Pequim e Washington à procura de entendimentos

Ontem e hoje Pequim acolhe mais uma edição do Diálogo Estratégico e Económico China-EUA. Na mesa estão as diferenças e a procura de entendimentos entre as duas potências mundiais sem esquecer os mais recentes apertos às ONGs, o excesso de produção industrial e a Coreia do Norte

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Diálogo Estratégico e Económico China-EUA que decorre em Pequim e reúne entidades governamentais de ambas as partes abriu ontem com Xi Jinping a exultar a importância de superar as diferenças enquanto que do outro lado do Pacífico, os EUA alertam para questões do excesso industrial, as restrições às ONGs e as sanções à Coreia do Norte.
O Presidente chinês, Xi Jinping, apelou ontem à gestão de “diferenças dificilmente evitáveis” entre a China e os Estados Unidos da América de uma forma “pragmática” e com base na confiança e respeito mútuos.
No discurso que abriu a oitava ronda do Diálogo Estratégico e Económico China – EUA, Xi afirmou que ambas as potências devem cooperar, ao invés de competir entre si, assegurando que as soluções podem ser encontradas, desde que os “esforços sejam redobrados”. Quanto às diferenças que não podem ser resolvidas no momento “temos de geri-las de uma forma pragmática e construtiva, colocando-nos no lugar do outro”, disse. Para Xi, China e EUA podem alcançar consensos desde que sigam “os princípios do respeito mútuo e igualdade”.
Sem mencionar o aumento de tensões no Mar do Sul da China, que Pequim reclama na quase totalidade, Xi pediu uma maior coordenação bilateral em assuntos vinculados com a região Ásia-Pacifico em que “o vasto Pacífico devia ser um cenário para a cooperação inclusiva e não um campo para competir”, afirmou.
O presidente chinês reviu ainda a evolução dos laços bilaterais sino norte-americanos desde que ascendeu ao poder, há três anos, e sublinhou que a relação cresceu em “amplitude e profundidade”, mas instou as duas partes a reforçar a comunicação para evitar “juízos estratégicos errados”.

Do outro lado da mesa

Por seu lado, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Jack Lew, transmitiu à liderança chinesa a sua preocupação com a nova lei daquele país para regular o trabalho das ONG estrangeiras, que considera ter ficado “debilitado”.
No seu discurso de abertura Lew advertiu que a resolução deste assunto será importante para a relação bilateral entre as duas potências em que defende o papel das organizações não-governamentais na abertura e integração da China na economia mundial e a sua contribuição para cobrir as necessidades humanas básicas e incrementar o “êxito económico” do país. Ao mesmo tempo manifesta a sua preocupação “porque a China recentemente aprovou uma lei para administrar as ONG estrangeiras que debilita aqueles fundamentos, ao criar um ambiente pouco favorável para as ONG estrangeiras”, considerou.
O mesmo responsável disse também que o presidente dos EUA, Barack Obama, e o seu homólogo chinês, discutiram pontos de vista diferentes relativamente às ONG, sendo que “resolver isto será importante para uma relação bilateral”, assinalou o secretário do Tesouro.

Excesso de produção

No plano económico, Lew destacou o processo de transição que atravessa a economia chinesa, a segunda maior do mundo, e qualificou como “essencial” o país colocar em marcha as reformas para a redução do excesso de capacidade industrial, a abertura de mais sectores ao investimento estrangeiro e o desenvolvimento do mercado de capitais. “O excesso de capacidade tem o efeito de distorcer e danificar os mercados globais”, disse, aplaudindo a decisão da China em tomar medidas para combater o problema.
Pequim anunciou, no início do ano, planos para reduzir este excedente de produção na indústria do aço e do carvão chinesa, que desde há quatro anos resultam numa queda consecutiva dos preços.

E na Coreia do Norte

O Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, assegurou que é “imperativo” continuar a pressionar a Coreia do Norte e apelou à China para trabalhar na mesma direcção que os Estados Unidos.
Na presença do conselheiro de Estado chinês, Yang Jiechi, e o vice-primeiro ministro, Wang Yang, anfitriões do encontro, o responsável sublinhou a “necessidade” de ambos os países estarem “firmemente juntos”, no que toca ao regime norte-coreano.
“Recentemente trabalhámos juntos para adoptar as sanções do Conselho de Segurança da ONU mais fortes de sempre impostas à Coreia do Norte, em resposta às sucessivas violações deste país de resoluções passadas”, recordou Kerry, em referência às medidas adoptadas após os ensaios nucleares realizados por Pyongyang.
A China, um país que até há poucos anos referia a sua relação com a Coreia do Norte como sendo de “unha com carne”, começou a aplicar estas sanções em Abril. Porém, na semana passada, o Presidente chinês, Xi Jinping, recebeu uma delegação do país que lhe reiterou a aposta no desenvolvimento de armas atómicas.
“Não há qualquer motivo para que qualquer país necessite de avançar para a criação de mais armas nucleares”, assinalou Kerry, acrescentando que “o mundo está a avançar na direcção oposta”.
Os secretários norte-americanos de Estado, John Kerry, e do Tesouro, Jack Lew, encabeçam a delegação norte-americana, enquanto o lado chinês está representado pelo conselheiro de Estado Yang Jiechi e pelo vice-primeiro ministro Wang Yang.

7 Jun 2016

Mar do Sul da China |Washington e Pequim trocam “galhardetes”

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o sábado, os Estados Unidos ameaçavam “a tomada de acções” na palavra de Ashton Carter, secretário da Defesa norte-americana. Ontem, Pequim respondeu dizendo que não vai ter receio dos “problemas” naquela zona.
Em causa a construção pela China numa ilha reivindicada pelas Filipinas no Mar do Sul da China.
“Espero que estes desenvolvimentos não ocorram, porque caso contrário vão resultar na tomada de acções tanto pelos Estados Unidos, como por outras partes na região, as quais vão ter o efeito de não só aumentar a tensão como de isolar ainda mais a China”, disse Carter numa cimeira de segurança em Singapura.
A China, por seu lado, denunciou as “provocações” norte-americanas nas disputas territoriais no Mar do Sul da China.
“Os países estrangeiros devem ter um papel construtivo sobre esta questão, não o inverso. A tensão no Mar do Sul da China tem-se agravado por causa das provocações de alguns países, que perseguem os seus interesses egoístas”, disse o almirante Sun Jianguo, durante uma cimeira sobre segurança em Singapura.
E o almirante foi ainda avisando que “não causamos problemas, mas não temos medo dos problemas”.

Gigante controlo

Segundo informou em Abril a imprensa de Hong Kong , o ‘gigante’ asiático estabelecerá um posto em Scarborough Shoal, um território situado a 230 quilómetros da costa filipina.
Pequim reclama a soberania de quase todo o Mar do Sul da China. Nos últimos meses, construiu ilhas artificiais capazes de receber instalações militares em recifes disputados pelos países vizinhos.
Apesar dos protestos de Manila, a China passou a controlar efectivamente o Scarborough Shoal, em 2012, ao estacionar navios de patrulha na área e expulsar barcos de pesca das Filipinas.
Segundo uma fonte citada pelo jornal South China Morning Post, aquele posto permitirá a Pequim “aprimorar” a sua cobertura aérea no Mar do Sul da China, sugerindo planos para construir uma pista de aterragem.

6 Jun 2016

EUA/Presidenciais | Sheldon Adelson vai doar “cem milhões ou mais” a Trump

O magnata da Sands disse publicamente estar disposto a contribuir com mais dinheiro para eleger Donald Trump do que aquele que doou em qualquer outra campanha. E a ajuda não se fica por mais de cem milhões de dólares: Sheldon Adelson diz que este é o homem que os EUA precisam, mesmo que “não se concorde” com algumas coisas que ele diz

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s EUA precisam de alguém “forte” na liderança e esse alguém é Donald Trump. É a opinião bem vincada de Sheldon Adelson, o magnata dos casinos da Sands, com casinos em Macau, que justifica assim a doação de mais de cem milhões de dólares que poderá atribuir àquele que é um dos candidatos mais polémicos da corrida presidencial norte-americana.
Em 2012, Sheldon Adelson tornou-se o maior dador republicano de sempre, depois de doar entre 98 e 150 milhões de dólares americanos aos candidatos do partido que apoia. Mas este montante incluiu a corrida ao congresso e à presidência. Agora, o magnata está disposto a bater um novo recorde: mais de cem milhões de dólares apenas para Trump e a sua candidatura presidencial, como reportou o New York Times a semana passada. E Sheldon Adelson explica, ele próprio, porquê. sheldon-adelson
“[Entre tantos candidatos], um ganhou a corrida e agora os Republicanos têm de se juntar de forma a garantir que ele vença na etapa seguinte. Enquanto as primárias ainda têm algumas eleições importantes pela frente, está claro que Donald Trump será o Republicano nomeado para presidente”, começou por escrever numa coluna de opinião no jornal Washington Post. “Eu apoio publicamente Trump para a presidência e recomendo fortemente os meus colegas Republicanos – especialmente os oficiais eleitos através do Partido Republicano, os leais ao Partido e aqueles que fornecem um importante apoio financeiro – a fazerem o mesmo.”
A opinião de Adelson continua, considerando “assustador” a alternativa à presidência se não Trump. Num longo parágrafo onde critica Barack Obama – o homem que “conseguiu atingir os seus objectivos em muitos assuntos, ainda que estes não fossem os objectivos dos EUA” -, Adelson diz que é preciso colocar na Casa Branca alguém com um “R” (de Republicano) atrás. Esta é, assegura, a única forma de melhorar a situação. E essa oportunidade “ainda existe”.
“Sinto realmente que alguém com nível de experiência como CEO está suficientemente bem treinado para o trabalho de presidente. Isso é exactamente o que temos com Trump: ele é um candidato com experiência como CEO, moldado pelo compromisso e risco de utilizar o seu próprio dinheiro em vez do do público. Ele é um CEO com uma história de sucesso, que exemplifica o espírito de auto-determinação americano, compromisso para uma causa e boa gestão de negócios.”
Sheldon Adelson não menciona, por exemplo, as mais de duas dezenas de negócios montados por Donald Trump que não foram, de todo, “bem geridos”. Notícias correntes na imprensa norte-americana mostram esses casos – aliás motivo de chacota nos mais populares programas de comédia na televisão. São os bifes de Trump (um ano em funcionamento), o Trump Game (igual ao Monopólio, mas versão Trump, menos de um ano em produção), um restaurante (três meses), um motor de busca de viagens (um ano), água Trump Ice (menos de um ano), uma revista que durou dois anos e até uma universidade que acabou processada por diversos alunos porque, durante os seis anos em que funcionou, nunca conseguiu cursos acreditados.

[quote_box_left]Menos de 0,01% é o valor do apoio de Adelson a Trump quando comparado com o valor das receitas totais do ano passado da Sands, já que só a Sands China obteve lucros líquidos de 1,45 mil milhões de dólares em 2015[/quote_box_left]

Comer no prato que cuspiu

Apesar de alguns problemas nos negócios, a verdade é que Donald Trump foi sempre, de acordo com ele próprio e com média norte-americanos, “auto-financiado” na sua corrida à Casa Branca. Até porque “ele conseguiu alienar muitos dos seus doadores” devido a comentários menos próprios, como realça a imprensa dos EUA.
“Para começar a ter mais recursos [financeiros], Trump terá de ser mais activo em conseguir conquistar doadores que isolou durante as primárias”, escreve a CNN. “Charles e David Koch (dois dos maiores apoiantes das presidenciais) não parecem querer apoiar Trump. Charles Koch, em particular, foi publicamente crítico sobre a forma de candidatura de Trump durante as primárias.”
Esses comentários não passam sequer pela forma como Donald Trump fala das mulheres, ou da contínua ideia de construir um muro que separe o México do país. Os comentários foram dirigidos precisamente às figuras que agora poderão apoiar o candidato. puppet
“Trump foi claro durante a campanha, criticando os oponentes que esperam os ‘super PACS’ e dizendo que eles estavam a ser comprados por doadores ricos”, relembra o Wall Street Journal, referindo-se aos comités organizados para receber somas de dinheiro ilimitadas de empresas, indivíduos e uniões sem contribuírem directamente com o Partido ou os candidatos.
Trump dizia mesmo que o poder da sua campanha centrava-se no facto de ser “auto-financiado” e que isso acontecia porque as contribuições “têm um efeito de corrupção nos oficiais do governo”. Palavras que justificava com o facto de ser “um dos maiores doadores ricos a fazer essa compra”, como relembra o site MSNBC.
Nem Sheldon Adelson escapou. Quando o magnata apoiou Marco Rubio, Donal Trump não foi meigo. “Ele está a apoiar Marco Rubio para moldá-lo, para que ele seja a sua pequena marioneta”, escrevia o candidato em Novembro do ano passado, acrescentando no início deste ano que “os americanos não têm de se preocupar com esses ricos a dizer ao Trump o que fazer, porque ele não quer – e não recebe – o dinheiro deles”.
Apesar da retórica, a ira contra os ‘super PACS’ parece ter amainado, tal como a contra os “doadores ricos”: Donald Trump vai ser apoiado em “cem milhões de dólares ou mais” por Sheldon Adelson e a contribuição deverá ser feita precisamente através de ‘super PACS’.
A reacção de Trump quando confrontado pelos jornalistas? “Eu sei que as pessoas gostam de mim e formam um super PAC, mas eu não tenho nada a ver com isso. Vamos ser o que acontece”, disse à NBC News.
O dinheiro, escrevem analistas citados pela imprensa americana, é agora um ponto vital na corrida de Trump. É que, para combater Hillary Clinton na corrida geral à Casa Branca, Donald Trump deverá precisar de “700 milhões a mil milhões de dólares”. Trump tem neste momento cerca de 11 milhões de votos, precisando de cerca de 50 a 60 milhões para vencer. As eleições são em Setembro.

[quote_box_right]“Ele [Sheldon Adelson] está a apoiar Marco Rubio para moldá-lo, para que ele seja a sua pequena marioneta” – Donald Trump, em Novembro de 2015[/quote_box_right]

Jogo, ódio a Obama e Israel – Que interesses estão por trás dos apoios?

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]encontro entre Adelson e Trump de onde surgiu a notícia do apoio aconteceu há duas semanas em Manhattan. Desde então, o magnata do jogo tem insistido na necessidade de se juntarem a ele todos os republicanos possíveis, que ainda estão de pé atrás com Trump.
“Apesar de ter sido o neto de um mineiro e filho de um taxista, tenho muito experiência em ser parte de quase meia centena de diferentes negócios nos meus mais de 70 anos de carreira. (…) Ganhei o direito de falar sobre liderança e sucesso. Podem não gostar do estilo de Trump, ou daquilo que ele diz no Twitter, mas este país precisa de uma liderança executiva forte hoje em dia, mais do que em qualquer outro período na sua história”, escreveu Adelson na opinião publicada no Washington Post.
Mas, que interesses estão por trás do apoio a Trump? Primeiro, o “ódio” que Sheldon Adelson já manifestou contra Obama e a visão de que Hillary poderá ser a sua substituta mais parecida.
“Se os Republicanos não se juntarem no apoio a Trump, Obama vai, basicamente, ter algo que a Constituição não permite – um terceiro mandato em nome de Hillary Clinton. Passei algum tempo a falar com Donald Trump. Se concordo com ele em todos os pontos? Não. Mas é natural que nenhum americano concorde com o seu candidato preferido em todos os assuntos”, defendia Adelson na semana passada.
Outra das razões pode ser o interesse de Trump nos casinos. Como recorda a NewsWeek, Adelson é conhecido por apoiar políticos que poderão ajudar nos seus negócios de jogo, ainda que os casinos não pareçam ser o ponto forte do candidato à presidência. Trump declarou falência de três propriedades em Atlantic City: primeiro o casino Trump Taj Mahal, em 1991, depois de um ano em operação. Depois, em 2004, foi a vez do Trump Marina e o Trump Plaza. Depois disto, a Trump Hotels e Casino Resorts decidiu mudar para Trump Entertainment Resorts. Quatro anos depois, também esta empresa faliu.
E depois há a questão de Israel. Um dos cavalos de batalha de Adelson, judeu, a segurança de Israel é uma das maiores preocupações do magnata e parece ser, agora, também a de Trump, que Adelson considera ser “bom para Israel”. Mas a situação é confusa.
“Durante toda a corrida vimos reviravoltas que não eram suposto acontecer. Uma das maiores razões de Adelson para apoiar Trump é o grande apoio a Israel, ainda que Trump tenha feito comentários no passado que deveriam fazer os zionistas preocupar-se com tal presidência. Mas também já vimos as ideias de Trump mudar em diferentes eventos públicos”, frisou Myles Hoenig, activista e analista político, em declarações à Press TV.

Unidos por muros

Trump chegou a fazer comentários contrários sobre a questão Israel-Palestina, mas a última declaração pública é favorável à ideia de Sheldon Adelson. E mais uma vez, Trump usa-se a si próprio como exemplo. “Acontece que eu tenho um genro e uma filha que são judeus ok? E dois netos que são judeus.”
Para Hoenig, a liderança republicana sempre foi muito pró-Israel, mas também os democratas o têm sido, como refere, frisando que Hillary Clinton até é a candidata que mais apoia o país e que é activa nas suas acções para tal. Mas, para o activista, a dúvida não existe: por que razão Adelson apoia Trump? “Não é só para promover a conversa sobre Israel, mas para mostrar a oposição a todos os aspectos levantados por Obama nestes últimos oito anos. Obama é visto como uma oposição a Israel nas decisões que toma, mas ele apoiou o país em tudo o que fez e até cobriu crimes israelitas contra o povo palestiniano”, diz o analista, assegurando que, seja como for, a política dos EUA face a Israel não deverá mudar.
Uma das coisas que os dois milionários parecem ter certamente em comum é a ideia de construir um muro: Trump tem um planeado para o México. Adelson sugeriu construir “um grande, maior do que já existe”, para manter os palestinianos fora de Israel.

Wynn amigo de Hillary Clinton?

Dentro da política é habitualmente conhecido o papel de Sheldon Adelson como um dos grandes doadores, mas Steve Wynn também pondera apoiar alguém. Ainda que o nome do empresário do jogo, dono do Wynn em Macau e com um novo complexo a nascer no Cotai, não seja tão sonante nos meandros da candidatura, duas coisas são bem conhecidas: Steve Wynn “desaprova Barack Obama”, ao ponto de o comparar ao ex-presidente Richard Nixon, envolto num escândalo de escutas. Mas, ao contrário de Adelson (ver texto principal), o facto de Wynn não gostar de Obama pode não o impedir de apoiar Hillary Clinton, candidata pelos Democratas. Wynn assegura ter tido um “jantar charmoso com Clinton”, ainda que social e “não político” e que não descurava a eventualidade de apoiar a candidata, numa entrevista ao canal de televisão PBS. Do conhecimento público é também que Wynn não está nos melhores termos com Adelson ou Trump. Muito por causa dos negócios de casinos, já que o candidato republicano foi considerado, em tempos, provável competição de Wynn em Atlantic City.

Quem apoia quem?

Hillary Clinton: apoiada por Ben Affleck, Christina Aguilera, Tony Bennett, Drew Barrymore, Bon Jovi, Mary J. Blige, George Clooney, Bryan Cranston, Leo Dicaprio, Ellen Degeneres, Cher, Jesse Eisenberg, Morgan Freeman, Lady Gaga, Robert De Niro, Richard Gere, Tom Hanks, Ben Harper, Elton John, Beyoncé, Katy Perry

Donald Trump: apoiado por Hulk Hogan, Sarah Pallin, Stephen Baldwin, Azealia Banks, Kid Rock, Dennis Rodman, Mike Tyson

Bernie Sanders: Rosario Dawson, Danny De Vito, Mark Ruffalo, Danny Glover, Spike Lee, Seth MacFarlane, Michael Moore, Susan Sarandon, Red Hot Chilly Peppers,

18 Mai 2016

Adam Johnson, autor de “The Orphan Master’s Son” e vencedor de um Pullitzer

Venceu em 2012 o Pullitzer para Ficção com uma obra sobre a Coreia do Norte. A mistura de ficção com realidade é algo a que Adam Johnson se entrega de corpo e alma, num caminho onde as emoções e o ser humano são a sua maior inspiração. Em Macau pela primeira vez para o Rota das Letras, só “viu casinos” e a Universidade de Macau, da qual “gostou muito”

[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]enceu um Pullitzer para Ficção em 2012, com o livro “Orphan Master’s Son”. Alguma vez pensou conseguir este prémio?
Entre os milhares de livros publicados nos EUA, apenas um é escolhido e seríamos uns tontos em pensar ganhar algo como um Pullitzer. Escrevi este livro ao longo de muitos anos e nunca conheci ninguém que estivesse a escrever ficção sobre a Coreia do Norte… todas as pessoas com quem falava sobre o livro olhavam para mim como se fosse maluco, mas eu sentia-me profundamente apaixonado pelo livro. Contudo, só queria que fosse publicado e esperar que, talvez, as pessoas ficassem tão ‘infectadas’ e curiosas face ao livro quanto eu.

adam johsonFoi arriscado e difícil escrever um livro de ficção sobre a Coreia do Norte?
É um lugar sobre o qual sabemos muito, mas não podemos provar nada. Mas acho que é mais desafiante para jornalistas escrever sobre a Coreia do Norte, porque eles ouvem os rumores e as histórias, mas não conseguem confirmar nada. Nada pode ser verificado, mesmo que milhares de pessoas tenham saído da Coreia do Norte. Essas pessoas contam a sua história e, como um novelista, essas histórias, esses pesadelos, esses mitos e rumores são valiosos para mim. Mas um jornalista não pode usá-los, por isso acho que, neste caso, a ficção consegue preencher um vazio que a ‘não-ficção’ não pode.


Esteve no país seis dias, além de ter feito investigações aprofundadas. A realidade lá é mesmo como as pessoas descrevem?

Tive lá, sim, mas numa viagem muito controlada. Estava já a meio do livro e o que queria mesmo saber eram coisas que poderia ganhar com a minha visita lá: eram as ruas pavimentadas com asfalto ou pedra? Qual era o cheiro nas ruas? Que sapatos é que as pessoas usavam? Havia cortinas nas janelas ou cortinas que isolavam as casas do mundo como eu tinha lido? Perguntei onde é que estavam as caixas de correio, as estações de bombeiros… Como é que tudo funcionava. Mas o único sítio no mundo onde não se pode falar com um norte-coreano é na Coreia do Norte – é ilegal para um cidadão falar com um estrangeiro. Então soube que só iria aprender a verdade sobre o que estava à superfície naquele lugar, o que estava à vista. Mas também houve coisas que só fiquei a saber porque fui lá.

E as pessoas, vivem mesmo assustadas? Não contactam? Vestem-se todas da mesma maneira?
Sim. Eles têm uma variação de uniforme, mas nada com marcas. As únicas mensagens permitidas são as mensagens políticas [do líder da Coreia do Norte], nunca seria permitido qualquer tipo de slogan numa t-shirt ou mesmo uma marca. Não pude falar com ninguém… se ao menos tivesse podido falar com uma mulher, ir a casa dela, beber chá com ela e ver como vivia, todas as minhas perguntas teriam tido resposta. Mas não foi o caso. Sou uma pessoa grande, tenho 1.90m – mas, durante todo o tempo que andei nas ruas de Pyongyang tinha ‘minders’ [pessoas a controlar] comigo e eles tinham uns pins especiais no casaco, que avisavam toda a gente que estas pessoas não eram para ser incomodadas. Descíamos a rua e as multidões dispersavam.

Exactamente o oposto do que pretendia…
Exacto. Americanos grandes não passam lá todos os dias… mas uma coisa que reparei é que, mesmo assim, as pessoas não pareciam olhar para mim e desviar o olhar. Elas simplesmente não olhavam. Evitavam, como se tivessem sentido a sua curiosidade, afastando-a [depois]. Apanhei alguns a olhar para o meu reflexo nos espelhos e nas janelas – estavam curiosos, mas de alguma forma digeriram a censura do Governo, acho. Mas não posso ter a certeza, porque só se sabe quando se fala com as pessoas.

Começou a carreira literária com “Emporium”, uma colecção de curtas. Qual a principal diferença entre escrever histórias curtas e escrever um livro? Mistura sempre ficção com realidade nas suas obras?
Não é isso que a vida é? Uma mistura de ficção e realidade? Se ao menos pudéssemos distingui-las… (risos) Na nossa vida, escolhemos sempre histórias para contar aos outros. Não organizamos a grande confusão de experiências [a que estamos sujeitos] em capítulos estruturados e moldados da nossa vida? Para responder à questão: há um certo prazer em escrever histórias curtas, porque podemos ser um ditador e controlar todos os aspectos da história, aperfeiçoar cada bocadinho como se fosse uma jóia, para conseguir o efeito que queremos. Um romance é algo desorganizado, cheio de compromissos… o enredo quer uma coisa, as personagens querem outra. [A personagem] quer continuar de uma determinada forma, depois há as emoções que tenho que dar a uma cena… De certa forma, um romance é um acto político, perante o qual temos de fazer compromissos entre todos os seus pedaços estruturais. Não há “perfeição” num romance.

Deixa-o fluir, então?
Sim. Mas um romance pode dar muito trabalho.

As pessoas falam muito em inspiração para conseguir escrever um livro. Sendo escritor a full-time, acredita na inspiração ou tem de se obrigar a escrever?
Ao longo dos anos, aprendi a confiar nas minhas obsessões e reparei que começo a ouvir uma certa música e passo a vida a ouvi-la, ou leio determinadas coisas ou vejo vídeos no YouTube e não páro, como se fosse uma loucura. Foi assim com a Coreia do Norte: tornei-me curioso e, durante um ano, só lia coisas sobre o país, lia, lia, lia. Ou vou ao eBay à noite e dou por mim a comprar imensas coisas… sei que parece tonto, mas a verdade é que, se pegar nessas coisas pelas quais sou obcecado e as puser numa narrativa, isso vai retirar de mim o que quer que seja que está a fazer-me focar nisso. Qualquer que seja a emoção conectada a essa obsessão. E, na maioria das vezes, é um mistério o que me faz ficar maluco com algo, até que o ponha numa narrativa. Não sei se alguma vez penso “oh, hoje deveria começar a escrever uma história”, acho que é mais quando fico enamorado por algo que sei que a minha mente está [focada na escrita].

Mas há diferentes escritores.
Sim, acho que há. Vejo imensos escritores curiosos com um tópico que não tem nada a ver com eles próprios e que fazem muita pesquisa e martelam até ter o livro cá fora. E vejo muitos escritores que são mais pessoais e escrevem sobre emoções que conhecem e assuntos seus. Os primeiros conseguem escrever um livro por ano, porque não é sobre eles. Os outros, e estes são os que eu gosto, põem o seu coração no trabalho. Tem de se esperar até que as coisas surjam, não podemos controlar quando vem de dentro. São “vítimas” dessas emoções.

Então, o Adam é um escritor pessoal?
Comecei assim e estou a tentar fundir as duas formas de escrita, porque eu até gosto de fazer pesquisa. Comecei como jornalista, mas depois vi a luz (risos). Se tudo correr bem, também vai ver a luz. O jornalismo tem o seu lugar e é importante, mas o dia vai chegar… (risos)

Mas o jornalismo ajudou-o a escrever sobre a realidade? Alguma vez exerceu?
Não, licenciei-me em Jornalismo e escrevi para jornais, mas sabia que não era um grande jornalista. Lembro-me do meu professor de Jornalismo me dizer, às vezes, “tu inventaste esta citação não foi?”. Eu admitia que sim, mas que ninguém tinha dito a verdade e que a minha posição era dizer a verdade (risos). E isto era um debate que tínhamos ao longo dos anos: eu dizia que o meu dever era mostrar a verdade, ele dizia o meu dever era dar os factos e deixar o leitor decidir qual era a verdade. Também inventava detalhes… bem, estava já a escrever ficção. E a verdade é que nunca me importei se algo é factual ou não, desde que ressoe com a verdade da experiência humana. Para mim, algo que é verdadeiro é algo que é válido para todas as culturas, para todas as pessoas, em todas as épocas. Algo que todos nós já tenhamos experienciado. Por isso é que um poema de Li Po ou uma urna grega ainda nos emocionam. Porque eles viajaram através do tempo e dos lugares, além do que é essencial. E todos nós passamos por alguma coisa na vida. E é isso que é a literatura… esses momentos.

É essa a mensagem, se é que há uma, que quer passar com os seus livros? Quer que as pessoas vejam essa humanidade?
Diria que escrevo para descobrir. Nunca sei onde é que a história vai parar, ou o que vai acontecer. Há algumas coisas pelas quais são obcecado, como agora, o mais recente, é o Jiu-Jitsu brasileiro, e coloco isso na minha história, porque é algo que a minha família pratica e eu quero descobrir mais sobre isso. Mas, se souber o que a história vai ser, torna-se aborrecido. Sinto-me mais como um professor a dar uma palestra. Uma das grandes alegrias no mundo é conhecer outros seres humanos. Alguém que é um mistério e que, ao longo do tempo, faz-nos construir uma relação. A confiança ganha-se. As vulnerabilidades começam a aparecer, as pessoas começam a revelar camadas mais profundas e, aí, deparamo-nos com uma sensação de que conhecemos realmente a pessoa. E a razão por que isto acontece é porque não sabemos o que a outra pessoa está a pensar, nunca conseguimos saber o que está na cabeça de outra pessoa. E não é isso que a literatura faz? Dar-nos a perspectiva de outros? Mesmo que seja uma ilusão. Se soubermos tudo sobre o outro, não há nada para descobrir: e é isso que quero transmitir com as minhas personagens.

Fiquei a saber que é obsessivo com a linguagem que utiliza nos livros e que a aperfeiçoa até estar satisfeito…
Não é com a sua? Com o que se pode fazer com as palavras?

Há trabalhos seus que nunca viram a luz do dia porque nunca gostou de como ficaram? Quanto tempo demora a limar essas arestas?
Todos escrevem de forma diferente. A minha mulher [escritora], escreve um pouco daquele capítulo, daquela cena… eu gosto de aperfeiçoar uma frase, se ela é [oca] não gosto dela, tem que ser sólida. E isso é o que traz alegria quando lê o seu escritor favorito: conseguimos sentir quando um autor passou meia hora a aperfeiçoar uma frase, a encontrar a expressão certa para esta incerteza que é a vida. E às vezes lemos uma passagem inteira e sabemos que levou dias a ser escrita. Foi reescrita vinte, cem vezes. Essa é uma das minhas grandes alegrias ao ler: sentir que alguém exprimiu algo perfeitamente. Isso é uma das coisas que quero dar e receber.

Está na China agora, esteve na Coreia do Norte… regimes fechados no que à liberdade de escrita diz respeito. Alguma vez pensou não ter a liberdade de escrever/publicar o que quisesse?

Tomo a liberdade como garantida. Mesmo. Vivo num reino onde todos se expressam completamente à vontade – às vezes demasiado livremente. Tenho um compromisso com a universidade, o que significa que nada do que escrevo me pode custar o meu trabalho [lá] e já levo isso muito a sério. Mas venho aqui e leio nos jornais casos como o dos livreiros [de HK], que arriscaram a sua liberdade para vender livros para que as pessoas possam ter a oportunidade de os ler e eu não sabia disso. É lamentável. É difícil de acreditar que isso ainda exista no mundo.

Ensina Escrita Criativa na Universidade de Stanford e foi considerado “o professor mais influente e imaginativo” da universidade pela revista Playboy. O que pretende ensinar aos seus estudantes, aos novos escritores?
Alguém tinha de ser (risos). Evangelicamente, tendo em mente o poder da ficção sinto o dever de usar esse poder para dar significado às nossas vidas. O que é bom na escrita é que todos podem fazê-lo, todos temos essa capacidade, somos todos ‘experts’ em humanidade, de certa forma, ou pelo menos em nós próprios e não há barreiras na escrita: só precisamos da nossa criatividade, ao contrário de um filme que custa dinheiro. Claro, vai haver muitas coisas mal escritas por aí, mas todos os que entram neste reino conseguem melhorar até a sua história falar com outra pessoa.

“Fortune Smiles” e “George Orwell Was a Friend Of Mine” foram as umas últimas obras, lançadas em 2015. Para quando um trabalho novo? Macau pode servir de influência?
Estou a escrever um grande romance agora, não sei o que vai ser, não sei se vai falhar. É o que dá não sabermos o que estamos a fazer (risos). Seria interessante [pensar que Macau poderia inspirar-me]. O livro que estou a escrever agora veio de uma visita através de um festival literário como este [Rota das Letras] e, quando fui embora, comecei a ficar obcecado por coisas que tinha visto nessa visita e, por isso, nunca se sabe. Acho que vou primeiro ler obras de autores de Macau a falarem sobre este lugar, antes de começar a escrever algo sobre Macau.

14 Mar 2016

Rota das Letras | Pulitzer Adam Johnson e “Cartas da Guerra”

Adam Johnson PHOTO[dropcap]A[/dropcap]dam Johnson, vencedor de um Prémio Pulitzer e autor de The Orphan Master’s Son é mais um dos convidados da mais recente edição do Festival Literário de Macau Rota das Letras. Johnson, que chega dos EUA, entra na Rota quando se confirma a saída de Junot Díaz, escritor dominicano que já não se desloca ao território “por motivos pessoais”. Díaz demonstrou, contudo, “interesse em participar numa próxima edição da Rota das Letras”.

Adam Johnson foi o vencedor do National Book Award de 2015 e Prémio Pulitzer norte-americano, autor de The Orphan Master’s Son (2012), já editado em Português (Vida Roubada). A obra, que apresenta um retrato da Coreia do Norte, valeu a Johnson o Pulitzer de ficção em 2013. Além da entrada do Pullitzer, a organização anunciou ontem a estreia na Ásia de “Cartas da Guerra”, filme de Ivo M. Ferreira. A película, que se estreou ontem no Festival de Cinema de Berlim, será exibida no primeiro dia do Festival Literário, a 5 de Março, pelas 19h30, nos cinemas do Galaxy, “marcando assim a estreia asiática do novo filme” do realizador residente de Macau.

“Cartas da Guerra” é baseado no livro “D’este Viver Aqui Neste Papel Descripto”, de António Lobo Antunes (2005), que junta as cartas enviadas pelo escritor à mulher em 1971 quando o então médico foi chamado para a Guerra Colonial. O filme está em Competição para o Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim.

15 Fev 2016

Uma Europa que treme

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s atentados de sexta-feira, 13, em Paris, são um ataque aos valores que têm marcado a União Europeia. São um tiro brutal aos direitos humanos, à liberdade de movimentos, à democracia, à tolerância. Os ataques, alegadamente perpetrados por comandos do Estados Islâmico, poderiam ter como intenção punir os governantes franceses pelas intervenções militares na Síria e no Mali. Poderiam. Pelo menos essa foi a argumentação usada no comunicado dito oficial. Mas o pior dos efeitos vai sentir-se no interior da própria União Europeia. A reacção imediata dos novos governantes polacos, algumas horas depois dos atentados da noite de sexta-feira, afirmando que já não iriam aceitar as quotas europeias de refugiados, é apenas um sinal do que aí vem.

Receia-se o pior. O terror vai passar a fazer parte do dia-a-dia dos europeus. Isso é cada vez mais evidente. Aquela sensação única de liberdade, de segurança, de tolerância, a que nos habituamos nas últimas décadas, vai sofrer um revés profundo. O discurso pró-securitário, contro “o outro”, o “anormal”, vai ganhar terreno. Combater essa mensagem, fácil, de que “os outros” são os culpados de todos os males da nossa vida, requer persistência, requer visão de longo prazo. Os tempos de hoje, marcados pelo discurso de consumo imediato, tendente a reforçar pequenas vantagens competitivas que nos garantam um posto, uma eleição, não são os mais apropriados para uma cultura de esperança. Essa verve contra “o outro” já estava bem presente no discurso mediático desde que a Europa se tornou numa espécie de última tábua de salvação para quem foge da guerra no Médio Oriente, das perseguições étnicas ou da pobreza extrema em África.

A tentação é fácil. E vai dar os seus frutos. A extrema-direita – com a honrosa excepção portuguesa – tem estado a ganhar terreno nas últimas eleições no interior da Europa. Foi assim na Grécia e na Áustria. Nas recentes eleições legislativas na Polónia, por exemplo, a esquerda nem ao Parlamento chegou. Com a Frente Nacional em alta, liderada pela mais “domesticada” Marine Le Pen, as eleições regionais do próximo mês poderão significar, uma vez mais, o crescimento da intolerância. Contra “o outro”, o “estranho”, o “desconhecido”.

O mundo está mais perigoso. Segundo os dados estatísticos da Universidade do Maryland, o número de atentados terroristas desde o 11 de Setembro de 2001 aumentou exponencialmente. Nove vezes! A Global Terrorism Database revela que em 2001 houve 1882 atentados, quando em 2014 esse número chegou aos 16,818. Esta contabilidade ainda não inclui, naturalmente, os atentados contra o Charlie Hebdo ou os de sexta-feira passada. As intervenções no Iraque, na Líbia ou Síria terão seguramente contribuído para este fenómeno.

Embora em muitos casos, a Europa tenha apenas apoiado os Estados Unidos da América nesta senda de resolver os problemas lá fora, para que eles não nos cheguem cá dentro, o que é facto é que, depois de 14 anos de guerra contra o terrorismo, o terror está cada vez mais perto de nós, no centro da Europa.

As soluções não estão na ponta de uma qualquer varinha mágica. Aliás, a cada dia que passa, a cada nova tentativa de acolher o outro, de propiciar uma integração mais efectiva, sem guetos nem favores, vão se esgotando fórmulas. Neste mundo global, as comparações são fáceis. Essas, sim, estão na ponta de um qualquer clique de rato. E a internet está disponível em todo o mundo. A ideia que há um exército imenso de possíveis mártires dispostos a imolar-se por uma qualquer causa – jovens desempregados, sem perspectivas de futuro, sem educação formal, sem possibilidade de serem – torna o planeamento da luta contra os terrorismos uma tarefa quase impossível. A imprevisibilidade do próximo ataque, quando é de dentro da “fortaleza” europeia que vêm algumas das principais ameaças, vai levar ao reforço inexorável da componente securitária dos Estados europeus. E isso é uma fatalidade.

O medo não é bom conselheiro. Mas os próximos tempos, de impotência, contra o Estado Islâmico, de intolerância, contra “o outro”, poderão ditar o fim de uma certa era. Desde a sua criação, a Europa tem sido um espaço de tolerância, de estabilidade, de desenvolvimento. Os 70 anos de paz na Europa estão ameaçados como nunca estiveram. Se a Europa não for capaz de se unir – os líderes europeus têm-no mostrado nos últimos meses que de facto essa é uma tarefa muito complexa – a União, tal como a conhecemos, poderá ter os dias contados.

16 Nov 2015

Ng Lap Seng acusado de corrupção por subornar oficiais da ONU

Ng Lap Seng está oficialmente acusado de corrupção, a mesma acusação deduzida a John Ashe, ex-embaixador da ONU. O caso está ligado à construção de um centro de conferências em Macau e a outros projectos de imobiliário. O Governo diz não saber de nada e não tecer comentários. O CCAC também não quis falar. A empresa de Ng Lap Seng foi expulsa de um programa da ONU este ano

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]orrupção. É esta uma das acusações que Ng Lap Seng enfrenta nos EUA na sequência de pagamentos de subornos a funcionários e ex-funcionários da ONU. O empresário e representante político de Macau foi detido nos EUA no mês passado, depois de ser acusado de levar ilegalmente grandes quantias de dinheiro para o país e ocultar as suas verdadeiras intenções às autoridades norte-americanas. Agora, uma investigação relacionada culminou na nova acusação, ontem tornada oficial.
A notícia é avançada pela imprensa norte-americana e pela agência Reuters, que escrevem que também o presidente da Assembleia Geral da ONU em Barbuda e Antigua, John Ashe, e “muitos outros oficiais” da organização foram acusados terça-feira (quarta em Macau) de corrupção. Estes terão aceite subornos no valor de mais de um milhão de dólares de empresários chineses, onde se inclui Ng Lap Seng.
John Ashe foi detido em casa e acusado de ter “transformado a ONU numa plataforma para lucros”. O crime: aceitar cerca de 1,3 milhões de dólares em subornos de empresários chineses. Do total, 500 mil dólares foram pagos por Ng Lap Seng, para que o embaixador da ONU intercedesse junto do Secretário-Geral da organização para a construção de um Centro de Conferências “multimilionário” em Macau. Centro que seria patrocinado pela ONU e investimento de Ng Lap Seng, que terá dito – segundo o assistente também detido, Jeff Yin – que este era um dos legados que queria deixar no território. Jeff Yin admitiu também que o patrão “fez pagamentos nesse sentido”.
O dinheiro terá sido gasto por Ashe numa casa, em relógios Rolex, num BMW, em férias familiares e na construção de um campo de basquetebol em casa. Ashe terá de pagar um milhão de dólares para poder ficar em prisão domiciliária. O advogado já disse que Ashe tem imunidade diplomática, não podendo ser acusado.

Por cá nada se sabe

Até agora, foram formalmente acusados cinco oficiais da ONU, mas as autoridades norte-americanas avançam que a investigação continua e que poderá haver mais envolvidos.
Outro dos ontem acusados é Francis Lorenzo, um embaixador da ONU na República Dominicana, que terá sido o intermediário de Ng Lap Seng no pagamento a Ashe. Ng pagaria, segundo as autoridades, “20 mil dólares por mês a Lorenzo”, como “presidente honorário” de uma das suas organizações em Nova Iorque, a South-South News (ver coluna). A empresa de Ng em Macau, a Sun Kian Ip Group, tem “diversos” embaixadores da ONU com funções de líderes nas representações nos EUA. Mas, ao que o HM apurou, empresa foi retirada da lista de um programa da ONU em Abril deste ano (ver texto secundário).
Fontes de Macau não identificadas, citadas pelo jornal de Hong Kong South China Morning Post, indicam que há ainda alegações de que os subornos incluam construções “em ou perto de património protegido pela UNESCO”.
Willian Kuan, também parceiro de Ng no Grupo Sun Kian Ip, afirmou ontem ao canal chinês da Rádio Macau que é parceiro de negócios de Ng, mas nunca ouviu falar de um projecto para um centro de conferências em Macau. Também Ban Ki-Moon, secretário-geral da ONU, disse não conhecer o caso.
Willian Kuan, que foi candidato às eleições da AL em 2013, disse ainda não conseguir contactar Ng Lap Seng desde que este foi preso nos Estados Unidos, mas assegura que o caso não influencia o funcionamento da empresa. 

Para as autoridades norte-americanas, o caso vai permitir saber se “a corrupção é uma prática comum na ONU”. Se for dado como provado, “fica comprovado que o cancro da corrupção que mina demasiados governos infecta também a ONU”.
O HM pediu esclarecimentos junto do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que disse “não ter, de momento, quaisquer comentários a fazer” e frisou que “se, e quando, existir qualquer informação a prestar procederá à sua divulgação através da sua comunicação à imprensa”. Já do Gabinete do Chefe do Executivo chega a resposta de que “tendo em consideração que o assunto é objecto de procedimento judicial, o Governo não tece comentários”, mas também que “não dispõe de informação alguma sobre os factos mencionados”.

Empresa expulsa de programa das Nações Unidas

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m Abril de 2015, a Sun Kian Ip Group de Ng Lap Seng foi expulsa do programa Global Compact da ONU. Ao que o HM conseguiu apurar, a expulsão da empresa foi assinada este ano, dois anos depois desta se ter juntado ao programa.
Numa visita ao site da Global Compact da ONU, é possível ver que a estratégia do programa é chamar empresas internacionais a alinharem em princípios que visam os direitos humanos, o ambiente e a luta anti-corrupção e a tomar acções contra isso mesmo. Numa carta a que o HM teve acesso, assinada por Ng Lap Seng, é possível ver o empresário e representante político de Macau em Pequim e na Comissão Eleitoral que escolhe o Chefe do Executivo a comprometer-se com estes princípios. ONU
“Tenho o prazer de informar que a Sun Kian Ip Group apoia os dez princípios da Global Compact, no que respeita aos direitos humanos, trabalho, ambiente e anti-corrupção. Com este comunicado, expressamos a nossa intenção de integrar esses princípios na nossa esfera de influência. Comprometemo-nos a fazer dos princípios da Global Compact parte da estratégia e cultura rotineira da nossa empresa. (…) Demonstraremos o nosso compromisso ao público e aos nossos accionistas”, pode ler-se no documento.
Contudo, um carimbo vermelho dá a empresa como expulsa em Abril de 2015 por “ter falhado em comunicar progressos” nesse sentido. A expulsão da ONU não foi fundamentada além desta justificação. É que, de acordo com os princípios do programa da ONU – e como Ng Lap Seng admite na carta enviada a Ban Ki-moon, Secretário-Geral da organização – as empresas têm de enviar relatórios anuais que descrevam “os esforços da empresa” na implementação dos dez princípios. A Sun Kian Ip comprometeu-se a fazê-lo em 2013, mas nunca o fez.

Encontro em Agosto junta Ashe, Lorenzo e Ng Lap Seng

Em Agosto deste ano, John Ashe, Francis Lorenzo e Ng Lap Seng estiveram reunidos em Macau, num Fórum para a Cooperação Sul-Sul das Nações Unidas. O encontro reuniu uma centena de embaixadores e aconteceu no Grand Hyatt. De acordo com o site South-South News, que se especifica em actividades da ONU, foi patrocinado pela Fundação Sun Kiap Ip Group, a empresa de Ng Lap Seng. A South-South News, que fica em Nova Iorque onde ficam outras sedes da ONU, pertence, de acordo com a imprensa norte-americana, a Ng Lap Seng, mas este é descrito no próprio site da South-South como “um apoiante” da empresa.

Centro em Macau era promovido desde 2010

Segundo a Rádio Macau, que cita o documento da queixa-crime das autoridades norte-americanas, Ng Lap Seng estava “a encorajar a construção” do centro de conferências da ONU em Macau “pelo menos desde 2010”. O espaço tinha já um nome preparado – Centro Internacional de Conferências Permanente para a Cooperação Sul-Sul das Nações Unidas – e foi promovido através de uma brochura no qual era visto como um local que poderia acolher, entre outras coisas, uma “Incubadora de Negócios Globais”, com a missão de “servir de facilitador a governos e ao sector privado para construir a capacidade dos países da Cooperação Sul-Sul para alavancar a inovação e a criatividade na realização dos Objectivos do Milénio”, cita a Rádio. John Ashe, que seria um dos intermediários de Ng Lap Seng para convencer a ONU sobre a necessidade da construção do centro em Macau, terá começado a divulgar o espaço em Setembro de 2011. No ano seguinte, diz a Rádio, Ashe apresentou um documento oficial da ONU no qual propunha “um centro de convenções e exposições permanente”.  A empresa de Ng Lap Seng, Sun Kian Ip Group, serviria de “representante para a implementação do projecto”.

Ban Ki-moon “chocado”

O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou-se “chocado e profundamente perturbado” com as acusações de corrupção que pesam sobre John Ashe, ex-presidente da Assembleia-geral das Nações Unidas.
As acusações vão “ao coração da integridade das Nações Unidas”, segundo o porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, que disse ter sabido do caso ontem pela comunicação social e assegurou não ter sido contactado pelas autoridades norte-americanas.

8 Out 2015

EUA | Ng Lap Seng detido por levar dinheiro ilegal para o país

O empresário e membro do Conselho Eleitoral do Chefe do Executivo Ng Lap Seng foi detido no sábado, por ter levado para os EUA dinheiro de forma ilegal, entre outras acusações

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]g Lap Seng, empresário de Macau, foi detido nos EUA por levar para o país mais de quatro milhões de dólares ilegalmente. Ng Lap Seng – que ocupa uma posição no Conselho Eleitoral do Chefe do Executivo e na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês – foi acusado de conspiração para obstrução à justiça e de prestar falsas declarações.
A notícia foi avançada pela agência Reuters, que indica que o empresário está detido desde sábado, juntamente com o seu principal assistente, Jeff Yin. Os dois homens são acusados pelas autoridades norte-americanas de terem combinado prestar falsas declarações sobre a origem do dinheiro aos serviços alfandegários, alegando que este seria para comprar peças de arte, antiguidades e imobiliário ou até para jogar no casino.
“De acordo com a queixa, Ng [levou] mais de 4,5 milhões de dólares americanos em dinheiro vivo para os EUA da China, desde Julho de 2013 a Setembro de 2015, com a ajuda de Yin”, pode ler-se no artigo da Reuters, que acrescenta que a “importação de mais de 4,5 milhões de dólares acontece há dois anos sob falsos pretextos”.
Apesar de não ser possível saber, através da acusação, qual o propósito real do dinheiro, o tribunal indica que em Junho de 2014 Ng Lap Seng terá tido um encontro com um empresário nova-iorquino onde apareceu com uma mala com 400 mil dólares, identificados “falsamente” como sendo para comprar pinturas e para jogar.
A queixa foi tornada pública na segunda-feira, num tribunal de Manhattan e acusação foi feita depois de “uma investigação levada a cabo pelo FBI”.

Antecedentes

Ng Lap Seng é um conhecido empresário de Macau, sendo ainda delegado de Macau na Conferência Consultiva do Povo Chinês, membro do Conselho Eleitoral do Chefe do Executivo e foi ainda, recentemente, apontado como consultor do Conselho para o Desenvolvimento Económico.
Ontem, precisamente este Conselho teve uma reunião, levando a que Chui Sai On fosse questionado pelos jornalistas (ver caixa).
Segundo a Reuters, Ng não quis prestar declarações e o seu advogado, Kevin Tung, disse apenas que “não tinha o peso de provar que o seu cliente era inocente”. Na empresa de Ng, a Sun Kian Yip Group, foi dito à agência de notícias que “Ng raramente visitava a empresa”. O advogado de Yin, o assistente de 29 anos, não quis prestar declarações.
Ng Lap Seng teve problemas anteriormente nos EUA, por ter alegadamente investido mais de sete milhões de dólares americanos na campanha de Bill Clinton, através de diversas contas. Nunca foi formalmente acusado.
Mais recentemente, o nome de Ng Lap Seng apareceu ligado à polémica entre Sheldon Adelson e Steve Jacobs, da Sands China, como sendo o “contacto” de Leonel Alves, advogado e deputado de Macau, em Pequim para desbloquear a venda dos apartamentos do Four Seasons. É dono do Hotel Fortuna e foi accionista da TDM, onde ocupou o lugar do ex-Chefe do Executivo Edmund Ho.
A detenção de Ng Lap Seng surge dias após a repatriação para a China dos EUA de Yang Jinjun, um dos homens mais procurados por Pequim por corrupção.

Chui Sai On não está a par do caso

O Chefe do Executivo, Chui Sai On, afirmou não ter informações sobre a prisão de Ng Lap Seng. “Não tenho conhecimento sobre a questão, contudo, efectivamente, segundo as informações que tive da Comissão do Desenvolvimento Económico, Ng Lap Seng, que é membro da Comissão, pediu dispensa da reunião para o dia de hoje. Não tenho dados em mãos”, afirmou Chui Sai On em declarações à comunicação social. F.A.

23 Set 2015

Xi Jinping quer reforçar relação com EUA durante visita em Setembro

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, afirmou que espera reforçar as relações com os Estados Unidos durante a sua próxima visita de Estado a Washington, marcada para o próximo mês.
Xi Jinping reuniu-se na noite de sexta-feira com a conselheira de Segurança Nacional da Casa Branca para preparar essa visita, depois de Susan Rice ter mantido encontros com outros altos quadros chineses.
“Espero continuar a minha conversa com o Presidente [Barack] Obama e manter discussões aprofundadas sobre assuntos importantes de interesse mútuo”, realçou, citado pela agência oficial Xinhua.
Xi Jinping afirmou que Pequim gostaria de trabalhar com Washington para que a relação bilateral alcance “um crescimento sustentável e constante”, algo que beneficiará não apenas os povos de ambos os países, mas também promoverá a paz e o desenvolvimento na região da Ásia-Pacífico e “no resto do mundo”.
As divergências entre as duas potências mundiais podem ser tratadas por via “da comunicação, de um sincero e mútuo respeito e tendo em conta os interesses-chave de cada um”, disse.
Susan Rice, por seu lado, indicou que Obama espera resultados muito positivos da viagem do seu homólogo chinês, afirmando que Washington vai trabalhar com Pequim para que essa visita seja “um marco” no aprofundamento das relações e da cooperação bilaterais.
A mesma responsável, que terminou sábado dois dias de reuniões de alto nível para preparar a importante visita de Xi Jinping a Washington, manteve encontros, na sexta-feira, com o conselheiro de Estado Yang Jiechi, um dos arquitectos da política externa chinesa, e com o vice-presidente da Comissão Central Militar, o general Fan Changlong.

31 Ago 2015

As coisas lá dos States

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Departamento de Estado Norte-Americano divulgou esta semana o relatório anual sobre o tráfico humano e, mais uma vez, Macau não sai bem no retrato. Aos olhos de Washington, o território faz parte do grupo de jurisdições esforçadas, mas que não passam disso mesmo: são esforçadinhas, mas ainda têm muito para fazer. No caso de Macau, critica-se a forma como se aplica a lei e a capacidade jurídica de avaliar este tipo de processos, muitas vezes classificados como meros casos de lenocínio.

Os números de casos de tráfico humano descobertos e de vítimas resgatadas diminuíram no último ano, o que – tanto para os Estados Unidos, como para quem trabalha no terreno – não é sinónimo de que as coisas estejam no caminho certo, antes pelo contrário: é sinal de que as autoridades não têm sido capazes de serem pró-activas na identificação de vítimas. Ao Centro do Bom Pastor, dirigido por Juliana Devoy, têm chegado muito menos raparigas menores de idade, vítimas de tráfico humano, do que no passado. A responsável não acredita que estas meninas não estejam por aí – a questão é que ninguém sabe delas.

Estes americanos têm cada uma. O Governo foi célere a reagir ao relatório dos Estados Unidos e diz que as acusações carecem de fundamento. Estes americanos têm cada uma. O Secretário para a Segurança encontra no relatório “factos básicos e juízos de valor infundados”. Estes americanos têm cada uma. É dos filmes a mais, é a influência de Hollywood: lá porque em Macau há casinos e máfias e prostituição, isso não significa que as autoridades não estejam empenhadíssimas em combater o tráfico humano. Tráfico quê, mesmo?

O relatório assinala ainda o facto de não ter sido identificada uma única vítima de trabalho forçado. Os Estados Unidos voltam a escrever que Macau tem uma lei em relação aos não residentes que os coloca em posição de fragilidade, sujeitos a exploração laboral: o período de seis meses sem trabalho a que estão sujeitas as pessoas com bluecard que se despeçam ou sejam despedidas. Para os americanos, esses que se lembram de cada uma, como para qualquer pessoa que tenha dois dedos de testa, é óbvio que a invenção deste período de nojo veio piorar as condições laborais dos não residentes, que perderam qualquer margem – por mais pequena que já fosse – de negociação das condições de trabalho. Os (muitos) únicos que lucram são aqueles a quem dá jeito ter trabalhadores atados pelo pé ao salário que lhes apetecer pagar.

O documento sugere que se faça um inquérito junto da população imigrante para identificar a vulnerabilidade a abusos. Estes americanos têm cada uma. No passado, houve sugestões deste relatório anual que foram acatadas por Macau. Duvido que esta proposta seja seguida. Estes americanos têm cada uma. Havia de ser bonito. O Governo a gastar dinheiro com os não residentes, esse conjunto de gente que, a avaliar pelas declarações de alguns deputados, está entre o grupo dos mais privilegiados de Macau.

Estes americanos têm cada uma. Não nutro particularmente simpatia pelas teorias universalistas dos Estados Unidos, por esta mania bastante irritante que têm de analisar os outros, de apontarem o dedo ao que os outros não fazem bem. Mas, num mundo que está cada vez mais de pernas para o ar, com uma Europa extraordinariamente enfraquecida e uma China que só soube crescer em cifrões, é bom que, de vez em quando, alguém de fora olhe para dentro. Para que, cá dentro, não se tape o sol com a peneira sem que ninguém dê por isso.

31 Jul 2015

Tráfico humano | Governo rejeita acusações de relatório dos EUA

O Executivo nega as acusações que constam no relatório do Departamento de Estado norte-americano, que falam de incumprimento de padrões mínimos no combate ao tráfico humano e diz que a entidade norte-americana se baseou “em factos básicos e juízos de valor infundados”

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo já reagiu aos comentários negativos que constam no mais recente relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre a acção da RAEM no combate ao tráfico humano. Em comunicado oficial, o gabinete do Secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, afirma que “as considerações e as conclusões constantes do relatório sobre a situação da RAEM relativas a esta matéria não correspondem à verdadeira realidade de Macau”. O Secretário considera mesmo que o Departamento de Estado norte-americano “baseou-se em factos básicos e juízos de valor infundados, sem apresentar fundamentos”.
“A Autoridade da Segurança sublinha a sua atitude de tolerância zero à criminalidade relacionada com o tráfico de pessoas. Para a prevenção e combate a esse tipo de crimes são permanentemente tomadas uma série de medidas dirigidas a essa criminalidade, mantendo-se uma relação próxima com os países e regiões vizinhos, na persecução da execução da lei”, pode ler-se no mesmo comunicado, que descreve as acções que o Executivo tem vindo a tomar.
Quanto à Comissão de Acompanhamento das Medidas de Dissuasão do Tráfico de Pessoas, criada em 2008, “tem acompanhado as políticas internacionais para a prevenção e combate activo a todos os tipos de criminalidade relacionada com o tráfico de pessoas”. Foram ainda criados “subgrupos interdepartamentais sob alçada desta Comissão com atribuições na prevenção, no combate, na prestação de protecção às vítimas, na criação e manutenção de uma relação próxima com organizações não-governamentais e no acompanhamento do trabalho”. Para o Governo, estas acções provocaram “um efeito notável e um enfraquecimento considerável do fenómeno do tráfico de pessoas”.

Repetições

Ao HM, o Gabinete do Secretário para a Segurança acrescentou que “essa frase (relativa ao pouco trabalho sobre o tráfico humano) é utilizada de forma recorrente nos relatórios anuais sobre Tráfico de Pessoas do Departamento de Estado dos EUA, tendo sido utilizada neste formado desde 2009 até ao presente e num formato idêntico nos anos de 2006 a 2008”.
De frisar que o relatório dá conta de uma redução do número de vítimas de tráfico humano detectadas pelas autoridades policiais, mas afirma que o Governo não tem cumprido os requisitos mínimos no combate ao problema, tendo até reduzido o orçamento destinado a esse fim.
Apesar do Governo recusar as acusações de que é alvo, a verdade é que Juliana Devoy, directora do Centro Bom Pastor, que lida com mulheres vítimas de tráfico humano e prostituição, referiu ao HM que o Governo tem mesmo de fazer mais para erradicar o problema. “Não penso que o problema tenha desaparecido ou diminuído. O Governo está a tentar mas não é suficiente, porque não é fácil. O Governo tem de ser mais pró-activo. Temos de actuar de forma mais profunda e fazer com que o público esteja envolvido. A sociedade de Macau não presta muita atenção ao problema porque as pessoas acham que é algo que não as afecta pessoalmente”, rematou.

30 Jul 2015

EUA | Relatório volta a apontar o dedo ao tráfico humano

O relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos volta a apontar Macau como um destino principal de tráfico humano destinado à prostituição, frisando que o Governo não cumpre os padrões mínimos para eliminar o problema, mas que tem feito esforços. Juliana Devoy concorda e pede para a sociedade agir

[dropcap style=’circle’]“[/dropcap]Macau é um destino e a fonte para mulheres e crianças que são sujeitas ao tráfico sexual e a trabalhos forçados. As vítimas do tráfico sexual são essencialmente do interior da China, algumas são da Mongólia, Vietname, Ucrânia, Rússia e Tanzânia.” A frase consta no relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos, assinado pelo Secretário de Estado John Kerry, e traça novamente um balanço negro da situação do tráfico humano na RAEM.
O relatório refere ainda que Macau reduziu os apoios financeiros no combate ao tráfico. “As autoridades de Macau reduziram o financiamento de 3 milhões para 1,8 milhões de patacas para custear e apoiar as medidas de protecção das vítimas”, pode ler-se.
O Governo também fica mal na fotografia, ao ser acusado de “não cumprir os padrões mínimos para eliminar o tráfico”, apesar de “ se terem feito esforços significativos para tal”. O relatório aponta que as autoridades policiais apenas apanharam seis autores de tráfico e continuaram outros processos de investigação e captura. Quanto às vítimas de tráfico sexual, foram identificadas apenas cinco em 2014, por comparação às 30 identificadas em 2013.
Apesar dos números serem baixos, Juliana Devoy, directora do Centro do Bom Pastor, que lida de perto com muitas mulheres vítimas destes crimes, acredita que o problema está longe de ser resolvido e pede mais acção do Executivo.
“Não penso que o problema tenha desaparecido ou diminuído”, disse ao HM. “O Governo está a tentar mas não é suficiente, porque não é fácil. Penso que o Governo tem de ser mais pró-activo. Em termos de tráfico de pessoas, nos casinos, antes não havia esse conceito então não se prestava atenção a isso. Temos de actuar de forma mais profunda e temos de fazer com que o público esteja envolvido. A sociedade de Macau não presta muita atenção ao problema, porque as pessoas acham que é algo que não as afecta pessoalmente”, apontou.
Juliana Devoy chama a atenção para o facto das vítimas estarem escondidas. “Muitas vezes não se identificam como vítimas, porque as mulheres, depois de estarem muito tempo ligadas a estes grupos culpam-se a elas próprias. Isso é universal e não é algo único que exista em Macau. Não sabem como pedir ajuda e não é fácil irem à polícia.”

Ao engano

O relatório do Governo norte-americano revela ainda que a maioria das mulheres forçadas a prostituírem-se vêem do interior da China, da província de Guangdong, ou da Mongólia, Vietname, Ucrânia, Rússia e Tanzânia. “Muitas vítimas de tráfico são seduzidas por falsos anúncios de emprego, onde se incluem os casinos de Macau, mas depois são raptadas e forçadas à prática da prostituição. As vítimas são depois colocadas a trabalhar em centros de massagem ou pensões ilegais, onde são observadas e tratadas com violência, forçadas a trabalhar longas horas, tendo os seus documentos confiscados.”
O documento aponta ainda que “máfias chinesas, russas e tailandesas poderão estar envolvidas no recrutamento de mulheres para a indústria do sexo em Macau”, tendo sido reportados casos de crianças que também foram envolvidas no processo. Para Juliana Devoy, “há muito que essas máfias operam no território e não é propriamente novidade”.
O Departamento de Estado norte-americano afirma que “o reforço da lei e os constrangimentos da capacidade judicial continuam a ser os maiores desafios na resolução dos crimes de tráfico”. Apesar dos esforços do Governo e das campanhas anti-tráfico, o relatório considera que “aparentemente não levaram à redução da procura por prostituição nos casinos, clubes nocturnos e saunas”.

Limitações e constrangimentos

No que diz respeito a Macau, o relatório assinado por John Kerry chama ainda a atenção para o facto de não existir sufrágio universal em Macau, considerando que existem “limites à capacidade dos cidadãos em mudar o Governo”, bem como “constrangimentos na imprensa e na liberdade académica”, citando o caso de Éric Sautedé e a sua demissão da Universidade de São José. Para além disso, é ainda referido que o Governo “falhou no reforço das leis mais completas para a protecção dos direitos dos trabalhadores”. É ainda lembrada a ausência de uma Lei Sindical, já que enquanto “os trabalhadores têm direito à greve, não há uma protecção específica na lei que retribua os trabalhadores pelo exercício desse direito”.

29 Jul 2015