Filipa Araújo PolíticaLAG 2016 |Lionel Leong quer jovens empreendedores e inovação em cima da mesa [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, afirmou, ontem, durante a apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2016 que os jovens e a inovação no desenvolvimento e diversificação da economia de Macau são uma prioridade de trabalho no próximo ano. Defendendo uma necessidade de apoio ao jovens empreendedores, Lionel Leong afirmou que esta faixa etária é de facto a actriz principal da reforma e inovação. Depois de ouvir a apresentação do seu discurso, os deputados Mak Soi Kun, Ho Ion Sang e José Chui Sai Peng não se pouparam nas apreciações e perguntas ao Governo sobre a situação dos jovens. Para Mak Soi Kun é necessário apostar nos jovens empreendedores, de acordo com a leis vigentes. José Chui Peng quis que o Governo explicasse de que forma é que os apoios monetários aos jovens têm melhorado a economia e têm fomentado o interesse dos jovens empreendedores. A criação do Centro de Incubação de Negócios para os Jovens foi também questionada quanto à sua utilidade pelos deputados. Em resposta, Lionel Leong indicou que é preciso abandonar a ideia de que os jovens só precisam do apoio monetário por parte do Governo. “Tenho falado com vários jovens, tenho ouvido e eles estão preocupados com vão ter o seu espaço e como vão conseguir vender os seus produtos. O nosso plano de apoio aos jovens não é só a atribuição do dinheiro, há por trás disso uma coisa mais importante. Antes de receber o dinheiro, os jovens são chamados para formações para que lhes sejam incutidos conhecimentos sobre as necessidades dos mercados, noções sobre contabilidade, sobre o regime fiscal e até de marketing”, indicou o Secretário. Para Lionel Leong é importante existir esta formação, este apoio do Governo e também a troca de experiências, seja de sucessos ou insucessos, para que os jovens percebam os erros que não podem cometer. “Vamos intervir mais”, garantiu aos deputados o Secretário, frisando, uma vez mais, que para além do dinheiro, os jovens precisam de “perceber que alguém lhes reconhece, aceita e admite os seus projectos. No futuro vamos continuar a aproveitar os apoios e programas que temos para integrar com os jovens”, garantiu. Inovação em acção O deputado José Chui Sai Peng questionou ainda o Governo sobre os meios de promoção do empreendedorismo. “É preciso inovação e diversificação do empreendedorismo”, anotou. Também o deputado Ma Chi Seng apontou o dedo a um empreendedorismo sem inovação em que todos os novos negócios seguem um modelo, sem grande variedade. Lionel Leong apontou que a inovação, muito defendida pelo Governo, não diz respeito apenas ao jovens empreendedores, mas também às lojas tradicionais de Macau e às pequenas e médias empresas (PME). “Todos, todos, têm de ter uma mentalidade inovadora. A inovação não é apenas para os jovens, é para todos, para as lojas tradicionais, para as PME. Claro, o Governo tem de ter uma cooperação com os serviços de tecnologias, claro que sim. Uma cooperação que permita prestar serviços in loco”, afirmou. O Secretário adiantou ainda que o Centro de Transformação e Transferência de Tecnologia terá que assumir uma postura de responsabilidade na introdução da aposta na inovação na economia e no desenvolvimento de Macau. “Queremos proporcionar um serviços especializado e de qualidade, o centro vai ficar encarregue disse”, garantiu, frisando a clara tendência do “comércio electrónico” e a necessidade das PME nessa vertente.
Filipa Araújo PolíticaLAG 2016 | Lionel Leong admite preços chocantes de rendas pagos pelo Governo O Secretário para a Economia e Finanças diz ser chocante os valores pagos pelo Governo pelas rendas dos serviços públicos, mas não dá soluções para já. Leong não dá números, mas o HM sabe que são cerca de 600 milhões anuais, feitas as contas já em Maio deste ano Com Joana Freitas [dropcap style=’circle’]L[/dropcap]ionel Leong admitiu ontem que os preços das rendas pagas pelo Executivo para os serviços públicos são elevados. O montante despendido pelo Executivo em rendas para estes espaços, espalhados por diversos sítios, foram motivo de questões levantadas pelo deputado Chan Meng Kam, durante a apresentação das LAG do Secretário para a Economia e Finanças. O deputado quis saber se o Governo poderia tornar pública a lista de gastos para o arrendamento dos espaço e apresentou a sugestão de se construírem edifícios que acolhessem provisoriamente estes órgãos. A resposta do responsável não tardou. “Os serviços públicos pagam rendas muito elevadas todos os anos. Também eu sinto muito o preço das rendas, fico muito chocado com estes montantes gastos no arrendamento”, começou por indicar o Secretário, que relativamente à publicação dos valores das rendas pagas, apresentou algumas reticências. “Eu, como Secretário, tenho que estar ciente destes valores, mas relativamente à publicação destes valores acredito que isto possa, ou até não, afectar o mercado do arrendamento. Será que vão subir? Será que vão descer? É preciso ouvir a sociedade porque a divulgação dos dados pode trazer algum impacto”, defendeu. Relativamente à construção de edifícios específicos para os serviços públicos, apesar de Lionel Leong ter clarificado que esse assuntou não era contemplado pela sua pasta, “do ponto de vista financeiro”, o Secretário admite que faz mais sentido ter “edifícios permanentes” que é, aliás, o que o Executivo quer. “Assim limitamos as quantias gastas no arrendamento em apartamentos ou edifícios no mercado privado, assim como poupamos nos custos das mudanças”, indicou, adiantando que este tipo edifícios permanentes irão permitir o controlo “melhor dos gastos do próprio erário público”. Caso não exista a possibilidade de se construírem edifícios permanentes, a solução dos provisórios “não é a pior solução”, diz. É possível adoptar a medida, assegura, mas não para já. 600 milhões por ano Apesar de não querer apontar números, conforme o HM avançou em Maio deste ano, o Governo paga cerca de 600 milhões por ano em rendas para mais de meia centena de espaços de serviços públicos. Dados fornecidos ao HM pela Direcção dos Serviços de Finanças indicavam que, mensalmente, 48,1 milhões de patacas eram pagas por rendas. A maioria dos espaços estão em prédios privados, com o Macau Square e o China Plaza a serem os espaços mais requisitados. Em 2009, o Comissariado de Auditoria aconselhava o Governo a fazer precisamente estes prédios para que não houvesse estas despesas.
Flora Fong PolíticaCaso Dore | Lesados queixam-se de investigação em frente à Assembleia Legislativa [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s investidores na empresa de junkets Dore voltaram a manifestar-se pela perda do dinheiro “depositado” na sala VIP do Wynn, que sofreu um desfalque após o desvio de dinheiro alegadamente levado a cabo por uma funcionária da empresa. Os investidores consideram “injusto” que o Governo ainda não tenha resolvido a questão, mas que tenha já anunciado uma revisão à lei para impedir este tipo de investimento, que, recorde-se, é ilegal. “Procuramos justiça” era o slogan que se podia ler no cartaz colocado em frente à Assembleia Legislativa, com os investidores a reivindicarem a recuperação do dinheiro que, no total, poderá ascender aos 500 milhões de dólares de Hong Kong. O porta-voz queixou-se ao HM que a empresa assumiu que o dinheiro das vítimas era o que tinha sido desviado e descartou a responsabilidade para a trabalhadora que desviou o dinheiro, “fazendo de conta que nada aconteceu e continuando a operar a sala VIP”. Os manifestantes pediam ajuda ao Governo e ao Gabinete de Ligação do Governo Central, criticando ainda as investigações das autoridades. “Desde Setembro até agora, já passaram dois meses mas não há nenhuma resposta depois de nos termos queixado a vários serviços públicos. No âmbito da lei, o depósito de dinheiro não é legal, mas a situação já existe há mais de dez anos nas salas VIP de Macau, é um segredo público que o Governo não desconhece, porque é que não controlou isso antes e só agora quer a revisão da lei? É tarde demais, já aconteceu o caso. Como vamos resolver isso?”, questionou.
Leonor Sá Machado PolíticaAdministração | Executivo e instituição chinesa já formaram 6000 funcionários [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Governo local e o Instituto Nacional de Administração da China – especializado na formação de pessoal do Estado – celebram este mês o seu 20º aniversário, celebrando com o anúncio da formação de mais de seis mil funcionários de Macau. O intuito, explicou a Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, é preparar estes profissionais para a evolução social da região. Para Sónia Chan, os trabalhadores da Administração são “executores das políticas do Governo da RAEM” e devem continuar a ter formação contínua ao longo da carreira para responder à evolução social. Para a líder, a ideia destes cursos de formação é permitir que os funcionários públicos tenham oportunidade para conhecer mais sobre Macau, a China, os sistemas de governação e as políticas nacionais do país e da região. “Mediante a formação, os funcionários públicos de Macau puderam elevar as capacidades gerais, nomeadamente conseguiram ter um conhecimento melhor, generalizado e aprofundado, sobre a realidade do país, as políticas nacionais, o desenvolvimento social no interior da China, entre outros aspectos”, disse. Sónia Chan mostrou-se ainda confiante numa cooperação mais estreita com o Instituto. “Espero que na base da cooperação existente entre ambas as partes, o âmbito de cooperação seja alargado e aprofundado, para que o trabalho de formação produza resultados ainda mais satisfatórios”, finalizou a Secretária.
Filipa Araújo PolíticaLAG 2016 | Pedida revisão dos junkets e lista negra [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] deputado Zheng Anting pediu ao Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, uma “revisão profunda à legislação dos promotores do Jogo”, para se conseguir uma maior fiscalização ao sector. Durante a apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG), o deputado defendeu que o Governo deve estar atento e tomar uma acção para a estabilidade das próprias operadoras de Jogo. No mesmo momento, Zheng Anting pediu a Lionel Leong que fosse criada uma lista negra com os dados dos jogadores que de forma consciente actuam de forma ilegal. Esta lista, defendeu, irá permitir criar um sistema de segurança para as promotora de Jogo. Em resposta, Lionel Leong indicou que tal lista nunca poderá ser feita sem garantir o respeito e cumprimento da Lei da Protecção de Dados Pessoais e só uma conversa com o gabinete competente poderá permitir perceber se é possível ou não isso acontecer. “Não podemos, não nos atrevemos a fazer este trabalho sem prudência, temos de consultar o gabinete para perceber se é possível”, indicou. “Quanto às revisão das leis, queremos ajudar, queremos que o sector do Jogo venha a desenvolver-se de forma saudável, estamos a melhorar progressivamente o regime de fiscalização e de funcionamento do promotores”, respondeu o Secretário ao deputado. Lionel Leong indicou ainda que a sua equipa de trabalho irá aproveitar a revisão intercalar às seis operadoras de Jogo, tal como o Chefe de Executivo defendeu durante a apresentação, na semana passada, para perceber a realidade de cumprimento ou não das mesmas. Sobre a base de 3% de aumento das mesas de Jogo, imposta pela Governo e questionada pelo deputado, Lionel Leong garantiu que vai manter a política. “Não vamos mudar esta política, é esta a base que autorizámos”, apontou, frisando que o Governo utiliza “estratégias e políticas para encaminhar o funcionamento do sector do Jogo, como por exemplo, os elementos não Jogo”. O mais importante, diz, é que as mesas existentes consigam contribuir para Macau “ser um Centro de Turismo e Lazer”.
Filipa Araújo PolíticaLAG 2016 | Lionel Leong não está preparado para a pasta que tem, dizem deputados Sem novidades, sem preparação e sem noções de Administração. É assim que Pereira Coutinho carateriza o discurso de apresentação das LAG de Lionel Leong. Chan Meng Kam considera que há falta de detalhes Com Flora Fong [dropcap style=’circle’]“L[/dropcap]ionel Leong não disse nada de especial, nada. As introduções que ele fez são abstractas.” Foi assim que José Pereira Coutinho, deputado presente na apresentação das Linhas de Acção Governativa do Secretário para a Economia e Finanças, caracterizou o discurso. Chamando aos esclarecimentos de Leong apenas “um passeio pelo parque”, Pereira Coutinho diz que o Secretário ocupa um cargo em “que é preciso muita coragem” e que, apesar de ser um bom economista, “não percebe nada de Administração Pública”. “O discurso de Lionel Leong demonstra uma clara falta de conhecimentos na área de Administração Pública, em como fazer que os serviços públicos da sua dependência possam de facto ajudar a resolver os problemas dos residentes de Macau”, indicou. Das setes páginas apresentadas por Lionel Leong, Pereira Coutinho diz que pouco ou nenhum sumo útil se extrai. “O que o Secretário apresentou hoje faz-nos compreender que o próprio, à partida, tem enormes dificuldades em compreender como funciona a máquina administrativa”, argumentou. A falta de experiência na área é apontada como a maior causa de falta de respostas por parte do Governo. “Sei que ele tem dificuldades porque nunca trabalhou na Função Pública, não foi preparado para o cargo. Isto não lhe tira os conhecimentos que tem na área da Economia, porque é um empresário. Mas isto não chega. Esperamos muito mais deste Secretário”, argumentou. Também o deputado Chan Meng Kam ficou bastante insatisfeito com o que o Secretário apresentou durante o seu primeiro dia de LAG. Para o deputado, Lionel Leong não deu as respostas que eram necessárias, deixando que alguns assuntos ficassem sem resposta ou pendentes. Um exemplo claro dessas não respostas foram as rendas dos serviços públicos. “O Secretário revelou que o orçamento da renda dos serviços públicos para o próximo ano será de 1,1 mil milhões de patacas, mas não apresenta qualquer pormenor. Pareceu-me que não estava disponível para falar mais sobre este assunto, que não quis falar mais e não consigo perceber porque é que não respondeu melhor às perguntas. Talvez não tenha tido tempo suficiente, conforme defendeu. Mas pergunto-me se será mesmo verdade que o Governo tem rendas mais caras que as empresas privadas. Questiono-me sobre isso. Será que é verdade? Não percebo”, argumentou o deputado. Também sem respostas ficou a questão colocada sobre o preço do petróleo praticado pelos comerciantes de forma conjunta. Questão, diz, muito injusta para os cidadãos de Macau, tendo influências no dia-a-dia da sociedade. “O Governo tem consciência deste problemas, sabe que está por resolver e que só dele depende a resolução do mesmo”, frisou. Um pasta problemática Para o deputado Leong Veng Chai, o Secretário fez bem o seu trabalho de casa e “preparou bem as informações para o debate”, sendo que o Leong Veng Chai como uma “pessoa muito energética”. No entanto, o deputado considera que esta é uma pasta que tem várias dificuldades em serviços diferentes. “Cada serviço, cada área da pasta, tem os seus problemas e é difícil o Secretário conseguir debater todas as ideias e todos os problemas”, defendeu. Na sua visão, o mais difícil de resolução do que Lionel Leong tem nas mãos, é a “questão dos trabalhadores não residentes (TNR)”, seja em caso de despedimentos por parte dos empregadores sem justa causa, ou até no pagamento de salários. “Acho que relativamente aos despedimentos dos empregadores sem justa causa, vejo que a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) não consegue proteger os empregados despedidos”, apontou. Leong Veng Chai avançou que são inúmeros os pedidos de ajuda por parte dos TNR que tem recebido, depois destes tentarem falar com os empregadores e ainda assim terem sido despedidos. O deputado considera que o Governo, neste caso a equipa de Lionel Leong, tem um trabalho a fazer, mas que até agora nada fez ou nada apresentou. Tiro ao alvo Tudo muito vago, é a análise que faz Melinda Chan à apresentação das LAG por Lionel Leong. “Há muitos assuntos a resolver, e até percebo as metas que o Secretário quer atingir, só não consigo entender como é que ele vai atingir essas metas, porque ele também não explica”, analisou a deputada, acrescentando que Lionel Leonel precisa de ser “muito mais claro relativamente ao caminho a percorrer”. Para a deputada Wong Kit Cheng muitas respostas ficaram por responder. “O Secretário tem de responder de forma mais específica e profunda às questões apresentadas pelos deputados, em vez de fazer o que fez hoje, ou seja só falar no âmbito geral”, rematou. A apresentação das LAG continua hoje, sendo que Lionel Leong irá responder a novas questões dos deputados.
Andreia Sofia Silva SociedadeEduardo Cabrita e Jorge Oliveira no Governo de António Costa António Costa decidiu chamar para a sua equipa duas personalidades que, cada um à sua maneira, deixaram a uma marca em Macau. Quem não se lembra das passagens de Jorge Oliveira e Eduardo Cabrita pela Cidade do Nome de Deus? [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]stiveram em Macau no tempo da Administração portuguesa e alguns anos depois dela. Lideraram gabinetes na área jurídica e os processos de concessão de jogo e conhecem como poucos a realidade jurídica e económica do território. Eduardo Cabrita, antigo director do Gabinete de Tradução Jurídica, ex-assessor e docente da Universidade de Macau (UM), vai ser o próximo Ministro-Adjunto do Governo português. Jorge Oliveira, que liderou os destinos do Gabinete para os Assuntos de Direito Internacional (GADI), será o Secretário de Estado para a Internacionalização. Ao HM, Jorge Oliveira recusou fazer qualquer comentário à sua nomeação, por não se encontrar em Portugal e por ainda não ter tido qualquer encontro oficial sobre o cargo que irá desempenhar. De resto, poucos aceitaram comentar a nomeação de dois nomes que muito contribuíram para as leis e economia da RAEM. O economista Albano Martins garantiu que Jorge Oliveira é um dos nomes mais importantes para assumir o cargo político. “Ele esteve na realidade de Macau durante muito tempo e acompanhou as preocupações dos empresários locais e portugueses relativamente à incapacidade dos governos anteriores de internacionalizarem a economia de forma mais rápida e mais sustentada. Provavelmente deve ter absorvido a ideia de que essa é uma área importante, permitir a diversificação da economia portuguesa e também a internacionalização da economia. É uma das pessoas indicadas para assumir a pasta”, defendeu ao HM. Já Jorge Godinho, académico da UM na área do Jogo, disse ao HM que a nomeação de Jorge Oliveira “é uma surpresa”, tendo referido apenas que deseja “as maiores felicidades para o desempenho do cargo”. “Tem havido alguns casos de pessoas que estiveram em Macau e que depois assumiram funções governativas. O doutor Eduardo Cabrita já saiu de Macau há muitos anos e depois fez toda a sua carreira política no PS, é frequente vê-lo no parlamento. Acho que é a progressão normal de quem faz política em Portugal”, disse ainda ao HM sobre o futuro Ministro-Adjunto. Jorge Oliveira foi um nome próximo de Edmund Ho no que ao sector do Jogo diz respeito, tendo liderado, para além do extinto GADI, a chamada comissão especializada sobre o sector dos jogos de fortuna ou azar, ou Comissão do Jogo. Em 2010, já sob liderança de Chui Sai On, Oliveira acabaria por pedir a demissão à Secretária para a Administração e Justiça Florinda Chan, tendo-se dedicado a actividades no sector privado, como disse aos jornalistas na altura. Eduardo Cabrita, licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, deu aulas de Economia Política na UM, bem como no Centro de Formação de Magistrados de Macau. Entre 1988 e 1989, foi assessor do Secretário Adjunto para a Justiça, tendo sido, no período entre 1996 e 1999, Alto-Comissário da Comissão de Apoio à Reestruturação do Equipamento e da Administração do Território. Num artigo publicado num seminário em 1996, sobre a questão da tradução jurídica em Macau, Eduardo Cabrita defendeu que “é da capacidade dos juristas locais para contribuir para que, pela afirmação da diferença, Macau seja um pólo alternativo e não um subúrbio de Hong Kong ou de Zhuhai, que se joga parte significativa da concretização do modelo autonómico desenhado na Declaração Conjunta”. Rivalidade entre iguais Quando cheguei a Macau em 1990, Eduardo Cabrita e Jorge Oliveira eram as duas estrelas ascendentes do Governo local. Cada um tinha a seu cargo gabinetes cujos papéis eram, na altura, fundamentais para o prosseguimento das políticas definidas pelas volutas da transição. Naturalmente, como é apanágio em terra pequena, logo se falou de uma eventual rivalidade entre ambos. Afinal, se vinham do PS, se tinham a mesma idade e eram considerados políticos de grande futuro, porque razão pouco se viam juntos? Por outro lado, o trabalho dos dois gabinetes intersectava-se numerosas vezes, o que fez igualmente despontar o mito da rivalidade. Nunca a realidade o confirmou. Se existiu ou não uma real rivalidade entre os dois, só os mais próximos poderão esclarecer. Mas este era um dos fait-divers que animava então a intrigalhada local. No entanto, não é crível que esse hipotético mal-estar entre ambos encontre agora terreno para florescer em terreno vigiado por António Costa que, ao que se sabe, tem por ambos a maior consideração. Algo que, diga-se, é plenamente justificado. Carlos Morais José
Hoje Macau BrevesEstância de Madeira Lei Seng pede investigação de decisão sobre Tung Sin Tong [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] Estância de Madeira Lei Seng pediu ao Conselho Superior de Advocacia que investigasse a decisão do Tribunal de Última Instância (TUI) sobre o caso que opõe a empresa à Tung Sin Ton. Depois de meses de luta em tribunal, a Lei Seng volta a acusar a Associação de ter feito uma assinatura falsa num contrato de venda do terreno onde está a fábrica. Segundo o Jornal do Cidadão, o pedido foi enviado numa carta escrita ao Conselho. Esta é a quarta vez que a empresa envia uma carta sobre o caso, depois de ter perdido em tribunal no caso que a opõe à Tung Sin Tong. Em causa está a propriedade de dois terrenos, de onde a Lei Seng teve de sair. A família Iong, que assegura ser a proprietária dos lotes, pede ajuda ao Conselho já desde 2013. “Fizemos a verificação da caligrafia do contrato de venda do terreno e a assinatura é falsa no contrato. A Tung Sin Tong também alterou a finalidade dos terrenos parcialmente no contrato, mas o nosso advogado também não entregou os documentos durante os oito anos em que decorre o processo judicial e isso levou-nos a perder o caso. Queremos, por isso, que o Conselho faça justiça, investigue a falta de documentos durante o processo”, explica a Lei Seng. A família conseguiu, inclusive, autorização do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), para se manifestar com cartazes. Algo que assegura que vai fazer. Tomás Chio
Hoje Macau BrevesUM | Ocupação ilegal por mais de uma centena de veículos [dropcap style=’circle’]M[/dropcap]ais de uma centena de veículos ocuparam ilegalmente lugares públicos dos parques de estacionamento do novo campus da Universidade de Macau (UM). A ocupação acontece há meio ano, mas a UM ainda não sabe quem são os proprietários dos automóveis, ainda que a situação esteja a causar impacto entre estudantes, os funcionários e professores. A denúncia foi feit numa carta que foi publicada pela Associação de Estudos Sintéticos-Social de Macau no Jornal do Cidadão. “A UM não consegue tratar dos carros que ocuparam os espaços ilegalmente por causa da falta de autoridade legal para tal, mas pode discutir com os departamentos governamentais relacionados, enviando os carros para outro local.” Uma parte dos carros pertence a empresas que vendem veículos em segunda mão, outros são de proprietários que se aproveitam das tarifas mais baixas enquanto “passeiam ou vão trabalhar”. “A UM é quem manda no terreno, por que não tratou deste problema nem pediu a ajuda do Governo?”, questiona a Associação. Tomás Chio
Joana Freitas Manchete SociedadeCaso Campas | TSI confirma decisão de absolver Raymond Tam [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]stá fechado o chamado Caso IACM. O Tribunal de Segunda Instância (TSI) confirmou ontem a decisão do Tribunal Judicial de Base (TJB), que absolveu Raymond Tam, ex-presidente do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), e outros três funcionários do crime de prevaricação de que iam acusados. O anúncio foi feito ao HM pelos advogados de defesa dos arguidos, ontem, dia em que a decisão do tribunal superior foi conhecida. Tam, Lei Wai Nong, vice-presidente do instituto, Fong Wai Seng, Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento, e Sio Kuok Kun, chefe funcional, foram todos absolvidos do crime por que foram acusados, num caso relacionado com o conhecido Caso das Campas. Foi Paulina Alves dos Santos, advogada e assistente do processo, quem denunciou o caso, ao lado do Ministério Público, com ambos a dizer que os quatro funcionários do IACM atrasaram de forma propositada a entrega de documentos relacionados com a atribuição alegadamente ilegal de dez campas perpétuas no Cemitério de São Miguel Arcanjo ao MP. Os arguidos sempre afirmaram ter tentado procurar os documentos, ainda que nunca os tivessem encontrado. A acusação dizia ainda que os funcionários teriam enviado os documentos para o Gabinete da ex-Secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, que tinha a tutela da antiga Câmara Municipal de Macau provisória, de forma a que não fosse possível acusar a superior de ter atribuído as sepulturas ilegalmente. A ex-Secretária foi absolvida pelo Tribunal de Última Instância das acusações relacionadas com as campas e o TJB absolveu, também no ano passado, Raymond Tam e os outros três arguidos de cometerem qualquer crime. Para o tribunal, os factos da acusação não foram provados, nem através das testemunhas, nem das provas documentais trazidas a tribunal. Os arguidos poderiam ter sido condenados até cinco anos de prisão. Paulina Alves dos Santos, que inicialmente tinha dito que não ia interpor recurso da decisão, acabou por fazê-lo. Sabe-se, agora, sem sucesso: todos os arguidos saem absolvidos do caso e não há hipótese de novo recurso. “Foi negado provimento ao recurso da Dra. Paulina, portanto o processo terminou”, começou por dizer ao HM João Nogueira Marques, um dos advogados de defesa. “Não há hipótese de recurso, porque a decisão do TSI é uma decisão que confirma a decisão do TJB. Quando é assim, já não cabe recurso ao Tribunal de Última Instância”, acrescentou Álvaro Rodrigues, outro dos defensores. Os advogados afirmam estar “satisfeitos” com a decisão e resta agora saber o futuro dos envolvidos. O HM tentou perceber junto da Secretaria para a Administração e Justiça, agora com nova responsável, Sónia Chan, qual o destino dos quatro funcionários, mas a única resposta foi de que “não havia informações”. Raymond Tam foi suspenso da presidência do IACM e não viu, depois, o seu contrato renovado. O vice-presidente do instituto, Lei Wai Nong, também foi suspenso e ambos foram alvo, segundo uma resposta do Governo ao HM no ano passado, de processos disciplinares. O HM tentou ainda chegar à fala com Paulina Alves dos Santos, mas não foi possível, sendo que a advogada enviou um comunicado onde frisa apenas que “respeita a decisão do tribunal”, ainda que apenas a tenha conhecido através dos média porque não foi notificada pelo tribunal. “Não vou prestar mais declarações, vou publicar os documentos do recurso elaborados pelo MP no Facebook, o procurador-adjunto, Paulo Chan, também acha que foi crime e que eles são culpadps, fiquei muito surpreendida pelo facto do MP não ter interposto recurso, porque ele tem direito a fazê-lo”, frisou.
Flora Fong SociedadeSalário mínimo | Moradores de Seac Pai Van criticam aumento de despesas [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s proprietários do Edifício Ip Heng, localizado em Seac Pai Van, estão insatisfeitos com o “aumento excessivo das despesas de condomínio”, causadas pela implementação do salário mínimo para os trabalhadores de gestão predial. O Salário Mínimo para os Trabalhadores que Exercem Trabalhos de Limpeza e de Segurança na Área de Administração de Propriedades vai entrar em vigor daqui a pouco mais de um mês, dia 1 de Janeiro do próximo ano, mas já vários proprietários de diversos edifícios habitacionais privados se queixaram do aumento das despesas, classificando-se como “incomportável”. A estes juntam-se agora alguns moradores de habitação públcia. Segundo o Jornal Ou Mun, a directora da Associação de Mútuo Auxílio dos Moradores da Seac Pai Van, Wong Lai I, confirmou ter recebido um aviso da empresa de gestão a convocar uma reunião em Dezembro para negociar o aumento das despesas. Esta não agrada a muitos proprietários. “A convocatória mostra que as despesas de condomínios vão aumentar 10%. Caso esta proposta não seja aprovada, a empresa vai sair da gestão do edifício”, disse. Segundo a MASTV, o responsável da empresa de gestão do Edifício Ip Heng é Jackey Chui Ming Man, director da Associação de Administração de Propriedades de Macau. “As despesas de condomínios têm sido mais caras do que os edifícios privados e acho que o aumento vai implicar mais encargos aos proprietários desta habitação económica”, avançou a directora. Wong Lai I contou ainda que a empresa de gestão apresentou uma vez as contas de gestão nos primeiros oito meses deste ano. No entanto, considera que estas não estão claras e diz mesmo duvidar da sua veracidade. Assim, Wong espera que o Instituto de Habitação (IH) se chegue à frente para convocar uma reunião com os proprietários e a empresa de gestão, servindo assim de plataforma de comunicação para resolver a questão do aumento das despesas.
Flora Fong SociedadeImobiliário e advogado discordam da recuperação de terrenos [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]specialistas do sector imobiliário e um advogado disseram ao jornal Ou Mun que não concordam que o Governo proceda à recuperação dos terrenos não aproveitados e exigem mudanças na Lei de Terras, por forma a permitir um período de transição ou o prolongamento da concessão dos lotes de terreno. Para o director-geral da imobiliária Jones Lang LaSalle em Macau, Ku Ka Hou, uma parte das concessionárias não aproveitaram os terrenos durante os 25 anos de concessão devido a questões de administração do Governo ou de protecção do património. Para o responsável, o Executivo “não deve recuperar todos os terrenos de forma unificada”. Para Ku Ka Hou, a recuperação dos terrenos pelo Executivo pode originar problemas de dívidas. “Muitas construtoras pediram empréstimos a bancos para terem acesso a capital, com montantes que podem atingir as centenas de milhões. Caso o Governo recupere os terrenos não aproveitados, as empresas privadas vão perder os direitos de propriedade, ao mesmo tempo que os documentos dos empréstimos bancários podem tornar-se inválidos, o que pode resultar em dívidas”, apontou. Lok Wai Tak, presidente da Associação Comercial de Fomento Predial de Macau, também defende um período de transição na Lei de Terras, o que iria permitir que as empresas concessionárias dos terrenos pudessem recuperar o tempo perdido, algo que evitaria processos em tribunal com o Governo. Também ao jornal Ou Mun, o advogado Chio Son Meng, que foi assessor jurídico no Governo, considera que a Lei de Terras tem uma lacuna, dando como exemplo o caso do Pearl Horizon. O advogado explicou que o facto da finalidade ter levado demasiado tempo a ser alterada (de um edifício comercial para habitacional) fez com que, na realidade, o Grupo Polytec só tenha tido nove anos para concluir o empreendimento. Chio Son Meng disse ainda que, apesar da concessão do terreno terminar já em Dezembro, o Governo ainda atribuiu uma licença de construção o ano passado, considerando “injusto” que venha a suspender a obra aquando da expiração da concessão. “Se forem revistos os requisitos para o pedido de prolongamento da concessão na Lei de Terras, ainda que seja uma concessão temporária, tal pode levar a que o concessionário do empreendimento seja inimputável”, defendeu. Para o advogado, o caso do Pearl Horizon é um exemplo de como a Lei de Terras não está a funcionar na prática. “Tanto no caso de concessões temporárias ou definitivas, a lei deveria permitir o prolongamento de forma apropriada por um determinado período. A Lei de Terras deveria ser assim, agora só falta justiça”, rematou.
Hoje Macau BrevesLuta antiterrorista | China vai “fortalecer a cooperação” com África [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] China vai “fortalecer a cooperação” com África no “combate ao terrorismo e ao extremismo”, anunciou hoje o ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, depois de três chineses terem morrido num ataque a um hotel no Mali. Sem detalhar como será reforçada a cooperação, Wang realçou que Pequim “nunca imporá condições políticas” nem “interferirá nos assuntos internos” dos países. “Não seguiremos o estilo dos antigos poderes coloniais”, realçou o ministro, recorrendo a palavras habitualmente utilizadas quando as autoridades chinesas se referem à cooperação com as nações africanas. Esta semana, o Governo chinês disse que fará “novas propostas” à comunidade internacional na luta contra o terrorismo e pela protecção dos seus cidadãos no exterior, após três executivos chineses terem morrido no ataque no Mali e a organização extremista Estado Islâmico (EI) ter confirmado que executou um consultor natural de Pequim. A China segue uma política de não-intervenção militar que teve como rara excepção o envio de soldados para o Mali em 2013, para participarem em missões das Nações Unidas. Wang falava à margem de um encontro diplomático que antecede o fórum de cooperação China-África, que se realizará entre 4 e 5 de Dezembro em Joanesburgo.
Hoje Macau BrevesRepatriados 91 suspeitos de corrupção [dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m total de 91 pessoas procuradas pela China além-fronteiras, por alegados casos de corrupção, foram extraditadas de volta para o país desde Outubro do ano passado, avançou hoje o jornal oficial China Daily. Estas pessoas são suspeitas de envolvimento em casos de corrupção que, no total, ascendem a 776 milhões de yuan, segundo dados da Suprema Procuradoria Popular da China citados pelo jornal. A “caça ao homem” internacional faz parte da campanha anti-corrupção lançada no país pelo actual Presidente, Xi Jinping, desde que ascendeu ao poder, em 2012, e é directamente tutelada pela comissão de disciplina do Partido Comunista Chinês. No ano passado, a China publicou uma lista com os cem fugitivos mais procurados, que passaram assim a estar sujeitos aos avisos vermelhos emitidos pela Interpol, um mecanismo internacional de localização e detenção para extradição. A lista inclui a fotografia, género, antigos cargos, número de identificação pessoal na China e os países ou regiões para onde os fugitivos provavelmente fugiram. De acordo com a comissão de disciplina do Partido Comunista Chinês, os nomes na lista são apenas uma “fracção” do total de suspeitos de corrupção procurados a nível global.
Hoje Macau BrevesErro de contabilidade em corretora estatal [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s autoridades chinesas abriram uma investigação sobre alegadas irregularidades cometidas pela maior corretora do país, a estatal Citic Securities, por um erro contabilístico calculado em 166.000 milhões de dólares (156.000 milhões de euros). A Associação de Valores da China revelou na quarta-feira que as contas daquela corretora estatal, entre Abril e Setembro, estão “erradas”, avançou o jornal chinês Diário Nacional de Negócios. Segundo o organismo, que é subordinado da Comissão Reguladora do Mercado de Valores, o erro inclui uma sobrevalorização de alguns activos financeiros pela Citic Securities. A empresa financeira estatal tem sido alvo de escrutínio pelas autoridades chinesas desde que entre meados de Junho e o dia 9 de Julho a bolsa de Xangai desvalorizou-se 30%. Vários executivos da corretora foram detidos em Agosto por “práticas irregulares”, num período de grande volatilidade na principal praça financeira do país, que no dia 24 de Agosto encerrou a perder 8,49%. Na semana passada, o presidente da Citic Securities, Wang Dongming, anunciou a sua demissão.
Hoje Macau EventosNão existem imagens inócuas, na floresta do lucro dois seres humanos perdem-se de vista [dropcap style=’circle’]V[/dropcap]encendo a porta de entrada do Museu de História Natural, vindo da luz rasante e outonal de Lisboa, encontro, ao cimo da escadaria, umas estruturas transparentes de varas de bambu verde formando corredores de um labirinto. No dia em que visitei a exposição, ia acompanhado de uma pessoa. Entrámos em zonas diferentes do pequeno labirinto e, subitamente, uma sucessão exacta de transparências, uma justaposição certeira de varas, criou uma opacidade que nos ocultou um ao outro. Desconcertante. Perdemo-nos completamente de vista por um momento. Na floresta do lucro, dois seres humanos perdem-se de vista. Observada a partir do mezanino elevado sobre o átrio do Museu, a estrutura revela-se, desenhando o caracter chinês 利 (li), que se pode traduzir por “lucro” ou “ganho”, embora o seu radical aponte para uma clara conexão arbórea e florestal, o que também nos permitiria ler “lucro” enquanto “crescimento”. Todavia, é logo com estas estruturas que a exposição de Ó manifesta o seu lado crítico e político. Postadas nas varas de bambu, encontram-se resmas de folhas com citações da obra Da Amizade, Cem Máximas Para Um Príncipe Chinês, um tratado composto em 1595 por Matteo Ricci e oferecido ao príncipe Jian’an Wang. Folhas destinadas a serem colhidas pelos passantes, como lembretes. Por um lado, temos as ideias de lucro e amizade, duas noções tão potencialmente complementares como antagónicas, que nos recordam a noção marxista de “trabalho morto”, isto é, o capital que, por exemplo, está significado ou encerrado numa matéria-prima e que o labor operário vivifica ou liberta (como, neste caso, o fizeram os mestres do bambu trazidos de Macau por João Ó para edificar duas partes desta instalação tripartida). Por outro lado, um lado ainda mais criticamente político, este trabalho é uma nítida alusão ao nosso tempo, um tempo que se qualifica por uma transição avassaladora da idade da memória para a idade da informação. E o que pode tal coisa significar? Antes de tudo, antes de um juízo moral, significa uma alteração no ambiente interior dos homens: memorizar torna-se uma perda de tempo, pois sei que, algures fora de mim, todo o conhecimento está armazenado, à distância de um clique. O problema é que o modelo da memória enquanto armazém é, como se sabe há muito, falacioso. Armazenar não é conhecer, mas memorizar já é. Estamos talvez a construir um mundo despossuído de conhecimento, a tal ponto que um momento pode anunciar-se no qual somente haverá lugar para o mais radical capitalismo epistemológico governado por algoritmos, ou seja, tudo o que não tiver valor de uso imediato para fazer funcionar um conjunto de instruções eficazes (é isso um algoritmo) passará progressivamente à escuridão absoluta de um espaço cada vez mais exterior aos indivíduos e às comunidades. Poderemos um dia clicar e não ter resposta à nossa busca. Ou a distância de um clique pode tornar-se infinita. Ou o clique pode mesmo nunca vir a acontecer. Há uma crescente sensação de estarmos como que a desaprender de cor, aceleradamente e por decreto (veja-se, a titulo de curiosidade, o debate em torno da Declaração de Bolonha). E pode muito bem chegar um dia, uma espécie de vindicação heideggeriana, em que não saberemos que não sabemos. Numa sala lateral ao átrio, encontra-se a peça mais intimista da exposição-instalação Palácio da Memória: um objecto de bambu que gira, suspenso, por acção de um motor, num espiralar perpétuo. Dele emana uma beleza algo terrível, acentuada pelo reverberar acústico que o mecanismo gera na sala e pelo próprio título da peça: Modelo para impossível tulipa negra. O objecto combina leveza estrutural e gravidade simbólica, ilustrando a irrespirabilidade de uma existência, ou de um universo, em circuito fechado, assim como toda a negatividade de uma repetição alucinatória. Sim, há algo de alucinatório no constante retorno das imagens que hoje quase nos cegam; que, como esta tulipa negra ilustrará, nos mesmerizam e desmemoriam, pois um dos efeitos da repetição a longo termo é a impressão de se estar perante algo de novo. Esse é o momento, já pós-alucinatório, em que a capacidade de re-conhecimento se extinguiu por fim e por completo, reduzindo-nos a uma espécie de eterno presente. Por paradoxo, parece ser precisamente o excesso de imagens que conduz à hipotrofia da faculdade de imaginar e a uma hipertrofia da imitação e da cópia, as duas agências da produção repetitiva. Na terceira parte da instalação, montada no anfiteatro do Museu, uma outra grande estrutura de bambu, reminiscente das construções de suporte cenográfico das óperas de Cantão, segura tubos néon que escrevem a frase “There is no understanding without images”, uma tradução do dictum “Non est intelligere sine phantasmate”, no latim de São Tomás de Aquino. Podíamos, então, argumentar que um mundo com cada vez mais imagens se traduziria em cada vez mais e melhor entendimento. Mas não é assim. O problema, neste caso, é que a proliferação e transmissão de imagens (para além de causar uma real fadiga da imagem, isto é, uma indiferença derivada de hábito e stress/sobrecarga) serve apenas uma concupiscência mercantil assente na exploração do predomínio da visualidade nos seres humanos. Recordemos com algum cinismo: o cocktail de stress/sobrecarga e psicotrópicos foi justamente a primeira ferramenta dos processos de lavagem cerebral experimentados pela intelligence community durante a Primeira Guerra Fria. Um cliché já antigo retorna, amargo e hiper-realista: somos alvos, indivíduos e comunidades, de uma espécie de carpet-bombing imagético: as imagens são tão fáceis e baratas de produzir que, para atingir um alvo isolado, se esfacela tudo em volta, só por via das dúvidas. Do ponto de vista do vernáculo capitalista, esta é uma técnica que “sai mais em conta e é garantida”. Mais ainda, quem fornece imagens às indústrias da imagem, onde se agigantam a Internet e as redes sociais, somos todos nós: operários não pagos, trabalhadores a tempo inteiro e aproveitados nos mínimos gestos. O que João Ó e o seu Palácio da Memória talvez nos queiram dizer é, simplesmente, que vivemos, ontem como hoje, um mundo onde não existem gestos ou imagens inócuas. De Rui Parada Cascais
Hoje Macau BrevesFotografia | IC lança concurso sobre melhores momentos do “Desfile por Macau” [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Instituto Cultural (IC) volta a lançar este ano um concurso de fotografia aberto a todos os residentes. A ideia é captar os melhores momentos do “Desfile por Macau, Cidade Latina”, que acontece em comemoração do 16.º aniversário da Transferência da Administração de Macau para a China e do 10.º aniversário da inscrição do Centro Histórico de Macau na Lista do Património Mundial. O evento acontece a 6 de Dezembro e pede trabalhos que reflictam “cenas alegres, diversas actuações, close-ups de participantes e destaques do evento”, entre outros. O concurso compreende as categorias Juvenil (dos 13 aos 24 anos) e Geral (idade superior a 25 anos) e os trabalhos devem ser carregados através da página electrónica photoblog.ecpz.net/latincity, permitindo-se a cada participante a apresentação de um máximo de dez fotografias. As candidaturas serão aceites até dia 26 de Dezembro e, em cada categoria, serão atribuídos prémios primeiros três lugares, havendo ainda uma dezena de prémios de Mérito.
Leonor Sá Machado Eventos MancheteCinema | Obra de Silvie Lai e James Jacinto sobre as Ruínas de S. Paulo estreia hoje Como surgiu a ideia de criar esta peça documental? A ideia de fazer um documentário sobre as Ruínas de S. Paulo é já bastante antiga, porque começou a ser pensada há já cinco ou seis anos. Pensada com pés e cabeça, foi só a partir de meados de 2011, portanto sensivelmente há quatro anos. A ideia sempre foi esta desde o início? Inicialmente, era explorar o tema das Ruínas de S. Paulo, porque sempre achei interessante o facto daquelas ruínas serem originalmente um colégio, para além de ser também uma igreja. Sempre considerei o tema fascinante: saber que há quatro séculos já ali existia uma instituição de ensino com uma certa envergadura e certamente com uma grande importância para Macau, que na altura era uma cidade portuária. Naquela altura estava precisamente a desenvolver-se. E como se desenvolveu até àquilo que as pessoas poderão ver hoje? Depois achámos que, ao trocar impressões com o nosso realizador, era um tema difícil de trabalhar porque eram só as ruínas. Como é que havíamos de produzir um documentário que fosse audiovisualmente interessante? Quando se esteve a fazer a pesquisa é que nos lembrámos de também falar de uma figura que também tivesse ligada a Macau. Porquê escolher Wu Li? O trabalho de envangelização dos primeiros jesuítas já tinha começado no local de onde vem. Converteu-se ao Cristianismo já em idade adulta e é na sequência do falecimento da sua esposa que aparentemente decide aceitar o desafio de ir para o Ocidente. A ideia da viagem de Wu Li era ir até Roma… Deixa até para trás os seus filhos e parte na grande aventura que é viajar até ao outro lado do mundo. No entanto acaba por vir para Macau, onde vive cerca de dois anos. Este filme-documentário é, no fundo, isso: falamos sobre a história das Ruínas de S. Paulo, tendo paralelamente um fio condutor, que é narrativa da viagem de Wu Li até Macau. isto inclui as impressões que recolheu quando aqui esteve. O guião do filme baseia-se em documentos históricos, alguma espécie de diário de bordo da viagem do protagonista? Não. Existem documentos que indicam a presença de Wu Li em Macau, mas não existem crónicas da sua passagem por aqui. Usámos foi um artifício ficcional para tentar imaginar como terá sido essa viagem. O que empregámos foi poemas da sua autoria com Macau como tema. Acabou por ser uma coisa inédita, porque os textos originais estão em Chinês e tivemos que fazer traduções para Português. É basicamente a partir destes poemas que fazemos passar algumas impressões do que ele passou, sentia… Um deles fala sobre as dificuldades que tinha na aprendizagem da língua ocidental, que seria o Latim. O documentário foi inteiramente filmado em Macau? Fizemos filmagens em Macau, claro, em Pequim, em Hong Kong e em Portugal. As cenas de reconstituição da época, que envolveram trajes da época, actores e adereços foram todos em Macau e uma cena em Hong Kong, que teve cavalos. Macau não tem condições para filmar com grandes cavalos. Esta cena, em particular, foi bastante complexa. Em Portugal filmámos em Lisboa e em S. Gonçalo do Amarante, que é uma cidade próximo do Porto que tem um convento com o mesmo nome. A sua igreja tem um frontispício muito semelhante à fachada de S. Paulo. Há alguma relação directa entre as duas igrejas? Sim, enquadram-se no mesmo estilo arquitectónico da altura. Poderá dizer-se que este trabalho tem também uma componente religiosa? O nosso intuito é fazer uma abordagem histórica e a verdade é que a Companhia de Jesus teve um papel e uma influência muitos grandes aqui em Macau. Aliás, na altura era uma instituição com grande poder na gestão da cidade. O que os documentos históricos indicam é que Macau, sendo uma cidade pequena e que estava em desenvolvimento, tinha imensas instituições que eram criadas pela Companhia de Jesus. A Santa Casa da Misericórdia, o primeiro hospital, as primeiras escolas de Macau, o Centro de Leprosos… Uma série de instituições sociais que era de iniciativa desta Companhia. Há que realçar o papel importante que tiveram ao nível dos primeiros intercâmbios científicos e culturais desse período através de Matteo Ricci e outros intelectuais. Silvie Lai, de Moçambique a Macau Nascida em Moçambique, Silvie Lai teve o primeiro contacto com o mundo exterior em português. A produtora formada em Ciências da Comunicação vive em Macau há mais de 20 anos e considera que a região é já a sua casa. Entre diferentes projectos, nutre um forte interesse por Linguística e já produziu dois outros documentários sobre Macau, que descreve como “de estilo mais clássico”. Silvie Lai confessa mesmo que foram “projectos que deram imenso gozo”. No entanto, a produtora admite ter um carinho especial por “As Crónicas de Wu Li no Colégio de S. Paulo”, pelo facto de constituírem um desafio maior e incluírem cenários da época, entre outros elementos. “Desta vez, acabou por ter uma componente ficcional mais expressiva e penso que, sinceramente, conseguimos reunir uma equipa bastante ecléctica”, explicou a autora. O documentário ficcional estreia amanhã no Galaxy, pelas 20h00, e os bilhetes já estão esgotados. Mas o documentário passará também na TDM.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasCidade Ligada ao Grande Canal [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]a província de Jiangsu, numa viagem de uma hora de autocarro desde Suzhou, chego a Wuxi. A noite já tomava conta da cidade, quando procurei um hotel nas imediações da praça onde se encontra a estação de autocarros e do comboio, ambas próximas uma da outra. Questionando sobre alojamento ali próximo, falam-me de uma pensão para a juventude, o que até então nunca tinha experimentado, já que estas, só apareceram na China nos finais do século XX. Pouco andei para aí chegar. O quarto é rudimentar, mas resolvi ficar, apesar de por aquele dinheiro poder usufruir de um bom quarto, num normal hotel e por um pouco mais, ter quarto de banho no quarto. Estou na avenida principal da cidade de Wuxi e para além de muitos centros comerciais com lojas de roupa de marca estrangeira, apenas encontro dois locais de comida rápida, muito plastificada no seu aspecto. Como mau sinal, à entrada de um deles, alguém tinha “deitado carga ao mar”, o que me retira logo a vontade de comer, apesar de prontamente ter sido limpo o chão. Assim, procuro uma pastelaria e após comprar algo para afagar o estômago, recolho à pensão. Sentado na sala de convívio onde a televisão se encontra ligada, na companhia de outro hóspede, empurro umas buchas com água quente enquanto converso com esse jovem chinês, que ali vive há um mês. Tinha arranjado trabalho na cidade, depois de formado em Engenharia nos Estados Unidos da América e agora ganha currículo e dinheiro, enquanto tenta perceber qual será o negócio a investir. Sugiro-lhe pensar em algo ligado ao ambiente, como reciclagem do lixo ou limpeza de água, já que olhando os últimos anos, por aí será seguramente uma das necessidades básicas e um negócio promissor. A noite foi de um longo pesadelo, muito devido aos mosquitos e só com a luz acesa consigo ter sossego. Às seis e meia da manhã deixo um dos locais de hospedagem onde passei uma das piores noites de sono que tenho memória. Com a mochila às costas, algo que deixou de estar em moda, mas que dá muito jeito pois, deixa-nos as mãos livres, sigo caminho para a estação. A vontade é de apanhar um transporte e prosseguir viagem para outra cidade, de tão mal-humorados que estou. Mas pensando a razão da visita, que traz o lago Tai como um dos lugares a não perder, deixo a mochila guardada na estação dos caminhos-de-ferro. Partir ou ficar mais uma noite, só terá resposta depois, pois aguardo que a cidade me surpreenda e traga vontade para a explorar. Agora quero saber como chegar ao Lago Tai. A sorte parece estar do meu lado. Há um autocarro directo para o Taihu (hu=lago) a partir da praça defronte à estação. O preço do bilhete é de dois yuan para fazer os cinco ou seis quilómetros de viagem. Rumando para Sudoeste, o autocarro atravessa as pontes sobre os canais e é quando percebo a razão de tantos mosquitos. Uma viagem pela memória Na primeira estadia em Wuxi, fora-me indicado para pernoitar o hotel da Universidade, situado junto ao lago Tai, pois decorria um período de festas e não havia um só quarto livre na cidade. Enquanto vamos torneando, recordo a viagem no autocarro número 2 feita há dez anos a caminho da Universidade. Wuxi converteu-se numa pretensa cidade moderna, cheia de prédios e centros comerciais, perdendo o cariz que tinha outrora com a sua atraente e antiga arquitectura. Poderia compreender que nessa altura muitas das casas não tinham condições de habitabilidade mas, poder-se-ia ter recuperado Wuxi com outro tipo de matriz. Agora a cidade está igual a tantas outras espalhadas pela China. Atravessando pontes, revejo os canais anteriormente visitados e constato terem perdido a sua grande animação. As margens estão agora limpas dos barcos que ali estiveram estacionados durante anos a servir de habitações e armazéns. Actualmente, pelos canais apenas navegam alguns cargueiros e a vida nos canais já não se distingue da existente em outras partes do Grande Canal. Fora próximo da Universidade que, de barco, dera uma pequena volta pelos recantos do lago Tai, quando o turismo ainda estava maioritariamente virado para os estrangeiros e poucos eram os chineses que tinham hipóteses de usufruir o encanto das paisagens do seu país. Tivera a companhia de um grupo de reformados chineses e deliciosamente o pequeno barco foi passando tranquilamente por campos de milho, arrozais e fábricas, muitas delas abandonadas, talvez para serem reestruturadas pois, nessa altura, começava a reforma industrial com a vinda de muitas empresas de Singapura e de Hong Kong. Poderia ser também para as retirar daquele idílico local e assim vocacioná-lo para o turismo. Connosco viajou um professor de História que se tinha reformado e me foi contando as origens da cidade. Estava-se no século XI a.n.E., quando, nos finais da dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.), Tai Bo e Zhong Yong, dois príncipes irmãos do Rei Tai (Gugong Tanfu) do reino de Zhou, ao emigrarem do Noroeste da China para junto do Rio Yangtzé, fundaram Gouwu, ou simplesmente reino Wu. Já com a dinastia Zhou no poder, fizeram do local de Wuxi a sua capital, com o nome de Youxi, que significava local com estanho. Zhong Yong encontra-se sepultado no monte Yu, junto ao lago Shang, em Changshu, a Norte de Suzhou, que nessa altura se chamava Wu. Já Tai Bo tem um pavilhão em sua honra, próximo da cidade, em Meicun, local onde se fez a cidade, cujo nome de então era Meili. A cidade ganhou tanta projecção que mais tarde, no Período dos Reinos Combatentes, aqui aconteceram muitas batalhas entre os reinos de Yue e Wu. Em 584 a.n.E., o reino de Wu, aprendendo a atirar com o arco e a usar cavalos e carroças para a guerra com o reino Jin, foi construindo aos poucos a sua força, ao mesmo tempo que entrava em contacto com os reinos do Norte. Wu era um pequeno reino em Jiangnan em torno da capital Youxi (Wuxi), mas em 514 a.n.E., Wu, a actual Suzhou mudou o nome para Helu e após grandes obras, mandadas fazer por ordem do Rei He Lu, tornou-se capital do reino. Um general do reino Chu, Huang Xie, foi enviado para reconstruir a cidade de Youxi, destruída pelas constantes batalhas. O nome de Wuxi (sem estanho) aparece na dinastia Han, quando o país estava reunificado e significa que o estanho tinha acabado. Ganhou importância na dinastia Tang devido à existência de Jiangyin, um porto fluvial do Grande Canal, ficando desde então ligada a este enorme corredor de água. Na vizinhança de Wuxi e Suzhou, o grande lago Tai (Taihu), um dos cinco, talvez o terceiro maior lago de água doce da China, com uma área de 2400 m², uma profundidade de dois metros e quarenta e oito ilhas, estava já ligado no século V a.n.E. ao Changjiang, como os chineses chamam ao Rio Yangtzé. As duas horas de passeio pelo lago Tai tinham deixado na memória a vontade de voltar e saber o que aí tinha sido realizado. O Lago Tai Agora aqui estou, seguindo no autocarro número 1, atravessando extensos lençóis de água para ser depositado à entrada de um parque de estacionamento onde, mudando para o autocarro do recinto, sou levado ao Parque da Cabeça de Tartaruga. Pelo número de autocarros com excursões e de pessoas que esperam em fila para comprar o bilhete de entrada, percebo que as memórias que trago estão muito longe do tempo. Nestes últimos vinte anos, o turismo foi uma das indústrias que mais rapidamente se desenvolveu na China, sendo actualmente o primeiro país da Ásia em número de visitantes. Os chineses tornaram-se turistas no seu próprio país e têm vindo exponencialmente a aumentar. A China está a renovar as suas estruturas turísticas e a diversificá-las e por todo o lado se percebe a atenção que está a ser dada a esse sector, ligando-a com a renovação dos transportes, da parte hoteleira, dos templos e parques. Pago a entrada para ter acesso a uma península, onde como Paraíso se esquece o mundo deixado para trás, que foi local visitado por imperadores e desde 1918 criado como parque. Encontro-me no Promontório da Cabeça de Tartaruga (Yuantou Zhu) aberto todos os dias das sete da manhã às cinco da tarde. Os pessegueiros e ameixoeiras floridos com brancas e lilases flores envolvem pontes e rochas numa formação de jardim natural onde não falta a criação humana entrosada na natureza, assim como um templo budista. Os barcos que antigamente enchiam as águas do lago começaram a rarear e agora, com as antigas velas em leque e feitas com bambu, poucos são os que ainda aqui navegam. Logo à entrada de Yuantou Zhu, um estaleiro prepara uma nova embarcação a imitar as antigas, mas transformada para acolher os turistas que se deliciam pelas águas do lago e vão em visita à Ilha de Sanshan. Uma pequena embarcação a remos aproxima-se da margem do cais e um casal idoso tenta vender o peixe fresco, acabado de pescar. Taihu é famoso pelas esculturas naturais de pedra, que nas suas águas longamente foram esculpindo. Actualmente, nas margens do lago encontram-se muitos depósitos dessas pedras que são colocadas dentro da água para serem corroídas e ganharem as formas abstractas com que são reconhecidas. Após horas pelas margens do lago, resolvo sair por outra das pontes, que me leva até onde na primeira vez andei. Falam-me numa plantação de amoreiras na parte Nordeste do lago, que é fertilizada com os excrementos dos peixes e caranguejo. Passeando, chego a uma parte lodosa, devido à descida do nível das águas e me deixa muito longe dela. Já os velhos barcos de recreio, agora encalhados, indicam terem as águas do lago recuado muito. Estátuas gigantes de caranguejos estão dispostas num relvado envolto por árvores. Não são as amoreiras que pretendia encontrar, mas o terreno serve na perfeição como habitat dos caranguejos. Parece prepara-se aí já algo, pois está a ser dragada o terreno agora seco junto a alguns restaurantes, também a serem remodelados. Lembro-me de ter provado há dez anos esses famosos caranguejos, que fazem as delícias nos restaurantes de Shanghai. Ao fim da tarde volto a Wuxi e com a cidade sem o antigo carisma, sobretudo vivido ao longo do Grande Canal, recolho a bagagem e sigo viagem a caminho de Yixing, no outro lado do lago Tai e famoso por ser um local de artistas que trabalham o barro fazendo artísticos bules de chá.
Anabela Canas de tudo e de nadaCartas sem envelope – Cartas sem sê-lo [dropcap style=’circle’]C[/dropcap]omo um oráculo. O desconhecido de todas as manhãs. Às vezes, eu. Porque uma mágoa se diluiu subitamente desde a véspera. Porque uma inquietação nova se instalou sub-reptícia pela noite nos meus ombros. Porque o céu está de uma cor diferente. Ou simplesmente o desconhecido com prazo de validade de um dia. A dar-se a conhecer. A levar-me a desfiá-lo pelas horas de um dia. A perscrutá-lo desconfiada ou iludida. O desconhecido de todos os dias. Que só posso reinventar na medida em lá está. Num ângulo particular. Não sei se sou eu, ou o desconhecido que me arrasta no desconhecimento de todos os dias. Ou como o carteiro que sempre espero que traga alguma carta com o meu nome. É sempre possível que isso um dia me apanhe na esquina em que menos o espero. O dia em que me dirá aquele antiquado Está entregue, e em que vou pegar nela atemorizada e expectante como sempre. Revirar nas mãos longamente o envelope fechado, tentando fixar cada pequeno detalhe. Uma dedada, um ponto fora das linhas previsíveis, uma inclinação desusual da caligrafia, uma paragem nas letras do meio, na qual eu própria paro intrigada e desconfiada. Espiando as curvas das maiúsculas e o travamento dos ts. Pequenas inflecções no lançamento das sílabas. Espiando hesitações, ou uma expiração longa na orla da última letra. Uma pressão maior no início da primeira como a firmar-se a caneta para percorrer um atalho difícil. Uma pastosidade na última. Um desleixo revelador. Um ponto quase a ferir o papel. Um aroma. Inesperadamente. Depois ansiosa e apressada mas temerosa, mas a prolongar o momento, ainda escolher a maneira de a abrir. Que tem que ser perfeita e sem estragar. Descolar cautelosamente se possível pela fragilidade da cola. Senão, cortar com a tesoura a fímbria lateral. Qualquer milímetro a mais como um enorme desperdício. Ou rasgar, daquela forma com que se rasga um papel bom de desenho. E um dia não pude deixar de lhe perguntar se tinha uma carta para mim. Ele olhou-me com um olhar confuso, ou talvez míope. E disse-me, claro, há muito tempo, mas não sabia que era para si. O mundo caiu-me aos pés mas sem humildade. Desmanchou-se simplesmente por um longo minuto, em que na minha pressa o arrumei mal e desleixadamente, a cabeça num vórtice e o coração a bater para o outro lado. Não sei que fiz de tudo isso. Vi-me num armazém interior no fundo da estação dos correios. Devo ter-lhe perguntado onde está, e num tom aflito ou mesmo aflitivo como está. E ele deve ter-me dito que não sabia. Vi-me ali. Umas lâmpadas fluorescentes, de uma luz ácida e crua que não ia ajudar. Perguntei se podia apaga-las. Que sim. Restou uma lâmpada pendurada lá no canto mais distante da porta. Lúgubre, talvez. Não sei. Não podia acontecer eu não a encontrar por suficiência da luz. Crua. Pilhas intermináveis de cartas. Ele disse se estiver, está aqui. Eu respondi claro, compenetrada e grata. Não lembro como os dias passaram a partir de aí. Sentada no chão por ser mais vasto, tentando dar-lhes uma ordem digna da minha procura, da minha desilusão e do meu reconhecimento por cada uma que li. Cartas sem envelope. Sem selo. Perdidos que ficaram em barcos de mares que vieram distantes. Descolados pela maresia. Cartas despidas de vestes esfarrapadas. Meio rasgadas de algum encontrão da vida. Desbotadas. Dobradas, desdobradas ou mal dobradas. Sem nome. Sem dono. Cartas sem sê-lo. Já. Devolvidas a vermelho num wrong adress, ou, this person doesn’t live here anymore. Com palavras intrigantes. Declarações urgentes de vida e morte. Palavras rudes mas bem intencionadas. Outras pungentes, fundas. Tantas de amor e nenhuma a minha. Ali, por encontrar. Desfazia molhos delas à pressa e por não ver a minha detinha-me sem querer na curiosidade das outras. Chorava, emocionava-me com um nó tenso na garganta com um desabafo que podia ser meu não o sendo. Tantas palavras perdidas e sem dono. Algumas a querê-las minhas. Caligrafias conhecidas. Quase conhecidas. Separava num molhinho menor as que precisavam de ser urgentemente entregues. Não sabia a quem pelo nome mas sabia pela vida delas. Acumulava o desespero de não poder fazê-lo e não conseguia desistir. Depois verifiquei que já havia molhos distintos em função de diferentes emoções. A fazê-las minhas. Sem o serem. O meu destino a forjar diferentes tarefas que nunca cumpriria. Por vezes esquecia-me do que me levara ali. Ao fim de algum tempo já não se me esvaia da cabeça a ideia de como poderia abandonar as outras ao seu destino solitário, quando a minha aparecesse. Aí, ela interrompeu-me com um gesto no ar daquela mão fina e branca, crivada de veias muito azuis e bem desenhadas na pele magra e sem rugas, só um pouco fina demais, transparente quase, de unhas cor de pérola e anel de platina com uma bela pedra simples e incolor. Contemplei-a em silêncio o que era um enorme prazer. Ficaria bem no mais belo filme de Visconti. Com o cabelo de um cinza prateado, impecável, o roupão de veludo pesado debruado a seda. Coisa de outro tempo. Os tornozelos finos de sempre, e aqueles olhos que poderiam parecer frios na expressão e na transparência, não fosse a voz quente, muito rouca com os anos, muito lenta. E as poucas palavras sempre certeiras à alma ou ao coração. Perspicaz. Atenta e curiosa. Por isso lhe contava coisas da vida que não era a dela. Tudo. Pela noite fora, cansada ela, mas sempre sem sono para as suas quatro horas de repouso nocturno. Rodeada de um luxo pesado e só muito imperceptivelmente decadente. Chamava-lhe signora como todos os outros e nunca tinha o tempo de lhe perguntar sobre si. Ela escapava-se ágil e algo trocista. Mas de uma enorme gentileza. Não dava tempo. O seu silêncio tinha o peso e a densidade intransponível carregado de tudo como se proferido. E quando eu quase conseguia a coragem de o cortar, ela arguta fazia-me, ela sim, uma pergunta delicada, subtil, irresistível. Acho que me estudava nesse silêncio e jogava a sua carta por antecipação. Por isso dela, só o mistério quase nada explícito, quase invenção minha. Era como se não houvesse. E no entanto nunca nada me disse. Eu a ela tudo. Tinha uma maneira de perguntar como se já soubesse meia resposta por premonição, mas sempre com uma pequena rasteira deliciosa em que caía inevitavelmente. Suponho que essa era a parte mais elaborada. A pergunta dentro da pergunta em forma de desafio benévolo. E eu saltava directamente para qualquer pormenor encravado no fundo de cada questão. Era aí que eu caia e já me acostumara a observá-la mesmo no meio da minha abstracção em torno do que se me colocava, gostava de não me perder naquelas armadilhas meigas, mas sobretudo não perder aquele instante ínfimo, que lhe passava pelos olhos como uma luz transversal e fugaz, um pequeno brilho de victória, quando eu, sem responder directamente à pergunta aparente, inevitavelmente lhe fornecia a história que ela queria sem o querer dizer. Dava-me também a mim uma alegria secreta, deixá-la saborear essa conquista. Laboriosamente planeada nesses intervalos de silêncio. Entre frescos desmaiados e adormecidos nas paredes em redor. A melhor das ouvintes que alguma vez conheci. Inventei muitas coisas para seu deleite, não para esconder a alma mas para tornar mais rica a história que lhe oferecia. O seu imenso espírito analítico, a curiosidade humana e delicada, merecia as melhores. E aquele seu jeito hábil de perguntar sem reconhecer na pergunta o móbil da mesma, torneado como num penteado barroco de inúmeras tranças que seria divertido desfiar à posteriori. Mas havia sempre um novo assunto. E pelo meio silêncios enormes e cheios. Difíceis de quebrar. Tudo sereno, as janelas sempre abertas sobre o canal. Os brilhos da água e os brilhos dos reposteiros adamascados. Quase confundíveis. E os copos de um cristal rosado em que beberricávamos um vinho. Apenas a ela falei dele plenamente. Só ela sabia falar dele, também. Talvez porque quase não o referisse mas aceitasse com uma enorme complacência tudo o que lhe confessei. Sem juízos e sem reprovação. Parece-me que chegou a conhecê-lo enormemente, o que quase me fazia ciúme. Oitenta anos, ou talvez muito mais, mas uma enorme memória do amor. Flávia. Chamava-se assim, disse-me um dia mais inspirado. E um dia chamei-lhe assim pela primeira vez. Intencional, premeditadamente. E, como desconfiei, vi-lhe passar como sempre aquela luz trocista e breve, que logo serenava em delicadeza e ternura. Uma ternura sóbria. Eu sabia que ninguém tinha coragem de a tratar pelo nome. E que ela nunca o propunha. Esperava dos outros essa iniciativa. Suponho que ficou contente. Não deu mostras de notar a diferença, mas mais tarde disse que lhe devia uma história maior naquela noite…Disse ela. Ou talvez eu. De que vamos falar? Ela agitou os dedos como se regesse uma orquestra nos últimos dos últimos acordes. Precisas de fumar um pouco e pensar. Nele. Eu descanso entretanto. Aí reparei que os olhos eram mais brilhantes, as olheiras mais fundas e a pele em torno destas mais transparente do que sempre. Com um rendilhado fino de rugas e veias quase invisíveis mas acentuadas por vezes. Deslizou com aquela elegância sem idade os pés para o lado e recostou a cabeça no almofadão a seu lado no sofá. Sentia-a triste. Talvez fosse ela a precisar ainda mais de fumar um pouco. E pensar nele. Esperei que fechasse os olhos, não queria ser indelicada na minha pressa de sair para o balcão da janela. Mas isso não aconteceu. O olhar era lento de mim para outra coisa que não via. Aproximei-me e estendi-lhe a cigarreira. Olhou-me longamente. Tudo parecia possível como resposta. Disse simplesmente, sim. Nada me daria de facto mais prazer neste momento. Há muitos anos que ninguém me oferece um cigarro. Esqueceram quanto eu gostava. Mas sei que não era isso. Era algo na memória a precisar de companhia. Pegou num dos longos e acendi o isqueiro. Ela disse não. Ali, naquela gaveta está um esquecido há séculos. Fui abrir respeitosamente e a medo a gaveta, imaginando talvez ver também um revólver de ouro, e outras coisas. Quando o experimentei na dúvida, funcionou. Mãos amorosas o alimentaram pelos séculos. Sorri para dentro. Acendi-lhe então o cigarro que aspirou com uma volúpia de prazer invejável. O da distância da saudade. Conte-me. Tu sabes a minha história. Pensa em cada detalhe do teu amor. Entendi subitamente todo o artifícios das suas questões elaboradas. A luminosidade de desafio que lhe perpassava nos olhos. Ela conduzia a história dela na minha e deliciava-se na mais ínfima coincidência. Contas-ma noite após noite há anos. Mesmo as partes verdadeiras que inventaste. Emudeci atemorizada naquela espécie de vislumbre da visita de um tempo futuro, como um espelho em perspectiva, com a distância também que só se pode ter depois. A lucidez. E muda a querer perguntar sem o chegar a fazer, sem saber se houve um depois, foi feliz? Ela olhou-me de revés, Amar. Sim…é ser, e como arrependida a fechar o rosto cansado: Tu me dirás mais tarde. Um meio sorriso impenetrável, agora. Se tivermos tempo. Fechou os olhos, mas tornou a olhar-me com um sorriso, e com aquele sotaque cerrado e inconfundível: “It is love, and not German philosophy that is the explanation of this world, whatever may be the explanation of the next.” . Sabes quem disse?
Isabel Castro PolíticaParto com dor [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]e boas intenções, dizem, está o inferno cheio, mas eu gosto de boas intenções. Para que o mundo mude, é preciso que alguém queira que as coisas aconteçam; melhor será se a intenção de evolução for boa. É por isso que não alinho no coro de quem condena com veemência as intenções de Alexis Tam para a área da Saúde, por serem demasiado ambiciosas ou anunciadas antes do tempo. São boas as intenções do secretário e há já alguma evolução, dizem, pelo menos ao nível estético, no plano funcional. É positivo que, num Governo que objectivamente não é alvo de avaliação popular, alguém avance com promessas para que se crie um compromisso. Acontece que as boas intenções de Alexis Tam esbarram no tempo e no espaço que Macau não tem. O tempo foi perdido nos anos que se deixaram passar sem que houvesse qualquer preocupação de modernização, de ampliação dos serviços e de melhoria de resposta a uma população cada vez maior e também em crescente grau de exigência. Este desperdício de anos não é uma mera impressão – o erro foi assumido, ao vivo e a cores, por Lei Chin Ion, o homem que, nestes quase 16 anos da RAEM, ou foi director do hospital público ou foi, como ainda é, director dos Serviços de Saúde. O espaço que Alexis Tam não tem não é de ordem física: é, digamos, de natureza tradicional ou, se preferirem, de cariz histórico, de matriz cultural, de características sociais profundamente enraizadas. A decisão vem de longe, mas mantém-se forte e foi recentemente reiterada: quem manda entende que o Hospital Kiang Wu, instituição privada dada à beneficência, deve ser apoiado financeiramente pelo Governo. Há vários modelos de transferência do erário da RAEM para o piedoso Kiang Wu, que tanto vai buscar dinheiro à Fundação Macau, como vai buscar ao orçamento do próprio hospital público. Em terra de muito dinheiro, não me choca que se ajudem as beneméritas instituições – apesar de serem muito pouco caridosas as contas que o hospital privado de Macau cobra a quem passa lá umas noites. O que me indigna é que, à custa do espaço que o Kiang Wu foi conquistando – pelos tratamentos que dá e que não existem no São Januário, pelas instalações que tem e que faltam ao São Januário, pela formação que proporciona e que não há no São Januário –, se tenha ignorado a importância de um hospital público condigno. Ao princípio, quando as coisas começaram a correr mal na saúde, eram meia dúzia de portugueses mal habituados que batiam o pé – vinham de longe, de um país que, apesar da falta de dinheiro, se pode gabar ainda hoje de um serviço público de excelência. Não é segredo para ninguém que, nalguns corredores, os portugueses – e alguns jornalistas nos quais me incluo – eram conhecidos por serem particularmente aborrecidos, por cometerem o imperdoável pecado da pergunta. Ainda não perderam o título. Era assim ao princípio, mas deixou de ser só assim: porque a população de Macau passou a ter menos dinheiro para deixar em filantrópicas instituições prestadoras de cuidados de saúde, virou-se para o serviço público que, não sendo gratuito, é mais comedido na hora de apresentar a factura. As queixas – algumas injustificadas, muitas justificadas – começaram a crescer. E os jornalistas que não eram conhecidos por serem chatinhos juntaram-se ao grupo dos muito aborrecidos que fazem perguntas. Esta semana, uma ouvinte do canal chinês da Rádio Macau aproveitou a presença do director dos Serviços de Saúde no programa de antena aberta da emissora para dar a voz e contar a sua história: teve um filho no São Januário e não correu bem. Deixaram-lhe placenta lá dentro. Teve um problema com a sutura. Teve de se submeter a uma intervenção cirúrgica para corrigir o que não correu bem. Teve um processo doloroso. Queixa-se de ter sido tratada com fracos modos por quem a atendeu. Teve um filho e ter um filho não foi a melhor coisa que lhe aconteceu. Sei de fonte certa que esta mulher não é um caso único – e qualquer jornalista consegue, sem grande esforço e em meia dúzia de horas, redigir uma colectânea de problemas hospitalares na especialidade clínica que mais alegria deveria dar a quem entra no São Januário. Vistas as coisas, é das poucas salas onde se vai por não se estar doente – está-se ali porque se está a gerar vida, esse acontecimento que deveria ser festivo, bonito, indolor e inesquecivelmente bom. É um desejo mundial: não importa o contexto étnico ou cultural das mulheres que ali estão. Sem espaço para inverter desejos maiores do que o dele, resta a Alexis Tam pegar no pouco que tem (porque o São Januário e os centros de saúde, sendo muito, são pouco) e, sem pretensões de querer vencer o imbatível, apostar num projecto modesto, mas de excelência, ao melhorá-lo naquilo que faz mesmo falta: melhores equipamentos, melhores tratamentos, pessoas mais bem formadas, pessoas com mais tempo para se dedicarem às pessoas que ali vão parar, gestores que saibam mesmo o que andam a fazer e, já agora, garantir que as mensagens que se passam cá para fora são de uma irrepreensível honestidade. Para que a história da mulher que ligou para a rádio e todas as outras parecidas sejam a excepção e não a regra. Para que as promessas sejam mais do que um compromisso.
André Ritchie Sorrindo Sempre VozesCada macaco no seu galho [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o primeiro ano da faculdade tive uma cadeira chamada Teoria Geral da Organização do Espaço, nome derivado de uma obra escrita do mestre Fernando Távora, um dos pais da denominada Escola do Porto. Nessa cadeira, basicamente, o aluno era introduzido à disciplina da Arquitectura, sendo que nos anos subsequentes do curso outras cadeiras teóricas com nomes igualmente encantadores – Métodos e Linguagem da Arquitectura Contemporânea; Espaço Habitável e Formas de Residência; entre outros – orientavam o percurso do aluno ao longo de 6 anos. Pois que a Arquitectura ensina-se e do arquitecto que seja competente espera-se uma visão e capacidade crítica com base numa cultura arquitectónica sólida adquirida tanto ao longo dos anos da sua formação, como da sua própria experiência de vida. No entanto, o arquitecto muitas vezes não é respeitado. Nos poucos anos que trabalhei como projectista em Portugal, tive a honra de aturar um cliente – um developer, conforme se diz nestas bandas, ou pato-bravo, conforme se diz em Portugal – que era particularmente obtuso nesse aspecto. Quando falava comigo era “sô arquitecto” isto e aquilo, mas transmitia no seu discurso tudo menos respeito pela minha formação e profissão. Tratava-se de um conjunto habitacional com uma série de moradias geminadas e o homem não andava nada satisfeito com a volumetria e os alçados que eu tinha projectado. Queria uma coisa “mais festiva, mais alegre…” e eu, na minha juventude profissional e acabado de sair de uma escola que adoptava uma corrente minimalista, fiz-me de burro e fui resistindo, fazendo de conta que não alcançava o que ele pretendia. Até que um dia o homem, no limite da sua paciência, aparece no atelier com uns desenhos feitos por ele próprio e simplesmente aterrorizadores. Tinha uns triângulos, umas coisas inclinadas e outras tantas igualmente estapafúrdias. “Atão sô arquitecto, tá a ver? É isso que eu quero! Quero uma coisa bonita, assim, e o filho da p*** que passar pela estrada e vir essas casas vai dizer ah cum carago!” Não sei como acabou esse projecto porque entretanto vieram as eleições autárquicas, o PS perde uma série de câmaras, Guterres despede-se, entra Durão com o célebre discurso de “Portugal de tanga” e eu concluo que aquilo tudo não é para mim. Despedi-me, fiz as malas e regressei. Regressei para um Macau onde adjacente à igreja onde fui baptizado se permitiu uma intervenção urbana pseudo-religiosa; onde na vila da Taipa, no sítio onde quando miúdo andava de bicicleta e comprava tai choi kou, se permitiu construir um dragão em pedra e num outro local uma arcada pseudo-paladiana; e onde, em Coloane, se permitiu enfeitar uma praceta de acordo com essa mesma linguagem. Fiquei algo surpreendido com essas obras. E terei pensado: “ah cum carago, o autor dessas coisas devia era estar em Portugal a projectar moradias para aquele tal pato-bravo que eu aturei…” Caríssimo leitor, tudo isso se prende com uma pequena polémica aqui instaurada há umas semanas atrás que mereceu a primeira página deste jornal, e para o qual até fui convidado a prestar declarações: o projecto do Quartel de São Francisco, da autoria do nosso Carlos Marreiros. Em primeiro lugar, esclareço desde já que o ilustre arquitecto, de seu nome Francisco Vizeu Pinheiro, que no jornal deu tiros no ar e alertou para o eventual perigo dessa intervenção arquitectónica, não é nem mais, nem menos, que o autor das três obras – em Macau, Taipa e Coloane – acima referidas. Portanto, não se podia esperar desse meu colega outra posição que não fosse a manifestada, já que aparentemente é dono de um universo arquitectónico muito diferente do meu. A forma como aborda a Arquitectura será, digamos, distinta dos “best practices” das actuais correntes arquitectónicas. Em segundo lugar, caríssimo leitor, quando se intervém num edifício antigo e se constrói no construído, a solução arquitectónica mais bacoca é precisamente aquela que procura uma reprodução mimética do existente. A tentativa de uma coerência formal através da cópia exacta do antigo é um grande disparate que não faz sentido absolutamente nenhum. Algo que abomino. Não significa isso que não se possa ir buscar referências ao existente, reinterpretando elementos mais representativos à luz de um desenho actualizado e contemporâneo, em harmonia com as actuais tecnologias construtivas. Essa tentativa de diálogo entre o novo e o antigo é sempre possível e muitas vezes é aqui que está a piada da coisa toda. O Centro de Saúde do Tap Seac parece-me ser um bom exemplo: edifício contemporâneo que sempre apreciei por considerar bem integrado naquela envolvente e que, por coincidência, é da autoria do Carlos Marreiros. Não existe uma fórmula resolvente universal e cada caso é um caso. Dito isto, não quero aqui deixar de mencionar uma outra obra que merece a minha admiração profunda: a Pousada de Santa Marinha em Guimarães, da autoria de Fernando Távora. Repare-se que se trata de um mosteiro antigo e a nova intervenção não tem nem arcos nem nada que se pareça. (Chega de exemplos, mas por favor não se mencione aqui as pirâmides do Louvre do arquitecto I.M. Pei que considero, com o devido respeito, arquitectura para revista de cabeleireiro). Face a tudo o que foi dito até aqui, a minha posição relativamente ao projecto do Quartel de São Francisco não podia ser outra: até agora não vi nada que me arrepiasse. Todavia, através das redes sociais consegui perceber que são poucos os que partilham da minha opinião. E não consigo bem perceber porquê. Volumetricamente, o que há de assustador? É a pedra que incomoda? Será que a malta prefere arcos e paredes cor-de-rosa, imitando o que lá está?.. A verdade é que, por alguma razão que me escapa, o comum mortal que não é formado em Arquitectura julga sempre que dessa área compreende e está habilitado a debater e discutir, mesmo quando o seu interlocutor é arquitecto e teve uma formação específica. E não se venha ora dizer que se trata de uma questão de “gosto” e que “gosto não se discute”. Quando se discute Arquitectura com pessoas que não são da área, existe sempre a tendência para se escorregar para esse discurso. Não, a Arquitectura não é uma coisa superficial, não se reduz ao desenho de umas coisas bonitas adoptando este estilo ou aquele estilo. E, na verdade, quando se possui uma considerável cultura arquitectónica, o gosto até se discute. O que não se pode nem se deve fazer é mandar postas de pescada quando do campo específico em discussão pouco ou nada se sabe. De resto, trata-se de um princípio aplicável a todas as disciplinas – penso eu de que. Para simplificar, coloquemos antes as coisas da seguinte forma: quando vai ao médico, passa-lhe pela cabeça fazer o mesmo? “Sô dotôr, não quero pace maker, quero uma coisa mais alegre, um coração de porco a imitar o meu coração existente, ah cum carago, e por que não? Pá, é uma questão de gosto e, sô dotôr, o coração de porco é mais bonito e fica melhor, não acha?”. Cada macaco no seu galho, certo? Sorrindo Sempre Diz o ditado que “em equipa vencedora não se mexe”. No entanto, mão de macaco, por alguma razão o Grande Prémio (GP) vai passar para o Instituto do Desporto (ID). Nada contra o ID. Mas fica aqui registado que se fechou um ciclo de muitos anos em que o GP cresceu, amadureceu e tornou-se num produto bastante sofisticado. E começa agora um novo ciclo. Esperemos que as coisas corram bem ao ID porque o GP merece. E, entre outros, esperemos que o evento se limite a atracções relacionadas com o desporto motorizado. Porque o que queremos ver é competição automóvel ao mais alto nível, velocidade, pneus a chiarem nas curvas e borracha queimada. E o que não queremos ver é palhaçadas com artistas que fazem poses absurdas e infantis em descapotáveis que circulam a passo de tartaruga no circuito da Guia, ou ilustres que vão ao pódio receber taças sabe se lá por terem vencido o quê. Pois para nós, fãs do GP, custa-nos que as voltas de uma corrida sejam reduzidas para evitar atrasos e cumprir o programa, para depois afinal ter de dar lugar a essas manifestações baratas do showbiz. Uma ideia para juntar o útil ao agradável: há sempre quem se queixe dos distúrbios que o GP provoca, sugerindo que o evento seja transferido para Coloane ou Henqin. Proponho então que se faça mesmo isso e que nessa decorrência se mude para Coloane o programa dos artistas e das suas macacadas. A cerimónia de entrega das taças poderá até ser feita junto dos pandas. A outra parte do programa que diz respeito às corridas poderá permanecer em Macau, no genuíno Circuito da Guia. Não nos importamos. (Quem se importar poderá sempre juntar-se aos pandas e aos macacos em Coloane). Sorrindo sempre.
Leonor Sá Machado PerfilFrancisco Carvalho, engenheiro electrotécnico [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]rancisco Carvalho veio para Macau em busca de experiência profissional, tal como tantos outros portugueses. Desde a chegada até agora passaram-se dois anos, que descreve como “espectaculares”, tanto ao nível profissional como pessoal. Aterrou na região por via de um “grande amigo” e foi no terreno que foi ganhando nome e capacidade no mundo da construção. O jovem, agora na casa dos 30, licenciou-se na Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro em Engenharia Electrotécnica. “Não estava satisfeito com o que estava a fazer em Portugal e isso, aliado à vontade de ter uma experiência fora, fez-me procurar”, descreve Francisco ao HM. É “na obra” que o seu talento ganha vida. Preocupa-se com as instalações eléctricas, circuitos e uma série de outros pormenores que o comum mortal desconhece, mas dão – literalmente – luz aos casinos, prédios habitacionais e industriais por essa cidade fora. Pergunte-se a um engenheiro português o que acha de Macau e a resposta está na ponta da língua: “Esta cidade é um estaleiro gigante, há sempre uma grua em qualquer lado”. Francisco congratula a celeridade com que as obras privadas são concluídas, mas também a qualidade dos trabalhos e a dimensão que os projectos têm na cidade. Pastel de Macau À parte das já conhecidas barreiras culturais que se experienciam num primeiro contacto com a região e a população residente, Francisco garante recordar para sempre um episódio caricato, esparrela na qual já muitos emigrantes caíram certamente: “Antes de vir para cá, falei com um amigo de longa data que vivia em Macau e ele aconselhou-me a não trazer roupa de Inverno porque aqui não fazia frio. Ora eu cheguei em Janeiro e estava mesmo muito frio, pelo que pensei logo ‘já fui enganado!’”. Um português em Macau que nunca tenha ouvido falar da Tarte de Ovo Portuguesa passa certamente pouco tempo na rua. À conversa com um macaense, Francisco quis saber qual a doçaria típica da região. Do outro lado da linha, prontamente se disse “tens que provar o pastel de nata”. E Francisco ficou certamente confuso. Não serão estes dos mais tradicionais doces de Portugal? Um sem norte agradável Há quem prefira sempre saber onde e quando se vai dar o próximo passo, mas Francisco não. “Vou à procura da confusão nas ruas mais pequenas e movimentadas da cidade”, confessa. Tal será, certamente, tarefa que não agrada a gregos e troianos, mas uma que o engenheiro garante fazer com quem chega para o visitar. “Gosto de levar as pessoas para o meio de zonas movimentadas, mostrar-lhes a cidade e andar a passear por lá”, acrescentou. É também da Vila da Taipa que os seus dias livres são preenchidos. Francisco não deixa de aproveitar a oportunidade para agradecer à “equipa espectacular” que o recebeu quando sentiu a humidade no ar asiático pela primeira vez. No entanto, esta zona do mundo é à primeira estranha, mas acaba por se entranhar. O jovem português ganhou o vício de viajar por estes lados e não perde uma oportunidade para ganhar asas e voar até ao Vietname, Tailândia ou até mesmo China. “Já percorri as capelinhas quase todas, até porque todos os feriados que temos permitem que isso aconteça. Estamos perto de sítios tão incríveis”, comenta. Neste momento, considera-se um jovem relativamente conhecedor desta zona do globo, com um currículo relativamente sólido e alguma experiência na bagagem. Sempre aberta, mas neste momento agarrada ao chão do local que já considera casa: a Taipa. Um ser adaptável Nem tudo soa bem a Francisco. Neste caso, sabe e cheira bem. “O ar é muito poluído e isso sente-se imenso, principalmente no início. Ao fim de algum tempo deixa de se sentir com tanta intensidade, mas mesmo assim sabe-se que os níveis de poluição são grandes”, lamenta. O círculo estável e sólido de amigos macaenses e portugueses vem equilibrar a balança, à qual se acrescenta o conforto de uma vida fácil e desafiante ao mesmo tempo. “Há dias em que me apetece ir embora e outros em que não penso nisso”, explica-nos Francisco, quando questionado sobre a vontade de por cá ficar. É que pesadas as balanças, Macau é, diz, um local “bom para trabalhar”, mas talvez “não tão bom para se viver”, como quem fala em criar família e fixar um sítio ao qual chamemos lar. Quem por cá passa sabe, no entanto, que Macau fica na memória até ao último suspiro, já que por aqui se fazem “amigos para toda a vida”, com quem o jovem pretende manter contacto, mesmo que se mude para o outro lado do mundo. “Costumo dizer que vivo um mês de cada vez, até porque tem sido assim até agora e vai continuar”, conta. A pressa não parece existir na vida de Francisco. Para já, interessa a carreira, o constante desafio que o trabalho traz e a velocidade com que esta cidade se vai construindo sobre si mesma.
Hoje Macau China / ÁsiaPonte Hong Kong-Macau-Zhuhai com atraso de um ano [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] ponte que vai ligar Hong Kong, Macau e Zhuhai vai falhar o prazo de conclusão de 2016 por um ano, diz o jornal South China Morning Post, citando o Governo da antiga colónia britânica. As instalações do posto fronteiriço e correspondente ligação viária não vão estar terminadas no final de 2016, de acordo com o actual progresso da construção, confirmou o departamento responsável pelas auto-estradas e ferrovias de Hong Kong na noite de quarta-feira. Referindo-se ao projecto como “enorme e complicado”, o departamento do Governo de Hong Kong apontou para a existência de vários desafios técnicos, tanto no desenho como nas diferentes fases da construção. Segundo este departamento, a conclusão da ponte foi adiada para o final de 2017 devido à instabilidade no fornecimento de materiais e falta de mão-de-obra, bem como dificuldades em relação aos limites de altura impostos pelas autoridades de aviação, critérios de protecção ambiental e atrasos na construção de aterros. A construção da ponte principal começou em Dezembro de 2009. Após atrasos devido ao impacto ambiental da ponte, a obra do lado de Hong Kong começou em Dezembro de 2011. A ligação de 50 quilómetros vai consistir em três pontes atirantadas, duas ilhas artificiais e um túnel de 6,7 quilómetros, situado na ilha de Lantau. O custo da ponte será dividido entre Hong Kong, Macau e as autoridades da China continental. Espera-se que esta ponte, uma das maiores do mundo, reduza o tempo de viagem entre Hong Kong e Zhuhai de mais de três horas para meia hora.