Arrojado esforço

Horta Seca, Lisboa, 28 Setembro

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e súbito, a mensagem: chegou o Carlos Lopes. Dava jeito aqui que usasse relógio que escrever que o olhei, mas vivemos mergulhados nas horas, sendo impossível escapar-lhes. Era meia hora antes do combinado, pelo que tive que correr. Está certo, natural será que um campeão seja mais rápido e nos obrigue a correr. Os corredores param o tempo, sabemo-lo desde os gregos, abertos à contemporaneidade pelo esforço de professores como o mano António [de Castro Caeiro]. «Sem dúvida, o melhor de tudo é a água./Mas o ouro, que imita o fogo a arder na noite,/distingue-se em excelência de todas as outras riquezas.» Abre logo assim a primeira das Odes Olímpicas, de Píndaro. O ouro visitava-nos e trazia a água da simpatia, vede que combinação. «A fama de Pélops brilha, ao longe, nas corridas das Olimpíadas,/ onde a velocidade dos pés entra em disputa/ e o arrojado esforço é levado ao extremo da força./ O vencedor tem, assim, para o resto da sua vida/ uma serenidade doce como o mel// em virtude do prémio das competições. / Mas não há bem mais supremo para um mortal do que a glória desse dia. / E eu tenho de coroar aquele homem / com a canção do cavaleiro, ao modo eólico.» Que sopro é este que me empurra para me armar em Píndaro e coroar Carlos Lopes com qualquer canção, modesta que seja? Tranquilos, que não me atreverei ao poemar celebratório que logo se parte à passagem da primeira hora. (Sim, estou a pensar naquele passe de Manuel Alegre para Eusébio…) Mas um dos meus heróis está aqui, à distância de um abraço, aquele que abriu loja de desporto na colina mais íngreme da cidade, na montanha maior da minha infância, a das vistas alargadas e arejadas, onde revisitei tantas revoluções, paixões, projectos. A Penha de França não terá sido Olimpo, mas avizinhou-se. Se não bastasse o ouro ganho longe, «onde a velocidade dos pés entra em disputa/ e o arrojado esforço é levado ao extremo da força», acompanhado por cá nas cores que ainda pareciam preto e branco, ainda tinha ido montar bazar nos meus lugares, no topo que exige o máximo da respiração. Ei-lo aqui, à distância de outro abraço, trazendo a frescura da humildade, do bom humor. A selfie não foi apenas a fotográfica, ele desenhou auto-retrato que concorrerá com a medalha que o André [Carrilho] lhe esculpiu. Corro a pô-la na parede, em eólico lugar.

Roterdão, Lisboa, 29 Setembro

Quem chegasse, na exacta hora marcada, tinha que abdicar de um dia soalheiro para entrar nas quatro da manhã de uma sexta ou sábado. Mais: tinha que ultrapassar alguém que se esforçava por prender na entrada uma pesada cortina antes de descer à cave que o ar condicionado teimava em fazer frigorífico. Foi uma entrada a pés juntos no Festival Silêncio. Este cenário, dramático, mas casual, fez-se apropriado para a ocasião: dizer, na voz alta de Joana Bértholo e André Neves, que o olhar múltiplo do Pedro Neves Marques se materializara em ficção. «Morrer na América», que resulta de uma colaboração da Arranha-céus com a kunsthalle lissabon, de João Mourão, leva-nos ao coração da mais icónica e mítica América. Decadente e tecnológico, contraditório e imagético, apocalíptico e, afinal, tão humano, esse coração cujo pulsar tão bem o Pedro capturou. A sua escrita, com raízes na ficção científica, atinge um grau de detalhe único, alimentando um fluxo em contínuo que se torna hipnótico e nos captura como floresta densa, prenhe de cambiantes visuais e tonalidades de pensamento. Houvera atenção e logo se veria que estamos perante um caso sério. Ah, mas são contos, esse parente pobre da miserável literatura. De um dos mais fulgurantes, Liberator, registo: «Neste novo mundo, pelo lutamos, a morte acontece apenas sob a forma de assassinato. Matar Édipo é hoje a única maneira de os jovens se apoderarem da morte, contra, e para lá, do impulso de morte do capital. E neste novo mundo, o que não falta são Édipos por matar; não há falta de reacionários, pedagogos e contrarrevolucionários por abater. Daí que, ao mínimo sinal de mudança, sejamos considerados indiscriminadamente como terroristas. É também essa a razão por que, hoje como naqueles primeiros tempos de mudança, a perseguição política é uma constante.»

Roterdão, Lisboa, 30 Setembro

O dia começou, de facto, ao fim da tarde com os No Precipício Era o Verbo a lançarem o álbum/cd em Lisboa, para um Musicbox cheio, outra casa do maratonista Alex Cortez, que fez as honras e sublinhou o carácter integrado do projecto, do cuidado musical ao cuidado estético. No mais, foi a intensidade do momento e a alegria de folhear o livro na cidade, entre amigos. Banal, apenas isso, o facto de termos andado pelo país, de Paredes de Coura às Caldas da Rainha, antes de o apresentarmos na grande e propícia e ventosa cidade.

Continuou depois com Goraz Voraz, a primeira mostra deste «projecto de spokenword pluri-multi-tutti-desfacetado contra a metronomia do cansaço doble». A partir do topo da bateria, mesmo junto às nuvens baixas, foi orquestrada pelo José Anjos, com o violino da Maria do Mar, o baixo de Pedro Salazar e o hangdrum do Luís Brito a iluminar as paisagens construídas pela Inês Fonseca Santos, a Liliana Ribeiro, a Rita Taborda Duarte, a Cláudia R. Sampaio. O mano Luís [Gouveia Monteiro] apresentou-se com um deliciosíssimo inédito, Alter-eco, para nos dizer que somos os sotaques, as pronúncias, afinal, as vozes. A Catarina [Santiago Costa] também se ergueu tonitruante. A experiência ganhou irritação e interesse ao ser atropelada por uma atitude que se tornou moda em algum poetar destes dias, a arrogância desordeira travestida de gesto político. Não serei eu a explicar a diferença: estudassem.

O cartaz do Rui [Garrido] (que ilustra esta página), criado propositadamente para a ocasião, diz como se há-de a voz erguer do caos: «from the guts to the throat». Terá que ver com gritar ao microfone?

Roterdão, Lisboa, 1 Outubro

Eleições? Nem dei por elas. Futebol? Quase nem dei por ele. Por duas vezes, durante a semana, vi abrir-se nos meus dias uma clareira, durante os ensaios para o que aqui aconteceu. Primeiro, o volume Má Raça, feito para as imagens fortes do Alex [Gozblau], fizeram-se espírito com as improvisações do Filipe [Raposo], mal esta voz triste disparava os versos em melancólicas trajectórias. Fui tecla do piano. Mais entrado na noite, vi-me no Botequim de há 30 anos, deslumbrado com os modos tonitruantes, tão terna e dramaticamente tonitruantes da Natália Correia. Estava com irmãos, o Luís [Gouveia Monteiro] e o João [Maio Pinto], dizendo poemas da sua Antologia de Poesia Erótica e Satírica no fio na navalha, digo, no fio das cordas de uma guitarra eléctrica. Tomara Tu Ter uma Tia assim fez-se projecto-projéctil. O mais extraordinário, penso agora, despido da emoção, foi a naturalidade do sucedido. Não apenas da suave balística dos encontros e cumplicidades, ditas e não ditas, mas sobretudo do veludo de estar em palco. Em comunhão.

5 Out 2017

A independência judicial e o estado de direito

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Fraser Institute do Canadá atribuiu o primeiro lugar a Hong Kong no relatório sobre a Liberdade Económica Mundial, publicado no passado dia 28 de Setembro. No entanto, quanto à independência judicial, Hong Kong não foi tão bem classificado, após escrutínio ao funcionamento dos Tribunais da cidade.

Hong Kong tem mantido a primeira posição na alínea consagrada à Liberdade Económica Mundial desde 1980. Singapura continua em segundo, seguida da Nova Zelândia. A China ocupa o 112º lugar.

Num outro relatório, elaborado pelo World Economic Forum, Hong Kong surge em 13º lugar no que respeita independência judicial, classificação registada no último Índex de Competitividade Global, com uma pontuação de 6.1, num máximo de 7. O ano passado tinha obtido o 8º lugar da classificação. O relatório sobre a Competitividade Global para 2016-2017 avalia as diversas vertentes da competitividade de 138 economias, providenciando uma visão sobre os motores da sua produtividade e da sua prosperidade.

O Secretário da Justiça, Rimsky Yuen Kwok-keung, deu a cara em defesa do Governo da RAEHK, afirmando que o Executivo estava preocupado com a descida de classificação, mas salientou que o relatório ainda tinha atribuído a Hong Kong um lugar de topo na alínea da independência judicial na Ásia.

Rimsky acrescentou que factores subjectivos poderiam ter influenciado a percepção da independência judicial das comunidades locais e internacionais de Hong Kong. Quanto a ele, não via qualquer factor objectivo que pudesse afectar a independência judicial da cidade, já que os Tribunais lidam com todos os casos com imparcialidade e sentido profissional.

Rimsky empenhou-se em provar que a independência judicial de Hong Kong nunca é comprometida. E o motivo que o levou a esforçar-se por clarificar esta questão prende-se com a importância do tema. A independência judicial verifica-se quando as decisões dos Tribunais não são influenciadas pelo poder executivo, nem pelo poder legislativo. As deliberações do juiz não deverão estar dependentes de qualquer pressão, de forma a poderem ser justas e rectas. Só desta forma se pode garantir que o interesse das partes em conflito esteja assegurado.

Para garantir a independência judicial, actualmente em Hong Kong a nomeação do juiz é permanente. Não pode ser despedido, salvo se existir algum erro grave que o justifique. Só se retirará quando atingir a idade da reforma. O facto de não temer o despedimento coloca-o à vontade, mesmo em casos que levem o Governo a Tribunal.

Em segundo lugar, é necessário considerar que um juiz é humano e pode cometer erros. Para o proteger a lei confere-lhe imunidade legal. O juiz não pode ser processado por nenhuma das partes em conflito, ou indiciado pelo Governo por ter cometido um erro jurídico. Se algum dos litigantes ficar insatisfeito com a sua decisão terá de recorrer a um Tribunal de instância superior. A imunidade legal protege o juiz. Sem esta protecção poucos aceitariam este cargo.

Em terceiro lugar, garante-se que não existirá qualquer pressão na sala de audiências. Neste sentido, a imprensa nunca deve dar atenção excessiva a casos em julgamento. Devem também evitar-se demonstração de protesto contra o juiz.

Os pontos mencionados não se excluem entre si. Para defender a independência judicial devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance.

A independência judicial está também intimamente ligada ao Estado de Direito e à noção de que todos têm de agir de acordo com a lei. A lei deve estabelecer os padrões básicos dos comportamentos sociais. A Lei terá sempre de ser o instrumento de resolução de qualquer contenda. Todos devem ser iguais aos olhos da lei. Se alguma das partes em confronto desfrutar de qualquer benefício, não estaremos a ser governados pela lei e a injustiça imperará.

No entanto, dois relatórios atestam em simultâneo a descida de posição de Hong Kong nesta alínea, e o assunto terá de ser debatido. Embora Rimsky tenha afirmado que não existem factores objectivos que justifiquem a descida de classificação, os comentários dos relatórios parecem muito preocupantes.

Mas poderemos analisar os relatórios de outra forma. A razão que nos leva a recorrer à lei para solucionar contendas é a confiança que depositamos na sua capacidade de criar padrões. Se o nosso comportamento estiver em conformidade com o estipulado, em caso de contenda confiamos que a lei estará do nosso lado. A lei existe para proteger os nossos interesses. Mas a lei não é uma arma com que possamos atacar os nossos oponentes. A lei gera uma crença que orienta os nossos espíritos. Acreditamos que a lei nos ajuda a resolver os nossos conflitos, é-nos, portanto, útil.

Com dois relatórios a criticar a independência judicial de Hong Kong, percebe-se que algumas pessoas não estão completamente confiantes no sistema legal da cidade. Será bom que o Governo da RAEHK clarifique a situação. Quando Rimsky afirma que não existem dados objectivos que comprovem qualquer falha na independência judicial, parece-me correcto. Mas a ausência de clarificação por parte do Governo pode criar mais mal-entendidos.

A longo prazo, é melhor para o Governo da RAEHK dar um passo no sentido de reforçar a confiança do público no sistema legal da cidade. A confiança no sistema legal nunca pode ser afectada.

 

Professor Associado do IPM

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

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5 Out 2017

Playboy

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Hugh Hefner, o criador e fundador da revista Playboy, faleceu a semana passada com 91 anos. Há quem o considere um ídolo, um homem que lutou e viveu os seus sonhos e não o dos outros – citação do próprio – ou há quem exalte os valores filantrópicos e liberais do ‘Hef’ e da luta política-social pelo sexo livre e sem preconceitos. Mas também há quem reflicta se se pode considerar feminista o homem que tornou a pornografia um lugar-comum.

Andei a vasculhar nos meios de comunicação o legado do homem-lenda Hugh Hefner, para rapidamente perceber que é polémico. Se há quem esteja de luto porque o símbolo da revolução sexual deixou este mundo, outros estão a mostrar as garras de raiva porque muitos continuam a pintá-lo como um libertador do sexo, quando provavelmente desenvolveu outro tipo de cativeiro. Talvez… um cativeiro para coelhinhas? Mulheres feitas coelhas que, com fatos de corpetes apertadíssimos, peitos generosos, pernas descobertas, orelhinhas acetinadas e, normalmente, de cabelos loiros, eram treinadas e incentivadas a serem o protótipo da mulher sexy. Elas passeariam por entre os homens que frequentavam o Clube Playboy ou seriam um dia fotografadas para a revista, desta vez, nuas.

Do homem fala-se da inteligência extraordinária que foi precocemente reconhecida, apesar de se ter desinteressado da escola. Cresce, aparece, e começa a ter ideias que vêm a revolucionar a forma como a cultura popular vê o sexo e o corpo feminino nu. Nos anos 50, sem grandes expectativas no que ia dar, lança primeira edição da Playboy com a Marilyn Monroe vestida, na capa, e nua nas páginas centrais. A ideia era criar uma revista que pudesse entreter o homem contemporâneo: com textos de autores bem respeitados (e.g. Kerouac) ilustrado com mulheres lindas de morrer a mostrarem-se tal qual como vieram ao mundo. Esta revista popularizou-se de tal forma que veio contribuir para a revolução sexual que durante os anos 60 e 70 tiveram o seu pico de expressão.

Por isso, sim, as ideias do falecido trouxeram algum empoderamento sexual ao mundo, mas ao mundo predominantemente masculino. Esta figura mítica veio capacitar os homens a re-descobrirem a sua sexualidade de forma a gozarem o desejo sexual de forma livre e desinibida – normalmente com uma revista Playboy escondida debaixo da cama. Se trouxe alguma coisa à sexualidade das mulheres… aí é que as opiniões divergem. Parece que as opiniões caem entre julgá-lo um feminista ou um chulo.

As evidências políticas apontam para uma preocupação da sexualidade feminina – ao ter apoiado a distribuição livre de contraceptivos femininos ou pela legalização do aborto. Mas o resto do pacote comercial que passava cá para fora… aquela mansão, as sete namoradas, todas loiras e ‘plastificadas’ por um cirurgião ou as constantes entrevistas em que reforça a ideia de que as mulheres são e serão objectos do sexo…

Eu consigo reconhecer o que de bom o homem trouxe ao nosso sexo e à sociedade globalizada. Aliás, os mais de cinquenta anos de existência do conceito constitui uma bela colecção de como o corpo da mulher (e o padrão de beleza) tem-se alterado. De mulheres com corpos de ampulheta, mamas de grandes e variadas aréolas mamárias vimos transformarem-se em mulheres mais esguias e de peitos mais artificialmente avantajados. Dizem as más línguas que era o próprio Hefner que insistia (e contribuía financeiramente) para os implantes das colecções mais recentes de coelhinhas-namoradas. Também dizem as más línguas que as namoradas eram sujeitas a um tipo de tratamento pouco digno, que eram obrigadas a recolherem-se aos seus aposentos todos os dias às 9 da noite, vestidas de pijamas de flanela cor-de-rosa. Os rumores também conjeturam o sexo programado e (provavelmente) forçado entre coelhinhas e um homem idoso.

Graças a ele temos o sexo livre e graças a ele temos mulheres ainda em menor controlo da sua própria sexualidade. Vamos ver agora qual a herança do império do sexo porque o homem já foi. Agora descansa no jazigo ao lado do da Marilyn Monroe, a quem outrora fez capa de revista – sem nunca lhe ter pedido permissão.

5 Out 2017

Palácio de São Bento | Remodelações retiram pintura sobre Macau

Segundo o jornal Público, os interiores do Palácio de São Bento, residência oficial do primeiro-ministro português, estão a ser alvo de uma remodelação, o que levará à retirada do quadro de Fausto Sampaio

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]oucos saberão que, até agora, quando o primeiro-ministro de Portugal falava ao país, tinha por detrás dele a imagem do Delta do Rio das Pérolas. O quadro, que Macau antigo como pano de fundo, vai ser retirado do Palácio de São Bento devido a um projecto de remodelação de interiores, notícia o jornal Público.

A reportagem publicada ontem pelo diário português refere que todas as obras de arte situadas no interior do edifício vão ser substituídas por outros quadros de arte contemporânea.

“Se durante estes discursos fotógrafos e operadores de imagem tivessem conseguido mostrar a placa com o título e o nome do pintor, teríamos percebido que os chefes do Governo de Portugal estavam a discursar em frente a uma paisagem de Macau, actualmente território chinês. Intitulada Porto Interior de Macau, o quadro mostra a foz do rio das Pérolas e foi pintada por Fausto Sampaio em 1936, quando aquele território fazia parte do império português”, lê-se no artigo.

Suzanne Cotter, uma das responsáveis pela remodelação, disse ao Público que o novo quadro que ficará neste local foi alvo da discussão de todos, incluindo da equipa que diariamente acompanha o primeiro-ministro, actualmente António Costa.

“É uma perspectiva muito importante, em termos de imagem, porque o primeiro-ministro geralmente fala aqui”, explicou a Suzanne Cotter.

O jornal recorda que, apesar da sala em questão, com a lareira ao fundo, ser dos locais mais fotografados e transmitidos, a verdade é que poucos se recordavam do local retratado na pintura.

“Quando vimos em directo a demissão de José Sócrates em Março de 2011, em que o então primeiro-ministro falou ao país na Residência Oficial, lá estava aquela foz misteriosa atrás, que olhámos por um segundo para novamente nos focarmos em algo mais dramático como o discurso. Parecia o Douro, mas de um ângulo diferente, com um vale muito mais encaixado. Dois anos depois, já com Passo Coelho em São Bento, a paisagem surgia novamente como cenário durante o anúncio das novas medidas de austeridade feito em 2013.”

Mesmo com um novo Governo e um novo líder, a sala “continua a ser o espaço mais formal da residência de São Bento, onde António Costa recebe os seus homólogos e os chefes de Estado estrangeiros”.

Na Sala da Lareira, como é oficialmente conhecida, passará a estar um quadro amarelo, da autoria de Ângelo de Sousa e pintado em 1989.

Quadro regressa ao museu

A obra de Fausto Sampaio, tal como o total de 35 quadros retirados de São Bento, voltarão a estar expostos em locais como o Museu do Chiado e o Museu de Arte Antiga.

Em sua substituição passam a estar expostos pelos corredores 26 obras do Museu de Serralves, localizado no Porto, no contexto da iniciativa “Arte em São Bento – Serralves 2017”, inaugurada para coincidir com o feriado de 5 de Outubro. A iniciativa estará patente até final deste ano.

Intitulado “Porto Interior”, a obra de Fausto Sampaio foi realizada em 1936. Sendo portador de uma deficiência auditiva, Fausto Sampaio pintou várias quadros sobre Macau, onde viveu vários anos. Falecido em 1956, o artista foi considerado o “Pintor do Império”, por ter representado na tela lugares de territórios que outrora estiveram sob administração portuguesa, como foi o caso de Goa, Damão e Diu.

5 Out 2017

Casinos | Lawrence Ho aposta no Japão

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] magnata Lawrence Ho aposta no Japão para continuar a expansão internacional do império do jogo em casino, a partir de Macau. À frente da empresa Melco International, Lawrence Ho investiu nas Filipinas e na Rússia e quer agora atacar o Japão, onde os casinos foram legalizados em Dezembro de 2016, pelo parlamento. “Ali, nada me segurará”, afirmou o empresário de Hong Kong, numa entrevista à agência noticiosa France Presse (AFP), prometendo apresentar ofertas muito ambiciosas pelas licenças de jogo no Japão.

Para Lawrence Ho, Macau deve continuar a ser a base do grupo, independentemente da sua expansão internacional. “Macau vai continuar a ser o melhor mercado do mundo para os complexos integrados de jogo por ser a porta de entrada na China”, garantiu.

Confrontados com o abrandamento económico da China e a campanha anti-corrupção, lançada em 2014 pelo Presidente Xi Jinping, o continente, os casinos voltaram-se para o mercado de massas, abrindo gigantescos complexos que apresentam várias actividades, da gastronomia ao entretenimento, para compensar a perda dos grandes apostadores.

Em Outubro de 2015, a Melco, cuja capitalização bolsista é de 4,36 mil milhões de dólares, inaugurou em Macau com grande pompa o Studio City, um hotel-casino que afirma ter a mais imponente roda gigante da Ásia e um simulador de voo inspirado em Batman.

Actualmente com 95 anos, Stanley Ho construiu a sua fortuna ao conseguir o monopólio da exploração de casinos em Macau, de 1962 a 2002, data na qual o mercado foi aberto à concorrência. Só naquela altura os gigantes de Las Vegas entraram no jogo. “O meu pai teve a sorte de ter o monopólio durante 40 anos. Mas o governo de Macau decidiu abrir à concorrência. Foi uma boa decisão”, afirmou o empresário, cuja fortuna foi avaliada pela revista Forbes em 2,6 mil milhões de dólares.

5 Out 2017

Jacinta Zhang, estudante de português | Das línguas à gestão

[dropcap style≠’circle’]“[/dropcap]Estudar português trouxe-me uma experiência diferente para a minha vida.” A frase é de Jacinta Zhang, licenciada em Estudos Portugueses pela Universidade de Macau que, após a conclusão do curso, decidiu mudar de rumo. Hoje Jacinta está em Lisboa a frequentar um mestrado em Gestão e Estratégia Industrial na Universidade de Lisboa. A aprendizagem da língua de Camões foi um primeiro passo importante.

Jacinta é da cidade Handan, da província de Hebei, na China. Viveu em Macau quatro anos e deixou de ser uma menina que pouco ou nada sabia sobre o território. Hoje, Jacinta é uma jovem que sabe mais coisas sobre Macau e que diz adorar esta região do sul da China.

Foi graças a um amigo que Jacinta decidiu vir estudar para a RAEM, pois ouviu dizer que se tratava de um território multicultural. Além disso, cedo percebeu que aqui poderia aprender melhor o português, pelo facto de existir uma comunidade portuguesa e ser ainda língua oficial. Isso fê-la deixar a sua terra natal.

O primeiro contacto com o português fez-se não tanto por gosto, mas mais por necessidade. Jacinta Zhang percebeu que o idioma é um dos mais procurados no mercado e juntou o útil ao agradável: afinal, a aluna de mestrado já tinha um interesse natural pela aprendizagem de outros idiomas que não o seu.

Dificuldades e truques

Para aprender uma língua completamente diferente, Jacinta Zhang considera que não há propriamente um método a seguir. É preciso falar muito português, ouvir muito a língua, e aproveitar ao máximo a cultura. No dia-a-dia a estudante costuma ler jornais portugueses ou ver vídeos portugueses e brasileiros no Youtube.

A decisão de estudar gestão e não aprofundar os estudos de português surgiu quase de imediato, tendo optado por usar a licenciatura em Estudos Portugueses como uma “ferramenta”. A aluna já tinha estado em Lisboa e isso fê-la perceber melhor o que queria fazer e diminuiu as possíveis dificuldades que iria sentir caso se mudasse para a capital portuguesa.

Jacinta já pensou desistir do mestrado, pois gestão da estratégia industrial é uma área com a qual nunca teve contacto. Nos primeiros meses recorda que não entendia quase nada do que os professores diziam nas aulas. Foi a única aluna que não dominava o português de forma nativa, tendo sentido muito stress quando tinha de fazer trabalhos de grupo, onde analisava vários casos de administração em empresas.

A aluna depressa teve de arranjar soluções, como comprar livros em mandarim. Além disso, teve a ajuda dos amigos e colegas, e também dos pais, algo essencial para que não desistisse do curso logo no início.

Das saudades

Apesar de ter saído de Macau, Jacinta Zhang assume ter saudades deste pequeno território onde deixou boas amizades e espera um dia poder voltar. Aqui aprendeu mais sobre a cultura ocidental e adoptou outros pontos de vista. Gostou logo da comida local e considera que, aqui, os residentes têm acesso a pratos de todo o mundo.

O facto de Macau ser um território pequeno trouxe-lhe um sentimento de proximidade, o que a ajudou nos primeiros tempos, pois não dominava o cantonês.

Face ao futuro, e uma vez que lhe falta apenas um ano para acabar o mestrado, Jacinta Zhang não se arrepende de ter estudado português, por, através desta língua, poder vir a obter muitas vantagens.

O seu país está a apostar nas relações comerciais com os países de língua portuguesa e Jacinta gostaria de fazer parte dessa estratégia. Nos próximos anos, a mestranda afirma que vai continuar a aprender sempre mais e mais, para que possa ser um símbolo dessa ponte que se está a construir com países como Portugal, Angola, Brasil ou Cabo Verde. Os conhecimentos sobre administração de empresas também terão de ser aprofundados, admitiu.

29 Set 2017

Um cenário que nunca muda

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] abertura de novos casinos em Macau parece não ter fim. Após o Wynn Palace, o Parisian,  o Legend Palace, o mais recente hotel-casino que pertence ao influente homem da comunidade de Fujian acabou de abrir.

O que eu quero salientar é que este casino, o Royal Dragon, e que tem 20 mesas de Jogo, situa-se ao lado de edifícios habitacionais e de escritórios, de serviços públicos e privados, assim como fica perto do IPM. O que as pessoas sentem quando saem de casa ou do escritório e logo se deparam com um casino? Às vezes parece  que são como as lojas de conveniência, que se podem encontrar ao virar da esquina.

Mas teoricamente não são! Como se sabe, as autoridades defendem a mudança do panorama da dependência do jogo. Em 2008 o Governo de Macau anunciou que não ia conceder mais terrenos para construir novos casinos, nem aceitava novos pedidos de terrenos pelas operadoras de jogo.

Ouvi dizer que o terreno onde está o novo casino é da concessão da STDM, mas ser usado como um hotel, não como um casino. O que é duvidoso não é só o funcionamento da zona de massas nesse hotel-casino, mas também a autorização do pedido da transferência de mesas de jogo, quando o responsável da DICJ tinha dito de manhã que a autorização ainda não tinha sido emitida mas à tarde já foi. Um episódio ocorrido na terça-feira.

Recordo que em 2007, o Governo confirmou a ideia de afastar as salas de máquinas de jogo das comunidades, bem como publicou um regulamento administrativo que regula estas máquinas de Jogo.

No entanto, passados quase dez anos, Macau continua a ter novos estabelecimentos de Jogo, abertos uns atrás dos outros. E até agora, ainda existem várias salas de jogo em zonas perto de habitações.

Talvez entre a idealidade e a realidade haja sempre distância. O Governo e a sociedade querem que todos joguem responsavelmente, que os cidadãos não fiquem viciados, sobretudo os trabalhadores de jogo. No entanto, na realidade muitos continuam a perder o seu tempo e a apostar o seu dinheiro nas mesas ou máquinas de jogo, e muitos até pedem ajuda de tratamento para o vício.

Isto não é novidade, mas a influência é consecutiva. O Governo pode introduzir, na lei, a interdição da entrada de trabalhadores do sector do jogo nos casinos fora das horas de trabalho, com vista a reduzir a probabilidade de se tornarem jogadores problemáticos, mas não podem proibir a entrada de residentes em geral.  Muitos deles usam o jogo como um entretenimento banal, o que não é saudável para a comunidade.

Jogar é um acto pessoal e jogar sem vício depende de auto-disciplina. Mas quem tem poder deve criar um ambiente para que os jogadores não criem problemas para si próprios, para as suas famílias nem para a sociedade.

29 Set 2017

Entre o instante e o tempo

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m tradução livre, como na vida. Sinto-lhe o olhar omnipresente e severo de sempre. Ali sobre a mesinha que ladeia a cama em que me esqueço de tudo. Aqui, no pulso a moderar ou a apressar pulsações, passos, palavras, na sua respiração própria, audível, inconfundível. Um olhar que acompanha sempre e procura o meu. Comanda no que pode. Preciso desses olhos sempre a definir o momento. A dar-lhe um nome. É que eu atraso-me para a vida. Perco-me. Confundo os nomes. E sempre que o olho vacilo em denomina-lo. Uma pressa em separar-lhe os rostos. Sobrepostos nesse mostrador redondo e lunar.

Cronos. O que tenta mover a minha vida de sempre. Absurdo e tirânico. A mergulhar-me nesta culpa de nunca lhe dar contas certas do que me dá para os gastos. E o outro. Como dois padrinhos inseparáveis para a vida. Preferia-os fadas madrinhas, talvez mais doces, compreensivas e cúmplices na minha imperfeição. Mas não. O de baptismo, com a marca indelével do que é rápido e imparável, inultrapassável na corrida, e o de casamento sereno e contido, sempre em espera de uma resposta sim. Padrinhos severos sempre a seguir-me, em todos os momentos na sua ordem, e em cada momento único em si, com esse olhar duplo para que não falte ao duelo diário. Ali, entre as árvores logo pela manhã. Mal acordada e já confusa como se soprada pelo vento que emana quase perceptível daqueles olhos. O que me faz correr. O que me obriga a parar. Que olho a pedir ajuda desesperadamente. Que me deixe parar e proteja do outro. Que faça valer uma magia maior. Que me tire a arma das mãos e me deixe esquecer do que e para o que ali estou. Todas as manhãs. Assaltada pelo rodopio de coisas em camadas baralhadas e complexas. Desarrumadas pelo rápido mergulho no sono, pelos ecrãs de cinema que no escuro me tomaram os olhos fechados. Tudo a ter que organizar todos os dias. Olho as roupas certinhas e direitas na cadeira da véspera, e não entendo porque não ficou ali, assim, a vida inteira à espera da manhã.

É para ele que me viro como para norte. A eternidade voláctil e possível do – apesar de que – nunca mais, para sempre tenuemente, fugaz eternidade do enquanto dura. De um, o outro, reflito a mágoa de ver perecer a memória no espaço do que já é tarde, que é perda, e na aversão angustiada ao que não é. Já. E, não o sendo, já, marcado com o sinal vermelho do irrepetível e impossível de reter. Esse Cronos em corrida. Que faz correr e olhar para trás a ver se toda a memória nos segue obediente. Arrumo como consigo as memórias, no abismo do espaço indexado à dor da perda. Delas apego-me sobretudo e obsessivamente aos objectos que, físicos e visíveis, em Cronos e Kairós, se tecem numa teia de cronologia desde o passado e prometem permanecer. Em registo, em memória e em futuro. Não mais que os objectos, quero para memória. De que não vivo, que me tomam espaço e tempo meu, mas de que cuido como bichos de estimação. Porque mesmo a história que contam todos os dias, é uma realidade presa a eles e ao olhar com que os toco. Quando a vida se diverte em inventar formas e fórmulas múltiplas de se fazer ausente. O que foi, em memória, é suplantado pelo que já não é. Não há memórias boas. Assim. Em certos dias. Por isso me arrastam para esse duelo diário e surdo, esses personagens que apadrinham. E os sonhos. Que me acompanham como sombra amiga de cada passo para a vertigem do momento seguinte. Ou os anjos. Se for a mesma coisa. De outro modo, seria insuportável. Cronos.

E a procura de uma paisagem tranquila, é ânsia dramática no vórtice de imagens que me assaltam. Uma geografia de rigor na necessidade de conversar a sós com Kairós. O meu favorito dos dias. Que procuro com os olhos inquietos quando não o sinto nítido. E procuro sempre. E tudo se define na cor da paisagem. Uma harmonia de desencanto ou de uma alegre serenidade.

O que não existe mata ou mortifica, é a questão que o Cronos dos dias, espreitando eu desconfiada o relógio, como se aí existisse ele, eu, me coloco. Ou a vida no eterno presente. Porque o que o monstro engoliu, na sua voracidade incontornável, não pode nunca voltar em memória que não seja a da falta, da morte, da diferença entre ser e já não ser, existir e já não existir. O que há de bom nos fotogramas que vêm ao de cima dessa espuma, é tocado da intolerância que se gera no contacto com a morte. Do tempo. De cada fracção de tempo. Já nada é. Do que foi. O que é, situa-se no eterno e intangível presente. Esse espaço habitado em transição por Cronos, sempre voraz e sempre atento. E o outro, também. Numa luta sem quartel e sem vencedores. Nós nunca. O tempo, talvez saia com esgar vencedor, mas, se nos vence em definitivo, procurando outra morada. Talvez se ame, sem poder evitar, na realidade, esses dois parentes, sempre a competir, sempre zangados, mas sem se perderem de vista. O que me devora – e nada em mim quer restar para sentir a falta do que foi devorado – e o da eterna ventura de viver o presente, como como se existisse sólido e dádiva de renovação. Sim, como dois padrinhos atentos, num duelo de século passado, em que ambos nos querem bem e mal mas trabalham para o mesmo fim na sua competição. Para nos deixar escolher dentro de limites que nos ultrapassam. E a habilidade da seta a desferir. Na luz variável das manhãs, das tardes, mesmo no limite das noites quase à beira de fim de dia. Quando um nos derrota e atira em frente para a solidão do momento, o outro refaz o olhar e apura o tiro. Quando um obriga a olhar para trás, o outro se o chamamos com delicadeza e empenho, encobre o primeiro. E envolve no seu abraço confortável.

E no meio disto, rendas e tecidos delicados do vestir para a vida e do sentir, porque se ama os padrinhos como família benfazeja e incontornável. Não consigo poder deixar de amar um e outro desses padrinhos, rivais mas sempre presentes. Cronos cruel e devorador insaciável. Ou o tempo: esse grande escultor, como o denominou Yourcenar. Devora, imparável, como imparável esculpe o momento em síntese em que somos. Constrói apagando. Destrói para limpar. Dá lugar mesmo que da natureza da magoa ao presente que é Kairós, mais difícil de ver, misturado de pinceladas do outro, a querer confundir. A testas a acuidade com que o conseguimos distinguir pelo meio das árvores. O do instante súmula e síntese de tudo o que fomos. O potencial do que seremos após a próxima síntese. Confusos de identidade. Esses dois. Como lugares. Oscilo entre um e o outro. Outros dias, ao contrário.

29 Set 2017

Dias de outono

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] tempo da comunhão é cada vez mais passado. É cada vez menor. Mais curto. É uma franja de tempo em que nos encontramos, como numa refeição, agora, quando há tempo. Cada vez mais almoços de trabalho e jantares de colegas. Cada vez comemos mais sós. Com a cabeça apoiada no armário da loiça. Engole-se a sopa da tigela, sem colher. Mete-se pão à boca. Não há tempo a perder. E para quê já nem sabemos bem.

Uma interrupção mínima no que achamos que é o trabalho. Mas nem é tempo para o trabalho. Podemos perder tempo sem o lamentarmos. É o tempo em que estamos blindados a exercer uma profissão, o momento em que convivemos mais connosco. Nem é para reflectir ou para progredir. É para nos esquivarmos ao outro tempo vazio em que somos obrigados a ter que nos ver a sós connosco. Quando olhamos o abysmo de tudo a ser sorvido rapidamente, décadas de tempo engolidas, pessoas desaparecidas e as divisões das casas que se mantêm iguais. Talvez com os livros que envelheceram e ganham a cor do tempo. Tudo desbota, perde saturação e cor. Nos momentos em que se percebe a passagem do tempo, já nem tristeza se sente. É uma angústia colossal. Ciclópica. O início dos anos lectivos, os aniversários, o fim das férias grandes que agora é como se fossem as últimas. Não sabemos quantos de nós vamos sobreviver até ao final do ano lectivo, se vamos celebrar o Natal e vamos de férias. Quando o Outono chega, mata um Verão que não foi bem Verão a não ser porque a estação é quente. Já nem vamos à praia, nem temos tardes infinitas à espera do jantar, nem noites de véspera de dias grandes. Fazemos exactamente o mesmo que fazemos se não fosse Verão. Já nem saímos para lado nenhum. Ficar é ter partido. A estranheza dos sítios é essa. Tudo igual. Tudo muda, sendo igual. E inventam-se os sortilégios que nos resgatam um pouco ao abysmo, uma memória que voa até nós pesada com o bater de asas de aves antigas, já sem existência biológica. Frases musicais soltas das crianças que brincam no pátio da escola, como se as gargalhadas soltas tivessem sempre o mesmo suporte: crianças ou adolescentes à beira de mergulharem para o abysmo, sem perceberem que os dias dourados são estes, sem serem especiais a não ser por serem vividos por quem está a começar a vida e tudo é novo e nada é estafado. Fica tudo depois velho de mais, esbatido, esfumado, neutro. A idade em que toda a gente é gira ou o parece e o mundo é hospitaleiro, não há assassinos e ninguém traiu outrem só por ser. Só por ser traímos outros, sempre sem querer. Nem sabemos porque só por sermos ferimos outros. E somos feridos por outros.

A ausência não é só a da distância. Nunca é, mas pode confundir. As fronteiras coexistem paredes meias em campos de vida que não se tocam já. E quando do passado vem alguém que ainda tem contas a prestar ou quer que lhe prestemos contas, não se apercebe que nada nunca chega bem, quando chega ao fim. Somos diferentes de nós e a distância a que nos encontramos dos outros é inexorável.

Se houvesse uma abertura disposicional, dar-se-ia a viagem ao passado. A vibração, modulação, baloiço, embalo. Cair na juventude, na disposição de que tenho num breve lapso de tempo uma ténue penumbra, como uma brisa ou corrente de ar que me traz o aroma de então, o modo de sentir as coisas.

O Outono transfigura a paisagem. Regresso ao ano lectivo de todos os anos lectivos. Nunca saí da escola. A disposição de uma vida cheia de salas de aulas, caloiros que pela primeira vez têm o primeiro semestre do primeiro ano. Já nem sei bem o que ensino e regressar à escola é regressar a qualquer coisa como uma prótese que me protege de não sei bem o quê: salas de aula e recreios e bibliotecas e jovens pessoas a quem ensino as condições de possibilidade da experiência.

O fim da tarde é mortiço como é a vida toda transformada numa segunda-feira. Realmente o Outono é uma grande segunda-feira que não chega a terça, nem vem depois de domingo. O ano lectivo não tem as férias grandes entre si e o final do ano lectivo transacto. É um começo estilizado. Já sem início. Um começo falso. Tudo à beira do fim. Sinto brisas, ventos, correntes de ar, ventanias, tudo como uma inundação, um alagamento. Chegam aromas de paisagens improváveis com fragrâncias quentes. Entre obscurecimentos e o clarear da aurora, há uma iluminação irreal, tonalidades de Setembro. Tudo mergulha no Inverno que virá. Há uma saturação no ar que frustra o início.

Disposição no seu sentido: Nada do que é parece. Não há dentro nem fora, nem entrada nem saída, nem fundo nem superfície. E, contudo, é frustrante este mega em mim. A mim.

29 Set 2017

Armazém do Boi abre portas em 2018

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] já a partir do dia 1 de Outubro, domingo, que o espaço cultural Armazém do Boi estará fechado ao público, “a fim de melhorar as suas condições em prol das suas operações futuras”, anuncia o Instituto Cultural (IC) em comunicado. O IC prevê que o Armazém do Boi volte a funcionar na segunda metade de 2018.

Vão ser feitos “trabalhos de reparação em todo o Armazém, incluindo a reparação de todo o telhado, paredes externas e internas e sua impermeabilização, trabalhos de drenagem e a substituição e recuperação do chão, janelas e portas”.

Quanto ao concurso público, o IC deseja que “todas as associações artísticas locais interessadas em promover as artes visuais e o desenvolvimento das artes comunitárias” possam submeter as suas propostas para a utilização do espaço.

A ideia é que se possa criar “um novo método cooperativo para encorajar a participação e actividade das associações civis, a fim de revelar a diversidade do panorama artístico de Macau”.

Outras paragens

Localizado na Avenida do Almirante Lacerda, o antigo Estábulo Municipal de Gado Bovino e Canil Municipal de Macau foi classificado em 2017 como edifício de interesse arquitectónico. O edifício do antigo Estábulo Municipal de Gado Bovino foi construído em 1912 e reconstruído em 1924, sendo composto por dois edifícios paralelos com a tipologia de grandes armazéns, um dos quais (actualmente conhecido por Armazém do Boi) passou a ser usado como espaço expositivo em 2003 e passou a estar sob a égide do IC em 2016.

No ano passado, durante uma vistoria ao edifício, foram detectados alguns riscos de segurança causados pelo envelhecimento e degradação do mesmo, explica o IC.

A associação que actualmente está no Armazém do Boi teve de sair, mas segundo explicou a sua responsável, Gigi Lee, ao HM, a ideia é continuarem o trabalho que têm vindo a desenvolver.

“Saímos das instalações e vamos trabalhar com as pessoas ou trazemos a comunidade para integrar as nossas actividades. É um trabalho muito interessante e que merece ter continuidade.”

29 Set 2017

Música | FIMM dá espaço aos jovens do território com “Bravo Macau!”

Um dos primeiros destaques do arranque do Festival Internacional de Música de Macau é a promoção de jovens talentos locais na área da música clássica. No sábado arranca a primeira de duas edições do “Bravo Macau!” onde o palco será dado às novas esperanças da cidade

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s ideias por detrás do programa “Bravo Macau!” é dar a conhecer o desenvolvimento da música clássica local e mostrar o talento dos jovens que dão os primeiros passos no mundo musical. O primeiro concerto do 31º Festival Internacional de Música de Macau (FIMM) no âmbito deste ciclo de concertos acontece amanhã, às 20h, no Teatro Dom Pedro V.

A violinista Lo Cheng Io, a pianista Suiong Wong, a harpista Leong Cheok Wun e o violoncelista Ho Chun sobem ao palco da histórica sala para interpretar composições de Brahms, Saint-Saens e Schubert.

Lo Cheng Io é uma adolescente de 16 anos apaixonada pelo violino desde os seis anos de idade. Quanto completou 13 anos ganhou o primeiro prémio na Competição de Jovens Músicos de Macau e em 2014 arrebatou o prémio do Departamento de Assunto Culturais. Com um futuro promissor pela frente, Lo Cheng Io fez-se ao mundo e foi estudar para a Escola de Música de Manhattan onde aprofundou a técnica de violino sob orientação do Professor Nicholas Mann.

Outra das estrelas que actua amanhã é Suing Wong, uma pianista que tem um mestrado em performance de piano da New York University. Actualmente, Suing Wong é professora de música no Estado do Vermont e faz frequentemente tournées de concertos de piano.

Segundo acto

No domingo realiza-se outro concerto do “Bravo Macau!”, com a subida ao palco do Teatro Dom Pedro V, às 20h, da harpista Leong Cheok Wun e do violoncelista Ho Chun, que apresentam os seus dotes musicais numa noite dedicada às cordas.

Os jovens vão atacar obras compostas por Bach, Ravel, Takemitsu, Glass, Schumann, Dvorak e Prokofiev.

Leong Cheok Wun é harpista da Orquestra Sinfónica de Guangzhou e professora de harpa no Conservatório de Macau e figura entre o naipe de talentos locais que beneficia do Programa de Concessão de Subsídios para Estudos Artísticos e Culturais do Instituto Cultural.

Ho Chun é um dos membros da Orquestra da Universidade de Música e Artes Performativas de Gratz e participou em digressões com a Orquestra de Macau e a Orquestra Chinesa de Macau a Portugal e outros países da Europa como músico convidado. Ganhou numerosos prémios no Concurso para Jovens Músicos de Macau e no Concurso de Violoncelo China Egeu, tendo ainda vencido o Prémio Lótus da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude de Macau.

29 Set 2017

Rui Reigoto gostava de voltar ao Circuito da Guia

[dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]ui Reigoto é um nome incontornável do motociclismo de velocidade em Portugal. O piloto de Chaves que coleccionou ao longo da sua carreira desportiva vários títulos nacionais nas principais categorias do Campeonato Nacional de Velocidade, bem como vitórias importantes em provas internacionais, como no Grande Prémio de Macau, gostaria de regressar ao Circuito da Guia em Novembro, no entanto, a regulamentação do 51º Grande Prémio de Motos de Macau não o permite.

Actualmente, os requisitos de participação na prova de duas rodas do Grande Prémio obrigam a que os pilotos tenham participado na prova do território nos últimos dois anos (2015 ou 2016), ou então que tenham tomado parte em eventos de estrada como a Ilha de Man, o Grande Prémio do Ulster ou a North West 200. Apesar de cumprir o segundo critério, que exige a que os pilotos tenham competido nos últimos anos na classe Superbikes ou Superstock 1000 de um campeonato nacional reconhecido, Reigoto já não corre no Circuito da Guia desde 2008, onde tripulou uma Kawazaki na agora extinta classe Supersport, nem tem possibilidades de participar nas provas britânicas. Esta situação não deixa de ser frustrante para um piloto que também conquistou títulos em provas de resistência.

“Sempre que fui a Macau obtive bons resultados e só por uma vez não fui o melhor português”, relembra Reigoto ao HM.

Questionado pelo HM se a organização da prova deveria abrir uma excepção para o seu caso, o piloto de Chaves é bastante claro:  “Não digo abrir uma excepção só por abrir. Sou um piloto que já ganhei em Macau em 1998 e 2000 (classe Supersport) e acho que os vencedores deveriam ter uma atenção mais especial. Felizmente tenho um currículo que fala por mim.”

Vontade não falta

Se num passado recente Portugal contava com três motociclistas nas grelhas de partida do Grande Prémio de Motos, este ano, a exemplo do que aconteceu em 2016, apenas André Pires cumpre os requisitos de selecção para estar presente na prova. Apesar das restrições, o evento da RAEM continua a despertar bastante interesse em Portugal e a Federação de Motociclismo de Portugal (FMP) não esconde que gostava de num futuro próximo contar com uma participação mais numerosa.

“Não são os portugueses que não querem ir… Macau é que não deixa ir ninguém sem antes participar noutras provas que se realizam no Reino Unido”, salienta o piloto da equipa lusa Yamaha Reigoto JBS / Anubisnetworks. O piloto nortenho admite que “não tem receio em participar em qualquer prova desde que tenha um pouco de colaboração dos organizadores, pois não vivo a 100 km das provas em questão, mas a mais de 3000 km…”

Reigoto, que nas pistas portuguesas mantém a invencibilidade esta temporada na categoria de Superbike, após ter vencido ambas as corridas do passado fim-de-semana no Autódromo do Estoril, realça que  “desde que eu e o Luís Carreira deixamos de correr em Macau, nunca mais tivemos um português ao nosso nível. Os resultados de todos falam por si”.

Embora este ano não possa competir na prova e de uma alteração nos critérios de selecção do Grande Prémio de Motos ser pouco provável a curto prazo, Reigoto reconhece que “ir a Macau ainda hoje é um sonho, porque adoro a pista, as pessoas e a atmosfera do Grande Prémio…”

O Circuito da Guia continua a preencher o imaginário dos pilotos de motas em Portugal e a FMP quer manter as boas relações com os agentes do território, sendo expectável que o actual cenário melhore para os pilotos lusos nos tempos vindouros.

29 Set 2017

Benfica de Macau garante licenciamento para Taça AFC

O Benfica de Macau está a um passo de a participar na Taça AFC, depois de se ter tornado o primeiro clube do território a ter uma licença oficial da Confederação Asiática. Agora, falta o estádio e o dinheiro para as despesas dos jogos

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] presença do Benfica de Macau na edição de 2018 da Taça AFC (Confederação de Futebol Asiática) ficou mais próxima de se concretizar, após as águias se terem tornado o primeiro clube do território a garantir uma licença para participar na competição. A decisão da AFC foi comunicada ao clube, na terça-feira, e revelada ontem, em comunicado.

No entanto, para que o clube dirigido pelo macaense Duarte Alves se torne na primeira equipa de Macau a participar na competição, é preciso garantir um estádio e apoios financeiros que permitam fazer face a todas as despesas. A situação foi explicada, ontem, ao HM, pelo próprio administrador do Benfica de Macau.

“Agora tudo depende de factores financeiros. Nos jogos fora, a AFC dá um subsídio para as viagens, que nem sempre cobre todas as despesas. Mas nos jogos em casa, temos a responsabilidade de garantir os recursos de hotel e logística das equipas visitantes. Também temos de arranjar um estádio e tratar da logística para a realização dos encontros”, disse Duarte Alves.

Esta é uma situação nova para qualquer clube do território, pelo que Duarte Alves admite que só vai ser possível concretizar com os apoios da Associação de Futebol de Macau (AFM) e do Instituto de Desporto (ID).

“Temos de cobrir os custos de 20 quartos de hotel para os visitantes, mais 10 para os membros da AFC. Também temos de pagar os custos de alimentação e esse tipo de despesas para os agentes vindos de fora. Para um clube de Macau, esta realidade não é fácil e vai ser necessário fazer parcerias com a associação, o ID e empresas locais”, admitiu.

O responsável das águias elogiou todo o apoio da AFM, ao longo do processo de inscrição. Agora, espera que a associação possa ajudar o Benfica de Macau com a experiência acumulada com os jogos da Selecção local.

“Temos de ver até onde podemos trabalhar com a AFM e o ID para trazer os encontros para Macau. A AFM tem este tipo de experiência porque é semelhante aos jogos da selecção”, apontou o administrador.

Plantel por definir

Caso todas as condições estejam reunidas, o Benfica de Macau vai ficar no Zona da Ásia Oriental, onde irá defrontar equipas da Mongólia, Coreia do Norte, Taiwan e Guam. Neste momento Kaohsiung City e Taipé City, de Taiwan, Erchin, da Mongólia, e os Rovers FC, de Guam são os possíveis adversários do Benfica já conhecidos.

À semelhança do que sucedeu este ano, a competição só deve começar por volta de Março de 2018, altura em que o Benfica de Macau já estará a disputar a Liga de Elite.

Por isso, Duarte Alves reconhece que ainda tem tempo para pensar na equipa técnica e no plantel para a próxima época. A prioridade, neste momento, é mesmo garantir as condições para a participação na Taça AFC.

“Ainda está tudo muito fresco. Ainda não começámos a definir quem são os jogadores com que vamos contar e os estrangeiros que vamos inscrever na competição”, afirmou. “Primeiro temos de definir bem com os nossos parceiros aquilo com que podemos contar e que apoios vamos ter”, sublinhou.

Questionado sobre os níveis de confiança para a concretização da segunda fase de preparativos, Duarte Alves limitou-se a dizer que “não é impossível”.

29 Set 2017

Tailândia | Amnistia Internacional pede mais atenção aos refugiados

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Amnistia Internacional (AI) pediu ontem ao Governo da Tailândia uma maior atenção aos refugiados, num momento em que mais de 480.000 membros da maioria muçulmana rohingya fugiram para o Bangladesh para escapar à violência no Myanmar.

A directora de Assuntos Globais da AI, Audrey Gaughran, afirmou, em comunicado, que as autoridades tailandesas devem servir de exemplo na região com a adopção de políticas que protejam os refugiados, em vez de os expulsar ou impedir a sua entrada no país.

“O Governo tailandês deve garantir a segurança daqueles que procuram amparo internacional na Tailândia”, disse Gaughran.

“Ao mesmo tempo que se deve felicitar o Governo tailandês por acolher centenas de milhares de refugiados há décadas (…) é preciso substituir a retórica pela acção”, acrescentou.

A Tailândia tem 102.000 refugiados birmaneses em nove campos instalados junto à fronteira com o Myanmar, segundo dados do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

A AI pediu ao Conselho de Segurança, na quarta-feira, que avance com um embargo de armas e outras medidas para o país parar aquilo que apelidou de “limpeza étnica” contra a população civil rohingya no Myanmar.

Cerca de 480.000 rohinyas fugiram para o Bangladesh desde o início da violência, em 25 de Agosto, no estado de Rakain (anteriormente Arakan) no oeste do país, segundo dados divulgados pela ONU.

O Programa Alimentar Mundial garantiu a distribuição de alimentos para estes refugiados até Novembro.

Outras vítimas

Além dos rohingyas, também a minoria hindu em Rakain foi vítima de violência desde que os rebeldes do Exército de Salvação do Estado Rohingya (ARSA) atacaram 30 postos de controlo das forças de segurança, a 25 de Agosto.

Segundo o exército birmanês, foram recolhidos 52 cadáveres e 192 pessoas foram dadas como desaparecidas, todos birmaneses da minoria hindu, em Rakian, onde os militares mantêm uma operação para anular os rebeldes.

O Myanmar estreou em 2016 o primeiro governo democrático – após quase meio século de ditadura militar -, liderado pela Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, que esteve mais de 15 anos em prisão domiciliária por exigir a democracia no país.

Embora Suu Kyi, muito criticada pela “crise rohingya”, lidere a nação, as Forças Armadas mantêm as áreas da Defesa, Interior e Assuntos Fronteiriços, mais um quarto dos assentos nos parlamentos nacionais e regionais, entre outros privilégios que foram reservados na Constituição de 2008.

29 Set 2017

Hong Kong | Morre multimilionário que ajudou a repatriar milhares de timorenses

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m multimilionário e filantropo de Hong Kong que em 1999 ofereceu a Timor-Leste um navio usado para repatriar da Indonésia milhares de refugiados leste-timorenses morreu na semana passada aos 91 anos, informou a família.

Eric Edward Ho Tung, que nasceu em 1926 e foi nomeado embaixador itinerante de Timor-Leste em 2002, era neto do empresário Robert Ho Tung e filho de Edward Ho Tung e da sua mulher a irlandesa Mordia O’Shea.

“Era um amigo de Timor-Leste que em 2000-2003 despendeu milhões de dólares para ajudar no repatriamento de mais de 100 mil refugiados timorenses de Kupang para Díli num navio que ele comprou para o efeito”, recordou à Lusa o ministro timorense José Ramos-Horta, que em 2002 o nomeou embaixador itinerante de Timor-Leste.

Neto de um conhecido filantropo, Robert Ho Tung, que no século passado ofereceu uma biblioteca a Macau, Eric Ho Tung ajudou a libertar bispos e padres que estavam detidos no Vietname e na China, tendo apoiado a Ordem de Malta e institutos de ensino em vários locais do mundo.

Através de uma fundação que criou, Eric Ho Tung começou a ter conhecimento do que se passava em Timor-Leste nos anos finais da ocupação indonésia – depois de contactos com o Duque de Bragança – tendo desde então apoiado vários projectos da resistência e da igreja timorenses.

Pai de cinco filhos e três filhas do seu casamento com a norte-americana Patricia Anne Shea, Eric Ho Tung ficou conhecido em Timor-Leste quando, em Dezembro de 1999, ofereceu um navio que permitiu repatriar mais de 15 mil refugiados que estavam na Indonésia.

A violência de Setembro de 1999, depois do anúncio do resultado do referendo em que os timorenses escolheram a independência, reavivou o interesse que Eric Ho Tung já tinha demonstrado para com a questão de Timor-Leste, tendo nessa altura voltado a contactar o Duque de Bragança para saber “qual era a melhor maneira de ajudar os timorenses”.

A ideia do navio surgiu para preencher as carências que se sentiam em questões de acesso à ilha, já que a maior parte dos transportes estavam nessa altura dependentes das forças militares australianas.

Comprado à marinha australiana e com plataforma para helicópteros, o navio, de 2.500 toneladas e cem metros de comprimento, tinha salas de assistência médica para poder circular a ilha e prestar apoio médico às populações costeiras.

À chegada a Díli a 11 de setembro de 1999 Hotung explicou à Lusa que a oferta do navio era “como um tributo à coragem dos timorenses” que apesar “de todas as ameaças e das consequências votaram pela independência”.

Os primeiros refugiados foram repatriados de Timor Ocidental a bordo do Patricia Anne Ho Tung, o nome do navio que um ano depois já tinha transportado mais de 10 mil pessoas.

Percurso de vida

Natural de Hong Kong, Eric Ho Tung foi viver para Xangai com o pai quando era criança, estudou no Colégio S. Francisco Xavier e regressou a Hong Kong na 2ª Guerra Mundial, altura em que trabalhou nas urgências do Hospital Tung Wah.

Quando Hong Kong foi ocupado pelos japoneses em Dezembro de 1941, Ho Tung foi enviado de novo para Xangai onde esteve em prisão domiciliária, acabando, em 1947, por viajar para os Estados Unidos para estudar.

Depois das mortes do avô em 1956 e do pai em 1957, Eric Ho Tung regressou a Hong Kong onde assumiu o controlo das empresas da família, especialmente nas áreas imobiliária, financeira e de importação e exportação.

Começou a trabalhar no mundo diplomático na década de 80 do século passado, aproveitando os contactos que tinha na China e nos Estados Unidos, ampliando vários programas de apoio que financiaram o estudo a muitos estudantes de Hong Kong no estrangeiro.

29 Set 2017

Lai Chi Vun | Limpeza dos estaleiros vai demorar 20 dias

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] zona dos estaleiros de Lai Chi Vun, em Coloane, vai demorar cerca de 20 dias até ficar totalmente limpa, após a passagem do tufão Hato que causou muitos estragos.

A estimativa é feita pelo Instituto Cultural (IC), uma vez que “alguns trabalhos de limpeza, em algumas áreas, não podem ser levados a cabo por caminhos terrestres”. Os responsáveis pela limpeza do espaço vão “aproveitar a temporada das marés altas”, sendo auxiliados por barcaças “na limpeza dos objectos do estaleiro desmoronado por caminhos marinhos”. Os trabalhos de limpeza “têm feito bons progressos”.

Parte dos materiais servirão ainda para um futuro museu. “O IC irá organizar e estudar os objectos com valor de preservação dos estaleiros, de modo a preparar a demonstração das técnicas da indústria de construção naval no museu futuro, oferecendo ainda alguns objectos aos artistas para a criação artística.”

“De momento, o IC está a dar início activamente aos trabalhos de reforço de toda a área, a fim de assegurar a segurança dos residentes e público ao redor da zona dos estaleiros de Lai Chi Vun”, aponta o mesmo comunicado.

29 Set 2017

Jogo | Estudo alerta para publicidades que apelam a superstições

O trabalho realizado pelos académicos Davis Fong, Lawrence Fong e Desmond Lam, da Universidade de Macau, sublinha os efeitos escondidos da publicidade de promoção ao casinos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] facto das estratégias de marketing dos hotéis com casinos apostarem em símbolos que apelam às superstições dos jogadores é um factor a que o Governo deveria tomar mais atenção, na altura de lidar com o problema do vício do jogo. A recomendação faz parte de um estudo da Universidade de Macau, feito pelos académicos Lawrence Fong, Desmond Lam e Davis Fong (futuro deputado), que foca as superstições, o envolvimento no jogo e o vício.

Ao apostarem em elementos como os amuletos, deuses e números associados ao factor sorte nas campanhas de publicidade, as estratégias de marketing apelam ao que os investigadores definem como as “superstições controláveis”. Ou seja as superstições em que os jogadores acreditam que podem influenciar o resultado do jogo. Este tipo de crença dos jogadores, segundo o estudo, é um sinal que pode indicar a existências de problemas de vício.

“Como as superstições controláveis aumentam o envolvimento no jogo, elementos como os deuses, amuletos, números e cores associados à sorte nas publicidades e design dos casinos devem revelar-se eficientes em fazer com que os indivíduos apostem em diversos jogos e experimentem outros novos”, explicam os autores nas conclusões.

“De um ponto de vista do jogo responsável, os operadores dos casinos devem considerar os efeitos prejudiciais causados pelas estratégias e medidas de marketing. Os reguladores devem acompanhar de muito perto o impacto desta estratégias e intervir, se necessário”, defendem.

Pouca atenção

Por outro lado, esta é uma área à qual o Governo de Macau não tem dado muita importância, no momento de considerar as estratégias para lidar com o problema do vício jogo. Esta é foi a opinião pessoal expressa por Lawrence Hoc, académico, que fez questão de sublinhar que não compromete os restantes colegas.

“O que observámos é que as publicidades em Macau não podem promover directamente elementos ligados ao jogo, mas vimos alguns indícios ou sugestões escondidas, que atraem pessoas aos casinos. É uma estratégia muito eficaz, caso contrário não seria tão utilizada”, afirmou o professor Lawrence Fong, ao HM.

“Mas com base no meu entendimento, a ligação entre as superstições e o comportamento dos jogadores é algo a que o Governo não tem prestado muita atenção, na altura de lidar com jogadores problemáticos. É por isso que sugerimos que o Governo veja as nossas conclusões e no futuro, quando definir políticas de jogo responsável, que tenha em atenção estes factores”, apontou.

Lawrence deixou igualmente um aviso: “A aposta e a crença nas ‘superstições controláveis’ é um dos factores que pode conduzir as pessoas a tornarem-se jogadoras compulsivas. É uma dimensão que o Governo precisa de considerar”, opinou.

Contudo, e em a favor da acção Governativa, Lawrence Hoc Nang Fong reconhece que esta é uma área que necessita de ser melhor explorada, para que no futuro seja possível perceber como as campanhas podem ser menos prejudiciais.

“É uma discussão que ainda precisa de ser mais explorada para haver um equilíbrio maior entre o marketing e as restrições que possam impedir que as pessoas desenvolvam problema”, admitiu.

O estudo, com o nome Controllable superstition and its relationship with enduring and behavioural involvement in gambling, que em português significa superstição controlável e sua relação com envolvimento permanente e comportamental em jogos de azar, foi publicado na revista International Gambling Studies.

29 Set 2017

Turismo | DST prevê 40 milhões de turistas por ano em 2025

A Direcção dos Serviços de Turismo estima que no ano 2025 o número de visitantes possa chegar aos 40 milhões, mais nove milhões do que no ano passado. É expectável que tanto os quartos de hotel como os profissionais do sector cresçam também substancialmente

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Turismo (DST) apresentou o Plano Geral do Desenvolvimento da Indústria do Turismo de Macau para os próximos quinze anos. Durante a apresentação do documento foram elencados as habitais apostas das autoridades que regem o sector turístico, tais como aproveitar as grandes políticas “uma faixa, uma rota”, o projecto da Grande Baía, por aí fora.

Porém, um dos pontos mais salientes foi os desafios criados pelo enorme número de turistas que visitam Macau anualmente. No ano passado, o território que tem pouco mais de 30 quilómetros quadrados, recebeu quase 31 milhões de visitantes.

Durante a apresentação do plano quinquenal, o subdirector da DST, Cheng Wai Tong, mencionou a forma como a escassez de área faz com que o turismo estrangule a vida dos residentes. Aliás, a população ouvida na consulta pública sobre a matéria insurgiu-se contra este aspecto. Cheng Wai Tong explicou que uma das prioridades da DST é gerir as multidões e reduzir o impacto do turismo no ambiente, nomeadamente através dos gastos energéticos e emissão de resíduos.

Macau recebeu quase tantos turistas no ano passado quanto Barcelona, uma cidade com uma área três vezes maior que Macau. Ora, um dos números alarmantes saídos do plano apresentado é a previsão da entrada de 40 milhões de turistas anualmente no ano 2025. Um crescimento de quase nove milhões de pessoas, cerca de 29 por cento a mais do número de turistas que vieram à RAEM no ano passado.

“Temos de ter planos concretos para que no caso desses cenários se concretizarem podermos dar resposta. Temos de criar novas zonas e possibilidades de gerir melhor o fluxo de turistas”, explica Helena de Senna Fernandes. A directora acrescentou ainda que não se trata de uma situação de os serviços procurarem activamente mais turistas, mas sim de estarem preparados para tal. Uma das medidas é desviar a entrada de visitantes do posto fronteiriço congestionado das Portas do Cerco para a posto da Flor de Lótus.

A directora da DST revelou ainda que Macau está em contacto com autoridades do Interior da China para impedir que haja um grande aumento do foco de maior origem de turistas que chegam ao território.

Quartos e trabalhadores

Cheng Wai Tong acredita que se consiga chegar a um equilíbrio entre o número de turistas e o conforto da população.

Outra das previsões é que Macau em 2025 tenha 295 mil trabalhadores na indústria do turismo, contra os 242 mil que se registaram no ano passado. Ou sejam, mais 53 mil funcionários. Um aumento considerável de mão-de-obra, cerca de 21,9 por cento. Se olharmos para o número total de pessoas empregadas em Agosto deste ano em todos os sectores profissionais, 384.200, reparamos que este aumento representaria nos dias de hoje quase 14 por cento, um número enorme.

Helena de Senna Fernandes diz que este salto de necessidade de recursos humanos poderia ser suprido pelo uso de novas tecnologias e da importação de trabalhadores não residentes. Porém, a directora da DST salienta que a entrada de mão-de-obra de fora seria para ocupar posições inferiores, sendo dada prioridade aos trabalhadores locais.

Também o número de quartos de hotel tiveram uma previsão de crescimento considerável, tendo os serviços de turismo estimado poder passar dos 37.634 quartos no ano passado para 51.900 em 2025. Um crescimento 14,266 quartos, o que representa um acréscimo de quase 38 por cento.

Neste capítulo e tendo em conta a falta de terrenos em Macau, Helena de Senna Fernandes revela que ainda não existe nenhuma área reservada para hotéis nos novos aterros, apenas nos terrenos actuais.

Estas projecções de aumento de visitantes a Macau é algo explicado pelos serviços pelas múltiplas características do território, com a legalização do jogo à cabeça. De resto, o posicionamento geográfico, a história da cidade e a diversidade de eventos culturais que Macau oferece também desempenham um papel na atracção de visitantes.

A abertura do parque temático da Hello Kitty foi um assunto que Helena de Senna Fernandes também abordou. A directora da DST explicou que este não será “da envergadura do Disney ou Ocean Park porque não há espaço”.

A líder dos serviços de turismo esclareceu que este tipo de projectos terá forçosamente de ser mais pequeno, apenas numa perspectiva de acrescentar novas atracções para quem visita Macau.

29 Set 2017

Tribunal | Executivo ganha caso de recuperação de terreno na Taipa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Companhia de Investimento Predial Pak Lok Mun perdeu no Tribunal de Segunda Instância o recurso interposto para evitar a perda da concessão de um terreno na Taipa, na Avenida de Kwong Tung, com uma área de 2 209 m2. A decisão foi conhecida ontem e a principal justificação prende-se com o facto do tribunal ter dado como provado que o terreno não foi aproveitado por responsabilidade da concessionária.

Depois de em 1964 a concessão, com um prazo de 50 anos, ter sido entregue para a construção de uma fábrica à empresa Fábrica de Artigos de Vestuário Estilo, que tinha como principal accionista Stanley Ho, em 1999 o contrato foi revisto. O terreno, que nunca tinha sido aproveitado, foi entregue à Pak Lok Mun, que actualmente tem sede no Hotel Lisboa. À empresa foi dado o prazo de 48 meses para construir a fábrica.

Porém, a Pak Lok Mun justificou que não conseguiu aproveitar o terreno, devido à crise do imobiliário vivia em Macau entre 1996 e 2004. Justificação que não foi aceite pelo tribunal.

“Se a crise estava em Macau desde 1996, como ela própria reconhece, e se durou até 2004, então qual o motivo porque aceitou a revisão do contrato e se comprometeu a cumpri-lo na data da sua celebração (1999)?”, questionaram os juízes. “Havia crise? Então, não aceitava o contrato, pelo menos naqueles moldes”, é ainda respondido no documento.

A primeira decisão de recuperar este terreno, conhecido como lote BT11, foi tomada, pelo Governo, em Maio 2015.

29 Set 2017

Wong Kit Cheng questiona atrasos em projectos na área da saúde

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] deputada Wong Kit Cheng, recentemente reeleita nas últimas eleições legislativas, entregou uma interpelação escrita ao Governo onde questiona os atrasos em diversos projectos de infra-estruturas na área da saúde.

“O ‘projecto de melhoramento das infra-estruturas do sistema de saúde – planeamento a dez anos’ já foi elaborado há sete anos. Qual é então o ponto de situação das obras que estão a ser realizadas nos centros de saúde de São Lourenço, Ilha Verde e Seac Pai Van, assim como noutras instalações médicas?”, questionou.

Wong Kit Cheng deseja saber “quando é que [esses espaços] vão ser inaugurados, para se poder prestar um serviço médico conveniente e de qualidade à população?”

Segundo o projecto de planeamento referido pela deputada, os centros de saúde da Ilha Verde e Seac Pai Van deveriam ter sido inaugurados em 2013 e 2015, respectivamente.

“Devido à falta de experiência ainda nos deparamos com limitações no desenvolvimento do sector da saúde. Quer o software, quer o hardware para o desenvolvimento do sector estão muito aquém do desenvolvimento sócio-económico e demográfico de Macau”, escreveu a deputada, que lembrou os atrasos nos acessos a consultas médicas.

Onde estão os dados?

Wong Kit Cheng, que antes de ser deputada foi enfermeira, referiu ainda na sua interpelação o atraso na implementação do “Programa Piloto eHR”, que “foi estudado durante muito tempo e ainda está em fase experimental”.

“Só dois hospitais e os centros de saúde é que podem aceder a esse programa. Actualmente cada instituição médica, seja pública ou privada, tem o seu sistema, o que impede a partilha de dados entre instituições e afecta a optimização do processo de diagnóstico, bem como a procura de soluções mais adequadas.”

Para dar uma melhor resposta a essa situação, a deputada defende que deve ser criado “um sistema de registo da história clínica e uma base de dados uniformizados, acessível às instituições médicas públicas e privadas”.

29 Set 2017

CCAC | Novo Macau pede investigacao a alegado caso de corrupção eleitoral

Apesar de André Cheong ter dito que a oferta de pão e leite, a troco de um pedido de voto, não é corrupção, a Associação Novo Macau pede ao CCAC que não ignore o caso e faça o seu trabalho

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação Novo Macau quer uma investigação formal ao caso de uma mulher que admitiu ter recebido um pequeno almoço, no dia das eleições, em troca de um pedido para votar na lista liderada por Ho Ion Sang. Logo nesse dia, o Comissariado Contra a Corrupção (CCAC), através do líder André Cheong, disse que o caso não é corrupção, mas a associação entregou, ontem, uma queixa formal.

Scott Chiang, presidente demissionário da Associação Novo Macau, defende que o caso é flagrante e que está na altura do CCAC acordar e fazer o que lhe compete.

“Na queixa que entregámos estão anexadas as imagens captadas, pelos jornalistas, da senhora que admitiu ter recebido um pequeno-almoço para votar numa determinada lista, no dia das eleições. Para nós, esta é uma acção flagrante de tentativa de influenciar o livre voto das pessoas”, afirmou Scott Chiang.

“O CCAC recusou-se a fazer uma investigação e afirmou que a oferta de um pão e leite não é considerada corrupção. Perguntamos como é que definem corrupção, porque há uma oferta e apesar do valor da oferta poder ser maior ou mais pequeno, há um pedido para convencer as pessoas”, acrescentou.

Apesar da posição inicial do CCAC, Chiang sublinhou que espera que com esta queixa haja uma investigação mais profunda aos indícios apresentados. Isto apesar de André Cheong já ter excluído a existência de corrupção.

Fracas esperanças

“Admito que não tenho muita fé que esta queixa oficial faça com que o CCAC finalmente investigue o que lhe compete. Mas queremos que, pelo menos, sejam obrigados a fornecer uma resposta oficial e a explicar porque não houve uma investigação profunda”, apontou o presidente da Novo Macau.

Em relação à pronta resposta do CCAC, no dia das eleições, a Associação diz que o organismo liderado por André Cheong não quis ver o caso de corrupção: “foi um acto filmado de forma muito flagrante pelos jornalistas, mas o CCAC virou a cara para não ver o que estava a acontecer”, acusou Scott Chiang.

“É suposto que façam o trabalho deles na luta contra a corrupção. Temos fé que acordem um dia e se lembrem que há trabalho para fazer. Numa perspectiva realista, sabemos que existem irregularidades na oferta de banquetes e prendas pelas listas, mas normalmente os pedidos de voto nunca surgem nessas ocasiões. Desta vez, isso aconteceu”, explicou.

“É um caso muito flagrante. Se isto não resulta numa investigação, não sei que práticas são investigados. Se o CCAC decidir que não vai fazer nada, então não percebo para que existe”, acrescentou.

No dia das eleições, o canal iCable transmitiu as imagens de uma senhora a admitir que lhe tinham oferecido um pão e leite, pedindo-lhe que votasse na lista número dois. No entanto, uma funcionária do Centro de Convívio do Bairro do Hipódromo, Bairro da Areia Preta e Iao Hon, onde oferta terá acontecido, negou que tivesse havido um pedido de voto.

Em declarações ao HM, Scott Chiang abordou a questão do novo presidente da associação, dizendo que neste momento compete à direcção tomar uma decisão. A escolha deve ser conhecida antes de 16 de Outubro, quando o membro Sulu Sou assume o cargo de deputado da Assembleia Legislativa.

29 Set 2017

Lei Básica | Sulu Sou quer apresentar proposta de revisão

Sulu Sou, um dos novos deputados eleitos no passado dia 17, vai propor uma revisão à Lei Básica, para que os 33 tribunos da Assembleia Legislativa possam, um dia, ser eleitos pelo sufrágio universal, eliminando o sufrágio indirecto e as nomeações

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] mais jovem deputado da Assembleia Legislativa (AL), o democrata Sulu Sou, vai propor uma revisão à Lei Básica de modo a prever explicitamente que o hemiciclo seja, um dia, totalmente eleito pela população.

“Vamos propor uma revisão à Lei Básica, ao artigo 68.º, para que conste que os deputados são eleitos de forma directa”, disse o jovem de 26 anos, em entrevista à Lusa.

O artigo em questão afirma que “a AL é constituída por uma maioria de membros eleitos”, remetendo depois para um anexo sobre a metodologia para a eleição.

A maioria, no entanto, não é a totalidade, e Sulu Sou deseja ver explícito na lei que Macau vai caminhar para um hemiciclo totalmente eleito por sufrágio universal. O jovem, membro da Associação Novo Macau (ANM), pretende propor esta revisão no início do seu mandato  como deputado.

Este é um primeiro passo, mas a plataforma política da sua lista – Associação do Novo Progresso de Macau – continua a defender o sufrágio universal para a eleição do líder do Governo em 2019, tal como a ANM defende desde 2007.

Questionado sobre a real possibilidade de conseguir essa revisão, Sulu Sou sublinhou ser preciso “ter confiança”. “Se nós não tivermos, os cidadãos também não acreditam”, disse.

O trabalho de fora

Apesar destes planos, o democrata defendeu que o trabalho mais importante, no que toca à reforma política, faz-se fora da AL: “Essa é só uma parte. O nosso objectivo é educar a sociedade civil, promover os benefícios da reforma política junto dos cidadãos, especialmente os jovens. Vamos tentar ir às escolas falar com os alunos”.

É preciso uma “maior consciencialização sobre democracia, liberdade e protecção dos direitos humanos na sociedade”, sublinhou.

“Os jovens sabem dos problemas políticos em Macau, mas têm medo de expressar a sua opinião porque as escolas, os ‘media’, os pais, dizem-lhes que são assuntos sensíveis e eles controlam-se, não falam disso. É um tipo de censura, é um problema cultural antigo e profundo”, lamentou.

Na sua opinião, o grande motivo para o movimento democrático não ter ganho em Macau a pujança que tem em Hong Kong prende-se com as dificuldades económicas que os jovens enfrentam na antiga colónia britânica, mais suaves em Macau.

“Há uma diferença grande em relação aos jovens de Macau e Hong Kong: o desenvolvimento económico. Em Macau, as pessoas têm uma vida melhor que os seus pais, mas em Hong Kong, a vida dos jovens é pior que a dos seus pais. Por isso eles lutam mais, são mais radicais e mais contra o governo”, resumiu.

Isso não quer dizer que os jovens de Macau não enfrentem problemas. Sulu Sou destacou os problemas com a habitação, que fazem com que filhos adultos vivam com os pais em casas pequenas. “Às vezes não querem casar por causa das dificuldades com a habitação”, comentou.

Do mesmo modo, enfrentam problemas no que toca ao “desenvolvimento profissional”, “fazem um curso e depois não podem exercer a profissão”, descreveu.

Apesar disto, Sulu Sou considerou que o movimento democrático em Macau tem evoluído, “ainda que devagarinho”.

“Acho que o resultado das eleições mostra que o apoio ao campo pró-democracia aumentou. Eu, Ng Kuok Cheong e Au Kam San tivemos mais de 30 mil votos”, disse, referindo-se aos dois deputados democratas que foram reeleitos.

29 Set 2017

Licença de paternidade | As experiências e dificuldades de quem tem direito a poucos dias

Os dias do pai

A lei laboral vai ser revista e, actualmente, está em consulta pública a proposta de criação de uma licença de paternidade de três a cinco dias para o sector privado. Na Função Pública, os homens que são pais têm direito a cinco dias. Três testemunhos dizem que estes prazos “não dão para nada” e pedem mais tempo para apoiar a família no período pós-parto

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]er pai em Macau significa ter direito a dias que se contam pelos dedos das mãos para estar com o próprio filho recém-nascido. Na prática, não existe licença de paternidade, e os dias que a lei refere são encarados como faltas justificadas, contados até ao último minuto.

Quem trabalha no privado não tem direito a mais do que dois dias, que são considerados faltas ao trabalho, enquanto quem é funcionário público ganha cinco dias para estar em casa.

André Ritchie fez o pleno. Tem dois filhos, que nasceram em períodos diferentes. O seu filho foi o primeiro e veio ao mundo quando o pai ainda estava no Gabinete de Infra-estruturas de Transportes (GIT). Teve direito a apenas cinco dias, enquanto a mulher, também funcionária pública, ficou três meses em casa.

“Posso dizer desde já que esses dias não são suficientes. A minha mulher é funcionária pública e gozou dos seus três meses. A única diferença é que um é pai e o outro é mãe. Acho que isso corresponde a uma mentalidade que, se calhar, não tem muito a ver com a sociedade actual. O legislador na altura formatou as coisas desse modo, mas não tinha em mente que o pai hoje em dia desempenha um papel muito activo na educação das crianças”, contou ao HM.

No caso da sua segunda filha, nascida já quando o arquitecto se encontrava a trabalhar no sector privado, André Ritchie teve apenas dois dias de faltas justificadas, mas pensou noutro plano.

“Tive de recorrer aos meus dias de férias, não tive outra hipótese”, contou. “Os pais, no início, estão a tratar do bebé, depois têm de ir à conservatória tratar dos papéis, e esses dias não servem para nada.”

Depois de anos de reivindicações, o Governo parece estar a tentar alterar a situação. A lei laboral vai ser revista e o processo de consulta pública arrancou esta semana. Uma das mudanças prende-se com a instituição de uma licença de paternidade propriamente dita no sector privado.

A proposta que, está, por enquanto, em cima da mesa, estabelece três a cinco dias de licença. Não é certo, portanto, que os trabalhadores do privado venham a ter direito aos mesmos dias de paternidade de que dispõem os funcionários públicos.

André Ritchie considera que a legislação só revela uma mentalidade que já está fora de moda. “Antigamente a mulher não trabalhava, o homem era o chefe de família que trabalhava e punha a comida na mesa. Mas os tempos são outros. O papel do pai é essencial sobretudo para dar um apoio psicológico à mulher, que sofre, normalmente, de depressão pós-parto.”

Criar uma cota

Se no sector público são poucos dias, no privado ainda menos. No caso da Função Pública, André Ritchie considera que deveria ser criado mais um mecanismo para que o casal tenha acesso a um igual número de dias.

“Existe uma discrepância muito grande na Função Pública. Em situações desse género, em que os pais são ambos funcionários públicos, deveria haver uma espécie de cota que depois poderia ser dividida por ambos. Três meses ao dispor do casal, por exemplo.”

A título de exemplo, “quando o casal requer férias, e trabalha no mesmo serviço, podem ter prioridade pelo facto de ser um casal”. “Já existem mecanismos na Função Pública em que, ao casal, é dada uma atenção especial”, lembrou.

O arquitecto considera mesmo que Macau deveria olhar para os melhores exemplos: a Europa do Norte, onde pai e mãe usufruem dos mesmos (longos) dias para estarem em casa com o seu filho recém-nascido, ou outros países do ocidente.

“Podem dizer que estamos na Ásia, mas é preciso olhar em frente. Já tivemos o caso de violência doméstica, que deu o circo que deu na Assembleia Legislativa. Temos é de ver o que se está a fazer em sociedades mais abertas.”

O papel das empregadas

Beto Ritchie é músico nas horas vagas, trabalhador a tempo inteiro e pai de duas filhas pequenas, uma delas nascida há pouco tempo. O facto de trabalhar numa empresa de pequena dimensão deu-lhe mais dias de paternidade que ele, assume, não gozou.

“Trabalho numa agência pequena e temos muita liberdade por isso, mas não aproveitei. Tínhamos muitos projectos quando nasceram as minhas filhas. Mas sinto que os pais que trabalham em empresas pequenas, e em geral, como não há nada na lei que dê dias aos progenitores [enfrentam uma pior situação]”, considerou.

Beto Ritchie defende que os dias destinados aos que acabam de ser pais, na lei laboral “são um insulto”. “É um mau exemplo para as famílias e para as próprias crianças. Os dias de maternidade também são muito poucos.”

Para este pai, os homens deveriam ter direito a 15 dias de licença de paternidade, enquanto as mulheres deveriam estar em casa três meses, tal como determina o estatuto dos funcionários públicos.

Isto porque “em Macau há dinheiro” e o Governo “poderia dar subsídios para os custos não caírem todos em cima das empresas”.

Num território onde a taxa de natalidade não constitui um problema, como é que as famílias lidam com o pouco tempo que têm para estar com os seus bebés? Recorrendo a empregadas domésticas.

“Quem cria as crianças aqui são as empregadas, que acabam por passar a maior parte do tempo com elas, sobretudo nas famílias chinesas.”

Também Beto não consegue escapar a esta balada diária. “Eu e a minha companheira trabalhamos e seria impossível para nós. A creche da minha filha tem horas absurdas e temos de ir buscar as crianças às quatro da tarde. Não conseguimos, e são as empregadas que, na maioria, vão buscar as crianças. Todos têm aqui uma empregada por causa disso, porque os pais trabalham. Se não fossem os imigrantes que vêm para Macau à procura de trabalho, não daria para trabalhar e ter filhos em casa.”

Macau, terra de imigrantes, cheia de idas e vindas, está repleta de núcleos familiares que trouxeram apenas bagagem, mas não a família. Na hora de criar os filhos, essa falta de apoio familiar dificulta ainda mais a situação.

“As famílias chinesas podem ter cá familiares ou não, mas a maioria não tem cá os seus parentes mais próximos para ajudar”, rematou Beto Ritchie.

Um mundo de entraves e tradições

Não basta colocar no papel a licença de paternidade: há que aceitá-la com normalidade. A ideia é defendida por Miguel de Senna Fernandes, advogado especialista em Direito da família.

“A sociedade, se quer ser mais moderna, tem de começar por estas medidas, ainda que à revelia do tradicionalismo que existe em Macau. As pessoas podem não reagir bem, sobretudo o patronato. Este não vai reagir com bons olhos. Para os patrões não se justifica [conceder dias de licença], mas porquê? Hoje em dia já não faz muito sentido.”

“Podem dizer que é um estorvo ao ritmo de produção, progresso económico, mas é uma medida importante em termos de justiça social”, lembrou o advogado.

Se a licença de maternidade “já é aceite como uma necessidade social”, o mesmo não acontece com a licença de paternidade.

“A novidade hoje em dia é a licença de paternidade, ou seja, o pai que dá o apoio à mãe. Só assim é que em Macau se olha para esta situação. A questão é se vai haver alguma resistência. Não é um problema da lei, mas da própria cultura: é necessário que população sinta essa necessidade de o próprio pai dar este apoio.”

Num território caro como Macau, pai e mãe têm de trabalhar para arcar com as despesas da casa e do dia-a-dia. Beto Ritchie considera, no entanto, que há muita gente que pensa que o homem só deve dar alguma ajuda.

“Ainda há muito essa ideia retrógrada, mas isso é em toda a Ásia. Pensa-se que o pai não está envolvido na criação da criança e a mãe é que faz tudo.”

Miguel de Senna Fernandes não tem dúvidas: “Macau, neste aspecto, continua a ser muito reservada”. “A população ainda não aceitou em pleno que haja uma licença concedida ao pai, em pleno.”

Scott Chiang: o pai activista

Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau, teve há pouco tempo do seu primeiro filho, mas considera-se um homem de sorte. “Sou talvez um caso único em Macau, porque tenho o meu próprio horário de trabalho e colegas que me dão apoio quando não estou disponível. Mas precisamos de mais do que uns meros dias de licença.”

Quanto à proposta do Governo de instituir uma licença de paternidade de três a cinco dias, o activista considera que, tanto homens como mulheres precisam de igualdade neste campo.

“Deveria haver uma maior igualdade entre géneros, e a responsabilidade de tomar conta do recém-nascido também deve recair sobre os ombros do pai. Claro que deveríamos fazer esse ajustamento na lei. Se é suficiente ou não, é sempre susceptível de um debate, mas claro que ter mais dias de licença de paternidade é sempre melhor. Teremos, claro, de analisar o impacto junto dos patrões.”

Scott Chiang considera que o meio empresarial deve ser mais flexível em matéria de nascimentos. “Penso que as empresas devem ser mais flexíveis em termos de ajustamentos que são precisos no período pós-parto, para ir com os bebés a consultas, por exemplo. É preciso ver até que ponto a empresa é flexível nesse aspecto e em Macau ainda estamos muito atrás em relação a outros territórios.”

29 Set 2017

Deputados nomeados | Chui Sai On escolhe cinco académicos. Só Ma Chi Seng repete o mandato

Eddie Wu, Joey Lao, Pang Chuan, Davis Fong, Iau Teng Pio e Chan Wa Keong são os novos deputados escolhidos pelo Chefe do Executivo. Dos anteriores legisladores nomeados só se mantém Ma Chi Seng

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] lista de deputados nomeados por Chui Sai On foi divulgada ontem, em Boletim Oficial, e trouxe grandes mudanças. Dos sete nomeados pelo Chefe do Executivo na anterior Legislatura, apenas Ma Chi Seng vai continuar. À saída de Vong Hin Fai, que se candidatou pelo sufrágio indirecto, juntaram-se os nomes de Fong Chi Keong, Gabriel Tong, Tommy Lau, Dominic Sio e Tsui Wai Kwan.

No sentido contrário, vão passar a fazer parte da Assembleia Legislativa Eddie Wu Chu Kit, engenheiro, Joey Lao Chi Ngai, economista, os académicos Pang Chuan, Davis Fong Ka Chio e Iau Teng Pio e ainda o advogado Chan Wa Keong.

Mas mais do que as mudanças nos nomes, o politólogo Larry So fala numa alteração de paradigma nas nomeações, apesar de reconhecer que a nível do sistema não há grandes alterações. Para So, em vez de privilegiar as relações pessoais, Chui Sai On focou-se, desta vez, mais nas capacidades e especialização dos novos deputados.

“Não estou a ver estas alterações a terem um grande impacto nas votações. Mas os deputados nomeados são mais novos e são profissionais ou académicos muito especializados. Ao contrário do que aconteceu antes, as relações pessoais não são evidentes, à excepção de um ou outro caso”, disse Larry So, ao HM.

O politólogo aponta que as nomeações foram feitas com dois grandes temas da próxima legislatura em mente: a renovação dos bairros antigos da cidade e as concessões do sector do jogo.

“A questão da renovação dos bairros antigos explica a nomeação de Eddie Wu. É engenheiro, tem opiniões bem conhecidas e tem conhecimento especializado e respeitado na área”, começou por defender So.

“Outra tarefa é renovação das licenças de jogo. O senhor [Davis] Fong já tinha trabalhado no estudo sobre o sector do jogo. Vai ser a pessoa a liderar este debate na Assembleia Legislativa, quando a renovação for discutida, apesar de não ser uma pessoa propriamente ligada ao jogo”, complementou.

Ainda em relação à escolha de Chui Sai On, Larry So aponta que não se deve esperar que estes deputados reflictam os problemas do quotidiano da população. O politólogo sublinhou igualmente que o Chefe do Executivo vai contar que estes legisladores não criem obstáculos na altura de aprovar as medidas propostas pelo Governo.

Regresso às origens

Os conhecimentos especializados dos novos nomeados foi também um ponto destacado pelo comentador político Éric Sautedé, que relevou sentir-se impressionado com as escolhas.

“Na minha opinião há um regresso ao verdadeiro espírito dos deputados nomeados. Não servem apenas para apoiar as políticas do Governo, mas também para levarem conhecimentos especializados para a Assembleia Legislativa”, disse Éric Sautedé, em declarações ao HM.

“À luz deste espírito, podemos dizer que a escolha é muito impressionante: foram escolhidos cinco professores universitários, apesar de um, Chan Wa Keong, desempenhar as funções em part-time”, acrescentou.

Entre as escolhas, Sautedé aponta apenas o dedo a Ma Chi Seng, o único nome repetido em comparação com as opções de Chui Sai On, em 2013.

“O corpo estranho é Ma Chi Seng, que é o único que já estava na AL. Parece que as únicas credenciais conhecidas que tem é pertencer à família Ma. Não parece ter grande articulação com os restantes e ainda está num processo de aprendizagem”, sublinhou.

Por outro lado, o comentador fez grandes elogios às capacidades de Davis Fong, o que não o impediu de admitir algumas reservas: “É um dos melhores académicos dentro da área do jogo em Macau. Mas, claro, isso não significa que vai ser um deputado fantástico, porque essa é uma questão diferente”, opinou.

Jogo silenciado

Se no passado alguns dos deputados nomeados, como Fong Chi Keong, ficaram conhecidos pela forma como expressavam as suas opiniões, sendo em alguns assuntos radicais, com as novas nomeações o órgão legislativo vai ficar mais moderado. Esta é pelo menos a opinião do académico Bruce Kwong.

“Todos os nomeados me parecem ser mais moderados do que os anteriores. Não são pessoas a quem se conheçam grandes opiniões. Acho que com a nova composição da Assembleia Legislativa, o número de pessoas que realmente têm opiniões vincadas fica reduzido para duas ou três”, disse Bruce Kwong, ontem, ao HM.

À imagem de Larry So, também Kwong acredita que as escolhas tiveram como prioridade os grandes temas com que o governo tem de lidar, como a renovação das concessões e a questão da habitação. Segundo o académico, Chui Sai On pretendeu recuperar alguma credibilidade com estas nomeações.

“Se olharmos para as escolhas e a exclusão de Fong Chi Keong, acho que foi uma opção para evitar problemas junto da população. Por exemplo, Fong tinha opiniões muito polémicas, que as pessoas comuns consideraram ofensivas em alguns momentos. Essas opiniões contribuíram para que o Governo perdesse legitimidade”, defendeu.

A opção de não nomear Chan Meng Kam e optar por Davis Fong, é encarada por Kwong como um sinal da vontade do Executivo de enfraquecer as vozes ligadas ao jogo durante o processo de discussão do futuro do sector. “Assim podem debater esse tema de forma mais pacífica”, notou.

 

Quem é quem no grupo dos sete

Ma Chi Seng | A continuação do bom neto

Faz parte de uma das famílias mais importantes de Macau e é neto de Ma Man Kei, figura histórica da comunidade chinesa, já falecida, que durante anos fez a ponte de ligação entre portugueses e chineses. Ma Chi Seng carrega aos ombros o peso do seu nome e estreou-se como deputado nomeado em 2013. É o único que vê a sua nomeação renovada e, para o deputado reeleito pela via directa, José Pereira Coutinho, isto tem uma razão de ser. 

“Provavelmente está a ser preparado para assumir as rédeas da presidência da Assembleia Legislativa daqui a uns anos quando o actual presidente, Ho Iat Seng, assumir, provavelmente, o cargo de Chefe do Executivo. E mesmo que não agarre esta oportunidade, a longo prazo será o deputado com mais credenciais para assumir o cargo da presidência. Está a ser preparado para isso.”

Nos últimos quatro anos, Ma Chi Seng tem usado o seu cargo de deputado para abordar as dificuldades sentidas pelas Pequenas e Médias Empresas. Mas não só: em pouco tempo, conseguiu formar um novo grupo de discussão, intitulado “Grande Thought Think Tank”, que visa promover o debate sobre a política chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”.

Pang Chuan | De vice-reitor a deputado

O vice-reitor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST) foi outro dos escolhidos pelo Chefe do Executivo para integrar a nova legislatura do hemiciclo. Ao canal chinês da Rádio Macau, um dos responsáveis pela universidade privada agradeceu a escolha e prometeu ouvir as opiniões da sociedade nos próximos quatro anos. Pang Chuan vai ainda lutar por um desenvolvimento rápido e estável de Macau, através das leis e da fiscalização. 

O vice-reitor admitiu ainda que vai dar atenção às questões relacionadas com o ensino superior, a economia e o projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Ainda assim, admitiu que está a estudar a forma de funcionamento da AL, para que se possa adaptar o mais depressa possível.

Para o deputado reeleito José Pereira Coutinho, a escolha de Pang Chuan mostra a representação “dos interesses da MUST, que anualmente recebe subsídios chorudos da Fundação Macau”. O seu nome está também “ligado a Liu Chak Wan, [empresário] e membro do Conselho Executivo”.

Wu Chou Kit | O engenheiro próximo de Mak Soi Kun

O presidente da Associação de Engenheiros de Macau já vinha tendo um papel interventivo nas questões do urbanismo e construção civil, mas agora tem uma palavra a dizer na qualidade de deputado nomeado. Para José Pereira Coutinho, a escolha do seu nome significa que Chui Sai On fez a “divisão da carne de porco, como diz um ditado chinês”.

“Distribuiu [a carne] por Mak Soi Kun, o grande vencedor das eleições. O engenheiro Wu Chou Kit pertence ao núcleo duro de Mak Soi Kun. Podemos recordar que, aquando da grande manifestação contra o regime de garantias, foi ele que reuniu uma contra-manifestação a favor desse diploma.” 

Ao canal chinês da Rádio Macau, Wu Chou Kit disse que vai ter uma atitude calma em relação aos trabalhos no hemiciclo, tendo lembrado que, no passado, houve poucos deputados ligados à área da engenharia civil. Por essa razão, Wu Chou Kit espera poder implementar mais políticas de qualidade nessa área mas também na arquitectura.

Joey Lao Chi Ngai | O economista e académico

Docente na Universidade de Macau, presidente da Associação de Economia, Joey Lao também dirigiu equipas responsáveis por muitos dos estudos feitos sobre o panorama económico do território. Numa entrevista concedida ao HM em 2011, Joey Lao dizia que o Governo pouco podia fazer para travar a inflação e que Macau era uma cidade cara, mas segura e com mais oportunidades de emprego.

Escolhido por Chui Sai On, Joey Lao lembrou, em declarações à Rádio Macau, que a sua nomeação partiu do trabalho de todos.

“Não tem que ver apenas com o meu esforço pessoal, é um trabalho de grupo. E foram muitas as pessoas que me ajudaram. Os conselhos dados ao Governo no passado não são meus, em particular. Resultam de um trabalho colectivo”. Promete focar-se nas questões sócio-económicas na qualidade de deputado e frisa que, quanto à universalização do salário mínimo, é preciso fazer mais estudos.

Davis Fong Ka Chio | O senhor do jogo

Sempre esteve ligado ao sector do jogo e dos casinos, estudando a maior indústria do território nos circuitos académicos. Raro era o estudo encomendado pelo Governo onde o seu nome não aparecia, tendo participado em investigações sobre o panorama do sector do jogo desde a sua liberalização, por exemplo. 

Davis Fong Ka Chio, director do Instituto de Estudos sobre a Indústria de Jogo da Universidade de Macau, foi um dos nomes escolhidos por Chui Sai On para ser deputado. Ao canal chinês da Rádio Macau, o responsável agradeceu a confiança e disse que o principal trabalho dos deputados nomeados é auxiliar o Governo no seu trabalho, em prol de uma governação científica e de um debate racional.

O académico da UM falou ainda da sua experiência profissional de mais de dez anos, não só ligada aos casinos mas também ao turismo, economia ou jogo responsável. Na sua visão, esta experiência vai permitir-lhe dar uma opinião mais profissional dentro da Assembleia Legislativa sobre estes assuntos, incluindo a renovação das licenças de jogo, que terminam em 2020.

Questionado sobre o equilíbrio das forças políticas no seio do hemiciclo, Davis Fong considerou que a existência de deputados nomeados com outros deputados eleitos já pressupõe um equilíbrio, que pode até gerar mais consensos sobre a agenda política da Assembleia.

Pereira Coutinho não coloca grandes expectativas nesta nomeação. “Foi sempre o porta-voz do Governo para os assuntos de jogo. É um indivíduo pró-Governo, e não se espera mais nada dele além de aprovar as propostas apresentadas pelo Executivo para alterar a lei de jogo.”

Iau Teng Pio | O ex-candidato professor

Recuemos às eleições legislativas de 2009. Iau Teng Pio era número três da lista liderada pelo representante da comunidade de Fujian em Macau, Chan Meng Kam, mas não conseguiu ser eleito. Agora chega à Assembleia Legislativa pela via da nomeação e, na visão de Coutinho, é mais um exemplo de “distribuição da carne de porco” feita por Chui Sai On.

“Também se distribuiu carne de porco à lista do antigo deputado Chan Meng Kam, nomeadamente Iau Teng Pio, que é professor de Direito da UM e que foi número três da lista de Chan Meng Kam em 2009.” De recordar que Chan Meng Kam decidiu não se candidatar a um lugar de deputado nestas eleições legislativas. 

Além disso, o novo deputado nomeado é director assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, trabalhando ao lado de Gabriel Tong, actual director e ex-deputado nomeado. Em declarações ao canal chinês da Rádio Macau, Iau Teng Pio disse poder melhorar a legislação em vigor, estando mais atento às leis relacionadas com assuntos sociais. Espera ainda continuar a ouvir as opiniões das associações e da população e assumir a função de deputado em prol dos benefícios de Macau.

Chan Wa Keong | O advogado reformista

É advogado desde 2007 e trabalha essencialmente nas áreas do Direito Comercial, Civil e Penal. Chan Wa Keong é outra das novas caras do grupo dos deputados nomeados e, em declarações à Rádio Macau, disse prometer focar o seu trabalho na reforma jurídica.

“Uma vez que me dedico à área do Direito, proponho uma optimização do processo legislativo. Há propostas que têm uma perspectiva mais avançada e podem ou não ser implementadas com sucesso em Macau. Algumas podem causar problemas. Vou estudar em profundidade estas questões para que, no final, as leis sejam adequadas a Macau”. 

O causídico disse ainda à rádio que “os deputados nomeados são professores de instituições de ensino superior e profissionais. Podemos constatar que o Chefe do Executivo quis aumentar o grau de conhecimento profissional da Assembleia Legislativa”.

 

Macaenses fora das opções do Chefe do Executivo

Não tem macaense. Não é propriamente uma surpresa, mas o Chefe do Executivo não escolheu ninguém da comunidade macaense como deputado nomeado para a Assembleia Legislativa (AL). 

“Já sabia que não iria nomear e aceito isso pacificamente”, comenta o ex-deputado Jorge Fão. O presidente da mesa da assembleia da Apomac encara com naturalidade as escolhas de Chui Sai On, até porque “a comunidade macaense é muito pequena em Macau, não tem expressão em termos de votos”.

De resto, de acordo com Jorge Fão as opções do Chefe do Executivo seguiram a lógica sistemática de quem melhor serve o Executivo na AL.

“Eles estão lá para defender o Governo, é o seu papel, e é claro que iam nomear chineses mais próximos do idealismo deles”, comenta o ex-legislador.

Também o recém deputado eleito Pereira Coutinho não se surpreende com as escolhas, julgando que era expectável que o Chefe do Executivo distribuísse os lugares pelo seu círculo de amizade. “Como sabemos, Chan Meng Kam tem as melhores relações pessoais com o Chefe do Executivo. Como ele não quis aceitar o cargo porque, provavelmente, vai requerer uma licença de jogo, ou tentar ser Chefe do Executivo, é evidente que o seu braço direito foi escolhido como deputado nomeado”, comenta Pereira Coutinho aludindo a Iau Teng Pio.

Mas Jorge Fão vai mais longe ao referir que “um deputado macaense entre os sete não faria nenhuma diferença”. O ex-deputado recorda que quando estava no hemiciclo chegaram a ser quatro deputados da comunidade: Fão, Philip Xavier, Leonel Alves e José Rodrigues.

Um dos episódios recordados pelo ex-deputado é o da apresentação da proposta de lei sindical. “Consegui recolher a assinatura dos tradicionais, Kaifong, operários, dos empresários e quando foi para votação fui derrotado e quem votou contra a minha proposta foram, precisamente, os macaenses”, recorda.

O ex-deputado é da opinião de que a proveniência da pessoa não conta tanto quanto a sua personalidade. “Concordo plenamente com as escolhas, espero que façam bom trabalho”, acrescenta.

 

Fong Chi Keong admitiu estar farto

Depois de terem sido anunciadas as nomeações do Chefe do Executivo para a Assembleia Legislativa (AL), tornou-se do conhecimento público que Fong Chi Keong e Tommy Lau estão de saída do órgão legislativo.

Ao canal chinês da Rádio Macau, Fong Chi Keong, com 70 anos de idade, afirmou que já estava farto de ser deputado, e que considera que estava na altura de mudar os membros da AL. Fong recordou ainda que era deputado desde 1996, o que lhe permitiu acumular uma experiência de 21 anos. 

Em relação aos novos nomeados, o homem ligado ao sector da construção questionou se o facto da maioria dos nomeados serem académicos não resultará na ausência de um conhecimento prático: “Acha que é bom falar muito sobre a teoria, sem que haja verdadeiramente um conteúdo prático?”, perguntou Fong Chi Keong, ao entrevistador. O deputado conhecido como “canhão” sublinhou, ainda, que a vida precisa de pessoas com conhecimento prático.

Por sua vez, Tommy Lau disse sentir-se muito honrado por ter sido deputado na AL, frisando que foi uma experiência valiosa que tiver a oportunidade de viver. O ainda deputado destacou que o facto de ter estado na AL lhe permitiu compreender melhor o desenvolvimento geral de Macau, assim como a política local.

Sobre os seus substitutos, Lau considerou que os futuros deputados nomeados possuem capacidades nas áreas académica, profissional e do Direito, razão que diz fazê-lo acreditar que vão conseguir desempenhar com sucesso os trabalhos na AL. Além disso, divulgou que vai apoiar com todo o esforço os trabalhos dos deputados da seguinte legislatura.

28 Set 2017