mas não no essencial e, por isso, recorrendo às práticas físicas e mentais correctas se podem transformar uns nos outros, porque o essencial está na raiz o Tao, que nos nutre a todos, viabilizando qualquer transformação.. Seguindo esta lógica, apresenta-se uma outra proverbial, com a qual se estreia a obra, pelo que atente-se à importância da mesma, retirada do primeiro capítulo, intitulado “Vagueando em Absoluta Liberdade”, dos Capítulos Interiores de Zhuangzi (《莊子•内篇•逍遙遊論第一》), a saber, “No Mar do Norte Há um Peixe” (北冥有魚 Běimíng -yǒuyú), que aqui se resume:. no Mar do Norte existia um peixe muito grande chamado kun (鲲) que se metamorfoseou num pássaro igualmente grande denominado peng (鹏), esta possibilidade de mudar de elemento, da Água para a Madeira/Ar e de peixe para pássaro foi-lhe oferecida pela uniformidade básica dos seres, quer dizer, por estarmos todos dependentes da mesma raiz, o Tao, no entanto quanto maior for a metamorfose mais nos aproximamos do princípio divino e maiores maravilhas poderemos operar, mais filosóficos nos tornamos. Mas para tal é preciso criar as condições e a postura existencial correta, se não o fizermos, nasceremos e morremos peixinhos, nunca alcançaremos o nível de enorme peixe das profundezas oceânicas, nem tão pouco seremos capazes de nos transformar em enormes pássaros que percorrem o mundo vagueando a seu bel-prazer ou em total liberdade. Concluindo, observa-se nesta filosofia proverbial clássica chinesa, retirada do Clássico das Mutações e das escolas confucionista e taoista um pendor acentuado para o estabelecimento da relação com os elementos do mundo natural circundante, especialmente com os Cinco Elementos básicos, o pensador nunca está sozinho, encontra-se atento ao meio que o rodeia, expressando através de ditos, muitas vezes associados a pequenas histórias proverbiais, princípios filosóficos abstractos que assim ganham corpo, podendo mais facilmente ser transmitidos a toda a coletividade que os recebe com imenso agrado devido ao ritmo e cor naturais com que são ilustrados os fundamentos teóricos destas filosofias. Bibliografia Abreu Graça de, António (Trad e Org). 2013. Laozi. Tao Te Ching. O Livro da Via e da Virtude. Lisboa: Vega. Alves, Ana Cristina. 2005. A Sabedoria Chinesa. Casa das Letras. 《論語》1994. Analects of Confucius. Tradução. para Inglês de Lai Bo (赖波) e Xia Yu He(夏玉和) e para Chinês Moderno de Cai Xiqin (蔡希勤) 北京,華語教學出版社. 蔡志忠. 2008. 《中國思想隨身大全》Portable Chinese Classics in Comics. 台北: 英屬蓋曼群島商網路與書服份有限公司. Smith H., Arthur. 1988. Pearls of Wisdom from China. Singapura: Graham Brash. Wilhelm, Richard. 1989. I Ching or Book of Changes, versão inglesa de Cary F. Baynes, Prefácio de C.G Jung, 4ª ed. London: Arkana Penguin Books. Zhuangzi (《庄子》). 1999. Vol. I e II Tradução para Inglês de Wang Rongpei (汪榕培) e para Chinês moderno de Qin Xuqing e Sun Yongchang. (秦旭卿、孙雍长) .Hunan, Beijing: Hunan People’s Publishing House, Foreign Language Press. Referências Citação do excerto do capítulo O Senhor Wei Ling, 24, dos Analectos: 子貢問曰: “有一言而可以終身行之者乎?子曰:其恕乎!已所不欲,勿施於人” A primeira edição do Clássico Trimétrico foi compilada na dinastia Song do Sul (1127-1279 ) por Wang Yinglin (王應麟,1223-1296), tendo sido completada posteriormente até aos tempos da primeira república chinesa. Citação do excerto do capítulo VIII do Clássico da Via e da Virtude: 《上善如水˙水善利萬物˙而不争˙處衆人之所惡˙》 O excerto de Zhuangzi, retirado do Segundo Capítulo, dos Capítulos Interiores: 《昔者莊周夢為蝴蝶栩栩然蝴蝶也,自喻適志與!不知周也。俄然覺,則蘧蘧然周也。不知周之夢為蝴蝶與,蝴蝶之夢為周?週與蝴蝶,則必有分矣。此之謂物化。 》 O excerto de Zhuangzi, retirado da abertura do Primeiro Capítulo, dos Capítulos Interiores: “北冥有魚,其名為鯤,鯤之大,不知其幾千里也;化而為鳥,其名為鵬,鵬之背,不知其幾千里也。恕而飛,其翼若垂天之雲。是鳥也,海運則徒於南冥者,天池也。”
Manuel Afonso Costa Via do MeioTao Yuanming – Três poemas Tradução de Manuel Afonso Costa No 11º mês do ano yi si. Enfim! Regresso, os campos e o quintal já devem estar cobertos de mato porque não regressei mais cedo? porque deixei que o corpo abusasse da alma? é inútil ficar abatido, desiludido com a sorte pois sei que se não há remédio para o passado, é pelo menos possível tentar mudar o futuro enfim, estou certo de que não perdi o rumo ainda escolhi apenas o caminho errado, o barco desliza protegido por uma brisa suave, sinto-a através da roupa interrogo quem passa para não me perder, lamentando a indecisão matutina da luz quando de repente vislumbro sob uma luz crepuscular a cabana, minha humilde morada e logo desato a correr em viva excitação o criado jovem, alegre vem ao meu encontro, os meus filhos esperam-me na soleira da porta os caminhos foram invadidos por ervas daninhas e quase desapareceram mas os pinheiros e os crisântemos estão intactos de mãos dadas com as crianças entro em casa onde me espera um jarro de vinho na sala bebo um copo sozinho ao ver as árvores e os campos alegra-se meu coração apoiado no parapeito da janela que dá para sul mastigo um desdém imenso pelo mundo e deixo correr a felicidade quem com pouco se contenta com pouco se satisfaz ao longo dos dias por puro prazer passeio pelo jardim a cancela continua fechada de bengala na mão ando, passeio e descanso de vez em quando levanto a cabeça e olho para longe as nuvens aparecem e desaparecem, sem tréguas, no cimo das montanhas os pássaros invadidos pelo temor sabem que é a altura de voltar a casa a luz do Sol diminui, o pôr do Sol está breve encosto-me, com melancolia, a um pinheiro solitário agora sei que regressei ao lar que tudo fiz para romper com o mundo, ele e eu nunca nos demos bem para quê alimentar ilusões? Não há nada a procurar agrada-me mais uma boa conversa com a família e os amigos, gozo o qin e os livros, são eles que curam as preocupações quando a Primavera chega, os camponeses dão-me conselhos é preciso trabalhar os campos a Oeste às vezes dou uma volta numa pequena carroça outras, remo um pouco na minha barca solitária seguindo as águas mansas e serenas ou penetrando ravinas profundas, até ao inesperado de fontes silenciosas é uma maravilha o mundo com tanta beleza os ciclos inexoráveis da natureza e comovo-me ao pensar que a minha vida também se aproxima do fim, mas sem drama, É tão pouco o tempo que aos homens é dado sobre a terra, enfim, é a vida! por quanto tempo ainda? então sigamos apenas a voz do coração a gente afadiga-se, a gente agita-se, e onde é que isso nos leva!? não tenho desejos de riqueza e nem quero alcançar o céu não quero mais que aproveitar os dias, fazendo cera, e andar por aí sozinho a caminho dos cimos assobiando alegremente, por margens de ribeiros de águas límpidas ou mesmo fazendo poemas sigo o curso das coisas até ao fim, e se me regozijo com a ordem do céu o que é que pode preocupar-me deveras? Depois do incêndio a meio de Junho do ano wu sheng A minha casinha de campo ficava situada numa alameda afastada foi por minha decisão que renunciei a mordomias um dia em pleno Verão, levantou-se de súbito um vento forte e violento, as casas, rodeadas de árvores, de repente ficaram em chamas nem um só tecto, o fogo poupou só o barco diante da casa ficou para nos abrigar foi tão longa, tão longa essa noite de um Outono inesperado e a lua tão alta, tão alta e quase cheia as árvores de fruto e os legumes mal começavam a desabrochar, assustados os pássaros não regressaram no meio da noite, durante um breve espaço de tempo fiquei de pé a contemplar a distância com um golpe do olhar abracei os nove céus desde criança, com os cabelos ainda em chinó a minha pose já estava toda lá e sem dar por isso já passei os quarenta afinal o meu corpo segue o curso da natureza mas o coração mantém-se livre e íntegro, pois adamantina é a minha vocação mais dura e resistente que uma pedra de jade penso agora na época em que reinou Tung Hu , quando podíamos amontoar grão abundante na borda dos campos as pessoas, de barriga cheia, viviam então sem medo pela aurora, levantavam-se, reentravam em casa para dormir ao anoitecer uma vez que não nasci nesse tempo dourado, não há nada a fazer senão mesmo ir regar a horta. Elogio da pobreza Yuan An, encurralado pela neve, recusou pedir ajuda por orgulho Mestre Chuan, quando uma vez tentaram corrompê-lo, nesse mesmo dia abandonou o emprego, … afinal dorme-se quentinho no feno, e respigar uns grãos silvestres dá para um dia de comida pode parecer duro e penoso, é verdade mas eles não temiam nem fome nem frio pobreza e prosperidade podem ser inimigas, mas como é o tao que decide, nunca se preocuparam a virtude de um reinava no seu país natal a integridade do outro iluminava a Passagem de Oeste