Wang Wei e a poesia do silêncio

Wang Wei (701-761) é um grandes poetas da dinastia Tang e um dos maiores de toda a poesia chinesa. Nasceu em Qixian, província de Shanxi. Com apenas dezoito anos, obteve a aprovação nos difíceis exames imperiais que garantiam a subida ao mandarinato e ao poder. Cumpriu depois, durante quase toda a vida, o labor de funcionário ao serviço da corte. Mas adorava a natureza e, tal como Han Shan, foi um dos primeiros poetas a enveredar e a assumir o budismo chan.

Outono no lago

A água é pensativa como um céu cinzento

e o chilrear das lavadeiras ocultas pelos bambus

volteia suavemente sobre a água sem uma ruga

os salgueiros despidos miram-se em silêncio no lago

O perfume do Estio suspira e esvai-se.

Como retê-lo antes que se extinga?

tradução António Ramos Rosa

O segredo da arte de pintar

Na arte de pintar, o trabalho do pincel e da tinta é o mais perfeito porque, tendo embora a sua origem na natureza, só se conclui mediante a habilidade do criador. Assim, um pequeno quadro de algumas polegadas pode conter mil coisas, abarcar o Este e o Oeste, o Norte e o Sul. Basta um leve pincel para fazer nascer a Primavera e o Verão, o Outono e o Inverno, e todas as paisagens do mundo. Para pintar uma paisagem, é preciso concebê–la antes de empunhar o pincel.

tradução António Ramos Rosa

Na alta torre

No alto da torre, para a despedida

Rio e planície no crepúsculo se perdem.

Voltam as aves: pôr do sol

O homem caminha cada vez mais longe.

tradução Gil de Carvalho

Adeus a Yuan, o segundo,

ao partir em missão para Anxi

Na cidade de Wei, a chuva matutina

Fez assentar a poeira leve do ar.

Tudo está verde na estalagem

Verde como as folhas novas do salgueiro.

Peço-te que esvazies uma vez mais a taça

Tu vais para Oeste, além fronteiras, e não tens lá amigos.

tradução Gil de Carvalho

No pavilhão do lago

Numa pequena barca no meio do lago

o meu amigo e eu o coração alvoroçado

Alcançámos o pavilhão e sentámo-nos a beber

enquanto os lótus floresciam por todo o lado.

tradução Jorge Sousa Braga

No bosque de bambus

Sento-me solitário entre os bambus

pego no alaúde e começo a cantar

Perdido na espessura do bosque ninguém

a não ser a lua sabe onde me encontrar

tradução Jorge Sousa Braga

Despedida

Porque não desmontas do cavalo e bebes um copo?

Desiludido retiras-te para as montanhas do sul

Não tenho mais perguntas. Podes partir

Nuvens brancas se arrastam no céu azul.

tradução Jorge Sousa Braga

Na montanha

Nas águas do Ching afloram pedras brancas

Debaixo do céu frio raras folhas rubras

Trilha da montanha sem gota de chuva

O azul do vazio molha as nossas roupas

tradução Haroldo de Campos

O refúgio dos cervos

montanha vazia não se vê ninguém

ouvir só se ouve um alguém de ecos

raios do poente filtram na espessura

um reflexo ainda luz no musgo verde

tradução Haroldo de Campos

Miscelânea

Cavalheiro que vem da minha terra!

Deves saber as notícias de lá

No dia em que partiste, notaste, em frente à cortina bordada,

Se as flores das ameixeiras desabrocharam?

tradução Aristein Woo

Despedida

Aqui desmonta, bebe deste vinho.

Amigo, aonde leva teu caminho?

Ouço-te a fala em desconcerto ao mundo.

Buscas refúgio nas colinas do sul.

Sem mais perguntas; vai, não te detenhas.

Derivam nuvens brancas para sempre.

tradução Ricardo Portugal/Tan Xiao

Canção da bela de Luoyang

Habita aqui em frente a bela de Luoyang,

um rosto puro de menina de quinze anos.

O marido usa arreios de jade no cavalo baio,

os criados servem pedacinhos de carpa em pratos de ouro.

No seu lar, pavilhões vermelhos, antecâmaras pintadas,

pessegueiros rosa, salgueiros verdes debruçando-se sobre os telhados.

Ao sair, sob um véu de seda, deixa o pavilhão dos sete perfumes,

ao regressar, escondem-na leques preciosos, cortinados com nove flores.

O marido rico, jovem como a Primavera,

ultrapassa Li Jun em esplendor e fausto.

Apaixonado pela menina de Jade Verde, ensina-a a dançar,

feliz, oferece aos amigos pequenas árvores de coral.

Nasce o dia, extinguem-se as nove velas do candelabro,

as chamas esvoaçam como pétalas de flor,

não cessaram ainda jogos e canções.

Dia e noite, a gente importante da cidade

vem de visita, em reverência como às beldades de outrora.

Quem pensa na menina de Yue, de pele de jade,

pobre, ignorada, lavando roupa nas águas do rio?

tradução António Graça de Abreu

Poema mesclado

De manhã, quebrei um ramo de salgueiro,

quando vos vi na muralha da cidade.

Dizem ser eu a mais bela do reino de Zhou,

pertenço ao clã dos Qin, mas sou casada.

Minhas pulseiras de esmeralda voltam-se para vós,

na penumbra desaperto a minha camisa de seda.

Os cavaleiros chegados do leste

falam da morte do meu esposo, na guerra.

Peço-vos, sede gentil para comigo,

trazei canecas de jade, meu amigo.

tradução António Graça de Abreu

A Lua sobre o rio do Leste

A lua sai de dentro da montanha,

eleva-se, devagar, sobre o portão da casa.

Mil árvores perfuram a humidade do céu,

nuvens negras voam no espaço.

De súbito, o luar embranquecendo a floresta,

a terra respira no orvalho frio.

Águas de Outono cantam nas cascatas,

uma névoa azul paira sobre as rochas,

sombras partidas abraçam cumes vazios.

Como num sonho, tudo é transparente, puro.

De pé, à janela, diante do rio,

de madrugada, sonolento, sem pensar.

tradução António Graça de Abreu

Merendando com os monges da montanha Fu

Avançado nos anos, conheci princípios puros, claros,

hoje, cada vez mais afastado da multidão.

Espero a vinda dos monges da montanha solitária,

já varri a entrada do meu humilde lar.

Depois de picos e nuvens, ei-los por fim chegados

à pobre casa de colmo, o meu lar.

Sentados em esteiras, comemos pinhões,

queimamos incenso, lemos os sutras.

Extingue-se o dia, acendemos lanternas,

anuncia-se a noite, tocamos o qing.

Ao compreender que a quietude é fonte de alegria,

a vida concede-nos a liberdade serena.

Porquê tanta pressa em regressar?

No mundo tudo é vazio e nada.

tradução António Graça de Abreu

Para o magistrado Zhang

Gosto da quietude no entardecer dos anos,

o coração livre, ausência de mil coisas,

a alegria de voltar à velha floresta.

A brisa dos pinheiros desenlaça minhas vestes,

raios de luar acariciam o som da cítara.

Perguntas: “Qual a verdade suprema?”

Vamos ouvir, lá longe, entre os canaviais,

a canção do pescador.

tradução António Graça de Abreu

Oferecendo de beber a Pei Ti

Vem beber um copo e descansar,

os homens mudam sempre, como as ondas do mar.

Nós dois temos envelhecido juntos,

apesar dos reveses, continuamos vivos.

O primeiro a habitar uma casa de portões escarlates

pode sorrir, ao olhar os outros de chapéu na mão.

Tu sabes, basta um pouco de chuva

para reverdecer a erva dos caminhos.

O vento da Primavera é ainda frio

mas os botões das flores quase desabrocham.

Porquê tanta pergunta, tanta luta,

os negócios do mundo, as nuvens flutuantes?

Descansa, deixa fluir a vida,

e vem jantar comigo.

tradução António Graça de Abreu

Linhas

Os anos passam, eu cansado de escrever poesia,

por companhia, apenas a velhice.

Numa outra vida, o acaso fez de mim poeta,

numa outra existência, o destino fez de mim pintor.

Incapaz de lançar fora usos esquecidos,

o mundo me conhece poeta e pintor,

sabe o meu nome, identifica o meu estilo.

O meu coração ainda ninguém conhece.

tradução António Graça de Abreu

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