O engenho do autor do Engenho de Água

Li Zhi (1059-1109), um letrado da dinastia Song do Norte que entre os seus amigos contava eminentes espíritos livres, recordados na obra Jinan Xiansheng shiyou tanji, «Discussões com mestres e amigos», escreveu sobre outros antigos pintores que o impressionaram. Como o excêntrico e engenhoso Guo Zhongshu (c.910-977), autor do rolo vertical Viagem no rio quando a neve ia clareando, no Museu do Palácio Nacional, em Taipé, uma das mais impressionantes pinturas feitas no estilo jiehua, «pintura de limites». Em 1098, ao reflectir sobre dezanove Jardins famosos de Luoyang (Luoyang mingyuan ji) elogiou-o:

«Quanto à pintura de construções arquitectónicas, torres, e pavilhões, Shuxian (seu nome alternativo) alcançou o seu próprio estilo, que era o mais maravilhoso de todos. Nas suas pinturas, as vigas dos telhados, as traves, pilares e barrotes são mostrados com espaços abertos entre eles, através dos quais nos podemos movimentar. Umbrais, lintéis, janelas e vestíbulos parece que podem realmente ser atravessados, abertos e fechados (…) E de tal modo que, ao desenhar um grande edifício tudo esta à escala e não existe a mais pequena discrepância.»

Essa sofisticação da representação que impressionava os observadores alcançaria um ponto alto numa pintura em que o modo da figuração se adequa ao objecto representado. Esse rolo horizontal, que se encontra no Museu de Xangai, o Engenho de água (tinta e cor sobre seda, 53,3 x 119,2 cm) suscita imensa admiração e está envolto em dúvidas sobre a sua autoria ou o período histórico exacto em que foi feito. Wei Xian, um pintor das Cinco dinastias (907-960), é um dos nomes de autores apontados, porém uma interpretação daquilo que está na representação indicia um tempo posterior. O desenho meticuloso leva outros autores a atribuírem a sua autoria ao polímata que foi astrónomo e engenheiro mecânico entre outros, Zhang Sixun (activo durante o século X) já na dinastia Song.

Zhang Dunli (?-1100), genro do imperador Yingzong (1032-1067), e a quem são atribuídas pinturas muito diferentes que mostram a vida despreocupada de aristocratas, como Jogando cuju num pátio como passatempo (folha de álbum, tinta e cor sobre seda, 28,2 x 29,7 cm, no Museu do Palácio Nacional, em Taipé), é outro possível autor da pintura do Engenho de água.

Nela se percebe a vontade dos imperadores Song de alardear as inovações administrativas e tecnológicas. Como a da máquina que usava a força da água movendo uma azenha para moer o arroz e outros cereais, separando os grãos comestíveis da casca. Mas, desde os planificadores que, no canto superior esquerdo, se sentam para estudar o projecto, até à taberna no canto inferior direito onde trabalhadores descansam, existe todo um sistema tão organizado e laborioso que houve quem ali visse uma representação do neidan shu, a alquimia interna do daoísmo.

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