A sensibilidade trágica perdida dos Estados Unidos (I)

“Americans have forgotten that historic tragedies on a global scale are real. They’ll soon get a reminder.”

Hal Brands

Os Estados Unidos deixaram de imaginar a catástrofe, no meio da introversão popular e da tranquilidade da classe dirigente. O declínio do pensamento estratégico foi substituído por teorias hiper-racionais. O moralismo da juventude e a cultura popular niilista em que tudo pode ser dito sobre os Estados Unidos nos últimos trinta anos, excepto que mantiveram uma abordagem estratégica equilibrada. Pode mesmo dizer-se que fizeram o contrário.

De que outra forma pode-se definir a destruição da classe média (rejeitada com há sempre vencedores e vencidos), o envolvimento crónico em guerras intermináveis, a pretensão de ocidentalizar a China, a ilusão de antagonizar a Rússia sem pagar o preço, a extensão descuidada dos compromissos face a uma contracção consciente dos meios? Como foi possível negligenciar a tal ponto uma visão prudente e clarividente? E porque é que a América parece hoje paralisada?

Concentramo-nos aqui num factor entre muitos, mas raramente observado. Desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos deixaram de pensar em termos trágicos. De imaginar uma possível catástrofe. De prever as consequências mais devastadoras das suas acções e omissões. De agir com sentido de proporção. A sensibilidade trágica é uma caraterística essencial do pensamento estratégico. “A arte de governar não pode ser praticada na ausência de perspicácia literária”, escreveu Charles Hill, um mestre e veterano da diplomacia americana. A literatura e a tragédia fornecem lições cruciais sobre como manter uma comunidade saudável. Cultivam uma forma de sabedoria que é o oposto do cinismo, porque mantém unido o peso da força e da indignação perante a injustiça. Dão elasticidade mental para apreender as condições da história, fundidas na realidade e não em teorias abstractas.

Alimentam o método geopolítico, com o seu confronto com as razões de cada um. Contam histórias que são também úteis à população, para compreender e legitimar os dilemas dos poderosos ou para os criticar responsavelmente. Estas lições não são agora ouvidas. Três gerações após a última guerra mundial, os americanos já não vivem a morte e a devastação em grande escala. A memória das catástrofes anteriores está a definhar. A classe intelectual e política tem dela apenas um conhecimento académico, formal e preciso, e também frio, sem humanidade e empatia. Qualidades que se obtêm através dos clássicos. Educação, no entanto, cada vez mais negligenciada nas universidades e na cultura popular.

Uma condição comum nas suas premissas a muitos países ocidentais, mas única nas suas consequências. Porque, se não for corrigida, a ausência de sensibilidade trágica pode causar os cataclismos que a América já não consegue imaginar. A amnésia da tragédia suscitou um debate limitado mas influente na América. Segundo alguns, o problema é a população. Esta imagina o presente como eterno, dá por garantida a base geopolítica da sua prosperidade e tem relutância em sacrificar sangue e tesouros. Para outros, a falha é da classe dirigente. Aplicou de forma irresponsável a supremacia dos anos 1990-2000 e corroeu a solidez da República, as fontes de poder e a credibilidade, e por conseguinte a capacidade de dissuasão, dos Estados Unidos. Para os primeiros, o pecado original é o da negligência; a introversão. Para os segundos, o pecado original é o da arrogância; a extensão excessiva. O debate gira em torno de dois volumes recentes como “The Lessons of Tragedy: Statecraft and World Order” de Hal Brands e Charles Edel (2019) e “The Tragic Mind: Fear, Fate, and the Burden of Power” de Robert Kaplan (2023).

Ambas obras são de íntimos do poder. Mas muito diferentes, não só pelas teses quase opostas que defendem. Kaplan, de 72 anos, é um famoso repórter de guerra dos Balcãs e do Médio Oriente, um apoiante irredutível da invasão do Iraque, um amante da geografia política (chama-lhe geopolítica) e autor de estudos para o Pentágono. Brands e Edel, ambos na casa dos 40 anos, sempre educados em Yale no altamente selectivo programa de grande estratégia do historiador John Gaddis, pertencem à nova geração de intelectuais. O primeiro, Hal Brands, titular da cátedra Henry Kissinger na Johns Hopkins e editor do texto de referência “The New Makers of Modern Strategy: From the Ancient World to the Digital Age”. O segundo, Robert Kaplan, reservista da Marinha e figura de proa do emblemático Centro Segurança Internacional e Estudos Estratégicos. Para ambos, uma passagem de dois anos pelos gabinetes de planeamento dos Departamentos de Defesa e de Estado, em meados da década de 2010.

Para Brands e Edel, a tragédia é a catástrofe. A tragédia é o medo da catástrofe e a sua função é educar os cidadãos para os interesses estratégicos da comunidade. Para os gregos, escrevem, “o teatro e outras representações dramáticas eram educação pública. As tragédias serviam para admoestar e aterrorizar os cidadãos e para os inspirar. As elites acreditavam que Atenas só poderia ascender a grandes alturas se o público compreendesse o abismo em que se poderia afundar sem grande esforço, coesão e coragem”. A melhor definição deste papel estaria nas “Rãs” de Aristófanes. Por que razão admirar os poetas, pergunta Ésquilo a Eurípides; resposta é que “Para o juízo sábio, para o conselho correcto para que possamos converter os nossos concidadãos ao bem”. As virtudes da tragédia, estabelecem os autores, citando a “Retórica” de Aristóteles, residem na arte da persuasão, na prontidão para o sacrifício, ao aceitar a autoridade do Estado para preservar a ordem da desordem.

Embora reconheçam que o teatro grego incutia lucidez e humildade no público, insistem no seu apelo à força e determinação comuns. Mesmo numa peça como “Os Persas”, em que Ésquilo faz com que o público se solidarize com a queda do inimigo, salientam a sugestão do autor de que a vitória de Atenas não foi mérito de heróis individuais, mas de uma comunidade unida capaz de evitar os erros de cálculo do adversário.

Segundo Brands e Edel, a trágica perda de sensibilidade da América reside no fracasso da vontade popular de defender o império. Algo está quebrado nos Estados Unidos, pois os cidadãos já não querem pagar os custos inerentes ao papel de garante da ordem. Mas, ao fazê-lo, deitam tudo a perder, porque o “Número Um” não pode fazer menos sem induzir um colapso mais geral. A base deste afastamento remonta ao fim da Guerra Fria em que a população exige e obtém uma redução de algumas despesas do império para se concentrar na frente interna; entretanto, a classe intelectual e empresarial convence-se de que a globalização é a lei e o destino da humanidade, a natureza dos seres humanos está a mudar para melhor, a guerra é coisa de arquivos e o sistema internacional sustenta-se mesmo sem a América (John Ikenberry).

(continua)

21 Nov 2024

DST | Caso de residente falecida nos EUA gera queixas

A mãe e a tia de um residente de Macau faleceram num acidente de viação durante uma visita a Los Angeles, a 6 de Outubro. Contudo, dias depois de a morte ter sido confirmada nos EUA, o filho da vítima foi informado pela DST de que a mãe afinal podia estar viva. A situação foi exposta por Ron Lam

 

O filho de uma residente que faleceu num acidente de viação, no início do mês, quando estava de férias em Los Angeles, queixa-se da falta de apoio da Direcção dos Serviços de Turismo (DST) e da forma como a organização lidou com o assunto. A situação foi denunciada ontem, através de uma conferência de imprensa, promovida pelo deputado Ron Lam.

Segundo o relato do filho da vítima, o acidente aconteceu a 6 de Outubro, quando a mulher estava nos EUA, acompanhada pela irmã, a visitar dois amigos. O veículo onde seguiam esteve envolvido num acidente, na estrada Interstate 5, que causou a morte imediata da tia do residente. A mãe foi transportada para o hospital, e acabaria por morrer, duas horas mais tarde. Também os dois amigos que seguiam igualmente no veículo sucumbiram aos ferimentos.

No entanto, desde 6 de Outubro que o filho da vítima se queixa da falta de apoio da DST, que apenas ontem conseguiu confirmar o óbito da mãe, mais de 10 dias depois da ocorrência.

Segundo o homem de apelido Chui, a notícia sobre o acidente chegou através dos relatos da imprensa norte-americana, e também por via de um amigo dos dois visitados, que se encontrava nos EUA.

Face aos relatos iniciais, Chui contactou a DST, a 7 de Outubro, para tentar obter informações sobre a mãe, sem que a funcionária lhe tenha pedido os dados pessoais da progenitora. Ao invés, limitou-se a disponibilizar o contacto telefónico do Consulado Geral da China em Los Angeles, e pediu ao residente para levar a cabo com as diligências necessárias.

Informação contraditória

Sem receber informações, no dia 8 de Outubro, o residente é informado da morte da mãe, por um amigo. Nesse dia ligou para o programa Fórum da Ou Mun Tin Toi a queixar-se publicamente de não ter apoio por parte do Governo. Horas mais tarde, com a situação a tornar-se pública, recebeu uma chamada da DST a pedir-lhe os dados da mãe.

Também nesse dia, a Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) informa o primo do queixoso, que a sua mãe tinha morrido num acidente de viação nos Estados Unidos.

A confirmação da morte da mãe do residente chegou no dia seguinte, 9 de Outubro, pela DSI, também numa chamada telefónica para o primo. Dado que não tinha sido contactado directamente pela DSI, o residente voltou a ligar para a DST para confirmar o óbito. Porém, foi informado pela DST que a morte não estava confirmada e que a mãe poderia estar viva.

Finalmente, a 10 de Outubro o residente confirma a morte da mãe, depois de ter conseguido obter o contacto da Associação Chinesa de Los Angeles. Também nesse dia, ficou a perceber onde estava o cadáver da mãe e conseguiu, através dessa associação, tratar do corpo, para lidar com o funeral e outras necessidades.

Desânimo e desistência

Face a tudo o que se passou, o residente desabafou ontem que não espera receber qualquer apoio do Governo, dado que ao longo de toda a situação a DST mostrou saber menos do que ele sobre o sucedido. “Já desisti de pedir apoio ao Governo, porque fiquei com a ideia que sabia mais do que eles. Devia ter sido ao contrário”, desabafou Chui.

Chui lamentou toda a situação e considerou que se não fosse um amigo de uma das outras duas vítimas, que esteve de visita a Macau, que possivelmente ainda hoje não teria informações sobre o caso.

Por sua vez, o deputado Ron Lam lamentou a situação e adiantou a hipótese da falta de organização do Governo se dever à extinção, em 2021, do Gabinete de Gestão de Crises do Turismo (GGCT). Este gabinete era integrado por vários serviços, o que permitia a troca de informações e actuar de forma coordenada. Ron Lam prometeu ainda pedir mais informações sobre o caso, através de uma interpelação escrita.

Governo reage

Entretanto, o Governo emitiu uma nota sobre o caso, referindo que, após averiguação, “o acidente terá envolvido outra vítima de identidade não identificada, com grande possibilidade de ser a mãe de um residente de Macau de apelido Chui que contactara a Linha Aberta para o Turismo na noite de 7 de Outubro em busca do seu paradeiro”.

“De acordo com o parecer do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), a Direcção dos Serviços de Turismo (DST) solicitou prontamente ao Sr. Chui detalhes da identidade da sua mãe. Os dados foram depois de imediato enviados pelo Comissário do MNE às autoridades policiais, através do Consulado Geral da China em Los Angeles. Entrentanto, o Consulado Geral prosseguiu com o devido acompanhamento da perícia forense para a confirmação da identidade, procurando ao mesmo tempo averiguar por diferentes formas a situação da vítima de identidade não confirmada, concluindo preliminarmente que a outra vítima deveria tratar-se da mãe do Sr. Chui”, lê-se ainda na nota.

Tanto a DSI como a DST dizem ter informado o sr. Chui e familiares sobre as informações consulares recebidas, sendo que, “dado não existir ainda resultados do processo de identificação forense”, a DST não conseguiu “confirmar formalmente se a vítima em causa era a mãe” do sr. Chui.

Na noite de quarta-feira, adianta a nota, “o Consulado Geral recebeu informação a confirmar que a vítima era a mãe do Sr. Chui, tendo de imediato transmitido a informação e expressado as condolências, por intermédio do Comissário do MNE e da DST”.

18 Out 2024

Filipinas | EUA concedem 500 milhões de ajuda

Os Estados Unidos vão conceder 500 milhões de dólares de ajuda militar às Filipinas, anunciou ontem o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken, que se encontra em Manila para reafirmar o apoio norte-americano.

“Vamos atribuir mais 500 milhões de dólares (…) às Filipinas para reforçar a nossa colaboração em matéria de segurança”, declarou Blinken em conferência de imprensa. Blinken destacou que este tipo de ajuda só acontece “uma vez em cada geração”.

Esta quantia que vai ser atribuída às Filipinas faz parte de um pacote de ajuda mais amplo (dois mil milhões de dólares) destinado a “territórios da região” (Ásia) e aprovado no passado mês de Abril pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos.

Blinken e o Secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, reuniram-se ontem com o Presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos, que se tem oposto fortemente às actividades de Pequim no Mar do Sul da China. As tensões entre a República Popular da China e as Filipinas agravaram-se nos últimos meses, nomeadamente pela posse do atol Second Thomas.

Os soldados filipinos estão estacionados no atol, onde Manila encalhou deliberadamente um navio em 1999 para fazer valer a reivindicação de soberania. A República Popular da China reivindica um grande número de ilhotas no Mar da China Meridional, face às reivindicações de outros países vizinhos.

31 Jul 2024

O declínio do Império Americano

“The rise and fall of great powers is, thereby, the central dynamic of international politics”.

The Rise and Fall of the Great Powers – Paul Kennedy

A causa principal de uma possível guerra em grande escala deve-se ao rápido declínio do Império Americano. A pretensão global corroeu a nação. Põe em causa a sua existência. E revela o seu lado maníaco-depressivo. Doença dos impérios, oscilando entre o delírio de omnipotência, com a sua excitação psicomotora, e a depressão catatónica, manifestada pela abulia e pela distimia. Em nada menos de trinta anos, a potência número um passou do unipolarismo geopolítico ao bipolarismo psíquico. O pêndulo de Washington oscila entre a expansão ilimitada e a contracção descontrolada.

Considerando as invasões e outros envolvimentos militares, de todos os Estados, apenas Andorra, Butão e Liechtenstein não experimentaram a presença de forças armadas dos Estados Unidos no seu território. Os americanos podem estar a aproximar-se da sua concha, a Ilha da América do Norte constituída pelos Estados Unidos mais o Canadá, mas sem o México, um veículo de infecção migratória. É difícil que o descanso seja poupado à festa dos Estados Desunidos. A melancolia que aflige os americanos desencadeia no resto do Ocidente, a Europa atlântica à cabeça, síndromes de abandono desordenado.

Em contrapartida, no duplo inimigo sino-russo, par improvável gerado pela palidez visível das estrelas e riscas, como nos outros adversários declarados, do Irão à Coreia do Norte, prevalece o sentimento de poder esbofetear o antigo poder hegemónico sem arriscar a pele. No caso Iraniano, pagando direitos limitados, enquanto na família Kim o limiar da dor parece mais elevado. Talvez se trate apenas de uma encenação. Se assim não fosse e o sumo-sacerdote do Juche (a ideologia oficial do regime de Kim Jong-un) descongelasse o jogo coreano ao fim de mais de sete anos, a III Guerra Mundial rebentaria por fusão das peças evocadas pelo profeta Papa Francisco quando afirmou que a “terceira guerra mundial foi declarada” e que o conflito na Ucrânia “talvez tenha sido provocado”.

A possível guerra espalha-se de diferentes formas. À frente quente na Ucrânia juntou, desde 7 de Outubro de 2023, Israel e o Médio Oriente. Teatros que adquirem uma dimensão mundial graças ao envolvimento dos Estados Unidos e aos ataques do Outono no Mar Vermelho, confluência entre o Atlântico e o Indo-Pacífico. No antigo Terceiro Mundo, curiosamente rebaptizado de Sul Global, os tabus da superpotência e a fragilidade das antigas nações imperiais europeias excitam vontades de vingança dispersas após séculos de colonização ocidental. A “Terra do Caos” está a expandir-se à medida que se torna mais caótica. Entre colisões de poderes e convulsões nas zonas de baixa pressão geopolítica que rodeiam a Europa, todas as linhas vermelhas se esbatem simultaneamente. Vista de Bruxelas, esta deriva representa o pior cenário possível que é a negação dos interesses vitais europeus.

O catálogo de desgraças traduz uma tempestade na América, virada sobre si e convencida de que está a apostar tudo em jogo na luta com a China; uma crise no império euromediterrânico dos Estados Unidos, do qual a Europa é uma província importante; uma tensão entre o Ocidente colectivo (slogan de Putin) e o Sul global (imprecisão homologada pelos meios de comunicação), ou seja, entre um oitavo da população mundial, conservadora porque rica e de idade média, e os restantes sete, adolescentes precários e inquietos, revolucionários muitas vezes imaginários e, portanto, imprevisíveis; a guerra semi-directa contra a Rússia na fronteira oriental, com Moscovo a penetrar no mar mediterrâneo para criar os seus portos de escala e fortalezas entre o Levante e a África; o oportunismo neo-imperial turco, uma lição para aqueles que ainda acreditam na santidade das alianças; a ingovernável diferença e desfaçatez francesa à Europa do Sul (correspondida), com Paris em modo predatório face ao que resta da indústria avançada daquela zona da Europa e a rotação da Alemanha sobre si.

Para os apocalípticos, a III Guerra Mundial foi anunciada, tendo em conta o ponto de partida das duas primeiras. Nas dobras da possível guerra está o confronto fatal entre os Estados Unidos e a Alemanha. Existe uma má visão que a América está a tentar seguir na guerra da Ucrânia, pois cada golpe da América na Rússia é também um golpe na Alemanha e vice-versa. O mesmo se aplica à China. A Europa foi avisada e meio salva, porque se voltasse a negociar em grande escala com os russos e chineses com os alemães no meio, como fizeram durante décadas nos domínios da energia, do comércio, da indústria e outros, a retaliação seria pesada. A cadeia Pequim-Moscovo-Berlim, que a América sente apertar-se à volta do seu pescoço, não poderia e não poderá envolver a península central do Oceano, um semi-protectorado das estrelas e das riscas.

O confronto entre os Estados Unidos e a Alemanha, uma constante da I Guerra Mundial, da II Guerra Mundial e, eventualmente, da III Guerra Mundial, é totalmente assimétrico. Uma coisa é o número um, que luta pela sobrevivência. Outra bem diferente é ser o antigo aspirante a potência hegemónica, esmagado em 1945 e submetido a uma lavagem cerebral tão lenta que lhe distorceu as feições e o meteu no casulo da grande Suíça. De tal forma que convenceu muitos alemães da replicabilidade do paradigma suíço. Neutralização de facto insustentável depois de 24 de Fevereiro de 2022. Tal, é apercebido, talvez antes dos alemães que ainda se debatem com os efeitos secundários do excesso de hipnóticos que lhes foram administrados pelos vencedores. Os americanos entram, os russos saem, os alemães caem.

Os Estados Unidos continuam a tratar a Alemanha como um sujeito impróprio. Inimigo latente. Como o reflectido na ameaça do Presidente Biden ao Chanceler Scholz na conferência de imprensa conjunta na Casa Branca em 7 de Fevereiro de 2022 onde é afirmado que se a Rússia voltar a invadir a Ucrânia, não haverá “Nord Stream 2” (que é uma cadeia de gasodutos que transportam gás natural pelo Mar Báltico e da Alemanha, uma grande parte do gás é redistribuído para outros países da Europa). É perguntado ao Presidente Biden como iriam fazer, uma vez que o projecto está sob controlo alemão? Tendo este respondido sem tergiversações de que o fariam e o Chanceler alemão perante tal resposta não esboçou qualquer sinal de oposição. O caso do “Nord Stream 2” é apenas o mais impressionante dos infortúnios que se abateram sobre a Alemanha desde o fatídico 24 de Fevereiro de 2022.

A lista de desastres sofridos até à data é longa. A começar pela perda do gás russo, substituído pela Noruega numa quota-parte de necessidades (60 por cento) quase igual à anterior, com um mínimo de diversificação. Seguida da contracção do comércio com a China, de que sofre sobretudo a indústria automóvel, despreparada para a agressão dos carros eléctricos no mercado chinês e não só. Mais uma vez, a Alemanha perde o controlo sobre o seu império geoeconómico informal, a Mitteleuropa alargada ao Leste de França e ao Norte de Itália, com a Polónia a empurrar-lhe para a cara a factura das reparações devidas pelo tratamento dado pelos nazis no valor 1,3 mil milhões de euros.

A Polónia nunca os verá, mas o gesto impressiona. A face geoestratégica desta crise reside na afirmação da Polónia como o parceiro europeu privilegiado pelos Estados Unidos numa função anti-russa. E na tentativa americana de descarregar sobre a Alemanha e, portanto, sobre os outros europeus, os milhares de milhões de euros que foram calculados para pôr a Ucrânia de pé. A recessão, até agora modesta (-0,3 por cento), não é apenas conjuntural. Na verdade, exprime uma paragem estrutural do motor económico do continente devido à falta de combustível. O motor terá de ser reconstruído e o combustível terá de ser mudado. Isso levará muitos anos. A repercussão política da crise reside na queda vertiginosa do prestígio e da influência da Alemanha na Europa e no mundo.

Se houvesse uma votação agora, o governo estaria em minoria. A estrela neo-nacionalista da “Alternativa para a Alemanha (AfD) ” brilha na antiga RDA, de tal forma que as autoridades sugeriram a sua ilegalização por “migração” neo-nazi. Um quinto do eleitorado seria desqualificado. Não há vestígios do rearmamento anunciado pelo Chanceler alemão. As forças armadas alemãs continuam a ser o menos eficaz dos exércitos dos principais países europeus. Enquanto se espera que a terapia reparadora faça efeito, há quem pense em deitar a mão à bomba atómica. Opção impensável ontem, debatida hoje. Porque o guarda-chuva americano não está lá, apenas com Trump na Casa Branca. Há os que evocam a europeização do arsenal francês, tabu para qualquer inquilino do Eliseu, e os que acrescentam uma bomba para cinco que são a França, Alemanha, Itália, Polónia e Espanha.

Um condomínio decididamente heterogéneo. É também uma forma de habituar a opinião pública a considerar a alternativa por defeito. Alguns sugerem uma aproximação à Rússia e à China, quase como se o perigo viesse do exterior. O AfD é mais do que favorável, pois se a OTAN não nos protege, protejamo-nos com os seus (e não nossos) inimigos. É melhor estar à mesa do que na ementa. Por baixo da pele, os velhos laços com a Rússia e as relações de interesse com a China estão à espera que o massacre ucraniano seja reavivado. A começar pelo canal do Báltico, talvez reduzido a metade. Se, na Alemanha, há um vale-tudo, o AfD propõe o Dexit, um divórcio ao estilo britânico da família da União Europeia, enquanto a América mantém tudo sob controlo, e para os europeus o cenário escurece.

Sobretudo se tivermos em conta a interdependência industrial entre os países do Sul da Europa e a Alemanha, a “segunda fábrica europeia”, o orgulho nacional, é, na realidade, o “único bis”, porque respira a pulmões teutónicos (e, em menor grau, vice-versa). O sentido profundo da crise alemã é que tudo na Europa parece estar a estacionar. Paradoxalmente, a principal razão pela qual a guerra continua é precisamente a de que os termos das longas tréguas que se seguiriam – a verdadeira paz não é para este século – são bastante previsíveis, a menos que a Rússia, a Ucrânia ou ambas desapareçam do mapa geopolítico (e nós Europeus, eventualmente, com elas) com Kiev a trocar a cessão de territórios ocupados por Moscovo por rigorosas garantias de segurança do Ocidente amigo, bem como da Rússia inimiga e de outras potências, sobretudo a China.

Mas como fazer com que os povos beligerantes cheguem a um tal entendimento? Quando Putin e Zelensky ou quem quer que seja encontrarem uma forma de não perderem a face e em lugar de assinarem o acto de tréguas, assinarão talvez um acordo de quatro etapas. Primeiro, um cessar-fogo por tempo indeterminado, com a interposição de um contingente internacional de manutenção da paz, para o qual teriam contribuído os Estados Unidos, França, Reino Unido, Canadá, Polónia, Itália, Israel, Turquia e outros. Também teríamos querido a China, mas Washington estava preocupado com o facto de Pequim se intrometer na fronteira armada entre o seu império e a Rússia. Este grupo de países também teria promovido os passos seguintes. Por esta ordem, a de uma Ucrânia neutra protegida pelas garantias internacionais das grandes potências, com o início imediato das negociações para a entrada na União Europeia; a confirmação dos acordos ucranianos feitos aquando da independência em troca de um governo autónomo para as zonas da Geórgia, com o entendimento não escrito de que a Crimeia e Sebastopol continuariam a pertencer a Moscovo; finalmente, o ponto decisivo seria o início das negociações para um tratado internacional entre os Estados Unidos, a Rússia e as potências europeias para a paz e a segurança na Europa.

Putin fez saber à diplomacia europeia que apreciava este último ponto, que abriu a porta ao entendimento pan-europeu reclamado por Moscovo. Em conformidade com a aspiração secular da Rússia de participar no equilíbrio de poderes na Europa. Mas Biden e sobretudo Johnson, que tinham acabado de sabotar o acordo de cessar-fogo negociado e parafraseado pelos russos e ucranianos na Turquia, não tencionavam discutir o assunto. O que resta dessa iniciativa, apresentada com um eufemismo nostálgico como um “conceito aberto”? Muito, se a interpretarmos à luz dos interesses nacionais primários e da urgência, não só europeia, de apagar o fogo antes que destrua a Ucrânia, totalmente dependente de uma ajuda externa cada vez menor.

Estado falhado a reconstruir. Mas também um aviso de que as acrobacias europeias, espremidas como estão entre a Cila do alinhamento com a América sem linha e a Caríbdis da pressa para encerrar decentemente este conflito antes que ele nos domine, corremos o risco de cair entre duas cadeiras. Manobras diplomáticas que nos excluirão do clube dos co-decisores, que só se lembrarão de nós quando tivermos que pagar a conta do renascimento ucraniano, hoje estimado em cerca de milhares de milhões de euros. Na Ucrânia há muito cansaço de todos os lados e aproxima-se o momento em que todos compreenderão que é necessário uma saída.

O apoio militar a Kiev deve ser aliado a uma “acção diplomática incisiva” para parar a guerra. Resta compreender porque é que a quantidade de sabedoria depositada na diplomacia europeia e americana não se expressa de uma forma suficientemente profunda, mas em formas involuntárias ou semi-clandestinas, entre auto-censura, conversas fúteis e notícias falsas para orientar a opinião pública.

O tempo está a esgotar-se. Este ano saberemos se o conflito ucraniano será resolvido ou descarrilado. É pouco provável que se desenrole de forma linear durante muito tempo. A guerra de fricção que a Rússia e o Ocidente impuseram simultaneamente à Ucrânia, por razões opostas mas convergentes, está a esgotar os recursos humanos e materiais do país atacado. A caça aos tesouros que lhe restam está a decorrer. Para Putin, humilhado pelo assalto falhado a Kiev, a redução drástica mas temporária das ambições, em que o objectivo da operação continua a ser restabelecer a Ucrânia como um tampão, se não mesmo a fronteira ocidental do império impõe paciência.

O Kremlin apostou na distracção gradual do Ocidente (facto), na resiliência do complexo militar-industrial russo (outro facto) e no patriotismo exaltado na propaganda que pretende que a Santa Rússia seja a antemuralha dos valores tradicionais contra o Ocidente desperto (funciona, mas não demasiado). Até que ponto é que este esquema se aguenta? Para Biden e os seus apoiantes que hoje, em seu nome, tentam evitar que a América se afunde e que amanhã se dedicarão a sabotar o eventual regresso de Trump à Casa Branca, trata-se de “anular” a Rússia (falhou, por agora), aguentando a resistência ucraniana à custa de a sangrar até à exaustão (feito) e, com ela, a fachada da unidade atlântica (não há tinta que o simule). Os estrategas de Washington estão divididos entre os que gostariam de negociar uma trégua longa e suja com os russos, segundo o modelo coreano, possivelmente antes de o modelo explodir, e os que estão dispostos a sacrificar o último ucraniano para manter a Rússia sob pressão, na esperança de que o regime imploda. O princípio partilhado por quase todos é que a guerra não deve ser travada contra a Rússia em caso algum. Para isso, há os ucranianos. Estamos em guerra por dupla representação, russa e americana.

Os americanos estão a tentar a todo o custo (ucraniano) evitar o colapso de Kiev. Até ao ponto de arriscarem a desertificação do país de que se dizem protectores, mas que, uma vez terminada a guerra, entregarão aos europeus para que cubram os custos da reconstrução. E contar com a substituição de Zelensky pelo general Valerii Zaluzhnyi, ex-chefe das Forças Armadas e, portanto, seu potencial sucessor, ou por quem mais subscrever a mascarada coreana. O festival dos jogos duplos, ou melhor, múltiplos, conta com a participação dos europeus, que querem abrir as portas da União Europeia a Kiev, enquanto empatam a ajuda financeira e militar, também por falta objectiva de recursos.

Em Bruxelas, calcularam em cento e oitenta e seis mil milhões de euros a ajuda que Kiev receberia em sete anos dos cofres da União Europeia em caso de adesão. Esse montante subiria para cerca de duzentos e cinquenta e sete mil milhões de euros no caso de um alargamento que incluísse a Moldávia, a Geórgia e os seis Estados dos Balcãs Ocidentais na fila de espera em frente aos cofres da União Europeia. Para os Europeus, cada dia que passa agrava o dilema de como garantir que a agressão russa é recompensada sem destruir totalmente a Ucrânia e desestabilizar a Europa para o conseguir? Se a guerra de fricção continuasse, teríamos de lidar com um enorme buraco negro na junção com a cortina de aço anti-russa, guardada pelas vanguardas atlânticas do Nordeste.

Para lá da costa adriática, teríamos de viver com a constelação recortada dos Grandes Balcãs, incluindo o que restará da Ucrânia, a começar pela quantidade de armas enviadas para Kiev e depois dispersas, das quais até os americanos perderem o rasto. De todas as ameaças ao quarteto dos nossos interesses primários, a balcanização da Ucrânia é a pior. Porque sancionaria a fractura quebrada do Ocidente e ameaçaria sugar uma parte dele para a “Caoslândia” total. Mesmo que nada aconteça, seria importante para levar a opinião pública a pensar positivamente. A catástrofe não é uma consequência da catástrofe, é uma premissa da catástrofe.

Feliz Páscoa!

28 Mar 2024

IA | Novo modelo de conversão texto-vídeo Sora mobiliza sector

A competição global no campo das novas tecnologias de inteligência artificial conheceu um novo episódio com o lançamento do Sora. A China promete para breve o lançamento de modelos semelhantes de fabrico próprio no mercado asiático

 

O lançamento do modelo de conversão de texto em vídeo Sora voltou a alertar a China para um possível atraso nas tecnologias de inteligência artificial, observaram analistas, num período de intensa competição com os EUA.

“Foi como um balde de água fria”, afirmou Zhou Hongyi, fundador da empresa chinesa de segurança de redes 360 Security Technology, que se juntou à corrida do país asiático para lançar o seu próprio modelo de linguagem ao estilo do ChatGPT.

“Isto arrefeceu a cabeça de muitas pessoas [na China], obrigando-nos a ver a lacuna em relação a líderes estrangeiros do sector”, acrescentou Zhou, citado pela imprensa local.

O lançamento do ChatGPT, em 2022, também pela norte-americana OpenAI, levou já autoridades e investidores do país a questionarem se a China não está a ficar para trás numa indústria crucial nos planos de Pequim para tornar as empresas chinesas competitivas.

Mas a China enfrenta desafios acrescidos devido à falta de acesso a ferramentas fundamentais, como unidades avançadas de processamento gráfico (GPU) desenvolvidas pela norte-americana Nvidia, devido à imposição por Washington de restrições no fornecimento a entidades chinesas.

Após o lançamento do Sora, Pequim pediu às empresas estatais que assumam a liderança em inteligência artificial (IA). A Comissão de Supervisão e Administração de Activos Estatais do Conselho de Estado instou esta semana as empresas sob controlo direto do governo central a “abraçar as profundas mudanças trazidas” pela indústria.

Alguns dos gigantes chineses da Internet, incluindo os grupos Baidu, Tencent ou Alibaba, apresentaram já os seus próprios modelos de linguagem grande (LLM). Mas nenhum conseguiu ainda igualar o Sora.

Fernando Colaço, um português que fundou a empresa de programação COLACO Technology, em Pequim, alertou, no entanto, para a “especulação” e algum “sensacionalismo à mistura” na indústria, com demonstrações técnicas que “frequentemente apenas apresentam os resultados mais convenientes”, visando aliciar investidores “no que se está a tornar na nova corrida ao ouro”.

“Neste momento, há alguma dificuldade em saber quem está à frente, seja a nível de empresas ou países”, frisou. “No caso da China, como já aconteceu em muitos outros casos, e devido a diferenças culturais, não me surpreenderia se apenas revelarem um produto ou inovação apenas após este estar preparado para produção e sem muito alarido”, disse.

 

Descubras as diferenças

O grupo chinês ByteDance, proprietário da rede social de partilha de vídeos TikTok, afirmou que a sua ferramenta interna para criação de vídeos, o Boximator, ainda está na fase inicial.

“Continua a existir uma grande diferença em relação aos principais modelos de geração de vídeo em termos de qualidade de imagem, fidelidade e duração”, admitiu o grupo, em comunicado.

Xu Liang, empresário do sector baseado em Hangzhou, no leste da China, explicou também que não vai demorar muito até que o país asiático tenha modelos semelhantes àqueles apresentados pelos grupos norte-americanos.

“Nos próximos um ou dois meses vão haver modelos semelhantes aos do Sora a sair no mercado chinês e muitos no próximo semestre”, indicou Xu, ressalvando que poderá haver uma diferença significativa entre os produtos chineses e o Sora.

O isolamento no acesso aos mercados de capitais, equipamento e até profissionais especializados cria, no entanto, um contexto difícil para os competidores chineses, pela diferença nos valores de mercado entre as principais empresas tecnológicas da China e dos EUA.

Lu Yanxia, director de investigação da filial na China da International Data Corporation (IDC), consultora sobre tecnologias emergentes, afirmou que o país enfrenta actualmente uma escassez de dados de qualidade, necessários para treinar os modelos mais recentes, o que agrava os desafios decorrentes do seu acesso limitado a semicondutores avançados.

A falta de talento é outra preocupação, segundo Lu, uma vez que alguns dos melhores profissionais do país em matéria de IA foram recrutados pelas empresas de referência norte-americanas.

4 Mar 2024

Diplomacia | Pequim e EUA conversam enquanto questões comerciais aquecem

As taxas alfandegárias e as restrições ao investimento bilateral continuam a ser temas centrais nas discussões entre as autoridades das duas nações à medida que as eleições norte-americanas se aproximam

 

Autoridades chinesas e norte-americanas reuniram-se esta semana em Pequim para debater questões que dividem as duas maiores potências mundiais, numa altura em que o comércio bilateral é tema de destaque no debate eleitoral nos Estados Unidos.

O ministério das Finanças da China afirmou que Pequim levantou objecções ao aumento das taxas alfandegárias sobre produtos oriundos da China, as restrições ao investimento nos dois sentidos e outras políticas que limitam o comércio e intercâmbio de tecnologia, durante as conversações do Grupo de Trabalho Económico dos dois países.

Em comunicado, o ministério caracterizou as conversações de segunda e terça-feira como construtivas.

As conversações enviaram um “sinal positivo”, afirmou o Global Times, jornal oficial do Partido Comunista da China, num artigo publicado ontem.

“Esta tendência positiva, apesar das disputas persistentes, oferece uma garantia muito necessária para as empresas dos dois países, bem como para a comunidade internacional, face aos crescentes desafios globais”, indicou.

O departamento do Tesouro dos EUA disse que as autoridades norte-americanas reiteraram as preocupações com as práticas da política industrial chinesa e o excesso de capacidade, e o impacto resultante sobre os trabalhadores e empresas norte-americanas.

Isto reflecte as preocupações de que, à medida que a economia chinesa abranda, em parte devido a uma crise prolongada no seu mercado imobiliário, mas também a tendências a longo prazo, como o envelhecimento da população, os seus líderes vão provavelmente depender mais do aumento das exportações para compensar a fraca procura interna.

Dadas as já enormes quotas de mercado da China em muitas indústrias, isso poderia aumentar a capacidade para níveis insustentáveis e eliminar fabricantes estrangeiros de muitas indústrias, dizem alguns economistas.

Na indústria dos painéis solares fotovoltaicos, por exemplo, um investimento maciço permitiu à China controlar cerca de 80 por cento da quota de mercado em todas as fases de fabrico, de acordo com um relatório recente da Agência Internacional da Energia.

 

Caminho acidentado

A rápida ascensão dos fornecedores chineses suscitou na Europa propostas para restringir as importações, mas estas poderiam atrasar os progressos da região no combate às alterações climáticas.

As duas partes afirmaram que as conversações em Pequim também abordaram questões como os problemas da dívida dos países em desenvolvimento, a cooperação financeira e as políticas económicas.

“As autoridades norte-americanas reafirmaram que os EUA não pretendem desassociar as duas economias e que, em vez disso, procuram uma relação económica saudável que proporcione condições equitativas para as empresas e os trabalhadores norte-americanos”, afirmou o Departamento do Tesouro.

As duas partes concordaram em reunir-se novamente em Abril.

Os intercâmbios entre as duas potências aumentaram no ano passado, ganhando impulso depois de o Presidente norte-americano, Joe Biden, ter reunido com o líder chinês, Xi Jinping, numa cimeira realizada em Novembro em São Francisco, na Califórnia.

Mas, apesar da ligeira melhoria das relações, as tensões continuam elevadas, nomeadamente em relação a Taiwan. Biden manteve em vigor a maior parte das taxas alfandegárias sobre as importações chinesas que o ex-presidente Donald Trump impôs quando lançou uma guerra comercial em 2018.

A sua administração também reforçou os controlos sobre o acesso chinês a ‘chips’ semicondutores avançados e à tecnologia para os fabricar, juntamente com outras tecnologias estrategicamente sensíveis.

As notícias de que Trump aumentará ainda mais as taxas se for eleito abalaram o frágil sentimento dos investidores na China.

A reunião do Grupo de Trabalho Económico foi a terceira desde a sua criação em Setembro e a primeira em Pequim. Uma delegação do Tesouro reuniu-se com o vice-primeiro-ministro chinês He Lifeng em Pequim e transmitiu a mensagem de que Yellen esperava visitar a China numa “altura apropriada”.

8 Fev 2024

Caça chinês repele bombardeiro estratégico dos EUA

Um caça chinês aproximou-se a menos de três metros de um bombardeiro norte-americano B-52, capaz de transportar ogivas nucleares, que sobrevoava o Mar do Sul da China, quase provocando um acidente, disse na sexta-feira o Exército dos Estados Unidos, que divulgou um vídeo de 38 segundos sobre o incidente.

Durante a intercepção noturna, o caça bimotor Shenyang J-11 aproximou-se do avião da Força Aérea dos Estados Unidos a uma “velocidade excessiva e descontrolada, voando por baixo, à frente e a menos de três metros do B-52, colocando ambas as aeronaves em risco de embate”, afirmou o Comando para o Indo-Pacífico dos EUA, em comunicado. “Estamos preocupados com o facto de o piloto não ter consciência de que esteve muito perto de provocar um embate”, lê-se na mesma nota.

O Governo chinês lê de forma diferente o incidente. “Para mostrar a verdade sobre o reconhecimento próximo dos EUA às portas da China, o Ministério da Defesa Nacional chinês publicou um vídeo que mostra que os EUA são os provocadores e causadores de problemas”, escreve o jornal Global Times. “Algumas horas antes da divulgação do vídeo dos EUA, a China tinha acabado de divulgar um vídeo dos militares dos EUA no Mar do Sul da China a aproximarem-se e a interromperem o treino normal dos militares chineses”, narra o Global Times.

“Ainda mais crítico, mas não mencionado pelos EUA, é o facto de o B-52 dos EUA ser um bombardeiro estratégico que pode transportar ogivas nucleares, o que não é o mesmo que um bombardeiro normal. Porque é que apareceu no Mar do Sul da China? O que fez exactamente para que o lado chinês fizesse uma intercepção de emergência durante a noite? Em 2015, dois bombardeiros estratégicos B-52 invadiram sem autorização o espaço aéreo adjacente às ilhas Nansha, na China, e o Pentágono fez uma declaração especial mais tarde. A aparição do B-52 no Mar do Sul da China também recebeu atenção internacional muitas vezes desde então. Os militares norte-americanos não só o consideraram um dado adquirido, como acusaram a parte chinesa de intercepção injustificada. Pode ver-se que, no que diz respeito ao “encontro perigoso” causado pelo reconhecimento próximo dos militares dos EUA na vizinhança da China, a preocupação real dos militares dos EUA com a situação perigosa é muito menor do que o seu interesse em aumentar o perigo”, conclui o Global Times.

“Condutores de autoestrada”

O B-52 estava “legalmente a realizar operações de rotina sobre o Mar do Sul da China no espaço aéreo internacional” quando foi interceptado pelo J-11 na terça-feira, disseram os militares dos EUA. As Forças Armadas norte-americanas afirmaram no comunicado que o incidente não vai alterar a sua abordagem. “Os Estados Unidos vão continuar a voar, navegar e operar – de forma segura e responsável – onde a lei internacional permitir”, afirmaram os militares.

Segundo Pequim, “no âmbito da sua estratégia de contenção da China, os EUA não querem genuinamente evitar o conflito, mas têm um forte impulso para demonstrar o seu poder militar através de acções provocatórias contra a China, uma vez que procuram obter uma vantagem psicológica sobre este país e dar ao mundo a impressão de que podem “conter” a China. É como os condutores que, na autoestrada, cortam frequentemente à frente dos outros só para mostrarem as suas capacidades de condução. Estas pessoas imprudentes são a verdadeira fonte de perigo. Em contrapartida, todas as acções da China são tomadas em legítima autodefesa. Como salientou o porta-voz do Ministério da Defesa Nacional chinês, os encontros directos entre navios e aviões chineses e americanos ocorrem todos nas zonas marítimas e aéreas que rodeiam a China, e não no Golfo do México ou ao largo da costa dos EUA. É o lado americano que vem à porta da China para provocar e causar problemas.”

30 Out 2023

Segurança | Pequim e Ilhas Salomão assinam acordo de cooperação

A assinatura do novo acordo em matérias securitárias solidifica a influência da China na região

 

As Ilhas Salomão assinaram ontem um acordo com a China para aumentar a cooperação em “assuntos de segurança e aplicação da lei”, suscitando preocupações entre os parceiros tradicionais da ilha, incluindo Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos.

O acordo, cujos detalhes não foram divulgados imediatamente, consta de uma declaração conjunta divulgada ontem, após uma reunião realizada na segunda-feira, em Pequim, entre o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, e o homólogo das Ilhas Salomão, Manasseh Sogavare.

Como parte dos esforços para construir uma “parceria estratégica abrangente”, os dois lados concordaram em “melhorar a cooperação em questões de segurança e aplicação da lei”, lê-se no comunicado, citado pela imprensa chinesa.

Localizadas a 2.000 quilómetros a nordeste da Austrália, as Ilhas Salomão representam o maior sucesso da China na sua campanha para expandir a presença no Pacífico Sul.

O governo de Sogavare rompeu em 2019 as relações diplomáticas com Taiwan e estabeleceu relações com Pequim.

A China e as Ilhas Salomão assinaram um acordo de segurança em 2022 que suscitou preocupações na Austrália e nos Estados Unidos, sobre a possibilidade de o tratado permitir a construção de uma base militar chinesa no país, uma possibilidade negada por Honiara.

A China já treinou agentes da polícia das Salomão e doou armas e equipamento de controlo de distúrbios, como veículos com canhões de água.

Com 700.000 pessoas, as Salomão são compostas por seis ilhas principais e cerca de 900 ilhas menores. O território passou por períodos de tensão étnica, durante os quais Austrália, Nova Zelândia e outras nações insulares do Pacífico enviaram forças para ajudar a restaurar a ordem.

Jogo da corda

Após a aproximação de Sogavare a Pequim, os EUA comprometeram-se a reabrir uma embaixada em Honiara e os países aliados aumentaram o envolvimento com a região como um todo.

Biden convocou uma cimeira de líderes das Ilhas do Pacífico em Setembro para revelar uma estratégia que inclui a cooperação em questões de alterações climáticas, segurança marítima e prevenção da pesca predatória.

O governo norte-americano também prometeu doar 810 milhões de dólares às nações insulares do Pacífico na próxima década, incluindo 130 milhões para lidarem com os efeitos das alterações climáticas.

Sogavare também reuniu com o Presidente chinês, Xi Jinping, na segunda-feira, e a declaração conjunta incluiu uma referência à cooperação de “alta qualidade” sob o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”, que visa construir portos, rodovias, e outras infraestruturas financiadas por empréstimos chineses.

As Ilhas Salomão já garantiram um empréstimo de 66 milhões dólares do Banco de Exportação e Importação da China para erguer 161 torres móveis construídas e administradas pela gigante chinesa das telecomunicações Huawei.

Em 2018, as Salomão concederam à Huawei um contrato para uma rede subaquática de cabos de telecomunicações, financiada em conjunto pela Austrália. A China também está a construir instalações para as ilhas sediarem os Jogos das Ilhas do Pacífico de 2023.

12 Jul 2023

Era uma vez na América

A semana passada, uma notícia correu mundo. Ralph Yarl, um adolescente afro-americano, foi baleado por um homem branco de 84 anos quando ia buscar os irmãos gémeos. O autor dos disparos, Andrew Lester, alvejou Ralph na testa e no braço porque este tocou à sua campainha por engano. Lester foi libertado sem ter sido acusado, depois de estar detido durante 24 horas. Estes acontecimentos geraram grande revolta popular. Foram organizadas várias manifestações e as pessoas alegam que a polícia favorece os brancos.

Andrew Lester acabou por se entregar à polícia e foi acusado de agressão de primeiro grau e de posse de arma de fogo. Na primeira audiência, negou as acusações e foi libertado sob fiança, mas foi obrigado a entregar as armas, e a não contactar com a vítima nem a sua família e a ser monitorizado através do telemóvel. Se for condenado por agressão de primeiro grau, Lester enfrenta uma pena de prisão perpétua. Mas como Ralph sobreviveu, esta condenação é muito improvável.

Ralph é um jovem negro que foi alvejado por um homem branco quendo estava desarmado. Não é difícil encontrar nesta história um elemento de racismo. Um dos casos de racismo que ficou tristemente famoso, foi o de George Floyd, um homem afro-americano. George foi detido por um polícia branco sob suspeita de ter usado uma nota falsa.

O polícia pressionou o pescoço de George com um joelho até este morrer sufocado. Este acontecimento deu origem a muitos protestos. Finalmente, vários agentes envolvidos no caso foram acusados de assassínio e de homicídio involuntário e foram condenados.

O caso de Ralph, além de mais uma vez trazer à tona a questão da discriminação racial nos Estados Unidos, também nos volta a alertar para a questão do controlo de armas. No artigo que escrevi sobre o caso de George em 2020, era claramente salientado que o 16.º Presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, libertou os escravos negros e que Martin Luther King, encabeçou o movimento que ficou conhecido por Montgomery Bus Boycott, entre Dezembro de 1955 e Dezembro de 1956.

Este movimento levou à aprovação da Lei dos Direitos Civis em 1964, que estipula claramente que não pode haver discriminação racial nos Estados Unidos. Toda a discriminação feita contra negros, minorias, ou mulheres é ilegal.

Em 2009, Barack Obama foi eleito, tornando-se no primeiro Presidente negro dos Estados Unidos, uma prova de que este país reconhece o direito dos negros ao mais alto cargo da nação, e também demonstra que não pode haver discriminação racial no sistema e na lei. As acções discriminatórias que se registaram são da responsabilidade de certos indivíduos. Então perguntamo-nos, quanto tempo levará até que os Estados Unidos eliminem este tipo de discriminação?

Sobre a questão do controlo de armas, o caso de Ralph é um “remake” do caso de Takejo Hattori, ocorrido em 1992. Takejo Hattori era um jovem japonês que estudava no Louisiana. Takejo e seu amigo Webb Haymaker iam a uma festa de Halloween. Como tinham apontado mal a morada, foram dar à casa errada. Quando tocaram à campainha, assustaram a dona da casa, uma mulher chamada Bonnie Peairs, que estava na garagem.

Por causa disso, o marido, Rodney Peairs, pegou numa arma e veio tentar perceber o que tinha assustado a mulher. Nessa altura, Takejo dirigiu-se a Rodney e acenou-lhe. Rodney não falava japonês e pensou que Takejo estava a tentar agredi-lo. Avisou Takejo para que ficasse quieto. Takejo, que não teve noção do perigo, continuou a avançar e a dizer que vinha para uma festa, mas acabou por ser atingido no pulmão esquerdo e morreu devido a uma hemorragia.

Rodney foi acusado de homicídio, mas os 12 jurados consideraram que não era culpado, ao abrigo da “fortress doctrine” (doutrina da fortaleza). O “fortress principle” é um princípio jurídico, que estipula que, para manter a segurança da sua casa, o proprietário pode usar de força contra pessoas que a queiram invadir. Esta acção é considerada legítima defesa e não é criminalizada. Mais tarde, os pais de Takejo levantaram uma ação civil contra Rodney.

O tribunal considerou que Rodney tinha reagido de forma exagerada à presença de um adolescente e que não tinha tomado as medidas de segurança mais eficazes, como ficar dentro de casa até à chegada da polícia. Por isso, Rodney foi acusado de negligência e condenado ao pagamento de uma indeminização de 650.000 dólares.

O acusado declarou falência de imediato e os pais de Takejo acabaram por só receber 100.000 dólares. Depois de deduzir as taxas legais, os pais de Takejo criaram o “Yoshi’s Gift” com os 55.000 dólares restantes para apoiar grupos que defendem o controlo de armas nos Estados Unidos. Também usaram a compensação do seguro de vida do filho para criar o “Fundo YOSHI” para apoiar os estudantes do ensino médio dos Estados Unidos que visitam o Japão, promover intercâmbios e melhorar a compreensão mútua.

Nos 30 anos que se seguiram, os pais de Takejo apresentaram várias petições ao Governo dos Estados Unidos, e à opinião pública, para que fosse revista a questão das armas de fogo. O ex-Presidente Bill Clinton promulgou a Brady Law em 1993 para que fossem verificados os antecedentes de pessoas que querem comprar armas de fogo. Os pais de Takejo afirmaram: “O mundo pode ser mudado.” “Se apenas ficarmos à espera, nada muda. Mas se dermos um passo em frente, o cenário vai mudar. Mesmo que não aconteça nesta geração, acontecerá na próxima.”

Thompson, o promotor do caso de Ralph, prometeu lidar com o caso de forma objectiva e justa e afirmou “A minha mensagem para a comunidade é que, na cidade de Kanas, aplicamos e obedecemos à lei. Não importam as origens, a aparência, ou os bens pessoais, todos têm de respeitar as mesmas regras.” O Presidente Biden condenou o incidente, afirmando que mais uma vez reflecte o problema do uso de armas; disse também que tinha falado com Ralph e com família ao telefone e que o tinha convidado a visitá-lo na Casa Branca, depois de estar recuperado. Este procedimento é exactamente igual ao que ocorreu no caso de George Floyd. Biden mostrou que se preocupa com as vítimas, mas como é que pode ajudar no controlo de armas?

Os pais de Takejo têm lutado para mudar a política de armas de fogo nos Estados Unidos. O seu contributo é ainda maior do que o de muitos americanos. No entanto, se os casos que envolvem armas de fogo continuarem a acontecer, não sabemos quando é que Takejo pode vir a descansar em paz no céu.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

24 Abr 2023

Taiwan | China considera a ilha “linha vermelha intransponível” na relação com EUA

Num encontro do Camboja, que reuniu ministros da Defesa de vários países do Sudeste Asiático, Pequim reiterou a sua posição inabalável sobre a soberania da antiga Formosa, alertando os Estados Unidos para que nenhuma força exterior deve interferir na matéria que apenas diz respeito ao povo chinês

 

O ministro da Defesa chinês, Wei Fenghe, alertou ontem que a “questão de Taiwan é uma linha vermelha intransponível nas relações entre China e Estados Unidos” durante uma reunião no Camboja com o homólogo norte-americano, Lloyd Austin.

O encontro decorreu na cidade de Siem Reap, à margem da cimeira dos ministros da Defesa da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), para a qual ambos foram convidados.

Wei indicou a Austin que a “resolução da questão [de Taiwan] é um assunto do povo chinês”, alertando que “nenhuma força externa tem o direito de interferir” em algo que Pequim considera fazer parte dos seus “interesses fundamentais”, de acordo com um comunicado emitido pelo ministério da Defesa da China.

O ministro assegurou que a responsabilidade pelo deteriorar das relações sino-americanas recai sobre os Estados Unidos e exortou Washington a “cumprir as suas promessas” e a “adoptar uma política racional e pragmática em relação” a Pequim.

“Os militares chineses têm a confiança e a capacidade de proteger resolutamente a unidade da pátria”, advertiu.
O porta-voz do ministério da Defesa do país asiático, Tan Kefei, declarou ontem também que as conversações realizadas no Camboja têm “importância significativa” para colocar as relações entre as duas potências “no caminho de um desenvolvimento saudável e estável”. Citado pela imprensa local, Tan descreveu as negociações como “sinceras e construtivas”.

Diálogo retomado

Tratou-se do primeiro encontro entre as autoridades de Defesa das duas potências desde o encontro no Diálogo de Shangri La, que se realizou em Singapura, em Junho passado.

Desde então, a deslocação da presidente da Câmara dos Representantes norte-americana, Nancy Pelosi, a Taiwan – a visita de mais alto nível realizada pelos Estados Unidos à ilha em 25 anos – renovou as tensões entre os dois países.

Em retaliação, Pequim lançou exercícios militares numa escala sem precedentes, que incluíram o lançamento de mísseis e o uso de fogo real. A China suspendeu também o diálogo de alto nível com os EUA em várias matérias, incluindo as de defesa e alterações climáticas.

Mais recentemente, os líderes de ambos os países, Joe Biden e Xi Jinping, reuniram-se na semana passada, à margem da cimeira do G20, na ilha indonésia de Bali, para retomar o diálogo, visando evitar que as tensões levem a um confronto bélico.

23 Nov 2022

Milhares de cientistas de ascendência chinesa abandonam os Estados Unidos

Cientistas e académicos de origem chinesa não aguentam mais o ódio veiculado pelos medias e as suas repercussões concretas nas ruas. Os EUA temem perder alguns dos seus melhores cérebros, fundamentais para a segurança nacional. Pior: o seu sistema educativo não produz substitutos em quantidade suficiente

 

Um recente relatório do Wall Street Journal revelou que muitos académicos e cientistas de alto nível de ascendência chinesa, que ocupam cargos em universidades americanas e empresas de investigação científica, estão a considerar abandonar o país devido ao aumento da tensão entre Pequim e Washington. O jornal descobriu que 1400 cientistas chineses formados nos EUA trocaram o país pela China em 2021, e que 40% dos académicos chineses em instituições de investigação de topo como Harvard e o MIT poderão abandonar o país.

Entre as principais razões citadas pelas pessoas que falaram com o WSJ estavam os receios de vigilância governamental, tais como a “Iniciativa China” do FBI, iniciada por Trump, que visava pessoas de origem chinesa sobre alegada “espionagem económica”, e os crescentes crimes de ódio contra pessoas de ascendência asiática, que têm alastrado pelos EUA e deixado cada vez mais receosas as comunidades asiáticas.

Esta situação está a provocar uma fuga de cérebros dos EUA para a China, na medida em que especialistas de ascendência chinesa estão a regressar à China para melhores oportunidades e, sobretudo, para fugirem ao cada vez mais exacerbado clima de ódio social. Muitas destas pessoas, refere o jornal, trabalham em áreas estrategicamente importantes para o complexo militar-industrial dos EUA. Isto coloca sérios desafios às perspectivas futuras de Washington num ambiente geoestratégico global competitivo com Pequim.

A importância dos emigrantes

Ora importantes sectores altamente qualificados da economia americana dependem de emigrantes. De acordo com um relatório de 2013 do Centro de Política de Emigração, de 1995 a 2005, mais de 52% das empresas em fase de arranque em Silicon Valley tiveram pelo menos um fundador emigrante. Pessoas como Elon Musk e Sergey Brin foram fundamentais na fundação do Google e do PayPal durante esse período.

Entretanto, os EUA estão fortemente dependentes de talentos de origem estrangeira, porque existe uma grave falta de financiamento para a educação, bem como a inexistência de ensino superior universal — ao contrário de muitos dos seus aliados europeus como a Alemanha, a França ou mesmo Portugal. Isto significa que os EUA não podem preencher estas lacunas a nível interno. De facto, o Conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan citou a Primeira Dama Jill Biden como tendo dito que “qualquer país que ultrapasse os Estados Unidos em termos de educação ultrapassará os Estados Unidos, e essa é uma questão de segurança nacional fundamental”.

Falhanço educacional

Os EUA reconhecem efectivamente, nos mais altos níveis do governo, que a sua falta de candidatos qualificados em áreas estratégicas é “uma questão de segurança nacional fundamental”. Para crédito da administração Biden, encerraram a “Iniciativa China” e assinaram projectos de lei destinados a travar o aumento a nível nacional de crimes de ódio contra pessoas asiáticas. Mas está ainda por provar que estas medidas estão mesmo ter resultados práticos.

De facto, enquanto que, no início do seu mandato, o presidente Joe Biden melhorou a imagem da América em comparação com os anos Donald Trump, um inquérito da Morning Consult revelou que os cidadãos da grande maioria dos países inquiridos já não têm opiniões positivas sobre os EUA. Nomeadamente na China, os americanos obtiveram uma classificação desfavorável de 74%.

Campanha mediática e violência de rua

Uma reportagem de Maio de 2021 da Chemical & Engineering News já sugeria que os cientistas asiáticos estavam a abandonar a América devido a um tratamento injusto por parte do governo dos EUA e devido a crimes de ódio.

A publicação observou que os peritos da ascendência asiática neste campo são a “pedra angular da química americana”, e que a sua partida prejudicaria a competitividade de Washington indefinidamente.

Além da natureza da “Iniciativa China” e da violência de rua contra os asiáticos, algo muito importante está a modificar a perspectiva de pessoas de ascendência asiática e, especialmente, do povo chinês: a política externa errática de Washington. Se os EUA não tivessem uma política externa hostil contra a China em geral, não haveria investigações federais racistas contra pessoas de ascendência chinesa, nem haveria uma máquina mediática que está constantemente a bombar ódio contra o governo de Pequim e a criar terreno fértil para o surgimento de crimes de ódio. Todas estas coisas estão relacionadas: política externa, atitudes gerais em relação às comunidades da diáspora e preconceitos institucionais.

A sociedade americana repete estas mesmas atitudes sócio-culturais dependendo do inimigo do dia. Durante a II Guerra Mundial muitos cidadãos de origem nipónica, além de serem enfiados em campos de concentração, foram espancados e os seus negócios destruídos. Já durante a Guerra Fria, houve espalhadas visões ofensivas e caricaturas dos europeus de Leste e, durante o auge da Guerra contra o Terror, foram difundidas estas mesmas mensagens e atitudes em relação a pessoas de países de maioria muçulmana.

Cada um destes pontos da história teve como consequência a discriminação e crimes de ódio contra as suas respectivas comunidades da diáspora nos Estados Unidos. Neste momento, em que os principais medias americanos assimilam a China à Rússia, pelo facto de o país asiático não ter alinhado nas sanções decorrentes da guerra na Ucrânia, e vendem a ideia de que os dois países estão a construir um bloco anti-americano, as coisas parecem estar a piorar significativamente para a comunidade chinesa residente nos EUA. Assim, antes que aconteça alguma desgraça, a eles ou aos seus filhos, muitos estão a abandonar o país. Com agências e Washington Post

6 Out 2022

Biden contra Biden

O mundo está já habituado ao facto dos Estados Unidos da América (EUA) raramente cumprirem a palavra dada no que toca ao cumprimento das promessas feitas e dos compromissos alcançados em termos de relações internacionais.

Assim se passou quanto à expansão da OTAN para Leste na Europa, quando do desmembramento da União Soviética, e não podemos deixar de pensar ter existido um dedo americano no incumprimento dos tratados de Minsk por parte dos governos da Ucrânia, resultantes do golpe de 2014, claramente apoiado e suportado pelos EUA. O resultado foi o que se sabe: a invasão russa e um conflito armado que pode desembocar num apocalipse.

A OTAN, que ainda hoje se apresenta, descaradamente, como uma aliança unicamente vocacionada para a defesa no caso de ataque inimigo, não se coibiu de bombardear a Sérvia, a Líbia, a Síria, o Iraque, o Afeganistão, entre outros, com os resultados conhecidos. Depois da II Guerra Mundial não consigo encontrar um caso de intervenção militar americana que tenha, de algum modo, melhorado a vida dos cidadãos desses países e muito menos aportado “direitos humanos e democracia”, talvez com excepção da Coreia do Sul, um país onde, contudo, existe um tremendo fosso social, cultural e económico entre ricos e pobres, poderosos e destituídos, como se pode constatar, por exemplo, no filme “Parasitas”, galardoado com um Oscar, ou num tom mais sério e radical na obra do cineasta Kim Ki-duk.

Contudo, as mentiras de um país como os EUA encontram, geralmente, actores diferentes, políticos que renegam o que foi dito pelos seus antecessores, procurando desse modo desculpas esfarrapadas e, mais grave ainda, elevando a níveis preocupantes a desconfiança que a comunidade internacional sente face ao que é um dos países militarmente mais poderosos do mundo e cujo regime tem o dislate de se apresentar como o “fim da História”.

Curiosamente, no domingo passado assistimos a um espectáculo diferente. O presidente Joe Biden, ao proferir que os EUA interviriam militarmente caso a China decidisse invadir a ilha de Taiwan e unificar de vez o país, não apenas contraria o que tem sido afirmado pela diplomacia americana, como renega o que ele próprio afirmou num artigo por si assinado em 2001.

Recordemos os factos e o contexto. Nessa altura, era presidente dos EUA o republicano George W. Bush, o homem que ordenou a invasão ilegal do Iraque com o pretexto de encontrar as armas de destruição massiva que nunca existiram. Bush foi questionado se os EUA teriam a obrigação de defender militarmente Taiwan no caso de um ataque vindo do continente. A sua resposta foi: “Sim, temos. E os chineses têm de perceber isso. Sim, eu teria (essa obrigação)”. E prosseguiu afirmando que faria “o que fosse preciso”, nomeadamente empregar “toda a força do exército americano”, para ajudar Taiwan a defender-se desse eventual ataque.

Ora o então senador Biden criticou fortemente o presidente americano, num artigo intitulado “Not so deft in Taiwan”, publicado no Washington Post, onde começava por afirmar que “as palavras contam (matter), em diplomacia e na lei” e, apesar de reconhecer que “algumas horas mais tarde, o presidente apareceu para se distanciar deste novo e surpreendente compromisso, sublinhando que continuaria a seguir a política de ‘uma só China’ seguida por cada uma das últimas cinco administrações”, Biden remata que “onde outrora os Estados Unidos tinham uma política de ‘ambiguidade estratégica’ – sob a qual nos reservávamos o direito de usar a força para defender Taiwan mas mantínhamo-nos calados sobre as circunstâncias em que podíamos, ou não, intervir numa guerra através do Estreito de Taiwan – agora parece que temos uma política de ‘ambiguidade estratégica ambígua’. Não se trata de uma evolução positiva”.

E continua aquele Biden de 2001:

“Como questão de diplomacia, existe uma enorme diferença entre reservar o direito de usar a força e obrigar-nos, a priori, a vir em defesa de Taiwan. O presidente não deve ceder a Taiwan, muito menos à China, a capacidade de nos atrair automaticamente para uma guerra através do Estreito de Taiwan. Além disso, para cumprir a promessa do presidente, quase de certeza que queremos usar as nossas bases em Okinawa, Japão.

“Mas não há provas de que o presidente tenha consultado o Japão sobre uma expansão explícita e significativa dos termos de referência para a Aliança de Segurança EUA-Japão. Embora a aliança preveja operações conjuntas nas áreas circundantes do Japão, a inclusão de Taiwan nesse âmbito é uma questão da maior sensibilidade em Tóquio. Sucessivos governos japoneses têm evitado ficar presos a esta questão, por medo de fracturar a aliança.

“Por uma questão de lei, as obrigações e políticas são também mundos à parte. O presidente tem ampla autoridade política no domínio da política externa, mas os seus poderes como comandante-em-chefe não são absolutos. Nos termos da Constituição, bem como das disposições da Lei das Relações de Taiwan, o compromisso das forças dos EUA para com a defesa de Taiwan é um assunto que o presidente deve levar ao povo americano e ao Congresso.”

Mais palavras para quê? Afinal, que Biden devemos levar a sério, o de 2001 ou o de 2022? Estará o actual presidente dos EUA a ser de tal modo pressionado pelos falcões ansiosos de guerra (o complexo industrial-militar), que descamba em declarações como as do passado domingo, e não terá a capacidade interior de lhes resistir, ainda que tal agudize a instabilidade que actualmente reina na cena internacional? Será que Joe Biden realmente existe e exerce o poder ou não passa de uma marioneta, cujo papel se resume a recitar o texto que outros lhe escrevem?

As atitudes recentes dos EUA em relação em Taiwan parecem querer provocar a intervenção militar do continente que, legitimamente, aspira à unificação da China e que não poderá admitir mais passos no sentido da independência da ilha. Por enquanto, Pequim tem demonstrado que prefere uma solução pacífica do problema e nem sequer estabeleceu um calendário definitivo para a reunificação. Contudo, se as provocações americanas continuarem e encontrarem eco em Taipé, o caso poderá mudar rapidamente de figura.

Talvez Biden consiga convencer Biden de que a sua actual posição é profundamente errada e perigosa para esta região e para o mundo em geral. E que Biden consiga conter os ímpetos belicistas, hegemónicos e neocolonialistas de Biden. O mundo espera para ver qual dos Biden aparecerá a seguir nos ecrãs de televisão e qual o guião que desta vez escreveu ou lhe deram para ler.

Talvez Biden compreenda que a humanidade deve seguir o caminho da paz e os EUA adoptem uma política de não-interferência nos assuntos internos de outros países ou, pelo contrário, Biden acirre mais os conflitos na cena internacional e nos conduza a todos à desgraça. É que, como diria Jim Morrison, não vale a pena ter ilusões: “Daqui ninguém sai vivo”.

22 Set 2022

Mísseis terão caído na zona económica exclusiva japonesa

O ministro da Defesa japonês, Nobuo Kishi, declarou que vários dos mísseis balísticos disparados ontem pela China terão caído pela primeira vez na Zona Económica Exclusiva do Japão

“Suspeitamos que cinco dos nove mísseis balísticos disparados pela China terão caído na Zona Económica Exclusiva (ZEE)  do Japão, afirmou o ministro da Defesa japonês, Nobuo Kishi, aos jornalistas, para falar sobre o início dos exercícios navais militares que Pequim iniciou ontem em torno de Taiwan, após a visita à ilha da líder do Congresso norte-americano, Nancy Pelosi.

“O Japão já apresentou um protesto à China por via diplomática”, referiu Kishi, considerando o incidente como um “problema grave” que afeta a segurança nacional nipónica.

O Exército Popular de Libertação da República da China confirmou, entretanto, o lançamento de mísseis, explicando ter-se tratado de “um ataque com mísseis convencionais multirregionais e de vários modelos em águas predeterminadas da parte leste da ilha de Taiwan”.

Segundo adiantou um responsável chinês, “todos os mísseis atingiram o alvo com precisão”.

 

Fogo real

Por seu lado, o Ministério da Defesa taiwanês denunciou o disparo dos mísseis, condenando o que considerou as “acções irracionais que minam a paz regional”. “O Ministério da Defesa Nacional declara que o Partido Comunista Chinês disparou vários mísseis balísticos ‘Dongfeng’ nas águas circundantes do nordeste e sudoeste de Taiwan às 13h56”, anunciou o ministério, em comunicado, sem adiantar o local exato onde os mísseis caíram.

A televisão estatal chinesa, a CCTV, já tinha anunciado ontem de manhã, que a China ia dar início a exercícios militares, com fogo real, nas imediações de Taiwan, acrescentando que a operação irá durar até domingo.

As manobras militares surgem em resposta à visita a Taiwan da líder do Congresso dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, vista pela China como uma grave provocação.

5 Ago 2022

EUA pedem à China que condene Russia pela invasão

Os Estados Unidos manifestaram no sábado à China preocupação pelo seu alinhamento com a Rússia e pediram a Pequim que condene Moscovo pela invasão da Ucrânia, anunciou o chefe da diplomacia norte-americana, Anthony Blinken.

“Pequim diz que é neutra, mas eu digo-lhes que é muito difícil permanecer neutro perante tal agressão”, disse Blinken na ilha indonésia de Bali após uma reunião com o seu homólogo chinês, Wang Yi, segundo a agência espanhola EFE.

Blinken e Wang estiveram reunidos durante cinco horas, um dia após o fim da reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros do G20 sobre a guerra na Ucrânia e os seus efeitos na economia a nível global.

A guerra na Ucrânia foi desencadeada pela Rússia, quando invadiu o país vizinho em 24 de fevereiro deste ano. Blinken disse que a China “continua a proteger” a Rússia “nas organizações internacionais e a fazer eco da sua propaganda”.

“Este é realmente o momento em que todos precisamos de nos levantar, como fez um país do G20 após outro, para condenar a agressão e exigir, entre outras coisas, que a Rússia permita o acesso a alimentos bloqueados na Ucrânia”, disse Blinken, citado pela agência francesa AFP.

A Rússia esteve representada na reunião de Bali pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov. A reunião de dois dias do G20 terminou sem uma declaração conjunta sobre o fim da guerra ou a forma de lidar com o seu impacto na segurança alimentar e energética.

No entanto, Blinken disse acreditar que a Rússia saiu de Bali isolada e sozinha, referindo que a maioria dos participantes expressou oposição à guerra na Ucrânia. “Houve um forte consenso e a Rússia ficou isolada”, disse Blinken, segundo a agência norte-americana AP.

Na quinta-feira, os ministros do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) boicotaram o jantar de boas-vindas, em protesto contra a participação de Lavrov na reunião em Bali.

A reunião realizou-se em Nusa Dua, Bali, por a Indonésia exercer atualmente a presidência do grupo das 20 economias mais desenvolvidas ou em desenvolvimento.

Blinken disse que não viu em Bali qualquer sinal de cooperação por parte da Rússia e observou que Lavrov saiu mais cedo da reunião, possivelmente porque não gostava do que ouvia dos seus homólogos.

“Era muito importante que ele [Lavrov] ouvisse alto e claro de todo o mundo a condenação da agressão da Rússia”, comentou.

No longo encontro com Wang, Blinken disse ainda que transmitiu a “profunda preocupação” de Washington com a pressão militar de Pequim sobre Taiwan, a ilha com um governo próprio que Pequim considera parte do seu território.

“Manifestei a profunda preocupação dos Estados Unidos com a retórica e atividades cada vez mais provocatórias de Pequim em relação a Taiwan e a importância vital de manter a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan”, disse Blinken.

Apesar das divergências Blinken mostrou-se satisfeito com as conversações com Wang. “Posso dizer com alguma confiança que as nossas delegações consideraram as discussões de hoje úteis, francas e construtivas”, acrescentou.

Além dos países do G7, participam na reunião os chefes da diplomacia de África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México, Rússia, Turquia e União Europeia.

10 Jul 2022

Veredicto final

Nos Estados Unidos, a semana passada ficou marcada pela reversão da despenalização do aborto decretada pelo Supremo Tribunal. A despenalização do aborto que datava de 1973, ocorreu na sequência do veredicto no caso Roe v Wade. O direito das mulheres americanas à interrupção voluntária da gravidez deixou de ser consagrado na Constituição. Este acórdão desencadeou de imediato manifestações de protesto por todo o país. Alguns estados anunciaram que vão continuar a garantir o direito das mulheres à prática do aborto, enquanto que outros apoiam a decisão do Tribunal.

Para reverter a decisão do caso Roe v Wade o Tribunal alegou que os argumentos que consagravam o direito ao aborto eram fracos e pouco convincentes. Dos nove juízes que compõem o Supremo Tribunal, seis votaram a favor da reversão da lei e três votaram contra. Na argumentação final, estes três juízes afirmaram que esta decisão vai prejudicar os direitos das mulheres americanas.

O juiz Samuel Alito salientou que esta decisão vai dar a última palavra a cada um dos Estados da União, que têm o poder de legislar a favor do aborto.

O acórdão assinalou que a Constituição deixava de garantir às mulheres o direito ao aborto, pelo que o caso parecia estar encerrado, no entanto, os problemas que se lhe seguiram são inúmeros.

Primeiro, houve uma fuga do projecto escrito do acórdão. O rascunho da decisão circulou na sociedade americana através de canais desconhecidos. À data da promulgação do acórdão, a investigação ainda não tinha produzido quaisquer resultados, pelo que se acredita que vá prosseguir.

Segundo, se existir direito ao aborto, quem detém esse direito, quem o pode exercer, e em que circunstâncias existe, são todas questões controversas. Agora, que o caso Roe v Wade foi revertido, estas questões são remetidas para cada um dos estados, onde devem ser solucionadas através da legislação. O resultado vai variar de estado para estado. Esta questão tem provocado discussões infindáveis na América e está em curso outro enorme debate.

Terceiro, aqueles que são a favor ou contra o direito ao aborto deparam-se com questões que nunca podem ser articuladas. Por exemplo, como lidar com a situação de uma mulher que engravide na sequência de uma violação, ou durante uma relação incestuosa. Mulheres com défice cognitivo podem abortar? Estas são algumas das muitas questões que se levantam.

Quarto, neste cenário surgem ainda alguns tópicos secundários. Por exemplo, uma mulher casada precisa do consentimento do marido para interromper a gravidez?

Quinto, se uma mulher viver num estado que proíbe o aborto, se quiser abortar tem de se deslocar a um outro estado onde esta prática seja legal. Este procedimento resolve o problema? É claro que não. O aborto é uma prática médica, e agora a decisão dá a cada Estado o direito de decidir se o aborto é legal ou ilegal. Esta discussão levanta também a questão de o aborto ser ou não coberto pelos seguros de saúde. Em caso afirmativo, até onde vai essa cobertura, tanto as companhias de seguros como as mulheres precisam de ser mais cuidadosos em relação a esta matéria.

Sexto, segue-se outro tópico, as pílulas abortivas. Os estados que proíbem o aborto vão naturalmente proibir estes medicamentos. Alguns destes medicamentos têm múltiplas utilizações, não são indicados apenas para abortar. Deve haver conversações entre os representantes da sociedade americana e a entidade reguladora dos fármacos dos EUA para que sejam feitos acordos sobre certos medicamentos nos estados que ilegalizarem o aborto.

O aborto é um assunto intrinsecamente complexo e o facto de haver tantos factores a considerar ainda o torna mais problemático. Seja em que sociedade for, é um tema que vai sempre dividir opiniões. Seria um erro pensar que este vai ser o veredicto final nos EUA. De futuro, será certamente levado outro caso de aborto perante o Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Nessa altura, vamos esperar para ver qual será o veredicto. Mas é certo que as mulheres que precisarem de interromper a gravidez por motivos pessoais ficarão sujeitas a esta decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

28 Jun 2022

Diplomatas avisam os EUA e o Japão sobre questão de Taiwan antes da cimeira da QUAD

Os EUA e os seus aliados, nomeadamente o agressor Japão, tudo fazem para demonizar a China e comparar a questão de Taiwan à Ucrânia. Mas, os diplomatas chineses, já os informaram que seguem por um caminho cheio de erros e armadilhas para a paz mundial

 

Diplomatas chineses sublinharam ontem, quarta-feira, a posição da China e enviaram avisos firmes sobre os movimentos dos EUA e do Japão contra a China, na sequência de relatos de que o Japão e os EUA estavam determinados a afirmar o reforço da cooperação sobre a questão de Taiwan e a compará-la com a crise da Ucrânia numa declaração conjunta de uma próxima cimeira bilateral.

O diplomata Yang Jiechi observou que os recentes actos dos EUA sobre a questão de Taiwan são contrários às suas palavras. Se os EUA continuarem a jogar a “carta de Taiwan” e continuarem no caminho errado, a China tomará medidas firmes para salvaguardar a sua soberania e interesses de segurança, e “faremos o que dizemos”, disse Yang, membro do Gabinete Político do Comité Central do Partido Comunista da China (CPC) e director do Gabinete da Comissão dos Negócios Estrangeiros do Comité Central do CPC advertiu, numa chamada telefónica com o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Jake Sullivan, na quarta-feira.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros Wang Yi avisou o Japão numa conversa virtual com o Ministro dos Negócios Estrangeiros japonês Yoshimasa Hayashi na quarta-feira para não tirar as castanhas do fogo para os outros e seguir o caminho errado.

Tóquio e Washington estiveram recentemente activos num gesto de apoio na defesa da participação das autoridades de Taiwan na Assembleia Mundial da Saúde (AMS), que terá início a 22 de Maio. Os peritos chineses disseram que os movimentos que aceleram a internacionalização da questão de Taiwan, incluindo a ligação da questão de Taiwan com a crise da Ucrânia, expõem a trama sinistra da dupla: trazer perturbação para a Ásia-Pacífico, e ligá-la à turbulência na Europa para formar uma crise maior e procurar tirar partido dela.

Citando fontes do governo japonês, a Kyodo News noticiou na terça-feira que o primeiro-ministro japonês Fumio Kishida e o Presidente dos EUA Joe Biden irão destacar “a paz e a estabilidade para Taiwan”, e “partilhar as preocupações de que a crise da Ucrânia possa ocorrer na Ásia Oriental” numa reunião em Tóquio, a 23 de Maio.

Espera-se que estas “preocupações” se reflictam numa declaração conjunta no que seria a primeira cimeira bilateral de Kishida em pessoa com Biden, disse Kyodo News. O Japão deverá acolher a cimeira de líderes QUAD de 2022, a 24 de Maio.

Os meios de comunicação japoneses disseram que o reforço da aliança Japão-EUA se baseia no conhecimento da dupla de que a China seria o maior desafio de segurança a longo prazo. Quanto ao “ponto de vista que o Japão e os EUA dão as mãos para enfrentar a China” divulgado mesmo antes de o líder dos EUA embarcar na sua viagem ao Japão, o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês Wang Yi descreveu-o como “desenfreado”, “criando uma atmosfera de sujidade”, e tornando as pessoas “vigilantes”.

“O Japão e os EUA são aliados, enquanto que a China e o Japão celebraram um tratado de paz e amizade. A cooperação bilateral entre o Japão e os EUA não deve provocar um confronto em bloco, quanto mais prejudicar a soberania, segurança e interesses de desenvolvimento da China”, disse Wang numa conversa virtual com o Ministro dos Negócios Estrangeiros japonês Yoshimasa Hayashi na quarta-feira. “A China espera que o Japão aprenda com as lições históricas, tenha em mente a paz e estabilidade regionais e aja com prudência”, observou Wang. Os meios de comunicação japoneses também mencionaram que se espera que Kishida anuncie a participação do Japão no Quadro Económico Indo-Pacífico liderado pelos EUA, o que ainda é vago em substância.

Da Zhigang, director do Instituto de Estudos do Nordeste Asiático da Academia Provincial de Ciências Sociais de Heilongjiang, disse na quarta-feira que a divulgação antecipada pelo governo japonês através dos meios de comunicação social é a opinião pública e a guerra de informação contra a China para tomar a iniciativa de internacionalizar a questão de Taiwan. A China nada fez, mas foi previamente definida pelos EUA e pelo Japão como “tendo intenções agressivas”, explicou o perito.

A teoria da ameaça da China serve de dissuasão e intimidação a outros países e organizações amigas da China, tais como a ASEAN, disse Da. “O subtexto é que se a ilha de Taiwan for tratada como a Ucrânia, qualquer pessoa que se atreva a apoiar o continente chinês enfrentará sanções”.

O mais alto oficial das Forças de Auto-Defesa do Japão participará pela primeira vez numa reunião de Chefes de Defesa Militares da OTAN na quinta-feira, informou Nikkei, citando a autoridade de defesa japonesa. Em Abril, o Secretário de Estado norte-americano Antony Blinken anunciou que o Japão participará numa reunião cimeira da OTAN em Madrid, no final de Junho. A cimeira QUAD e a reunião Biden-Kishida promoveriam a orientação da OTAN para a Ásia-Pacífico, disse um perito em assuntos internacionais baseado em Pequim, sob condição de anonimato.

“Ao sublinhar a questão de Taiwan e compará-la com a crise da Ucrânia, o Japão e os EUA pretendem incitar os países europeus a mudar para a região da Ásia-Pacífico e utilizar a questão de Taiwan como uma questão para criar aversão na Europa contra a China”, disse o perito. “Este é um esquema insidioso e malicioso”. “O que o Japão e os EUA estão a fazer é muito destrutivo e conduzirá a mais caos regional, instabilidade e conflitos”, disse o perito. “Isto não será bem recebido pela maioria dos países da região da Ásia-Pacífico”.

Sonhar sonhos diferentes

Um dia antes da divulgação antecipada do Japão sobre a cimeira, Chen Ming-tong, o chefe da autoridade de segurança na ilha de Taiwan, disse que a reunificação da China não só inclui Taiwan, mas também as Ilhas Diaoyu disputadas entre a China e o Japão. “O Japão é uma parte interessada, não um espectador, em questões de segurança regional”.

Os observadores disseram que não é difícil ver a coordenação entre “aliados” das sucessivas reivindicações das autoridades do Japão e de Taiwan, mas há divergências no objectivo que tentam alcançar.

Da mesma forma, ao ligar Taiwan à Ucrânia, o Japão está a anunciar a ucranização das Ilhas Diaoyu: em caso de guerra com a China, o Japão está confiante que pode obter assistência dos EUA e provavelmente da OTAN, disse Da.

Quanto à relação EUA-Japão, Da disse que Washington quer demonstrar liderança ao reatar os laços com o Japão como uma relação que se estende para além da região Ásia-Pacífico. O Japão também quer usar a relação especial para reforçar a sua defesa nacional e impulsionar a influência global.

Mas o Japão está a actuar cada vez mais como um guia para a política Ásia-Pacífico dos EUA: a estratégia Indo-Pacífico foi inicialmente proposta pelo antigo primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, e a ideia de introduzir a OTAN na Ásia-Pacífico foi também proposta pela primeira vez por Abe, disse Da. Em Janeiro de 2007, Abe visitou a sede da OTAN, a primeira visita de um chefe de governo japonês, e manifestou o interesse do Japão em aderir a uma parceria mais forte com a OTAN.

20 Mai 2022

Direitos Humanos | Pequim e Macau refutam acusações dos Estados Unidos

O Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China e o Governo de Macau classificaram de preconceituosas as acusações norte-americanas sobre violação de direitos humanos no território, acusando os EUA de interferir nos assuntos internos chineses.

Os relatórios dos EUA, “publicados ano após ano (…) são factualmente incorrectos e cheios de preconceitos, fazendo acusações infundadas sobre a situação dos direitos humanos em Macau e interferindo nos assuntos internos da RAEM [Região Administrativa Especial de Macau] e nos assuntos internos da China”, indica uma nota publicada no ‘site’ do comissariado, com o Governo de Macau a acompanhar as críticas num texto muito semelhante.

“Os residentes da RAEM gozam de uma vasta gama de direitos e liberdades consagrados na Constituição e na Lei Básica, e o seu sentido de realização, felicidade e segurança cresce de dia para dia. Nenhuma intervenção de forças externas pode impedir o progresso de Macau no domínio dos direitos humanos”, acrescenta.

O comissariado argumenta que “os Estados Unidos são bem conhecidos pelos ‘duplos padrões’ no campo dos direitos humanos”, com uma visão hegemónica, unilateral e intervencionista no mundo, “causando frequentemente desastres humanitários”.

Por essa razão, aconselha, “os Estados Unidos deviam enfrentar e reflectir sobre os próprios problemas de direitos humanos, abandonar as tácticas habituais de politização dos direitos humanos, e deixar imediatamente de prejudicar os direitos humanos das pessoas noutros países e de interferir nos assuntos internos de Macau e da China”.

Firmes e hirtos

O Governo de Macau expressou ainda “firme oposição” às conclusões norte-americanas, afirmando que o relatório “ignora a realidade e está repleto de preconceitos, de acusações infundadas sobre a situação dos direitos humanos em Macau, interferindo grosseiramente nos assuntos da RAEM, que são assuntos internos da China”.

Os Estados Unidos denunciaram na quarta-feira um conjunto de restrições em Macau, em 2021, que se traduziram numa “crescente censura”, interferência nos direitos de reunião e de participação política, e a inexistência de eleições livres e justas.

No relatório anual sobre direitos humanos do Departamento de Estado norte-americano apontam-se “questões significativas de direitos humanos que incluem a existência de leis de difamação criminal e relatos credíveis de interferência substancial no direito de reunião pacífica, incapacidade dos cidadãos de mudarem o seu Governo pacificamente através de eleições livres e justas, sérias restrições à participação política, incluindo a desqualificação de candidatos pró-democracia nas eleições” em 2021.

Quanto à liberdade de expressão, os Estados Unidos assinalaram que esta está prevista na lei, para os órgãos de comunicação social e outros meios de comunicação, mas que “o Governo interferiu neste direito”, dando com exemplo casos associados à criminalização da difusão de rumores e relatos de “crescente censura”.

19 Abr 2022

Washington e Manila iniciam exercícios militares conjuntos nas Filipinas

As Filipinas e os Estados Unidos iniciaram hoje exercícios militares conjuntos no arquipélago, numa altura de tensões crescentes no disputado Mar do Sul da China.

Os exercícios são os mais recentes a terem lugar sob a presidência de Rodrigo Duterte, que ameaçou pôr fim ao tratado militar das Filipinas com os Estados Unidos, aliado de longa data, e voltar-se para a China.

Quase nove mil militares filipinos e norte-americanos vão participar nos exercícios de 12 dias na ilha de Luzon, a maior do país. Os exercícios anuais tinham sido cancelados ou reduzidos desde o início da pandemia do novo coronavírus.

O chefe das forças armadas filipinas, o general Andres Centino, disse em Manila que o exercício era um sinal do “aprofundamento da aliança” entre os dois países.

O major-general norte-americano Jay Bargeron disse que a “amizade e confiança” entre as forças armadas dos dois países lhes permitiria “terem êxito juntos (…) em operações militares”.

Manobras recentes conjuntas dos dois países centraram-se num potencial conflito no Mar do Sul da China, que Pequim reivindica quase inteiramente.

Desde que chegou ao poder em 2016, Duterte aproximou-se da China, mas tem enfrentado a resistência da população filipina e a preocupação dos militares, que desconfiam das ambições de Pequim para as águas do Mar do Sul da China, ricas em recursos.

Em 2016, o Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia validou as reivindicações de Manila em 2016, dizendo que a China não tinha “direito histórico” sobre este mar estratégico, uma decisão que Pequim ignorou.

Em fevereiro de 2020, o Presidente filipino anunciou a intenção de abandonar o acordo que estabelece um quadro legal para a presença permanente de tropas dos EUA nas Filipinas e para a organização de exercícios militares conjuntos.

Duterte acabou por reverter a decisão em julho, quando as tensões entre Manila e Pequim sobre o Mar do Sul da China se intensificavam, após centenas de navios chineses terem sido avistados num recife ao largo das Filipinas, no início de 2020.

28 Mar 2022

Ucrânia | Conselheiro da Casa Branca vai reunir-se com responsável chinês

O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca foi enviado a Roma para conversações na segunda-feira com um responsável chinês, quando aumentam as preocupações com a posição de Pequim em relação à ofensiva da Rússia na Ucrânia.

As conversações entre o conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan e o conselheiro sénior de política externa chinesa Yang Jiechi estarão centradas “nos esforços para gerir a competição entre os dois países e discutir o impacto da guerra que a Rússia trava na Ucrânia na segurança global e regional”, disse Emily Horne, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional.

A Casa Branca acusou Pequim de difundir falsas informações russas sobre alegadas instalações ucranianas de armas químicas e biológicas que seriam apoiadas pelos Estados Unidos.

As autoridades norte-americanas alegam que a China tenta dar cobertura a um potencial ataque russo com armas químicas e biológicas na Ucrânia.

Sullivan disse hoje no programa “Meet the Press” da NBC que quando a Rússia começa a acusar outros países de se prepararem para lançar ataques biológicos ou químicos, “é um sinal de que ela própria pode estar prestes a fazer isso”.

O conselheiro da Casa Branca disse também que a China e outros países não devem ajudar Moscovo a contornar as sanções que lhe foram impostas pelos países ocidentais na sequência da invasão russa da Ucrânia.

A porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, classificou na quarta-feira as alegações russas como “absurdas” e observou que funcionários do Governo chinês também ecoaram as “teorias da conspiração” da Rússia.

“Agora que a Rússia fez essas falsas alegações, e a China aparentemente defendeu essa propaganda, todos nós devemos estar atentos a que Rússia possivelmente use armas químicas ou biológicas na Ucrânia ou crie uma operação de bandeira falsa para utilizá-las. É um padrão claro”, sustentou.

A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já causou pelo menos 564 mortos e mais de 982 feridos entre a população civil e provocou a fuga de cerca de 4,5 milhões de pessoas, entre as quais 2,5 milhões para os países vizinhos, segundo os mais recentes dados da ONU.

A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas a Moscovo.

14 Mar 2022

Ucrânia | China acusa Estados Unidos de alimentarem tensões com expansão da NATO

A China acusou ontem os Estados Unidos, implicitamente, de alimentar as tensões na crise da Ucrânia, o que Pequim atribui aos planos de expansão da NATO, “que vão contra a nossa época”.

“A China acredita que todas as partes envolvidas devem permitir que a razão prevaleça e lutar por um acordo político, abstendo-se de qualquer ação que possa aumentar as tensões ou alimentar a crise”, disse o embaixador chinês na ONU, Zhang Jun, durante uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, destinada a discutir a crise na Ucrânia.

“Nada acontece sem uma razão. O alargamento da NATO é uma questão que não pode ser descurada, face às tensões na Ucrânia. A expansão constante da NATO, na sequência da Guerra Fria, vai contra a nossa época, ou seja, para preservar a segurança comum”, acrescentou o diplomata chinês.

“A segurança regional não pode ser garantida pela expansão de um bloco militar. Isso aplica-se à Europa como a outras regiões do mundo”, disse Zhang Jun.

Referindo-se implicitamente aos Estados Unidos, o diplomata sublinhou que o mundo tem “um país que se recusa a desistir da sua mentalidade da Guerra Fria, que diz uma coisa e faz outra para alcançar a superioridade militar”.

Na opinião do embaixador chinês junto da ONU, essa postura pode ser observada “especialmente na região da Ásia-Pacífico, criando pequenos círculos trilaterais que visam provocar confrontos”.

Os Estados Unidos assinaram recentemente um pacto com a Austrália e o Reino Unido (AUKUS) nessa região. “Isso só visa criar problemas na região da Ásia-Pacífico e ameaça a estabilidade regional em detrimento dos países que a compõem”, concluiu o embaixador chinês.

18 Fev 2022

EUA mantêm-se concentrados no Indo-Pacífico, que moldará o século, diz Anthony Blinken

Os Estados Unidos mantêm-se concentrados a longo prazo na região do Indo-Pacífico, apesar das preocupações com uma eventual agressão da Rússia à Ucrânia, disse ontem na Austrália o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken.

O chefe da diplomacia norte-americana encontra-se na cidade de Melbourne, onde vai encontrar-se com os homólogos da Austrália, Índia e Japão.

Os quatro países formam o bloco conhecido como Quad (Quadrilateral Security Dialogue) ​​​constituído em 2007 para contrariar a influência da República Popular da China na região.

“Há outras coisas a acontecer no mundo nesta altura, como já devem saber. Temos alguns desafios na Ucrânia e com a ‘agressão’ da Rússia. Estamos a trabalhar 24 horas e sete dias por semana nesse assunto”, declarou Blinken à chegada à Austrália.

“Mas todos sabemos, o Presidente (Joe Biden) sabe melhor do que qualquer outra pessoa, que muito do que vai acontecer neste século vai ser determinado pelo que acontecer aqui, na região do Indo-Pacífico”, acrescentou.

A região do Indo-Pacífico é apontada como a zona de maior crescimento a nível mundial contando com dois terços do crescimento da economia global, sobretudo nos últimos cinco anos, e concentra metade da população mundial, disse ainda o secretário de Estado norte-americano.

Blinken sublinhou que os assuntos que preocupam os países da região preocupam todo o mundo, referindo que questões como as alterações climáticas e a pandemia do SARS CoV-2 não podem ser resolvidas por um só Estado.

“Mais do que nunca precisamos de parcerias, precisamos de novas alianças e de coligações de países dispostos em envidar esforços, recursos e capacidades para resolver estes problemas”, afirmou. “O que nos move é a partilha da visão sobre uma sociedade livre e aberta”, frisou.

A visita do secretário de Estado norte-americano foi concebida para reforçar os interesses dos Estados Unidos na Ásia, assim como afirmar os interesses de Washington no recuo da influência de Pequim na região.

Blinken vai também visitar as Ilhas Fiji e deve analisar a situação na Coreia do Norte com os representantes do Japão e da Coreia do Sul num encontro, mais tarde, no Havai. Para Blinken, os países parceiros estão juntos na partilha de valores referindo que “não estão contra a China”.

“Isto não é estar contra alguém em particular, mas sim uma afirmação a favor de uma ordem baseada em regras”, disse Blinken, em declarações à Australian Broadcasting Corporation (ABC).

Questionado pelos jornalistas sobre se Washington encara a Rússia e a China como ameaças à segurança global, Blinken respondeu que “se trata de diferentes desafios” e que a Rússia é, “neste momento, um desafio imediato”.

A ministra dos Negócios Estrangeiros da Austrália, Marise Payne, que vai coordenador os trabalhos da conferência de Melbourne, disse que o encontro do Quad vai incluir assuntos como a distribuição das vacinas contra a covid-19, tecnologia, cibernética, combate à desinformação, terrorismo, segurança marítima e alterações climáticas.

A Índia vai estar representada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Subrahmanyam Jaishankar, e o Japão pelo chefe da diplomacia de Tóquio, Hayashi Yoshimasa.

“Como rede de democracias ‘liberais’, nós estamos comprometidos com aspetos relacionados com a cooperação e para garantirmos aos países da região do Indo-Pacífico, pequenos e grandes, capacidade para tomarem decisões estratégicas próprias de forma livre e sem coação”, disse Payne.

Na quarta-feira, o porta-voz da diplomacia chinesa, Zhao Lijian, disse que a visita de Blinken a Melbourne é um esforço de Washington para fazer vingar os padrões norte-americanos.

“Com uma democracia em colapso há muito tempo, os Estados Unidos estão a forçar outros países a adotar os padrões da América traçando linhas com valores e montando grupos. Isto é uma completa traição à democracia”, disse Zhao.

Hoje, o ministro da Defesa da Austrália, Peter Dutton, expressou preocupações sobre a aliança entre a Rússia e a China, frisando que as ameaças de Pequim estão a intensificar-se.

“Sabemos que o nosso país está a enfrentar o ambiente de segurança regional mais complexo e potencialmente catastrófico desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945)”, disse Dutton no Parlamento de Camberra.

11 Fev 2022

Coreia do Norte | China pede aos EUA “mais sinceridade e flexibilidade”

Os EUA devem mostrar “mais sinceridade e flexibilidade” se quiserem desbloquear a crise com a Coreia do Norte, referiu na sexta-feira o embaixador da China na ONU, enquanto Washington defende que Pyongyang não deve ser recompensado pelos testes balísticos.

Segundo fontes diplomáticas, Washington propôs aos parceiros do Conselho de Segurança da ONU uma declaração conjunta para condenar os recentes testes de mísseis desenvolvidos por Pyongyang. No entanto, China, Rússia, países africanos e outros recusaram-se a aceder à proposta, segundo fontes citadas pela agência France Presse (AFP).

Para o embaixador chinês nas Nações Unidas, Zhang Jun, os norte-americanos devem “apresentar abordagens políticas e ações mais atraentes e práticas, mais flexíveis e responder às preocupações da Coreia do Norte”. O diplomata chinês falava aos jornalistas antes da reunião de emergência convocada por Washington.

Zhang Jun lembrou que, após as iniciativas do ex-presidente norte-americano Donald Trump em relação à Coreia do Norte, assistiu-se “à suspensão dos testes nucleares e do lançamento de mísseis balísticos intercontinentais”. Nos últimos meses, ao contrário, “testemunhamos um círculo vicioso de confrontos, condenações e sanções”, lamentou o diplomata chinês, cujo país bloqueou em janeiro a adoção de sanções individuais contra norte-coreanos na ONU.

Há mais de um ano, a China, juntamente com a Rússia, propôs ao Conselho de Segurança a adopção de uma resolução destinada a abrandar as sanções económicas internacionais impostas à Coreia do Norte para fins humanitários, recordou ainda o diplomata chinês. Por falta de apoio, este projecto ainda não foi objecto de negociações ou votado. “Pelo menos fizemos algo para facilitar uma melhoria e evitar a escalada da tensão”, referiu Zhang Jun.

Após a reunião, a embaixadora norte-americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, realçou que a resolução sem unanimidade “recompensa a Coreia do Norte pelo seu mau comportamento”. “Não há razão para este Conselho recompensá-los por nove testes no espaço de um mês e quase tantos nos anos anteriores”, referiu, em declarações à imprensa.

A diplomata norte-americana salientou ainda que “gastar milhões de dólares em testes militares enquanto o seu povo passa fome indica que este país não se importa com seu próprio povo”.

A terceira reunião do Conselho de Segurança no espaço de um mês terminou com uma declaração conjunta de oito países (Estados Unidos, Reino Unido, Albânia, França, Irlanda, Noruega, Emirados Árabes Unidos, Brasil) aos quais se juntaram o Japão. Sete membros do Conselho de Segurança recusaram-se a aderir à iniciativa de Washington: Rússia, China, Índia, México, Gabão, Quénia e Gana.

“Reiteramos o nosso apelo à Coreia do Norte para que cesse as suas ações desestabilizadoras e retome o diálogo. Continuamos a instar a Coreia do Norte a responder positivamente às ofertas dos Estados Unidos e de outros para se reunir sem pré-condições”, pode ler-se.

Pyongyang confirmou na segunda-feira ter lançado o seu míssil mais poderoso desde 2017, um balístico Hwasong-12 de alcance intermédio. O lançamento do míssil da Coreia do Norte no domingo encerra um mês de testes massivos e aumenta os receios de uma retoma dos testes de mísseis nucleares e intercontinentais por Pyongyang.

Este foi o sétimo teste realizado este mês, reafirmando a intenção da Coreia do Norte em reforçar as defesas nacionais, enquanto ocorre uma escalada de tensão na região da península coreana.

O líder norte-coreano, Kim Jong-un, felicitou na sexta-feira o presidente chinês, Xi Jinping, pela abertura dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Inverno em Pequim, destacando a relação “indestrutível” e “estratégica” entre os dois países asiáticos. Segundo especialistas, esta mensagem ao aliado chinês é sinal provável para a interrupção dos disparos de mísseis durante este evento desportivo.

7 Fev 2022

Xi e Biden baixam o tom agressivo dos últimos tempos

A cimeira China-EUA conseguiu trazer alguma “normalidade” à conversa entre os dois países

 

O Presidente chinês Xi Jinping apelou na terça-feira ao desenvolvimento de uma relação sólida e estável entre a China e os EUA durante uma reunião virtual com o Presidente dos EUA Joe Biden. “A China e os Estados Unidos deveriam respeitar-se mutuamente, coexistir em paz, prosseguir uma cooperação vantajosa para ambas as partes, e gerir bem os assuntos internos, assumindo simultaneamente responsabilidades internacionais”, disse Xi, que tratou o presidente americano por “velho amigo”, dando o tom a uma conversa mais afável que o esperado.

O presidente chinês salientou que tanto a China como os EUA se encontram em fases críticas de desenvolvimento, e que a “aldeia global” da humanidade enfrenta múltiplos desafios.

 

Assumir a responsabilidade de ser grande

Xi Jinping afirmou que ambos devem assumir as responsabilidades de grandes países e liderar a resposta global aos desafios pendentes. Para o presidente chinês, a China e os Estados Unidos precisam de apelar ao estabelecimento de um mecanismo de cooperação para a saúde pública global e a prevenção e controlo das doenças transmissíveis, e promover mais intercâmbios e cooperação internacional.

“A COVID-19 não será a última crise de saúde pública que a humanidade enfrenta”, salientou Xi. “A resposta a qualquer doença importante deve basear-se na ciência”, disse, acrescentando que politizar doenças não faz bem mas apenas mal.

Xi disse também que a prioridade premente na resposta global da COVID é abordar os défices de vacinas e colmatar as lacunas. A China está entre os primeiros a oferecer vacinas aos países em desenvolvimento carenciados, fornecendo mais de 1,7 mil milhões de doses de vacinas acabadas e a granel ao mundo e irá considerar fazer doações adicionais à luz das necessidades dos países em desenvolvimento, referiu Xi.

 

Igualdade e benefício mútuo

“A China e os EUA devem respeitar-se mutuamente, coexistir em paz, e prosseguir uma cooperação vantajosa para ambas as partes”, disse Xi, expressando a sua disponibilidade para trabalhar com o Presidente Biden para construir um consenso e tomar medidas activas para fazer avançar as relações entre a China e os EUA numa direcção positiva. “Se o fizermos, tal será no interesse dos dois povos e irá ao encontro das expectativas da comunidade internacional”, acrescentou Xi.

Xi Jinping descreveu as relações económicas e comerciais entre a China e os EUA como sendo de natureza mutuamente benéfica, e disse que as questões económicas e comerciais entre os dois países não devem ser politizadas. “Os dois lados precisam de tornar o bolo maior para a cooperação”, disse Xi.

O presidente chinês acrescentou que “a China leva a sério os desejos da comunidade empresarial dos EUA de viajar mais facilmente para a China”, e concordou em actualizar o acordo acelerado, o que irá melhorar ainda mais as trocas económicas e comerciais entre a China e os Estados Unidos e impulsionar a recuperação das duas economias. “Os Estados Unidos deveriam deixar de abusar ou de esticar demasiado o conceito de segurança nacional para reprimir as empresas chinesas”, concluiu.

 

Taiwan: sem descarrilar

“A China será obrigada a tomar medidas resolutas, caso as forças separatistas para a ‘independência de Taiwan’ nos provoquem, forcem a nossa mão ou mesmo atravessem a linha vermelha”. Xi atribuiu as actuais tensões às repetidas tentativas das autoridades de Taiwan de procurar o apoio dos EUA para a sua agenda para a independência, bem como à intenção de alguns americanos de utilizar Taiwan para conter a China. “Tais movimentos são extremamente perigosos, tal como brincar com o fogo”, disse Xi. “Quem brincar com o fogo, será queimado”.

“O princípio de uma só China e as três declarações conjuntas China-EUA são a base política das relações China-EUA”, disse Xi, observando que as anteriores administrações dos EUA assumiram todas compromissos claros sobre este assunto.

“O verdadeiro status quo da questão de Taiwan e o que está no coração de uma China”, salientou Xi, “são os seguintes: existe apenas uma China no mundo e Taiwan faz parte da China, e o Governo da República Popular da China é o único governo legal que representa a China”.

Chamando à realização da reunificação completa da China uma aspiração partilhada por todos os filhos e filhas da nação chinesa, Xi disse: “Temos paciência e lutaremos pela perspectiva de uma reunificação pacífica com a máxima sinceridade e esforço”. “Dito isto, se as forças separatistas para a ‘independência de Taiwan’ nos provocarem, forçarem as nossas mãos ou mesmo atravessarem a linha vermelha, seremos obrigados a tomar medidas resolutas”, disse Xi.

Por seu lado, o presidente dos EUA, Joe Biden, reafirmou a política de longa data do governo dos EUA de uma só China, e declarou que os EUA não apoiam a “independência de Taiwan” e expressou que a paz e a estabilidade devem ser mantidas no Estreito de Taiwan.

Xi Jinping acrescentou ainda que “a China não aprova a utilização dos direitos humanos para se imiscuir nos assuntos internos de outros países”, referindo-se a Hong Kong e Xinjiang. “A China não tem intenção de vender o seu próprio caminho de desenvolvimento em todo o mundo. Pelo contrário, a China encoraja todos os países a encontrar caminhos de desenvolvimento adaptados às suas respectivas condições nacionais”, disse Xi.

 

Cooperação em grandes questões

“Sendo as duas maiores economias mundiais e membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, a China e os EUA precisam de aumentar a comunicação e a cooperação, cada uma delas gerir bem os seus assuntos internos e, ao mesmo tempo, assume a sua quota-parte de responsabilidades internacionais, e trabalha em conjunto para fazer avançar a nobre causa da paz e desenvolvimento mundiais”, disse Xi. “Este é o desejo partilhado pelos povos dos dois países e de todo o mundo, e a missão conjunta dos líderes chineses e americanos”, concluiu.

Xi salientou que uma relação sólida e estável entre a China e os EUA é necessária para fazer avançar o respectivo desenvolvimento dos dois países e para salvaguardar um ambiente internacional pacífico e estável, incluindo encontrar respostas eficazes aos desafios globais como as alterações climáticas e a pandemia da COVID-19.

Para Xi, “é imperativo que a China e os Estados Unidos mantenham a comunicação sobre políticas macroeconómicas, apoiem a recuperação económica mundial e se protejam contra riscos económicos e financeiros”.

“Os Estados Unidos deveriam estar atentos aos efeitos colaterais das suas políticas macroeconómicas internas, e adoptar políticas macroeconómicas responsáveis”, acrescentou Xi.

17 Nov 2021

Kevin Blackstone, embaixador dos EUA em Díli: Timor-Leste tem um ano para corrigir problemas de tráfico humano

Por António Sampaio, da agência Lusa

O apoio dos Estados Unidos a Timor-Leste pode ser condicionado se as autoridades timorenses não corrigirem problemas que continuam a existir na forma como lida com tráfico humano, disse à Lusa o embaixador daquele país em Díli. “É uma questão séria e razão pela qual o Congresso impõe consequências a países que não eliminem o que é, no essencial, escravatura moderna”, explicou Kevin Blackstone, em entrevista à Lusa. “É uma preocupação real e não pode perpetuar-se indefinidamente”, sublinhou.

Desde meados do ano passado que Timor-Leste foi colocado na “lista de vigilância” do nível dois dos três usados pelo Governo norte-americano para determinar até que ponto os países cumprem as suas obrigações no combate ao tráfico humano.

Uma queda para o nível três implicaria que os Estados Unidos não poderiam dar a Timor-Leste qualquer apoio de desenvolvimento, segundo as regras definidas em Washington.

“Normalmente, um país pode ficar na lista de vigilância do nível 2 durante dois anos. Se Timor-Leste estiver novamente nessa lista este ano, terá mais um ano para demonstrar progresso significativo. Ou seja, até meados de 2022”, explicou.

Considerando que Timor-Leste “está no caminho certo”, Blackstone referiu que os responsáveis com quem falou nos últimos três meses, desde que apresentou credenciais, mostram “empenho e compromisso” em lidar com os problemas que persistem.

Como exemplo, e como primeiro passo “significativo” destaca a informação do Ministério da Justiça de que já está preparado e enviado para o Conselho de Ministros o rascunho da lei para a criação da comissão anti-tráfico de seres humanos. “Acho que é um passo significativo criar uma entidade que lide com este assunto”, sublinhou.

O diplomata sublinha que na sua análise o Departamento de Estado olha para questões como o enquadramento legal e sua aplicação, incluindo processos judiciais e condenações e direitos e proteção das vítimas.

“Em muitos casos as potenciais vítimas estão cá ilegalmente e tem sido tradição que são deportadas. E isso torna difícil avançar em acusações sem testemunhas e também em controlar os números ou registar testemunhos sobre o que está a acontecer”, explicou.

“Penso que o sector judicial entende isso. E penso que com este novo enquadramento legal, com autoridade especifica a entidades, veremos melhor identificação de vítimas e potencialmente seguimento para processos judiciais”, frisou.

Num relatório sobre o tema, a Organização Internacional das Migrações considera que Timor-Leste regista três tipos de trafico de pessoas (TIP na sua sigla em inglês), nomeadamente tráfico para o exterior (70%), de outros países para Timor-Leste (20%) e tráfico interno (10%).

A OIM nota que Timor-Leste “é um país de destino para homens, mulheres e crianças traficadas com o propósito de trabalho forçado e exploração sexual comercial”, sendo que a maioria das vítimas de tráfico são mulheres oriundas da China, Indonésia, Tailândia e Filipinas.

“As vítimas são frequentemente abordadas com promessas de melhores perspectivas de emprego e educação, oportunidades para pagar dívidas ou para ganhar grandes salários na economia do dólar norte-americano”, considerou.

Timor-Leste, segundo a OIM, é ainda um país de origem para o tráfico humano, nomeadamente “associado à migração laboral para fora da província de East Nusa Tenggara, na Indonésia”, com a pobreza e o subemprego a serem os principais motores.

“Esta migração ocorre frequentemente sob a forma de viagens irregulares para a Indonésia com base em informações de família, amigos, vizinhos e/ou comunidade. As mulheres e raparigas timorenses são particularmente vulneráveis a serem enviadas para a Indonésia e para outros países com o objetivo de servidão doméstica”, notou.

No caso interno, a OIM refere haver “tráfico doméstico que envolve principalmente crianças e menores de 18 anos para fins de servidão doméstica, trabalho e exploração sexual”. Em 2018 a OIM diz que foram identificadas 64 vítimas de tráfico de um total de sete casos investigados.

No seu relatório de meados do ano passado, em que Timor-Leste foi colocado na “lista de vigilância”, o Departamento de Estado considera que “o Governo de Timor-Leste não cumpre plenamente as normas mínimas para a eliminação do tráfico, mas está a fazer esforços significativos”.

O executivo, considera o texto, “não confirmou quaisquer casos de tráfico e diminuiu significativamente o número de investigações de tráfico”, com serviços inadequados de apoio e proteção a vítimas e, pelo quinto ano consecutivo, sem finalizar ou aprovar “procedimentos operacionais padrão para a identificação das vítimas”.

No relatório, Timor-Leste foi “desclassificado para a Lista de Vigilância de Nível 2”. Os EUA recomendam aumentar investigações a crimes de tráfico humano, iniciar processos judiciais e condenar e punir traficantes, “incluindo funcionários cúmplices”.

Mais recursos para apoio e proteção de vítimas, oferecendo os mesmos serviços a vítimas do sexo masculino que do sexo feminino, a criação de uma comissão anti-tráfico humano e um plano de acção anual, com melhor recolha de dados, são também recomendados.

7 Mai 2021