Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesPERSPECTIVAS |A vida sem violência é um direito humano fundamental [drocap style=’circle’]A[/dropcap] ONU define a violência contra as mulheres como qualquer acto de violência de género que resulte, ou possa ter como resultado um dano físico, sexual ou psicológico para a mulher, incluindo as ameaças de tais actos, a coacção ou a privação arbitrária da liberdade, ocorrida em público ou em privado. A violência familiar refere-se ao comportamento do parceiro ou ex-parceiro íntimo, que causa dano físico, sexual ou psicológico, incluídas a agressão física, coacção sexual, abuso psicológico e os comportamentos de controlo. A violência sexual é qualquer acto sexual, a tentativa de consumar um acto sexual, ou outro acto dirigido contra a sexualidade de uma pessoa por meio de coacção de outra pessoa, independente da sua relação com a vítima. A violência contra as mulheres é um problema grave de saúde pública, bem como uma violação flagrante dos direitos humanos da mulher. A nível mundial, uma em cada três mulheres, em todo o mundo, foram vítimas de violência física e/ou sexual do seu companheiro, ou violência sexual por pessoas diferentes do seu parceiro íntimo, em algum momento da sua vida. Ainda que, as mulheres possam ser expostas a muitas outras formas de violência, consta-se que uma elevada percentagem da população feminina mundial, senão na sua maior parte é vítima de violência doméstica. A maioria dos casos é violência infligida pelo seu parceiro íntimo. É de considerar que, em todo o mundo, quase um terço de todas as mulheres que tiveram um relacionamento de casal, referem ter sido vítimas de violência física e/ou sexual por parte do seu companheiro, e em algumas regiões, este valor pode ser muito superior. A nível mundial, cerca de 40 por cento do número total de homicídios femininos são cometidos pelo seu parceiro íntimo, o que mostra ser um cenário alarmante. As mulheres que têm sido vítimas de abuso físico ou sexual pelos seus parceiros íntimos, correm um maior risco de sofrer uma série de graves problemas de saúde. Assim, por exemplo, têm mais 16 por cento de probabilidades de dar à luz crianças com baixo peso, e mais do dobro de sofrer um aborto, ou quase o dobro de padecer uma depressão e, em algumas regiões, são uma vez e meia mais propensas a contrair o vírus do HIV, por comparação com as mulheres que não tenham sido vítimas de violência doméstica. A nível mundial, 7 por cento das mulheres foram agredidas sexualmente, por uma pessoa distinta do seu parceiro íntimo. Ainda que, exista menos informação sobre os efeitos da violência sexual não conjugal na saúde, da informação existente depreende-se que as mulheres que sofreram esta forma de violência, são 2,3 vezes mais propícias a desenvolver distúrbios relacionados com o consumo de álcool, e 2,6 vezes mais inclinadas, a sofrer de depressões ou ansiedade. Assim, existe a necessidade de redobrar os esforços em várias áreas, de forma a prevenir esta forma de violência, e oferecer os serviços necessários às mulheres que sofrem. A mudança assinalada na prevalência da violência dentro das comunidades, países e regiões, ou entre estes, põe em evidência que a violência não é inevitável, e que pode ser prevenida. Existem programas de prevenção promissores, que terão de ser testados e alargados, e há cada vez mais informação sobre os factores que explicam a modificação observada em todo o mundo. Tal informação, mostra a necessidade de abordar os factores económicos e socioculturais, que fomentam uma cultura de violência contra a mulher, incluindo a importância de interrogar as normas sociais que reforçam a autoridade, e a dominação do homem sobre a mulher, e aprovam ou toleram a violência contra as mulheres. É necessário reduzir o grau de exposição à violência na infância, reformar o direito da família, promover os direitos económicos, sociais e culturais da mulher, e acabar com as desigualdades de género no acesso ao emprego na economia formal e ao ensino secundário. É necessário também, prestar serviços às vítimas de violência. O sector da saúde deve desempenhar um papel mais importante, quando tenha de dar resposta à violência por parceiro íntimo e sexual contra a mulher. As novas directrizes clínicas e normativas sobre a resposta do sector da saúde à violência contra a mulher, revelam a necessidade urgente de integrar estas questões na educação clínica. É importante que todos os prestadores de cuidados saúde entendam que a exposição à violência e má saúde das mulheres estão intimamente relacionadas, e que podem dar respostas adequadas, sendo um aspecto fundamental, o de encontrar oportunidades para oferecer apoio e encaminhar as mulheres a outros serviços que carecem, como por exemplo, quando as mulheres procuram acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, como o cuidado pré-natal, planeamento familiar, pós-aborto, serviços de rastreio do vírus HIV, saúde mental ou de urgência. A disponibilidade de serviços complementares de cuidado às vítimas de violações, deve ser assegurado, e o acesso aos mesmos numa escala maior que a existente na maior parte dos países. A violência contra a mulher, especialmente a exercida pelo seu parceiro íntimo e a violência sexual, são um grave problema de saúde pública e uma violação dos direitos humanos das mulheres. É de notar que o baixo nível de instrução, abuso infantil, exposição a cenas de violência na família, uso nocivo do álcool, atitudes de aceitação da violência e as desigualdades de género, são factores associados a um maior risco de serem cometidos actos violentos. Os factores associados ao aumento da possibilidade de ser uma vítima do parceiro íntimo ou de violência sexual, incluem um baixo nível de educação, a exposição a cenas de violência entre os pais, abuso durante a infância, atitudes de aceitação da violência e desigualdades de género, e em famílias de altos rendimentos, existe informação que permite mostrar que os programas escolares de prevenção da violência por parceiro íntimo, ou violência na fase de namoro entre os jovens podem ser eficazes. As estratégias de prevenção primária nas famílias de baixos rendimentos, parecem ser prometedoras, como sejam, o microfinanciamento conjuntamente, com a formação em igualdade de género e as iniciativas comunitárias direccionadas contra a desigualdade de género, ou inclinadas a melhorar a comunicação e aptidões para as relações interpessoais. As situações de conflito, pós-conflito e deslocamento podem agravar a violência, como a violência por parte do parceiro íntimo, e originar formas adicionais de violência contra as mulheres. A violência do parceiro íntimo e a violência sexual são cometidas na sua maioria por homens, contra mulheres e crianças do sexo feminino, ainda que o oposto tenha vindo a aumentar. O abuso sexual infantil afecta crianças do sexo feminino e masculino. Os estudos realizados demonstram que aproximadamente 20 por cento das mulheres e 5 a 10 por cento dos homens, referem ter sido vítimas de violência sexual na infância. A violência entre os jovens, que inclui também a violência doméstica é outro sério problema. As crianças que crescem em famílias, em que existe violência, podem sofrer diversos transtornos de comportamento e emocionais. Estes transtornos, podem associar-se também, à acção ou ao sofrimento de actos de violência, em fases posteriores da sua vida. A violência doméstica também está associada a maiores taxas de mortalidade e morbilidade em menores de cinco anos. Os custos sociais e económicos deste problema são enormes, e repercutem-se por toda a sociedade. As mulheres podem ficar numa situação de isolamento e impossibilitadas de trabalhar, perder o seu emprego ou salário, deixar de participar nas actividades diárias, e ver diminuídas as suas forças físicas e anímicas para cuidar de si e dos seus filhos. Existem poucas intervenções actualmente, em muitos países, cuja eficácia tenha sido demonstrada por meio de estudos bem delineados e revelados à sociedade. É necessidade urgente a existência de mais recursos para reforçar a prevenção da violência pelo parceiro íntimo e a violência sexual, sobretudo no campo da prevenção primária, para impedir que se produza o primeiro episódio. Quanto à prevenção primária, existe alguma informação correspondente a países de altos rendimentos, que sugerem que os programas escolares de prevenção da violência nas relações de namoro são eficazes. Todavia, não foi avaliado a sua possível eficácia em meios de recursos escassos. A fim de propiciar mudanças duradouras, é importante que se façam leis e se formulem políticas que protejam a mulher, combatam a discriminação da mulher, fomentem a igualdade de género e ajudem a adoptar normas culturais mais pacíficas. A resposta adequada do sector da saúde pode ser de grande ajuda para a prevenção da violência contra a mulher. A sensibilização e a formação dos prestadores de serviços de saúde e de assistência social constituem outra estratégia importante. Abordar de forma integral as consequências da violência e as necessidades das vítimas supervenientes requer uma resposta multissectorial. Estas considerações são defendidas com maior veemência no relatório da Organização Mundial de Saúde “Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence” de 2013. O relatório apresenta a primeira revisão sistemática e resumo de todas as informações científicas sobre o predomínio de duas formas de violência contra as mulheres, nomeadamente a violência pelo parceiro íntimo ou violência doméstica e a violência sexual infligida por outra pessoa, que não seja o parceiro íntimo, e denominada por violência sexual não conjugal. As previsões agregadas a nível mundial e regionais do predomínio destas formas de violência, obtidas a partir de informações demográficas mundiais recolhidas de forma sistemática foram apresentadas no relatório, pela primeira vez. As conclusões do relatório são impressionantes e devem ser tidas em conta na feitura das leis sobre a matéria. O relatório salienta que a violência contra a mulher é um fenómeno omnipresente em todo o mundo e transmite a forte mensagem que não se trata de um pequeno problema que afecta apenas alguns sectores da sociedade, mas também, de um problema de saúde pública mundial de proporções epidémicas, que requer a adopção de medidas urgentes. A “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, denominada de “Carta Internacional dos Direitos da Mulher”, foi adoptada pela ONU, a 18 de Dezembro de 1979, e entrou em vigor 3 de Setembro de 1981, sendo seguida da “Declaração Sobre A Eliminação Da Violência Contra As Mulheres” da ONU, de 20 de Dezembro de 1993. A “Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica” foi adoptada, em Istambul, a 11 de Maio de 2011, e entrou em vigor a 1 de Agosto de 2014. O seu principal objectivo é o de prevenir e averiguar os actos de violência sobre as mulheres em geral, e a violência doméstica, em particular. É de realçar que a “Lei da Violência Doméstica” da China, entrou em vigor, a 1 de Março de 2016. É necessária uma intervenção a nível mundial, pois uma vida sem violência é um direito humano fundamental inerente a todos os homens, mulheres e crianças. Jorge Rodrigues Simão
André Ritchie Sorrindo Sempre VozesO português em Macau [dropcap style=’circle’]L[/dropcap]i com algum interesse o artigo neste jornal sobre a tese da doutoranda Vanessa Amaro que se debruçou sobre os padrões de comportamento dos portugueses em Macau. (*) Naturalmente, quando se faz um estudo dessa natureza não é de todo inesperado que os resultados obtidos desencadeiem discussões agrestes, conforme se constata no próprio website do Hoje Macau onde o dito artigo pode ser lido. Generalizar é sempre perigoso – mais ainda quando (1) o universo de inquiridos se limita a um pequeno grupo de 60 portugueses e (2) o público é incapaz de interpretar de forma devida os resultados do estudo. Não se pretende com esse comentário tirar mérito ao trabalho feito o qual, conforme acima referido, me despoletou curiosidade por se tratar de um tema bastante interessante. O importante, parece-me, é ter-se consciência de que se trata de um estudo assim talhado e que, por isso, não querendo colocar em causa os resultados obtidos e as conclusões tiradas pela autora, há que aceitar que logo ao virar da esquina poderemos encontrar um português aqui em Macau com um comportamento diametralmente oposto. Dito isso, vou deixar aqui algumas considerações sobre o que me pareceu mais intrigante, esclarecendo-se desde já que o faço apenas com base no artigo do jornal, cujas passagens vou transcrever. O carácter temporário “Uma coisa comum é que todos pensam Macau como uma coisa muito temporária (…), nunca compraram casa, não aprenderam chinês porque sempre tiveram a intenção de um dia ir embora.” Já estivemos pior – se é que se possa considerar o “carácter temporário” uma coisa má. O que é certo é que antes da transferência de soberania esse “carácter temporário” era muito mais forte pois o português vivia Macau num cenário de contagem decrescente. Contudo, as coisas estão a mudar. Frequentemente assisto a conversas entre pais portugueses sobre a educação dos filhos e preocupações com a língua chinesa, não descartando a possibilidade de um futuro em Macau. Não significa que se tenha descartado o “carácter temporário”. Quando muito, abandonou-se a ideia do regresso já agendado. É claro que existem sempre uns ilustres que assumidamente não gostam de cá estar, mas que aqui estão porque, enfim, não têm outra alternativa. Mas há também outros recém-chegados que gostam genuinamente de cá estar e não sentem necessidade de planear uma eventual saída. E isto para não falar daqueles que já aqui estão há uma data de anos, já se multiplicaram, e que não se conseguem imaginar a viver noutro sítio tão cedo. Alguns, mesmo já reformados, são incapazes de deixar Macau para sempre: passam umas temporadas cá e outros lá, vêm e vão conforme a saudade lhes aperta – seja ela em que sentido for. Rejeição do termo emigrante “Outro denominador comum é a recusa do termo emigrante para definir um português que vive em Macau, por ser pejorativo.” Esse comportamento não se restringe apenas aos portugueses. Em geral, muitos que aqui estão, portugueses ou não, preferem a expressão “expatriado”, precisamente para evitar o cunho negativo que a expressão “emigrante” traz consigo. No entanto, já me parece mais grave quando se lê no artigo que os portugueses em Macau poderão considerar “(…) uma ofensa colocá-los em pé de igualdade como outras comunidades, como os filipinos (…)” e que terá a ver com “(…) a necessidade de a comunidade se tentar posicionar como elite.” É um facto que alguns têm essa mentalidade da elite, talvez fruto de um certo orgulho ferido. Contudo, e curiosamente, é também após a transferência de poderes que se observa em Macau a presença de portugueses com condições de trabalho e formas de vida não muito diferentes das dos nossos amigos da comunidade filipina. Portanto, ainda que existam os tais com a mania da elite – e felizmente não serão muitos, seguramente uma minoria – há também outros que têm uma postura admiravelmente humilde. E finalmente: a bolha “(…) a bolha em que vivem alguns portugueses, que adoptaram a ideia de que podem fazer a sua vida sem ter de aprender chinês (…), fecham-se nos seus grupos e fazem toda a sua vida no circuito português.” A bolha existe sim. E a língua é o factor principal. Questionou-me um dia um amigo meu da faculdade, que já aqui esteve por duas vezes, por que razão não falam chinês os portugueses em Macau. Dizia ele – com razão – que o português que fixe residência em qualquer outro país que seja aprende sempre a falar a língua local. A minha resposta? Este é um assunto para ser tratado com pinças e não quero (voltar) a ser mal interpretado e, como tal, limito-me a dizer o seguinte: tive o privilégio de ser educado desde muito cedo a aceitar de forma objectiva a transferência de soberania. Por essa razão hoje, na qualidade de português de Macau e em Macau, vivo harmoniosamente na RAEM sem complexos. Há coisas que levam tempo a mudar – estamos a falar de uma alteração profunda de mentalidade. E, analisando bem as coisas, a RAEM existe há apenas 16 anos. É preciso dar tempo ao tempo. Sorrindo Sempre Voltou à carga o nosso amigo Roy Eric Xavier. Como se não bastasse a birra que fez no passado quando instituições locais lhe recusaram o apoio para um projecto pessoal, agora, por alguma razão, decidiu acusar os líderes da comunidade macaense de miopia cultural. (**) As bombas que o senhor doutor lança sazonalmente já se tornaram habituais e a malta até já encolhe os ombros. Tal como o cão do vizinho que ladra sempre que alguém passa por perto – era preferível que não ladrasse, mas como está fechado dentro de casa e atrás da porta, também já pouco nos importamos. Melhor de tudo continua a ser a sua definição de Macaense – o tal International Macanese – que, confesso, ainda hoje fui incapaz de compreender. E mais baralhado fiquei depois de ler as suas últimas declarações: os Macaenses são “(…) os portugueses euroasiáticos (…) nascidos em Macau ou os descendentes de portugueses euroasiáticos nascidos ou com ligações familiares a Portugal, Goa, Índia Ocidental, sul da China (…) Japão, Malásia, Indonésia ou Timor”. (***) Com definições assim, não admira o senhor doutor considerar os líderes da comunidade Macaense uns míopes culturais. Porque afinal o mundo está cheio de Macaenses – de Portugal a Timor e até mesmo no Japão, os porutugaru kei nihonjin são também Macaenses, a Tina Yuzuki é também Macaense – mas por alguma razão ninguém os reconhece como tal, ninguém os consegue ver. Mas, tal como os extra-terrestres que a pouco e pouco vão colonizando o planeta Terra sem nos apercebemos – they are out there. (*) Hoje Macau, edição de 29 de Fevereiro de 2016 (**) JTM, edição de 25 de Fevereiro de 2016 (***) JTM, edição de 1 de Março de 2016
Flora Fong Perfil PessoasMatilda Ip, modelo [dropcap style=’circle’]T[/dropcap]em um rosto bonito e uma figura elegante. É jovem, natural de Macau, ainda que não tenha passado toda a adolescência aqui. Experimentou estudar fora e foi também no exterior que participou em concursos de beleza, onde havia, diz, muita concorrência. Matilda Ip estudou Psicologia na Universidade de Macau (UM) e tirou ainda um curso de mestrado em Hong Kong sobre “aconselhamento de jovens”. Mas Matilda nunca chegou a trabalhar exactamente nesta área. Em 2014, candidatou-se pela primeira vez a um concurso de beleza, o Miss Grand International, na Tailândia. “No concurso, estavam cem raparigas provenientes de diferentes países. Era no Verão, suei muito, mas foi engraçado. Visitei vários sítios e contactei com vários patrocinadores e média”, conta ao HM. Na altura, não pensava em trabalhar “em frente às câmaras”. Quando lhe foi sugerido por uma amiga, e foi escolhida para representar Macau no concurso, teve alguma formação de como desfilar em palco, fazer posturas em frente das luzes, câmaras e o público. Algo que, diz, gostou muito. “Foi como se fosse uma viagem com um grupo de raparigas, porque raramente estive assim com tantas pessoas. No início não nos conhecíamos umas às outras, mas quando ficamos mais próximas, consegui perceber que eram muito simpáticas. Quando acabou o concurso, tive muitas saudade da nossa amizade, porque raramente tive oportunidade de conhecer amigos da Ásia, Europa e EUA ao mesmo tempo. E agora, quando vou visitar alguns países, tenho uma “guia” que é também minha amiga lá, para me apresentar os sítios mais fixes”, diz. O pai não demonstra o que sente ao ver a filha participar num concurso de beleza, mas Matilda conta-nos que a mãe a apoia a fazer o que gosta, que passa também, confessa-nos, por conhecer mais o mundo. Vida ideal Matilda já usou vestidos bonitos, foi alvo de maquilhagens perfeitas, arrebatou palmas do público. Ser uma rapariga num concurso de beleza parece ter trazido outra vida a Matilda, sobretudo em frente das câmaras. Em 2015, Matilda foi convidada a participar no seu segundo concurso de beleza, a Miss Supranational, que teve lugar na Polónia. No início, hesitou muito, porque precisou de deixar o trabalho durante várias semanas, o que levou à preocupação dos pais. Mas a decisão foi tomada: Matilda vai passar o limite da idade de participação porque vai fazer 26 anos este ano. Assim, partiu logo para o país europeu. “Foi muito competitivo, as raparigas de outros países eram muito boas”, confessa-nos, relembrando. Não ganhou o prémio nesses dois concursos, mas a jovem assegura que gostou muito da experiência. Estes concursos, considera, são mais que uma competição. “Não é apenas pela beleza, mas também para aprender mais, pelo menos conhecer um outro país”. Mas, além de conhecer amigas e outros países, para Matilda, as participações são carregadas de uma missão: a de representar a sua cidade natal, Macau. “Para mim, participar num concurso de beleza é uma forma de fazer com que os outros conheçam Macau, não pensem que é apenas casinos e um sítio como uma mini Las Vegas. Posso apresentar Macau através de outros aspectos”. Matilda lembra-se muito bem quando andava numa escola no Canadá quando tinha 15 anos: os colegas não sabiam onde Macau é, alguns deles sabiam apenas que é “ao lado de Hong Kong”. A jovem quer ainda que as considerações sobre concursos de beleza passem a ser diferentes. “Quando falamos em concursos de beleza, as pessoas de Macau dão apenas atenção aos concursos em Hong Kong e desconhecem-nos, às pessoas de Macau, quando participámos nesses concursos. A situação é diferente de outros países, onde as pessoas apoiam muito e votam nas candidatas, fazendo até anúncios na televisão para promover as suas candidatas. Aqui quase nada, as pessoas pensam que as raparigas apenas vão trabalhar para televisão.” Depois destas experiências, Matilda começou a receber convites para trabalhar como modelo em Hong Kong e Macau, participando em filmes e também como maquilhadora freelancer. Agora, a jovem acabou de chegar a Xangai, onde está a trabalhar como uma “account executive” numa empresa de publicidade. Matilda vai dedicar-se mais os trabalhos “atrás das câmaras”. Até porque, conta-nos, gosta muito de comunicar com os outros, sobretudo as crianças, razão pela qual, aliás, decidiu estudar Psicologia. Mas como não gosta de trabalhar fixamente num escritório, e quer experimentar mais, não tentou ainda um trabalho nesta área. Talvez calhe quando acabar o trabalho em Xangai. Matilda tem, pelo menos, planos na manga.
Tomás Chio SociedadeRecursos Humanos | Agência prevê aumentos salariais de 3% [dropcap style=’circle’]L[/dropcap]ei Pui Sze, directora da empresa de consultadoria em recursos humanos Zhong Jiang, disse ao jornal Ou Mun que poderão existir aumentos salariais na ordem dos 3% este ano, sobretudo nos sectores da hotelaria e construção civil, as áreas onde mais faltam trabalhadores. A responsável garantiu que a quebra económica registada no último ano não vai influenciar estes aumentos, que deverão acontecer pelo facto da maior parte dos empreendimentos ficarem concluídos. “Uma parte das empresas de Macau não aumentou os salários dos seus funcionários e muitas delas fizeram uma actualização por baixo porque os seus negócios não correram bem. Muitos empregados despediram-se dos seus trabalhos depois de terem obtido o bónus da empresa, por isso prevê-se um elevado movimento no mercado de recursos humanos depois do Ano Novo Lunar”, apontou. Lei Pui Sze garante que houve mais rigor na contratação de trabalhadores não residentes, o que levou a que muitas obras tenham registado falta de mão-de-obra. Na área hoteleira, os hotéis de cinco estrelas não sentiram pressão ao nível dos recursos humanos, ao contrário dos hotéis de categorias mais baixas, que notaram uma falta de trabalhadores na área da reparação e da limpeza. A directora da empresa Zhong Jiang garante que os trabalhos de escritório são os mais procurados pelos jovens, que querem adquirir experiência para depois tentarem entrar na Função Pública.
Hoje Macau Eventos MancheteIC apresenta programa do Festival de Artes Com o “tempo” por tema e um apelo à imaginação, o festival deste ano traz-nos mais de 100 eventos onde se inclui Shakespeare para todos os gostos, o melhor de Tang Xianzu e até dança no gelo. De Portugal, vem Manuela Azevedo a cantar num campo de ténis, de Macau Álvaro Barbosa e José Alberto Gomes propõem música electrónica sobre imagens da Antárctica e os Dóci Papiaçam voltam à carga por entre aromas de chá [dropcap style=’circle’]L[/dropcap]evar à audiência as culturas chinesa e ocidental, continua ser objectivo do IC vincando a ideia com o assinalar dos 400 anos da morte de dois nomes de relevo da literatura mundial: William Shakespeare e Tang Xianzu. “Sonho de Uma Noite de Verão”, do dramaturgo britânico, vai mesmo ter honras de abertura num espectáculo produzido pela Shakespeare Theatre Company dos Estados Unidos, voltando os textos do mestre inglês aos palcos para encerrar o FAM com uma adaptação da tragédia “Macbeth”, encenada pela companhia sul-africana Third World Bunfight, que traz uma visão do mundo na paisagem pós-colonial de África e as relações históricas e contemporâneas entre a África e o Ocidente; Tang Xianzu, o grande dramaturgo da dinastia Ming também será evocado e com duas das suas obras: excertos de “O Pavilhão das Peónias”, pela Trupe de Ópera Yue Zhejiang Xiaobaihua e a tragédia romântica Lenda do Gancho de Cabelo Púrpura, interpretada pelo reconhecido actor de ópera cantonense de Macau Chu Chan Wa entre outros talentos locais. Shakespeare para todos Para além das peças enunciadas, Shakespeare estará ainda presente neste festival com a proposta local da Godot Art Association e encenação de Philip Chan, onde três artistas (Chang Wei Tek, Ieong Pan e Sam Choy) irão interpretar, numa noite, os escritos de Shakespeare com abordagens tão diferentes como canto, representação, fala, esgrima, malabarismo e magia em linguagem do dia-a-dia, com ênfase à interacção e colaboração dos espectadores. O Teatro Laitum, de Espanha, traz uma proposta diferente que a organização apresenta como “um espectáculo difícil de explicar, mas muito divertido de interpretar!” Encenado por Toti Toronell, a proposta é a de uma acção de rua intitulada Micro-Shakespeare, produzida para o Royal National Theatre de Londres, que se propõe condensar as obras de Shakespeare em cinco peças de oito minutos. O espectador atrás da caixa de teatro irá receber instruções através do auricular e movimentar os objectos de acordo com as instruções, sem saber a razão daquilo que ele/ela faz nem aquilo que ele/ela está a fazer. Electrónica e um sonho de Chá Para além de outras actuações de artistas locais, destacam-se o espectáculo “Viagem à Última Fronteira” de Álvaro Barbosa e José Alberto Gomes com Hong Seng no piano solo e a Hong Kong New Music Ensemble. Uma produção realizada a partir de uma expedição de dez dias ao continente antárctico num antigo barco oceanográfico dos anos 70 efectuada por Barbosa e o desenhador de instrumentos musicais, Victor Gama pelas ilhas da Península Antárctica onde coligiram gravações áudio e vídeo. O espectáculo apresenta peças musicais que incluem composições electrónicas originais de Gama tocadas em instrumentos por ele desenhados e num dispositivo de som interactivo (Carrilhão de Vento Radial) inventado por Barbosa. Poder-se-ão ainda ouvir sons gravados na Península Antárctica, transportando o público para a majestosa natureza daquele território. “O mundo maravilhoso com que temos sonhado desapareceu para sempre, devido à transição, à mudança e ao desenvolvimento da sociedade moderna. Se esta história for sobre a Macau do passado que já não existe, como é que vamos enfrentar e lidar com um futuro imprevisível?” Esta é a proposta dos Dóci Papiaçám que voltam com mais uma peça em patuá de Miguel Senna Fernandes. Mais gelo e música num campo de ténis Todos conhecemos Manuela Azevedo como a voz dos Clã mas desta vez ela traz uma proposta inovadora num espectáculo criado pela própria com Hélder Gonçalves e Victor Hugo Pontes. O espectáculo chama-se “Coppia” e pretende dar início a uma viagem na qual a dança e a música jogam num campo de ténis. O termo evoca parelha, dupla, casal, par remetendo para a ideia de casal amoroso, pois tem a mesma origem de “cópula”, e a associação gráfica evidente com a palavra portuguesa “cópia” e os seus significados – réplica, reflexo, repetição. A ideia é a de explorar todas estas possibilidades com temas David Byrne, Sérgio Godinho, Gilberto Gil, Sonny & Cher, Clã entre outros. Dança também é o que nos trazem os Le Patin Libre, do Canadá, mas sobre o gelo. Um espectáculo para o Ringue junto ao Camões sugestivamente intitulado “Deslizar”, que o jornal britânico The Guardian considera “um puro ímpeto corporal de liberação e espaço.” Sob a direcção técnica de Alexandre Hamel e Pascale Jodoin como co-encenador, cinco patinadores combinam a virtuosidade da patinagem artística com a atitude da dança de rua e a sofisticação do espectáculo contemporâneo. Este programa de 45 minutos foi especialmente criado para esta que é a primeira tournée asiática do grupo e consiste de uma compilação dos mais aclamados espectáculos criados pela companhia ao longo dos últimos dez anos. De Beckett ao Japão O monólogo “A Última Gravação de Krapp”, a aclamada obra de Samuel Beckett, encenado e interpretado pelo reconhecido dramaturgo e encenador de renome mundial Robert Wilson é outra das apostas do festival a par com uma peça desempenhada por actores com deficiências cognitivas que nos é trazida pelo Disabled Theater de Jérôme Bel e o Teatro HORA, da Suíça, e que pretende revelar como aqueles, apesar das suas insuficiências, são capazes de questionar a sociedade actual bem como os modos de vida de diferentes pessoas. Do Japão chega o coreógrafo Tao Ye que lidera Teatro TAO Dance nos bailados abstractos 6&7 que exploram o potencial do corpo humano e ainda o bailado Obsessão, da autoria dos coreógrafos japoneses Saburo Teshigawara e Rihoko Sato, que pretende demonstrar como uma obsessão interna pode dilacerar o consciente. Menos papel, mais recintos O orçamento deste ano levou um corte em relação ao do ano passado, de 29 para 27 milhões de patacas, mas que Ieong Chi Kin, Chefe do Departamento de Artes e Espectáculo do IC, garante ter sido por via, sobretudo, de uma poupança em materiais impressos passando este ano a organização a apostar mais na promoção online. Ung Vai Meng, presidente do Instituto, reforçou que o corte não terá impacto na qualidade do programa e aproveitou ainda para dizer que a proposta do IC é mesmo a de “levar a cultura a toda a cidade, transfigurando cada canto num ponto de ligação cultural”. O mesmo responsável adiantou ainda que, “sendo este o primeiro festival depois do processo de reestruturação existem agora mais instalações disponíveis e a preocupação do IC em ter espectáculos diversificados para toda a gente”. Ung Vai Meng referiu ainda a disponibilidade do governo em colaborar com entidades privadas para que “aconteçam mais coisas na cidade”. A audiência prevista para o evento estima o IC será na ordem das 13,000 pessoas. O Festival tem lugar entre os dias 30 de Abril e 29 de Maio e os bilhetes estão disponíveis a partir das 10:00 horas do dia 13 de Março.
Hoje Macau DesportoFutebol | Superliga chinesa dá o pontapé de saída [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] Superliga chinesa de futebol arrancou ontem, animada pela contratação de grandes estrelas internacionais, mas o único jogador português na competição, Rúben Micael, considera que o título será disputado apenas por “duas ou três equipas”. “Até podes ter o Messi, o Ronaldo e o Iniesta, mas se não tiveres mais oito bons jogadores é impossível ganhar o campeonato”, comenta à agência Lusa o médio internacional português. Apesar dos gastos recorde na contratação de nomes sonantes, Rúben Micael lembra que “quem faz a diferença são os jogadores chineses”. Segundo os regulamentos vigentes no campeonato chinês, no onze em campo podem alinhar, no máximo, três jogadores estrangeiros não asiáticos. “Há mais grandes craques de nível mundial que querem vir” para a China, revela Rúben Micael. “O problema são as vagas”. Por isso, o futebolista, que também já alinhou, entre outros, pelo União Madeira, Nacional, FC Porto e os espanhóis do Atlético de Madrid, acha “que eles deviam apostar mais na formação do jogador chinês”. O médio de 29 anos foi contratado no ano passado ao Sporting Braga pelo Shijiazhuang Everbright, clube sedeado na capital de Hebei, província que confina com Pequim. “Os primeiros quinze dias não foram fáceis”, recorda. O choque de viver entre uma “cultura diferente” foi, entretanto, atenuado por “um tradutor disponível 24 horas” e a “cozinha europeia que o clube faz questão de disponibilizar”. No Everbright jogam ainda um brasileiro, um venezuelano e um coreano. Milhões do oriente A China figura em 93.º lugar no ranking da FIFA. Qualificou-se uma única vez para um Mundial, em 2002, na Coreia do Sul, mas perdeu os três jogos que disputou e não marcou um único golo. No entanto, as 16 equipas que disputam a prova máxima do futebol chinês investiram este ano cerca de 331 milhões de euros na contratação de jogadores estrangeiros, mais 92% do que gastaram na temporada anterior. Naquele campo, a China bateu todas as potências desportivas do planeta. O brasileiro Alex Teixeira, contratado pelo Jiangsu Suning, por 50 milhões de euros, tornou-se o jogador mais caro de sempre no futebol chinês. O ex-avançado do FC Porto Jackson Martínez, contratado ao Atlético de Madrid pelo Guangzhou Evergrande, por 42 milhões de euros, foi o segundo mais caro. O clube treinado pelo brasileiro Luiz Felipe Scolari, antigo seleccionador de Portugal, tem vindo a dominar o futebol chinês nos últimos cinco anos. No ano passado, sagrou-se campeão após uma luta renhida com o Shanghai SIPG, conjunto orientado pelo sueco Sven Goran-Eriksson, que esteve no Benfica cinco épocas (1982/1984 e 1989/1992). Já o Jiangsu Suning, que terminou em nono lugar na época passada, promete ser também um forte candidato. Além de Alex Teixeira, aquele clube contratou o internacional brasileiro Ramires, que já passou pelo Benfica, por mais de 30 milhões de euros. O colombiano Fredy Guarín, que representou o FC Porto, rumou ao Shanghai Shenhua, enquanto o compatriota Freddy Montero, avançado do Sporting, assinou pelo Tianjin Teda, por cinco milhões de euros. O argentino Ezequiel Lavezzi, o costa-marfinense Gervinho ou o camaronês Stephane Mbia são outros jogadores pagos a ‘peso de ouro’ que se estreiam por emblemas chineses. A Superliga chinesa decorre até ao final de Outubro. Apesar do rol de estrelas a rumar a oriente não ter um impacto directo na selecção da China, já eliminada na fase de qualificação para o Mundial de 2018, Rúben Micael concorda que só se aprende com os melhores. “O jogador chinês vai-se esforçar ao máximo para aprender com os estrangeiros”, prevê.
Flora Fong Manchete SociedadeNovo Conselho de Renovação Urbana com mais constructores Trabalharam durante anos para reordenarem os bairros antigos e agora são substituídos. Mas acreditam que o novo grupo responsável por aquilo que se chama agora de renovação urbana possa fazer uso das suas conclusões, ao mesmo tempo que demonstram acreditar que a população seja realmente ouvida – ainda que o novo grupo tenha mais construtores São 21 os membros exteriores ao Governo que vão compor o Conselho de Renovação Urbana, sendo que a lista de nomeados pelo Chefe do Executivo é quase totalmente diferente do antigo Conselho Consultivo para o Reordenamento dos Bairros Antigos. Ainda que tivessem trabalhado durante uma década neste sentido, os antigos membros não são incluídos no novo grupo. Num despacho publicado na quarta-feira, pode ver-se que os membros do novo Conselho vão exercer funções durante um período de três anos. Nove deles são do sector imobiliário e de construção, onde se incluem, por exemplo, o ex-deputado Ung Choi Kun, presidente da Associação dos Empresários do Sector Imobiliário de Macau, Tang Hon Cheong, director da Associação de Engenharia e Construção de Macau, e o deputado Chan Chak Mo, director-geral da Future Bright. A reconstrução de prédios antigos e a legislação relativa à renovação urbana continuam ser os desejos de novos e antigos membros. Para a antiga membro do Conselho, Agnes Lam, seria preferível que os novos membros não estivessem intimamente ligados ao sector imobiliário e de construção, mas também a outras áreas. Para Paulo Tse, também director da Associação de Construtores Civis e Empresas de Fomento Predial de Macau, este grupo respeita essa questão. “Há membros provenientes do sector bancário e turístico, há professores universitário, advogados, bem como representantes de associações. Este conselho tem uma maior representatividade, pode dar sugestões e opiniões de valor”, indica, acrescentando, contudo, que não considera possível que se mostrem resultados e eficácia a curto-prazo. Das dificuldades Tse fala de possíveis entraves aquando da análise de processos relativos à renovação urbana: dificuldades nas leis, nas finanças, na demolição de prédios antigos, nas obras e traçado urbano. Ou seja, as mesmas adversidades enfrentadas pelo antigo Conselho Consultivo para o Reordenamento dos Bairros Antigos, como refere ao jornal Ou Mun. O antigo grupo foi várias vezes criticado por não apresentar conclusões, uma década depois de ter analisado a questão. O Governo, recorde-se, também retirou do hemiciclo a Lei de Reordenamento dos Bairros Antigos, anos depois desta estar a ser analisada. Contudo, membros anteriores que analisaram esta questão não se mostram preocupados com a possibilidade de tudo voltar à estaca zero. O antigo presidente do Conselho Consultivo anterior, Leong Keng Seng, considera que o seu grupo concluiu os trabalhos mais necessários e que mexiam com as questões mais “históricas”. Por isso mesmo, Leong Keng Seng acredita que o novo Conselho vai avançar com os trabalhos o mais rápido possível, ainda que considere “uma pena” não continuar como membro. “O que discutimos no antigo Conselho provavelmente será útil agora, são assuntos que vão continuar a ser estudados. Para mim, [a mudança] não é nada de especial, porque, mesmo assim, posso promover estes trabalhos na comunidade, fora do Conselho”, defende. Avanço? Questionada sobre o assunto, Agnes Lam, defende apenas que deveria haver um maior equilíbrio face aos membros do sector do imobiliário – quem pode, afinal, lucrar com a reconstrução dos bairros antigos. Ainda assim, a eventual “existência de interesses” não é muito preocupante, porque este é um Conselho Consultivo, “não uma entidade competente”. “Não pode tomar decisão, apenas dar opiniões ao Governo.” “A composição de membros pode ser mais ampla e profissional. Seria viável adicionar membros da área de Sociologia, para dar opiniões mais diversificadas, por exemplo quando a renovação urbana fizer com que a população saia das suas casa. A ideia de renovação urbana envolve construtores, representantes de cidadãos, arquitectos e planeadores”, diz Agnes Lam, que espera que os novos membros ouçam, “verdadeiramente”, mais opiniões dos cidadãos que vivem nos bairros antigos. Sobre a retirada pelo Governo da proposta da Lei de Reordenamento dos Bairros Antigos, em 2013, Agnes Lam defende que a questão não foi culpa do Conselho. “Várias opiniões que apresentámos foram aceites pelo Governo e a proposta foi revista muitas vezes. Só que não entendemos porque é que foi retirada. Para avançar com a lei, é com o Governo, não com o Conselho”. Para Lam U Tou, membro representante da Federação das Associações de Operários de Macau (FAOM), o valor essencial da renovação urbana deve sempre ter o princípio de “manter o ambiente da vida original da população” e de melhorar esse ambiente. “O Reordenamento dos Bairros Antigos não avançou muito nos últimos dez anos, mas esses trabalhos podem servir de base à renovação urbana. O novo Conselho pode iniciar o trabalho mais rápido, incluindo angariar a vontade dos cidadãos para a reconstrução e elaborar políticas fiscais para os projectos de reconstrução”, disse ao Jornal Ou Mun. Sendo novo membro, o responsável diz que está a sentir uma grande responsabilidade e pressão.
Andreia Sofia Silva MancheteMagistrados | Questionada renovação de Chui Sai Cheong no Conselho O deputado José Pereira Coutinho diz que a renovação da comissão de Chui Sai Cheong no Conselho dos Magistrados do MP, pelo Chefe do Executivo, viola a lei por estarem em causa relações familiares e de interesse. Mas também pode levantar-se o problema da falta de divisão de poderes Chui Sai On, Chefe do Executivo, renovou esta quarta-feira a comissão do seu irmão, Chui Sai Cheong, no Conselho de Magistrados do Ministério Público (MP). Há 13 anos ocupa esta posição, mas a renovação volta a trazer polémica: para o deputado José Pereira Coutinho, este acto do Chefe do Executivo viola o Código do Procedimento Administrativo, por estarem em causa relações familiares. “Uma coisa é o passado, outra coisa é o facto de renovar a comissão. Não tem que deixar de ter em consideração o Código no tocante a incompatibilidades”, apontou o deputado ao HM. Chui Sai On “deveria abster-se de renovar a comissão do irmão e deveria nomear outra pessoa, mesmo tratando-se de uma renovação”, apontou Pereira Coutinho. Como membro do Conselho de Magistrados do MP, Chui Sai Cheong terá competência para fazer a “inspecção dos magistrados do MP e funcionários da justiça”, sendo que essas inspecções se destinam a “colher informação sobre o serviço e o mérito dos magistrados e funcionários da justiça, com vista à sua classificação”. José Pereira Coutinho alerta para a possibilidade de existirem conflitos de interesses, pelo facto de os magistrados necessitarem de investigar casos relacionados com o universo empresarial de Chui Sai Cheong. Para além de ser deputado indirecto e auditor na empresa “CSC Associados – Sociedade de Auditores”, Chui Sai Peng é administrador e gerente geral da Companhia de Investimento Predial Chui’s, que detém diversos investimentos imobiliários no território. “Pode existir conflito e é mais uma das razões pelas quais o Chefe do Executivo deveria abster-se de nomeá-lo, porque os magistrados ficam sob determinadas pressões. Ele é empresário e pode interferir em conflitos que podem ter de ser resolvidos nos tribunais”, apontou Coutinho. Apesar dos receios do deputado, o regulamento interno das inspecções do Conselho de Magistrados do MP determina que “não é permitida ao inspector qualquer interferência na esfera da autonomia dos magistrados ou no funcionamento regular do MP”. Uma questão de poderes Para a advogada Ana Soares, a questão coloca-se do ponto de vista da ausência de separação de poderes. “Pode pôr-se a questão de independência de vários órgãos, porque Chui Sai Cheong também é deputado, e podemo-nos questionar se as pessoas que estão no poder legislativo devem poder estar a controlar o poder judicial num conselho superior de magistratura. Eu tenho dúvidas, mas é um problema geral de Macau, em que não há uma compartimentação dos três poderes. Há pessoas que estão ligadas aos poderes executivo, legislativo e judicial. O que se pode questionar é a questão da divisão de poderes e da independência”, disse ao HM. Pelo contrário, o advogado Hong Weng Kuan garantiu que os membros do Conselho de Magistrados do MP têm um papel de “membros da sociedade”. O advogado considera que a nomeação de Chui Sai Peng não influencia a independência judicial. “Antigos membros do Conselho eram advogados e até deputados”, referiu, explicando que, caso os membros do Conselho tenham de votar contra a nomeação dos magistrados, têm de apresentar justificações. O deputado explicou que o principal objectivo do Conselho é nomear ou demitir magistrados, sendo que quando um magistrado é nomeado ou promovido é ouvido pelo procurador do MP e junto do Tribunal de Última Instância.
Flora Fong SociedadeAssociação fala de uso indevido do nome de Festival com Marco Muller O nome é parecido – quase semelhante – e isso poderá fazer com que haja queixa em tribunal. É o que garante a Associação de Filme, Televisão e Media de Macau sobre o mais recente anúncio de um festival internacional de cinema por cá [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Associação de Filme, Televisão e Media de Macau publicou uma declaração no jornal Ou Mun onde refere que o nome da actividade “Festival Internacional de Filmes de Macau” é uma marca registada na Direcção dos Serviços de Economia (DSE) desde 2009, criticando a Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau de utilizar esta designação sem autorização. Conforme o HM já avançou, a Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau vai organizar o seu primeiro festival internacional de cinema em Dezembro, um evento que se intitula “International Film Festival Macao”. Esta iniciativa pretende mostrar diversos géneros do cinema e está prevista uma competição, uma gala e mostras temáticas. Mas segundo a Associação de Filme, Televisão e Media, o festival tem sido organizado sempre por si. “Qualquer actividade e promoção pública que use a nossa marca sem autorização prejudica o direito de uma marca que pertence à nossa associação e faz com que haja confusão junto do público”, refere a declaração. A associação garante que vai agir judicialmente. O HM contactou Orson Wong, chefe de coordenação de actividades da Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão, que referiu que o conteúdo da declaração “não tem muito a ver com a actividade desta associação”. “A nossa actividade ainda não foi publicada oficialmente e ainda estamos a preparar o nome do festival. A declaração fala do nome e da marca e nós não podemos comentar se estamos ou não envolvidos num conflito”, disse Orson Wong, que garantiu que vai continuar a dar atenção ao caso para evitar uma violação do direito de propriedade intelectual. Ainda que os nomes sejam semelhantes em Inglês e Português, o nome da actividade da Associação de Cultura e Produção de Filmes e Televisão de Macau é, em Chinês, “Exposição Internacional de Filmes de Macau”, diferenciando-se da marca acima referida.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeMP | Projecto do edifício da AL envolto em falsificação de documentos Parte dos materiais utilizados na construção do actual edifício da Assembleia Legislativa terão sido adquiridos com base em documentos falsos. Um dos responsáveis da empresa confessou ter sugerido a falsificação de informações, mas o MP arquivou o caso pelo facto das falsificações terem ocorrido no estrangeiro [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]construção do actual edifício da Assembleia Legislativa (AL), concluído em 2000, terá estado envolvida num processo de falsificação de documentos para a aquisição dos materiais, nomeadamente de todas as pedras que revestem o edifício e algumas madeiras. Mário Duque, autor do projecto, fez uma denúncia às autoridades judiciais em Dezembro de 1999, mas o Ministério Público (MP) acabou por arquivar o caso em 2004 justificando que a falsificação foi feita fora de Macau. Agora, o arquitecto resolve tornar público este caso por considerá-lo um exemplo da “falta de uma cultura sólida de obras públicas” em Macau. Segundo os documentos, a empresa de construção Tai Fung era a responsável pelo fornecimento das pedras. O MP nunca conseguiu confirmar o autor das falsificações, sendo que estão em causa documentos timbrados das empresas fornecedoras de materiais cujo conteúdo terá sido totalmente “forjado”. Segundo o despacho do MP consultado pelo HM, Ma Ion Kun, da empresa de construção Tai Fung e vice-presidente da Direcção da Associação de Engenharia e Construção de Macau, confessou “ter sugerido que várias empresas estrangeiras mudassem os respectivos números de telefone e fax, a fim de impedir que o denunciante (o arquitecto) contactasse com tais empresas estrangeiras para solicitar comissões – gorjeta”. O documento mostra ainda que Ma Ion Kun “não aceitou as empresas sugeridas pelo denunciante (arquitecto) porque o preço dos materiais de obras eram demasiado altos”. “Os materiais das obras apresentados nos documentos em causa acabaram por obter o aval do então Governo português de Macau para serem utilizados nas obras das instalações da AL”, lê-se ainda no mesmo despacho. Para Mário Duque, esta explicação significa que o MP “se descartou para ter maneira de empurrar o assunto para a fase da transferência de soberania”. Isto porque a obra ficou concluída em 2000. O MP chegou à conclusão de que “a falsificação de documentos ocorreu no estrangeiro e foi praticado por pessoas estrangeiras”. “O Código Penal de Macau é aplicado a estes factos apenas no caso dos seus autores se encontrarem em Macau, o que não aconteceu no caso em apreço”, apontou o organismo. Faxes falsos Os faxes forjados terão sido transmitidos com intervalos de 12 minutos de locais tão diversos como a Índia ou o Brasil e continham “números telefónicos e de fax que não existiam”. Uma das empresas fornecedoras de materiais contactou directamente Mário Duque em 1999 dizendo-lhe que os faxes eram “totalmente forjados” com informações falsas. “O conteúdo dessa informação está totalmente incorrecto, já que a nossa pedra não precisa de ser tratada”, pelo que “o cliente não tem de gastar mais dinheiro ao usar a nossa pedra na parte exterior”, pode ler-se. Um fax forjado sobre a compra do mesmo material diz exactamente o contrário. Sobre a acusação de que a falsificação de dados serviria para evitar que o arquitecto pedisse comissões às empresas fornecedoras, Mário Duque apenas referiu que o MP “não viu, ou não quis ver, que a confissão não só era descabida, como carecia de evidência”. “Na falta dessa evidência, também não ocorreu ao órgão judiciário que tal confissão era ofensiva para o bom nome profissional dos arquitectos acreditados na RAEM e manteve esse conhecimento guardado até prescrever [o caso]”. DSSOPT não agiu Em 2009, Mário Duque resolveu contactar as restantes empresas de materiais envolvidas por já terem presença na internet, com os respectivos endereços. “Uma vez contactadas, algumas asseguraram que nunca produziram tal documentação. Outras não confirmaram, mas garantiram que nunca iriam emitir documentação naqueles termos”, referiu. O arquitecto confrontou ainda a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) com as novas informações, sendo, diz, que Jaime Carion, director na altura, entendeu ser uma matéria da competência do MP. “O efeito disseminador da apreciação do MP aconteceu junto do director das Obras Públicas à data, para quem deveria ser claro que tais situações não se admitem em actos de obras públicas. [O director] achou-se desobrigado de qualquer intervenção na questão, a qual residia no seu âmbito de administração”, disse Mário Duque ao HM. O arquitecto frisou que “da maneira como as coisas foram feitas [na construção do edifício da AL], ninguém sabe o que lá está e a origem dos materiais”. Mais tarde, todas as pedras que revestem o edifício “foram testadas localmente para verificação das características mínimas, face às dúvidas na documentação”, medida que não competia a quem estava no projecto em Macau, pois o material “deveria chegar à obra com as informações verdadeiras”. “Para quem estava na obra era óbvio que aquela informação não era de confiança”, rematou. Projecto é “um exemplo da fragilidade da cultura das Obras Públicas” A denúncia vem no seguimento do caso que envolve precisamente o ex-procurador do MP e obras. Apesar deste caso ter ocorrido há 16 anos, Mário Duque só agora o tornou público por se tratar de um “exemplo muito eloquente da fragilidade da cultura de Obras Públicas vigente na RAEM”, enquanto “origem de todos os aproveitamentos ilícitos”. Para o arquitecto, existe, da parte do MP “uma apreciação que é uma maneira de não existir consequências”. “A informação não era idónea e tinha todos os indícios de ser forjada, com benefícios que se desconhecem, mas que se depreendem serem conveniências não lícitas e que cabe ao MP investigar. Houve uma falsificação de informações que não teve consequência nenhuma na RAEM porque foi feita lá fora e também não há problema em dizer que era para evitar que os arquitectos tirassem comissões”, ironiza Mário Duque. Para o arquitecto, “a questão pertinente é que os participantes da Administração e os técnicos não são zelosos e há falta de brio e de decoro. Não há confiança e há medo, há receio de tomar certas intervenções que venham a ser objecto de investigação. Qualquer dos intervenientes nas Obras Públicas tem medo de intervir nesses actos”, rematou. Queixa por difamação contra Tai Fung À data, o arquitecto Mário Duque chegou a apresentar uma queixa no MP por difamação contra a empresa Tai Fung, pelo facto desta ter sugerido que este poderia receber comissões das empresas. Contudo, Mário Duque confirmou ao HM que a queixa acabou por prescrever. “O MP reteve por muito tempo a queixa”.
Joana Freitas Manchete SociedadeAdvogados | PJ “viola a lei” quando revela nomes de suspeitos Uns aparecem identificados em detenções quando nem sequer ainda são arguidos. Outros são presos preventivamente e nunca são revelados os seus nomes. O anúncio da identidade pelas autoridades “viola a lei” e, ainda que advogados se dividam no caso de arguidos, não há dúvidas: há violação do princípio de igualdade [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s autoridades – como a Polícia Judiciária (PJ) – violam a lei quando revelam nomes de pessoas detidas, que são suspeitas de ter cometido crimes. É o que asseguram advogados contactados pelo HM, que indicam ainda que há violação do princípio de igualdade se compararmos os casos com os de oficiais do Executivo. O esclarecimento parte do exemplo de Ho Chio Meng: todos sabem que o ex-procurador está preso preventivamente devido a alegados crimes cometidos, mas a verdade é que o seu nome nunca foi referido, nem confirmado, e a única forma de saber que é este o responsável em questão é por ele ser o único que assumiu em tempos este cargo. E Ho Chio Meng não é o único nesta situação: o nome de dois dos empresários envolvidos no caso do ex-procurador – já constituídos arguidos e presos preventivamente – também não é revelado pelas autoridades, que alegaram ao HM a “confidencialidade do caso”. O nome do ex-Chefe do Gabinete do procurador e de um ex-assessor também não são conhecidos. Da mesma forma, nunca foram dados a conhecer pelas autoridades os nomes de “um membro da direcção e um chefe de departamento” dos Serviços dos Assuntos Marítimos, detidos o ano passado por alegada corrupção. Também “empresários” e “um funcionário e um membro da direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego” envolvidos noutro caso semelhante viram as suas identidades protegidas. Ainda que alguns advogados defendam que a manutenção desse sigilo não está errada, a verdade é que os direitos de outros suspeitos e detidos não são respeitados da mesma forma. Exemplo disso são as dezenas de pessoas detidas semanalmente pela PJ, que não só são presentes aos média em conferências de imprensa – ainda que com sacos pretos na cabeça -, como vêem a sua identificação ser tornada pública – a maioria das vezes antes de serem arguidos. É apenas o apelido que é dado a conhecer à imprensa, mas nem neste caso isto deveria acontecer, como explica a advogada Ana Fonseca. “Os nomes estão em segredo. Há uma violação [da lei]”, diz, acrescentando que o direito ao princípio da igualdade das pessoas detidas pela PJ “é violado”, bem como o segredo de justiça. “A pessoa deve ser mantida inocente até prova em contrário e não devem ser reveladas essas coisas todas que eles revelam. Dizer que é o senhor ‘Chan’ pode, muitas vezes, permitir a revelação da identidade. Todos os dados fornecidos que permitam a revelação da identidade da pessoa que ainda está a ser investigada já [leva a] violação do sigilo a que a lei obriga. Se os jornalistas vêm a saber por outras vias, isso é outra coisa. Os órgãos oficiais de justiça estão impedidos de fazer essas revelações. Todos”, indica, reafirmando que também a PJ se inclui aqui. Ana Fonseca diz mesmo que a revelação dos nomes começa “de imediato a prejudicar valores fundamentais da pessoa”. Igualdades desiguais Ana Fonseca defende que no caso de pessoas que já são arguidas e que estão em prisão preventiva – como é o caso dos dois empresários ou de Ho Chio Meng – também não é obrigatório revelar. “Após a acusação, é público, toda a gente sabe. Mas mesmo que já tenham sido constituídos arguidos, e estão em prisão preventiva, não têm que revelar. É para proteger a pessoa, para que o seu nome não esteja logo todo sujo. Não é para proteger o Estado.” A advogada fala mesmo em exemplos práticos – de que os advogados “já se queixaram” – como o facto das autoridades revelarem “características e exercícios de cargos” que levam à identificação. Também o advogado Pedro Leal concorda com a manutenção da confidencialidade do nome. “De certa forma há [na lei algo que justifique a não revelação]. Já se sabe que hoje em dia, normalmente, divulga-se os nomes das pessoas. A pergunta é, por isso, pertinente. Mas se seguirmos a lei, o processo está em segredo de justiça e também é uma questão de protecção das pessoas que estão presas. Eu interpreto assim”, diz, acrescentando que “da mesma maneira, quando a polícia faz aquelas detenções onde se põe um saco na cabeça e aparecem uns tipos a dizer que um senhor de apelido ‘Chan’ fez isto e aquilo” também deve “ser protegida” a identidade. E dá um exemplo. “Apesar de terem algum cuidado e só revelarem o pedido, se for um caso [de um estrangeiro] – como já tive, onde o [suspeito] era dinamarquês – toda a gente vai saber quem é. Normalmente a identificação dos arguidos viola o segredo de justiça, mas [manter em segredo] não é a forma como [as autoridades] actuam, não.” Pedro Leal admite que a PJ age “às vezes de uma forma e outras de outra” e que até o apelido “viola o segredo de justiça”, da mesma forma como se se der a conhecer tudo o esteja relacionado com o processo viola a lei. Mas não só. “E viola o princípio de igualdade, porque às vezes é assim para uns e não para outros.” Lealdade? Uma visita ao site da PJ permite ter acesso aos mais recentes casos detectados por esta autoridade e perceber que há revelações de identidade. Ainda que nem todos os comunicados o façam, o HM conseguiu encontrar mais de meia dezena onde surgem nomes: “Verificou-se que quatro indivíduos (três homens de apelido Chui, Leong e Choi) tinham entrado e saído do quarto…”, pode ler-se. “Apreenderam-se 0,18 gramas de maku na posse do Chui e 1,07 gramas na mala da Fong”, detalham. Todos os advogados concordam que as autoridades violam a lei quando revelam identidade – algo que fizeram assim que Alan Ho foi detido. Mas as opiniões dividem-se quando a questão não são os detidos e suspeitos, já que há advogados que têm uma interpretação diferente quando a pessoa já é arguida. “Não há nada que impeça que o nome seja tornado público [se eles forem arguidos]. Uma coisa é o processo estar em segredo de justiça e as entidades não poderem falar do conteúdo do processo. Outra coisa é dizer que fulano é arguido”, explica ao HM Álvaro Rodrigues. “Pode ser uma questão de lealdade institucional, se é que ainda existe, e não divulgam os nomes. Mas não há nenhuma proibição”, defende o advogado. Também um outro jurista, que prefere não ser identificado, indica ao HM que “no caso de ser arguido, o nome pode ser divulgado”, ainda que “o conteúdo do caso não”. Mas, diz, só aqui. “Se a PJ divulga o nome de um detido suspeito, nalguns casos que ainda nem foi presente ao JIC, não está a cumprir a lei. É completamente ilegal.”
Leocardo VozesPerguntaram a Jesus? [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]último fim-de-semana marcou um retrocesso civilizacional em Portugal, com mais um acto de censura por parte da Igreja Católica, e a conivência do seu rebanho, que se diz “indignado”. Tudo por causa de um cartaz do Bloco de Esquerda, destinado a assinalar a aprovação no último dia 10 de Fevereiro da lei que permite a adopção por casais do mesmo sexo, um dos grandes cavalos de batalha do lobby “gay”, que com o pretexto da igualdade queria ver todos a usufruir dos mesmos direitos, sem distinção entre famílias convencionais e alternativas (é difícil escrever em linguagem de “igualdade”). No cartaz em causa aparecia uma imagem de Jesus Cristo do Sagrado Coração, e ao seu lado uma mensagem onde se lia “Jesus também tinha dois pais”, e em baixo em letras mais pequenas uma menção à lei aprovada, acompanhada da data. Só isto e mais nada. Confesso que sorri quando vi pela primeira vez o cartaz, não por maldade, e muito menos por o achar engraçado. A verdade é que não sei porque é que esgalhei aquele sorriso quase espontâneo, mas pode ter sido por instinto, feliz pelo país ter atingido um patamar do progresso em que coisas como estas já não deixam ninguém chocado, e que incidentes dignos do Index da Santa Inquisição, como a censura de uma obra daquele que viria a ser até agora o único Nobel português, ou a perseguição a um humorista por causa de uma rábula com a última Ceia, eram tudo coisas do passado. Infelizmente enganei-me, e quem quiser começar a contar a partir de sábado passado a última vez que algo de tão retrógrado aconteceu, não perca tempo, pois parece que não se aprendeu nada. Os católicos ficaram ofendidos, sim senhor, e vejam lá que até encaminharam para a Procuradoria Geral uma queixa com três mil assinaturas, acusando o Bloco de “blasfémia”, uma figura que em pleno século XXI consta do Código Penal. Compreendo que conste, aceita-se, mas o que se entende por “blasfémia”, que só consigo visualizar dita por um padre de olhos muito abertos segurando uma Bíblia na mão e acenando um crucifixo na outra urrando “blasfééémia… esconjuuurooo!”? Uma imagem que por incrível que pareça ainda faz sentido. A imagem não estava adulterada, mas mesmo assim houve quem alegasse que “as cores estavam mudadas” – algum fotófobo cristão com toda a certeza – e a mensagem era “sugestiva”, pois associava Jesus à adopção por casais do mesmo sexo. Deve ser aí que está a tal “blasfémia”, afinal. “Que nojo, casais do mesmo sexo”, terão eles pensado. Para não desviar as atenções do essencial, vou-me abster de mencionar o registo da Igreja com tudo o que tenha a ver com crianças, orfanatos e afins. Seria rebaixar-me ao nível de quem condenou e enxovalhou pessoas com base na sua orientação sexual, tentou a todo o custo privá-las dos mesmos direitos CIVIS, e ainda conseguiu que a tal lei fosse vetada uma vez, prolongado assim a angústia de quem tem a consciência de que isto partia de uma instituição que tem um historial de séculos de perseguições, tortura e execuções contra todos os que eram apenas diferentes. Gostava de saber se estes cristãos que se dizem ofendidos vão à missa, comungam e confessam os seus pecados, como qualquer bom cristão com moral para acusar alguém de blasfémia. Não? É exagero meu? Então certamente que se partilharem a sua vida com mais alguém (do sexo oposto, lógico) são casados, caso contrário vivem em “fornicação”. Não? A Igreja diz que sim, e no caso de virem a terem filhos, a lei civil dotou as crianças do mesmo estatuto de todas as outras que também não pediram para nascer. Para a Igreja continuam a ser “bastardos”. Não é um insulto, não, é mesmo isso que lhes chamam. O Bloco de Esquerda recuou na intenção de publicar o cartaz. Fez mal, e de ter ficado perto de fazer História, passou ao anedotário nacional, com as beatas de braço cruzado a bater com o pé e carantonhas medonhas a ralhar “vejam lá, ai que temos o caldo entornado”, em mais um postal muito nacional. O fundador do PS, Alberto Barros, veio defender a iniciativa, alegando ainda que “a blasfémia está na Bíblia”. De facto o cartaz não diz nenhuma mentira – tecnicamente, lá está. Eu entendi a ideia, agora quem vê naquilo algo de pérfido, ou a sugestão de que um dos três elementos ali mencionados tem alguma coisa a ver com a adopção por casais “gay”, tem uma imaginação fértil. E doentia. A discussão que veio depois, quer nas redes sociais, quer em artigos de opinião, mais pareciam o concurso “quem é o mais engraçadinho”, com a temática centrada em “quantos pais tem afinal Jesus”, e qual deles era o quê, um sem fim de inanidades que nem parecem vindas de gente que diz ter “fé”, algo que deve e merece ser respeitado, pois apesar de não carecer de fundamentação científica, é do desígnio de cada um – e o que tenho eu a ver com isso? Pior foi ler comentários do género “sou agnóstico, mas…”, mas nada, e se é agnóstico não tem nada que partilhar de uma indignação de que se desmarcou à partida. Outros ainda sugeriram “que se fizesse o mesmo com Maomé”, que como se sabe, diz-nos muito a nós, e anda sempre na nossa mente e nos nossos corações, e “iam ver o que acontecia”. Estes devem ser os mesmos que ainda há um ano “eram Charlie”. Sabem o que mais? Na altura achei aquilo uma bacoquice saloia, de um pedantismo gritante. Hoje vejo que tinha razão. No fim, e depois de mais uma decepção, chego à conclusão que ainda estamos muito atrás do que seria o ideal nesse princípio da separação entre a Igreja e o Estado, quando uma imagem inocente com aquela ainda fere sensibilidades a este ponto. Eu pessoalmente considero muito pior aquela em que Jesus aparece pregado, ensanguentado, com uma coroa de espinhos e um ar de quem se não está a divertir mesmo nada, mas esta é uma imagem “adorada” pelos mesmos católicos que se ofenderam com a outra. Se calhar era mais justo se perguntássemos a Jesus o que preferia: se ter dois pais, ou ser torturado em nome de quem insiste em não lhe atribuir qualidades humanas. E eles e a outros, para o bem e para o mal.
Flora Fong PolíticaDSPA | Raymond Tam quer melhorar resíduos sólidos e águas O novo director dos Serviços de Protecção Ambiental pretende melhorar as estratégias na área dos resíduos sólidos e das águas residuais. Sobre o projecto de luxo no Alto de Coloane pouco disse [dropcap style=’circle’]R[/dropcap]aymond Tam está de regresso à Função Pública, desta vez como director dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA). A cerimónia de tomada de posse decorreu ontem e o novo director prometeu dar atenção às políticas sobre o tratamento dos resíduos sólidos e das águas residuais, por serem áreas ligadas à população. “Numa cidade em desenvolvimento temos de ver como podemos melhorar a gestão e a estratégia dos resíduos sólidos, sobretudo no que diz respeito ao aumento do seu volume. Olhamos para dois lados: por um lado queremos diminuir a fonte dos resíduos e melhorar o tratamento. Ao nível da poluição das águas costeiras, vamos verificar melhorar as fontes de poluição, por forma a resolver os problemas do dia-a-dia”, apontou. Questionado sobre a publicação do relatório de impacto ambiental relativo ao projecto de luxo do Alto de Coloane, Raymond Tam disse necessitar de mais tempo para confirmar se esse relatório vai mesmo ser elaborado. “É preciso tempo para eu integrar a equipa e compreender o avanço dos trabalhos”, disse o novo director, que prometeu ainda acelerar a legislação relacionada com a avaliação ambiental de projectos. Raymond Tam foi ainda questionado sobre o último relatório do Comissariado de Auditoria, que apontou falhas na adjudicação de serviços por parte da DSPA. O novo director apenas disse acreditar que os seus colegas “estão a avançar com os trabalhos passo a passo”, tendo prometido comunicar com a sua equipa para que esta trabalhe melhor “o mais depressa possível”. Raymond Tam, que era presidente do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, regressa à Administração depois de ter sido ilibado num caso ligado ao chamado processo das Campas. Tam ia acusado de prevaricação, mas o tribunal considerou não haver quaisquer provas contra si. Secretário | Entrada é processo “normal”<7h5> O Secretário para as Obras Públicas e Transportes, Raimundo do Rosário, garantiu que a entrada de Raymond Tam para o cargo de director da DSPA faz parte de um processo “comum de mudança de pessoal”. O antigo director, Vong Hoi Ieong, tinha mandato para cumprir até Junho, mas o Secretário garantiu que nada teve a ver com incapacidade de trabalho e que a lei permite uma mudança de director antes do fim do mandato.
António Conceição Júnior Contos e histórias h | Artes, Letras e IdeiasAnónimos Imprecisa, em 1986, uma notícia informava que um condutor de triciclo cometera suicídio pendurando-se no gradeamento da ponte Macau-Taipa [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]perfil da cidade parecia benevolente na contraluz do sol poente. Com a ponta do pé, que recolheu de imediato não fosse haver um poço sem fundo, sentiu a água morna e o lodo do leito do rio. Sentiu repugnância. Decidiu pôr-se de novo a nado, duas cabaças atadas à cinta. Nadou até sentir um apoio sólido por debaixo da fina camada de lama. Parou no molhe, exausto. À direita, na ligação da barreira de pedra, pescadores lançavam redes esticadas por quatro bambus. À esquerda, o vulto de uma igreja no cimo de uma colina. Olhou para trás, levou a mão à cintura e puxou a corda fina de fibra de coco. Foi puxando, encostado às rochas, receando os fachos de luz que um farol projectava. Por fim, a corda trouxe um saco de pano. Encostou a cabeça ao molhe e respirou fundo. Chegara. Lentamente, desatou a corda apenas pelo tacto e desembaraçou-se das cabaças. Com cuidado subiu as pedras do molhe. Os intermitentes lampejos do farol permitiram que visse os pescadores, bambus ao ombro, dirigirem-se para terra firme. Deitou-se, o saco fazendo de almofada, para que a roupa secasse, mas adormeceu, não soube por quanto tempo. Acordou sobressaltado, olhando um céu estrelado. Não sabia as horas. Levantou-se e decidiu que tinha de caminhar. Subindo dois degraus que o trouxeram para terra, vislumbrou perto umas árvores. Mais longe, contra o céu ainda escuro, erguia-se uma massa ainda mais negra. Guó Jianjun atravessou lesto a estrada deserta, os braços apertando o saco contra o peito. Embrenhou-se na terra batida, sentindo a humidade sob os pés. Havia um cheiro que o fez recordar os campos que atravessara a cavalo. Agachou-se, concentrando os sentidos para entender a razão daquele odor. Discerniu uma barraca ao longe. Sapos coaxavam e mosquitos zuniam perto, numa sinfonia que lhe era familiar. Viu uma bananeira com fruta por colher. A fome apertava, comeu. De uma lata, bebeu água, mão em concha. Lá para Oriente já clareava e uma luz acendeu-se na barraca próxima. Junto à bananeira, escavou rapidamente a terra húmida. Abriu o saco, retirou algo que colocou no buraco, e cobriu-o novamente. Colocou um pesado pedregulho por cima e alisou a terra. Olhou em volta. Precisava fixar o local antes de se afastar. Amanhecia quando Guó chegou à cidade. Olhou em redor para se orientar. Encaminhou-se para uma rua. Tudo era novo aqui. Os edifícios recordavam-lhe vagamente Xangai, Tsingtao, mas aqui tinham um sabor que não sabia decifrar. Sobre jornais velhos, esteiras, caixas de papelão espalmado, viu gente a dormir debaixo de arcadas. Guó Jianjun tinha servido Chiang Kai-shek desde os tempos de Xangai. Tornara-se um dos elementos de ligação entre o Generalíssimo e o chefe do Grupo Verde, Du Yusheng, a quem chamavam “Du, orelha grande”. O Grupo Verde era uma seita que fazia os trabalhos sujos para o Kuomintang. Chegara a major quando a debandada no seu regimento começou, depois das notícias de Nanjing. Pegaram no ouro que puderam, meteram-se a caminho, cada um por si, e deixaram Xangai para os japoneses. Conseguira chegar a Ao Men. Era a última etapa. Pelo caminho, vira cadáveres que boiavam nos braços do delta. Tinha conseguido contornar os guardas japoneses, nunca largando o saco. Da ilha vizinha tinha olhado a cidade, mas não se atrevera a atravessar aquele braço de água porque lanchas patrulhavam junto aos juncos em descanso. Ouvira tiros, vislumbrara caçadores que se entretinham a caçar. A sua Mauser C96 perdera-a na fuga. Tirara o uniforme e lançara-o a um poço numa aldeia abandonada. Caminhou até onde tudo era deserto e, na calada da noite, foi atravessando ilha a ilha. Quase desesperara. Guó Jianjun, curvado, percorreu as arcadas. Passou por uma praça de traça ocidental. Procurou andar por ruelas, evitando expor-se. Meteu por uma viela, assinalada numa placa como Rua dos Cules e, ironicamente, desembocou na Rua da Felicidade. Desorientado, virou à direita, na Travessa do Aterro Novo. Encontrou uma casa de câmbios e de penhores. De cabeça ainda rapada, rosto sujo, preocupava-o não se fazer entender. Olhou em volta e entrou rapidamente, contornando um alto biombo vermelho. Olhou para cima, para o funcionário atrás das grades protectoras. Pôs a mão na cintura e retirou das calças um lingote de ouro bem amarelo, quase quadrado, com a inscrição 999 e, por baixo, 1000. Deveria ter de espessura um dedo. O funcionário olhou a peça com ar de treinada indiferença. Olhou para Guó e, sem querer, tremeu. Guó Jiajun olhava-o com um olhar que há muito não tinha. Era um olhar frio, gélido, impiedoso. O homem retirou-se, e Guó ouviu-o falar com outro num dialecto desconhecido. O homem voltou, olhou de dentro da jaula. Disse-lhe algo em cantonense. Guó respondeu uó pu tong(1) . O outro pegou numa folha e escreveu com o pincel “o câmbio está a oitocentas patacas”. Guó olhou para ele e rosnou ” Huángjīn shì jīn” (ouro é ouro). Os olhos eram duas ranhuras. O homem voltou a conferenciar com o superior invisível. Aproximaram-se os dois e o patrão olhou, mirou, e, atarantado, gaguejou “ni shi, ni shi” (você é, você é…). Os olhos de Guó abriram-se mais, aquele rosto gordo não lhe era estranho. “Ni shi lu ma?” A frase era enigmática, pois lu tanto podia significar verde como corça. Guó sorriu, levou a mão direita ao externo, o polegar e o dedo mínimo abrindo-se ao máximo, o indicador e o anelar esticados e o dedo médio recolhido e deixou a mão escorrer lentamente até ao estômago. O superior deu uma ordem ao funcionário, abriu a porta oculta para Guó subir, ni lai, lai (venha, venha). O outro ficou a contar enormes notas arroxeadas de dez patacas. Cem notas de dez. Li Gangming reconhecera Guó. Como era pequeno o mundo. As memórias de Du Yusheng, o orelhas grandes, tinham atravessado Xangai até ali. Ambos eram sobreviventes da mais recente das tragédias na China. Ambos tinham receado o poder crescente de Mao e de Zhou Enlai. Os comunistas tinham-se separado dos do Kuomintang desde 1927, embora ambos tivessem combatido os japoneses. Aquilo era uma confusão. Apenas tinha sabido que os do Kuomintang haviam fugido, quando os japoneses entraram em Xangai. Li levou Guó para outro compartimento, mirou Guó e pegando num pau com uma forquilha, depois de ter consultado uns papelinhos atados à roupa, tirou uma túnica e calças largas que lhe entregou. O funcionário, agora reverente, entregou com as duas mãos um embrulho com as mil patacas. Foi buscar uma bacia de esmalte, água quente e entregou uma toalha para Guó limpar o corpo. Meia hora depois Li Gangming e Guó Jiajun, agora apresentável, saíram e foram jantar. A guerra acabara, era tempo de se ajustarem algumas contas. Guó passou a viver à grande, quarto no Hotel Central. Jogava com frequência. Li Gangming fora obrigado a fechar a casa de penhor, vendera a licença de cambista por bom dinheiro e partira para Hong Kong. Aos poucos, a cidade foi-se despovoando dos refugiados. O mundo não parava. Muitos ficaram, adaptando-se ao pequeno burgo. As idas de Guó Jiajin ao buraco junto à bananeira pararam. Esgotara tudo, estoirara tudo numa febre autodestrutiva, numa raiva contra o destino. Vivia na miséria após alguns, poucos, anos de abundância. Pedalava um triciclo, tez queimada do sol, longas barbas brancas, e corpo magro, ressequido. Falava sozinho. Nos anos oitenta, um jornal noticiou, de forma vaga, um suicídio. Era Guó Jiajun que havia desistido de viver. Durante a noite, o ex-major tirou o cinto, atou-o ao corrimão da ponte, enfiou a cabeça e deitou-se de barriga para baixo e deixou-se asfixiar. Morte anónima, a do condutor de triciclo.
Hoje Macau SociedadeAlunos de Macau vão participar em intercâmbios com a China [dropcap style=’circle’]M[/dropcap]ilhares de estudantes de Macau vão ser seleccionados para participar em actividades de intercâmbio na China, ao abrigo do “Programa Mil Talentos”, ao longo dos próximos três anos, lançado pelo Governo. Ao abrigo do programa, que havia sido anunciado em Novembro nas Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2016, vão ser seleccionados anualmente mil candidatos para participarem em actividades de intercâmbio no interior da China, as quais se vão realizar em cooperação com o Ministério da Educação da China e a Federação da Juventude Chinesa. “Organizar-se-ão visitas nacionais com cariz de investigação e de intercâmbio, inclusive de estudantes universitários e do ensino secundário”, detalhou, em comunicado, o Gabinete do Porta-voz do Governo, indicando que o programa está sob a responsabilidade do Gabinete do Chefe do Executivo, cabendo à Fundação Macau coordenar contactos com escolas e associações juvenis para executar conjuntamente os programas. No âmbito do programa trienal, vão ser criados dois grupos: o grupo para escolas secundárias e o grupo aberto. No primeiro ano, 12 escolas são convidadas, a título experimental, a seleccionar grupos de alunos do secundário para integrarem as actividades, dando início a programas de geminação com escolas na China. A triagem dos alunos do ensino profissionalizante será delegada a dez grupos da sociedade civil, que actuam na área da juventude. No primeiro ano, prevê-se a participação de escolas e associações de Cantão, Zhejiang, Jiangsu e Xanghai. O plano concreto do programa e os trabalhos de inscrição serão iniciados, de forma gradual, pelas associações e escolas, estando previsto que as actividades se subordinem a temas como formação de líderes, inovação científico-tecnológica ou artes e cultura. O “Programa Mil Talentos” corresponde “a uma tentativa da RAEM de promover em grande escala o trabalho na área da juventude”, segundo o Governo. “Através da interacção com a juventude da China, pretende-se encorajar os jovens de Macau a elevarem o seu nível cultural e capacidades intelectuais”, oferecendo-lhes “oportunidades para conhecerem os desenvolvimentos mais recentes a nível nacional, incentivando-os ao desenvolvimento pessoal em paralelo com o desenvolvimento do país”, refere o comunicado oficial.
Joana Freitas BrevesCaso Ho Chio Meng | Um dos detidos é familiar Um dos dois empresários a quem foi decretada prisão preventiva na terça-feira é familiar de Ho Chio Meng, apurou o HM através de fonte ligada ao processo. Este jornal sabe ainda que Leong Weng Pun, advogado do ex-procurador da RAEM, é o advogado de “um dos empresários detidos”, devendo este ser, de acordo com as fontes ouvidas pelo HM, o familiar de Ho. Ao que o HM apurou, além de Ho Chio Meng e do ex-Chefe do seu Gabinete, Lai Kin Ian, a “ex-assessora” que estará alegadamente envolvida no caso será Cheang Hang Chip, como revelam fontes ao HM.
Hoje Macau BrevesFunção Pública | Membros da Comissão de Ética reconduzidos O Chefe do Executivo vai reconduzir a partir de amanhã os membros da Comissão de Ética da Função Pública. Paulino do Lago Comandante, Secretário Geral da Associação de Advogados de Macau e também membro do Conselho para a Renovação Urbana, mantém-se como presidente, ao lado de Lam Heong Sang, deputado pela Federação das Associações dos Operários de Macau, e Kou Peng Kuan, o actual director dos Serviços de Administração e Função Pública. Esta Comissão visa apoiar o Chefe do Executivo “na implementação e fortalecimento de uma cultura de transparência e integridade na Administração Pública” e a ela compete-lhe “analisar e emitir pareceres sobre os pedidos de autorização para o exercício de actividades privadas após a cessação de funções por parte do pessoal da Função Pública”, bem como emitir recomendações, conselhos e orientações relativas à conduta dos trabalhadores.
Andreia Sofia Silva BrevesNomeados membros do Conselho para a Renovação Urbana O Chefe do Executivo, Chui Sai On, já nomeou os 21 membros que vão compor o Conselho para a Renovação Urbana. Paulino Comandante, Secretário-geral da Associação dos Advogados de Macau, o deputado Chan Chak Mo e o ex-deputado Ung Choi Kun são alguns dos nomes escolhidos, segundo o despacho publicado ontem em Boletim Oficial.
Andreia Sofia Silva BrevesIrmão de Chui Sai On nomeado para Conselho de Magistrados do MP Chui Sai Cheong foi nomeado pelo Chefe do Executivo, Chui Sai On, para o Conselho de Magistrados do Ministério Público (MP), juntamente com o arquitecto Eddie Wong, sob proposta da Comissão Independente responsável pela indigitação dos candidatos ao cargo de juiz. O despacho foi publicado ontem em Boletim Oficial.
Joana Freitas BrevesReceitas da Administração em queda As receitas da Administração continuam em queda, mas o saldo do orçamento central em Janeiro ultrapassa já o previsto para os 12 meses de 2016, indicam dados oficiais. De acordo com dados provisórios publicados no portal da Direcção dos Serviços de Finanças, o saldo orçamental atingiu 4,8 mil milhões de patacas, um valor que traduz uma queda de 43,2% face ao excedente apurado no período homólogo do ano passado, mas que reflecte uma execução de 138,6% face ao orçamentado para todo o ano de 2016. A Administração arrecadou receitas totais de 8,5 mil milhões de patacas, menos 20,3% face a Janeiro de 2015, estando cumpridas em 9,2%. Os impostos directos sobre o jogo – 35% sobre as receitas brutas dos casinos – foram de 6,7 mil milhões de patacas, reflectindo uma redução de 20,5% face a Janeiro de 2015 e uma taxa de execução de 9,4%. A importância do jogo reflecte-se no peso que o imposto detém no orçamento: 79,4% nas receitas totais, de 80,2% nas correntes e de 91,2% nas derivadas dos impostos directos. Na rubrica da despesa verificou-se um aumento superior a dois terços (68,1%) face a Janeiro de 2015, para 3,6 mil milhões de patacas – impulsionado pela mesma percentagem de crescimento nos gastos correntes –, apesar de a taxa de execução corresponder a apenas 4,2% do orçamentado autorizado para 2016. Não foram despendidas verbas ao abrigo do Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração (PIDDA) – cujo valor orçamentado para este ano é de 11 mil milhões de patacas –, pelo que a taxa de execução correspondeu a 0%.
Joana Freitas SociedadeDeclarada caducidade dos terrenos do La Scala [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Executivo declarou a caducidade dos terrenos em frente ao aeroporto de Macau, onde iria ser construído o empreendimento de luxo La Scala. De acordo com um despacho ontem publicado em Boletim Oficial, o Secretário Raimundo do Rosário deu ordem de caducidade aos lotes por falta de desenvolvimento, já a 24 de Fevereiro. Os lotes foram concedidos por arrendamento e sem concurso público à CAM – Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, que depois os dividiu e atribui a diferentes sociedades. Os direitos resultantes da concessão destes lotes viriam a ser transmitidos novamente, desta vez a favor da Moon Ocean, aos empresários Steven Lo e Joseph Lau, que estavam a construir o empreendimento La Scala. Os dois homens foram já condenados por corrupção a mais de seis anos de prisão, mas não estão a cumprir pena por não estarem em Macau na altura da sentença e não haver acordos com Hong Kong nesse sentido. Chui Sai On, Chefe do Executivo, ainda declarou nulo o acto de concessão dos terrenos, mas essa decisão foi alvo de “recurso contencioso que ainda não foi decidido definitivamente pelo Tribunal competente”. Ainda assim, o Governo assegura que o prazo de arrendamento dos lotes “expirou em 13 de Dezembro de 2015 sem que estes se mostrassem aproveitados”, pelo que declarou a caducidade da concessão de “acordo com a Lei de Terras”. Sobre o futuro do terreno, Raimundo do Rosário não especifica, adiantando apenas que, em termos gerais, a prioridade do Governo é a habitação pública.
Manuel Afonso Costa Fichas de Leitura h | Artes, Letras e IdeiasDiáspora do Desejo, Milan Kundera Kundera, Milan, A Ignorância, Asa, Lisboa, 2001 Descritores: Literatura Checa, Nostalgia, Emigração, Exílio, Comunismo, Identidade, Democracia, Liberdade, ISBN: 9789724125862 [dropcap style=’circle’]M[/dropcap]ilan Kundera nasceu no dia 1 de Abril em Brno, na antiga Checoslováquia, hoje República Checa. Foi em tempos militante do Partido Comunista Checoslovaco do qual viria a ser expulso em 1950. Em 1956 foi readmitido, mas finalmente em 1970 foi expulso, desta vez definitivamente, desta vez teve por companheiros de (in) fortúnio, entre outros Vaclav Havel. Claro que esteve envolvido na Primavera de Praga em 1968, o que significa que as suas posições há muito tempo tinham deixado de ser ortodoxas se é que alguma vez o foram. Lembre-se que a Brincadeira data de 1967. Durante o período de ocupação do território pelas tropas do Pacto de Varsóvia, com Havel e outros participou num movimento de carácter reformista socialista mas contra o totalitarismo soviético, do qual desistiu em definitivo em 1975, ano em que abandonou a Checoslováquia para se exilar em Paris. Veio a tornar-se cidadão francês em 1980. Pode-se considerar que o estilo de Milan Kundera vai no sentido de uma tradição da Europa Central e em particular do eixo Viena-Budapeste e que muito deve a autores como Robert Musil e Herman Broch, mas também a escritores ingleses como, em particular, Henri Fielding, pelo modo como tece uma imensa tapeçaria de digressões e ensaísmo filosófico. Para além da sua obra-prima eu destacaria os romances, A Brincadeira, A Imortalidade e o ensaio A Arte do Romance entre muitas outras obras. Nenhum dos seus livros de ficção alcança a grandeza e a mestria de A Insustentável Leveza do Ser. Uma obra-prima só ocorre na vida de um escritor uma vez. Diáspora do Desejo Estamos sempre a aprender. Isto não é um dístico de vaidade ou arrogância, é mesmo e pelo contrário a assunção de uma humilde autocrítica, que me seja perdoado o recurso a esta expressão com conotações tão obscenas. Vem isto a propósito da leitura de mais um livro de Milan Kundera, incontornável autor de uma brilhante e vasta obra. Repito-me por vezes insistindo sobre o facto de que as melhores obras de literatura da Europa Central possuem um sabor ensaístico que as distingue da maior parte da literatura de ficção da Europa Ocidental e mais particularmente ainda uma tonalidade acentuadamente cosmopolita e de vanguarda. Comparativamente à literatura francesa e mais ainda à literatura anglo-saxónica que contudo só se torna inequívoca na sua versão norte americana, as literaturas da Mitteleuropa, austríaca, húngara, checa e balcânica, em particular, apresentam sempre sinais de uma dimensão extra romanesca; ou seja, histórica, ensaística, e mesmo filosófica. Neste texto, de Kundera, ensaio ou novela que talvez seja o que ainda assim melhor se lhe coaduna, estamos sempre a ser surpreendidos por considerações que colidem com a nossa interpretação e sentido da conveniência entre os factos históricos e culturais. Feito depois um balanço final chegamos à conclusão de que afinal o edifício das nossas certezas não é assim tão abalado quanto isso, mas o choque e a surpresa não podem deixar de ser assinalados. Vamos ao nosso caso concreto para melhor nos entendermos. Tenho para mim e já o disse aqui nas páginas deste jornal, nos textos que tenho vindo a publicar, que o melhor da cultura europeia do século passado e já na transição do século XIX para o século XX podia ser associado aos intelectuais da chamada Mitteleuropa e em particular aos intelectuais judeus. É espantoso o número de artistas e escritores e até filósofos com esta característica étnica, digamos assim com brevidade, que se evidenciaram nas suas actividades com assinalável mérito e brilho. Isso não pode ser desmentido, nem é o objectivo destas minhas considerações, por todas as razões, intelectuais, estéticas e até afectivas. Claro que a afectividade é multiforme e não se justificaria eventualmente se não contivesse os pressupostos de uma profunda solidariedade ideológica inseparável dos conceitos de alteridade, diáspora, exílio e desenraizamento. Desde logo porque estes conceitos são a matriz e os alicerces da minha própria posição sobre os temas que podem ser trazidos à colação: identidade, cosmopolitismo, concepção artificial e não orgânica da sociedade e do Estado. Provavelmente não sou só eu que se habituou a relacionar os judeus com uma cultura profundamente cosmopolita, assente em mecanismos de Identidade reduzidamente nacionalistas e até no limite a rasar os informes de uma cultura apátrida. A segunda guerra mundial e a perseguição que lhes foi movida com a consequente diáspora confirma-o e inscreve-se como um dos maiores fenómenos históricos do nosso tempo contemporâneo, com implicações inquestionáveis. Para o Mal e para o Bem. Vem ao caso a digressão, a meu ver notável, que Kundera faz sobre o judeu austríaco, Arnold Schoenberg, a propósito de algumas questões que sibilinamente lhe foram colocadas por um jornalista americano, já o músico e teórico da escala de doze tons se encontrava há catorze anos afastado da sua pátria. A pergunta ia no sentido de querer saber se Schoenberg sentia saudades da pátria. A pergunta era sibilina pois sendo a Áustria a pátria do músico de Viena, a verdade é que o artista sempre identificou a Alemanha, a cultura alemã e a língua alemã, como a sua pátria espiritual. É nesse ponto que a posição de Schoenberg nos parece atípica pois exprime uma pertença muito vincada, enquanto judeu, relativamente à pátria de acolhimento e de resto nem sequer a essa mas a uma pátria culturalmente mais alargada e englobante o que o identificaria com a velha estirpe teutónica, o que afinal não corresponde à verdade. O que é verdade é que a germanização de Arnold Schoenberg foi consistente ao ponto de ter renegado o judaísmo e se ter convertido ao cristianismo na sua versão mais alemã, o luteranismo. Viria contudo a regressar à religião judaica em Paris no contexto da primeira fase do exílio, em consequência do nazismo, que o levará finalmente até à América, como a tantos outros. Não foi para mim surpreendente o facto de Schoenberg, ter assumido a sua nacionalidade europeia, muitos judeus da diáspora assumiam as suas nacionalidades migrantes quase sempre com grande galhardia. Já é mais estranha a sua tão grande fidelidade à Alemanha e à cultura alemã, uma vez que os seus antepassados próximos eram originários da Hungria, já europeus, portanto, mas não alemães. Seguramente que a inserção de Schoenberg, pela educação musical, no espaço da tradição da língua alemã e isso aconteceu com muitos outros, artistas, músicos e escritores em particular assim como filósofos, poderá ter desempenhado um papel importante na redefinição de uma pertença acima das oscilações identitárias ligadas aos espaços físicos e políticos. Teríamos assim uma redefinição do quadro: Primeiro judeu, do ponto de vista étnico e histórico, depois húngaro pela origem familiar recente, mas por esta pertença já enquadrado num espaço germanizado, uma vez que a Hungria se integrava no espaço geopolítico do Império Austro-húngaro de que Viena era a capital. Aliás foi justamente em Viena que o músico nasceu a 13 de Setembro de 1874. Finalmente por esta via vienense acabaria por se ligar à língua alemã e finalmente à cultura alemã. Milan Kundera explora estas contradições da vida espiritual de Schoenberg, fazendo-o de uma forma articulada com conceitos e com vidas de personagens, em particular Irena, ou seja a personagem principal. Se o conceito motor de A Insustentável Leveza do Ser era a compaixão, o conceito motor deste romance, A Ignorância, é a ideia de nostalgia, que o autor trata etimologicamente na sua complexa evolução histórica e linguística e ainda na sua diversificação semântica. A personagem principal do romance, Irena, é uma checa há alguns anos a viver em Paris, para onde emigrou na circunstância da ocupação da Checoslováquia pelas tropas comunistas do Pacto de Varsóvia, como aconteceu aliás com o próprio Milan Kundera. Irena, a fazer fé pelos dados cronológicos terá saído de Praga logo na época da invasão em 1968, pois agora, no romance claro, está há mais de 20 anos emigrada. Estaremos portanto em 1989. A sua grande amiga Sylvie espera entretanto que no contexto revolucionário que começa no leste da Europa a partir de 1988, Irena deseje voltar à pátria; seja pela pátria seja pelo menos pela revolução. Sylvie, a sua amiga, é animada, ainda, pelo espírito da chamada Grande Marcha, tal como Franck o era em A Insustentável Leveza do Ser. Esta crença da marcha para a liberdade é um avatar ideológico de longa duração, uma das muitas metanarrativas da Modernidade, expressão de um sentimento tão europeu e francófono, herdado da Filosofia das Luzes. Só a título de curiosidade, foi justamente essa crença nas Grandes Marchas, pelo progresso, pela liberdade e pela paz que determinou que a cultura europeia tivesse entrado em crise na segunda metade do século XX. A crise foi em larga medida estimulada pela falência das metanarrativas, falência essa, ditada, justamente, por eventos como a segunda guerra mundial e o nazismo mas também paradoxalmente acelerada pela débacle do Império Soviético. O Império Soviético, o seu colapso, tão abrupto e rápido, levou consigo, pelo menos durante um certo tempo, o sonho igualitário do Comunismo. Provavelmente nada de mais ambivalente aconteceu na Europa em toda a sua história. O fim do comunismo representou o colapso de um mito, de uma crença historicista enraizada na Europa, e representou também a agonia de uma perspectiva escatológica, embora secularizada, que produzira sentimentos tão contraditórios e apaixonados. O fim do comunismo foi para muitos, o fim de um sonho e para outros tantos, o fim de um pesadelo. Em boa verdade, e eu já o escrevi num texto sobre a pós-modernidade, o fim do comunismo encerrava em si mesmo a dupla dimensão de um sonho e de um pesadelo em simultâneo. Só na dinâmica diacrónica da história é que o fenómeno se desdobrou e pôde ler-se como um sonho que degenerou em pesadelo, que afinal há muito já tinha degenerado em pesadelo, conquanto mantivesse ainda uma enorme aura de esperança e sonho. Eu digo paradoxalmente, de facto por isso mesmo, porque apesar do que na realidade e na prática representava, o comunismo era ideologicamente ainda para uma boa parte da consciência ocidental, embora cada vez menor, uma ideia emancipadora e revolucionária, ou seja, uma metanarrativa e uma Grande Marcha. É balizado por estes pressupostos que Kundera desenvolve numa digressão longa, para minha surpresa, um longo artigo de reflexão sobre a figura de Schoenberg. O desenvolvimento teórico é apaixonante, mas isso não é nada surpreendente, pois Kundera que estudou música a sério é um largo e profundo conhecedor da matéria. A surpresa radical estala quando o autor me coloca perante uma declaração de Schoenberg, em que este teria afirmado na sequência da sua invenção da escala dodecafónica, que “graças a si, a dominação, (não disse ‘glória’, disse Vorherrschaft, ‘dominação’), da música alemã, (ele, vienense, não disse música ‘austríaca’, disse alemã) estaria garantida, durante os próximos cem anos” (p. 14). Como se sabe, alguns anos depois estaria exilado em Paris, banido e ostracizado por essa mesma Alemanha de cuja Vorherrschaft se ufanava e cuja glorificação quisera garantir com a sua própria arte. Mais surpreendido fiquei, mas convencido, por agora, quando Kundera exacerba um dado absolutamente inesperado para mim e que é a ligação da arte de Schoenberg a mecanismos de enraizamento no solo alemão, a fazer fé que o músico teria usado esta expressão. Ora, usou mesmo, o que para mim é aviltante pois sempre li a obra de Schoenberg, e cito tantas vezes o poema de Jorge de Sena, na Arte de Música em que o poeta glosa literariamente o Concerto para Violino e Orquestra do célebre músico vienense, afinal alemão, como sendo a grande expressão de uma modernidade cosmopolita e quase apátrida. Para mim o concerto é a expressão de uma sensibilidade desenraizada, pessimista e agónica dos balbuciamentos de uma modernidade que sofre os efeitos da primeira crise intelectual e moral ao mesmo tempo que assinala o triunfo de um individualismo decadente e desiludido. Mas pelos vistos as coisas não se passavam assim na consciência finissecular de Schoenberg e em vez de se sentir como eu sempre o vi, e Kundera também, como alguém que estava a escrever o fascinante epílogo da História da Grande Música Europeia ter-se-ia sentido antes o prólogo de um glorioso futuro. Confesso a minha enorme estranheza e perplexidade. Mudemos de assunto. Sempre soube de uma forma sobretudo intuitiva que alguma coisa me incomodava nas estratégias identitárias e nos seus cultos repetitivos e reiterados. A obsessão pelo mesmo, a invocação exaustiva de memórias sempre as mesmas que constituem por exemplo a argamassa de coesão dos grupos sedentários, as tertúlias dos cafés de bairro, os clubes que se frequentam sempre para as mesmas actividades, as inevitáveis conversas redundantes e circulares, das quais nunca se sai. E também por um processo intuitivo me apercebi das vantagens ontológicas da rotura, do abandono, da recusa do quotidiano, da fuga para longe ou em última instância mesmo para perto, a procura de um escondimento quando a fuga não é possível. Nunca fui de grandes rotinas e de grandes fidelidades. É vital e visceral em mim desaparecer para me salvar das tenazes da repetição viciante, da acédia, das monotonias que preparam o logro das grandes armadilhas, as teias de aranha dispostas nos recantos, o pratinho de mel envenenado sobre a eterna mesa sempre posta e ali à mão. Não vale a pena explorar os elementos ontológicos e metafísicos da fuga, do retiro ou da aventura, eles são sobejamente conhecidos e explorados pela literatura e pelo cinema até à exaustão. Deixemos isso portanto de lado agora. Já escrevi de sobejo sobre o tema, lathe biosas, hoc erat in votis, redi ad cor, purga, sublimação, ascese etc. Centrar-me-ei antes na problemática levantada por Kundera nesta novela: a questão da narrativa. A questão central e dramática da necessidade da narrativa. Diz o autor que Ulisses, que lhe serve como paradigma homológico e fac simile, se aborrece infinitamente pois todos lhe falam de Ítaca, quando o deveriam interpelar, no sentido de o estimular, sobre a sua odisseia! Não fora o caso de que antes de acostar a Ítaca ter sido levado para o País dos Feácios por causa de um naufrágio e teria morrido intoxicado de acontecimentos sem ninguém para desabafar, o termo só pode ser este. Ora no núcleo claustrofóbico das relações identitárias só podemos desabafar a redundância da nossa história partilhada, comum, aquela que no fim de contas é menos idiossincraticamente nossa a título pessoal e privado, ensimesmados em torno de lugares comuns exaustivamente partilhados até à náusea. Isso é o que justamente acontece nas comunidades fechadas, nas comunidades emigrantes por exemplo, em que os dispositivos identitários adquirem os contornos de uma tara, narrativa tautológica, obsessiva, onde jamais pode brilhar a disfuncionalidade de uma outra narrativa puramente individual, única, inovadora, capaz de por si fazer estalar o verniz e a argamassa do idêntico, instituindo a perversão da surpresa e do inesperado, o escândalo do imprevisto, a agressão disfórica do inusitado. É deste modo que eu sou levado a entender por exemplo a necessidade do Imperador Kublai Khan mas também a de Marco Polo, nas Cidades Invisíveis de Calvino. Precisam ambos daquele suplemento vital. Não é nada difícil aceitar que isso aconteça mais facilmente no contexto da diáspora e na relação entre estranhos, desconhecidos. Não podendo por ora dizer mais do que isto, penso que se percebe que tudo isto caracteriza o poder da efabulação, o poder comunicativo inaugural da paixão amorosa, da descoberta, do encontro acidental, o poder afinal do desejo. Só o estrangeiro, só o estranho, só o desconhecido, provocam de forma radical o nosso ínsito desejo ficcional e efabulatório, quando, tal como provavelmente o Rei dos Feácios terá feito com Ulisses e Kublai Khan fez pela mão de Calvino, e vindo ao nosso encontro, nos diz: Quem és tu? De onde vens? Conta! Narra-nos a tua vida, a tua história, pois ela será tal como todas as vidas, única e exemplar. Em todos os seres humanos está adormecido um efabulador e um aventureiro. Só no quadro de uma relação de alteridade é possível furar a carapaça da identificação ao mesmo, romper as fronteiras rígidas da rotina, da tirania quotidiana, previsível, programada, que nos amarra como uma armadilha. Note-se como, e não deixa de ser muito esclarecedor, em várias línguas o sentimento de desejo nostálgico, ou saudoso mesmo, se estrutura em torno, em simultâneo, dos conceitos de falta ou ausência e de estranheza, no sentido em que o estranho é o estrangeiro e marca central de alteridade. Na língua inglesa o sentimento exprime-se através do verbo to miss, em português faltar. Dizer que me tens feito falta é o mesmo que dizer que sinto saudades de ti. Mas em castelhano é ainda mais interessante a denotação, pois é mesmo estrañar que exprime imediatamente saudade ou nostalgia, …. Tenho-te estrañado tanto, significa que me tens feito falta, que sinto saudades da tua presença, etc. Os dados estão assim lançados para que se possa ligar de uma forma dinâmica e mesmo dialéctica, a alteridade, o amor, o estrangeiro (estranho) e a narratividade. Para mim só neste contexto dinâmico faz sentido estudar e desenvolver o conceito bem português da saudade, ou seja enquanto potencialidade narrativa do desejo.
Hoje Macau h | Artes, Letras e Ideias“O Livro do Desassossego” chega a Londres * Por Michel Reis “O coração, se pudesse pensar, pararia.” [dropcap style=’circle’]”[/dropcap]Van der Aa: The Book of Disquiet”, o espectáculo multimédia do holandês Michel Van der Aa, foi apresentado nos dias 24 e 25 de Fevereiro em Londres, no qual a maestrina portuguesa Joana Carneiro dirigiu a London Sinfonietta, uma das mais conceituadas orquestras sinfónicas britânicas. Com base nos escritos autobiográficos de Bernardo Soares (“semi-heterónimo” de Fernando Pessoa, segundo o próprio), a peça, apresentada pelo Southbank Centre, subiu ao palco do Teatro Coronet numa versão inglesa, com o actor Samuel West a fazer de Bernardo Soares. Esta peça de teatro musical para actor, agrupamento e filme foi apresentada pela primeira vez na língua alemã, em 2009, em Linz, ano que a cidade alemã foi capital europeia da cultura. Em Fevereiro de 2010 chegou, na sua versão portuguesa, à Casa da Música no Porto, com João Reis como protagonista. O espectáculo de Van der Aa é descrito como um misto de representação com música e vídeo no qual, entre outros, a fadista Ana Moura está presente. Joana Carneiro, maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, no Teatro Nacional de São Carlos e tida como uma das melhores regentes do mundo, conta já com uma larga experiência internacional. Em 2009, foi nomeada directora musical da Berkeley Symphony, nos Estados Unidos e Maestrina Convidada da Orquestra Gulbenkian. Seguiram-se concertos com algumas das melhores orquestras de França, Canadá, Espanha, Suécia, Nova Zelândia e Austrália. VII-1 Van der Aa escreveu o seu próprio libreto a partir do livro de Pessoa, a maior parte dito pelo actor, sentado a uma secretária. Ecrãs de vídeo em volta deste oferecem imagens filmadas de outras personagens mencionadas nos textos: um major reformado, um varredor de ruas e uma rapariga com que Soares sonha depois de a ver numa litografia; chama-lhe Ofélia e é retratada em filme pela cantora de fado Ana Moura. Estes seus alter-egos interferem de modo crescente até que surge um diálogo virtuoso entre o actor e os heterónimos, que a seguir desaparecem gradualmente. Os temas explorados nos escritos de Fernando Pessoa complementam as ideias exploradas no trabalho de Michel Van der Aa. Tal como as suas obras recentes exploram a ideia de identidade, o Livro do Desassossego de Pessoa está escrito na perspectiva do alter-ego de um guarda-livros chamado Bernardo Soares. Pessoa cria diferentes personagens para tornar visível um diálogo interior. Cada um dos heterónimos tem a sua própria biografia, língua e origens, diz Van der Aa. É adequado, então, que estas personagens fracturadas tenham as suas próprias identidades musicais, pelo que o compositor considera The Book of Disquiet como uma das suas partituras mais coloridas. Van der Aa descreve os escritos de Pessoa como densos, bastante pesados e por vezes sombrios, mas cheios de sagacidade e explora as implicações das ideias do poeta na era moderna. Refere ainda que, na realidade, o protagonista não vive; ele escreve sobre os seus amigos ou fala com eles em sonhos porque dessa forma pode afastar-se deles. Não é capaz de se ligar ao resto do mundo. A concluir, refere que o ecrã do computador é a janela e alguns de nós vivemos no Facebook em vez de em pessoa. Apropriadamente, o compositor concebeu a obra multimédia como um todo em vez a separar nas suas componentes. As diferentes componentes sempre lhe surgem em paralelo uma às outras – quando está a escrever a música pensa no que está a acontecer no filme ou no palco e como estas camadas se encaixam umas nas outras. Refere que não é uma peça com música de fundo – é teatro musical. A música conta a parte da história que o texto não conta e tudo se encaixa. O Livro do Desassossego é considerado uma das maiores obras de Fernando Pessoa. É um livro fragmentário, sempre em estudo por parte dos críticos pessoanos, tendo estes interpretações díspares sobre o modo de organizar o livro. Existe uma versão resumida do mesmo, com os trechos mais belos e representativos da obra, intitulada Palavras do Livro do Desassossego. Uma das estudiosas de Pessoa, Teresa Sobral Cunha, considera que existem dois Livros do Desassossego. Segundo esta última, que organizou em conjunto com Jacinto do Prado Coelho e Maria Aliete Galhoz a primeira edição do livro, publicada apenas em 1982, 47 anos depois da morte do autor, existem dois autores da obra: Vicente Guedes numa primeira fase (anos 10 e 20) e o já referido Bernardo Soares (final dos anos 20 e 30). Já outro estudioso de Pessoa, António Quadros, considera que a primeira fase do livro pertence a Pessoa. A segunda fase, mais pessoal e de índole da escrita de um diário, é a que pertence a Bernardo Soares. Quando Fernando Pessoa morreu em 1935, deixou uma arca cheia de escritos incompletos e não publicados, entre os quais estavam as páginas que constituem a sua obra-prima póstuma, O Livro do Desassossego – a autobiografia do seu semi-heterónimo Bernardo Soares. Mais de três décadas depois de ter sido revelada ao mundo, a partitura de Michael Van der Aa transforma a colecção de vinhetas de sonho e anedotas autobiográficas de Pessoa numa obra hipnótica que combina a palavra falada, com música, electrónica e vídeo, examinando a verdadeira natureza do sempre inapreensível ego.
Filipa Araújo Manchete SociedadeIAS | Bebés abandonados ainda não estão disponíveis para adopção Apesar de existirem seis casos de abandono de recém-nascidos, entre 2011 e 2015, o IAS explica que sem identificação das progenitoras, as crianças em causa – plenas de saúde – continuam à espera de poder integrar-se numa família [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]eis. Mais do que os dedos de uma mão. É o número de bebés abandonados entre 2011 e 2015, números que não contam com o bebé abandonado este ano no edifício Flower City. Os dados são do Instituto de Acção Social (IAS), que indica que todos os bebés encontrados estavam em “plenas condições de saúde”, sendo que a um deles foi diagnosticado um “grau de deficiência mental”. Numa resposta ao HM, o IAS explica que em 2011 foram abandonados três bebés, que em 2014 foi encontrado um bebé e outros dois no ano passado. Este ano já foi encontrado mais um bebé, cuja alegada mãe terá sido detida pelas autoridades. Questionado sobre as progenitoras no caso dos bebés registados até ao ano passado, o IAS indicou que nenhuma delas “foi identificada”, pois a progenitora “desapareceu” ou “morreu”. Sobre as crianças, o IAS indicou que “todos os bebés foram entregues pelas autoridades” à instituição, que os reencaminhou para lares de jovens ou berços de crianças apoiados pelo Governo. “Depois disto [e depois de um relatório do IAS], o processo segue para tribunal, onde será identificado o caso de abandono da criança”, clarifica o IAS, adiantando que depois de conseguir a identificação a criança em causa poderá seguir para adopção. Algo que ainda não aconteceu. Isto porque, em termos práticos, as burocracias de todo o processo fazem com que estas crianças estejam há pelo menos cinco anos à espera. Num relato, o IAS explica que as três crianças encontradas em 2011 estão em fases diferentes do processo. Uma delas está numa “altura de experimentação”, depois do Ministério Público (MP) ter autorizado a sua adopção, outra “iniciou agora o processo” e a terceira conseguiu autorização agora do MP. Estando, pelo menos, agora cada um com cinco anos de idade. A criança encontrada em 2014 viu agora o seu processo de adopção começar a andar, estando o MP a analisar o caso. Das duas crianças encontradas o ano passado, explica o IAS, uma delas está à espera da resposta do MP e, sobre a outra, só agora foi entregue o relatório do caso de abandono, da responsabilidade do IAS. O sim do sim Miguel de Senna Fernandes, advogado, quando questionado sobre a demora do processo, confirma que “não existem mecanismos que o acelerem”. Apesar de não estar ligado aos processos de adopção, o advogado indica que “de facto, todo o processo hoje em dia passa muito pelo IAS, sendo que todo o impulso é através deste instituto”. A situação, diz, é bastante delicada. “O facto de se encontrar uma criança não é só por si fundamento bastante para se iniciar um processo [de adopção], é necessário que haja constatação formal de que existe um estado de abandono. E mesmo assim, mesmo confirmando, não é permitido avançar logo com os processos”, afirmou. Para Miguel de Senna Fernandes deveria existir uma “política de maior solidariedade nestes processos”, porque, diz, “rodear de tais cautelas” pode “pôr em causa a segurança da criança”. Uma situação de “completa indecisão” é muito complicada, aponta. “Nestes últimos tempos tornaram-se mais céleres, mas é uma impressão minha”, rematou. Visto de dentro Fonte ligada à área, preferindo manter o anonimato, indicou que após uma “situação de abandono, quanto mais cedo uma criança for adoptada melhor será a sua integração na família adoptiva”. “Ser abandonado e viver numa instituição é muito difícil para qualquer criança e torna-se muito complicado desvincular-se da instituição, mesmo que o ideal para qualquer criança seja ter uma família. Pode haver, por exemplo, uma ligação afectiva forte com um funcionário da própria instituição que o acolhe durante o tempo em que a criança ali está. As separações são sempre traumáticas para as crianças, podendo gerar problemas emocionais ou até mesmo o designado distúrbio reactivo de vinculação, pelo corte com tudo a que a criança está ligada. Mas não é só da crianças que se trata: também a família adoptiva sofre e assume consequências de todo este demorado processo. “A família adoptiva, não sabendo ou não tendo consciência de tudo isto, não consegue ou terá muitas dificuldades em lidar com a criança que foi vítima de abandono ou que viveu muito tempo numa instituição. Estas situações podem gerar numerosos e inesperados problemas e por isso é fundamental que as famílias adoptivas tenham uma boa preparação prévia. Como é óbvio, há também casos muito bem sucedidos”, apontou. Quanto à demora nestes seis casos, a fonte do HM classifica-a de “horrível” e “ridícula”.