Milhares de cientistas de ascendência chinesa abandonam os Estados Unidos

Cientistas e académicos de origem chinesa não aguentam mais o ódio veiculado pelos medias e as suas repercussões concretas nas ruas. Os EUA temem perder alguns dos seus melhores cérebros, fundamentais para a segurança nacional. Pior: o seu sistema educativo não produz substitutos em quantidade suficiente

 

Um recente relatório do Wall Street Journal revelou que muitos académicos e cientistas de alto nível de ascendência chinesa, que ocupam cargos em universidades americanas e empresas de investigação científica, estão a considerar abandonar o país devido ao aumento da tensão entre Pequim e Washington. O jornal descobriu que 1400 cientistas chineses formados nos EUA trocaram o país pela China em 2021, e que 40% dos académicos chineses em instituições de investigação de topo como Harvard e o MIT poderão abandonar o país.

Entre as principais razões citadas pelas pessoas que falaram com o WSJ estavam os receios de vigilância governamental, tais como a “Iniciativa China” do FBI, iniciada por Trump, que visava pessoas de origem chinesa sobre alegada “espionagem económica”, e os crescentes crimes de ódio contra pessoas de ascendência asiática, que têm alastrado pelos EUA e deixado cada vez mais receosas as comunidades asiáticas.

Esta situação está a provocar uma fuga de cérebros dos EUA para a China, na medida em que especialistas de ascendência chinesa estão a regressar à China para melhores oportunidades e, sobretudo, para fugirem ao cada vez mais exacerbado clima de ódio social. Muitas destas pessoas, refere o jornal, trabalham em áreas estrategicamente importantes para o complexo militar-industrial dos EUA. Isto coloca sérios desafios às perspectivas futuras de Washington num ambiente geoestratégico global competitivo com Pequim.

A importância dos emigrantes

Ora importantes sectores altamente qualificados da economia americana dependem de emigrantes. De acordo com um relatório de 2013 do Centro de Política de Emigração, de 1995 a 2005, mais de 52% das empresas em fase de arranque em Silicon Valley tiveram pelo menos um fundador emigrante. Pessoas como Elon Musk e Sergey Brin foram fundamentais na fundação do Google e do PayPal durante esse período.

Entretanto, os EUA estão fortemente dependentes de talentos de origem estrangeira, porque existe uma grave falta de financiamento para a educação, bem como a inexistência de ensino superior universal — ao contrário de muitos dos seus aliados europeus como a Alemanha, a França ou mesmo Portugal. Isto significa que os EUA não podem preencher estas lacunas a nível interno. De facto, o Conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan citou a Primeira Dama Jill Biden como tendo dito que “qualquer país que ultrapasse os Estados Unidos em termos de educação ultrapassará os Estados Unidos, e essa é uma questão de segurança nacional fundamental”.

Falhanço educacional

Os EUA reconhecem efectivamente, nos mais altos níveis do governo, que a sua falta de candidatos qualificados em áreas estratégicas é “uma questão de segurança nacional fundamental”. Para crédito da administração Biden, encerraram a “Iniciativa China” e assinaram projectos de lei destinados a travar o aumento a nível nacional de crimes de ódio contra pessoas asiáticas. Mas está ainda por provar que estas medidas estão mesmo ter resultados práticos.

De facto, enquanto que, no início do seu mandato, o presidente Joe Biden melhorou a imagem da América em comparação com os anos Donald Trump, um inquérito da Morning Consult revelou que os cidadãos da grande maioria dos países inquiridos já não têm opiniões positivas sobre os EUA. Nomeadamente na China, os americanos obtiveram uma classificação desfavorável de 74%.

Campanha mediática e violência de rua

Uma reportagem de Maio de 2021 da Chemical & Engineering News já sugeria que os cientistas asiáticos estavam a abandonar a América devido a um tratamento injusto por parte do governo dos EUA e devido a crimes de ódio.

A publicação observou que os peritos da ascendência asiática neste campo são a “pedra angular da química americana”, e que a sua partida prejudicaria a competitividade de Washington indefinidamente.

Além da natureza da “Iniciativa China” e da violência de rua contra os asiáticos, algo muito importante está a modificar a perspectiva de pessoas de ascendência asiática e, especialmente, do povo chinês: a política externa errática de Washington. Se os EUA não tivessem uma política externa hostil contra a China em geral, não haveria investigações federais racistas contra pessoas de ascendência chinesa, nem haveria uma máquina mediática que está constantemente a bombar ódio contra o governo de Pequim e a criar terreno fértil para o surgimento de crimes de ódio. Todas estas coisas estão relacionadas: política externa, atitudes gerais em relação às comunidades da diáspora e preconceitos institucionais.

A sociedade americana repete estas mesmas atitudes sócio-culturais dependendo do inimigo do dia. Durante a II Guerra Mundial muitos cidadãos de origem nipónica, além de serem enfiados em campos de concentração, foram espancados e os seus negócios destruídos. Já durante a Guerra Fria, houve espalhadas visões ofensivas e caricaturas dos europeus de Leste e, durante o auge da Guerra contra o Terror, foram difundidas estas mesmas mensagens e atitudes em relação a pessoas de países de maioria muçulmana.

Cada um destes pontos da história teve como consequência a discriminação e crimes de ódio contra as suas respectivas comunidades da diáspora nos Estados Unidos. Neste momento, em que os principais medias americanos assimilam a China à Rússia, pelo facto de o país asiático não ter alinhado nas sanções decorrentes da guerra na Ucrânia, e vendem a ideia de que os dois países estão a construir um bloco anti-americano, as coisas parecem estar a piorar significativamente para a comunidade chinesa residente nos EUA. Assim, antes que aconteça alguma desgraça, a eles ou aos seus filhos, muitos estão a abandonar o país. Com agências e Washington Post

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