Cristais

* Rui Parada

[dropcap style=’circle’]L[/dropcap]orde Gin, o vesgo prospectivo visionário apátrida, vindo temporariamente resfolegar ao Extremo-Ocidente por razões medicinais, e deitando um olho mercenário à indústria do comentário político que floresce para trás do Cabo da Roca, pôs-se a analisar as eleições legislativas de 4 de Outubro de 2015, e eis, sem delonga, o que divisa:

1) Os portugueses que elegeram deputados do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista, compraram realmente com seus votos um ímpeto de bipolarização final do sistema político. Isto é, uma definição entre esquerda e direita não só mais precisa, mas mais eficiente e duradoura. Uma definição que passe a traduzir, de uma vez por todas, os seus votos em termos de efectivo poder de governo.
2) A coligação PàF absorveu toda, ou praticamente toda, a direita do Partido Socialista. A sua vitória indica, na verdade, uma cristalização do Partido Socialista à esquerda; a expurga da maioria de uma minoria, salubre ou insalubre, que laborava no seu interior há muito. Ora, isto deveria ser lido pelo PS pós-eleitoral como um decisivo ganho de definição, um adumbramento das hostes do qual não deve ter medo.
3) A bipolarização que se avizinha será entre uma LD (Liga de Direita) e uma LE (Liga de Esquerda).
4) O sistema político português encontra aqui uma oportunidade rara de transitar para um xadrez inteiramente novo, ou seja, o de dois campos claros de disputa do poder. Campos claros, mas, sobretudo, campos representativos e justos.
5) Existirem dois campos de disputa política não significa necessariamente, em nenhum dos lados e em nenhum caso, uma perda de matizes.
6) O Senhor Costa vê-se confrontado com a História; tem nas mãos a responsabilidade de ligar a esquerda portuguesa. Não precisa sequer de sacrificar o seu partido. Isso já foi garantido pelos diversos rituais internos e pela afortunada, ou desafortunada, deserção daqueles que foram votar à sua direita – o que, desde logo, explica como ao cabo de anos de “tortura do povo“ a coligação PàF tenha conseguido a maioria dos votos. Ou seja, os traidores do PS, as it were, são também a explicação para uma espécie de covardia, ou amedrontamento, ou resignação, que teria confirmado a Coligação no poder. Os direitistas do PS, não os votantes no PPD e CDS, é que explicam a “derrota” de Costa, ou a sua suposta “incapacidade”.
7) A ser válida, a tese assente neste verosímil desejo de bipolarização, despida da mediação de partidos charneira, poderá ser o capitulo derradeiro da maturidade da democracia em Portugal.
8) O Sr. Costa ou se encosta nas bancadas do circo encenado pelo Grande Portas ou faz avançar o sistema político português, civilizando a suposta “barbárie” que incha, e tudo indica continuará a inchar, à sua esquerda.
9) Mais, e tempo permitindo, o apoio focado de uma eventual Liga de Esquerda a um só candidato presidencial (considerando também um investimento real numa campanha radicalmente inteligente e acutilante) poderá conservar, por muitos mais augustos anos, o simpático Sr. Sousa no seu jovial e dentuço plinto de plasma.

21 Out 2015

Eleições Legislativas: o ‘caso’ Macau

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o longo processo de apuramento dos resultados eleitorais das recentes eleições legislativas impõe-se um comentário focado nos círculos da emigração e em Macau. Não que os resultados determinem uma mudança de orientação ideológica dos eleitores mas apresentam algumas distorções das regras eleitorais que importaria de futuro remediar e acautelar.
Os dados são claros. A Coligação obteve 43,95% dos votos da emigração elegendo os deputados José Cesário, Carlos Gonçalves e Carlos Páscoa, o PS recolheu 20.01% e elegeu Paulo Pisco. Já quanto ao Círculo Fora da Europa, Pereira Coutinho venceu com 2532 votos, seguindo-se a Coligação PSD-PP com 214, o PS com 97, a CDU com 27, o Bloco de Esquerda com 30.
Qual a leitura que estes resultados sugerem? Três apontamentos. Em primeiro lugar, como havia anunciado vendo frustrada a possibilidade de se candidatar por um dos dois partidos do arco da governabilidade, Pereira Coutinho fez-se apadrinhar por uma força política que o ‘levou à boleia’ potenciando as aptidões de mobilização do deputado macaense. O partido ‘Nós Cidadãos’ foi o que se prestou a esse papel e a votação em Coutinho representa parte significativa da votação num partido cujas escolhas ideológicas são obscuras e que recolheu apenas 0.8% dos votos expressos nas urnas(21 000). Ainda assim abaixo do PNR, partido da extrema-direita que chegou a ser falado como o ‘chapéu eleitoral’ de Coutinho e que recolheu 27 000 votos. Os resultados mostram que a sua táctica foi ganhadora e que ele é um ‘brand name’ em que certos grupos de eleitores votam independentemente da mensagem programática e dos objectivos das eleições.
Em segundo lugar, os resultados revelam um enfraquecimento significativo da capacidade de mobilização das secções do PSD e do PS em Macau que não lograram convencer o seu eleitorado tradicional a deslocar-se às urnas de votos. Trata-se de uma derrota dos presidentes destas secções partidárias. Antevisível, segundo alguns, mas que mostra que o trabalho político no círculo da emigração fora da Europa foi nulo ou inexistente e que há muito por fazer para reconciliar a comunidade da diáspora com a vida política na metrópole e com o debate das alternativas que se colocam periodicamente aos eleitores. Nesse particular, o PSD – força tradicionalmente mais votada em Macau- fracassou e seria importante que se tirassem ilações políticas, tanto a nível local como a nível nacional dessa situação.
O terceiro apontamento diz respeito à atipicidade da campanha eleitoral e à avaliação de práticas de mobilização dos eleitores que sendo porventura comuns no panorama da Região Administrativa Especial de Macau não o são no que concerne ao combate político e à livre expressão dos eleitores, nas urnas, no sistema democrático português. Refiro-me, precisamente, a indicações expressas de voto no candidato Coutinho por parte da presidente da Assembleia Geral da ATFPM, designadamente na sua página do Facebook, e à participação do aparelho sindical da ATFPM na mobilização de eleitores chineses com passaporte português, que ao que se percebe ‘colaborou’ no preenchimento, na recolha e no envio de votos por correspondência. Ponho esta afirmação entre comas, mas seria importante que as autoridades portuguesas procedessem a uma investigação discreta desta ocorrência que à primeira vista conforma uma distorção das regras eleitorais. Parece-me excessiva a acusação de fraude eleitoral mas há algo neste processo que urge rever para que não se volte a repetir. As eleições por correspondência tiveram o seu papel mas seria a altura de o repensar. O voto em eleições livres e democráticas é um direito e um dever e não pode ser condicionado e manipulado por terceiros.
Permita-se-me três notas adicionais. Desde logo, a clarificação de uma questão de identidade nacional que anda sempre subjacente e que vários actores políticos evitam tratar, pelo seu incómodo. Parte significativa dos cidadãos recenseados no Consulado de Portugal em Macau é formado por chineses que no período conturbado do fim da Administração Melancia viram conferida a cidadania portuguesa, por receios quanto ao que aconteceria na transição de Macau para a China. Lograram obtê-la por démarche junto das autoridades de Lisboa por parte do então secretário para a educação e assuntos sociais, Jorge Coelho. São pessoas de dominante cultura e educação chinesas também titulares de passaporte chinês e a que as autoridades de Pequim não reconhecem a dupla nacionalidade mas apenas a chinesa. Para essas pessoas, a ligação a Portugal não é imputável a uma identidade de ‘portugueses’ – que não se sentem – como acontece com a globalidade dos portugueses emigrados e da diáspora, mas é apenas um ‘seguro para más horas’, caso venham a ocorrer, no futuro, perturbações políticas na República Popular da China que ponham em causa a segurança das suas pessoas e bens. Não falam português, não sabem o hino português, nem conhecerão, na maioria, qual é a capital de Portugal. É um caso único, fruto da história que Portugal deixou em Macau e que tem honrado. Como lhe cabe, aliás.
O segundo apontamento adicional é que em matérias de identidade não se pode tergiversar. A nossa língua pátria é o português e é natural que em questões que têm a ver com a afirmação da nossa cidadania a língua de comunicação seja o português. Seria estranho que os nossos concidadãos da América Latina cumprissem as suas obrigações de cidadania em espanhol, os de França, Bélgica e Luxemburgo em francês, os da Alemanha, da Áustria e da Suíça em alemão, os descendentes de goeses em hindu e por aí fora. O principal elemento que veicula a pertença a uma determinada comunidade política, que se congrega em nação, é exactamente a língua. E isso é muito importante para um povo que celebra dentro em pouco 900 anos de história e de independência. Esta não é uma questão negociável e partidarizável. É assim.
O terceiro apontamento tem a ver com as relações entre as autoridades da República e as comunidades de Macau. Acentuou-se, nos últimos quatro anos, uma relação preferencial do responsável pela secretaria das comunidades portuguesas, Dr. José Cesário, com os responsáveis da ATFPM. Em circunstâncias várias o responsável político português reconheceu mesmo aos Drs Pereira Coutinho e Rita Santos um papel crucial na representação de Macau nas relações com Portugal, colocando em segundo lugar os interesses da comunidade expatriada em Macau e na Ásia. Como se cabesse às autoridades portuguesas fazer uma hierarquização dos interesses e da representatividade das associações. Sendo a questão da liderança política da comunidade macaense uma questão não resolvida, quinze anos depois da transição, foi pouco prudente favorecer o protagonismo de alguns em desfavor de outros, introduzindo factores de distorção que explicam o decréscimo de votação na Coligação Portugal à Frente. 214 votos é manifestamente aquém do que o centro-direita pode conseguir e isso deve-se em parte à imagem negativa que se criou à volta do Dr. José Cesário pelas que circunstâncias acima que esteve a 400 de votos de perder a sua eleição. Responsabilidade adicional tem a secção do PSD em Macau que sempre favoreceu e impulsionou as agendas políticas de Pereira Coutinho e da ATFPM.
Ao tempo em que escrevo não se conhece a solução governativa que colherá as preferências do Presidente da República mas estou em crer que Pedro Passos Coelho será chamado a constituir governo. Teremos dentro em pouco o início de uma nova campanha que levará à escolha do novo Presidente de todos os portugueses. O circulo fora da Europa dará o seu contributo a essa eleição, com tranquilidade como é tradicional nas nossas comunidades da emigração. Os portugueses em Macau não deixarão de responder à chamada. Somos dois milhões de emigrantes fora do rectângulo pátrio e temos um papel fulcral na escolha das opções do país.

21 Out 2015

A cultura, a criatividade e a economia

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m boa hora vem o Professor Augusto Mateus a Macau, a convite do Albergue SCM, para um Seminário sobre as Indústrias Criativas, no quadro de uma plataforma estratégica nas relações económicas entre a China, a União Europeia e os Países de Língua Portuguesa.
Seria bom que o Seminário fosse integralmente traduzido para o chinês, e que exista suficiente público com maturidade para ouvir, fruir e reflectir.
As Indústrias Criativas são, por natureza e definição, actividades de natureza eminentemente Económica!
O facto de se poderem intersectar com actividades de cariz criativo não faz delas, apenas, indústrias para “recuerdos” e o mais que por aí anda.
Quando me falam de indústrias criativas, as minhas referências vão para grandes conglomerados como a Zara e a Zara Casa ou a Giorgio Armani, Emporio Armani, AX e Armani Casa, ou para as indústrias da inovação como a Samsung, a Apple, a Sony e tantas outras.
Numa recente leitura de um artigo, que noticiava o novo carro eléctrico da Tesla (sem dúvida assim nomeada em homenagem a Nikola Tesla), tomei conhecimento do quanto a Apple está interessada no veículo, a ponto de oferecer aumentos de 60% para cativar engenheiros da Tesla a transferirem-se para a base da Apple em Cupertino, na Califórnia.
A Apple não precisa de apresentação, apenas relembro que depois de ter criado o Macintosh, o iMac, o iPhone, o iPad, o Apple Watch, o potencial iCycle, o passo seguinte será um carro eléctrico, amigo do ambiente, a próxima cereja no topo do bolo Apple.
Noutros firmamentos, as consolas de jogos, como a PS4 ou a XBOXONE, disputam mercados, enquanto, anualmente, a engenharia electrónica dos telemóveis, câmaras digitais e um sem número de gadgets e apps invadem o mercado, após sujeitas ao necessário design, este apenas parte do todo.
A grande questão em Macau é que o meio criativo, além de ser pequeno, parece desconhecer a articulação da criatividade com outras especialidades e dos reais objectivos e escalas das Indústrias Criativas.
A escassas 40 milhas, Hong Kong é um dos grandes produtores mundiais de filmes. Articula as suas produções com Hollywood. A vizinha Região Administrativa Especial tem marcas, como a Shanghai Tang, Baleno, Bossini, Giordano, Crocodile Garments, G2000, Esprit, Joyce Boutique, entre outras . E nós?
Nós vivemos no planeta do wishful thinking, do pequeno projecto de cada um, sonhando legitimamente com a lua e o universo. Há em Macau um hábito muito antigo: o desaproveitamento de talentos, por não se saber dirigir, gerir, potenciar.
Macau não tem disseminado uma elite pensante em várias línguas. Macau debate-se com falta de “talentos”, que nunca existirão enquanto se mantiver a postura de dificultar a entrada de mais valias. Sem quadros capazes, não há boas intenções que valham.
Perdoe-se-me a nota pessoal, mas em 1995 propus, ao Governo de então, que fosse lançada uma estrutura, a que chamei de Centro de Criatividade, onde pudessem convergir, vindos de todo o lado, cérebros que construíssem um centro de inteligência que pudesse pensar sobre estes assuntos, num momento que as indústrias criativas não eram ainda assim chamadas. As malhas de então fizeram o assunto cair no olvido.
Poder-se-á argumentar que Macau tem uma identidade muito própria e que, por tal, haveria que utilizar essa marca nos produtos aqui gerados. Não vou discutir esta premissa, apenas dizer que há uns anos a Universidade de São José estava a trabalhar com a China em veículos eléctricos. Desconheço o actual estado deste projecto. A pergunta é: em que é que isso e outras coisas têm a ver com hibridez cultural?
Tomando o Reino Unido como referência, e as exportações como objectivo, as Indústrias Criativas geram anualmente naquele país 76.9 mil milhões de libras, qualquer coisa como MOP1,194,180,000,000!!! Não admira, pois, que a R.P. da China fale de diversificação económica para Macau. Não está a falar em objectos “Love Macau” , está a falar em economia criativa. O Centro de Referência de tecnologia da UM e o de Medicina Chinesa em Henqin poderão vir a constituir caminhos.
Pode parecer que estou a ser crítico em demasia. Darei a mão à palmatória quando vir Indústrias Criativas em Macau a constituírem uma alternativa económica à indústria do jogo que, em 2014, caiu para 44.1 mil milhões de patacas.
Os assuntos respeitantes à cidade, no seu conjunto, são interactivos, fazem parte de um todo. Falo a um plano ético e moral. Aí, a cidade constituir-se-ia num aglomerado funcional e verdadeiramente cosmopolita, despojada de pensamentos xenófobos que liquidam, à nascença, qualquer possibilidade séria de desenvolvimento.
Não é, assim, despiciendo lembrar que os Estados Unidos se fizeram com imigrantes, e que as grandes cabeças que lá vivem foram atraídas pelos grandes conglomerados, pelas grandes universidades.
Steve Jobs era descendente de sírios e alemães. O Nobel da Química de 2015, Aziz Sancar, nasceu na Turquia. O Nobel da Medicina 2015, William C. Campbell, nasceu na Irlanda. O Nobel da Física 2014, Shuji Nakamura, nasceu no Japão, e os exemplos e listas continuam, intermináveis.
Assim, enquanto houver quem aposte na discriminação, enquanto não houver grandeza de espírito para abertura ao mundo, a cidade está condenada a ser aquilo a que os chineses chamam, muito justamente, de “sapo no fundo do poço, olha o redondo do céu e pensa que é o universo”. Não me parece que seja nada disto que a poder central da China deseja quando lança a orientação da diversificação da economia.
No que respeita à arquitectura, numa cidade onde uma das principais actividades é o imobiliário, o que se assiste, em muitos casos, é à construção baratinha, com pastilha na parede. Uma cidade não pode viver da especulação.
Estas são preocupações de cidadão, iguais às de muitos outros. É o desenvolvimento do colectivo, da qualificação da cidade enquanto um todo habitado e habitável, que me impele à defesa da cidadania plena, da qualidade e critérios, que só podem existir quando se compreender, por via da cultura, que a economia tem de ser encarada como força criativa e não especulativa.

19 Out 2015

Avaliação de inglês na China

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]a última sexta-feira, dia 16, o jornal de Hong Kong “South China Morning Post” publicou uma notícia sobre o sistema internacional de avaliação da língua inglesa, conhecido por IELTS exam, abreviatura de International English Language Testing System Examination. Este exame é reconhecido a nível internacional. Actualmente, quem desejar estudar no estrangeiro (especialmente na Europa ou nos Estados Unidos) terá que, na maioria dos casos, ser sujeito a um destes testes para avaliar o domínio da língua inglesa.
O artigo avançava que 350 estudantes chineses, que nos últimos três meses tinham sido submetidos ao IELTS exam, viram as suas provas “definitivamente retidas” porque os avaliadores responsáveis concluíram que as regras do exame tinham sido violadas.
Os responsáveis não indicaram claramente que regras tinham sido quebradas. Informaram apenas que encaravam de forma muito séria a responsabilidade de avaliar as provas e divulgar a sua classificação. Os resultados dos exames só são retidos caso haja fortes indícios de desrespeito do regulamento do IELTS exam por parte dos candidatos.
Por obrigação de confidencialidade, os avaliadores responsáveis recusaram-se a fazer mais esclarecimentos. No entanto, era referido no artigo que no continente se adquirem facilmente manuais que contêm as perguntas e as respostas dos testes, o que permite que os estudantes menos honestos façam batota.
Os avaliadores responsáveis afirmaram:
“Nestes casos não podemos garantir que os resultados reflictam fielmente os conhecimentos dos candidatos.”
Nos últimos meses muitos estudantes em Xangai, Nanjing, Changsha e em Chengdu queixaram-se que a divulgação dos resultados dos seus exames de inglês estava a ser deliberadamente atrasada por verificações de rotina. Estes atrasos prejudicaram os estudantes que procuravam obter vistos a fim de se deslocarem para os destinos onde pretendiam prosseguir com os seus estudos.
Um agente chinês, cujo nome não foi divulgado na notícia, afirmou que um grande número de candidatos que se submeteram ao IELTS exam no passado dia 25 de Julho, foram seleccionados para estas verificações mais detalhadas. Os critérios para esta escolha terão sido um aumento significativo de resultados num curto espaço de tempo, ou ainda, um grande desequilíbrio de desempenho nas quatro secções que compõem o teste.
Com base nesta notícia podemos afirmar que os resultados do IELTS exam são, até certo ponto, fiáveis. Pelo menos existe um sistema que permite monitorizar o desempenho dos estudantes nos testes. No caso dos resultados sofrerem alterações súbitas, a autoridade competente pode proceder a uma verificação. Além disso, se existirem fortes indícios de violação das regras, os resultados dos exames serão permanentemente retidos. O sistema de monitorização pode ajudar a estabelecer a confiança da população neste processo.
O artigo referia, como foi dito, a existência de manuais que contêm as perguntas e as respostas certas dos testes do IELTS exam na China continental. Estes manuais podem permitir uma boa preparação para os exames. Mas de onde vêm estes manuais? Quem é o autor? Quanto é que custa cada exemplar? Estas perguntas são relevantes, no entanto o artigo não as esclarecia.
É certamente muito pouco provável que um autor escreva um manual que apenas contenha as perguntas e as respostas exactas dos testes do IELTS exam. O que acontece verdadeiramente é uma venda de cópias das perguntas e respostas dos testes. A maioria dos compradores são os candidatos a estes exames.
Na China existe uma disposição legal que se poderia aplicar nestes casos, a “Norma para Lidar com a Perversão nos Exames”. No entanto, se verificarmos esta Norma, não existe qualquer ponto sobre a compra e venda de soluções de testes, por isso não pode ser evocada para castigar quem tiver este tipo de comportamento.
E o vendedor, quem será? O vendedor poderá ser a pessoa que compilou o manual, ou qualquer outra. Não sabemos. E como é que esta pessoa tem acesso aos testes? Mais uma vez o artigo não esclarece. O pessoal administrativo, por cujas mãos passam os testes, pode ser uma das hipóteses, pois tem acesso privilegiado às perguntas e às respostas exactas do IELTS exam. Estará correcta esta dedução? Ninguém pode saber.
De qualquer forma voltemos à Norma. A secção 13(4) proíbe as pessoas que manuseiam provas de exame de passá-las a terceiros. A secção 14 (3) proíbe as pessoas que supervisionam os exames de criarem um ambiente propício a situações desonestas. Nenhuma destas secções fala directamente sobre a venda de perguntas e respostas de exames. Por outras palavras, mesmo que soubéssemos que o funcionário João vende as provas de exame à candidata Maria, não podemos castigar o João porque a Norma não proíbe directamente a venda de perguntas e respostas de exames.
Além destas duas secções, a secção 2 aponta para um problema mais preocupante. Esta secção estabelece que a Norma só se aplica a:
– Exames de Ensino Geral e Superior,
– Exames de Admissão a Mestrado,
– Exames Ad Hoc ao Ensino Superior
O IELTS exam não cabe em nenhuma destas categorias, pelo que a Norma não pode regulamentar estas provas. Assim, quer o vendedor, quer o comprador, das respostas dos testes podem ignorá-la à vontade.
Para ultrapassar o problema da “compra e venda” das respostas de exames, a Norma deveria sofrer uma Emenda. É, contudo, importante alertar os candidatos para a incorrecção deste comportamento. A Maria poderá comprar as respostas ao João e, portanto, ter um bom resultado no exame. Mas a Maria nunca terá um domínio do Inglês que lhe permita estudar e viver no estrangeiro. Como é que a Maria poderá obter um visto para estudar num País estrangeiro junto da respectiva Embaixada? O resultado do exame é só um certificado que pode ser facilmente alterado, mas a língua que se sabe é aquela que efectivamente se fala. Assim que a Maria falar, toda a gente fica a saber o nível do seu inglês.

19 Out 2015

Combater a pobreza extrema

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] dia mundial da erradicação da pobreza foi comemorado no sábado. Numa altura em que a atenção da imprensa internacional está focada na crise dos refugiados que tem afectado a Europa nos últimos meses, passou um pouco ao lado o dia que as Nações Unidas escolheram para salientar os esforços que estão a ser envidados para melhor as condições de vida daqueles que normalmente não têm voz. Antecipando a comemoração, o Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, anunciou que espera acabar com a pobreza no país em cinco anos. Para isso, vai adoptar medidas para ajudar a levantar do chão os 70 milhões de chineses que ainda vivem abaixo do limiar da pobreza.
Desde a abertura económica preconizada por Deng Xiaoping, a China conseguiu operar aquilo que é entendido pelos analistas como um autêntico milagre. Seiscentos milhões de pessoas foram resgatadas da pobreza extrema. Um efeito sem comparação com qualquer outro no mundo. Nunca tantos em tão pouco tempo foram retirados do estigma da pobreza extrema. Quando se visita hoje a aldeia olímpica de Pequim, um dos bairros mais recentes de Xangai ou o centro de Cantão, não nos lembramos que o desenvolvimento exponencial chinês tem pouco mais do que 30 anos. No entanto, apesar de todo esse desenvolvimento, suportado em crescimentos anuais do Produto Interno Bruto (PIB) durante vários anos acima dos 10 por cento, a China continua em 2015 a ser um país de profundos contrastes onde coabitam muitos dos mais ricos multimilionários com – de acordo com os dados oficiais – 70 milhões das pessoas mais pobres do mundo.
A pobreza extrema é uma daquelas coisas que precisa de ser sentida de perto para nos impelir a querer mudar o status quo. As notícias que são transmitidas pelos telejornais, ao final do dia, de uma forma estereotipada, asséptica, sobre a impossibilidade da vida em destinos tão improváveis como a Somália, o Sudão do Sul ou a Síria (só para dar três exemplos aleatórios), quando já não temos capacidade para assimilar o que se passa fora do ridículo bairro em que vivemos e queremos apenas saber se o melhor ponta-de-lança da nossa equipa já recuperou daquela mazela matreira que o deixou de fora dos convocados nas duas últimas semanas, não produzem qualquer efeito no cidadão médio quanto mais no político que tem nas suas mãos a possibilidade de produzir uma mudança.
Felizmente, as funções profissionais que tenho desempenhado ao longo dos anos levaram-me a países extraordinários que me expuseram aos povos mais amáveis do mundo mas também aos mais pobres. São países tão exóticos quanto a República Centro-Africana. Quando falo da minha experiência profissional em Bangui muitas das pessoas, mesmo algumas daquelas que me são próximas, tendem inicialmente a pensar que me estou a referir a uma localização geográfica no continente africano e não efectivamente a um Estado. Mas de facto ele existe, embora com as dificuldades que podem ser elencadas a uma organização política que não está implantada por todo o território, que tem necessidades crónicas de cumprimento com as suas obrigações orçamentais e que se vê confrontada com desafios permanentes à sua integridade política por grupos estrangeiros que têm como objectivo final a apropriação dos recursos naturais abundantes.
A República Centro-Africana, mas também outros países como a Serra Leoa ou Timor-Leste, pôs-me em contacto com uma realidade estranha a muitos de nós, as das pessoas que vivem apenas para… sobreviver. Estipulou-se para as Metas de Desenvolvimento do Milénio que as pessoas abaixo do limiar da pobreza seriam aquelas que viviam com menos de 1.25 USD por dia ou 37.5 USD por mês. Pouco mais do que nada. Quando se diz que estas pessoas (sobre)vivem com 300 patacas por mês, trata-se de uma falácia. Muitas destas pessoas continuam a viver num sistema de trocas directas. O documentário francês de 2013 “Sur le chemin de l’école” (No caminho para a escola) mostra isso com uma crueza que poucos filmes o fazem. Além de pôr em evidência as dificuldades que têm quatro grupos de crianças a irem para a escola na Argentina, na Índia, em Marrocos e no Quénia, mostra-nos quanto aquilo que temos por certo é afinal apenas uma figura de estilo.
O “Sur le chemin de l’école” dá-nos a conhecer quatro retratos de quatro continentes. Não foi por acaso que o continente europeu ficou de fora dos exemplos escolhidos pelo realizador Pascal Plisson. Essa escolha lembra-nos que o mundo como nós o entendemos é, para mais de 20 por cento dos outros habitantes do Globo, muito diferente. Também não é por acaso que a Europa esteja a ser o destino de um número sem fim de candidatos a refugiados (600 mil desde o início do ano até agora). Viver abaixo do limiar da pobreza é uma dificuldade conceptual básica. Não se consegue imaginar. Vimo-la nos filmes, mas não queremos acreditar. Afinal essas são imagens criadas em Hollywood ou noutra qualquer Meca cinematográfica.
Escolher como prioridade retirar 70 milhões de pessoas até 2020 – qualquer coisa como um milhão por mês – parece um objectivo ambicioso. Mas é uma meta na direcção certa.

19 Out 2015

A falta que faz uma BIC

[dropcap style=’circle’]1.[/dropcap] Macau esteve quase, mas muito quase, a escrever mais um capítulo na sua fantástica história política: por pouco, os eleitores do território não elegeram um deputado à Assembleia da República Portuguesa que fez questão de esclarecer previamente que jamais iria ocupar o lugar. Portanto, uma espécie de Manuel João Vieira, mas com muito menos sentido de humor, menos capacidades técnicas ao bandolim, menos jeito para pintar e sem promessas de alcatifar Portugal.
Pereira Coutinho não foi eleito mas, ainda assim, o movimento pelo qual se candidatou ganhou ontem projecção mediática em Lisboa, pelos piores motivos: o deputado do Partido Socialista eleito pelo Círculo da Europa, Paulo Pisco, veio contestar os resultados das eleições por causa de acontecimentos estranhos na mesa de Macau com os votos que, como todos nós sabemos, se preenchem em casa e são enviados pelo correio. Em causa estaria o preenchimento de vários boletins com a mesma esferográfica e até votos com documentos de identificação em anexo.
Paulo Pisco – percebeu-se logo pela reacção da Comissão Nacional de Eleições – não vai longe nas suas reivindicações: os boletins escrutinados objecto de estranheza não foram colocados de lado, pelo que é difícil fazer uma investigação sobre o assunto. É, no mínimo, uma peculiar explicação para um esquisito método de lidar, oficialmente, com acontecimentos invulgares.
Houvesse uma maior variedade de papelarias em Macau e não andávamos todos a roubar canetas uns aos outros e a escrever com material nada criativo. A culpa, no fundo, é do Governo de cá: as rendas estão altas, ninguém põe mão nisto, as papelarias são negócios pequenos sem capacidade para fazerem frente à ganância dos senhorios. Outra explicação para a monotonia na escrita eleitoral poderá ter que ver com a ausência de BICs no território, que há muito tenho vindo a defender, por jamais me terem deixado ficar mal: em futuro acto do género, recomendo vivamente a importação de duas caixas das clássicas, outras tantas de cristal soft, mais umas quatro das laranja e, para o eleitorado mais jovem, algumas shimmers perfumadas. As cristal finas, elegantes no traço, têm pouca visibilidade e ainda se falha o quadradinho.
Porque sou sensível, ainda assim, às preocupações de Paulo Pisco, faço parte do grupo daqueles que acham que não custa nada – ou custa muito pouco – avançar para métodos de voto menos clássicos. O voto electrónico, conjugado com formas mais tradicionais para regiões do mundo afastadas das representações consulares, é capaz de ser uma boa ideia: a malta vai ali ao consulado e vota, sem precisar de BICs.
Em Macau teremos, porém, uma nova exigência a fazer: a tradução para chinês dos boletins. É que, quando se vota no conforto do lar, o Google Translate está ali mesmo à mão de semear. E nós, cidadãos portugueses, não queremos que se perca o nível de envolvimento conquistado nestas eleições. Dos resultados que ontem ficámos a conhecer destaca-se uma grande novidade: há muitos portugueses de Macau que, apesar de não voarem todos os anos de férias para Lisboa e de eventualmente não dominarem a língua, acompanham avidamente a vida política portuguesa.

2. A semana de Macau fica marcada por um episódio quase tão invulgar quanto a quase-eleição de Pereira Coutinho para o Parlamento português: uma destas madrugadas, ia um camião do lixo ali na Avenida Rodrigo Rodrigues e, de repente, começaram a chover documentos do hospital, contendo dados de utentes do São Januário. Como há quem esteja sempre atento a acontecimentos inusitados, há registo em vídeo de folhas de análises e de outras coisas do género a serem levadas pelo vento. E ainda bem que alguém reparou: o hospital mandou funcionários apanhar os papéis que conseguiram encontrar.
O caso foi, naturalmente, objecto de notícia. E alvo de uma imediata reacção do São Januário – reacção muito mais pronta e cabal do que noutras situações que, na minha perspectiva, mereciam reacções muito prontas e imensamente cabais. O hospital lá explicou o sucedido, a troca de cores dos sacos do lixo, isto e aquilo, parece que a culpa é lá de uns funcionários de um dos departamentos, o chefe da rapaziada nem sabia, claro que os chefes nunca sabem de nada, não há que levar a mal. O voo da papelada é chato, mas não vem dali qualquer mal ao mundo.
Nas redes sociais, as críticas multiplicaram-se, sobretudo em relação a Alexis Tam que, nem de propósito, uns dias antes tinha vindo fazer um elogio rasgado aos Serviços de Saúde. Mistura explosiva, esta, a de um elogio precipitado (porque os elogios devem vir dos utentes e ainda não ouvi por aí nada que se assemelhe a um louvor) com um episódio que é sobretudo caricato.
Não se espera, por certo, que um secretário seja capaz de controlar tudo, do papel que é rasgado ao material que é desinfectado. Por agora, e em relação ao caso em análise, fez o que podia fazer – pediu justificações e que a situação fosse corrigida.
Nestas coisas da saúde, coisas tão sérias como a saúde, é bom não nos esquecermos do que é importante: o caso dos papéis ao vento ocupou muitas mais linhas de jornais do que os tratamentos que continuam a não ser disponibilizados, os médicos que ainda precisam de ser contratados, a educação para o que é servir um utente que continua por existir, uma página na Internet que se pareça com uma página na Internet de um hospital de uma terra civilizada, porque a falta de informação também tira anos de vida. Mas o que é caricato tem a capacidade de se sobrepor ao que é importante – é assim no mundo inteiro. Que o caricato não faça rolar cabeças.

16 Out 2015

No século XXI, o mundo será solidário ou não será

[dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]uando António Costa surgiu no fim da noite das eleições, o seu discurso sugeria que o PS iria admitir ou até apoiar um governo de direita. Na verdade, até ele pareceu ter-se deixado embalar pelos principais meios de comunicação social, que se apressaram a dar a vitória ao PAF, sem se preocuparem em fazerem as reais contas. E estas diziam que a direita não atingiu a maioria, portanto não pode, à partida, governar, a não ser que os socialistas assim o quisessem e permitissem. E, a julgar pelo discurso de Costa, tudo indicava que assim seria.
Baseado neste facto, a quente, escrevi que se trataria da última traição do PS e que uma colagem à direita significaria a sua pasokisação. De facto, se no momento em que o povo português, por confortável maioria, rejeita as políticas neo-liberais de austeridade, os socialistas virassem as costas à vontade popular e apoiassem um governo Passos & Portas tal seria uma traição e um suicídio político.
Repare-se que foi exactamente isso que se passou na Grécia e em França. Pelo contrário, existe neste momento uma tendência para voltar à esquerda (ou se quisermos, manter o centro) na política do hemisfério ocidental, com Corbyn na liderança dos trabalhistas em Inglaterra e a ascensão de Bernie Sanders nos Estados Unidos.
Estará realmente iminente o perigo de governos radicais, dispostos a alterar o sistema democrático-liberal e extirpar o capitalismo? Claramente não. O que se passa é uma reacção aos excessos que o neo-liberalismo implementou na última década, nomeadamente o excesso de impunidade dos mercados, a falta de respeito pela mão-de-obra, a destruição do Estado Social, as privatizações sem sentido, as falcatruas/crises sucessivas do sistema financeiro e bancário, as verdadeiras causas da crise, entre outros desmandos.
Esta reacção, este voltar à esquerda, não imporá nenhum regime outro, simplesmente tentará inverter este ciclo autofágico que conduz a uma infame plutocracia, com desrespeito pelos mais elementares direitos humanos. O que se pretende, na verdade, é voltar ao centro, a uma democracia liberal preocupada com as pessoas e não com o lucro. Isto não significa uma mudança de regime, mas a sua moralização e, sobretudo, uma definição clara do seu sentido último.
Por tudo isto, é lógico que o PS tenha entendido que chegou a altura de compreender que o Muro de Berlim caiu em 1989 e que à sua esquerda ninguém pretende, de um lustro para o outro, rasgar o cartão de membro da União Europeia, sair do euro ou da NATO, se não existirem motivos dramáticos que o exijam. E compreendido também que não se corre o perigo de alguém passar segredos militares à União Soviética. As questões são realmente outras e o barulho que se faz à volta daquelas não passa de uma cortina de fumo retórica para distrair do que realmente poderá unir a esquerda portuguesa, a saber, a luta contra o neo-liberalismo e as suas metamorfoses lusitanas.
No entanto, não é ainda líquido que o PS forme um governo à esquerda. Existem internamente várias vozes discordantes, cujas ligações são conhecidas e cuja posição é perfeitamente normal. É a estas vozes que os media dão mais projecção. De forma, aliás, vergonhosa.
Pode também dar-se o caso de António Costa surgir no fim de todas estas reuniões e encontros para nos dizer que não foi possível chegar a um acordo que garantisse um governo de esquerda por quatro anos e que, por culpa do BE e da CDU, terá de viabilizar um governo Passos & Portas, aceitando os enfeites que a PAF lhe quer dar. Seria um triste fim para ele e, provavelmente, para o PS. Uma hábil cambalhota política, pensaria, pois passará a imagem de que “fiz os possíveis…”.
Quem for lúcido, sabe perfeitamente que um governo do PS, com o apoio, do BE e da CDU, poderá mudar muito pouco, atado que estará aos compromissos europeus e à dívida. Por outro lado, enfrentará a má disposição dos principais representantes dos interesses transnacionais, a quem não fechará a porta. Mas poderá, aos poucos, ir mudando o rumo do navio, no sentido de um farol que aponte para uma democracia mais justa, mais próspera, mais solidária, mais ética e transparente. Pensando bem, a TINA (there is no alternative) está deste lado, do nosso… Do outro, existe uma estranha autofagia, capaz de devorar povos, de arrasar o ambiente, de não respeitar os idosos e as crianças, de fomentar guerras, lucrar com elas, que nos arrasta de desastre em desastre. No século XXI, o mundo será solidário ou não será.

16 Out 2015

Os enfimadores

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]emos assistido a uma nova moda, moda não, eu diria antes “praga” nas redes sociais e quejandos que consiste em terminar os comentários com um ambíguo “enfim…”. São os “enfimadores”, um novo tipo de pseudo-intelectual, que num tom a atirar meio para o paternalista, mas completamente para o idiota, deixam aberta uma linha de pensamento que eles próprios iniciaram – sem que ninguém lhes tivesse pedido coisíssima nenhuma, note-se.
É mais frequente encontrar este tipo de barata tonta nos comentários a notícias com factos que podem ser interpretados de forma diversa, ou temas fracturantes, e em alguns casos sensíveis, e cujas posições de uns podem entrar em rota de colisão com a posição de outros, e mesmo constituir um insulto à dignidade de quem, ENFIM, optou por dar à vida um tempero diferente (reparem como demonstro aqui um uso correcto para este infame “enfim”). 
Chamar à posta de pescada que o enfimador arrotou “opinião” é elevar a sua presunção ao estatuto de qualquer coisa digna de registo; normalmente tudo o que antecede aquele “enfim…” é verborreia da mais mal cheirosa, daquela que dá vontade de repreender o indivíduo que se atreveu a emfimar mesmo ali à nossa frente, sem pedir autorização a ninguém, ou perguntou se estávamos com vontade de aturar os seus obtusos enfins. 
Uma opinião, como o nome indica, é uma constatação do foro pessoal, nunca de carácter vinculativo, é refutável, e acima de tudo mutável – mudar de opinião não significa necessariamente que se é um vira-casacas, mas manter a mesma opinião apesar de todos os indícios do contrário é asinino: uma convicção só o é quando se trata de algo de plausível e concretizável. O facto de anteceder um monte de barbaridades com “eu acho”, ou acrescentar “…na minha opinião” no final dessas mesmas barbaridades não faz delas “opinião”. É o mesmo que colocar uma sombrinha em miniatura numa taça de urina de burra e chamar-lhe um “cocktail”. 
Os enfimadores são os chicos-espertos das absurdas asserções que se querem fazer passar por opiniões; com aquele “enfim…” estão a querer dizer-nos que estão cobertos de razão, e só não elaboram o esterco literário que acabaram de produzir porque nos “nunca íamos entender”, pois “vai para além da nossa capacidade”. Nisso até podem ter alguma razão, pois sempre tive alguma dificuldade em entender jumentês. 
Alguns enfimadores terminam o seu acto de masturbação mental (isto em frente a senhoras e crianças, imaginem) com um daqueles emoticons com um sorrisinho pateta, como quem demonstra condescendência pela nossa “inferioridade” intelectual (estes casos mais frequentes se a discussão é sobre religião). Mas olhem, sabem o que podem fazer com essa atitudezinha imbecil, as sombrinhas em miniatura, os emoticons e o “enfim…” em geral? Enfi(e)m-no no…exactamente, vêem como nem foi preciso acabar com “enfim…”?

15 Out 2015

As nozes e as vozes

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o período pós-eleitoral, Portugal debate-se com a questão da indigitação de Cavaco, buscando delimitar alternativas com base nas questões estruturantes do País.
Assiste-se nos media a debates sobre questões estruturais e estruturantes, envolvendo partidos que discutem situações com sustentabilidade ou não.
Formam-se facções, fortalecem-se opiniões, e comentadores prós ou contra a esquerda ou a direita manifestam-se abundantemente.
O que porém ressalta como imediata conclusão é que existe um grau de inteligência em todos os quadrantes políticos e as tomadas de posição exprimem posições mais claras enquanto outras se mantêm reservadas, aguardando ocasião mais propícia.
Assim é a característica do exercício político. Ainda assim existem um palco, uma audiência e uma consciência ao nível dos protagonistas.
Sucede que por cá o protagonismo desenrola-se de maneiras peculiares.
O calculismo, em Macau, não é uma questão renal. O calculismo é, em Macau, um gato escondido com o rabo de fora. Mas também de ambições pessoais. E também do exercício do nonsense! Veja-se o que se propõe a debate na primeira sessão de trabalhos da Assembleia Legislativa da RAEM, a arrancar na próxima sexta-feira. 3multilevel_car_park
A questão primeira e suprema vai ser colocada através de uma pergunta: “Por forma a aumentar a rotatividade nos parques de estacionamento públicos, o Governo deve ou não cancelar os respectivos passes mensais, permitindo que o público utilize os lugares de estacionamento em causa?”.
Debrucemo-nos sobre este debate que, para o ser, não se deveria iniciar com uma pergunta de resposta sim ou não, por muito que o Cantonense use a afirmativa e a negativa. Uma posição começa com um ideário consistente, que se firma numa ideia coerente, organizada, o que parece não ser o caso.
Pede-se que as medidas (leia-se cancelamento de passes mensais) a tomar para os parques, que são públicos, permitam ” que o público utilize os lugares de estacionamento em causa”. A questão é redundante, mas, assim posta, faz pensar se porventura os passes mensais são detidos por abusadores TNRs, turistas do Continente em trânsito, ou jogadores temporários de salas VIP.
Alguns senhores do hemiciclo estão sinceramente preocupados com o estacionamento, mas não gostam daquela parte do público que possui legalmente passes, que tem direitos adquiridos. Pensam que os carros tranquilamente estacionados deveriam formar uma espécie de carrossel, em permanente movimento, talvez para reforço da ideia de cidade de entretenimento e lazer!
Contudo, não se conhece uma proposta fundamentada de circulação periférica, de controlo de viaturas em circulação, de limitação da entrada de novas viaturas neste “carrossel” ou “poço do inferno”. Também nada se ouve sobre a eventual obrigatoriedade de todos os prédios em construção terem parques para todos os condóminos.
Esses senhores deputados estão interrogativamente preocupados com os passes, não com os seus portadores, não com a poluição dos veículos, não com a enxurrada de carros que ao longo dos últimos anos verteu sobre Macau.
Seria de esperar um pouco mais. Seria de esperar que para o debate inicial da legislatura fossem apresentadas ideias e propostas de defesa do interesse público, a começar por políticas ambientais, problema premente aqui e na arena internacional. Seria de esperar que fossem apresentadas medidas e soluções para o trânsito caótico e consequente falta de qualidade de vida. Mas não, estão preocupados com os passes dos parques públicos. Tout court.
Aplaudo entusiasticamente a ideia do senhor deputado Chan Meng Kam em se construírem parques inteligentes como existem noutras paragens. É, indubitavelmente, um contributo para a solução do problema, ao contrário da proposta do carrossel apresentada pelos seus colegas.
A este propósito, indago-me se seria oportuno perguntar se também alguns dos senhores deputados não deveriam dar lugar a outros, seguindo o sistema de rotatividade. Perdoe-se-me a pergunta, mas é tão legítima como a outra.

14 Out 2015

Sem ideias

[dropcap style=’circle’]À[/dropcap]s vezes acontece. Especialmente quando não se faz o trabalho de casa, e foi isso que disse ao editor do Hoje Macau antes de começar este texto. Não a parte da preguiça, claro, mas a da falta de ideias. Mas, em boa verdade, basta abrir os jornais para surgirem umas quantas. Algumas, todavia, não dão muitas linhas como é o caso da próxima: lia a semana passada neste mesmo jornal que um director de uma ahmm… respeitável empresa de junket disse à imprensa que o combate à corrupção na China lhes estava a prejudicar o negócio e por isso consideravam fechar portas.
Irreal não é? Certamente, para nós que já aqui andamos há uns tempos sabemos que para cá de Bagdad se passam coisas inenarráveis, mas esta… caramba! O lado positivo é o cair oficialmente a máscara, o resto é surreal apesar de existirem efeitos conexos positivos deste levantar de ferros dos junkets como se notou ontem no discurso do Chefe do Executivo ao apelar no fórum Mundial de Turismo para a junção deste com a cultura. Naturalmente, esta união de facto, numa primeira análise, aponta para a produção de cultura comercial para entreter as massas mas contra o qual nada me impele. Resta-nos aguardar que a política cultural venha a ser desenhada não só para entreter as massas mas também para apoiar a produção cultural de base pois sem ela não será possível chegar a lado nenhum. Os sinais, todavia, parecem positivos notando-se que a palavra está a chegar aos actos e o fenómeno das indústrias criativas a começar a ser entendido. A TDM também parece estar a aquecer os motores o que só pode ser saudado.
Continuamos a folhear os jornais e algures lê-se que os americanos acham que Macau deve avançar rapidamente para as directas. A notícia não deixa, por um lado, de gerar um certo desconforto e, por outro, gerar mesmo alguma irritação ao despoletar aquela sensação de que os americanos metem mesmo o bedelho em todo lado achando que o mundo vive, ou deve viver, à imagem deles. Ainda bem que assim não é, claro! Com o nível dos candidatos políticos que têm em casa, com eleições de resultados duvidosos (como o célebre caso da Florida), com tiroteios em universidades dia sim dia não, com uma infra-estrutura em cacos e uma dívida publica superior a 100% do GDP mais valia que estivessem calados e arrumassem a casa primeiro. Depois olhamos para Portugal e pensamos em escrever uma comédia. Daquelas rocambolescas, à Vasco Santana, plena de mal entendidos e confusões, o que não seria mau se olhássemos exclusivamente por essa perspectiva e nos olvidássemos da quantidade de vidas em jogo. Senão vejamos os ingredientes da trama: um líder socialista ansioso por poder mas aos papéis e a piscar os olhos em todas as direcções menos na dos que o querem ver dali para fora depois de ter interrompido uma série de vitórias do PS. O pessoal do PC e do Bloco a esfregarem as mãos enquanto exclamam para os seus botões, “É desta! É desta!” ainda que para isso tenham de abençoar a Europa e o euro, a menos que o PS dê uma improvável volta de 180 graus; o próprio PS serve de alavanca da comicidade fazendo jus à expressão partido, com uns a renegarem acordos com a direita e outros a dizerem exactamente o mesmo se for com a esquerda. Depois como personagem equivoca da história, surge um presidente desejoso de abençoar os afilhados enquanto estes vão roendo as unhas por começarem a perceber que não vão conseguir vender mais propriedade pública depois de todas as promessas que foram fazendo aos amigos e a outros, leia-se futuros amigos estrangeiros. Na plateia, senta-se o Zé a olhar para a batalha campal com discussões de pouco conteúdo, ignorante que o mundo em geral, apesar do que lhe vão dizendo, está-se nas tintas se Portugal implode ou não. O único problema para o resto do mundo seria mesmo o Cristiano Ronaldo ir no embrulho, mas esse também pode ser nacionalizado espanhol e o assunto morria aí; porque, em boa verdade, a diplomacia económica do tal de Portas serve apenas para vender chouriços, produtos baratos e pouco mais. Basta olhar para o nosso caso aqui, insertos no maior mercado do mundo e onde AEICEP tem apenas dois executivos: um aqui e outro em Xangai. É assim…
Viramos a página, porque em Portugal o resto é apenas futebol, ou lá o que lhe chamam por lá, pois joga-se mais em debates televisivos do que no relvado, mas ao virar a página percebemos que a comédia não é um exclusivo português ao vermos a entrevista de Cameron ao Channel 4 britânico onde literalmente se engasga e não responde porque é que o país que dirige votou a favor de colocar a Arábia Saudita na presidência do conselho de Direitos Humanos da ONU. Isto quando todos sabemos que direitos humanos é coisa que não existe por aquelas bandas, quando todos nos começamos a aperceber que a raiz do mal é mesmo a Arábia Saudita, quando todos se começam a entender que grande parte da instabilidade no Médio Oriente é provocada pela família Saudi, quando cada vez se tornam mais evidentes as ligações entre o terrorismo internacional e o dinheiro dos monarcas absolutistas do petróleo. Depois estes que dão palmadas nas costas do Saudi (ajoelham-se?) têm a lata de falar da China, um verdadeiro Jardim da Celeste comparado com aquele tenebroso país que transformou Meca num centro comercial, onde se culpam os peregrinos por se terem atropelado uns aos outros mas não as condições impróprias do local, e onde falar de direitos das mulheres é igual a ofensas ao profeta.
Voltamos a Macau onde a notícia que a manutenção do canídromo foi sujeita a uma mini sondagem promovida pelos Kai Fong nos chama a atenção por concluir que metade dos inquiridos quer ver aquela coisa dali para fora. Mas a alegria desvanece-se quando percebemos que dos que apoiam a saída do canídromo do Fai Chi Kei ninguém o faz pelas condições tenebrosas dos caninos mas por questões mais prosaicas como o barulho, a parca contribuição para a zona, ou a necessidade de habitação social. Enfim, todas razões legitimas, mas…
Para não terminar numa nota menos positiva folheei mais um pouco os jornais e descobri duas notícias agradáveis: a primeira vem da Tanzânia e diz-nos que apanharam uma matrona chinesa, de seu nome Yang Feng Glan, considerada a maior traficante de marfim operando impunemente naquele país há cerca de 14 anos e sendo responsável pelo abate de cerca de 800 elefantes. Lindo! Depois de pagar a brutal multa que lhe aplicaram deviam mandá-la para a Arábia Saudita. A outra refere que os cientistas descobriram um cogumelo que cresce nas torrentes de lava do Hawaii; uma variante ainda sem nome da espécie Dictyophora que provoca o orgasmo imediato, atenção, imediato, na maioria das mulheres que o cheiram. Uma torrente de lava, ao alcance do nariz, portanto. Se quiserem saber mais, o estudo está a ser conduzido por John C Holliday e Noah Soule. Até para a semana, caros leitores.

MÚSICA DA SEMANA
Música para se sentir feliz. Ao ouvir, duvido que não se lhe assome um sorriso aos lábios ou que o pé não bata pelo menos um bocadinho. Se o movimento chegar às ancas… missão cumprida!
Lykke Li – “I’m Good, I’m Gone (Fred Falke Remix)”
“Yeah, I’m workin’ a sweat
But it’s all good
I’m breakin’ my back
But it’s all good
‘cause I know I’ll get it back
Yeah, I know your hands will clap”

14 Out 2015

Amor e Dedinhos de Pés

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]romance de Senna Fernandes muito pouco tem que ver com o tópico que tenciono desenvolver. O título, curiosamente, tem bastante.
Em continuação do artigo anterior sobre parafilias e a sua potencial normalidade, gostaria de desenvolver um pouco mais a ideia de fetiches. Fetiches, que se incluem na categoria de comportamento sexual desviante, definem-se por uma especial atracção sexual por objectos inanimados, ou partes do corpo. A sua epidemologia é desconhecida, mas a melhor explicação talvez seja baseada no cãozinho de Pavlov: condicionamento clássico. Ou seja, uma excitação sexual que tenha ocorrido mais do que uma vez em concomitância com outro objecto ou situação, passadas suficientes experiências começa-se a atribuir a reacção fisiológica ao objecto que outrora nada tinha que ver com sexo ou a sexualidade do indivíduo.
Fetiches, existem muitos, de todos os tipos, sobre todas as coisas. As evidências, contudo, mostram que o fetiche de pés é o mais comum. Por isso a minha mente mal-informada achava que Amor e Dedinhos de pés fossem sobre isso mesmo. Estava enganada.
O que é que este fetiche de pés implica: normalmente são mais expressados por homens (pouco registo de mulheres) que veneram e se excitam sexualmente pelo simples vislumbre de um pé, ou dos dois. A interacção sexual pode não passar por mais do que isso mesmo, a de uma mulher com uns pés bonitos e um homem que só está interessado neles. Por isso não há sexo, penetração vaginal, necessariamente. Uma sessão de pés, para os profissionais e mais experienciados, pode ser um fim em si só. Para casais mais arrojados poderá fazer parte de um interessante momento de preliminares. O que envolve esta sessão, como poderão imaginar, é muita veneração de pés, muitos beijos, muitas lambidelas e trincadelas. Poderá incluir uma caminhada sobre o venerador que de muito bom grado servirá de tapete.

[quote_box_left]Há algo de lírico, talvez, se pensarmos que o fascínio pelos pés também é o fascínio pela combinação de ossos e carne que nos liga à Terra, ou que nos mantém ligado a ela[/quote_box_left]

Quem são estes adoradores de pés, é uma boa pergunta. Visto que se trata do fetiche mais comum, os seus praticantes têm estado por todo lado, há séculos. Há quem desconfie que Goethe, Dostoyevsky, Joyce e até Elvis Presley tenham sido adoradores de pés. Quando e onde é que a moda começou, não se sabe muito bem. Sinólogos dizem que já no tempo da Dinastia Sung, quando o ‘foot binding’ começou a ser uma prática comum, a erotização do pé de lótus (como era chamado) estava bem estabelecida. Os homens que tinham mais queda para estes pés deformados, incluíam nos seus preliminares as práticas que exigiam um protagonismo especial destes membros que nos sustêm. Muitas vezes estes pés eram tingidos de vermelho, para aumentar a sua atractividade. Pés deformados e para além disso, pintados de vermelho. Que bonito. Estes pés eram de tal forma tabu que nos primórdios da pornografia chinesa eram a única zona do corpo que não ficava descoberta, para manter o mistério. Porque já sabemos que sexo faz-se de mistério, mesmo através de práticas atrozes em nome destes ideais de beleza e erotismo femininos que mudam com a mesma frequência que uma pessoa muda de cuecas.
O fetiche de pés de hoje em dia já não passa por isso. Querem-se pés bonitos e bem tratadinhos. Isto é, sem calos, com uma pedicure bem feita, macios. Mas como podem calcular, há gostos para tudo. Talvez seja mais fácil se se deleitarem com uma ilustração do que pés bonitos realmente são. Sugiro, por isso, que consultem o mais contemporâneo, arrojado e assumido praticante de amor aos pés: Quentin Tarantino. Nas suas obras cinematográficas há um gostinho especial em enaltecer os pés das actrizes com que trabalha, erotizando, assim, esta extremidade humana que se julgava ser útil só para nos pormos de pé e usar umas sandálias giras.
Amantes de pés, há muitos, de facto. E se homens gostam de um pezinho de mulher, outros homens preferem pezinhos de homem. Há algo de lírico, talvez, se pensarmos que o fascínio pelos pés também é o fascínio pela combinação de ossos e carne que nos liga à Terra, ou que nos mantém ligado a ela. Qual quê, ultrapassaremos o lugar comum de erotização de umas mamas, um rabo ou umas ancas. Os pés é o que mais sofrem, no dia-a-dia frenético que nos obriga a movimento constante, que sejam mimados como cada qual assim o permitir.

13 Out 2015

A abstracção geopolítica

“Whatever happens, at some point in the next few decades, the size of the Chinese economy is likely to surpass that of the US economy, which has been the world’s largest since the 1870s. The average Chinese will continue to be poorer than the average American for generations. But a world economy in which America is number two will require a radical rethinking of American economic engagement with the rest of the world.”
Land of Promise: An Economic History of the United States
Michael Lind

[dropcap style=’cricle’]A[/dropcap]China tornou-se num excepcional actor global nos campos político, económico e comercial. É uma certeza e não mais uma questão de opiniões, pelo que nenhum país do mundo pode ignorar esta realidade. A China e toda a Ásia são peças centrais da geoestratégia local e mundial, com independência de preconceitos e ideologias. Existe uma diversidade de opiniões sendo os Estados Unidos o primeiro a reconhecer e que concentra na região os seus esforços diplomáticos e militares, mesmo não sendo a superpotência única e hegemónica.
O acontecimento mais revelador é de que os Estados Unidos não têm capacidade para moldar o cenário geopolítico do século, como o fizeram outrora. Eis que terminou o século da superpotência, que começou em 1914 e terminou em 2014, como afirmou no seu livro “Land of Promise: An Economic History of the United States ”, o escritor americano, Michael Lind, apesar do cientista político americano, Joseph Nie, defender a ideia de que irá passar muito tempo até que os Estados Unidos ceda a sua posição de nação mais poderosa do planeta, se é que alguma vez tal desastre irá acontecer.
O recente desencontro entre os Estados Unidos e o Reino Unido deve ser entendido, nesse contexto primeiramente, e de seguida pela maioria dos seus aliados ocidentais, pois apesar do expresso pedido dos americanos, todos ingressaram como membros do novo Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas (BAII), com um capital de cem mil milhões de dólares, liderado pela China e concorrente do Banco Mundial.
A Europa está paralisada e enfrenta um sério e grave problema de crescimento e de adaptação a mudanças vertiginosas que trazem tecnologia e altera os modos de produção. O Japão passa por situação semelhante, o que não significa que muitos países renunciem a acordos e oportunidades comerciais que têm com os três grandes actores do cenário internacional, não deixando de se concentrarem na China, sendo a Rússia um outro cantar, pois vive uma difícil situação económica agravada por sanções europeias e pela crise da Ucrânia, acrescentada com os futuros gastos da intervenção na Síria, e baixas receitas pela venda de petróleo e gás, sua fonte principal de rendimentos, tendo ainda, problemas graves para solucionar, como revelam os acordos a longo prazo de venda de energia à China e à Índia.
O poder move-se em direcção ao Oceano Pacifico e os países ocidentais devem encontrar uma forma imaginativa de reforçar a sua presença na região. A ideia de que o capitalismo só poderia desenvolver-se num sistema democrático está por demais ultrapassada. A China e Singapura são exemplos demonstrativos que mostram o triunfo do capitalismo autocrático, um sistema que cria crescimento económico, enquanto as democracias ocidentais, nem crescem, nem oferecem bem-estar.
O mundo ocidental passou do triunfalismo da década dos anos de 1990 a uma profunda ansiedade sobre o futuro da democracia. Os países, com diferente capacidade e poder, temem que se está a aproximar o fim de uma era, onde os conceitos de multilateral e multipolar vão sendo de uso frequente e semelhante sentido, mas com distinto significado. O multilateralismo está associado ao sistema da ONU, concebido no pós-guerra, enquanto, o multipolarismo é reflexo de um novo mundo que está a surgir, onde aparecem novos pontos de aglomeração, que mostram um cenário com novas vozes e sem uma potência hegemónica dominante.
É um novo cenário que avança na consolidação de blocos, em que uma das prioridades deve passar por revigorar as integrações regionais, porque pretender navegar só é uma vã empreitada. O multilateralismo e a integração regional podem ser vistos como políticas contraditórias, mas são totalmente complementares. Os países deverão continuar a apostar no multilateralismo e multipolarismo devendo actuar simultaneamente, no sentido de reforçar as integrações regionais. O mundo multipolar oferece opções de parceria aos países, que no passado eram impensáveis, permitindo mais elevados graus de liberdade e autonomia nas suas decisões.
Os acordos assinados por alguns países da América do Sul com a China e a Rússia, por exemplo, permitem ter financiamentos para a construção de grandes infra-estruturas, acesso a transferências de tecnologia, aumento do comércio para destinos que eram muito difíceis de serem feitos há uma década, e fortalecimento das suas relações bilaterais que a cada dia revestem ter maior importância.
Os países da América do Sul devem continuar a actuar e negociar para melhorar a sua balança comercial e exportação de mercadorias com maior valor acrescentado, bem como continuar a efectuar investimentos que favoreçam o fortalecimento do seu aparelho produtivo, sendo essencial para atingir um melhor grau de coordenação no interior do Mercado Comum do Sul (Mercosul), União de Nações Sul-Americanas (UNASUL na sigla em língua espanhola) e Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC na sigla em língua espanhola), permitindo-lhes ter maior força negociadora quando tiverem de defender os seus interesses estratégicos como países e região.
A América do Sul tem uma visão clara da importância da integração, no entanto, permanecem obstáculos que devem ser estudados e aprofundados, especialmente depois da última crise global. É mais fácil avançar na integração num ciclo económico em fase expansionista, mas pode ser um erro político e estratégico dar lugar a posições mais autonomista, porque tal como os problemas da democracia são solucionados com mais e melhor democracia, os problemas da integração solucionam-se com mais e melhor integração. Quanto ao Mercosul, a solução não está no intercâmbio comercial equilibrado, mas parece estar relacionado com a integração de cadeias produtivas e cadeias de valor.
O G20 é um grupo de 19 países e da União Europeia que, após a crise financeira que eclodiu nos Estados Unidos na década passada, e constitui-se no âmbito mais importante de concertação de políticas globais. O grupo reúne aproximadamente quatro quintas partes do PIB e da população mundial, ainda que o número de membros seja apenas um quinto dos países que integram a ONU. Adentro do G20 surgiram três blocos, o G7 constituído pelos Estados Unidos, Japão, Canadá, Alemanha, França, Reino Unido e Itália, que são as economias mais desenvolvidas e as dominantes na década de 1990. No âmbito do G20, este grupo tende a agir como um bloco na maioria dos casos. O outro grupo é o dos BRICS, composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; países que se transformaram em potências económicas na primeira década do século XXI e tendem a concordar em pontos importantes da agenda global, não apenas no campo económico, mas também no político, como também é o caso dos países do G7. Entre ambos os grupos e desde há alguns anos, começou a funcionar um terceiro grupo denominado de Aliança MITKA, composto pelo México, Indonésia, Turquia, Coreia do Sul e Austrália.
Os países de médias dimensões à escala global procuram dar um espaço aos países de igual dimensão do G20. A Arábia Saudita iniciou negociações para se reunir à Aliança MITKA, e que resultará na adição de mais uma letra “A” à existente sigla. Assumir um papel de liderança neste grupo de países de médias dimensões, importantes e bem sucedidos, talvez venha a ser uma exteriorização acerca da direcção que outros países devem seguir na década que vivemos.
A China celebrou o 66° Aniversário da Implantação da República, convertendo-se na principal potência comercial do mundo e prevê fazer importações no valor de dez mil milhões de dólares nos próximos cinco anos, entre eles, alimentos e grãos para alimentação animal, que é de importância estratégica, pois a sua população está a enfrentar uma colossal transição alimentar, (investimento massivo no consumo de proteínas de carne) que é a maior da história.
A China prevê importar 20 por cento da sua procura de grãos nos próximos vinte anos e daí ter mudado a sua percepção acerca da segurança alimentar, que não é mais sinónimo de auto-suficiência, mas adquiriu uma dimensão global, que consiste em promover, através do investimento, a produção dos países com maior potencial.
A soja e a farinha de soja são matérias-primas fundamentais da alimentação animal e 95 por cento da produção global é feita pela Argentina, Brasil e Estados Unidos, pelo que os primeiros dois países constituem a plataforma principal da produção de proteínas do século XXI, e que adquiriram uma posição estratégica em relação à China.
A China converteu-se na maior fonte de capitais do mundo, dispondo de mais de 4 milhões de biliões de dólares de reservas, surgidas de um superavit da conta corrente de 2,6 por cento do PIB em 2014, ou seja, duzentos e oitenta mil milhões de dólares. A China prevê investir apenas na América do Sul quinhentos mil milhões de dólares nos próximos dez anos, e uma quinta parte desse fluxo de capitais será constituído por investimentos industriais.
Os países de expressão latina com maior desenvolvimento industrial na América do Sul são a Argentina e Brasil e na América do Norte, o México, daí que se aprofunde a inserção internacional de toda a América do Sul com a China, devendo o eixo Sul-Sul, converter-se no mais importante do comércio global nos próximos dez anos.
A política externa de um país é constituída pelos seus objectivos externos e sistema de aliança que estabeleça para os atingir. Assim, por definição, existe sempre mais que uma opção em termos de política externa, não existindo é uma opção de política externa fora de uma inserção internacional determinada. A política internacional é um mundo de realidades, não uma ideologia ou doutrina.

12 Out 2015

Todo o Nobel é político!

[dropcap style=’cricle’]A[/dropcap]atribuição na semana passada dos prémios Nobel da literatura à bielorussa Svetlana Alexievich e da Paz ao Quarteto Nacional Tunisino reforça a ideia, defendida por vários analistas, de que o Prémio Nobel é um galardão de cariz marcadamente político. Este ano, os valores subjacentes aos prémios atribuídos pela Academia Sueca e pelo Comité Nobel Norueguês, mais do que terem uma dimensão política, são demonstrativos de uma agenda programática que se pretende promover. Uma narrativa que prossegue os valores da democracia liberal e que ambiciona ser adoptada pelos mais diversos povos.
Segundo a Academia Sueca, a jornalista e escritora bielorrussa Svetlana Alexievich foi premiada devido à sua “escrita polifónica” – dará, pois, voz a muitas outras pessoas, que é “um monumento ao sofrimento e à coragem no nosso tempo”. E sobre o que tem escrito Alexievich, mais conhecida pelos seus trabalhos jornalísticos do que pelos seus livros? Os seus trabalhos mais notáveis são os que dizem respeito ao fim do império soviético. Ao fim de uma certa ordem política que morreu com a queda do Muro de Berlim. O livro “O fim do homem soviético: Um tempo de desencanto” é um documento que ajuda a compreender a desagregação da antiga União Soviética e é, aliás, a única obra da autora já publicada em português. No prelo está outra que tem como objecto sobreviventes da tragédia nuclear de Chernobil.
O comité norueguês do Nobel da Paz, por seu lado, escolheu o Quarteto Nacional Tunisino pelo contributo dado pela organização, que reúne representantes de quatro estruturas representativas da sociedade civil da Tunísia, para a consolidação democrática no país. O organismo terá tido um papel decisivo na procura de consensos na sequência da Primavera Árabe na Tunísia, cuja revolução, em 2011, levou ao afastamento do Presidente Ben Ali. O quarteto tem uma composição singela, incluindo representantes de organizações tão díspares como um sindicato, a União Geral Tunisiana do Trabalho, uma organização patronal, a União Tunisiana da Indústria, do Comércio e do Artesanato, a Ordem Nacional dos Advogados, e a Liga dos Direitos Humanos.

[quote_box_left]Sem um indicador universalmente aceite sobre o número de vidas que uma qualquer pessoa ou entidade conseguiu preservar, não será possível apontar-se critérios objectivos para identificar possíveis vencedores[/quote_box_left]

O caso tunisino é o único em que a Primavera Árabe, alimentada pelo apoio de instituições ligadas ao governo norte-americano a bloggers e outros internautas, conseguiu eleger um governo estável. É o mesmo país em que, em Junho deste ano, um jovem se passeou calmamente por uma das praias de Sousse, numa das estâncias balneares mais frequentadas da Tunísia, armado com uma pistola automática, matando indiscriminadamente quem estava a descansar. Ao fim de alguns minutos, o terrorista, que seria mais tarde identificado pelas autoridades tunisinas como Seifeddine Rezgui, assassinou 39 pessoas.
O papel das organizações da sociedade civil na procura de consensos e na tentativa de suplantar bloqueios que tendem a travar soluções duradouras não é de somenos. Em alguns dos países em que trabalhei pelas Nações Unidas foram organizações oriundas da chamada sociedade civil – organizações não-governamentais, representativas de sectores profissionais, ou temáticas, com um enfoque considerável nos direitos humanos – que puseram termo a longos impasses (como na adopção de uma nova lei eleitoral na Republica Centro-Africana) ou obrigaram políticos a dominarem a sua verve racista (através da adopção de códigos de comportamento eleitoral, como durante as campanhas eleitorais na Guiné-Bissau e na Serra Leoa).
Não se põe em causa a importância das organizações da sociedade civil, nem particularmente o papel do Quarteto na Tunísia. Elas são essenciais. Mas só são verdadeiramente operativas num quadro de tolerância democrática, numa democracia liberal.
Numa semana em que subiu de tom a retórica da NATO face à Rússia, a propósito dos bombardeamentos levados a cabo por Moscovo na Síria, contra posições alegadamente detidas pelos militantes do Estado Islâmico, não deixa de ser uma coincidência que merece ser salientada, que a Academia Sueca promova quem use a sua escrita para salientar as contradições soviéticas e exponha os tiques autoritários de certos líderes políticos. Nem deixa de ser relevante recordar que ainda esta semana a norte-americana Foreign Affairs, uma das revistas de relações internacionais mais influentes no mundo ocidental, publicava um artigo lembrando o papel de Vladimir Putin no encerramento das mais variadas organizações da sociedade civil na Rússia.
Caso se considerasse que a criação literária, como qualquer outra forma de expressão artística, não fosse subjectiva, talvez se pudesse eventualmente ter como critério orientador o número de obras publicadas pelo autor, o número de cópias vendidas ou mesmo o número de línguas em que o autor foi traduzido. Mas isto não faz qualquer sentido. A criação artística é, felizmente, subjectiva. E em muitos casos, os autores mais subjectivamente notáveis não são necessariamente os mais populares.
No caso do Nobel da Paz, em que talvez o valor mais relevante que se pretende preservar é o da vida humana, sem um indicador universalmente aceite sobre o número de vidas que uma qualquer pessoa ou entidade conseguiu preservar, não será possível apontar critérios objectivos para identificar possíveis vencedores.
Por isso, todos estes prémios são, na sua essência, subjectivos. Resultam de escolhas políticas que têm subjacente um quadro de referência que aponta num determinado sentido. Nestes dois casos, uma certa democracia liberal que se pretende universal.

12 Out 2015

Dignidade na Saúde Mental

Verónica Madruga
(Psicóloga e Professora Universitária)

[dropcap style=’cricle’]N[/dropcap]o passado dia 10 de Outubro celebrou-se o Dia Mundial da Saúde Mental. Este ano o tema eleito foi a “Dignidade na Saúde Mental” e teve como finalidade alertar a comunidade para as constantes ameaças à dignidade no atendimento prestado à população. As pesquisas realizadas neste âmbito identificam três áreas como potenciais ameaças à dignidade, tais como estigma e discriminação, nos cuidados em regime de internamento e nas violações aos direitos humanos.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) o respeito pela dignidade das pessoas na prestação de serviços de saúde é uma componente essencial para proteger cada individuo de possíveis práticas abusivas, infracções corporais e danos mentais.
A nossa saúde mental, ou seja, o nosso bem-estar físico, mental e social, é um bem precioso e como tal deve ser respeitado e protegido. Os psicólogos e outros profissionais na área tem a responsabilidade de alertar, informar, educar e cuidar com estima o bem-estar colectivo.
Colocar a tónica na dignidade é fundamental porque sem o respeito e acompanhamento inclusivo, o tratamento e recuperação tornam-se ainda mais difíceis. É urgente a presença de profissionais que não só possuam o “know-how” (conhecimento) mas também possuam os “soft skills” (competências sociais) necessárias no atendimento na saúde mental, bem como na promoção da mesma.
Todos nós reconhecemos que actualmente é um desafio cada vez maior tentar lidar com todas as exigências presentes no nosso dia-a-dia. Isso torna-nos mais vulneráveis, afectando a nossa capacidade de uma boa gestão emocional e consequentemente prejudicando o nosso bem-estar psíquico.
Assim, sublinho que não devemos considerar o sofrimento psicológico como um sinal de fracasso pessoal, mas antes compreender que a procura de apoio profissional é um passo importante para a recuperação do equilíbrio emocional e psicológico.
Como idealista assumida acredito que através da consciencialização e promoção da saúde mental potencializamos as hipóteses de sucesso e recuperação eficaz dos nossos pacientes, diminuindo o isolamento, medo ou vergonha dos portadores de perturbações mentais e das suas famílias.
Como psicóloga, sou defensora que cada pessoa é um ser único e multifacetado, e como tal deve ser respeitada a sua individualidade, identidade e história de vida. Neste sentido, temos o dever de zelar pela saúde psicológica dos nossos pacientes, promovendo uma visão inclusiva e ajudando na sua reintegração e compreensão da sua condição não só pelo próprio paciente como da sua família e comunidade.
Precisamos trabalhar mais para que exista uma mudança nas atitudes sociais e promover uma consciência colectiva sobre a natureza das doenças mentais. Sendo a educação a chave para existir uma real transformação de mentalidades e uma eficaz protecção dos direitos humanos.
Em suma, protecção, prevenção e melhorias na política de saúde são essenciais para o bem-estar da população. Assim, finalizo com uma citação do Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, “quando nos unimos, não há limite para o que podemos alcançar”. Por isso, vamos juntos melhorar as condições da saúde mental do território de Macau? Vocês podem sempre contar comigo, e eu? Posso contar com vocês para combater a discriminação e estigma na saúde mental?

12 Out 2015

De não saber o que nos espera

[dropcap style=’cricle’]1[/dropcap]. Desisti. Desisti na medida em que posso desistir, dadas as obrigações profissionais. Não quero saber. Digam-me quando se perceber o que foi isto, o que vai ser isto, o que foram estas eleições em Portugal. Não questiono resultados – cada um vota como quer, à direita ou à esquerda, no centro ou nos extremos. É a beleza da democracia, esta liberdade de ideias, por mais estranhas que nos possam parecer. É a liberdade de acreditar nas politicamente correctas inverdades que melhor nos soam.
O pior veio depois, veio agora, está para vir. Nada é irrevogável. Nem ninguém. As propostas de ontem hoje já não têm qualquer interesse – o poder apaga tudo, condiciona tudo, muda tudo e todos.
Desisti. Desisti de querer saber. Já sei o que me interessa: os próximos dois anos vão ser mais 24 meses de dias perdidos. Vão ser dias perdidos para quem lá está e para quem, como eu, não está mas gostaria que Portugal fosse uma opção, porque não é. Andamos sempre a ir à guerra sem ajuda.

2. Nas contas que alguma imprensa portuguesa tem feito esta semana, Macau entra na equação como sendo a incógnita. Os votos ainda não estão contados e ainda faltam uns dias para se saber do sucesso de José Pereira Coutinho.
Estranho caso este que só as regras da mais deselegante política permitem compreender: um deputado de uma região administrativa especial de um país candidata-se ao parlamento de outro país. Avisa que, se ganhar, não pretende ocupar o cargo. Os eleitores que votaram nele não votaram bem nele, mas sim noutro qualquer que o vai substituir. 91015P22T1
Continuo sem perceber o que ganha Pereira Coutinho com esta candidatura, cabeça de lista de um movimento político sem qualquer expressão. Percebe-se o que ganha a candidatura, ao apostar em Macau num homem com capacidade de mobilização eleitoral. Os lucros políticos de Coutinho poderão ser muitos e vantajosos, mas com tudo isto ficou a perder, ao ser protagonista de uma dança que só lhe fica mal.

3. Mas por cá é mais Nova Iorque, corrupção, Nações Unidas. Ng Lap Seng ocupou a semana à imprensa, o caso está bicudo, afinal já não são só alegadas falsas declarações na alfândega norte-americana, afinal isto já mete corrupção, dinheiro gordo, pessoal diplomático, Macau.
Como seria de esperar, aqui ninguém sabe de nada, o silêncio é um bom parceiro, nos negócios também, eles às vezes é que se esquecem disso. E um dia destes já ninguém se lembra – é o deixa andar a ver se passa.
Ainda bem que vem aí o Grande Prémio, que Macau anda pelas ruas da amargura nas agências de notícias e nos jornais lá de fora, e a gente gosta que a terra faça boa figura. Depois do jogo que já não é infinito, dos junkets e dos escândalos, Ng Lap Seng não veio ajudar ao noticiário local de desgraças. Macau, terra harmoniosa e de gente séria. Ao volante e no Circuito da Guia a coisa vai correr melhor.

4. Antigamente era no salão nobre do Leal Senado, a emprestar alguma dignidade à coisa e à causa lusófonas. Este ano foi diferente – a conferência de imprensa do Festival da Lusofonia foi realizada no auditório do Mercado de São Domingos. Foi um momento oficial num local raras vezes usado para estes fins, sem sequer contar com a presença das associações que também se juntam à festa.
Quem lá esteve diz que foi um acontecimento pouco lusófono e nada feliz. Apesar do cheiro a peixe que pode sempre fazer pensar no mar, o mar que permitiu que a língua andasse por aí, que a cultura andasse por aí, que se construísse este estranho conceito que não entendo. Apesar do cheiro a peixe.

9 Out 2015

Depois das Eleições Legislativas em Portugal

[dropcap style=’circle’]1[/dropcap]Chamados às urnas os portugueses elegeram, a 4 de Outubro, os seus representantes no Parlamento com base nos quais se formará o governo que dirigirá os nossos destinos colectivos, nos próximos quatro anos.
As propostas submetidas a escrutínio eram basicamente duas: o afastamento do governo de direita e o fim da política de austeridade em nome de um crescimento imediato sustentado na Fé; a prossecução de um novo mandato focado em potenciar os sacrifícios pedidos aos portugueses em razão dos compromissos com a Troika e a devolução gradual dos rendimentos que foi imperativo captar para o reequilíbrio orçamental e o pagamento do dinheiro pedido emprestado.
A escolha dos portugueses foi clara. Ganhou a Coligação Portugal à Frente com 38,55% do total dos escrutínios, ficando o PS em segundo lugar com 32,88% dos votos, seguindo-se o Bloco de Esquerda e o PCP (sob a capa da CDU) com 10,22% e 8,27%, respectivamente. Face ao que haviam sido as balizas propostas para o julgamento dos eleitores – maioria significativa pedida pela Coligação, maioria absoluta e derrota da direita pedida pelo PS – a vontade dos eleitores expressa nas urnas foi transparente: a Coligação tem agora um novo mandato como força mais votada para constituir governo, o PS foi derrotado nos seus marcos eleitorais e tem um responsável que se chama António Costa.
Diferentemente do que expressaram os resultados eleitorais, a esquerda radical procurou, nos momentos seguintes, extrair uma outra leitura: que a Coligação apesar de ter conquistado 104 deputados no Parlamento e o PS ter ficado apenas com 85, não teria legitimidade para governar mas sim a esquerda que passara a deter uma maioria negativa. Ou seja o que valera para os governos de Mário Soares, António Guterres e José Sócrates (que governaram em minoria) não valeria para o governo de Passos Coelho, porque as esquerdas odeiam Passos Coelho.
Quer dizer, a Constituição valerá quando joga nos propósitos das esquerdas mas nada vale quando favorece o centro-direita. Catarina Martins – a teatral líder do Bloco de Esquerda e do espaço político BE-CDU – reivindicava-se dessa leitura messiânica às primeiras horas da noite eleitoral, levando o Partido Comunista a reboque.
2. Não se pode desconhecer, contudo, que o quadro global de governabilidade se modificou, significativamente, com a composição da Assembleia da República. Com uma minoria aritmética de votos no Parlamento, o centro-direita terá de encontrar um novo estilo de governabilidade, de aplicação do programa eleitoral que submeteu aos portugueses e que recolheu o aplauso de 38% dos eleitores votantes, isto é dois milhões e sessenta e sete mil eleitores.
Terá que saber negociar com a esquerda moderada, criando sinergias e ultrapassando fossos que não são tão grandes quanto isso (como aqui escrevi em crónica anterior) em matéria de programa económico e alinhamento ao Tratado Orçamental, às directivas da zona Euro. Os sinais que António Costa deu, na noite eleitoral, são promissores e a menos que o PS obreirista lhe imponha uma linha de convergência com as esquerdas comunistas, a negociação é possível e será, apesar de difícil, concretizável. Teremos o programa de governo aprovado no Parlamento e muito provavelmente o Orçamento com a abstenção do PS.
É esse o quadro que Passos Coelho irá colocar ao Presidente da República e não tenho dúvidas que Cavaco Silva irá criar condições para que o governo da Coligação, legitimada por uma vantagem de seis pontos percentuais sobre o segundo concorrente, o PS, possa governar em concertação permanente.
Espera-se que com a moderação, visão estratégica e discernimento que revelou na condução da campanha eleitoral – e cujo veredicto é em larga medida um vitória pessoal – Passos Coelho constitua um governo expedito, pragmático, formado por políticos profissionais, melhor ajustado aos dossiers sociais e que conduza o país, sustentado em bases seguras, a um ciclo de crescimento e progresso.
O recuo do apoio nos eleitorados urbanos de Lisboa, Porto e Coimbra, com perda de 7, 4 e 2 deputados para o conjunto da Coligação, deve merecer uma atenção particular das directorias dos dois partidos e o procurar de um novo contrato de governabilidade com estes eleitores, onde se alicerça a base eleitoral do Partido Social-Democrata e o seu futuro.
3. As eleições mostraram duas coisas complementares. A primeira que as sondagens revelaram, com relativa proximidade, a sensibilidade aprofundada do país ao contrário do que afirmavam as esquerdas. A segunda que a opinião veiculada pela comunicação social, pelas televisões e pelas comunidades sociais em nada expressaram o sentir mediano dos portugueses. Elas foram, sobretudo, instrumentos de propaganda – logo sectários e parciais – de profissionais de marketing político, contratados pelos partidos da esquerda ou profissionais que ecoam agendas político-partidárias em vez de cumprirem a sua missão de informar, com isenção e imparcialidade. E se esse foi um efeito perverso em outras eleições mostrou-se com maior gravidade, nestas. Como alguém escrevia, a maioria silenciosa dos eleitores votou e escolheu o novo governo de Portugal mas ela não teve eco na informação que nos foi prestada. O que as eleições provaram é que esse jogo do engano e da mentira não vinga e que os eleitores, no fim, sabem muito bem fazer um juízo convergente aos interesses dos país.
4. No momento que escrevo esta crónica não são conhecidos os resultados dos círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa. São 4 lugares de deputados que estão em causa e que a confirmar-se a tendência nacional darão 2 a 3 deputados à Coligação Portugal a Frente e 1 ao PS. Esse é o meu prognóstico. Se assim for, a distribuição de lugares no Parlamento passará para 107 deputados para a Coligação, 86 para o PS, mantendo-se a restante distribuição pelo Bloco de Esquerda, a CDU e mais um deputado pelo PAN. Não creio que os eleitores do circulo Fora da Europa tenham acolhido os manobrismos rasteiros de quem, não se conseguindo fazer eleger nos principais partidos, escolheu o expediente de se propor como candidato por um partido que ninguém conhece e que captou 0.3% dos votos expressos, para se alcandorar aos ombros de quem controla politicamente no microcosmos de Macau, a um lugar de representação nacional. Seria um absurdo, uma mistificação e a violação de 40 anos de história da democracia portuguesa. As reclamações que intenta apresentar terão o resultado que espera sempre os populistas e os demagogos: o fracasso e a gargalhada.

9 Out 2015

…E os votos foram p’rós cães

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s resultados das eleições legislativas do último domingo em Portugal levam-me a tirar algumas conclusões, o que daqui à distância de Macau pode parecer algum atrevimento da minha parte, longe que estou dessa grande tropa fandanga que é a realidade lusitana. Mas pronto, faço-o na mesma, so what? Vão fazer o quê, “castigar-me nas urnas”, como disseram que faziam com o Coelho e com o Portas? Era o castigas, e a julgar pelos MAIS DE DOIS MILHÕES DE VOTOS que a coligação “Portugal à Frente” (nome foleiro, diga-se de passagem) obteve nestas eleições, tenho carta branca para dizer mal do que quiser e de quem quiser, que no fim ainda me pagam um jantar. Ou dois. Bem, ponto por ponto, é assim:
– Já é habitual ouvir-se por altura das eleições que “a abstenção é à partida a grande vencedora”. Acontece que essa frase feita entoada sempre com um tom mais ou menos fatalista é tecnicamente uma mentira, um engodo. A participação ficou pelos 57%, apenas menos um ponto que as eleições de 2011, e apesar da insistência nessa ladainha de que os portugueses estão cansados da política e dos políticos, mais de cinco milhões deles foram votar. Seremos um hipócrita, medroso e fanfarrão? Nada disso, que exagero – somos uns vivaços, isso sim. Fossem fazer um inquérito para saber a principal causa da abstenção, e “preguiça” surgiria à cabeça (isto se as respostas fossem sinceras, claro, e claro que nunca seriam).
– Ao contrário das competições desportivas, em que ganha quem marca mais golos, faz mais pontos, salta mais alto ou corre mais rápido, na política é tudo “relativo”. Das forças partidárias representadas no Parlamento, a coligação foi a única que perdeu votos e mandatos em relação a 2011, e mesmo assim pode-se dizer que saiu vencedora. O PS subiu quatro pontos percentuais e conseguiu mais 11 mandatos, mas António Costa pode estar de saída, o que seria mais ou menos como José Mourinho ganhar todos os jogos com o seu Chelsea, e no fim ser despedido por causa dos “maus resultados”.
– Mas em política é mesmo assim, tudo muito esquisito; imaginem que em pleno século XXI, ano da graça de 2015, há um indivíduo com uma aparência semelhante ao Conde Drácula que chama as pessoas de “povo” e “camaradas” – claro que me refiro a Jerónimo de Sousa, o torneiro mecânico que se promete eternizar na liderança dos comunistas portugueses que aos 68 anos, e pela bitola marxista, é considerado “uma jovem promessa”. Por outro lado o Bloco de Esquerda obteve o seu melhor resultado de sempre, o que me deixa perplexo; depois de vários anos com o demagogo mas simpático Francisco Louçã na liderança, surge uma barata-tonta ainda mais demagoga, uma tal Catarina Martins, que parece excitar ainda mais as paixões populares. Vá-se lá entender porquê, pronto, é a “democracia” em todo o seu esplendor.
– E por falar em “demagogia” e afins, uma das queixas mais comuns dos eleitores portugueses é a “falta de alternativas”, isto referindo-se, obviamente, à sempre-mesmice do “ora agora sacas tu, ora agora saco eu” dos partidos do arco da governação. Ora alternativas é coisa que não falta, e mais uma vez o freguês tinha ao seu dispor nada mais nada menos do que 16 (dezasseis) quadrados no boletim de voto onde colocar a cruzinha. Só que aquilo que se afigura como solução acaba apenas por tornar as coisas ainda piores, o que me leva ao ponto seguinte. 81015P19T1
– Confesso que fiquei preocupado com a possibilidade do Partido Nacional Renovador (PNR), o tal da extrema-direita cor-de-rosa-choque, vencer as eleições com maioria absoluta. Sim, a sério, pois a julgar pelas preocupações expressas pelos portugueses nos últimos meses, com os refugiados, imigrantes e beneficiários do Rendimento Social de Inserção a servirem de bode-expiatório para todos os males do mundo, julguei que fossem votar em massa nos fachizóides. Afinal enganei-me, e os gajos tiveram menos de metade dos votos do PCTP/MRPP. Folgo em saber que ainda há mais portugueses que acreditam no maoísmo e na ditadura do proletariado, do que nos delírios dos nazistas de papelão.
– Os que realmente quiseram demonstrar o seu desagrado com o negro quadro da política em Portugal foram votar em branco, ou desenharam cornos, bigodes o outras inanidades no boletim, o que levou a que o já célebre “Nulos” obtivesse um resultado melhor que meia dúzia de partidos, movimentos e outras plataformas ditas “alternativas” todas juntas. Melhor do que este “Nulos” só mesmo o partido dos “Fantasmas”. Sim, pois li algures que em Portugal existem nos cadernos eleitorais “mais de dois milhões de eleitores fantasma”. Desconfio que foi graças a estes que o Cavaco venceu as presidenciais. Só um palpite, não me levem a mal.
– Finalmente os votos que foram para os cães, literalmente. Esqueçam os reformados, os imigrantes ou outros expedientes que visam nada mais do que obter um tacho: chegou o Partido “Pessoas-Animais-Natureza”, ou PAN, que já há quatro anos esteve muito perto de obter um mandato. Desta vez bastaram 2% dos votos no círculo eleitoral de Lisboa para conseguir um dos 47 assentos reservados para a capital do país, mas no fim fiquei desiludido com o nome do candidato eleito pelo PAN: André Lourenço e Silva? Que raio de nomes andam as pessoas a dar aos bicharocos, com franqueza. E que tal “Piloto”, “Bolinhas”, “Tareco” ou “Milú”? Não tinha muito mais piada?
E foram assim as eleições legislativas em Portugal. Não queria deixar de mencionar os mandatos ainda por apurar, nomeadamente os dois reservados ao círculo da imigração fora do espaço europeu, onde o aliciante será saber se o “nosso” José Pereira Coutinho consegue ou não a eleição. Coutinho, candidato pela plataforma “Nós, Cidadãos” diz-se prejudicado com a forma como decorreu o processo eleitoral, com atrasos na entrega dos boletins, etc., etc. (o costume…), e ameaça mesmo “impugnar as eleições”. Ui, fosse isso assim tão fácil, impugnar as eleições legislativas em Portugal, e nem consigo imaginar o que é necessário para que se cometa tal proeza. Talvez fosse melhor perguntar aos SAFP. Aos SAFP?!?! Porquê aos SAFP??? Sim, aos SAFP lá de Portugal, não aos de Macau, é óbvio. Então, falamos a sério ou andamos a mangar com a tropa?

8 Out 2015

A árvore

Uma folha quando cai do ramo
retorna às raízes.
Provérbio chinês

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]esde a Edénica macieira, antiga, enorme e frondosa, à Sephirot, a árvore da vida do judaísmo esotérico que, organizada em três colunas, representa as divinas emanações da criação de deus (ex nihilo), cuja natureza transcende a da macieira no que tem de construção simbólica: a natureza da divindade revelada, a alma humana e o caminho espiritual para a ascensão do homem.
Terão sido os chineses a criar, há quinze séculos, aquilo que chamamos de árvore genealógica. Deixavam escritas no mesmo caderno de família, guardado no templo da aldeia natal, o registo de todos os nascimentos através dos séculos, indicando os parentescos em que são tão confucianamente precisos, e a mobilidade ancestral.
Abrem-se milenares árvores, numa abundância de ramos, nascidos de poderosos troncos, prenhes de seiva percorrendo o frondoso emaranhado nascido do tempo. Em cada árvore se manifesta o ciclo da vida. Na sua imobilidade e enorme vitalidade, que nos transporta para a metáfora da existência e nos remete para a reflexão da razão, a árvore incorporou a presença da divindade.
E como diz o provérbio chinês, quando da copa da frondosa árvore da vida se destaca um folha, ela retorna às suas raízes, essa outra copa submersa que, sustentando a visível, existe e sem a qual tudo feneceria.
Neste ciclo, ocorre-me a árvore criada pelo imaginário de James Cameron no filme “Avatar”, uma obra que segue de perto a pista deixada por “Matrix” de Lana e Lawrence Wachowski, onde a mente protagoniza no imenso império da ilusão.
Nessa imensa árvore, réplica da macieira e, porque não, da Sephirot, estabelece-se uma outra premissa, o Tempo, a adicionar às três dimensões com que habitualmente lidamos.
Será a incomensurabilidade deste Tempo (“deve ser o antepassado dos deuses”) o invisível e inominável nome de deus? Sendo inominável, apenas nos resta o acto de intuir, de compreender que a essência não reside na ilusória realidade do mundo que conhecemos, mas, antes, na indizível linguagem que se não pronuncia?
Assim, a árvore significa a intrincada dimensão da divindade, da ancestralidade, do amplexo enorme, frondoso.
Não deixa de ser curioso como as lendas das manifestações divinas se associam a árvores, arbustos em chamas, ou como em Fátima é a azinheira o púlpito da aparição, ainda Matrix ou Avatar não tinham sido pensados.
E nesta mobilidade enclausurada pela obscuridade a que a humanidade está votada, é imperioso proteger a árvore, mesmo que a ignorância já impere, atolada nos meandros de si mesma, embrenhando-se cada vez mais na esterilidade do breu, malefício do mal, prado onde os ignaros se agigantam com pernas de girafa, pastando ousadias.
E, assim, o mal subsiste pela ignorância. E o bem, maniqueisticamente falando, busca ansiosamente a aspiração de uma essência (quase) inatingível, face aos malefícios da ilusão, que provocam nos sentidos dos que prosseguem o difícil trilho do conhecimento.
E enquanto as sombras pairam, o verdadeiro retorno à raiz apenas sucede às folhas que tenham aspirado tal aroma. O resto é apenas gravidade.

8 Out 2015

O príncipe

“Meu Deus, como a sua presença eleva o nível da conversa!”, disse-me Swann como que para se desculpar diante de Bergotte, ele que no meio dos Guermantes adquirira o hábito de receber os grandes artistas como bons amigos a quem se procura apenas dar a comer os pratos de que gostam, jogar os jogos ou, no campo, praticar os desportos que lhes agradam. (…) Eu dissera-lhe tudo o que sentia com uma liberdade que me surpreendera (…). Do mesmo modo que os padres, que têm a maior experiência do coração, podem melhor perdoar os pecados que não cometem, também o génio, que tem a maior experiência da inteligência, pode compreender melhor as ideias mais opostas às que constituem o fundo das suas próprias obras.” – Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, Volume II, À Sombra das Raparigas em Flor 
 
[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]onheci-o em Novembro de 1986, num jantar em casa de um companheiro da juventude de meu pai. Eu chegara à cidade no dia anterior. Tinha vinte e quatro anos. Quando me conheceu perguntou-me o que fazia. Tímido, acabado de aterrar, lá lhe respondi, com a deferência devida para com quem é simpático, agradável, e nos recebe em terra estranha fazendo jus a um sorriso largo e bondoso sem nos conhecer de lado nenhum. Como se me conhecesse há uma eternidade. Disse-me para no dia seguinte ir ter com ele, ou quando quisesse, para tomarmos um café, ele estaria por lá. Lá era o Banco Nacional Ultramarino, em Macau. E ele era uma estrela. Ele era o Brás Gomes.
Frequentara a Escola Naval, de onde não saiu almirante, mas como em todos os locais por onde passava deixou um rasto de amigos, de companheiros, de conhecidos e desconhecidos que o admiravam. Pela simplicidade, pelo trato, pela educação. Com amigos comuns no ramo naval, nesse tempo voltámos a ver-nos várias vezes, nas mais diversas circunstâncias, em reuniões de amigos e em cerimónias oficiais. Sempre jovial, sempre bem disposto, uma referência onde quer que estivesse. bras gomes
Amante das coisas boas da vida, gostava de estar com os seus amigos, de um bom convívio, de uma boa gargalhada, de uma refeição generosa ou de um vinho de excepção, transportava consigo toda a herança de um império. Da Índia aos pântanos da Guiné-Bissau, por onde andou no tempo da outra senhora. Tinha histórias e recordações de todo o lado, que relatava com prazer enquanto puxava do seu Lancero ou do seu Churchill.  
Quando Carlos Móia, de quem era amigo, chegou à vice-presidência do Benfica, conseguiu convencê-lo a trazer a equipa de futebol a Macau. Então treinada pelo grande capitão, Mário Wilson, tive o prazer de com ele ver, num épico final de tarde, o Benfica golear (8-0) a jovem e inexperiente Selecção de Macau.
O José Manuel Brás Gomes era a porta para tudo. Pelo BNU, em Macau, passou muita gente, muitos directores, mas ali Portugal tinha sempre um rosto e um nome: o dele.
Certamente que haverá pelas pátrias desse mundo outros parecidos com o José Manuel. Duvido é que haja algum igual. E nem sei se Portugal, algum dia, depois de ficar sem império, voltará a ter outro assim. Conhecia meio-mundo, e não precisava de conhecer a outra metade porque, em contrapartida, todo o mundo o conhecia. Não havia quem chegasse de Portugal, da China, do Brasil ou dos Estados Unidos, sem nunca ter posto os pés em Macau, que não trouxesse um cartão, uma carta, uma recomendação ou o número de telefone dele. Para simplesmente falar com ele, levar-lhe um abraço de alguém, encontrar um parceiro de negócios ou ser aconselhado sobre um bom restaurante. O número de negócios que proporcionou entre portugueses, chineses, macaenses e até alguns marcianos que lhe apareceram à frente é incontável. E a muitos ajudou a construírem fortunas.
Não havia vez alguma que o encontrasse que não tivesse um sorriso, uma palavra amiga, um abraço para oferecer. Até quando o Benfica perdia. Um dia, depois de alguns anos infindáveis e miseráveis, disse-lhe que se quisesse ser candidato eu apoiá-lo-ia para a presidência. Há tempos repeti-o entre amigos. Ele sorria, ria-se, piscava-me o olho e arrancava mais uma fumaça.
Apaixonado pelo ténis e pelo golfe, que praticava com assiduidade, recordo-me de com ele ter acompanhado o primeiro Open de Macau a contar para o circuito internacional. Corria mundo para jogar golfe. Um dia encontrei-o em Guam com a sua inseparável companheira, sua mulher, onde tinha ido experimentar os novos campos. Recordo-me, também, de uma manhã ter ido ter com ele ao banco, tendo ele acabado de chegar de férias. Perguntei-lhe onde tinha estado dessa vez. O olhar cintilante e um sorriso ainda mais largo abriram-se para me dizer duas palavras mágicas: St. Andrews! “Mas estava frio”, acrescentou logo a seguir.
Não sei ao certo quantos governadores de Macau passaram por ele. Não sei quantos lhe ficaram a dever favores, muitos, atenções, gentileza, simpatia, boa educação. Nunca cobrou nada a ninguém. Nem aos chatos. E fazia questão que fosse mesmo assim. Era um tipo de uma seriedade à prova de bala. Podia ter saído do BNU e ter tido todas as “avenças” que quisesse, só que a sua liberdade, o seu espírito livre e rebelde, a sua honradez e o seu carácter nunca o permitiram. O José Manuel Brás Gomes podia ter sido Governador de Macau. E teria sido, seguramente, o melhor Governador de Macau. Porque o José Manuel Brás Gomes era acima de tudo um construtor de pontes, de estruturas sólidas e duradouras, que ainda por cima sabia conservar com elegância.  
De vez em quando contava histórias do fim do mundo, fazia-nos rir a bom rir. E, todavia, nunca ninguém lhe ouviu uma inconfidência ou soube da boca dele o que não pudesse ser conhecido. Sabia histórias de reis e de rainhas, de ricos e de pelintras simpáticos, do Spínola, de comandos e de fuzileiros, porque teve de lá andar com eles, e também de sacanas da pior espécie e de filhos da puta, que ele também conheceu alguns e distinguia-os à légua. Sabia os nomes deles todos. E gostava tanto de esquerdistas, comunistas ou de socialistas, entre os quais sabia que eu me incluía, como gostava de sportinguistas. Porém, duvido que algum tivesse deixado de ser seu amigo ou de lhe dar um abraço por essa razão. O José Manuel era franco, leal, directo, um modelo de cavalheiro. Um senhor.
Ultimamente tive o privilégio de estar com ele com mais frequência. Estava com mais disponibilidade, fosse no Clube Militar, do qual era membro da direcção, ou noutro lado qualquer. Encontrava-o regularmente às sextas-feiras, nas reuniões do nosso “Comité Central”. Nos últimos tempos não apareceu. Não podia. Falei com ele ao telefone, há duas semanas, como muitas vezes fazemos com os “camaradas” ausentes sempre que nos reunimos. Não sabia quando regressaria. Avisei-o de que iria ver os jogos com o Galatasaray e o Boavista. Confidenciou-me que ainda estaria por Lisboa nessa altura. Disse-me para lhe ligar quando chegasse, para irmos almoçar. Já não chegarei a tempo.
O príncipe, o José Manuel Brás Gomes, foi-se hoje embora. Vamos todos sentir a sua falta. A esta hora estará a cear noutras paragens, construindo novas pontes. Ou a acender um charuto entre amigos. Rindo a bom rir, espalhando classe, educação e muita liberdade. Era o que melhor sabia fazer.
Portugal, mais do que a muitos outros, fica a dever-lhe o fim honroso do império. Sozinho ele valia por um exército.

8 Out 2015

Entre isto e outra coisa qualquer (Sobre o novo livro de Tiago Saldanha Quadros)

[dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]uando em 2013 iniciámos o processo de concepção do livro Macau Sessions. Dialogues on Architecture and Society queríamos de alguma forma dar corpo, reunir, arquivar, partilhar uma espécie de estado da arte no que ao urbanismo e arquitetura de Macau diz respeito, numa perspectiva contemporânea e acessível ao público em geral, de forma a permitir o alargamento do debate de questões que afinal são do interesse de todos.
Sentíamos que o conhecimento que se produz sobre Macau nesta área do saber estava muito disperso, sendo publicado por autores e especialistas sediados em Macau, mas também nos Estados Unidos, na Austrália, em Singapura, Hong Kong, China e Portugal.
Como poderíamos nós reunir, compilar, partilhar esse conhecimento no sentido de iniciar uma reflexão e um debate que fosse mais universal, mais abrangente, mais relevante e sobretudo mais inclusivo?
Explorámos ideias, alternativas, modalidades. Tratando o livro, como projecto curatorial, e seguindo o exemplo de Hans Ulrich Obrist, optámos pela entrevista, explorando “the idea of an interview with an artist (architect) as a medium” e assumindo que todo aquele que intervém na cidade participa e colabora na criação daquilo que desejaríamos que fosse uma obra de arte.

A entrevista – entre o olhar de um e de outro

Uma entrevista é um diálogo e situa-se entre o que um vê e o que vê o outro (entre-vistas). O diálogo é, por oposição ao discurso, a forma mais dinâmica da inteligência humana, é a inteligência interrompida, interrogada, e por isso estimulada à sua máxima expressão, acuidade, a assertividade no imediato da conversação. Diria mesmo que o diálogo é a inteligência em movimento.
Como método de investigação a entrevista permite enunciar elementos de reflexão extremamente ricos. Há na entrevista, conversação, diálogo um contacto entre o investigador e os seus interlocutores, que obriga a uma sistematização e clarificação dos conteúdos muitas vezes difíceis de encontrar em textos de natureza académica, facilitando por isso um debate mais alargado, mais inclusivo. tiago quadros
Por outro lado, a entrevista permitiria aos entrevistados a partilha de uma dimensão mais humanizada das suas práticas, da análise de problemas específicos, reconstituindo processos de acção, de experiências ou acontecimentos do passado.

A assemblage

Este livro transformou-se numa assemblage: pedaços de “coisas” que se reuniram num único contexto. O conjunto, agrupamento ou reunião dessas “coisas”, “ideias”, “pensamentos”, “práticas”, “pontos de vista” ou “pontos entre vistas” pode revelar e gerar um qualquer número de “efeitos”:

In a book, as in all things, there are lines of articulation or segmentarity, strata and territories; but also lines of flight, movements of deterritorialization and destratification. Comparative rates of flow on these lines produce phenomena of relative slowness and viscosity, or, on the contrary, of acceleration and rupture. All this, lines and measurable speeds constitutes an assemblage. A book is an assemblage of this kind, and as such is unattributable. It is a multiplicity — but we don’t know yet what the multiple entails when it is no longer attributed, that is, after it has been elevated to the status of the substantive. On side of a machinic assemblage faces the strata, which doubtless make it a kind of organism, or signifying totality, or determination attributable to a subject; it also has a side facing a body without organs, which is continually dismantling the organism, causing a signifying particles or pure intensities or circulate, and attributing to itself subjects what it leaves with nothing more than a name as the trace of an intensity… (Deleuze)

Entendido deleuzianamente, este livro pode produzir, pelo menos assim o desejamos, um número infindo de efeitos, em vez de se apresentar como um todo organizado e coerente que procura apresentar uma visão única e dominante. A beleza desta abordagem reside exactamente na liberdade obtida por via da falta de organização sistemática, permitindo a inclusão no seu corpo de um número muito diverso de elementos, que podem aglomerar-se entre si ou entrar noutras assemblages com os seus leitores, livrarias, ou bibliotecas.
Ser curador, na sua dimensão mais contemporânea, significa preservar, no sentido de preservar o património, a arte; significa seleccionar novos trabalhos, ideias, pensamentos, ligá-los à história da arte e das ideias e da filosofia; e apresentá-los de forma única ao mundo, exibindo-os, partilhando-os.
Joseph Beuys falou-nos na ideia de expandir a noção de arte. Gilles Deleuze procurou expandir a noção de livro e Hans Ulrich Obrist expandiu a noção de curadoria. Aqui procurámos situar-nos entre isto e outra coisa qualquer. Ou seja, procurámos o lugar da cidade enquanto obra de arte pública (no sentido em que todos podem/devem participar, colaborar), a entrevista enquanto médium e o livro enquanto assemblage deleuziana ou projecto de curadoria obristiana.
Entre isto e tudo o que este livro assim concebido puder ou conseguir despertar, dar existência.
Enfim, entre isto e outra coisa qualquer, porque ser-se entre, é ser-se por definição indefinido.

Margarida Saraiva
Directora Artística
BABEL – Organização Cultural

8 Out 2015

Donald Tsang

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]ex Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang Yam-kuen, foi formalmente acusado pela Comissão Independente Contra a Corrupção (ICAC) com base em duas ofensas à lei, praticadas durante o período do seu mandato.
Em 2012 surgiram rumores de que Donald Tsang receberia subornos de representantes de grandes interesses económicos. À época foi ventilado que teria feito diversas viagens na companhia de grandes magnatas, nos seus jactos e iates privados, e que tinha alugado um apartamento de luxo em Shenzhen, já a preparar a retirada do governo.
A decisão de levantar o processo surgiu após um período de investigações que se estendeu por três anos. Em Setembro de 2014 o antigo Procurador Geral de Hong Kong, o Sr. Grenville Cross, afirmou que a lentidão da investigação “poderia vir a figurar nos Recordes do Guinness”. O cargo de Procurador Geral, em Hong Kong, está dependente da Secretaria Geral de Justiça. De acordo com o artigo 63 da Lei Fundamental de Hong Kong, a decisão de formalizar uma acusação criminal é, apenas e exclusivamente, da competência da Secretaria Geral de Justiça. Nenhum organismo poderá interferir nas decisões tomadas por esta Secretaria no que respeita a acusações criminais. Na medida em que as relações de trabalho entre o Chefe do Executivo e a Secretaria Geral de Justiça são muito próximas, para que não haja suspeitas desnecessárias, a Secretaria Geral autorizou o Procurador Geral a tomar a decisão de acusar, ou não, Donald Tsang.
Depois de Grenville Cross se ter retirado do cargo, em Junho de 2015, o Sr. Keith Yeung Kar-hung, o actual Procurador Geral, anunciou que a decisão final seria conhecida nos três meses seguintes.
Esta promessa veio efectivamente a cumprir-se. No dia 5 de Outubro de 2015 assistimos à acusação formal de Donald Tsang.
As implicações deste caso são da maior importância, quer para a sociedade civil de Hong quer para os seus funcionários públicos.
Em primeiro lugar, o caso de Donald Tsang constitui um bom exemplo, para fazer recordar a todos os funcionários governamentais de Hong Kong, o significado dos termos “má conduta” e “declaração de conflito de interesses”. Como é do conhecimento geral, em Hong Kong, depois da reunificação, os casos de suborno e corrupção, e outras más condutas envolvendo funcionários públicos, têm vindo a aumentar. O caso de Donald Tsang é o mais “famoso” já que foi Chefe do Executivo de Hong Kong. Ocupou o mais alto cargo oficial. Esta situação é, até certo ponto, um alerta a todos os funcionários públicos para que não lhe sigam o exemplo. É um indicador de que o governo quer manter Hong Kong afastado de casos de suborno e os seus funcionários públicos longe de “más condutas”.
Em segundo lugar, pensando nos residentes de Hong Kong, a formalização desta acusação aumenta a confiança da população. Faz passar, de forma clara, a mensagem de que a Lei se destina a julgar os procedimentos individuais na sociedade. A Lei irá tratar todos por igual, quer o individuo ocupe um importante cargo governamental, ou quer seja apenas um simples cidadão de Hong Kong. Decorre, pois, que a noção de Estado de Direito é uma pedra basilar da sociedade de Hong Kong. O governo permite que sejam as instâncias judiciais a lidar com estes assuntos.
Em terceiro lugar, Hong Kong está actualmente a enfrentar diversos problemas sociais, como por exemplo, aumento de preços, piores condições económicas – devido ao decréscimo de turismo da China continental, etc. O caso de Donald Tsang pode ajudar os cidadãos de Hong Kong a esquecer estes problemas por algum tempo.
Donald Tsang compareceu a tribunal na tarde de 5 de Outubro. Embora o procedimento judicial já se tenha iniciado, Donald Tsang não é obrigado a prestar depoimento perante os juízes no primeiro dia do julgamento. No primeiro dia, o tribunal limita-se a fazer cumprir certas formalidades, que o réu tem de presenciar. A próxima sessão terá lugar a 11 de Novembro.
Se Donald Tsang for condenado, poderá sofrer graves consequências. Pode ver-se privado da reforma de aposentação, à volta de 80.000 dólares de Hong Kong mensais. Além disso, pode também ver fugir o título honorífico “Grand Bauhinia Medal” (GBM) com o qual tinha sido agraciado. O GBM é um título muito prestigiado em Hong Kong. O titular do GBM é convidado pelo governo de Hong Kong para participar em todos os eventos de destaque; por exemplo, a festa promovida pelo governo a 1 de Outubro para celebrar a fundação da República Popular da China. Este título também abre as portas do Primeiro Acesso no aeroporto de Hong Kong. O Primeiro Acesso é uma passagem destinada apenas às elites de Hong Kong. Sempre que a pessoa distinguida com esta honra está a chegar ou a partir de Hong Kong, os serviços de alfândega tratam a inspecção da sua bagagem à parte. Estes benefícios podem ser-lhe retirados se a sua culpa for provada. A decisão de privação de benefícios é da responsabilidade do actual Chefe do Executivo, Sr. Leung Chun-Ying.
Antes da reunificação, Donald Tsang também tinha sido distinguido com o título “Knight Bachelor” (KB). Esta distinção foi herdada do sistema honorífico britânico. O título confere ao seu portador a categoria de “Sir”. No website “Wikipedia” lê-se o seguinte:
“É o degrau mais baixo para quem é armado Cavaleiro pelo Monarca e não pertence a qualquer das Ordens de Cavalaria. Os Knights Bachelor são os Cavaleiros britânicos mais antigos (esta categoria já existia no séc. XIII no reinado de Henrique III), mas os Knights Bachelor encontram-se abaixo de todos os Cavaleiros de outras ordens.”
Se Donald Tsang for condenado perderá o título de Knight Bachelor. Se for o caso, será lamentável porque vai perder tudo.
Será que Donald Tsang vai ser considerado culpado? Ninguém sabe. Só precisamos acreditar que as nossas instâncias judiciais irão proporcionar a Donald Tsand um julgamento justo. Estejamos atentos para ver o que o futuro nos reserva.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

7 Out 2015

Animais e pessoas

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap]fácil de dizer agora, eu sei, pois as “previsões no final do jogo” são sempre mais acertadas mas a verdade é que o resultado destas eleições terá sido dos mais previsíveis de sempre. Por partes: era claro que o PS com António Costa nunca se conseguiria livrar do fantasma de Sócrates, como era certo que o homem não entusiasma ninguém e a velha guarda que o acompanha não ajuda em nada; era também evidente que o PS é um partido ideologicamente desorientado e que não foi capaz de apresentar uma alternativa credível ao governo de direita. Não seria difícil arriscar que ninguém iria entregar a cadeira ao Costa, quanto mais a maioria absoluta que ele ainda pediu no auge do delírio.
Também foi evidente que o Partido Comunista continua a viver num limbo temporal onde nunca perde eleições, antes pelo contrário, desajustado dos dias e que apenas convence os que sempre convenceu. Seria portanto fácil de prever a manutenção dos votantes ou diminuir um pouco porque as pessoas vão morrendo. Ficou mais ou menos na mesma.
Não ficou menos aparente que o Bloco de Esquerda poderia aumentar a sua votação porque as pessoas estão fartas dos partidos do arco da governação, porque aos socialistas lhes falta a irreverência e a frescura (aparente) do Bloco de Esquerda e porque o PCP é o mono que é.
Perante este cenário era evidente a falta de alternativa e, quando assim é, a tendência de muitos é a de optarem pelo diabo conhecido. Ou seja, era expectável que a aliança com o nome mais cartoonístico de sempre (PAF!), a sugerir as bofetadas do Astérix connosco no papel de romanos, não iria ser massivamente derrotada apesar nos continuar a dizer que ‘ou comemos a sopa deles ou não vamos para a rua brincar’.
Tinha de dar empate pois, verdadeiramente, ninguém quer nenhum dos “dois grandes” sozinhos na governação. Era como aqueles jogos onde dá vontade que percam ambos.
O problema da opção comezinha pelo diabo conhecido é que já permite aos líderes Europeus, como o fizeram de imediato, dizer que afinal a austeridade fazia sentido, que os portugueses gostaram e, se for preciso mais, estão prontos para a pancada. Paf!
Perante este cenário político desolador também não seria muito difícil adivinhar que a abstenção voltaria a ganhar as eleições. Este ano, apesar do bruaá que corria antes do fecho das urnas, comentando-se que a abstenção iria finalmente descer, acabou por ser ainda superior a 2011: 41,97% há 4 anos atrás, 43.07% em 2015! Foi também notória a ansiedade da classe politica perante a possibilidade da abstenção descer, desejosa que está de se sentir profundamente legitimada; saiu-lhes o proverbial tiro pela culatra pois mais de 4 milhões de portugueses não votaram. Não é coisa pouca, quando observamos que os PaFes tiveram perto de 2 milhões de votantes, o PS 200 mil menos e o Bloco representa mais ou menos um Rock in Rio e meio com 540 mil votantes.
Mas se o desprezo pelas opções no menu não fosse por demais evidente, veio ainda o Presidente da República lembrar-nos que está bem longe o tempo em que ele era um jovem sadio que saltava barreiras, ao dizer que, e cito, tivemos uma campanha “esclarecedora, serena e elevada e com muito menos crispação”, quando todos sabemos que foi tudo menos isso. Era a acha que faltava para que muitos dos que ainda pretendem manter a sanidade mental achassem que a rapaziada andava toda a brincar connosco e se borrifasse para as eleições.
Esclarecedora, como? Menos crispação, quando exactamente? Não terão as principais formações politicas passado a campanha a acusarem-se mutuamente? Não terão todos continuado a discursar aos gritos? Não terão todos passado a campanha a debitar chavões sem conteúdo prático? Não terão todos anunciado que não fariam acordos com ninguém? Não andaram quase todos a cantar o “My Way” e a ensaiar para o “Kill Bill in São Bento”?
Não era difícil, portanto, adivinhar os resultados destas eleições. Difícil é prever o que vai acontecer agora. A verdade é que a maior parte dos que votam está à esquerda e a mensagem política a retirar pela rapaziada no parlamento e pelo saltador de barreiras reformado só pode ser “entendam-se”, por opção de mergulhar o país numa crise política de efeitos difíceis de antecipar mas que não auguram nada de bom. No clima cavaquiano esclarecedor e de menor crispação onde Costa chegou ao ponto de dizer que o PS não iria apoiar o primeiro orçamento de Estado dos PaFes, onde o Bloco e o PC se recusaram a entender-se com a direita e mesmo entre eles, onde ninguém concorda com ninguém, “all bets are off”. Mas agora que assentou a poeira da campanha está chegada a hora de começarem os ditos pelos não ditos. Como bom partido vanguardista, o Bloco de Esquerda, desejoso de ser o CDS da esquerda e finalmente sentar a bunda no governo e entrar para o famigerado arco da governação, veio ontem piscar o olho ao PS que, como se sabe, tem diferenças insanáveis com eles como a manutenção na Europa ou no próprio euro. Mas, provavelmente, António Costa ter-se-á demitido esta noite na reunião da Comissão Politica e os cenários serão todos possíveis.
Fica também destas eleições o retrato de um país à deriva em termos ideológicos onde a população se sente órfã de alternativas às politicas de austeridade da direita e completamente desfasada das opções politicas à disposição. A menos que a putativa regeneração do PS nos traga algo de verdadeiramente novo; isto se for capaz de se renovar como os Trabalhistas se vão renovando no Reino Unido; mas isso não parece fácil de imaginar porque nem o PS tem um Corbin à vista nem o Seguro é esse algo de verdadeiramente novo.
Mas nem tudo foi mau e isso era mais difícil de prever. Não seria muito difícil prever que a vacuidade das escolhas poderiam vir a permitir a ascensão de micro partidos, como de facto veio a acontecer, mas não seria fácil de determinar qual desses cresceria mais. Podiam ser os Republicanos de Marinho, pelo seu mediatismo e diatribes, o que nos traria umas sessões parlamentares mais animadas com traulitadas à esquerda e à direita, dificilmente seria o MRPP pois está mais ou menos como o PC desde o 25 de Abril e, felizmente, não foram os acéfalos do PNR que apesar de terem registado mais 10 mil votantes do que há 4 anos, com 27 mil eleitores, continuam a não ser suficientes para encherem um estádio de futebol. Calhou, ou é sinal dos tempos, que fosse o Partido dos Animais e das Pessoas a furar o bloqueio. Não é uma má noticia porque, pelo menos, traz um discurso novo, pacifista, progressista, típico de uma nova forma de encarar o mundo, que mais tarde ou mais cedo terá de ser transversal a todas as forças políticas. Talvez sejam uma lufada de ar fresco nos corredores bafientos de São Bento, talvez consigam trazer ideias novas para o debate politico e, espera-se, uma nova forma de falar com as pessoas. Parece-me um sinal importante a registar nestas eleições. E não deixo de registar a curiosidade de que num país onde os políticos se comportam como irracionais, porque animais são todos, seja o partido que defende os genuínos irracionais (serão?) a chegar ao Parlamento nesta fase de aparente vacuidade ideológica. No fundo, parece-me que o que todos devemos ambicionar é que as pessoas sejam tratadas menos como animais e os animais mais como pessoas.

MÚSICA DA SEMANA
PINK FLOYD – “Pigs (Three Different Ones)”

“Big man, pig man, ha ha, charade you are
You well heeled big wheel, ha ha, charade you are
And when your hand is on your heart
You’re nearly a good laugh
Almost a joker
With your head down in the pig bin
Saying “keep on digging”
Pig stain on your fat chin
What do you hope to find?
When you’re down in the pig mine
You’re nearly a laugh
You’re nearly a laugh
But you’re really a cry.”

7 Out 2015

Para-sexual

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]uma biografia não oficial, David Cameron foi acusado de ter metido o pénis na cabeça de um porco morto. Necrofilia para uns, zoofilia para outros. O que pensar de alguém que coagido ou não, durante a sua juventude, tenha enfiado o seu órgão sexual numa carcaça animal? Perdão, tenha simulado um falaccio com a decapitada cabeça de um porco? Se era ou não a real fantasia do primeiro ministro britânico, nunca o saberemos. Nem se o evento de facto aconteceu, não é o tipo de coisas que se confessem ao mundo.
Lembro-me da primeira vez que entrei numa sex shop e de ter visto em destaque filmes pornográficos com cavalos Lusitanos. Reparem: não eram uns cavalos quaisquer, eram cavalos Lusitanos. A fantasia vai tão longe quanto à raça de cavalo. Lembro-me também quando fui ao museu erótico em Paris, e que atenta aos filmes pornográficos dos anos 30 (filmes mudos!) aparece um cão a participar na actividade. Zoofilia soa-me a uma coisa estranha. Poderia tentar entender momentos de desespero, puros e ocasionais, para justificar o acto. Contudo, de acordo com o Kinsey, 40 a 50% dos rapazes que cresceram em quintas experimentou sexo com um animal pelo menos uma vez. Mas há quem se auto-denomine de zoófilo, e nesses casos a atracção é recorrente e o acto regularmente praticado. Pelas mais variadas razões: porque a atracção sexual é forte, porque querem expressar o seu amor e afecto pelo animal ou porque os animais são mais fáceis de satisfazer. E há diferenças entre a forma como sexualmente te relacionas com o animal. As classes de zoofilia começam com o role-play (quando pedes que o teu parceiro se mascare de um animal qualquer para uma noite kinky) e vai até à exclusiva relação sexual com animais, e mais ninguém (humano). Há até diferença entre sexo com um animal com ou sem afecto, a última mais comummente designada por bestialismo, o acto onde se esturpa o animal, pura e simplesmente.
A zoofilia é só uma de muitas parafilias que por aí andam, nome generalizado que se dá ao comportamento sexual desviante. À necrofilia e à zoofilia juntam-se muitas mais. Muitas, mesmo. Cyprinuscarpiofilia descreve uma especial excitação sexual por… carpas. Sim, carpas. O porquê vai para além da minha compreensão. Temos ainda galaxiafilia que descreve a atracção sexual pelo aspecto leitoso da via láctea. Talvez uma tendência natural para os amantes de ficção científica? Para mais parafilias surpreendentes, sugiro a pesquisa. Não se vão arrepender.
Para regulamentar estes desvios no comportamento sexual temos um livrinho chamado DSM, manual de auxílio a psiquiatras e psicólogos no diagnóstico de psicopatologias, que entre distúrbios da mente, tenta definir os distúrbios do sexo. A definição tem estado em constante desenvolvimento porque tem-se percebido que umas preferências sexuais estranhas não são necessariamente patológicas. Será considerada patologia se a tal preferência levar o indivíduo a seriamente magoar-se a si próprio e ao outro, física e psicologicamente. Mas há contudo, preferências sexuais que consensuais entre o casal são desenvolvidas na esperança de contribuir à satisfação plena. Por exemplo, práticas leves de sadomasoquismo ou os mais variados fetiches. Todos felizes. Sim, é preciso que fiquem todos felizes. Urofilia é o prazer sexual em urinar para cima do outro ou receber urina do outro. Sem consenso seria de uma violência (surpresa!) extrema. Não é para todos.
A lição a ser tirada é que preferências estranhas não são anormais, são só diferentes. E cada vez mais, culturalmente, se aceitam extravagâncias que com sentido crítico se incluem no mundo da possibilidades sexuais. Só reflecte a necessidade criativa sexual. Filmes, música, literatura, moda, arte, cada vez mais exploram o enfraquecimento de fronteiras, outrora rígidas, mas agora flexíveis do que uma sexualidade normal poderá envolver. Salvaguardando, contudo, que existem práticas condenáveis que clinicamente se definem como distúrbios, de consequências médico-legais.
O trabalho de casa para esta semana é esse mesmo. Descobre a saudável parafilia que há em ti.

6 Out 2015

A caridade do Pornhub

[dropcap style=circle’]E[/dropcap]m Macau, a atribuição de bolsas de estudo não constitui problema para os nossos estudantes. Diversas empresas estão dispostas a atribuí-las a quem tiver bons resultados escolares. No entanto em Hong-Kong as coisas são diferentes. São concedidas menos bolsas de estudo do que entre nós.
Agora imagine! Se precisasse de uma bolsa de estudo e uma determinada empresa estivesse disposta a concedê-la, ficava contente não é verdade? Mas o que é que acharia se a oferta partisse da empresa “Pornhub”?
Pornhub é um dos maiores websites de vídeos para adultos. Exibe filmes pornográficos. A 3 de Setembro último, o website “discuss.com.hk” publicou uma notícia onde se fazia saber que a Pornhub estava a oferecer uma bolsa no valor de 25.000 dólares americanos. Os requisitos eram simples. Aos candidatos era pedida uma média de 3.2, a apresentação de um texto sobre o tema “Como podemos lutar para fazer os outros felizes?” e a realização de um vídeo com a duração de cinco minutos que “demonstre os méritos do seu trabalho e algo mais que queira apresentar.”
Mais à frente a Pornhub esclareceu que os estudantes que desejassem vir a trabalhar na empresa não precisavam de se candidatar. A Pornhub apenas julga os estudantes pelo valor das suas mentes e dos seus corações. A “pornografia” não era para ali chamada.
O Vice-President da Pornhub, Corey Price, fez saber, via e-mail, que a empresa decidiu atribuir bolsas de estudo por fazer sentido nesta fase do seu percurso. É uma forma de retribuir e proporcionar novas experiências e oportunidades aos fãs da Pornhub.
Críticas favoráveis e desfavoráveis fizeram-se ouvir após este anúncio. Por um lado um comentador sugeriu que representa mais uma bolsa, logo os estudantes terão mais escolhas. Por outro lado, o mesmo comentador, acrescentou que alguns estudantes terão de “fechar os olhos” ao candidatarem-se a esta bolsa. Não vão ter em linha de conta os prejuízos que a pornografia traz à sociedade. Este tipo de bolsa representa mais uma “promoção do negócio” no mundo empresarial.
Independentemente do ponto de vista de cada um, podemos afirmar que, na sociedade chinesa ver pornografia levanta sérios problemas morais. Os jovens estão proibidos de ver este tipo de vídeos, porque os encoraja a ter relações com vários parceiros. É claro que temos também de salientar que hoje em dia a educação é preciosa para a juventude. Como as propinas são muito elevadas, os estudantes com boas médias contam com as bolsas de estudo para os apoiar. Os estudantes com médias mais baixas já não podem contar com estes apoios. É possível que os empréstimos governamentais ou bancários lhes possam valer até certo ponto, mas o problema financeiro persiste. A bolsa da Pornhub pode vir a ajudá-los por um lado, mas também os pode prejudicar, porque é uma forma de promover a pornografia junto deles.
Mas para além da promoção da pornografia, também nos devemos preocupar com o facto de os estudantes poderem vir a tornar-se actores nestes filmes. Em 10 de Outubro de 2010,, o website “hk.apple.nextmedia.com” publicou a história de uma estudante da Arizona State University, Elizabeth Hawkenson. O artigo fez-nos saber que a jovem se tinha tornado actriz de filmes pornográficos. Elizabeth contava que por causa da necessidade de pagar as propinas, que são muito elevadas, precisava de dinheiro e por isso aceitou começar a fazer filmes pornográficos. Só para mostrar que era maior, ela exibia o cartão da Universidade no filme. Despia-se, deixava-se filmar e depois faziam amor. O fotógrafo pagou-lhe 2.000 dólares e garantiu-lhe que o vídeo só estaria disponível para quem quisesse pagar. Ou por outras palavras. Não há dinheiro, não há vídeo!
Este caso foi denunciado por outro estudante que frequentava a mesma Universidade de Elizabeth . Se a queixa for fundamentada, a bolsa de 33.000 dólares, que lhe tinha sido concedida pela Universidade, pode ser confiscada e o resto das mensalidades retirado.
Podemos afirmar que Elizabeth participou num filme pornográfico porque precisava de dinheiro. Este experiência, vinda do outro lado do oceano, pode sugerir-nos outra história. A 18 de Outubro de 2012, o website “nownews” anunciou que Chan Kit Ngan, estudante de Direito da Universidade de Singapura, tinha carregado para o seu blog, um vídeo de cariz sexual. No filme ele simulava violar a namorada. Desafiava ainda o público a comentar o seu desempenho sexual.
Chan Kit Ngan tinha recebido uma bolsa para frequentar a Faculdade de Direito. É evidente que a publicação deste vídeo não foi movida pela necessidade económica Ele próprio afirmou, no decurso da notícia publicada:,
“Como é que a Universidade vai lidar com este caso? Cancelamento ou confiscação da bolsa? Não posso dizer que o assunto não me preocupe, mas se a Universidade for para a frente com o processo, terei de aceitar. Agora já tenho a minha empresa e as minhas poupanças.”
Pela notícia também ficamos a saber que a namorada de Chan Kit Ngan teria afirmado que, mal terminou a Universidade, soube que gostava de se despir da cintura para cima; ou seja, mostrar os seios. Queria ser actriz de filmes pornográficos.
A bolsa oferecida pela Pornhub sugere-nos que, ao aceitá-la, estamos a acrescentar mais um contributo à nossa sociedade, mas, ao mesmo tempo, estamos a aceitar a promoção da pornografia entre nós. Podemos ainda pensar que as propinas elevadas podem dar azo a que os estudantes venham um dia a actuar em filmes pornográficos. Se um caso como o de Elizabeth surgir entre nós, como é que as nossas instituições irão lidar com a situação? Existem, a nível escolar, regras para lidar com estes problemas? Para terminar, como é que as escolas podem lidar com casos como o de Chan Kit Ngan, em que a participação não é movida por necessidades económicas, mas sim por desejos pessoais? Estas são questões que nos merecem alguma reflexão.

* Consultor jurídico da Associação de Promoção de Jazz de Macau
Blog: https://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

5 Out 2015