Garcia Leandro, ex-Governador de Macau (1974-1979): “Macau foi a antecipação do futuro” Andreia Sofia Silva - 20 Dez 2019 A sua Administração criou as bases para muito do que Macau tem hoje, incluindo a composição da Assembleia Legislativa. O trabalho foi tanto, com a implementação do Estatuto Orgânico de Macau, que o General Garcia Leandro teve um esgotamento. Duas décadas depois da transição, o ex-Governador defende que houve um certo desconhecimento por parte de alguns negociadores chineses face às especificidades de Macau, enquanto que, da parte dos portugueses, houve falta de estabilidade política. Hoje é presidente da Fundação Jorge Álvares [dropcap]O[/dropcap] início desta fundação ficou marcado por uma polémica, pois Jorge Sampaio não concordou com a sua criação. 20 anos depois, a fundação ainda vive à sombra disso? Tenho muito pena que essa polémica tenha existido, principalmente por ter envolvido duas pessoas que trabalharam muito por Portugal: o último Governador, general Vasco Rocha Vieira, e o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio. Mas a fundação também sofreu com o que vinha detrás, ou seja, a polémica com a Fundação Oriente (FO). Mas não me incomodam nada essas coisas conjunturais de há 20 anos. O que me interessa são os objectivos da fundação e estes passaram por criar um conjunto, composto pela fundação e outras instituições, que permitisse reforçar as ligações com Macau e com a China para o futuro. Na perspectiva do último Governador de Macau, [a fundação olhava para] o trabalho que foi feito até ao dia 20 de Dezembro de 1999, mas também servia projectar o futuro. Até porque, de todos os antigos territórios ultramarinos, Macau foi aquele cuja saída foi feita da melhor forma e com mais dignidade, com uma relação óptima entre Portugal e a China que foi um exemplo para o mundo. Não tem comparação com o que se passou em Hong Kong. Criou-se uma uma instituição científica, histórica e académica aqui, [o Centro Cultural e Científico de Macau], o Instituto Internacional de Macau (IIM) e a fundação. Temos vindo a reforçar muito as relações com a China e Macau. Os chineses, na Administração da RAEM, têm estado todos connosco. A senhora O Tin Lin [chefe da delegação económica e comercial de Macau em Lisboa] trabalhou connosco, e agora vem o novo representante da RAEM em Lisboa, o doutor Alexis Tam, que tem uma influência local muito importante. Macau foi, ao longo da história, a antecipação do futuro, porque foi sempre uma mistura de toda a gente. Fazia parte do império comercial do Oriente, composto por Goa, Malaca, Macau, Cantão e o Japão. Durante muito tempo só se entrava na China através de Macau, e não se passava de Cantão. Isso só se perde quando os ingleses, depois da Guerra do Ópio, em 1841 ou 1842 ocupam Hong Kong e começa-se a perder a influência portuguesa, e Macau começou a perder importância. O que é espantoso é que volta a ganhar importância depois do 25 de Abril de 1974. Como? Foi o que eu vivi, numa época muito, muito difícil politicamente, financeiramente… tudo era difícil. Havia instabilidade, medo. O Estatuto Orgânico de Macau (EOM) de 1976 é o que dá a grande estabilidade porque deu autonomia administrativa, política, financeira e económica a Macau. Criaram-se condições para localmente se poder gerir os interesses de Macau sem ter de pedir tudo a Lisboa. Isso através do Governador e da Assembleia Legislativa (AL). Isso fez de Macau um novo interposto comercial. Sim. Por exemplo, as corridas de cavalos, a universidade, ambos na Taipa. Foram ambos contratos meus. Eu não tive de pedir a Lisboa, mas se tivesse de pedir nunca mais tínhamos cavalos nem a universidade. O EOM nunca foi alterado e teve sequência ao longo dos anos através dos governadores portugueses e muita coisa nunca foi alterada pelos chineses. O EOM trouxe uma AL semi-eleita, com o presidente eleito pelos seus pares. Fez-se a indexação da pataca ao dólar de Hong Kong e foi a questão da Autoridade Monetária e Cambial. E fiz uma reforma tributária, em 1977 e 1978, que não cheguei a acabar. Quando fui lá em 2011 ainda não tinham mudado. As forças de segurança também continuam com as mesmas bases. Mesmo a Lei Básica foi beber muito ao EOM, com as devidas actualizações. A grande alteração que o Governo da RAEM fez foi a liberalização do jogo. O Governo da RAEM não resolveu todos os problemas sociais, nomeadamente a habitação, que ainda é muito complicado, porque ou há um tecido urbano que está muito envelhecido ou há um tecido urbano mais moderno sujeito a uma grande especulação imobiliária. Numa recente palestra em Lisboa, onde esteve presente, Jorge Rangel, presidente do IIM, falou da possibilidade de ocorrência de protestos em Macau caso não haja soluções para a habitação. É. Ele aqui já tinha alertado para o facto de os problemas de Hong Kong serem, antes dos estudantes e da lei da extradição, a especulação imobiliária e o descontentamento daquelas pessoas perante a impossibilidade de pagar rendas. Esse problema pode surgir em Macau se não for resolvida a questão da habitação e julgo que o Governo de Macau já percebeu isso, tal como também não vai fazer uma proposta de lei da extradição. São coisas que perceberam que não podem fazer. Voltando ao EOM. O deputado Sulu Sou chegou a defender o fim da composição do hemiciclo instituída com a sua Administração. Vinte anos depois haverá espaço para um aumento dos deputados eleitos pela via directa? Não me quero meter em assuntos que são responsabilidade do Governo local. Mas posso explicar porque é que fiz daquela maneira. Quando se dá o 25 de Abril e depois se faz o EOM, há um grande choque, com a comunidade portuguesa e chinesa. Em primeiro lugar a comunidade chinesa não estava habituada a entrar na vida política activa. Não havia votos, na altura? Havia um partido único, a Acção Nacional Popular, e antes do 25 de Abril a União Nacional, e apenas os portugueses votavam. Quando disse “vamos votar”, consultei todos os que podia consultar e diziam-me que as pessoas não iam votar a sério se fosse pelo sufrágio directo, que tinha de se inventar outra maneira de levar os chineses para a política. Os chineses têm uma grande actividade associativa, e foi através das associações que se conseguiu trazer as pessoas para votar. Arranjaram-se então uns votos por sufrágio directo, outros votos pelas associações em representação de interesses económicos, culturais. Depois sou avisado de outra coisa, de que não iriam aparecer jovens, mulheres ou pessoas independentes em relação ao poder económico”. Para os lugares que ficaram para o Governador nomear, escolhi pessoas realmente independentes. Mas isso foi feito no tempo da Administração portuguesa quando aquela gente não estava habituada a votar e os portugueses estavam habituados a um partido único. Isso manteve-se até final da Administração portuguesa, e a diferença que fizeram foi aumentar o número de deputados. A estrutura é a mesma. Com a Administração chinesa é mais uma situação que ainda não mudaram. Porquê? Não vou comentar porque é estar a meter foice em seara alheia. Vamos esperar. Muito se fala das diferenças em termos de civismo e cultura política entre Macau e Hong Kong. Essa ausência de eleições foi o grande contributo para esse alheamento existente em Macau? Em Hong Kong era pior, não havia votos. Os membros dos Conselho Legislativo e Executivo eram todos nomeados por escolha do Governo ou por inerência, só havia dois lugares eleitos nas câmaras municipais. Fizemos o EOM em 1976 e quando Hong Kong tenta ter um parlamento eleito é 20 anos depois, quando os ingleses estão quase a sair de lá. Então como explica estas diferenças? Hong Kong tem uma maior massa crítica pois são sete milhões de pessoas. Além disso, Hong Kong tem uma grande presença de empresas estrangeiras e de turistas. A população jovem na China, Macau e Hong Kong está a ser cada vez mais educada. E os jovens são relativamente fáceis de mobilizar para ideais colectivos e sentem que querem ter alguma independência da China. Eles têm uma autonomia mas não deixam de ser parte da China. O acordo assinado entre o Reino Unido e a China, bem como entre Portugal e a China, determina que os territórios são China, com autonomia, mas isso não significa que não se devam ter boas relações com o país. A China evoluiu muito rapidamente e deu um salto muito grande com “Um País, Dois Sistemas”. Não só começa a afirmar-se como potência mundial, com a política “Uma Faixa, Uma Rota”, como começa a ter inimigos e a China percebe isso. Como deve ser a resposta a isso? Nunca houve na história mundial um Governo a governar 1,4 milhões de habitantes. E como raciocinam? De uma maneira simples: a China pensa que ninguém vai atacar o país frontalmente, mas podem actuar nos pontos fracos, que são as economias mistas e autonomias mistas, e aí Macau e Hong Kong aparecem como áreas sensíveis. Os chineses estão extremamente preocupados com o que pode acontecer aí. Tudo estava bem até o Governo de Hong Kong decidir apresentar a proposta de lei da extradição. Querem eleger também o Chefe do Executivo pelo sufrágio directo e universal. Tudo bem, mas é um problema que não é nosso, nem temos de andar a fazer comparações ou a extrapolar. Até porque a Lei Básica de Macau não prevê o sufrágio universal. A de Hong Kong também não. Aliás, as negociações sobre o futuro de Macau começaram depois das de Hong Kong. Os chineses quiseram copiar muitas coisas do processo de Hong Kong e foi através de nós que as coisas foram corrigidas, mas aí não se deixou de manter o sistema de que não eram eleitos. [O Chefe do Executivo] pode vir a ser [eleito pelo sufrágio universal], mas dentro de regras que não sabemos quais são. Mas uma coisa é certa: a China vai-se enquadrando cada vez mais no mundo e adaptando-se. No período de descolonização, em 1975, consta que elaborou um relatório sobre o facto de algumas forças partidárias em Portugal defenderem a entrega de Macau. Confirma isso? Comigo não houve diálogo nenhum. Não produzi qualquer relatório sobre o assunto. Nunca o assunto foi falado comigo, nunca Macau entrou na comissão de descolonização da ONU, onde havia representantes para o antigo Ultramar. Há mais de 40 anos que ando a tentar saber quem é que teve essas conversas. Não sei, não encontro. Um dia falei com duas pessoas que estão citadas no meu livro, o professor Veiga Simão, embaixador da ONU em 1974-1975, e perguntei-lhe se tinha tratado de alguma coisa. Disse-me que não. Anos mais tarde, em 2009, apareceu um professor chinês do Canadá que me parecia ser um especialista sobre o assunto, e perguntei se existia alguma conversação. Ele disse-me que não sabia de nada. Se houve alguma coisa foi de modo informal na ONU. Até porque os representantes portugueses tinham bem a noção, quer Almeida Santos quer o General Costa Gomes do caso muito específico de Macau. E a China, em 1972, tinha dito que Macau e Hong Kong não eram assunto para o comité de descolonização, que eram um assunto para resolver com o tempo, através das relações bilaterais entre Portugal e a China. O dizer que não entrava para o comité de descolonização queria dizer: “isto [Macau e Hong Kong] não será independente, é nosso”. Os dois casos de Macau e Hong Kong são completamente diferentes, até na sua história. Em que sentido? Entrámos em Macau no século XVI, a maioria da população era chinesa, mas Hong Kong foi ocupada depois de uma guerra. Não existia nada em Macau, era terra de ninguém. Pagávamos renda e em 19877 deixámos de pagar e ficámos sem futuro definido. Quando é que aquilo acabava? Não estava escrito. Os ingleses conquistaram Hong Kong e depois Kowloon mas esse espaço era relativamente pequeno, então ocuparam os Novos Territórios. Mas deixaram no contrato com a China de que a sua permanência nos novos territórios só durava até 1 de Julho de 1997. A senhora Tatcher, em 1982, vai a Pequim pedir para continuar além deste período, mas Deng Xiaoping deu-lhe a resposta óbvia: “nem pense nisso”. As duas histórias de Macau e Hong Kong são completamente diferentes, até no relacionamento com a população, não tem nada a ver. Por isso é que as nossas negociações correram melhor, também porque nós Portugal não tínhamos grandes interesses económicos a defender em Macau. Não tínhamos grandes empresas portuguesas, apenas tínhamos o BNU. Mas os ingleses tinham muitos interesses económicos e por isso são mais difíceis as negociações. A transição fez-se então no momento certo. Os chineses estavam muito interessados em resolver o problema de Taiwan, Hong Kong e Macau. E por uma questão de respeito e consideração pelos mais pequenos, a vontade deles era resolver Taiwan primeiro, mas as coisas não correram bem porque foi muito apoiado pelos americanos, muito desenvolvido economicamente e armado e tornou-se muito autónomo da China. Com Hong Kong tinham o limite de 1997. Quando as negociações começam, o doutor Mário Soares, na altura Presidente da República, queria passar o final para o ano 2000. Os chineses disseram que tudo aquilo tinha de acabar antes do ano 2000. Foi na altura possível, dentro de uma lógica histórica que são as mudanças da história, que não é imutável. Se tivesse de apontar erros de parte a parte, quais apontaria, no processo de transição? Os erros que houve da nossa parte foi alguma instabilidade da governação. Alguns escândalos que houve. O caso do fax de Macau, por exemplo. Sim, mas antes disso. O Governador Almeida e Costa dissolveu a AL, Pinto Machado esteve lá pouco tempo. Houve vários problemas e houve sempre um certo rumor e desconfiança de escândalos financeiros, corrupção. Da parte da China houve estabilidade mas houve um erro de percepção, pois os negociadores queriam tratar do processo da mesma maneira que trataram em Hong Kong, mas foram corrigindo a pouco e pouco. Nós mantivemos, com os últimos governadores, começando por mim, uma sequência de governação. Depois com acidentes de percurso, as pessoas e os problemas mudam. A China tratou cuidadosamente de Portugal mas com algum desconhecimento de qual era a especificidade de Macau e dos portugueses e estavam a tentar copiar o modelo de Hong Kong. Ficou sempre essa ideia de uma administração portuguesa corrupta em Macau? Há muita coisa feita pela comunicação social. Pode-se ter 40 pessoas muito boas, mas se tiver duas ou três que falham são essas que aparecem nos jornais. Isso passou-se em Macau e em Portugal também. A imprensa é livre, e controlar a imprensa é das piores coisas que se pode fazer, porque acaba sempre mal.
RAEM, 20 anos | O relatório “secreto” sobre os meses que antecederam a transferência Andreia Sofia Silva - 20 Dez 201926 Dez 2019 Em Outubro de 1999 dois representantes da Casa Civil do Presidente da República deslocaram-se a Macau para acompanhar os preparativos da cerimónia e avaliar o ambiente vivido às portas da transição. O relatório oficial revela laivos de esperança, uma redução do “clima de intriga” e a possibilidade de os chineses poderem aguardar pelos julgamentos dos líderes das seitas para “ensaiarem avaliações públicas negativas” sobre o sistema de justiça deixado pelos portugueses [dropcap]A[/dropcap] dois meses do dia 20 de Dezembro de 1999 ainda muito havia a fazer para que a cerimónia da transferência de soberania corresse sem sobressaltos. Para se ter uma ideia, entre os dias 11 e 17 de Outubro desse ano, faltavam questões como, por exemplo, fechar a lista de convidados nacionais e estrangeiros para a cerimónia, entre outras questões protocolares. A informação consta num relatório, intitulado “Notas sobre a deslocação a Macau”, assinado por Pedro Reis e António Manuel, da Casa Civil do Presidente da República, e que consta nos arquivos da Presidência da República, em Lisboa. O documento, consultado pelo HM, revela ainda que nessa visita esteve também presente a primeira dama, Maria José Rita, mulher de Jorge Sampaio. “O doutor Eurico Pais foi nomeado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) como o ‘Mestre de Cerimónias’ e responsável por toda a parte protocolar. Chamou-nos a atenção para algumas dificuldades que têm fundamentalmente a ver com a definição urgente da lista de convidados, nacionais e estrangeiros, para iniciar o respectivo ‘seating’ de todas as cerimónias.” O relatório da Presidência dá ainda conta que “a parte logística não era um ‘ponto forte’ do MNE”, pelo que “talvez fosse bom perceber o que se espera da Presidência e, mais importante, definir o que realmente da nossa parte há a fazer.” “Ficámos com algumas preocupações em relação à parte protocolar. Julgamos que poderá ser, neste sector, que os problemas surjam”, acrescenta-se. Houve também duas reuniões com João Costa Antunes, à data responsável pelo Gabinete da Transferência. “Tivemos a sensação de que o gabinete funciona bem, sabe, em rigor, o que tem de fazer, e as obras relativas às infra-estruturas necessárias estão a decorrer dentro de todos os prazos. Houve o cuidado de contratar como consultor o responsável pelas cerimónias de Hong Kong que, segundo o gabinete de cerimónias de Macau, tem sido uma ajuda preciosa em termos de informações, evitar erros cometidos e melhoramento de aspectos específicos”, aponta o relatório. Menos “intriga” Mas nem só de questões protocolares se fez esta visita. O relatório dá conta da realização de encontros não apenas com o gabinete do Governador, Vasco Rocha Vieira, mas com jornalistas do território. Os responsáveis da Casa Civil dizem ter percepcionado uma mudança de ambiente junto da comunidade portuguesa. “Destes contactos resultou uma ideia geral de que a situação está bastante mais distendida e o clima de intriga abrandou substancialmente. ‘Há menos portugueses’, ironizou José Rocha Dinis”, época director do Jornal Tribuna de Macau, hoje seu administrador. O documento dá também conta que, à época, “era muito comum a ideia de que o facto de os chineses terem reforçado as medidas de controlo da fronteira contribuiu para o desaparecimento do clima de insegurança que, de algum modo, alimentava o mau ambiente do território”. “Uma mudança muito significativa em relação ao ambiente que se vive é a de um grande cepticismo em relação ao futuro ter sido substituído por uma moderada esperança”, lê-se ainda no relatório. A justiça e as seitas Outro ponto destacado pelo documento dá conta do início dos julgamentos “dos principais acusados das seitas”, onde se inclui de Wan Kuok Koi, também conhecido como o “Dente Partido” e ex-líder da 14K, detido em Maio de 1998 e condenado a 23 de Novembro de 1999. Estes julgamentos fizeram com que, em 1999, a justiça fosse o tema que alimentava “as principais controvérsias”. “Numa ‘terra de advogados’ é natural que as questões de justiça sejam sempre muito discutidas e, raramente, de forma isenta. É evidente que o ideal seria o decurso dos julgamentos ter um ritmo tão rápido quanto possível para assegurar justiça e um desfecho inquestionável face às provas reunidas (que aliás não parecem ser tão impenetráveis quanto seria desejável)”, refere o relatório. O documento deixa ainda um aviso: “Os chineses parecem muito atentos ao decurso destes julgamentos para ensaiaram avaliações públicas negativas quanto ao sistema de justiça que deixamos no território.” No encontro com os jornalistas foi também levantado o problema da Teledifusão de Macau (TDM), uma vez que a estação, apesar de ter contratos assinados até 2004, acumulava “prejuízos muito sérios”, além de que “o nível de audiência dos canais portugueses é residual”. Uma questão de presidentes No encontro com os funcionários da Casa Civil os jornalistas presentes também discutiram presença de Jorge Sampaio na cerimónia de transferência. “Ninguém duvida [dela]”, lê-se. “[Os jornalistas] percebem o ‘esforço’ de negociação face aos chineses. Não garantem que essa pressão seja suficiente, mas acreditam que os chineses estão dispostos a ‘fechar’ bem o processo, pelo que haverá acordo e visita do Presidente da República.” No encontro com o Gabinete do Governador, foram discutidas questões colocadas pela Presidência da República Popular da China (RPC). Questionava-se “se o Presidente da República de Portugal estará à chegada do Presidente da RPC, dando-se o inverso na cerimónia de partida do Presidente português”. O Gabinete de Vasco Rocha Vieira afirmava que seria “de ponderar esta hipótese”, em nome da “amizade luso-chinesa”. As autoridades chinesas sugeriram também “o estudo da hipótese de um encontro entre os dois presidentes, bem como a possível participação do presidente chinês na cerimónia portuguesa. Sendo desejo dos chineses a presença do Presidente da República na cerimónia chinesa, então deveria a delegação chinesa estar, igualmente, presente na cerimónia portuguesa”. Num documento datado de 10 de Dezembro de 1999, já se encontrava definido o programa oficial a cumprir por Jorge Sampaio, que chegou a Macau no dia 17, partindo já no dia 20, às 00h30, para Banguecoque. Nesse dia, Jorge Sampaio falaria numa cerimónia que constituía “um momento essencial e único da História de Macau”. Para Portugal não se tratava “apenas, de realizar, de forma solene, a transferência para a RPC do exercício de soberania sobre Macau, mas de com essa transferência reafirmar, perante a comunidade internacional, o seu empenho solidário no futuro do território, no quadro do estatuto de autonomia garantido pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa”. Vasco Rocha Vieira despedia-se do território com poesia. “Saudade de Macau. Saudade do seu futuro. Até sempre.”
RAEM, 20 anos | O relatório “secreto” sobre os meses que antecederam a transferência Andreia Sofia Silva - 20 Dez 2019 Em Outubro de 1999 dois representantes da Casa Civil do Presidente da República deslocaram-se a Macau para acompanhar os preparativos da cerimónia e avaliar o ambiente vivido às portas da transição. O relatório oficial revela laivos de esperança, uma redução do “clima de intriga” e a possibilidade de os chineses poderem aguardar pelos julgamentos dos líderes das seitas para “ensaiarem avaliações públicas negativas” sobre o sistema de justiça deixado pelos portugueses [dropcap]A[/dropcap] dois meses do dia 20 de Dezembro de 1999 ainda muito havia a fazer para que a cerimónia da transferência de soberania corresse sem sobressaltos. Para se ter uma ideia, entre os dias 11 e 17 de Outubro desse ano, faltavam questões como, por exemplo, fechar a lista de convidados nacionais e estrangeiros para a cerimónia, entre outras questões protocolares. A informação consta num relatório, intitulado “Notas sobre a deslocação a Macau”, assinado por Pedro Reis e António Manuel, da Casa Civil do Presidente da República, e que consta nos arquivos da Presidência da República, em Lisboa. O documento, consultado pelo HM, revela ainda que nessa visita esteve também presente a primeira dama, Maria José Rita, mulher de Jorge Sampaio. “O doutor Eurico Pais foi nomeado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) como o ‘Mestre de Cerimónias’ e responsável por toda a parte protocolar. Chamou-nos a atenção para algumas dificuldades que têm fundamentalmente a ver com a definição urgente da lista de convidados, nacionais e estrangeiros, para iniciar o respectivo ‘seating’ de todas as cerimónias.” O relatório da Presidência dá ainda conta que “a parte logística não era um ‘ponto forte’ do MNE”, pelo que “talvez fosse bom perceber o que se espera da Presidência e, mais importante, definir o que realmente da nossa parte há a fazer.” “Ficámos com algumas preocupações em relação à parte protocolar. Julgamos que poderá ser, neste sector, que os problemas surjam”, acrescenta-se. Houve também duas reuniões com João Costa Antunes, à data responsável pelo Gabinete da Transferência. “Tivemos a sensação de que o gabinete funciona bem, sabe, em rigor, o que tem de fazer, e as obras relativas às infra-estruturas necessárias estão a decorrer dentro de todos os prazos. Houve o cuidado de contratar como consultor o responsável pelas cerimónias de Hong Kong que, segundo o gabinete de cerimónias de Macau, tem sido uma ajuda preciosa em termos de informações, evitar erros cometidos e melhoramento de aspectos específicos”, aponta o relatório. Menos “intriga” Mas nem só de questões protocolares se fez esta visita. O relatório dá conta da realização de encontros não apenas com o gabinete do Governador, Vasco Rocha Vieira, mas com jornalistas do território. Os responsáveis da Casa Civil dizem ter percepcionado uma mudança de ambiente junto da comunidade portuguesa. “Destes contactos resultou uma ideia geral de que a situação está bastante mais distendida e o clima de intriga abrandou substancialmente. ‘Há menos portugueses’, ironizou José Rocha Dinis”, época director do Jornal Tribuna de Macau, hoje seu administrador. O documento dá também conta que, à época, “era muito comum a ideia de que o facto de os chineses terem reforçado as medidas de controlo da fronteira contribuiu para o desaparecimento do clima de insegurança que, de algum modo, alimentava o mau ambiente do território”. “Uma mudança muito significativa em relação ao ambiente que se vive é a de um grande cepticismo em relação ao futuro ter sido substituído por uma moderada esperança”, lê-se ainda no relatório. A justiça e as seitas Outro ponto destacado pelo documento dá conta do início dos julgamentos “dos principais acusados das seitas”, onde se inclui de Wan Kuok Koi, também conhecido como o “Dente Partido” e ex-líder da 14K, detido em Maio de 1998 e condenado a 23 de Novembro de 1999. Estes julgamentos fizeram com que, em 1999, a justiça fosse o tema que alimentava “as principais controvérsias”. “Numa ‘terra de advogados’ é natural que as questões de justiça sejam sempre muito discutidas e, raramente, de forma isenta. É evidente que o ideal seria o decurso dos julgamentos ter um ritmo tão rápido quanto possível para assegurar justiça e um desfecho inquestionável face às provas reunidas (que aliás não parecem ser tão impenetráveis quanto seria desejável)”, refere o relatório. O documento deixa ainda um aviso: “Os chineses parecem muito atentos ao decurso destes julgamentos para ensaiaram avaliações públicas negativas quanto ao sistema de justiça que deixamos no território.” No encontro com os jornalistas foi também levantado o problema da Teledifusão de Macau (TDM), uma vez que a estação, apesar de ter contratos assinados até 2004, acumulava “prejuízos muito sérios”, além de que “o nível de audiência dos canais portugueses é residual”. Uma questão de presidentes No encontro com os funcionários da Casa Civil os jornalistas presentes também discutiram presença de Jorge Sampaio na cerimónia de transferência. “Ninguém duvida [dela]”, lê-se. “[Os jornalistas] percebem o ‘esforço’ de negociação face aos chineses. Não garantem que essa pressão seja suficiente, mas acreditam que os chineses estão dispostos a ‘fechar’ bem o processo, pelo que haverá acordo e visita do Presidente da República.” No encontro com o Gabinete do Governador, foram discutidas questões colocadas pela Presidência da República Popular da China (RPC). Questionava-se “se o Presidente da República de Portugal estará à chegada do Presidente da RPC, dando-se o inverso na cerimónia de partida do Presidente português”. O Gabinete de Vasco Rocha Vieira afirmava que seria “de ponderar esta hipótese”, em nome da “amizade luso-chinesa”. As autoridades chinesas sugeriram também “o estudo da hipótese de um encontro entre os dois presidentes, bem como a possível participação do presidente chinês na cerimónia portuguesa. Sendo desejo dos chineses a presença do Presidente da República na cerimónia chinesa, então deveria a delegação chinesa estar, igualmente, presente na cerimónia portuguesa”. Num documento datado de 10 de Dezembro de 1999, já se encontrava definido o programa oficial a cumprir por Jorge Sampaio, que chegou a Macau no dia 17, partindo já no dia 20, às 00h30, para Banguecoque. Nesse dia, Jorge Sampaio falaria numa cerimónia que constituía “um momento essencial e único da História de Macau”. Para Portugal não se tratava “apenas, de realizar, de forma solene, a transferência para a RPC do exercício de soberania sobre Macau, mas de com essa transferência reafirmar, perante a comunidade internacional, o seu empenho solidário no futuro do território, no quadro do estatuto de autonomia garantido pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa”. Vasco Rocha Vieira despedia-se do território com poesia. “Saudade de Macau. Saudade do seu futuro. Até sempre.”
Carlos Gaspar: “Tínhamos garantias de que Pequim estava preparado para cumprir ‘Um País, Dois Sistemas’” Andreia Sofia Silva - 20 Dez 2019 [dropcap]O[/dropcap] actual presidente do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, e ex-assessor de Jorge Sampaio para a questão de Macau, Carlos Gaspar, recordou ao HM que, apesar de Portugal ter “aceite livremente” o acordo que deu origem à transferência de poderes de administração do território de Macau para a China, “foi difícil” para o país “ter perdido” o território. “Há uma história que contam para explicar porque é que a Rainha de Inglaterra não foi a Hong Kong. É uma frase prosaica, de um oficial da armada britânica, que diz que o seu soberano não gosta de dar coisas a ninguém. E nós também não”, acrescentou Carlos Gaspar. Carlos Gaspar assegurou ainda que, não fosse a abertura económica da China, não haveria a transferência de administração de Macau e Hong Kong. “A transferência de poderes em Macau e Hong Kong foi possível porque houve um período de liberalização do regime comunista na República Popular da China com Deng Xiaoping, e é nesse contexto que essa transferência de poderes é admissível.” “Quando assinámos os acordos que definem o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’, tínhamos garantias suficientes de que o regime político em Pequim estava preparado para cumprir esse princípio, e continuamos a acreditar que seja assim”, frisou Carlos Gaspar. Macau no conflito sino-soviético No seu mais recente livro, “O Regresso da Anarquia – Os Estados Unidos, a China, a Rússia e a ordem internacional”, Carlos Gaspar recorda como Macau era uma questão “relevante” no conflito sino-soviético. “Os soviéticos acusavam os chineses de permitirem, ao contrário dos indianos, que tinham expulsado os portugueses de Goa pela força, que a China tolerava os colonialistas portugueses em Macau e era uma questão sensível.” No entanto, aquando do 25 de Abril de 1974, a que se seguiu um período de descolonização em África, “nunca houve forças políticas portuguesas que defendessem a devolução de Macau à China”. “O Partido Comunista Português (PCP) poderia ter levantado essa questão para embaraçar a China, pois estávamos em pleno conflito sino-soviético, mas o PCP não o fez de forma aberta. Não temos nenhuma indicação de que pessoas concertas defenderam essa posição em Macau ou que tivessem instruções políticas para o fazer. Mas talvez um dia venhamos a ter”, frisou Carlos Gaspar.
Carlos Gaspar: "Tínhamos garantias de que Pequim estava preparado para cumprir ‘Um País, Dois Sistemas’” Andreia Sofia Silva - 20 Dez 2019 [dropcap]O[/dropcap] actual presidente do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, e ex-assessor de Jorge Sampaio para a questão de Macau, Carlos Gaspar, recordou ao HM que, apesar de Portugal ter “aceite livremente” o acordo que deu origem à transferência de poderes de administração do território de Macau para a China, “foi difícil” para o país “ter perdido” o território. “Há uma história que contam para explicar porque é que a Rainha de Inglaterra não foi a Hong Kong. É uma frase prosaica, de um oficial da armada britânica, que diz que o seu soberano não gosta de dar coisas a ninguém. E nós também não”, acrescentou Carlos Gaspar. Carlos Gaspar assegurou ainda que, não fosse a abertura económica da China, não haveria a transferência de administração de Macau e Hong Kong. “A transferência de poderes em Macau e Hong Kong foi possível porque houve um período de liberalização do regime comunista na República Popular da China com Deng Xiaoping, e é nesse contexto que essa transferência de poderes é admissível.” “Quando assinámos os acordos que definem o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’, tínhamos garantias suficientes de que o regime político em Pequim estava preparado para cumprir esse princípio, e continuamos a acreditar que seja assim”, frisou Carlos Gaspar. Macau no conflito sino-soviético No seu mais recente livro, “O Regresso da Anarquia – Os Estados Unidos, a China, a Rússia e a ordem internacional”, Carlos Gaspar recorda como Macau era uma questão “relevante” no conflito sino-soviético. “Os soviéticos acusavam os chineses de permitirem, ao contrário dos indianos, que tinham expulsado os portugueses de Goa pela força, que a China tolerava os colonialistas portugueses em Macau e era uma questão sensível.” No entanto, aquando do 25 de Abril de 1974, a que se seguiu um período de descolonização em África, “nunca houve forças políticas portuguesas que defendessem a devolução de Macau à China”. “O Partido Comunista Português (PCP) poderia ter levantado essa questão para embaraçar a China, pois estávamos em pleno conflito sino-soviético, mas o PCP não o fez de forma aberta. Não temos nenhuma indicação de que pessoas concertas defenderam essa posição em Macau ou que tivessem instruções políticas para o fazer. Mas talvez um dia venhamos a ter”, frisou Carlos Gaspar.
RAEM, 20 anos | Os grandes desafios para o novo Governo de Macau Hoje Macau - 20 Dez 2019 [dropcap]M[/dropcap]acau inicia 2020 com um novo Governo que terá de estancar as perdas no jogo, a recessão económica e dotar efectivamente o território para a aventura da Grande Baía. Com o ano a acabar e depois de dois anos consecutivos de subida das receitas em mais de uma décima, as previsões apontam que a capital mundial do jogo, e único local na China onde os casinos são permitidos, registe perdas a rondar os 2,5%. A diminuição do crescimento chinês, a guerra comercial travada entre China e Estados Unidos e a diminuição do investimento justificada pela incerteza do fim das licenças de jogo em 2022 contribuíram para que Macau registasse uma contração nos três primeiros trimestres do ano, entrando assim em recessão técnica. A este quadro junta-se a recessão económica sentida no vizinho Hong Kong, um dos principais centros financeiros mundiais, provocados por mais de seis meses de protestos pró-democracia que desafiam diariamente Pequim e o Governo local. É este o cenário que dá as boas-vindas ao novo executivo liderado por Ho Iat Seng, que toma possa no dia 20 de dezembro, o mesmo dia das celebrações dos 20 anos da passagem da administração do território de Portugal para a China. Apesar destes números pouco animadores, Ho Iat Seng não vai receber ‘um presente envenenado’ do seu antecessor que esteve dez anos à frente do executivo, Chui Sai On: Macau tem significativas reservas orçamentais (suficientes para sustentar cerca de sete anos de despesa pública), uma taxa de desemprego de cerca de 1,8%, um PIB per capita de mais de 82.000 dólares (73.940 euros) em 2018, uma sociedade apolítica e genericamente satisfeita com estabilidade social, económica e segurança pública e, por isso, com um risco reduzido de ser contagiada com o ‘vírus pró-democracia’ da vizinha Hong Kong. Licenças para jogar Em relação ao jogo, a única indústria que faz mover a economia do território, Ho Iat Seng já se comprometeu a rever a legislação e a definir o número de licenças de concessão pós-2022, data em que terminam as actuais licenças (seis operadores exploram o jogo em Macau, três concessionárias e três subconcessionárias, metade chinesas e outra metade com maioria de capital norte-americano). A obrigação de diversificar Enquanto a indefinição sobre o futuro da indústria do jogo permanecer, a diversificação económica, um dos chavões dos anos recentes que na prática não saiu do papel, será uma figura importante na política do novo Governo. O objectivo passa pela diversificação da estrutura industrial, apoiar as pequenas e médias empresas, melhorar a qualidade dos recursos humanos, fomentar indústrias de alta tecnologia e incentivar o regresso de talentos a Macau e reforçar a aposta do território como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. Para esta função, Ho nomeou um novo titular da pasta para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong. Apesar de um dos objetivos passar por melhorar os indicadores das atividades não associadas ao jogo, Ho Iat Seng já assumiu a primazia aos ‘resorts’ integrados do território – apostando em gastronomia, entretenimento, festivais, conferências e exposições, de forma a tornar Macau num destino turístico mais alargado. Uma tarefa que se avizinha difícil, já que o jogo representou em 2018 mais de 90% das receitas das concessionárias (37,44 mil milhões de euros) que controlam os ‘resorts’ integrados do território. Baía da sorte Para 2020, a Grande Baía deverá também ser uma das grandes apostas do elenco governativo para tomar as rédeas da diversificação económica. “Espero e acredito que o Executivo se unirá para liderar Macau e todos os sectores da sociedade a aproveitar as oportunidades trazidas pela construção da Grande Baía, visando acelerar o desenvolvimento diversificado de Macau”, afirmou o futuro líder do executivo, em Setembro, à saída de Pequim, depois ter sido nomeado chefe do executivo da Região Administrativa Especial de Macau pelo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang. O projecto da Grande Baía, apresentado oficialmente nos primeiros meses de 2019, pretende criar uma metrópole mundial que integra Hong Kong, Macau e nove cidades da província de Guangdong, numa região com cerca de 70 milhões de habitantes e com um Produto Interno Bruto (PIB) que ronda 1,2 biliões de euros, semelhante ao PIB de Austrália, Indonésia ou México, países que integram o G20. Em paralelo, a tónica do discurso do próximo líder do executivo tem-se centrado no combate à corrupção, “na edificação de um Governo transparente” e ainda na reforma da Administração Pública através da racionalização de quadros e da simplificação administrativa, reformas essas que deverão ser iniciadas a partir de abril de 2020, data do período espectável para que seja aprovado o Orçamento retificativo. Segurança para que te quero Por fim, o reforço da segurança, numa das cidades mais seguras do mundo, vai ter também um papel importante no novo Executivo, que mantém Wong Sio Chak como secretário para a Segurança. Analistas apontam que Macau tem mostrado sinais de querer continuar a ser ‘o bom aluno’ do princípio “Um País, Dois Sistemas” e Ho Iat Seng já afirmou que não haverá qualquer desvio nas “linhas vermelhas” definidas por Pequim: desrespeito pela soberania nacional e pelos símbolos do país, pelo desafio à autoridade do Governo central e à lei fundamental do território. As recentes proibições de entrada no território a políticos ligados ao movimento democrático em Hong Kong, a jornalistas e líderes da Câmara Americana de Comércio (Am Cham) de Hong Kong, a proibição de manifestações contra a brutalidade policial no território vizinho e a detenção de dois jovens que colavam cartazes de apoio aos protestos na ex-colónia britânica comprovam isso mesmo. Para já, a partir do primeiro trimestre de 2020, mais 800 câmaras de videovigilância vão ser instaladas e será iniciado um teste com câmaras de videovigilância com reconhecimento facial.
RAEM, 20 anos | Os grandes desafios para o novo Governo de Macau Hoje Macau - 20 Dez 2019 [dropcap]M[/dropcap]acau inicia 2020 com um novo Governo que terá de estancar as perdas no jogo, a recessão económica e dotar efectivamente o território para a aventura da Grande Baía. Com o ano a acabar e depois de dois anos consecutivos de subida das receitas em mais de uma décima, as previsões apontam que a capital mundial do jogo, e único local na China onde os casinos são permitidos, registe perdas a rondar os 2,5%. A diminuição do crescimento chinês, a guerra comercial travada entre China e Estados Unidos e a diminuição do investimento justificada pela incerteza do fim das licenças de jogo em 2022 contribuíram para que Macau registasse uma contração nos três primeiros trimestres do ano, entrando assim em recessão técnica. A este quadro junta-se a recessão económica sentida no vizinho Hong Kong, um dos principais centros financeiros mundiais, provocados por mais de seis meses de protestos pró-democracia que desafiam diariamente Pequim e o Governo local. É este o cenário que dá as boas-vindas ao novo executivo liderado por Ho Iat Seng, que toma possa no dia 20 de dezembro, o mesmo dia das celebrações dos 20 anos da passagem da administração do território de Portugal para a China. Apesar destes números pouco animadores, Ho Iat Seng não vai receber ‘um presente envenenado’ do seu antecessor que esteve dez anos à frente do executivo, Chui Sai On: Macau tem significativas reservas orçamentais (suficientes para sustentar cerca de sete anos de despesa pública), uma taxa de desemprego de cerca de 1,8%, um PIB per capita de mais de 82.000 dólares (73.940 euros) em 2018, uma sociedade apolítica e genericamente satisfeita com estabilidade social, económica e segurança pública e, por isso, com um risco reduzido de ser contagiada com o ‘vírus pró-democracia’ da vizinha Hong Kong. Licenças para jogar Em relação ao jogo, a única indústria que faz mover a economia do território, Ho Iat Seng já se comprometeu a rever a legislação e a definir o número de licenças de concessão pós-2022, data em que terminam as actuais licenças (seis operadores exploram o jogo em Macau, três concessionárias e três subconcessionárias, metade chinesas e outra metade com maioria de capital norte-americano). A obrigação de diversificar Enquanto a indefinição sobre o futuro da indústria do jogo permanecer, a diversificação económica, um dos chavões dos anos recentes que na prática não saiu do papel, será uma figura importante na política do novo Governo. O objectivo passa pela diversificação da estrutura industrial, apoiar as pequenas e médias empresas, melhorar a qualidade dos recursos humanos, fomentar indústrias de alta tecnologia e incentivar o regresso de talentos a Macau e reforçar a aposta do território como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. Para esta função, Ho nomeou um novo titular da pasta para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong. Apesar de um dos objetivos passar por melhorar os indicadores das atividades não associadas ao jogo, Ho Iat Seng já assumiu a primazia aos ‘resorts’ integrados do território – apostando em gastronomia, entretenimento, festivais, conferências e exposições, de forma a tornar Macau num destino turístico mais alargado. Uma tarefa que se avizinha difícil, já que o jogo representou em 2018 mais de 90% das receitas das concessionárias (37,44 mil milhões de euros) que controlam os ‘resorts’ integrados do território. Baía da sorte Para 2020, a Grande Baía deverá também ser uma das grandes apostas do elenco governativo para tomar as rédeas da diversificação económica. “Espero e acredito que o Executivo se unirá para liderar Macau e todos os sectores da sociedade a aproveitar as oportunidades trazidas pela construção da Grande Baía, visando acelerar o desenvolvimento diversificado de Macau”, afirmou o futuro líder do executivo, em Setembro, à saída de Pequim, depois ter sido nomeado chefe do executivo da Região Administrativa Especial de Macau pelo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang. O projecto da Grande Baía, apresentado oficialmente nos primeiros meses de 2019, pretende criar uma metrópole mundial que integra Hong Kong, Macau e nove cidades da província de Guangdong, numa região com cerca de 70 milhões de habitantes e com um Produto Interno Bruto (PIB) que ronda 1,2 biliões de euros, semelhante ao PIB de Austrália, Indonésia ou México, países que integram o G20. Em paralelo, a tónica do discurso do próximo líder do executivo tem-se centrado no combate à corrupção, “na edificação de um Governo transparente” e ainda na reforma da Administração Pública através da racionalização de quadros e da simplificação administrativa, reformas essas que deverão ser iniciadas a partir de abril de 2020, data do período espectável para que seja aprovado o Orçamento retificativo. Segurança para que te quero Por fim, o reforço da segurança, numa das cidades mais seguras do mundo, vai ter também um papel importante no novo Executivo, que mantém Wong Sio Chak como secretário para a Segurança. Analistas apontam que Macau tem mostrado sinais de querer continuar a ser ‘o bom aluno’ do princípio “Um País, Dois Sistemas” e Ho Iat Seng já afirmou que não haverá qualquer desvio nas “linhas vermelhas” definidas por Pequim: desrespeito pela soberania nacional e pelos símbolos do país, pelo desafio à autoridade do Governo central e à lei fundamental do território. As recentes proibições de entrada no território a políticos ligados ao movimento democrático em Hong Kong, a jornalistas e líderes da Câmara Americana de Comércio (Am Cham) de Hong Kong, a proibição de manifestações contra a brutalidade policial no território vizinho e a detenção de dois jovens que colavam cartazes de apoio aos protestos na ex-colónia britânica comprovam isso mesmo. Para já, a partir do primeiro trimestre de 2020, mais 800 câmaras de videovigilância vão ser instaladas e será iniciado um teste com câmaras de videovigilância com reconhecimento facial.
RAEM, 20 anos | Portugal e China deram “bom exemplo” à comunidade internacional Hoje Macau - 20 Dez 2019 [dropcap]A[/dropcap]s autoridades chinesas consideraram ontem que Portugal e China deram um “bom exemplo” à comunidade internacional na forma como resolveram “adequadamente” a questão de Macau, que celebra hoje 20 anos desde a transição para administração chinesa. Em conferência de imprensa, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Geng Shuang lembrou que as negociações sobre a transferência de Macau foram baseadas na “amizade e confiança mútua”. “Como um exemplo único de coexistência harmoniosa, Macau continuará a contribuir para o desenvolvimento de uma parceria estratégica global entre Portugal e China”, disse. A transferência da administração de Macau de Lisboa para Pequim, em 1999, foi feita sob a fórmula ‘um país, dois sistemas’, que garante ao território um elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário. O porta-voz da diplomacia chinesa disse ainda aos jornalistas que o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, expressaram “alta apreciação” pela prática “bem-sucedida” daquela fórmula no território, em cartas enviadas ao Presidente chinês, Xi Jinping, e em comentários à imprensa.
RAEM, 20 anos | Portugal e China deram “bom exemplo” à comunidade internacional Hoje Macau - 20 Dez 2019 [dropcap]A[/dropcap]s autoridades chinesas consideraram ontem que Portugal e China deram um “bom exemplo” à comunidade internacional na forma como resolveram “adequadamente” a questão de Macau, que celebra hoje 20 anos desde a transição para administração chinesa. Em conferência de imprensa, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Geng Shuang lembrou que as negociações sobre a transferência de Macau foram baseadas na “amizade e confiança mútua”. “Como um exemplo único de coexistência harmoniosa, Macau continuará a contribuir para o desenvolvimento de uma parceria estratégica global entre Portugal e China”, disse. A transferência da administração de Macau de Lisboa para Pequim, em 1999, foi feita sob a fórmula ‘um país, dois sistemas’, que garante ao território um elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário. O porta-voz da diplomacia chinesa disse ainda aos jornalistas que o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, expressaram “alta apreciação” pela prática “bem-sucedida” daquela fórmula no território, em cartas enviadas ao Presidente chinês, Xi Jinping, e em comentários à imprensa.
Presidente no novo centro de cooperação com a lusofonia Hoje Macau - 20 Dez 201920 Dez 2019 [dropcap]O[/dropcap] Presidente da China, Xi Jinping, visitou ontem, em Macau, a nova sede da cooperação comercial sino-lusófona, depois de ter assistido a uma aula patriótica e de ter entregado vários instrumentos musicais a uma escola secundária do território. Xi Jinping, acompanhado pelo chefe do Executivo cessante, Chui Sai On, e pelo ainda titular da pasta de Economia e das Finanças, Lionel Leong, foi visitar o novo complexo da Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua (Fórum de Macau), segundo imagens difundidas pelo Governo de Macau. Neste que é o segundo dia da sua visita ao território para as cerimónias de tomada de posse do novo Governo e celebração do 20.º aniversário da transferência de administração do território de Portugal para a China, o Presidente chinês visitou ainda o Centro de Exposição dos Produtos Alimentares dos Países de Língua Portuguesa e assistiu a uma apresentação sobre o desenvolvimento urbanístico e empreendimentos de Macau. Antes, segundo as imagens que as autoridades deram a conhecer à comunicação social, Xi visitou de manhã a Escola de Talentos anexa à Escola Hou Kongna, na ilha da Taipa e assistiu a uma apresentação sobre a promoção da educação patriótica e os respectivos resultados em Macau. Na mesma ocasião, segundo as autoridades de Macau, o Presidente da China entregou “vários instrumentos musicais e livros” à escola. O director do Departamento de Educação e Juventude de Macau, Lou Pak-sang, disse, segundo a emissora RTHK de Hong Kong, que o Presidente chinês lhe transmitiu que está satisfeito com o sistema educacional do antigo território administrado por Portugal. Xi, de acordo com o responsável local, pediu aos funcionários da escola para ensinarem os jovens sobre os 5000 anos de história chinesa. O conhecimento da história chinesa, enfatizou o Xi, ajudará a manter o povo e o país unidos. No primeiro acto oficial de ontem, Xi Jinping foi ao “Centro de Serviços da Região Administrativa Especial de Macau para Serviços Internos prestados pelo Governo à população”, lê-se na descrição de uma fotografia divulgada pelas autoridades do território. Festa suspende obras e transportes A visita do Presidente chinês a Macau, para presidir ao 20.º aniversário da região e à posse do novo Governo local suspendeu obras e ‘apagou’ o serviço público de visualização do trânsito em tempo real. Os trabalhos de construção, que decorrem na península de Macau e na ilha da Taipa, estão suspensos pelo menos até sábado e a Direção dos Serviços para os Assuntos do Tráfego deixou de fornecer ao público as imagens em tempo real ou a emissão em directo da situação de tráfego em vários locais do território. As autoridades isolaram também parques de estacionamento, uma situação que se arrasta desde 12 de Dezembro no aeroporto, onde também foi fechado o centro de operações da companhia aérea Air Macau. Pelo menos desde segunda-feira que os moradores de Hac Sa, na ilha de Coloane, estão proibidos de se deslocarem para Macau em viaturas próprias. É visível o reforço policial nas ruas, nas pontes e nas rotundas, numa cidade habitualmente queixosa da pressão turística (cerca de três milhões de visitantes por mês) e do trânsito automóvel, que praticamente desapareceu desde terça-feira, véspera da chegada do líder chinês, Xi Jinping. As medidas de segurança excepcionais prolongam-se pelo menos até sábado, dia seguinte à saída de Xi do território. Estas obrigaram também à suspensão da linha da Taipa do metro de superfície de Macau, recentemente inaugurado, mas igualmente a constrangimentos à circulação de veículos de transporte de materiais inflamáveis, situação que provocou uma ‘corrida’ aos postos de abastecimento de combustível na segunda e na terça-feira, com os residentes a recearem falhas no fornecimento. O apertado e inédito controlo das fronteiras de Macau realizado pelas autoridades locais e também pelas chinesas (na ponte que liga a Hong Kong e a Zhuhai) já resultou em detenções e recusas de entrada no território a activistas ditos “pró-democracia” e a jornalistas. Os casos conhecidos dizem respeito a pessoas provenientes de Hong Kong que, desde Junho, tem sido palco de protestos que têm desafiado o poder local e Pequim, com a China a tentar evitar que o antigo território administrado por Portugal seja ‘contaminado’ pela agitação civil que se vive na antiga colónia britânica ou que ensombre de alguma forma a visita do Presidente chinês.
Xi Jinping explicou sucesso de Macau com o “valor fundamental” do patriotismo João Santos Filipe - 20 Dez 2019 No segundo dia da visita a Macau, o Presidente defendeu que os sucessos da RAEM se devem ao facto de os residentes colocarem acima de tudo o “valor fundamental” do amor pela Pátria e ainda por terem o interesse da Nação como critério para as políticas adoptadas [dropcap]O[/dropcap] patriotismo das gentes de Macau foi o grande tema do discurso de Xi Jinping, durante o segundo dia da viagem de celebração do 20.º Aniversário do estabelecimento da RAEM. Para o Presidente chinês os feitos alcançados, como o desenvolvimento económico e a melhoria das condições de vida, só foram possíveis porque se trabalhou para a implementação “plena” do princípio ‘Um País, Dois Sistemas’, e o patriotismo esteve sempre acima de qualquer outro “valor fundamental”. Enquanto discursava durante o jantar oferecido pelo Chefe do Executivo, que contou com cerca de 600 convidados, entre eles Carrie Lam, Chefe do Executivo de Hong Kong, Xi Jinping apontou que o patriotismo foi um dos quatro pontos mais altos dos primeiros 20 anos depois da transferência da soberania. “O Governo e as pessoas de todos os círculos sociais da RAEM compreendem profundamente a ligação estreita entre o futuro de Macau e o da Pátria, têm um forte sentimento de identidade nacional e patriotismo e ainda combinam o amor à Pátria, com o amor a Macau”, começou por dizer. “Os compatriotas de Macau, enquanto valorizam os valores fundamentais como a democracia, a administração de acordo com a lei, os direitos humanos e a liberdade, adaptaram-se à mudança histórica que tornou Macau numa região administrativa especial do país e colocaram firmemente o amor à Pátria e a Macau em primeiro lugar na ordem dos valores fundamentais”, elogiou. Neste sentido, Xi Jinping esclareceu que qualquer decisão na RAEM tem sempre como “critério mais importante” os interesses da Pátria e de Macau. Primado da Constituição Após a apologia do patriotismo, Xi sublinhou a importância de ensinar e consolidar a autoridade da Constituição da República Popular da China, que permite a Lei Básica de Macau. “O Governo e as pessoas de todos os círculos sociais da RAEM compreendem profundamente que a Constituição e a Lei Básica formulam a base constitucional de Macau e que a administração de Macau conforme a lei significa, em primeiro lugar, a administração de Macau de acordo com a Constituição e a Lei Básica”, apontou. No âmbito das acções de divulgação dos dois documentos, Xi elogiou as actividades que celebram o Dia Nacional da Constituição em Macau e que tudo foi feito para promover “um bom ambiente” que permite “respeitar, aprender, observar, salvaguardar e aplica a Constituição”, na RAEM. Liderança do Executivo O poder do Executivo saiu igualmente reforçado do jantar de ontem. Na sua mensagem, Xi Jinping recordou que a RAEM é liderada pelo poder do Executivo de Macau, que traça o seu futuro, sem esquecer que os “órgãos judiciais exercem independentemente o poder de julgamento”. O sistema, segundo o Presidente, permite à RAEM funcionar “sem sobressaltos”. “Este princípio [da liderança do Executivo] também demonstra o requisito fundamental que é o Chefe do Executivo quem representa toda a região administrativa especial e é responsável perante o Governo Central”, apontou. “Sob a liderança do Chefe do Executivo, os órgãos executivo e legislativo colaboram um com o outro e equilibram-se, dando prioridade à colaboração”, acrescentou. Agarrar as oportunidades Finalmente, no quarto ponto, Xi Jinping olhou mais para o futuro e para o papel que espera que Macau e a sua população assumam na concretização do “Sonho Chinês da grande revitalização da Nação Chinesa”. Face a uma audiência onde estiveram a maioria dos actores políticos e sociais do território, o Presidente pediu uma atitude pró-activa e positiva para o desenvolvimento do país e recordou que também o país precisa das “vantagens de Macau”. “Agarrem as oportunidades trazidas pela implementação das estratégias nacionais como a cooperação “Uma Faixa, Uma Rota” e a construção da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, apelou. “Tirem bom proveito das políticas favoráveis do Governo Central e integrem organicamente as vantagens de Macau, de que o País precisa, com as vantagem do País que Macau precisa”, sublinhou. Hora de agradecer Momentos antes do jantar oferecido pelo Chefe do Executivo, Xi Jinping teve um encontro com uma duração de 10 minutos com cerca de 150 representantes de diferentes sectores profissionais. Entre eles, constavam alguns nomes da comunidade portuguesa e macaense como os advogado Leonel Alves e Jorge Neto Valente, o arquitecto Carlos Marreiros, o provedor da Santa Casa da Misericórdia, António José de Freitas, Fátima Santos Ferreira e o presidente da Comissão Executiva da TDM, Manuel Pires. Neste breve encontro, que serviu para tirar uma fotografia de grupo, estiveram ainda presentes todos os membros do actual e futuro governos, membros do Conselho Executivo e alguns deputados e empresários. E se à chegada ao aeroporto Xi Jinping disse que Macau não lhe era “um território estranho”, devido às viagens anteriores, desta feita o Presidente admitiu reconhecer mesmo algumas das caras. “Estão aqui presentes muitas pessoas que conheço. O sucesso, depois de 20 anos, é um orgulho para nós”, admitiu. Nesta breve declaração, Xi focou igualmente o patriotismo dos mais jovens e agradeceu os esforços do presentes: “Gostava de manifestar os meus mais sinceros agradecimentos pelo empenho e dedicação para o desenvolvido de Macau”, frisou. Ho Ion Sang quer prendas para resolver problemas da população Ho Ion Sang, deputado considerou que as palavras proferidas pelo presidente Xi no aeroporto valorizaram o êxito e o progresso alcançado por Macau depois do retorno à Pátria. Ao jornal Ou Mun, o membro no CCPPC apontou que o plano de construção de 3.800 apartamentos para residentes na Ilha da Montanha é positivo, mas que não vão resolver os problemas das pessoas. Por isso, o deputado deixou o desejo de que o Presidente Xi anuncie mais medidas favoráveis a Macau e entre em contacto com residentes locais para perceber verdadeiramente a situação social de Macau. Peng Liyuan esteve a fazer bolos Se por um lado Xi Jinping teve uma agenda muito preenchida com várias visitas ao serviço da RAEM, por outro a esposa Peng Liyuan não lhe ficou atrás. A “primeira-dama” esteve no Instituto de Formação Turística (IFT), guiada pela Presidente Fanny Vong, onde teve a oportunidade de ajudar os alunos a preparar alguns pratos e bolos. As fotos divulgadas oficialmente mostram Peng Liyuan a encher com creme de ovo uma tarte. Um dia a visitar serviços A visita do Presidente chinês está envolta em secretismo e grande parte das actividades nem têm cobertura jornalísticas. Foi o que sucedeu ontem quando Xi Jinping teve direito a uma visita guiada por Sónia Chan ao Centro de Serviços da RAEM na Areia Preta. O mesmo aconteceu durante as passagens pela Escola de Talentos anexa à Escola Hou Kong, e ao Complexo da Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, cujas obras de construção terminaram recentemente. Na última parte da visita, antes do encontro com os sectores profissionais, Xi teve como guia o secretário para a Economia e Finanças Lionel Leong.
O coração dos homens Carlos Morais José - 20 Dez 2019 [dropcap]N[/dropcap]o final dos anos 90 do século passado, pouco antes da transferência de soberania de Macau, uma tese de doutoramento publicada em Lisboa previa que, não sem algum fundamento tendo em conta os dados presentes, depois de 1999, da imprensa em língua portuguesa apenas sobreviveria “O Clarim”, por ser um jornal sustentado pela Igreja Católica. Felizmente que, vinte anos depois, as previsões revelaram-se erradas, e o Hoje Macau aqui está e de boa saúde. Não foram lineares estas duas décadas. Mas a mudança radical, para a nossa comunidade, aconteceu em 2003 com a criação do Fórum Macau e o objectivo assumido por Pequim de tornar Macau numa ponte para os Países Lusófonos. Deste modo, o Governo central indiciava-nos contar com a nossa presença e mesmo apreciá-la. A verdade é que nos anos que se seguiram não tivemos quaisquer razões de queixa. Entretanto, o Hoje Macau cresceu e amadureceu. A nossa aposta passa, sobretudo, por sermos um jornal voltado, por um lado, para as notícias locais, e por outro, para o desenvolvimento de uma plataforma cultural/literária em língua portuguesa que torne Macau num lugar de referência das letras lusófonas. Isto sem esquecer as constantes traduções de clássicos chineses, nas áreas da poesia, filosofia e artes plásticas, que consideramos uma espécie de obrigação da nossa parte. Para realizar estes dois objectivos, fizemos questão de manter uma redacção preenchida por profissionais proficientes em português e outros capazes de decifrar a escrita chinesa, para assim nos mantermos a par de dos acontecimentos nas várias comunidades que compõem Macau. Lutando muitas vezes contra a incompreensão dos poderes instituídos, que por vezes não compreendem na sua total extensão o papel fulcral da imprensa no âmbito do segundo sistema ou, pelo contrário, a compreendem muito bem, o Hoje Macau tem-se batido pelos interesses da população, pela transparência governativa e pelo aprofundamento racional do segundo sistema, no quadro definido pela Lei Básica. Por outro lado, orgulhamo-nos de contar como nossos colaboradores alguns dos escritores e pensadores mais relevantes das letras em português. Escritores como António Cabrita, Paulo José Miranda, Gonçalo M. Tavares, Valério Romão, Gisela Casimiro, António de Castro Caeiro, Luís Carmelo, Paulo Maia e Carmo, Fernando Sobral, Rui Cascais, José Simões Morais, Rita Taborda Duarte, Amélia Vieira, Anabela Canas, João Paulo Cotrim, José Navarro de Andrade, Michel Reis e Nuno Miguel Guedes dão todos os dias às nossas páginas um brilho especial que nos projecta a um lugar ímpar no mundo da imprensa em português. Em 2017, não quisemos deixar morrer o ano sem comemorarmos os 150 anos do nascimento de Camilo Pessanha, poeta indissociável da identidade de Macau. Para o efeito, trouxemos até à RAEM alguns dos nossos colaboradores que, durante uma semana, participaram nas celebrações que de novo trouxeram à superfície a figura incomparável do bardo. Além disto, o Hoje Macau tem publicado suplementos junto de grandes festivais em Portugal, como é o caso do FOLIO, que se realiza anualmente em Óbidos, pequena vila onde Camilo Pessanha trabalhou como jurista antes da sua vinda para Macau e a quem dedica um famoso poema. Contudo, como diria Mário Cesariny, “o mais importante não é a literatura”. Pois não: é a vida. É este desfilar quotidiano de alegrias, tristezas, euforias e chatices. De gentes de toda a espécie e feitio. De notícias de dentro e de fora desta pequena e pouco usual cidade. E, neste aquilatar dos dias, pensar sobretudo no futuro, como se fôra um vício, um destino ou mesmo uma obrigação. Os anos da transição foram espectaculares e irrepetíveis. Mas, desde então, Macau melhorou a olhos vistos e, acima de tudo, tornou-se mais real. Não que tenha sido mau viver naquele sonho, extrair daquele momento único tudo aquilo que a imaginação eventualmente teria para nos dar. Contudo, desde a fundação da RAEM que a cidade se encontra dotada de uma energia dantes inexistente, na medida em que se olhava o horizonte de 1999 como se significasse o fim. Não foi. Foi um novo começo, um renascimento dentro de novas regras, com novos poderes e novas gentes. A nós agradou sobremaneira o facto de não serem os portugueses os responsáveis pela administração deste território. Tal facto libertou-nos e libertou alguns dos nossos complexos. Paradoxalmente, como quase tudo nesta terra, deu-nos muito mais margem de manobra e tirou-nos dos ombros parte de uma responsabilidade imaginária. Hoje olhamos principalmente para o futuro e as nossas expectativas mantêm-se iguais. Acreditamos nas palavras dos governantes desta região e deste país. Não temos razão para delas duvidar. Antes pelo contrário. Nestes 20 anos tudo correu para nós muito melhor do que se esperava. E é por isso que acreditamos piamente que estaremos aqui a comemorar com a população de Macau os 30, os 40, os 50 anos da RAEM. É esse o nosso destino, que não está escrito nas estrelas mas no coração dos homens, porque nele se inscreve com igual peso o desespero e a esperança.
Xi Jinping sublinha “harmonia” em Macau num período de teste para “Um País, Dois Sistemas” Hoje Macau - 19 Dez 20195 Jan 2020 [dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês enalteceu hoje a “unidade” e “harmonia” em Macau, no aniversário dos 20 anos desde a transição da transferência do território para administração chinesa e numa altura de crise política em Hong Kong. “O Governo e as pessoas de todos os círculos sociais da Região Administrativa Especial de Macau compreendem profundamente que a unidade faz prosperar a família e a harmonia traz boa sorte”, afirmou Xi Jinping, num banquete com as principais personalidades do território. Xi referiu ainda a “valorização da consulta” na sociedade local, que não “provoca desavenças ou fricções internas”, e a resistência “consciente a todos os distúrbios que vêm do exterior”. Macau celebra este mês 20 anos da aplicação no território da fórmula ‘um país, dois sistemas’, um modelo que confere autonomia administrativa, mas que foi originalmente pensado para Taiwan, que o recusou, e que é hoje também posto em causa por uma grave crise política em Hong Kong.
Xi Jinping sublinha "harmonia" em Macau num período de teste para "Um País, Dois Sistemas" Hoje Macau - 19 Dez 2019 [dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês enalteceu hoje a “unidade” e “harmonia” em Macau, no aniversário dos 20 anos desde a transição da transferência do território para administração chinesa e numa altura de crise política em Hong Kong. “O Governo e as pessoas de todos os círculos sociais da Região Administrativa Especial de Macau compreendem profundamente que a unidade faz prosperar a família e a harmonia traz boa sorte”, afirmou Xi Jinping, num banquete com as principais personalidades do território. Xi referiu ainda a “valorização da consulta” na sociedade local, que não “provoca desavenças ou fricções internas”, e a resistência “consciente a todos os distúrbios que vêm do exterior”. Macau celebra este mês 20 anos da aplicação no território da fórmula ‘um país, dois sistemas’, um modelo que confere autonomia administrativa, mas que foi originalmente pensado para Taiwan, que o recusou, e que é hoje também posto em causa por uma grave crise política em Hong Kong.
Visita de Xi Jinping | Jornalistas de Hong Kong impedidos de entrar em Macau. Associações reagem Hoje Macau - 19 Dez 2019 As autoridades de Macau estão a recusar a entrada de jornalistas de Hong Kong e fizeram ontem o mesmo a activistas pró-democracia daquela região. A Associação Novo Macau pede que se respeite a liberdade de imprensa e o princípio “Um País, Dois Sistemas” [dropcap]O[/dropcap] mais recente caso de recusa de entrada de jornalistas aconteceu ontem – dia em que o Presidente da China chegou a Macau – a um profissional da emissora pública RTHK. Já o operador de imagem pôde seguir viagem, após ter permitido o acesso das autoridades ao telemóvel e ao conteúdo das suas conversas nas redes sociais, adiantou a própria RTHK. Este caso aconteceu após pelo menos duas outras situações que envolveram esta semana jornalistas do South China Morning Post e da Now TV News, bem como um profissional da Comercial Radio terem sido barrados em Macau, segundo as autoridades por existirem fortes sinais de que iriam envolver-se em actividades que poderiam perturbar a segurança e a ordem pública. Na manhã de ontem, um grupo de manifestantes de Hong Kong, entre eles um conhecido activista pró-democracia, Leung Kwok-hun, foram proibidos de embarcar num ‘ferry’ para Macau, noticiou a agência de notícias Associated Press. A recusa de entrada aconteceu depois de funcionários da companhia de transportes terem apresentado uma nota da polícia de Macau na qual se recusava a entrada por suspeitas de que iriam perturbar as cerimónias do 20.º aniversário da região Administrativa Especial de Macau (RAEM), marcadas pela presença do Presidente chinês, Xi Jinping. Em Macau, um activista político e social que já foi candidato à Assembleia Legislativa (AL) acabou por ser detido na terça-feira, quando tentava passar a fronteira para entregar uma carta no Gabinete de Ligação de Pequim, dirigida ao Presidente chinês, na qual pedia a Xi Jinping que aceitasse as exigências dos manifestantes pró-democracia de Hong Kong, noticiou o jornal Ponto Final. Já fora do Terminal Marítimo de Macau, depois das autoridades lhe terem apreendido a carta e outros bens pessoais, de acordo com a versão de Carl Ching, um homem terá embatido contra ele, acusando-o de ter partido um bule de chá que trazia num saco. O activista acabou detido, alegadamente, por “dano contra a propriedade”, pode ler-se no mesmo artigo. Telemóvel inspeccionado A Associação Novo Macau (ANM) condenou ontem ameaças aos jornalistas de Macau e pediu medidas ao Governo do território para proteger a liberdade de expressão e de imprensa. “Há recentemente relatos de que vários jornalistas locais foram assediados, advertidos e ameaçados por fontes desconhecidas. Alguns jornalistas (…) de Hong Kong estão insensatamente proibidos de entrar em Macau” para fazerem a cobertura das cerimónias do 20.º aniversário da RAEM, presididas pelo Presidente chinês, Xi Jinping. Razão pela qual a associação “manifesta forte preocupação com os incidentes e condena qualquer acto contra a liberdade de imprensa”. A ANM criticou ainda que a polícia também tenha “pedido aos jornalistas que voluntariamente desbloqueassem o telemóvel para inspecção”. Para a associação, “a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são direitos humanos fundamentais, protegidos pelo artigo 27 da Lei Básica [de Macau], mesmo no âmbito do princípio ‘Um País, Dois Sistemas'”. Por outro lado, sublinhou que “a liberdade de expressão e pensamento, para a qual a imprensa é o melhor instrumento, é um direito fundamental de todas as sociedades modernas”, sendo que “a lei também protege os direitos de acesso às fontes de informação, de publicação e disseminação de informações, bem como a independência dos jornalistas”. “A NMA insta o governo da RAEM a tomar medidas para proteger a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa contra interferências e ameaças, para que a promessa de ‘Um País, Dois Sistemas’ e a nossa imagem internacional possa ser mantida”, pode ler-se no final do comunicado.
Visita de Xi Jinping | Jornalistas de Hong Kong impedidos de entrar em Macau. Associações reagem Hoje Macau - 19 Dez 2019 As autoridades de Macau estão a recusar a entrada de jornalistas de Hong Kong e fizeram ontem o mesmo a activistas pró-democracia daquela região. A Associação Novo Macau pede que se respeite a liberdade de imprensa e o princípio “Um País, Dois Sistemas” [dropcap]O[/dropcap] mais recente caso de recusa de entrada de jornalistas aconteceu ontem – dia em que o Presidente da China chegou a Macau – a um profissional da emissora pública RTHK. Já o operador de imagem pôde seguir viagem, após ter permitido o acesso das autoridades ao telemóvel e ao conteúdo das suas conversas nas redes sociais, adiantou a própria RTHK. Este caso aconteceu após pelo menos duas outras situações que envolveram esta semana jornalistas do South China Morning Post e da Now TV News, bem como um profissional da Comercial Radio terem sido barrados em Macau, segundo as autoridades por existirem fortes sinais de que iriam envolver-se em actividades que poderiam perturbar a segurança e a ordem pública. Na manhã de ontem, um grupo de manifestantes de Hong Kong, entre eles um conhecido activista pró-democracia, Leung Kwok-hun, foram proibidos de embarcar num ‘ferry’ para Macau, noticiou a agência de notícias Associated Press. A recusa de entrada aconteceu depois de funcionários da companhia de transportes terem apresentado uma nota da polícia de Macau na qual se recusava a entrada por suspeitas de que iriam perturbar as cerimónias do 20.º aniversário da região Administrativa Especial de Macau (RAEM), marcadas pela presença do Presidente chinês, Xi Jinping. Em Macau, um activista político e social que já foi candidato à Assembleia Legislativa (AL) acabou por ser detido na terça-feira, quando tentava passar a fronteira para entregar uma carta no Gabinete de Ligação de Pequim, dirigida ao Presidente chinês, na qual pedia a Xi Jinping que aceitasse as exigências dos manifestantes pró-democracia de Hong Kong, noticiou o jornal Ponto Final. Já fora do Terminal Marítimo de Macau, depois das autoridades lhe terem apreendido a carta e outros bens pessoais, de acordo com a versão de Carl Ching, um homem terá embatido contra ele, acusando-o de ter partido um bule de chá que trazia num saco. O activista acabou detido, alegadamente, por “dano contra a propriedade”, pode ler-se no mesmo artigo. Telemóvel inspeccionado A Associação Novo Macau (ANM) condenou ontem ameaças aos jornalistas de Macau e pediu medidas ao Governo do território para proteger a liberdade de expressão e de imprensa. “Há recentemente relatos de que vários jornalistas locais foram assediados, advertidos e ameaçados por fontes desconhecidas. Alguns jornalistas (…) de Hong Kong estão insensatamente proibidos de entrar em Macau” para fazerem a cobertura das cerimónias do 20.º aniversário da RAEM, presididas pelo Presidente chinês, Xi Jinping. Razão pela qual a associação “manifesta forte preocupação com os incidentes e condena qualquer acto contra a liberdade de imprensa”. A ANM criticou ainda que a polícia também tenha “pedido aos jornalistas que voluntariamente desbloqueassem o telemóvel para inspecção”. Para a associação, “a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são direitos humanos fundamentais, protegidos pelo artigo 27 da Lei Básica [de Macau], mesmo no âmbito do princípio ‘Um País, Dois Sistemas'”. Por outro lado, sublinhou que “a liberdade de expressão e pensamento, para a qual a imprensa é o melhor instrumento, é um direito fundamental de todas as sociedades modernas”, sendo que “a lei também protege os direitos de acesso às fontes de informação, de publicação e disseminação de informações, bem como a independência dos jornalistas”. “A NMA insta o governo da RAEM a tomar medidas para proteger a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa contra interferências e ameaças, para que a promessa de ‘Um País, Dois Sistemas’ e a nossa imagem internacional possa ser mantida”, pode ler-se no final do comunicado.
A natividade de Jesus Jorge Rodrigues Simão - 19 Dez 2019 “Christmas is not a time nor a season, but a state of mind. To cherish peace and goodwill, to be plenteous in mercy, is to have the real spirit of Christmas.” Calvin Coolidge [dropcap]O[/dropcap] Natal já não é o que costumava ser pois perdeu o seu significado religioso em muitas partes do mundo ocidental e tornou-se o auge de uma época de gastos excessivos, de comer demasiado e de exultações sem controlo. O novo Natal espelha o seu antecessor pagão, que celebrava o solstício de inverno. O Natal é a festa preferida das crianças durante o ano, e para os adultos é um tempo para se entregarem às doces lembranças dos velhos tempos. Existem três versões da peça de teatro Natividade. Os fiéis de todas as idades estão familiarizados com a primeira. É regularmente esboçado, cada Natal, em sermões pregados no púlpito e pode ser encontrado e admirado nas grandes telas da Natividade criadas com amor por artistas cristãos ao longo dos séculos. Vê-se um velho barbudo andando ao lado de um burro seguido de uma jovem grávida. As torres de Belém são ligeiramente visíveis à distância. Na cidade cheia de gente, as pousadas estão lotadas, e José, depois de muito brigar, irar-se e procurar, pode descobrir apenas um modesto barracão no bairro para que Maria dê à luz o seu filho. O recém-nascido Jesus é colocado pela sua mãe na manjedoura entre uma vaca e um jumento. O velho José observa a cena com benevolente e desprendida admiração. Os pastores locais são alertados por um anjo e aprendem sobre a chegada ao mundo do Salvador dos judeus, e logo três reis se aproximam, vestidos com trajes gloriosos que foram conduzidos do longínquo Oriente, via Jerusalém, até Belém, por uma estrela misteriosa. No palácio real, perguntam onde o recém-nascido rei dos judeus pode ser visto, mas ninguém sabe e seguindo o conselho dos peritos convocados por Herodes, os reis são enviados a Belém e, com a ajuda da estrela que reaparece, encontram o estábulo, saúdam e adoram Jesus, e oferecem-lhe presentes reais. A cortina desce e é o fim do primeiro acto e como o conto de fadas de uma criança, o conto de Natal consiste numa mistura do encantador e do terrível. No segundo acto, geralmente não presente nos jogos da Natividade, a doçura e a alegria desaparecem de repente e o desastre paira no horizonte quando Herodes, sedento de sangue, entra na contenda. Percebendo que os reis o enganaram e escaparam do país, Herodes lança os seus cruéis soldados sobre os meninos de Belém e todos perecem, de recém-nascidos a crianças pequenas, excepto a criança que deixou Herodes tão ansioso. De repente, a cena muda novamente e José adormece e sonha com um anjo, que soa o alarme; o pai, mãe e filho devem fugir imediatamente. E vemos novamente o velho na estrada, acompanhado do seu fiel burro, mas desta vez carrega o bebé e a sua mãe. Evitando habilmente os guardas de fronteira de Herodes, escapam da Judeia e chegam ao porto seguro do Egipto, a terra do Nilo. No último acto, o cenário fica um pouco atolado. As fases finais do drama tornam-se nebulosas. É mostrada a circuncisão de Jesus e a sua apresentação no Templo de Jerusalém, mas não se sabe quando aconteceram em relação à fuga para o Egipto, e também não se especifica a razão e o tempo da mudança de Jesus para a pacífica Galileia e para uma infância feliz. A mente cristã não parece estar muito incomodada com estas questões. A sua perspectiva é compacta e o seu quadro cronológico é abreviado e para os fiéis comuns, todos os acontecimentos são espremidos entre o Natal e a Candelária. Segundo a liturgia da Igreja, Jesus nasceu no dia 25 de Dezembro. Os inocentes de Belém foram assassinados três dias depois. Jesus foi circuncisado a 1 de Janeiro. O Dia de Ano Novo ainda é designado como a festa da circuncisão, mas infelizmente nos missais católicos romanos, revistos depois do Concílio do Vaticano II, uma solenidade de Maria, Mãe de Deus, foi substituída pelo antigo latino rito “Circumcisio Domini” (a circuncisão do Senhor), e em consequência o Evangelho que diz “E ao fim de oito dias, quando foi circuncidado, foi chamado de Jesus” desapareceu do serviço diário. Jesus e Maria (e talvez José) visitaram o templo no dia 2 de Fevereiro e o episódio egípcio deve ter ocorrido entre o final de Dezembro e o início de Fevereiro, e a viagem à Galileia imediatamente a seguir. Tudo se torna limpo e arrumado, excepto na maior parte que poderá ser lenda ou ficção e com todo o respeito pela tradição cristã, alguns dos elementos essenciais do complexo de Natal, parecem estar a um milhão de quilómetros de distância do facto e da realidade e por exemplo, as possibilidades de que Jesus tenha nascido em 25 de Dezembro são de uma para trezentos e sessenta e cinco (ou trezentos e sessenta e seis em anos bissextos). Esta data foi inventada pela igreja ocidental no século IV, com o imperador Constantino como forma de substituir o festival pagão do “Sol Invicto”, e é primeiro atestado, para ser mais preciso, num calendário romano em 334. A maioria dos cristãos orientais celebra o nascimento ou manifestação de Jesus ao mundo na festa da Epifania (6 de Janeiro), enquanto de acordo com o Padre Clemente de Alexandria, da Igreja do segundo século, outras comunidades orientais comemoraram o evento em 21 de Abril ou 20 de Maio. A procura de esclarecimento, é de começar por eliminar as três características da representação tradicional do Natal que não têm antecedentes escritos no Novo Testamento. Por mais que se procure, nada se encontrará nos Evangelhos que sugira que José, repetidamente referido como o pai de Jesus, era um homem velho. Não se sabe nada sobre a sua idade, quando nasceu, ou mesmo quando morreu. A ideia de um José idoso deriva de um Evangelho apócrifo, o Proto-Evangelho de Tiago, o Irmão do Senhor e nele é descrito como um viúvo de anos avançados que teve filhos e filhas de um casamento anterior. Estes são então os membros da família de José e Maria, a quem o Novo Testamento designa como irmãos e irmãs de Jesus. Nem os Evangelhos contêm qualquer alusão às bestas amigas, ao boi e ao jumento, partilhando o estábulo com Jesus. A imagem destes animais é emprestada ao profeta Isaías: ” O boi conhece o seu possuidor, e o jumento a manjedoura do seu dono; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (Isaías 1:3). A Igreja viu nesta passagem a prefiguração da posterior rejeição de Cristo pelo povo judeu. Finalmente, o Novo Testamento em nenhum lugar sugere que os visitantes orientais que seguiram a estrela até Belém fossem reis. O texto grego de Mateus designa-os não como governantes ou mesmo “sábios”, mas como “magos” ou mágicos. A elevação destes astrólogos orientais à dignidade real deve-se a outra associação artificial de um texto do Antigo Testamento com este episódio do Evangelho da Infância. Uma passagem tirada do Livro de Isaías diz: “E os gentios caminharão à tua luz, e os reis ao resplendor que te nasceu” (Isaías 60:3). É completado por outro versículo, mais adiante, no mesmo capítulo do mesmo livro: “A multidão de camelos te cobrirá, os dromedários de Midiã e Efá; todos virão de Sabá; ouro e incenso trarão, e publicarão os louvores do Senhor” (Isaías 60:6). Não está escrito em nenhum lugar que havia três reis. Esta figura é sem dúvida deduzida do número de dons listados em Mateus, “ouro, incenso e mirra” (Mateus 2:11), com a suposição de que um presente foi oferecido por cada visitante. Os outros dois quadros de Natal são inspirados no Novo Testamento. O primeiro, surgido da narrativa de Mateus, começa com a árvore genealógica de Jesus (Mateus 1:1-17) e é seguido pela intenção de José de se divorciar da Maria grávida (Mateus 1:18-19). O seu plano é alterado quando um anjo o tranquiliza num sonho em que a condição da sua noiva se deve à intervenção milagrosa do Espírito Santo (Mateus 1:20) e com efeito, o nascimento virgem é o cumprimento de uma profecia de Isaías (Mateus 1:22-23) pelo que José dá crédito a este sonho-revelação, casa com Maria e leva-a para a sua casa (Mateus 1:24-25). A chegada de Jesus a este mundo é marcada pela aparição de uma estrela a Oriente no horizonte que conduz os “magos” do Oriente a Jerusalém (Mateus 2:1-2) que vão ao palácio real para conhecer o paradeiro do rei recém-nascido dos judeus (Mateus 2:3). O estupefacto Herodes consulta os chefes dos sacerdotes judeus, que identificam Belém como o lugar de nascimento previsto do Messias esperado, em conformidade com uma profecia de Miqueias 5:2 (Mateus 2:4-6). Herodes então extrai dos “Magos” o tempo da primeira aparição da estrela e canonicamente exige que compartilhem com ele tudo o que aprenderem sobre a criança (Mateus 2:7-8). Assim, com a ajuda da estrela, os “Magos” encontram Jesus e prestam-lhe homenagem antes, de acordo com a instrução que recebem num sonho, regressam a casa sem voltar a Jerusalém (Mateus 2: 9-12). Mais uma vez José é instruído por um anjo, em mais um sonho, a levar prontamente Jesus para o Egipto a fim de escapar do massacre dos filhos de sexo masculino de Belém, decretado pelo ciumento e irado Herodes, em cumprimento da profecia sobre Raquel, a esposa do Patriarca Jacó, lamentando a perda dos seus filhos em Jeremias 31:15 (Mateus 2:13-18) e com a morte do rei, o mesmo anjo, num penúltimo sonho, ordena a José que volte à terra de Israel, realizando assim outra predição (Oseias 11:1), que anuncia que Deus chamará o seu Filho do Egipto (Mateus 2:19-21). No entanto, quando José descobre que Arquelau sucedeu a Herodes, seu pai, em Jerusalém, um grande sonho revê a instrução anterior e o orienta a residir na Galileia. Uma profecia não identificada, “Ele será chamado de Nazareno”, é citada para explicar a associação de Jesus com Nazaré (Mateus 2:22-23). Na terceira versão dos acontecimentos da Natividade, Lucas tem uma história substancialmente diferente para contar que encerra dois anúncios em que no primeiro, o sacerdote ancião Zacarias, residente na Judeia, é informado pelo anjo Gabriel que a sua esposa idosa e estéril, Isabel, dará à luz milagrosamente um filho, João Baptista (Lucas 1:5-25). Isto é seguido por outra mensagem do mesmo Gabriel a Maria, uma virgem noiva vivendo em Nazaré, que conceberá e dará à luz Jesus, e que não é mais difícil para Deus engravidá-la e mantê-la virgem do que permitir que a sua parenta Isabel dê à luz um filho na sua velhice (Lucas 1:26-38). Maria logo visita Isabel na Judeia e fica até ao nascimento de João Baptista (Lucas 1:39-80). Ela viaja de volta para Nazaré, retomando a estrada dentro de poucas semanas. O censo ordenado pelo imperador Augusto é dado como explicação da viagem de José e Maria a Belém, onde Jesus nasceu num abrigo para animais fora da cidade de David, onde os albergues da cidade estão cheios até à borda por multidões de pessoas que chegam para se registar (Lucas 2:1-7). A criança recém-nascida é saudada por pastores locais e por um coro celestial que canta glória a Deus (Lucas 2:8-20). Oito dias depois, em conformidade com a lei judaica, Jesus é circuncidado e, no quadragésimo dia seguinte ao seu nascimento, é levado ao templo e é realizada a cerimónia da redenção do primogénito, enquanto a sua mãe completa o ritual de purificação obrigatório, após o nascimento de uma descendência masculina. No santuário Jesus é reconhecido por dois velhos adoradores como o Messias dos judeus e o redentor dos gentios (Lucas 2:25-38). Após terem cumprido os seus deveres religiosos, José, Maria e a criança retornam imediatamente a Nazaré, sua cidade natal original (Lucas 2:39-40). Os discípulos Mateus e Lucas raramente fornecem a mesma informação na mesma ordem. Algumas vezes os temas não são diferentes em substância, mas na maioria das vezes os dois evangelistas oferecem dados totalmente independentes. A essência da boa nova anunciada pelos relatos da Natividade é que Deus enviou o seu Filho, nascido sobrenaturalmente de uma mãe virgem, para salvar o seu povo dos seus pecados e trazer paz a todos os homens favorecidos por Deus. Esta é a mensagem feliz que o mundo cristão identifica com o Natal e para isso é necessário aplicar uma leitura selectiva aos Evangelhos de Lucas e Mateus. A gloriosa tradição da Natividade da Igreja é construída sobre a doce e simples história de Lucas com anjos, pastores e vizinhos alegres. O feliz Natal que as pessoas desejam umas às outras é expurgado dos efeitos prejudiciais do drama de Mateus com a tortura psicológica de José diante do dilema do que fazer com Maria grávida e o medo, pânico e lágrimas causadas pelo édito de Herodes ameaçando com extinção prematura a vida nascente do Filho de Deus. Feliz Natal e Próspero Ano Novo 2020
Não queiram apagar a luz Carlos Morais José - 19 Dez 2019 [dropcap]A[/dropcap]o que parece, há por aí gente que veio para a China sem saber ao que vinha e para onde vinha. A ignorância é desculpável. Afinal, Portugal fica praticamente do outro lado do mundo e não há muita informação disponível. Por isso, será normal que muito pessoal aqui aterre sem saber onde está a aterrar e fique aterrado com o que encontra (ai, afinal são comunistas!… e outras coisas do género). Não obstante, a malta não recusa o ordenado que, no limite, vem de bolsos chineses, nem as mordomias que esse ordenado lhe permite. Contudo, numa espécie de pacificação da consciência, vai plasmando nas redes sociais o seu ódio ou desprezo ou lá o que é pelo país que — não só lhe paga o pão e a casa — está muito longe de conhecer ou compreender, na medida em que, em geral, ainda não saíram da terrinha. Ou a terrinha não saiu deles. Confessemos que o espectáculo da ignorância e da inveja, é chato. E é duplamente chato quando a ele assistimos protagonizado por um dos nossos. O que não se compreende é como é que se atura tanta repressão, tanta iniquidade, tanta falta de liberdade. E (imaginem!) dói-lhes ver aquilo a que chamam “Macau a tornar-se chinês”. Como se alguma vez tivesse sido outra coisa! A parte que talvez não compreendam é que só pisam este solo porque ele foi regado durante séculos por sangue, lágrimas e suor de uma comunidade minoritária que soube respeitar os legítimos habitantes desta terra e por isso aqui permaneceu, quantas vezes em temíveis equilíbrios, durante quatro séculos e meio. E que pretende continuar aqui por muito mais tempo. Prosseguir o milagre. Que, por acaso, é inusitado e lindo. Macau chama-se em chinês “Porta da Baía”: tanto se entra como se sai. Liberdade total. Não se caia é na tentação de ao sair querer apagar a luz.
Leitura de Hölderlin António Cabrita - 19 Dez 2019 [dropcap]«E[/dropcap]l dios tiene sus propias medidas,/ él es solo un instante/ rozando apenas las moradas de los hombres,/ y estos, de hecho,/ no saben lo que es,/ y no pueden saberlo porque permanecen prisioneiros/ del género de saber con el que habitualmente/ conocen las cosas y las circunstancias y a sí mismos.» leio este trecho de Hölderlin em epígrafe, num ensaio do argentino Hugo Mujica. Comentemos: … com o que habitualmente os homens conhecem as coisas e as circunstâncias e a si mesmos: mesmo que ligadas pela copulativa e parecem os termos de relação descosidos, pois não se apresentam ainda organicamente fundidos num nexo. São os deuses quem lhes dá a medida, quem lhes empresta o viés inesperado que os colocará em relação, na sincronia de um exercício respiratório que os transitará para um nível diferente de significação. Contudo esse discernimento – um relâmpago tão afim a Heraclito, Hölderlin e Gonzalo Rojas -, eis a desgraça do homem, só dura um instante. O que coincide com esses raros momentos em que os deuses fazem morada nos homens e permitem que estes acedam ou ascendam ao modo de relação que harmoniza momentaneamente o caos e elucida uma unidade até aí fora do conceito. Não admira que o homem aspire à embriaguez, como diria Nietzsche, um plinto para a intensificação da potência, e que Platão lhe associe o entusiasmo. Sem esse súbito dom que areja a coagulação de um sentido as coisas estarão desligadas das circunstâncias, e o homem delas e de si mesmo, posto que a sua plenitude só se cumpre no âmbito da relação. Mas esta, se organiza os liames, permanece na sombra e antes do engendramento que a ilumina é vivenciada como obliteração, impotência, mistério, até que incarna e se faz presença. Talvez ajude a pensar esta asserção de Hugo Mujica: «Para o conhecimento funcional, para o olhar cativo da utilidade, as coisas não se manifestam, não são na sua liberdade, são o que eu delas capturo, não o que têm de dom. Elas são apenas o que são para mim. Elas não são em e desde si, elas são desde e para mim. Elas são o preço, não a gratuidade.» O preço corresponde ao que é mensurável no “meu” interesse, de ente isolado. Nós capturamos as coisas, as circunstâncias, uma iludida auto-percepção de nós, utilizamo-las, mas numa perspectiva utilitária e parcial – não as captamos. Isto só acontece em deixando que elas se manifestem na sua liberdade, na dança da alteridade. O dom é esse abrir-se à música da relação, abertos os poros à ressonância, à gratuidade que lhes restitui a virtualidade dos possíveis. Antes disso o mundo dorme, as coisas estão lá mas não estão presentes, padecemos das circunstâncias sem as libertarmos, e somos o sonâmbulo de entorpecentes automatismos. A presença é afinal o alheamento de si numa floração para o outro, que o jogo activa, tornando o homem palustre e precariamente despertado para o fragor das imagens que o impelem à escuta. Este é um outro nome para a poesia. Para quem recebe uma vez a visita de um deus, difícil é depois separar-se. Quem conseguiu ler uma vez o padrão que dava uma unidade ao que parecia separado não esquece mais, quer a irradiação que ganhava cada coisa singular, magnificada, quer o fluxo da relação. Mesmo que essa indivisibilidade se manifeste de forma invisível, como no poema de Alberto Pucheu, Incapturáveis: «Desde criança, no Socavão, alguns dos sons que mais me impressionam/ são os dos bugios no alto das árvores das montanhas./ Dizem que eles emitem esses sons reverberantemente graves/quando se aproximam para encontrar água, quando a água falta/ nas distâncias em que vivem. Não sei se é isso mesmo./ Sei, entretanto, que, apesar de frequentar o vale desde que nasci,/ nunca os vi, que, mesmo que já os tenha escutado em bando muito de perto/ quando, uma tarde, caminhava pela mata,/ eles jamais se ofereceram ao meu olhar demasiadamente humano para eles./ Talvez eles estejam me ensinando um outro modo de conviver com eles/ desde o ponto de vista deles: que eu os ouça, mas não os veja./ É mais provável, entretanto, que eles não estejam me ensinando nada,/ que eles apenas estejam lá, vivendo a vida deles,/ res-guardando o afastamento necessário para suas sobrevivências/ em modos minimamente possíveis, pacíficos, incapturáveis./ É mais provável ainda que, incapturáveis,/ não seja nada disso do que digo o que ocorra com eles/ enquanto, mais uma vez, escuto seus urros sobrepostos/ zoando pela floresta dentro de mim.» Mesmo nascido do invisível é a escuta o penhor da confiança, o seu albor. O que pede o retorno a uma certa nudez, a um desencapsulamento dos graus de atenção na palavra; que nos aliviemos de afunilar o olhar como o lenhador que o Tolstoi evocava ao lastimar que há quem atravesse o bosque e nele só veja lenha para o fogo. Mujica corrobora-o, escreve: «Pode-se olhar ou, valha a redundância, fitar com o olhar. O recém-nascido – os olhos que ainda não nomeiam – olha com os olhos ainda corpo, ainda tacto, com a carne inteira; o adulto já não olha, fita, não já com os olhos mas com a intenção, o adulto, como adulto adultera: antecipa… Não conhece, reconhece; não sente, pressente. No olhar descuidado de si, em atenção aberta, em vez de perceber a realidade regida ou/e de a reger pelos nossos interesses e desejos, o olhar libera os laços que a ligam à vontade e também à simples razão e abre-se para acolher o mundo, quase se diria que nasce nele. Calam-se as distinções e suspendem-se as apropriações: expande-se a percepção no acolhimento.» Que medidas tem, pois, o deus? As que a sua visita arma em nós, quando impele nos vasos a abertura das corolas e nós lhe emprestamos o perfume.
De que romances gosto? Luís Carmelo - 19 Dez 20196 Mar 2020 [dropcap]D[/dropcap]izer que se gosta de gatos, de omeletes bem passadas ou de filmes rocambolescos não é algo que aconteça à parte das nossas motivações pessoais. Gostar é concretizar um ânimo; congelá-lo, se for preciso. Na larga maioria dos casos, quando se gosta, a finalidade e o desejo sobrepõem-se ao prazer desinteressado. Se gosto de almoçar no restaurante Carrossel, é porque lá regressarei (nem que seja através da memória). Também é verdade que, ao gostar-se seja do que for, estamos sempre a aspirar a uma partilha. Espera-se sempre do outro lado que haja um acordo, algo em comum ou uma concórdia (ainda que apenas possível) por parte de alguém. Até o gosto pela natureza me parece francamente interessado, porque eu próprio sou a natureza que mais admiro, sejam os pinhais, o mar ou a noite que cai, na medida em que a trago comigo e, na minha intimidade, sou constituído em grande parte pelo que ela imaterialmente me concede. Gostar é um modo híbrido, mas não cognitivo, de exprimir e de enfunar o mundo, pois nele se comprimem afectos, disposições imediatas, tentações, mas também, necessariamente, alguma normatividade (dê por onde der, não existe recanto do universo em que o humano não seja falado através de regras e das linguagens que estão ao seu alcance). Dito isto, confesso que gosto muito de romances. Mas não de todos os romances. Com o tempo, a vontade de ler romances vai-se cingindo cada vez mais a um número muito restrito. Essa impiedosa geometria criada pelo gosto também pressiona – e de que maneira! – a minha oficina, razão por que tenho deixado de lado, por publicar, romances inteiros. Na década que agora termina publiquei cinco (o quinto, intitulado ‘Cálice’, sairá só em Fevereiro do próximo ano), mas deixei seis na gaveta. E nem sei bem porquê. O gosto tem os seus mistérios e há que saber respeitá-los sem grandes inquirições. A razão para este espírito selectivo é uma razão muito diluída, confesso. Mas tenho a certeza de que decorre muito mais dos acenos do gosto do que propriamente de uma sistematização de motivos, princípios ou argumentos literários (operações que, por acaso, cumpro profissionalmente com bastante assiduidade e com o máximo rigor que me é possível). Partindo desta premissa que julgo ser honesta, decidi responder, nesta crónica, à pergunta capital: afinal, Luís Carmelo, de que romances é que tu gostas? Eis as quinze respostas: Gosto de um romance que não se prenda a uma única história e que saiba escapar à navegação costeira. Gosto de um romance que extravase os terrenos para que foi inicialmente imaginado e que insista para além de uma natureza comum, pensável ou mesmo indentificável. Gosto de um romance que não seja apenas um espelho para representar o mundo, ou tão-só o reflexo seja do que for. Gosto de romances densos que sejam redes de linguagem para consertar os declives da finitude. Gosto de um romance em que as frases e as sequências projectem para fora de si tudo aquilo que não são. Isto é: que não higienizem o ânimo e que permitam sobretudo conotar o imponderável. Gosto de um romance que salte no escuro, ou seja: que não se furte ao jogo que coloca face a face segredo e revelação, mas sem deixar de ter como linha de fundo o mistério que nos funda. Gosto de um romance como espaço que se torna parte do sujeito e que com ele se confunda. Nunca acreditei que um romance pudesse ser um simples objecto diante de um sujeito, dele separado. Sujeito e objecto são, ao fim e ao cabo, falácias sem cartilagem. Gosto de um romance que não seja escravo de uma narrativa prévia ou de uma série de episódios, de que tão-só seria o utensílio, o instrumento ou o filtro. Gosto de romances que desrespeitem a obstrução fascista das linguagens e que sejam abertos às vocações geniais da agramaticalidade. Gosto de romances que reunam o irreunível, tal como aqueles eléctrodos invisíveis que soldam a matéria, criando novos arquipélagos imaginativos. Gosto de romances que se afirmam como cidades que já traríamos há muito connosco. Gosto de romances onde habite um fluxo livre (imanente, presente ou ideal) de vivências capaz de tocar no mundo com a arte do prestidigitador. Gosto de romances que sejam ensaios, poemas, crónicas, enfim com limites e teor por decifrar. Gosto de romances enigma. Gosto de romances negros e aquosos que dêem a ver o mundo como ele é (ou como ele seria) antes ainda de haver luz e de haver mundo. Não no sentido alquímico ou de Yourcenar, mas no de “Outrenoir”, a fase final da pintura de Pierre Soulages que tanto explorou a reflexão da luz sobre o mistério de telas absolutamente negras.
Hainan | Novo porta-aviões chinês entra em funções Hoje Macau - 19 Dez 2019 Antes da chegada a Macau, o Presidente chinês teve ainda tempo de presidir à cerimónia que assinala formalmente a entrada em funcionamento do primeiro porta-aviões chinês totalmente construído no país [dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, presidiu ontem à entrada em funcionamento do primeiro porta-aviões de construção nacional, afirmando a ascensão do país como potência naval num contexto de tensões no Mar do Sul da China. O Shandong é o segundo porta-aviões chinês a entrar em serviço depois do Liaoning, que foi originalmente comprado como um casco da Ucrânia e totalmente renovado pela tecnologia chinesa. As cerimónias na base naval de Sanya, no sul de Hainan, contaram com 5.000 representantes das forças navais e das empresas de construção do porta-aviões. Esta manifestação de poderio militar chinês decorreu horas antes de Xi Jinping chegar a Macau para a tomada de posse do novo governo da Região Administrativa Especial e para celebrações dos 20 anos da entrega, por Portugal, da administração do território a Pequim. A base na ilha do sul da província de Hainan é a principal estrutura militar chinesa no Mar do Sul da China, onde Pequim está envolvido numa disputa cada vez mais tensa sobre o território e os recursos submarinos de petróleo e gás. Pronto a navegar Os países da região, que contam com o apoio dos EUA, Japão e Austrália também têm fortalecido as suas forças militares em resposta à escalada existente. A China tem construído ilhas artificiais, equipadas com aeródromos e baterias de mísseis. Imagens da televisão estatal chinesa mostraram Xi a ser aplaudido ao embarcar no navio para entregar uma bandeira e um certificado, assinar o registo e cumprimentar os marinheiros. As 50 mil toneladas do Shandong completaram testes de mar no ano passado antes de regressar ao estaleiro no porto de Dalian, no norte do país, onde foi equipado com três dezenas de caças J-15 de fabrico chinês.
Hainan | Novo porta-aviões chinês entra em funções Hoje Macau - 19 Dez 2019 Antes da chegada a Macau, o Presidente chinês teve ainda tempo de presidir à cerimónia que assinala formalmente a entrada em funcionamento do primeiro porta-aviões chinês totalmente construído no país [dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, presidiu ontem à entrada em funcionamento do primeiro porta-aviões de construção nacional, afirmando a ascensão do país como potência naval num contexto de tensões no Mar do Sul da China. O Shandong é o segundo porta-aviões chinês a entrar em serviço depois do Liaoning, que foi originalmente comprado como um casco da Ucrânia e totalmente renovado pela tecnologia chinesa. As cerimónias na base naval de Sanya, no sul de Hainan, contaram com 5.000 representantes das forças navais e das empresas de construção do porta-aviões. Esta manifestação de poderio militar chinês decorreu horas antes de Xi Jinping chegar a Macau para a tomada de posse do novo governo da Região Administrativa Especial e para celebrações dos 20 anos da entrega, por Portugal, da administração do território a Pequim. A base na ilha do sul da província de Hainan é a principal estrutura militar chinesa no Mar do Sul da China, onde Pequim está envolvido numa disputa cada vez mais tensa sobre o território e os recursos submarinos de petróleo e gás. Pronto a navegar Os países da região, que contam com o apoio dos EUA, Japão e Austrália também têm fortalecido as suas forças militares em resposta à escalada existente. A China tem construído ilhas artificiais, equipadas com aeródromos e baterias de mísseis. Imagens da televisão estatal chinesa mostraram Xi a ser aplaudido ao embarcar no navio para entregar uma bandeira e um certificado, assinar o registo e cumprimentar os marinheiros. As 50 mil toneladas do Shandong completaram testes de mar no ano passado antes de regressar ao estaleiro no porto de Dalian, no norte do país, onde foi equipado com três dezenas de caças J-15 de fabrico chinês.
RAEM 20 anos | Carlos Fraga apresenta a Macau que continua desconhecida em Portugal Hoje Macau - 19 Dez 2019 Macau é um território que continua desconhecido em Portugal, apesar de ter sido colónia portuguesa durante mais de quatro séculos e até há apenas duas décadas, afirmam os autores do filme documental “Macau – 20 anos depois”. O documentário estreia hoje na RTP [dropcap]A[/dropcap] falta de informação dos portugueses e mesmo dos macaenses residentes em Portugal sobre Macau, foi o que Carlos Fraga, realizador, e Helena Madeira, produtora, detectaram durante os cinco anos que lhes levou a elaboração de seis documentários, a partir dos quais fizeram a longa-metragem “Macau – 20 anos depois”, que se estreia hoje na RTP. “Foi o que detectámos, e foi unânime, todos são da opinião que Macau não é conhecido cá, apesar de todo o tempo que passou e da relação que houve, embora esteja muito longe. E é a isso que eles atribuem um pouco a coisa, a isso e a que politicamente Portugal esteve um pouco de costas para aquilo”, disse Carlos Fraga, em entrevista à Lusa. Esse sentimento de que “Macau não é devidamente conhecido” reforça a utilidade deste trabalho, feito com rigor, com conteúdos e que demonstra uma abordagem possível, que é sociológica e antropológica, explica o realizador. “Macau – 20 anos depois” é um apanhado do essencial sobre este período pós transmissão administrativa, retirado de seis documentários feitos anteriormente: “Macaenses em Lisboa – ilusão ou realidade”; “Portugueses em Macau – o outro lado da história”; “Dar e receber – a portugalidade em Macau”; “Interculturalidade – a lusofonia em Macau”; “Macaenses em Macau – renovando a identidade”; “Uns e outros – os chineses de Macau”. “Este trabalho de seis documentários demorou cinco anos a fazer, começámos em 2014 a filmar cá os ‘Macaenses’ e já não parámos até terminar a série”, conta Carlos Fraga, revelando que para esta série foram entrevistadas ao todo 85 pessoas. A necessidade de ilustrar o que os macaenses diziam quando falavam das suas recordações e saudades levou o realizador e a produtora Helena Madeira a Macau, e dessa experiência nasceu a ideia para os outros temas. Dessa experiência resultou o conhecimento de que apesar de Macau não ser uma colónia como foram Angola ou Moçambique – porque foi administrada pelos portugueses com a autorização dos chineses e não em resultado de uma conquista -, a relação entre os portugueses e os chineses de Macau era peculiar: não era de colonizador e colonizado, mas também não era “de igual para igual”. “Nem podia ser. Agora, não era violenta a ponto de provocar depois uma reacção. Quando se deu a devolução à China, se isso tivesse sido assim, provavelmente estaria a acontecer o que está a acontecer em Hong Kong, portanto, não havia uma repressão”, afirmou Carlos Fraga. No entanto, não tem dúvida de que, apesar de os portugueses não serem considerados colonizadores, “os chineses não tinham grande acesso, ou nenhum, a cargos oficiais e ao Estado que administrava, havia ali uma diferença sem ser hostil”. Carlos Fraga destacou ainda que apesar de a comunidade portuguesa estar bem integrada na sociedade macaense, o que resulta dos depoimentos do filme é que os portugueses viviam muito fechados na sua comunidade, uma realidade que se mantém 20 anos depois da transmissão, com a diferença de que agora é mais estratificado, ou seja, os advogados dão-se com os advogados, os médicos dão-se com os médicos e por aí fora. A prova de que os portugueses estavam fechados sobre si mesmos é que hoje, por exemplo, “é quando se tem a consciência de que deviam ter aprendido chinês, portanto se não aprenderam é porque a integração era relativa, de alguma maneira não havia essa comunicação da língua”. “Hoje em dia já há o inglês, que facilita a comunicação, mas na altura o inglês não estava tão divulgado e não era tão assumido, hoje em dia as novas gerações falam inglês, e tudo bem, mas isso prova que realmente havia um fosso de comunicação entre os chineses e portugueses”, afirmou. Vil metal A série de documentários “Macau – 20 anos depois” teve o apoio, entre outros, do Instituto Português no Oriente, da Fundação Jorge Álvares, da Fundação Oriente e da Fundação Macau. Apesar das queixas quanto a dificuldades técnicas por falta de apoios, o realizador mostra-se satisfeito com o resultado final, afirmando que nas condições em que foi feito, “muito poucas produtoras teriam continuado o trabalho”. “Em termos de apoios financeiros, foi muito escasso, trabalhámos no fio da navalha”, revelou Carlos Fraga, confessando tristeza com o facto de por vezes se pôr “o interesse comercial à frente das coisas”. De acordo com cineasta, sempre que apresentava o seu projecto como uma série documental de abordagem antropológica, a maioria das entidades “servia-se do argumento de desinteresse por não ser um produto de massas”, justificação que “entristecia” o realizador, por vir de “entidades oficiais com alguma obrigação”. Depois de pronta a série, a Universidade de Macau e o Politécnico de Macau compraram-na por entenderem ser um “produto muito interessante”, da mesma forma que a Universidade Católica também já demonstrou interesse, disse. O Museu de São Roque, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, também comprou a série e vai exibir o documentário dois (“Portugueses em Macau – o outro lado da história”), hoje e no dia 21 de Dezembro. Hoje o filme “Macau – 2º anos depois” estreia na RTP, enquanto na Cinemateca estreia o documentário seis (“Uns e outros – os chineses de Macau”). Cova de Lai Chi Vun Vinte anos após a transferência, Macau deixou de ser uma “vila pacata” para se transformar numa “Las Vegas com cheirinho a Cacilhas”, onde, apesar do crescimento exponencial, a cultura portuguesa se mantém. Esta é uma das principais ideias que resultam da longa metragem documental. Uma dessas intervenções resume a Macau dos dias de hoje como uma “Las Vegas ainda com um cheirinho a Cacilhas”, porque “apesar das grandes alterações, de ter havido um crescimento exponencial de população, e os casinos e tudo aquilo, e de os portugueses dizerem que já não podem sair, já não há aquele ambiente de cidade provinciana que havia anteriormente, mesmo assim, está ali lacrado, mantém-se essa forma de estar que é muito portuguesa”, afirma Helena Madeira. “A zona histórica de Macau é um bocadinho de Portugal no Oriente”, afirma outro dos entrevistados em “Macau – 20 anos depois”, o que leva à questão de saber se é só isso que resta da presença portuguesa em Macau, e se tudo o resto tem desaparecido. Na opinião de Carlos Fraga, a cultura portuguesa “não se tem esbatido demasiado”. “Eu acho que não, graças aos chineses também – há que dizer as coisas -, que eles realmente estão empenhados em manter a identidade de Macau com essa particularidade da presença portuguesa”. E se o realizador não consegue ser perentório a afirmar essa manutenção pela parte cultural, pela parte monumental tem “a certeza”: “as coisas estão preservadas, eles investem nisso”. “Porque é o que todos dizem e é a verdade, diferencia das demais cidades. Esta realmente tem aquele cantinho ali muito português, muito europeu”. Para Helena Madeira, “há mesmo uma simbiose que paira no ar, que não se vê mas sente-se”. “Macau é efectivamente uma simbiose de Oriente com Ocidente. Não há dúvida nenhuma, porque [uma pessoa] vai a Macau, anda a passear pelas ruas no meio de milhões de chineses, vê ali uma casinha do tempo da administração portuguesa, vê as ruas com o nome em português e chinês, os autocarros também têm o destino em chinês e português”, descreve a produtora, acrescentando: “há toda uma atmosfera, todo um ambiente, que nos faz sentir em casa”. Helena Madeira considera que a portugalidade “está ali lacrada no ambiente” e isso percebe-se até nos depoimentos dos chineses de Macau – que entram no sexto documentário, que se estreia no dia 19 na Cinemateca -, que viveram em Macau no tempo da administração portuguesa e que conviveram com portugueses. Exemplo disso é um jovem músico macaense que diz que a cultura portuguesa está já no seu ADN. “Os chineses de Macau, que lá viviam antes desta administração, que cresceram lá, sentem essa diferença enorme entre eles, os chineses do continente e os chineses de Hong Kong, que têm o selo do império britânico. Os nossos têm o selo do império lusitano”, brincou. Uma outra ideia veiculada pelos intervenientes no documentário é a de que a presença de Portugal deu a Macau uma certa paz, alegria e um maior relacionamento humano. “Nós somos pacíficos, somos pouco conflituosos, sabemos receber bem as pessoas, convivemos bem com as pessoas, somos boas pessoas”, diz Helena Madeira. Uma das entrevistadas no filme diz que o macaense é “híbrido, não é continental nem português” e que é possível distinguir na rua, apenas olhando, quem é chinês de Macau e quem é chinês do continente, uma ideia corroborada por Helena Madeira, que diz que a forma de uma pessoa estar numa fila de autocarros, por exemplo, é suficiente para fazer essa distinção, porque o comportamento do chinês de Macau é mais próximo do ocidental, é aquilo que os próprios classificam como “mais civilizado”.
RAEM 20 anos | Carlos Fraga apresenta a Macau que continua desconhecida em Portugal Hoje Macau - 19 Dez 2019 Macau é um território que continua desconhecido em Portugal, apesar de ter sido colónia portuguesa durante mais de quatro séculos e até há apenas duas décadas, afirmam os autores do filme documental “Macau – 20 anos depois”. O documentário estreia hoje na RTP [dropcap]A[/dropcap] falta de informação dos portugueses e mesmo dos macaenses residentes em Portugal sobre Macau, foi o que Carlos Fraga, realizador, e Helena Madeira, produtora, detectaram durante os cinco anos que lhes levou a elaboração de seis documentários, a partir dos quais fizeram a longa-metragem “Macau – 20 anos depois”, que se estreia hoje na RTP. “Foi o que detectámos, e foi unânime, todos são da opinião que Macau não é conhecido cá, apesar de todo o tempo que passou e da relação que houve, embora esteja muito longe. E é a isso que eles atribuem um pouco a coisa, a isso e a que politicamente Portugal esteve um pouco de costas para aquilo”, disse Carlos Fraga, em entrevista à Lusa. Esse sentimento de que “Macau não é devidamente conhecido” reforça a utilidade deste trabalho, feito com rigor, com conteúdos e que demonstra uma abordagem possível, que é sociológica e antropológica, explica o realizador. “Macau – 20 anos depois” é um apanhado do essencial sobre este período pós transmissão administrativa, retirado de seis documentários feitos anteriormente: “Macaenses em Lisboa – ilusão ou realidade”; “Portugueses em Macau – o outro lado da história”; “Dar e receber – a portugalidade em Macau”; “Interculturalidade – a lusofonia em Macau”; “Macaenses em Macau – renovando a identidade”; “Uns e outros – os chineses de Macau”. “Este trabalho de seis documentários demorou cinco anos a fazer, começámos em 2014 a filmar cá os ‘Macaenses’ e já não parámos até terminar a série”, conta Carlos Fraga, revelando que para esta série foram entrevistadas ao todo 85 pessoas. A necessidade de ilustrar o que os macaenses diziam quando falavam das suas recordações e saudades levou o realizador e a produtora Helena Madeira a Macau, e dessa experiência nasceu a ideia para os outros temas. Dessa experiência resultou o conhecimento de que apesar de Macau não ser uma colónia como foram Angola ou Moçambique – porque foi administrada pelos portugueses com a autorização dos chineses e não em resultado de uma conquista -, a relação entre os portugueses e os chineses de Macau era peculiar: não era de colonizador e colonizado, mas também não era “de igual para igual”. “Nem podia ser. Agora, não era violenta a ponto de provocar depois uma reacção. Quando se deu a devolução à China, se isso tivesse sido assim, provavelmente estaria a acontecer o que está a acontecer em Hong Kong, portanto, não havia uma repressão”, afirmou Carlos Fraga. No entanto, não tem dúvida de que, apesar de os portugueses não serem considerados colonizadores, “os chineses não tinham grande acesso, ou nenhum, a cargos oficiais e ao Estado que administrava, havia ali uma diferença sem ser hostil”. Carlos Fraga destacou ainda que apesar de a comunidade portuguesa estar bem integrada na sociedade macaense, o que resulta dos depoimentos do filme é que os portugueses viviam muito fechados na sua comunidade, uma realidade que se mantém 20 anos depois da transmissão, com a diferença de que agora é mais estratificado, ou seja, os advogados dão-se com os advogados, os médicos dão-se com os médicos e por aí fora. A prova de que os portugueses estavam fechados sobre si mesmos é que hoje, por exemplo, “é quando se tem a consciência de que deviam ter aprendido chinês, portanto se não aprenderam é porque a integração era relativa, de alguma maneira não havia essa comunicação da língua”. “Hoje em dia já há o inglês, que facilita a comunicação, mas na altura o inglês não estava tão divulgado e não era tão assumido, hoje em dia as novas gerações falam inglês, e tudo bem, mas isso prova que realmente havia um fosso de comunicação entre os chineses e portugueses”, afirmou. Vil metal A série de documentários “Macau – 20 anos depois” teve o apoio, entre outros, do Instituto Português no Oriente, da Fundação Jorge Álvares, da Fundação Oriente e da Fundação Macau. Apesar das queixas quanto a dificuldades técnicas por falta de apoios, o realizador mostra-se satisfeito com o resultado final, afirmando que nas condições em que foi feito, “muito poucas produtoras teriam continuado o trabalho”. “Em termos de apoios financeiros, foi muito escasso, trabalhámos no fio da navalha”, revelou Carlos Fraga, confessando tristeza com o facto de por vezes se pôr “o interesse comercial à frente das coisas”. De acordo com cineasta, sempre que apresentava o seu projecto como uma série documental de abordagem antropológica, a maioria das entidades “servia-se do argumento de desinteresse por não ser um produto de massas”, justificação que “entristecia” o realizador, por vir de “entidades oficiais com alguma obrigação”. Depois de pronta a série, a Universidade de Macau e o Politécnico de Macau compraram-na por entenderem ser um “produto muito interessante”, da mesma forma que a Universidade Católica também já demonstrou interesse, disse. O Museu de São Roque, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, também comprou a série e vai exibir o documentário dois (“Portugueses em Macau – o outro lado da história”), hoje e no dia 21 de Dezembro. Hoje o filme “Macau – 2º anos depois” estreia na RTP, enquanto na Cinemateca estreia o documentário seis (“Uns e outros – os chineses de Macau”). Cova de Lai Chi Vun Vinte anos após a transferência, Macau deixou de ser uma “vila pacata” para se transformar numa “Las Vegas com cheirinho a Cacilhas”, onde, apesar do crescimento exponencial, a cultura portuguesa se mantém. Esta é uma das principais ideias que resultam da longa metragem documental. Uma dessas intervenções resume a Macau dos dias de hoje como uma “Las Vegas ainda com um cheirinho a Cacilhas”, porque “apesar das grandes alterações, de ter havido um crescimento exponencial de população, e os casinos e tudo aquilo, e de os portugueses dizerem que já não podem sair, já não há aquele ambiente de cidade provinciana que havia anteriormente, mesmo assim, está ali lacrado, mantém-se essa forma de estar que é muito portuguesa”, afirma Helena Madeira. “A zona histórica de Macau é um bocadinho de Portugal no Oriente”, afirma outro dos entrevistados em “Macau – 20 anos depois”, o que leva à questão de saber se é só isso que resta da presença portuguesa em Macau, e se tudo o resto tem desaparecido. Na opinião de Carlos Fraga, a cultura portuguesa “não se tem esbatido demasiado”. “Eu acho que não, graças aos chineses também – há que dizer as coisas -, que eles realmente estão empenhados em manter a identidade de Macau com essa particularidade da presença portuguesa”. E se o realizador não consegue ser perentório a afirmar essa manutenção pela parte cultural, pela parte monumental tem “a certeza”: “as coisas estão preservadas, eles investem nisso”. “Porque é o que todos dizem e é a verdade, diferencia das demais cidades. Esta realmente tem aquele cantinho ali muito português, muito europeu”. Para Helena Madeira, “há mesmo uma simbiose que paira no ar, que não se vê mas sente-se”. “Macau é efectivamente uma simbiose de Oriente com Ocidente. Não há dúvida nenhuma, porque [uma pessoa] vai a Macau, anda a passear pelas ruas no meio de milhões de chineses, vê ali uma casinha do tempo da administração portuguesa, vê as ruas com o nome em português e chinês, os autocarros também têm o destino em chinês e português”, descreve a produtora, acrescentando: “há toda uma atmosfera, todo um ambiente, que nos faz sentir em casa”. Helena Madeira considera que a portugalidade “está ali lacrada no ambiente” e isso percebe-se até nos depoimentos dos chineses de Macau – que entram no sexto documentário, que se estreia no dia 19 na Cinemateca -, que viveram em Macau no tempo da administração portuguesa e que conviveram com portugueses. Exemplo disso é um jovem músico macaense que diz que a cultura portuguesa está já no seu ADN. “Os chineses de Macau, que lá viviam antes desta administração, que cresceram lá, sentem essa diferença enorme entre eles, os chineses do continente e os chineses de Hong Kong, que têm o selo do império britânico. Os nossos têm o selo do império lusitano”, brincou. Uma outra ideia veiculada pelos intervenientes no documentário é a de que a presença de Portugal deu a Macau uma certa paz, alegria e um maior relacionamento humano. “Nós somos pacíficos, somos pouco conflituosos, sabemos receber bem as pessoas, convivemos bem com as pessoas, somos boas pessoas”, diz Helena Madeira. Uma das entrevistadas no filme diz que o macaense é “híbrido, não é continental nem português” e que é possível distinguir na rua, apenas olhando, quem é chinês de Macau e quem é chinês do continente, uma ideia corroborada por Helena Madeira, que diz que a forma de uma pessoa estar numa fila de autocarros, por exemplo, é suficiente para fazer essa distinção, porque o comportamento do chinês de Macau é mais próximo do ocidental, é aquilo que os próprios classificam como “mais civilizado”.