Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesMacau ao estilo grego [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]té ao presente momento, o novo Governo da RAEM tem vindo a desempenhar as suas funções há já mais de oito meses. Porém, mais e mais defeitos têm vindo a ser identificados, devido a “deficiência genética ou mesmo fraco acompanhamento médico após o parto”. Visto tratar-se de uma administração que não necessita de prestar contas a ninguém, as políticas por si formuladas continuam, tal como no passado, a dar prioridade ao sector empresarial, ao mesmo tempo que inundam a sociedade com um populismo desmedido, especialmente impulsionado por certos políticos da chamada oposição democrática. Tendo tudo isto em consideração, pode-se então afirmar que, até agora, o Governo “tem colhido aquilo que semeou”. Devido ao fracasso das tentativas de transformação estrutural da economia depois da transferência de poderes, os dirigentes da RAEM têm-se encontrado na necessidade de depender das receitas provenientes da liberalização da indústria do jogo, assim como da política de vistos individuais para visitantes oriundos do continente. Aliado a isto, o enorme crescimento da economia chinesa derivado por uma série de reformas domésticas tem ajudado a indústria do jogo de Macau a cimentar a sua posição como um dos mais conhecidos destinos a nível mundial para entusiastas dos jogos de fortuna e azar. Ao mesmo tempo, o território tem-se tornado num dos principais centros para transferências de capital e nem sempre dirigido a indivíduos de renome. Todo este dinheiro, proveniente da China, mas de origem duvidosa, tem dinamizado a economia local, reflectindo-se principalmente no mercado imobiliário, que tem gozado de um crescimento espectacular. Mesmo estando cientes da aberração constituída pela nossa estrutura económica, que carece de uma lógica funcional, o Governo não tem permanecido vigilante nem tão pouco tomado precauções para tudo isto, optando em vez disso por se orgulhar dos lucros fáceis até agora conseguidos. Entretanto, e não obstante todos os sectores da administração terem vindo a registar cada vez mais despesas ou, por assim dizer, necessitarem de orçamentos cada vez mais avultados, vários mega-projectos estruturais têm sido iniciados um após o outro, apesar de cada um deles conseguir sempre ultrapassar as projecções orçamentais, assim como a esperada data de conclusão das obras. Cria-se assim a impressão de que alguns funcionários públicos não são responsáveis pelas suas próprias acções, acabando assim estes por desperdiçar o dinheiro dos contribuintes, além de outros recursos comunitários. Na superfície, Macau está em alta, embriagado pelas receitas do jogo, mas sempre dependente da boa fortuna dos vários casinos que operam na região especial. Mas se viermos a encontrar uma situação em que as receitas obtidas através do imposto cobrado sobre o jogo, como poderia então a RAEM sobreviver nesse cenário? Após a transição de soberania, o número de funcionários públicos empregados pela RAEM cresceu significativamente, tendo estes gozado igualmente de sucessivos aumentos salariais derivados das crescentes reservas financeiras oriundas do imposto sobre o jogo. Mas, com o passar do tempo, a administração viu-se forçada a realizar ajustes nos contratos estabelecidos com estes funcionários. Assim, primeiro procederam a mudanças no “Regime das Carreiras dos Dirigentes e Chefias dos Serviços Públicos”, passando de seguida a analisar todos os funcionários públicos, agrupados nas respectivas diferentes categorias a que pertencem. Há dois anos atrás, o salário dos titulares de cargos políticos foi reajustado, enquanto que os benefícios e os salários dos funcionários públicos foram recebendo aumentos anuais e tudo isto acabou por se materializar numa enorme despesa para os cofres públicos. Mas até com o grande público os nossos governantes têm sido generosos, atribuindo a todos os residentes uma ajuda pecuniária anual, assim como implementando uma série de subsídios e revendo em baixa os impostos taxados sobre a população. Isto faz com que os cidadãos esqueçam os seus problemas, no mínimo uma vez ao ano quando os cheques pecuniários são distribuídos pela população, e contribui para uma falsa ilusão de prosperidade eterna. Mas, na realidade, o Governo pouco ou nada faz para melhorar a situação e toda a conversa sobre a diversificação da economia não passa de nada mais do que conversa. As preocupações imediatas dos nossos dirigentes recaem invariavelmente sobre o mercado imobiliário, onde muitos funcionários públicos e os seus amigos, ou abastados homens de negócios, esperam receber lucros avultados como consequência dos seus investimentos nesta área. Porém, a grande maioria da população não beneficia da mesma maneira e, na verdade, acaba mesmo por ser prejudicada pelas rendas elevadas assim como os preços exorbitantes das casas. Esta falta de visão e procura de lucros imediatos acaba mesmo por se reflectir por toda a sociedade, pois as acções indevidas dos nossos governantes acabaram por imprimir na população uma atitude que espera “receber da vindima sem sequer semear”, chegando estes a exigir sempre mais e mais subsídios e outras regalias da parte do Governo. Mesmo quando estes subsídios são colocados à disposição, verifica-se então uma corrida louca para a obtenção de um lugar na lista de candidatos. O interesse pessoal e o egoísmo reinam em Macau, chegando mesmo a fazer hoje em dia parte dos atributos dos residentes locais. Quando as receitas do jogo sofrerem uma descida acentuada, vamos certamente encontrar ressentimento por parte da população local, que através das suas lamentações vai acabar por obrigar o Governo a apresentar uma série de medidas de contenção de custos, em virtude de não haver nenhuma outra solução. No caso da Grécia, o seu Governo implementou um bom sistema de segurança social de modo a garantir o voto dos seus apoiantes, mas esta situação criou um défice estatal que só pode ser remediado através da obtenção de empréstimos da União Europeia. Ao mesmo tempo, os políticos gregos realizaram um referendo para enganar os eleitores e exercer pressão sobre os outros estados da comunidade europeia. Mas mesmo assim os seus líderes foram obrigados a implementar uma série de medidas de modo a reduzir as despesas do Estado, o que constitui na verdade um pré-requisito para a obtenção do crédito europeu. O que fariam então os nossos governantes se a RAEM se encontrasse igualmente numa situação de falta de reservas financeiras? A maior parte dos visitantes que se dirigem aos casinos locais são oriundos da China continental, enquanto que os jogadores que frequentam os “quartos VIP” são, na maior parte, abastados homens de negócios do mesmo país. Estes usam todo o tipo de medidas para ganhar dinheiro no seu país de origem, acabando depois por investir as suas poupanças através do território de Macau. Se porventura a China não estivesse a viver a maior campanha anti-corrupção da sua história ou se não tivessem sido implementadas sérias medidas para impedir a transacção de capitais através dos cartões da China UnionPay, ou ainda se a conjectura mundial não tivesse mudado quando Xi Jinping assumiu o poder, acreditamos os cofres da RAEM ainda poderiam estar cheios de receitas obtidas através do imposto sobre o jogo. Porém, a China sentiu a necessidade de combater a corrupção de forma a garantir a sobrevivência do Partido Comunista assim como do próprio estado. Conseguiriam então estes homens de negócios, mas também bons patriotas que amam Macau, mudar as políticas implementadas pelo Governo Central? Pela conquista do dinheiro, existem aqueles que contemplariam até perturbar a segurança nacional ou a saúde dos funcionários da indústria do jogo e até o futuro desenvolvimento da RAEM. Se pesquisarmos o paradeiro dos descendentes desses mesmos indivíduos, quantos deles estarão ainda a residir em Macau? De forma a garantir o seu futuro, Macau tem de evitar embarcar pelo caminho seguido pela Grécia. E, durante este período de redireccionamento, uma pequena minoria de pessoas com interesses investidos poderia sem dúvida vir a sofrer, assim como poderiam ficar tristes aqueles habituados “a colher sem sequer semear”. Mas se a população do território não se livrar do vício que a prende a este ambiente económico, que mais se assemelha a uma droga, não poderão deter a clareza intelectual necessária para poder virar uma nova página. Apesar de a Grécia ser um país conhecido pela sua mitologia, nenhum dos seus cidadãos actuais pode viver uma vida relaxada como aquela gozada pelos deuses gregos, nem tão pouco o podem Macau e as suas gentes.
Filipa Araújo Perfil PessoasSoraia Ramos Almeida, consultora fiscal [dropcap style=’circle’]C[/dropcap]hama-se Soraia Ramos Almeida, tem 27 anos e é natural de Águeda, ainda que seja em Lisboa que se sente em casa. “Vivi lá nove anos, desde os meus 18. Quando penso em casa é Lisboa que surge no meu pensamento”, começa por contar ao HM. De olhos brilhantes e sorriso sempre presente, Soraia abraçou a ideia de vir para Macau fazer um estágio na área fiscal. “Tudo isto foi muito estratégico”, brinca, explicando-se: “formei-me em Direito e depois tirei o mestrado em Gestão, trabalhei durante três anos em Portugal, mas sempre quis internacionalizar a carreira. Esse era o meu objectivo e por isso sabia que no final do ano me iria despedir”. Candidatando-se para um LLM [programa de mestrado internacional na área de Direito], Soraia sabia que sem experiência no estrangeiro a selecção ficaria mais difícil. “Foi aí que pensei em candidatar-me para o programa Inov, que me permitia ganhar esta experiência internacional caso não fosse seleccionada [para o LLM]. A verdade é que consegui ser admitida para o mestrado, mas ainda assim, estava muito curiosa em saber onde é que seria o meu estágio Inov. Estava mesmo curiosa”, relembra entre sorrisos. Ser mais que estagiária Foi Macau que ouviu como destino. A surpresa, essa, não foi grande. “Na área de Direito sabemos sempre que só podemos calhar em países com o nosso Direito, portanto não há muitas opções”, remata. Depois de uma reflexão decidiu: o mestrado ficaria adiado para Setembro e iria abraçar Macau nos próximos seis meses. “Vim de cabeça aberta, numa perspectiva a curto prazo”, conta. Mas mais que isso, a profissional da área fiscal veio “disposta a dar tudo o que conseguisse pela experiência de trabalho”, retirando o máximo da experiência. “Já não há espaço no mercado para assumirmos um papel de estagiário que apenas obedece e espera por ordens. Devemos e temos de ser proactivos, querer saber e, mais que isso, fazer [mais]”, defende. Seis meses depois foi isso mesmo que aconteceu. Admitindo que não foi o “maior desafio da vida”, até pelo curto prazo de duração, Soraia deixa Macau com o sentimento de dever cumprido e com óptimas recordações. “Correu lindamente, participei em projectos muito giros”, admite. A hipótese de ficar pelo território esteve sempre em cima da mesa, até porque as ligações com os colegas são muito positivas, mas outros desafios surgiram na vida da jovem. “Recebi um convite de trabalho para o Vietname e, contrabalançando a economia em expansão que aquele país está a passar com o pouco desenvolvimento do Direito Fiscal em Macau, não poderia dizer que não”, explica. O mestrado esse, foi adiado de novo. Quem sabe no futuro. De turista a residente Foi durante uma viagem, no ano passado, de mochila às costas, que visitou Macau pela primeira vez. “São coisas completamente diferentes”, diz sem hesitar, quando questionada sobre as diferenças de olhar o território como turista e residente. “Vim aqui apenas um dia, achei tudo muito escuro, apesar de estar um dia de sol. Achei os prédios escuros, não conseguia perceber as centenas de ourivesarias que enchem a área que envolve os casinos. Não conseguia associar ao Jogo. Achei as diferenças entre Macau e o Cotai esquizofrénicas. Era para dormir cá essa noite e desisti, voltei para Hong Kong”, relembra. Meio ano depois de assumir o papel como residente e parte integrante de Macau a opinião é bem diferente. “O melhor de Macau é este espírito de bairro. Conhecemos as pessoas, conhecemos os sítios, se estivermos sozinhas sabemos onde é que os nossos amigos estão, nem precisamos de perguntar”, conta, sublinhando as festas e momentos de convívio à volta de uma mesa. Afinal de contas “somos portugueses, gostamos de comer, beber e ficar na conversa”. A melhorar ainda há muito, como em todo o lado. A começar pela necessidade de abandonar a ideia, diz Soraia, de que “em Macau não se passa nada”. “Acho que as pessoas se habituaram um bocado a esse ideia. Passa. Macau tem momentos culturais, não tanto quanto Lisboa ou Porto, ou até Hong Kong, mas tem os seus momentos, é preciso procurá-los”, defende. A própria é exemplo disso, já que em seis meses muitos convites recebeu para diversas coisas – exposições, concertos, festas – com muitas gargalhadas à mistura. Pessoas que levo comigo Quando pedimos a Soraia para nos fazer um resumo da sua passagem por Macau de imediato o olhar perde-se. Mexendo nas pulseiras que envolvem os pulsos, a emprestada alfacinha relembra, ri e solta um sincero “foi óptimo”. “Não tinha grandes amigos em Macau, mas tinha imensos amigos de amigos que me receberam muito bem. A integração é fácil, foi muito fácil. As pessoas aqui são fantásticas, abrem-nos a porta de casa”, conta, constatando divertidamente “são portugueses”. São as pessoas e os momentos com elas vividos que a aguedense leva na bagagem. “As minhas experiências são sempre à volta das pessoas que conheço. Se pensar em viagens que fiz, tenho alguma dificuldade em lembrar-me de tal monumento ou um sítio, mas se pensar nas pessoas que conheci e nos momentos que tivemos é mais fácil. Comigo levo pessoas e momentos e isso é também o que levo de Macau”, conta num misto de nostalgia e timidez. De malas feitas, Soraia Ramos Almeida deixa Macau, com a garantia de que voltará. “Estou perto, a duas horas de distância, se me apetecer venho aqui um fim-de-semana comer um prato português”, garante, com o brilho no olhar e a certeza que Macau fica na história de quem por aqui passa.
Carlos Morais José EditorialUma doce ilusão [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]caso da médica macaense, que tirou o curso e fez a especialização em Portugal, rejeitada pelos Serviços de Saúde, pode servir-nos para perceber melhor como funciona realmente a sociedade local. Neste sentido, convém aquilatar o real poder do Governo e a sua efectiva capacidade para implementar decisões. Isto porque uma coisa é Alexis Tam ordenar a contratação de médicos e outra coisa é o processo através do qual essas contratações vão ser feitas e que o Secretário, obviamente, não controla. Ora é precisamente nesse segundo nível que os problemas parecem surgir e não apenas na área da Saúde. Não sabemos se estarão interesses obscuros em jogo ou mesmo outros mais claros e evidentes. Mas a verdade é que o modo como os processos se desenrolam deviam estar sujeitos a um extremo grau de transparência. Se assim fosse, limitar-se-ia o raio de acção de quem, julgando-se estribado nalguma arrogância ou impunidade, decide não em função do interesse público ou de uma lógica sonante mas antolhado por preconceitos ou por objectivos menos claros. Temos de considerar, por outro lado, que a sociedade local e a própria administração se encontram fragmentadas em pequenos poderes (interesses) que vão recolhendo dividendos que, à partida, não lhes pertenceriam. Contudo, este poder é, na minha opinião, algo ilusório, desde Dezembro de 1999. As coisas continuam a funcionar mas tal sucederá unicamente enquanto não criarem desarmonia social. Neste sentido, é bom entender as limitações dos Secretários, quando estes esbarram constantemente com segundas linhas, cujo programa não é exactamente o governamental. Pelo contrário, estamos perante agendas privadas, sem ideologia nem sentido prático, cujo desenrolar atrapalha amiúde os eventuais objectivos do Governo. Quinze anos depois da transferência de soberania, se o Governo não conseguir controlar as referidas agendas, o risco estará no anunciado desfazer, progressivo e sistemático, de uma doce ilusão.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesImportação paralela III [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m artigos anteriores, temos vindo a discutir os recentes casos de importação paralela verificados em Hong Kong, e hoje vou discutir o mais recente desenvolvimento desta polémica. Nos últimos dias de Julho, a “Magistrate Court” de Tuen Mun foi palco de um processo referente à importação paralela de bens da China para a RAEHK, região especial em que se utiliza um sistema legal diferente do de Macau, registando-se semelhanças apenas no que toca à organização dos tribunais. Neste caso, o julgamento teve lugar numa “Magistrate Court”, os tribunais onde todos os casos-crime se iniciam ou onde se julgam os crimes menos severos, equivalentes ao Tribunal de Primeira Instância da RAEM. Neste caso em particular, quatro suspeitos foram considerados culpados das acusações contra si apresentadas, estando os detalhes dos mesmos contidos na tabela abaixo: Réu Crime Sentença Ng Lai-Ying Assaltar agente da autoridade 3 meses e ½ de prisão Kwong Chun-lung Obstrucção de justiça Centro de formação * Poon Tsz-hang Obstrucção de justiça 5 meses e 1 semana de prisão Identidade não revelada Assaltar agente da autoridade Centro de reabilitação por ser menor de idade (14 anos) ** * Centro onde os infractores recebem formação profissional para facilitar a sua reinserção na sociedade após o cumprimento da pena ** Centro onde são albergados os indivíduos que não tenham ainda completado 18 anos de idade Todos os réus foram libertados mediante o pagamento de uma fiança, para aguardar em liberdade o resultado dos apelos à sentença que foram solicitados pelos seus advogados. Quando questionado pela imprensa sobre os motivos que o levaram a permitir esta liberdade provisória, o juiz Michael Chan Pik-kiu defendeu que a apresentação destes apelos era na realidade uma perda de tempo, pois quando estes viessem a ser ouvidos por um tribunal superior, a sentença dos arguidos já teria sido quase comprida na totalidade. Assim, o magistrado achou que seria mais justo o pagamento de uma fiança em troca da redução da pena de prisão em favor de liberdade provisória. Durante a leitura da sentença, o juiz argumentou ainda que “necessito, no caso em questão, de aplicar uma pena severa para que possa servir de dissuasor para outros no futuro, de modo a que não pensem que agredir um agente da autoridade seja um acto trivial, nem mesmo durante a realização de protestos”. Ao mesmo tempo, o magistrado revelou ainda estar a “temer pela sua segurança”, visto ter recebido ameaças à sua integridade física de parte desconhecida, mas que estas não haviam influenciado a sua decisão, nem tendo sequer chegado a conseguir perturbar o seu estado de espírito. Desta forma, o magistrado cumpriu com rigor os requisitos da sua profissão, limitando-se a exercer o seu papel e a analisar as provas apresentadas sem pressões políticas e livre de quaisquer ameaças. Mas que ameaças terão sido a si dirigidas? Sobre esta questão, o site “news.theheadline.com” publicou no dia 31 do mesmo mês uma peça com mais pormenores, onde ficou demonstrado o conteúdo do prenúncio, conforme abaixo descrito: – linguagem grosseira e abusiva – ameaças de um acidente envolvendo o mesmo – possibilidade de danos corporais contra a sua família Até mesmo durante a realização do julgamento, a audiência foi interrompida por alguém que manifestava o seu desagrado em voz alta, do lado de fora da sala, com palavrões contra o magistrado, que solicitou imediatamente a detenção do prevaricador pelos agentes da polícia, que todavia não tiveram sucesso na detenção. Mesmo assim, o insólito foi o suficiente para justificar a intervenção do Departamento de Justiça de Hong Kong, que prometeu numa notificação pública abrir uma investigação sobre este caso. Torna-se assim impossível negar o grave impacto social que este tipo de actividade económica tem tido sobre a RAEHK. Entre as reclamações mais frequentes, encontram-se os engarrafamentos frequentes, a deterioração da higiene pública e ainda o aumento em flecha das rendas nos locais onde os mesmos se concentram, por exemplo. Na maioria dos casos, as áreas afectadas estão concentradas junto à fronteira entre Hong Kong e a China, onde uma grande parte dos residentes não hesita em manifestar o seu desagrado para com estas novas agravantes. Tudo isto culminou em negociações entre os responsáveis da RAEHK e os seus colegas de Shenzhen, onde foi decidido mudar os vistos concedidos aos visitantes do continente. Onde no passado os mesmos podiam gozar do “Multiple Entry Visa” (ou vistos de entrada múltipla), estes agora podiam apenas solicitar vistos segundo o “Individual Visit Scheme”, ou vistos de visita individual, permitindo os mesmos apenas uma visita ao território por semana. Mas tiveram estas restrições algum sucesso em impedir a importação paralela de bens? A resposta não é, até ao momento, fácil de fornecer, mas esperamos que as novas medidas consigam solucionar eficientemente os problemas correntes. Se estas novas políticas de imigração forem suficientes para reduzir o grau de insatisfação manifestado pela população da RAEHK, considero então que o Governo agiu de forma correcta, tendo este encontrado a melhor fórmula para resolver o problema. Mas a questão debatida neste artigo não se limita à importação clandestina empreendida entre a China e Hong Kong, vai mais além e inclui ainda as ameaças feitas contra um juiz da RAEHK, assim como os distúrbios verificados fora da sala de audiências e os palavrões dirigidos a este oficial de justiça. Se o leitor se colocar na pessoa de Michael Chan, e se imaginar como a pessoa encarregada de presidir sobre este julgamento, estaria preocupado com a sua integridade física, como ainda a da sua família? Se sim, teria demonstrado a mesma integridade pessoal, continuando a desempenhar as suas funções, chegando mesmo a considerar os quatro suspeitos presentes a julgamento como culpados do crime de que tinham sido acusados? Não é difícil imaginar que, caso o juiz tivesse ficado assustado com esta ameaça, a sentença poderia ter sido diferente e os mesmos arguidos poderiam mesmo ter sido considerados inocentes. Mas caso assim fosse, os residentes desta região especial ficariam com a impressão que obstruir ou mesmo assaltar um agente da autoridade não constitui uma ofensa séria, não passando este acto de uma trivialidade banal. Pior ainda, os mesmos poderiam no futuro vir a assumir que a sentença de qualquer caso-crime pode ser influenciada através de ameaças dirigidas aos magistrados em causa. Agora, podiam estes desenvolvimentos ser aceites numa sociedade que se diz justa e obediente? A resposta para esta questão é óbvia, e não requer mais nenhuma explicação. Não nos podemos esquecer que todos temos a obrigação de apoiar e defender qualquer juiz que se encontre a desempenhar as suas funções de acordo com a lei. Isto é o mesmo que dizer que o estado de direito (rule of law) tem de estar sempre presente nas nossas mentes, pois todos temos a obrigação de cumprir a lei e não perturbar a ordem pública. Todos desejamos que os magistrados possam desempenhar o seu papel sem pressões externas, e para que isto aconteça é necessário garantir que o sistema jurídico tenha poderes suficientes para garantir a protecção efectiva dos agentes de justiça, sem a qual não seria possível garantir o cumprimento da lei por parte da população. O estado de direito é uma componente fundamental de qualquer sistema legal, quer se trate de um caso julgado em Macau como num que tenha ocorrido na RAEHK, e no caso em que este não seja defendido, o território ou localidade em questão virá invariavelmente a ser afectado.
Isabel Castro VozesAs coisas lá dos States [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Departamento de Estado Norte-Americano divulgou esta semana o relatório anual sobre o tráfico humano e, mais uma vez, Macau não sai bem no retrato. Aos olhos de Washington, o território faz parte do grupo de jurisdições esforçadas, mas que não passam disso mesmo: são esforçadinhas, mas ainda têm muito para fazer. No caso de Macau, critica-se a forma como se aplica a lei e a capacidade jurídica de avaliar este tipo de processos, muitas vezes classificados como meros casos de lenocínio. Os números de casos de tráfico humano descobertos e de vítimas resgatadas diminuíram no último ano, o que – tanto para os Estados Unidos, como para quem trabalha no terreno – não é sinónimo de que as coisas estejam no caminho certo, antes pelo contrário: é sinal de que as autoridades não têm sido capazes de serem pró-activas na identificação de vítimas. Ao Centro do Bom Pastor, dirigido por Juliana Devoy, têm chegado muito menos raparigas menores de idade, vítimas de tráfico humano, do que no passado. A responsável não acredita que estas meninas não estejam por aí – a questão é que ninguém sabe delas. Estes americanos têm cada uma. O Governo foi célere a reagir ao relatório dos Estados Unidos e diz que as acusações carecem de fundamento. Estes americanos têm cada uma. O Secretário para a Segurança encontra no relatório “factos básicos e juízos de valor infundados”. Estes americanos têm cada uma. É dos filmes a mais, é a influência de Hollywood: lá porque em Macau há casinos e máfias e prostituição, isso não significa que as autoridades não estejam empenhadíssimas em combater o tráfico humano. Tráfico quê, mesmo? O relatório assinala ainda o facto de não ter sido identificada uma única vítima de trabalho forçado. Os Estados Unidos voltam a escrever que Macau tem uma lei em relação aos não residentes que os coloca em posição de fragilidade, sujeitos a exploração laboral: o período de seis meses sem trabalho a que estão sujeitas as pessoas com bluecard que se despeçam ou sejam despedidas. Para os americanos, esses que se lembram de cada uma, como para qualquer pessoa que tenha dois dedos de testa, é óbvio que a invenção deste período de nojo veio piorar as condições laborais dos não residentes, que perderam qualquer margem – por mais pequena que já fosse – de negociação das condições de trabalho. Os (muitos) únicos que lucram são aqueles a quem dá jeito ter trabalhadores atados pelo pé ao salário que lhes apetecer pagar. O documento sugere que se faça um inquérito junto da população imigrante para identificar a vulnerabilidade a abusos. Estes americanos têm cada uma. No passado, houve sugestões deste relatório anual que foram acatadas por Macau. Duvido que esta proposta seja seguida. Estes americanos têm cada uma. Havia de ser bonito. O Governo a gastar dinheiro com os não residentes, esse conjunto de gente que, a avaliar pelas declarações de alguns deputados, está entre o grupo dos mais privilegiados de Macau. Estes americanos têm cada uma. Não nutro particularmente simpatia pelas teorias universalistas dos Estados Unidos, por esta mania bastante irritante que têm de analisar os outros, de apontarem o dedo ao que os outros não fazem bem. Mas, num mundo que está cada vez mais de pernas para o ar, com uma Europa extraordinariamente enfraquecida e uma China que só soube crescer em cifrões, é bom que, de vez em quando, alguém de fora olhe para dentro. Para que, cá dentro, não se tape o sol com a peneira sem que ninguém dê por isso.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasOs interesses da embaixada [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]e Duarte Coelho foi um dos responsáveis pelo início das hostilidades navais com os chineses, apesar de Joaquim Veríssimo Serrão dele dar uma imagem de homem honrado e ilustre diplomata, anteriormente, já Simão de Andrade, sem tacto diplomático, “cometeu um erro que originou o primeiro equívoco grave nas relações com as autoridades locais”, como refere João Paulo Oliveira e Costa, e, “após os conflitos armados luso-chineses, ocorridos entre 1521 e 1522, nas águas de Tunmen, a Corte de Pequim decretou o encerramento dos portos cantonenses. Inicialmente, (…) as autoridades de Cantão recusavam (os portugueses,) os de Aname e Malaca. Desde que os mais variados bárbaros de Aname e Malaca foram recusados, eles iam fazer comércio clandestino às águas da prefeitura de Zhangzhou (漳州, Chincheo) fazendo com que a província de Fujian (福建) lucrasse com isso, deixando o mercado cantonense numa situação paupérrima” segundo Revisitar os Primórdios de Macau para uma nova abordagem da História de Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, “O encerramento total dos portos cantonenses provocou danos insuportáveis à economia de Cantão, que tem sido, desde as dinastias Tang (唐, 618-907) e Song (宋, 860-1279), um importantíssimo empório para o comércio externo chinês. As receitas locais caíram a pique. A ordem económica local e de uma boa parte do Centro e Sul da China estava afectada e desequilibrada. A situação financeira de Cantão era de tal maneira caótica que nem conseguiam pagar os soldos e os vencimentos da função pública. Esta situação dramática levou o vice-rei Lin Fu a moralizar a Corte Central em 1529, apelando à revogação das proibições marítimas impostas a Cantão. O memorial ao Trono foi favoravelmente despachado e restabelecido o sistema tributário em Cantão, mas os portugueses continuavam proibidos de vir às águas de Cantão. No entanto, alguns, após uma década de ausência do litoral cantonense, começaram a voltar ao negócio da China, a título individual e integrados em grupos tributários de alguns países do Sudeste Asiático, principalmente disfarçados de siameses.” Com os dois conflitos navais no Rio das Pérolas ganhos pelos chineses aos portugueses, em 1522 terminou “o primeiro período que começara com a chegada de Jorge Álvares à China em 1513”. Iniciava-se um novo ciclo “em que os Portugueses começaram a frequentar o litoral de Fujian e Zhejiang e que acabou” em 1549 “e podemos designá-lo como Entre Chincheo e Liampó” Revisitar os Primórdios de Macau. O antigo Sultão de Malaca “As petições do enviado do antigo sultão de Malaca, ferozmente anti-portuguesas, encontraram um renovado acolhimento na corte imperial, onde foram analisadas pelo libo (Rui Manuel Loureiro, Cartas dos cativos de Cantão: O libo de Cristóvão Vieira corresponde ao Tribunal do Ritos pequinense, que estava encarregado de organizar o protocolo das missões tributárias (Hugh b. O’Neill, Companinon to Chinese History). A partir das informações, algo confusas, do prisioneiro português, pode deduzir-se que em finais de 1521 a missão de Tutão Mafame rumou novamente a Pequim, onde pôde apresentar as suas razões em audiência imperial. O embaixador malaio queixava-se da abusiva conquista de Malaca pelos portugueses, pedindo a intervenção militar do Filho do Céu para repor a legalidade, ao mesmo tempo que denunciava a embaixada de Tomé Pires como missão de espionagem. Subsequentemente, os malaios foram reenviados para Cantão, com a promessa de que brevemente [lhe mandariam o despacho]”. E continuando no Revisitar os Primórdios de Macau para uma nova abordagem da História de Jin Guo Ping e Wu Zhiliang: “A decisão imperial, com efeito, não tardou, após o lipu ter deliberado que [a terra dos franges devia ser cousa pequena chegada ao mar], uma vez que [depois que o mundo é mundo nunca viera a terra da China embaixador de tal terra]. O Imperador Jiajing (1522-66) ordenou, em primeiro lugar, que a carta do monarca português fosse queimada. Depois, o presente trazido por Tomé Pires devia ser recusado. Em terceiro lugar, o embaixador e os membros da sua comitiva deviam ser aprisionados e mantidos como reféns. Ou seja, a China não reconhecia a missão portuguesa como embaixada tributária formal. Finalmente, as autoridades provinciais deveriam escrever a el-Rei D. Manuel e ao seu representante em Malaca, com instruções peremptórias para que esta cidade fosse devolvida ao seu legítimo soberano. Após a entrega da praça ao antigo sultão, Tomé Pires e os restantes prisioneiros seriam libertados. Caso o Rei Venturoso desrespeitasse as decisões imperiais, realizar-se-ia um novo conselho. Entretanto, os navios portugueses deveriam ser rigorosamente impedidos de visitar portos chineses. (Rui Manuel Loureiro, Cartas dos cativos de Cantão. Para T’ien-Tsê Chang, a conquista portuguesa de Malaca, que viera perturbar o equilíbrio político-militar no Sudeste Asiático, foi o factor determinante no fracasso da embaixada de Tomé Pires (Malacca and the failure)” Rui Manuel Loureiro. “Com a denúncia dos emissários do desapossado sultão de Malaca, ficou apurado o facto – já tão bem conhecido pelas autoridades de Cantão como pelas centrais, mas omitido de propósito pelos mandarins e eunucos junto do Imperador – de que eram mandados pelo país Folangji, que conquistara a cidade, tributária da China. Mesmo assim, a Corte só mandou executar os intérpretes sob a acusação de terem trazido à China estrangeiros e não maltrataram os membros não asiáticos da embaixada” Revisitar Os Primórdios de Macau. E ainda desse livro: “Quanto aos contactos com a Corte, (…) foi Ning Cheng, quem fez este favor aos Portugueses porventura em troca de algum presente ou suborno”. Sem ordem de prisão Encontrava-se desde 22 de Setembro de 1521 Tomé Pires e os restantes membros da sua comitiva em Cantão, mas só a 14 de Agosto de 1522 foram formalmente acusados de entrarem em território chinês sob falsos pretextos. Altura em que decorriam nos mares de Cantão os confrontos entre a armada chinesa e os navios de Martim Afonso de Melo Coutinho. “Quanto à rejeição da embaixada, inicialmente, quando os Portugueses foram mandados de volta a Cantão, não houve ordem de Pequim para deter a embaixada em Cantão, como bem elucida um trecho do diário de Yang Tinghe, o ministro mais influente dessa altura: (…) quanto aos bárbaros de Folangji, mandem-nos sob escolta de volta para Cantão, onde ficarão à espera de novas ordens de Baofang (Casa de Leopardo). Esta ordem foi dada como correspondendo à vontade expressa pelo Imperador Zhengde no seu testamento, mas a verdade é que foi preparada postumamente por Yang Tinghe que exerceu a regência durante a sucessão, juntamente com a Imperatriz-Mãe. Pelas fontes chinesas, sabemos que no momento do falecimento do Imperador Zhengde, o quase regente Yang Tinghe, por uma questão de segurança da capital, tomou muitas medidas, das quais algumas implicavam o repatriamento de embaixadas, tais como as de Qomul, Turfan e a de Portugal, que se encontravam em Pequim, além da execução do eunuco Jiang Bin, entre outros protegidos do Imperador Zhengde. Como o falecido Imperador não deixou descendentes, o vácuo do poder poderia dar lugar a uma renhida luta pela sucessão entre os diferentes ramos da casa imperial, como costumava acontecer nestes casos. Assim sabemos que o principal motivo do reenvio da Embaixada de Tomé Pires para Cantão se ficou a dever a uma questão de segurança nacional.” “A questão é que a vinda da Embaixada de Tomé Pires para Cantão terá sido interpretada pelas autoridades provinciais como um claro sinal de rejeição dessa missão. Para esconder a sua cooperação e participação neste processo passível de ser considerado como uma fraude, uma irregularidade que poderia custar a carreira e até mesmo a própria vida a essas mesmas autoridades, caso fosse descoberta, houve, pois, todo o interesse em silenciar o caso. Entretanto, chegou de Pequim a ordem de deter a embaixada, tomando os seus membros como reféns até à desocupação de Malaca. Daí que, como nos informa Cristóvão Vieira, as autoridades de Cantão passassem a perseguir implacavelmente os Portugueses com todas as acusações possíveis e imagináveis e com todos os meios ao seu alcance” Revisitar os Primórdios de Macau para uma nova abordagem da História de Jin Guo Ping e Wu Zhiliang. O presente real Quanto aos presentes destinados ao Imperador chinês, pelas fontes portuguesas, sabemos que o embaixador Tomé Pires os levou; todavia, até agora não foi possível localizar nenhuma lista, embora haja muitas referências a eles. O que levou Rui Loureiro a colocar estas questões: “O presente para o Imperador nunca é descrito na documentação quinhentista. Por mero lapso? Ou talvez porque a missão de Tomé Pires não tinha o estatuto oficial de embaixada e, como tal, o presente que transportava não era significativo?” De novo no Revisitar os Primórdios de Macau de Jin Guo Ping e Wu Zhiliang: “Em nosso entender, dado que a primeira missão diplomática portuguesa junto da Corte chinesa foi uma iniciativa lisboeta e o embaixador seleccionado e nomeado pelo vice-rei da Índia, o presente destinado ao Imperador da China foi preparado in loco e de modo improvisado. Talvez esta tenha sido a razão da insignificância dos presentes. No entanto, a pobreza da oferta leva-nos a crer que a primeira missão diplomática portuguesa teria mais por objectivo um reconhecimento do terreno do que apresentar-se como uma embaixada propriamente dita, como nos revela António Galvão: ” Revisitar os Primórdios de Macau. E nele continuando: “Ora, também este documento chinês tem esse mérito: o de preencher uma lacuna multissecular na historiografia portuguesa das relações luso-chinesas. Analisando o conteúdo da lista, não podemos dizer que fossem presentes preciosos em extremo. No entanto, não eram de preço menor. Para isso, é interessante ver as componentes desta relação. O objecto que lidera o inventário é o coral em rama, que era muito apreciado na China imperial”. Mas, como objecto de maior valor que vinha no presente, para além de alguns tecidos e vidros, “os portugueses incluíram um espadagão de três gumes e outro terçado de ferro, uma escolha diplomática prudente a substituir as armas de fogo, que tanto poderiam causar admiração como suspeita.” A observação de que “o cabecilha costumava ler livros” confirma que Tomé Pires era um homem culto e amigo da leitura” Revisitar os Primórdios de Macau para uma nova abordagem da História de Jin Guo Ping e Wu Zhiliang.
Sérgio de Almeida Correia VozesPara que serve a mediação imobiliária em Macau? [dropcap style=’circle’]M[/dropcap]uito se tem falado sobre os preços exorbitantes – a nível mundial – que atingiu o mercado imobiliário na RAEM. Pouco se tem dito sobre o papel das empresas de mediação imobiliária e seus agentes para a desregulação desse mesmo mercado. Se em relação à compra e venda de imóveis as comissões praticadas andam por volta de 1% do valor do imóvel transaccionado, já no mercado de arrendamento esse valor anda pelo equivalente a um mês de renda por contrato, sendo de metade do valor da renda no caso do inquilino, findo cada período de dois anos, se mantiver no mesmo local. Na RAEM a actividade da mediação imobiliária é, aparentemente, disciplinada pela Lei 16/2012 (Lei da Actividade de Mediação Imobiliária), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2014, pelo Regulamento Administrativo n.º 4/2013 e pelos Despachos do Chefe do Executivo n.ºs 60 e 61/2013. Aparentemente, digo eu, porque na verdade esses normativos se limitam a definir em que consiste a actividade, a reger o licenciamento e condições do exercício, a elencar um conjunto de direitos e de deveres, penalidades para as infracções e a fixar as taxas devidas pelo seu exercício. No entanto, o que na prática se verifica é que fica fora desse regime o controlo daquilo que se afigura importante a um exercício honesto e sério da actividade. Refiro-me à falta de transparência que envolve o exercício da actividade e no valor das comissões que devem ser pagas por um serviço que é prestado tanto aos proprietários, senhorios, como aos arrendatários. O primeiro ponto em que se verifica a opacidade do regime reside na prática dos mediadores impedirem o contacto directo entre senhorios e inquilinos. Na maioria dos casos funciona como uma barreira ao entendimento entre as partes. Essa opacidade começa logo no momento da visita ao imóvel e negociação, onde o senhorio nunca aparece, estendendo-se depois ao próprio contrato, que normalmente é levado aos então ainda futuros arrendatários pela agência de mediação ou agente já depois de assinado pelo senhorio. Isto é, senhorio e inquilino nunca se encontram, nem falam directamente, e quanto ao primeiro normalmente apenas se sabe o nome e quando muito o número do respectivo documento de identificação, já que os modelos de contratos, aliás decalcados e muitas vezes mal dos modelos de Hong Kong, usados pelas agências e que circulam por aí, omitem a morada dos primeiros. Se os inquilinos forem diligentes conseguirão, por sua iniciativa e recorrendo aos registos públicos, obter os dados do imóvel, podendo então confirmar a titularidade do mesmo. Mas jamais terão acesso ao número de telefone ou morada do senhorio para se tiverem necessidade de lhe enviar uma carta ou quererem contactá-lo poderem fazê-lo. Não são poucos os inquilinos que tentam, até para resolverem problemas que se prendem com o mau estado de conservação dos locados, por vezes exigindo reparações urgentes por falta de manutenção, entrar em contacto com os senhorios, sem que todavia o consigam, mais do que não lhes restando a alternativa de, em última instância, avisar a agência de mediação, que entretanto deixou de responder aos telefonemas e “sms” após a celebração dos contratos e o recebimento da comissão, de que no mês seguinte as reparações serão feitas a expensas do inquilino, sendo o custo descontado na renda, ou que não será efectuado de todo o pagamento desta até que a situação se resolva. Nessa altura aparecem para, a contragosto, enviarem um biscateiro que servirá para reparar esquentadores, dar um jeito nos eléctricos, no exaustor ou nas canalizações. Depois, a opacidade continua no momento da renovação dos contratos, altura em que os agentes reaparecem, sorridentes, para anunciarem aumentos de renda, em nome dos senhorios, e relembrarem o seu sagrado direito à comissão em caso de renovação. Ultimamente são frequentes os casos em que a iniciativa do aumento de renda parte dos próprios agentes, que contactam os senhorios para lhes recordarem o final dos contratos e sugerirem os valores dos aumentos a propor aos desgraçados inquilinos, que ainda terão de suportar os custos da “actividade de mediação”. Não se vê, aliás, por que razão a renovação de um contrato em curso, quando tal acontece por simples ajustamento do valor da renda, há-de conferir ao mediador o direito ao recebimento de uma nova comissão, igual a 50% do valor de um mês de renda, numa espécie de lenocínio imobiliário. Já anteriormente sugeri uma intervenção legislativa, no sentido dos custos da actividade de mediação serem repartidos entre senhorios e inquilinos, ou apenas suportados pelos primeiros que são quem beneficia com os valores da rendas, como aliás acontece noutros países, em vez do custo das comissões ser integralmente suportado pela parte mais fraca, em termos económicos e negociais, acrescendo em abono deste entendimento ser também aos primeiros que os mediadores prestam, nos casos em que tal acontece, o serviço de acompanhamento do arrendamento e aqueles com quem os senhorios contactam. Não se vê porque hão-de ser os inquilinos a pagar os custos desses contactos a que são alheios e que não foram por si solicitados. Seria igualmente importante que as relações directas entre senhorios e inquilinos, em especial quando ambos residem na RAEM, não fosse impedido e dificultado pela acção dos mediadores, devendo tornar-se obrigatório, sob pena de nulidade, inserir nos contratos os números de telefone e endereços de uns e outros para o caso de necessitarem de entrar em contacto, tanto mais que há mediadores que não asseguram o acompanhamento dos arrendamentos durante a sua vigência. Em muitos casos, se o inquilino pretender enviar uma carta registada ao senhorio não tem como fazê-lo, pois que não raro a única morada conhecida é a que consta do registo predial, ou seja, a do próprio local arrendado. Importaria ainda que o legislador clarificasse as situações em que os mediadores devem ter um direito à comissão, como contrapartida de um serviço efectivamente prestado, regulando os seus termos, isto é, valor e prazo de pagamento, se possível diferindo este pelo tempo de vigência do contrato. A mediação imobiliária, nos termos em que actualmente existe, é uma forma de inflacionar o mercado, contribuindo para os preços especulativos que se praticam e para o descontrolo destes. É isso que justifica o aparecimento, como cogumelos, de novas agências e franchisings. Tal como está, funcionando sem rei nem roque e à mercê dos impulsos especulativos, a actividade de mediação contribui para a cartelização dos valores das rendas e das comissões, explicando o aumento da pressão sobre os arrendatários e o desaparecimento de estabelecimentos do comércio tradicional, substituídos, à medida que vão fechando, por novas agências que hoje ocupam os melhores espaços comerciais de Macau.
Hoje Macau Política“Nada Tenho de Meu” – #02 “Nada Tenho de Meu, um Diário de Viagem no Extremo Oriente” Autoria: Miguel Gonçalves Mendes, Tatiana Salem Levy, João Paulo Cuenca Montagem: Pedro Sousa Narrador: Siung Chong Desenho de Som: 1927 Audio Tema Original: Pedro Gonçalves Produção: JumpCut
Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemPátio do Espinho | Residentes divididos face a reconstrução, mas felizes com o local No Pátio do Espinho, o tempo parece que não passou pelas paredes de lata de que são feitas algumas das frágeis habitações. Muitos moradores até gostariam de ter uma casa melhor, mas recusam-se a abandonar o espaço que sempre conheceram. Quem tem um pedaço de terra, nem quer ouvir falar da possível intervenção do Governo. Outros até concordariam [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]as ruas do Pátio do Espinho, há latas e arames a montar casas que parecem de faz de conta, mas que têm gente dentro. Umas têm idosos, outras têm famílias inteiras: a matriarca, o filho que veio da China depois de décadas de ausência e a mulher grávida. Outras têm filipinas que descansam num ambiente mais acolhedor depois de limparem as casas de outros. Lavam os tachos conforme podem no meio da rua, com parcas condições de higiene, e vivem o calor infernal sem ar condicionado. Uns compraram a casa há décadas, outros pagam rendas muito baixas. Três da tarde, um sol abrasador. Ao descer as escadas do Pátio do Espinho damos de caras com Chio Kit. Tem 80 anos e mora ali desde os 16. É vizinho de mais 18 pessoas, só na sua rua, e fala com o HM enquanto a sua vizinha ouve um programa de música chinesa em alto e bom som. “Na altura não tínhamos dinheiro e só conseguíamos construir uma casa assim, com latas. Vivo aqui com a minha mulher, antes trabalhava numa pastelaria, a fazer bolos”, recorda. Chio Kit conta, sentado numa das raras sombras que por ali existem, que se reformou há 19 anos. Hoje vive com uma magra reforma, mas que dá para viver, já que não paga renda. A filha há muito que se mudou para outras paragens, trabalhando actualmente na Função Pública. Chio Kit mora no Pátio do Espinho há tanto tempo que ainda se lembra da época em que ficava escuro mais depressa. Os candeeiros com iluminação pública só chegaram depois do chamado “Motim 1,2,3”, em 1966. “Depois disso passámos a ter melhores condições aqui na rua, as pessoas começaram a viver melhor”, recorda. Chio Kit mostra-se conformado com o cantinho que construiu. Tem uma casa de banho, sala e cozinha, que já só partilha com a mulher. “Não queria sair daqui e também não consigo arranjar dinheiro para outra casa, estou habituado. Já pus um ar condicionado, uma ventoinha e estou melhor”, refere. Um passeio pelo Pátio do Espinho, localizado atrás das famosas Ruínas de São Paulo, permite compreender um espaço cheio de história e, sobretudo, desigual. Há casas renovadas com gaiolas nas janelas e casas degradadas de tijolos e arames. Há entulho por todos os lados, ao lado de passeios improvisados com cimento. As tentativas para arranjar o que é velho já foram muitas. Chio Kit lembra-se bem do primeiro encontro entre Governo e proprietários, há 19 anos. “Chegou-se a falar que o Governo e um consultor queriam reconstruir isto, mas tinha de pagar 160 mil patacas para comprar uma casa pública na Areia Preta e não tinha dinheiro. O Governo apresentou-me um papel para assinar se concordava ou não [com a renovação], e eu não concordei. Mas gostava que estas casas fossem reconstruídas.” Fong Pak, desempregado, oriundo da China, vive uns metros abaixo da casa de Chio Kit e lembra-se da segunda tentativa de reconstrução. “Aí há quatro ou cinco anos vi no jornal que o Governo queria recuperar isto, mas na altura os preços das casas eram mais baixos. O Governo chegou a discutir com os donos das casas com melhores condições, mas estes tinham de ser indemnizados. Só que depois os preços das casas aumentaram e o Governo já não quis indemnizar e a conversa deve ter ficado por ali.” Se os arrendatários e mais velhos até gostavam de ter melhores condições nas suas habitações, quem é proprietário prefere ficar no conforto que já conseguiu. É o caso de Dixon, trabalhador na área da informática, e a mãe, a senhora Wu. “Se o Governo apresentar um plano de renovação não vou concordar, porque nós somos os donos do terreno. Nunca aceitaremos a proposta e queremos que fique tudo como está”, aponta Dixon. “Nunca ouvi o Governo dizer que tem um plano de renovação, mas se tiver não vou concordar, porque os edifícios novos, se forem reconstruídos, não devem ficar maiores ou melhores que este. Como está, está bom”, disse a senhora Wu. A balada dos filhos maiores Fong Pak nunca teve uma casinha só sua. Aquela onde vive com a mulher, de cor verde, está degradada e só tem janelas baixas com arames, cheia de sacos velhos. O ar condicionado não existe, as ligações de luz e água foram feitas através de um vizinho. Paga mil patacas de renda. Chio Kit é morador do Pátio do Espinho “Vivo aqui há mais de dez anos e tenho problemas de saúde, então estou aqui para descansar”, conta Fong Pak, enquanto arranja umas fichas eléctricas para depois vender. Está desempregado há cerca de um ano e ganha um subsídio de deficiência por ter problemas de saúde nas costas e numa perna. Mas garante que não é suficiente. Antes disso trabalhou na construção civil e foi talhante no mercado. Ainda foi segurança em prédios, mas já não conseguia trabalhar. A mulher lava pratos num restaurante e traz para casa o único sustento. “Moramos num T1, com uma sala e um quarto pequeno. No Verão fica muito calor e não consigo montar o ar condicionado, porque o ar sai todo por esta janela”, conta. Fong Pak é um dos muitos que pedem o regresso dos chamados filhos maiores. Os seus estão quase a obter autorização. Daqui a um ou dois anos poderão morar com ele naquele cubículo ou numa habitação social, caso o seu processo fique concluído. Choi I, mais velha do que Fong Pak, pode-se considerar com mais sorte: o filho há muito que veio da China e com ele trouxe a nora grávida. Falam com o HM à hora de jantar enquanto põem legumes cozidos numa mesa na rua. Ouve-se a água a correr lá dentro e só vemos escuro. Convidam-nos a sentar na sala de jantar improvisada. “Vivo aqui há mais de 20 anos, mas desde 1993 que sou dona da casa, porque o dono decidiu vender. Tenho BIR, mas os meus filhos nasceram na China e só agora é que eles conseguiram vir para Macau. Esta é a minha nora”, conta, sorridente. Choi I lavou casas e arranjou os jardins públicos do território. Já tem reforma e o filho trabalha como croupier, mas não encaram a curto prazo uma saída do Pátio do [quote_box_left]“Não queria sair daqui e também não consigo arranjar dinheiro para outra casa, estou habituado. Já pus um ar condicionado, uma ventoinha e estou melhor” – Chio Kit, morador[/quote_box_left] “Gosto de viver aqui, mas não tenho ar condicionado e está sempre muito quente lá dentro. O Governo não me deixou reconstruir a casa. Mas prefiro que seja o Governo a recuperar o terreno e que me ofereça outra habitação, para ter uma casa melhor. Tenho um filho em Macau que prefere viver melhor, porque aqui não tem condições. A minha nora está aqui, mas se os meus outros filhos vierem da China para Macau, então não vou ter espaço para eles”, conta a idosa. Choi I não tem dúvidas. “Gostava que o bairro fosse renovado, porque já tenho mais de 60 anos e quando os meus filhos me vêm visitar, não há espaço para que fiquem mais dias.” O filho pára de lavar a loiça e diz-nos: “Acho que vai ser sempre difícil renovar tudo, porque há muitas pessoas que não querem. É melhor ser o Governo a decidir.” A chegada dos não residentes Além dos nascidos em Macau e daqueles que vieram da China há largas décadas, o Pátio do Espinho começou a ser habitado nos últimos anos por não residentes que ali encontram a possibilidade de pagar pouco de renda. Se olharmos pelas janelas e portas meio abertas, é comum verem-se beliches amontoados que servem de quartos. Choi I tem, numa casa logo ali ao lado, vizinhas filipinas que vivem num espaço que consideram como casa. Iva fala com o HM no final do dia de trabalho e convida-nos a entrar no seu espacinho. Divide a casa com amigas há cinco anos e juntas pagam três mil patacas. Não há ar condicionado, as divisões amontoam-se, cheias de pertences, mas ao menos Iva tem um quarto só para si. “Mudei-me para aqui porque sempre vivi fora das casas dos meus patrões. Trabalho como empregada doméstica e como eles não têm casa para mim, então encontrei esta casa, que é barata. Quando cheguei só pagávamos 1200 patacas”, recorda a não-residente, moradora em Macau desde 1990. Apesar de viver paredes meias com latas e portões velhos, Iva não se queixa e acha-se até uma privilegiada em relação às condições de vida das suas conterrâneas. “Esta casa é melhor do que outras casas onde as filipinas vivem, porque essas normalmente só têm três quatros. Aqui é melhor, mas quando fica calor, fica mesmo calor, porque não temos ar condicionado, e quando é frio, é mesmo frio. Mas ao menos tenho privacidade aqui.” Também ali no Pátio do Espinho tudo o resto é diferente: não há barulho, não há bares, não há turistas, não há luzes dos casinos. As ruas são de terra batida e não há sequer sinais de criminalidade. Às sete horas é tempo de recolher para muitos. As portas estão abertas e a convivência entre vizinhos acontece, como se de uma aldeia se tratasse. “Ela (Choi I, vizinha da frente) é minha amiga. Aqui é tudo mais calmo. Há muitos lugares em que as pessoas bebem e falam alto durante a noite e aqui não, é tudo muito mais tranquilo. Então é melhor viver aqui. É um sítio seguro e muitas vezes nem abrimos a porta, porque está muito calor”, conta Iva. Iva não quer opinar sobre o que poderá acontecer ao Pátio do Espinho no futuro, caso o Governo intervenha. “Normalmente aqui não falamos sobre isso. Se a casa fosse minha talvez apoiasse a renovação, porque quando há tempestades as casas não são muito fortes, talvez as condições fossem melhores…Vemos que muitas das casas apenas têm três pessoas e muitas delas já não têm ninguém, porque os mais velhos morreram e os filhos vivem noutros sítios, ou em Hong Kong. Por exemplo, aquele meu vizinho, só vem aqui de vez em quando. Mas penso que muitos gostavam de ter casas melhores”, conta, apontando o dedo para a direita. “Não sei quem iria beneficiar das novas casas aqui. Talvez as pessoas prefiram as casas como estão, talvez o Governo quando renovar faça prédios maiores…não sei. Eu prefiro viver desta maneira em vez de estar naqueles prédios altos, com muitas pessoas”, acrescenta Iva. No Pátio do Espinho as infra-estruturas permanecem de parca qualidade, os bons saneamentos só existem para alguns e muitas casas já estão vazias, cheias de cartas e contas que nunca serão pagas. É comum ver-se espaços cheios de ervas daninhas que permanecem por limpar. Em Junho deste ano, os Serviços de Saúde (SS) deixaram mesmo um aviso de que existe perigo de ratos por aquelas bandas. Mas, logo ali ao lado, apenas a senhora Wu se queixa da falta de acção do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Mas é o único queixume: todos parecem viver felizes num espaço de memórias e, sobretudo, de convivências. IC promete “concentrar-se” sobre o espaço No início do ano Ung Vai Meng, presidente do Instituto Cultural (IC), disse ao Ou Mun que o Pátio do Espinho é um sítio com interesse histórico e que deve ser alvo de protecção. Seis meses depois, não há detalhes novos sobre uma possível intervenção. Ao HM, o organismo referiu que “irá concentrar-se continuamente sobre a situação da zona referida, protegendo activamente e sustentadamente os preciosos recursos culturais de Macau”, uma vez que o Pátio do Espinho “é uma parte importante daquela zona, o qual está integrado na zona de protecção, sendo abrangido pela Lei de Salvaguarda do Património Cultural”. “O Pátio, além de estar na zona próxima às Ruínas de São Paulo – Ruínas do Colégio de S. Paulo, constitui um espaço histórico e distintivo”. O IC garante que o grupo interdepartamental “procede ao estudo e planeamento sobre o núcleo do Centro Histórico de Macau e posiciona o mesmo como zona de preservação histórica e cultural, no sentido da sua protecção e revitalização, de modo a expandir a área turística da zona das Ruínas de São Paulo e a optimizar a atmosfera cultural da mesma”. Francisco Vizeu Pinheiro, arquitecto, pede maior transparência no processo. “Deve-se contar com a participação da comunidade em relação a uma intervenção. No Governo tem de haver arte de negociação e não uma espécie de imposição de ditadura, como infelizmente acontece muitas vezes. O diálogo é sempre possível”, disse ao HM o arquitecto, que considera existir “falta de transparência”, pois “não se sabe qual é o critério de intervenção, se é uma decisão subjectiva, caso a caso”. O HM tentou ainda contactar a DSSOPT no sentido de perceber mais detalhes sobre os terrenos e possíveis negociações, mas até ao fecho desta reportagem não foi possível obter um esclarecimento.
Sérgio de Almeida Correia VozesUm país, três sistemas Jules Romain – “Dr. Knock”[dropcap style=’circle’]R[/dropcap]econheço que reflecti várias vezes sobre a publicação destas linhas. Resolvido o meu problema poderia ter silenciado, abalado, ido à minha vida. Há, todavia, um pequeno senão. Vivo em comunidade e não sou ninguém sem os que me rodeiam. São estes que dão sentido à minha existência como cidadão e advogado. É com eles que partilho sucessos e insucessos, lágrimas e sorrisos, e é a eles que me acolho quando preciso. São eles que me confortam e prolongam os dias. Também confesso que não sei bem em qual das qualidades escrevo, embora saiba que sou antes de tudo um cidadão, e que a protecção corporativa não me esvazia dessa condição. Sem tal estatuto, que tanto quanto possível faço por merecer, dar sentido à aristotélica vida boa passa por assumir essa condição em toda e qualquer situação. E sei, sem claudicar nem esmorecer, que não dormiria tranquilo se ignorasse o que aqui deixo. Posto isto, tenho de dizer que depois da perplexidade que me varreu quando nos primeiros dias de Janeiro escutei Alexis Tam – esforçado tenista e pessoa por quem tenho a maior estima e admiração –, dar um voto de confiança a quem tinha acabado de ser acusado de incompetência e sido demitido em directo, perante as câmaras de televisão, fiquei posteriormente incrédulo ao saber, no final da primeira quinzena de Abril, que aquele mesmo governante decidiu antecipar uma parte do futuro promovendo a substituição de Chan Wai Sin por Kuok Cheong U. De qualquer modo, gostei do anúncio de um conjunto de medidas que passarão pela contratação de mais, melhores e mais competentes, assim o espero, profissionais de saúde, por uma melhoria das instalações e dos processos de triagem, redução dos tempos de espera nas farmácias dos Serviços de Saúde de Macau (SSM), urgências mais eficientes e céleres e uma renovação dos carenciadíssimos serviços das especialidades. Quando vi o número 529 como sendo o dos profissionais a contratar até me assustei. Vinha aí uma revolução, pensei, e ainda mais depressa isso foi confirmado pelo próprio Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura ao assumir a ambição da empreitada e o risco de afirmar, nem mais nem menos, que “os próximos cinco anos serão a era mais brilhante da saúde” (Lusa, 13/04/2015). Já tinha havido uma nova era nos aviões, para onde voaram sem retorno umas centenas de milhões. Depois veio uma nova era nos autocarros. A dos táxis já foi encomendada e está em curso, pelo que logo a seguir, para não se perder a embalagem, virá a da Saúde. Isto é bonito. E será ainda mais bonito quando, após todos os milhões que a Região já enterrou num novo hospital, sem que a coisa dê sinais de se estar a levantar ou aqueles a reproduzirem-se, a referida ambição, isto é, os sonhos, “a era mais brilhante”, tiver concretização prática. Mas como ainda falta algum tempo para que essa nova era da saúde pública, que transportará Macau para o Guiness, colocando a saúde de qualquer outro país da Ásia a anos-luz da excelência desta pequena e festivaleira península, o melhor é começarmos por questões básicas e de rápida resolução. Vi-me ultimamente confrontado com uma arreliadora lesão do tendão de Aquiles, a qual me impede de poder desafiar o Secretário para uma partida de ténis, e foi por via dela que, por mero acaso, descobri o terceiro sistema. Presumo que Alexis Tam não o conheça, por isso irei resumidamente explicá-lo. Devido aos atrasos na marcação de consultas, a que como cidadão desta cidade também tenho direito – o estatuto de cidadania não nos impõe só deveres – aproveitei uma deslocação ao exterior para fazer uma ecografia. No regresso, já com um diagnóstico, contactei um clínico local. Especialista e privado. Depois de feito o indispensável exame foi-me passada uma receita e fui à farmácia. E não é que não houve ninguém que me aviasse a receita? Até que uma alma caridosa, sabendo do meu sofrer e incompreensão, me deu conta da existência do terceiro sistema, ao qual eu poderia recorrer para me desenvencilhar do problema. Graças ao meu informado interlocutor, pelo menos em matéria de medicamentos, fiquei a saber que há um sistema de saúde pública, um sistema de saúde privada, e um terceiro sistema que é o “salve-se quem puder”. Com efeito, o medicamento que me foi receitado (não sei quantos mais haverá na mesma situação, mas isso fica para o Secretário e o CCAC investigarem), de nome Viartril-S, em saquetas de 1500 mg, é exclusivo para o sistema de saúde pública, só pode ser receitado em unidades dos SSM e, ainda mais exclusivo, só é acessível a funcionários públicos e equiparados, isto é, a titulares do “cartão verde”. Ainda sem saber como aliviar a dor, propus-me adquirir o medicamento ao farmacêutico pagando a integralidade do seu custo. Qual não é o meu espanto quando sou esclarecido, para desgosto do farmacêutico, de que esse medicamento, embora acessível a funcionários públicos, não é sequer vendável. Com ou sem receita médica. Quem tem acesso ao cartão verde pode recebê-lo gratuitamente; os outros, os que não são funcionários públicos, nem equiparados, não têm acesso ao medicamento. Nem sequer pagando. Porque o acordo feito entre os SSM e o fornecedor de Hong Kong da Rottapharma não permite a sua comercialização a terceiros. Há sucedâneos mas não são a mesma coisa nem têm a mesma dosagem. Creio que a situação descrita é do desconhecimento de Alexis Tam e do Chefe do Executivo, só podendo ser imputada à “má gestão”, à existência de “zonas de tragédia” e aos maus gestores que precisam, urgentemente, de ser ajudados pelos bons gestores do gabinete do Secretário. E escrevo isto convicto de que nem mesmo as “boas intenções” de Lei Chin Ion (Tribuna de Macau, 16/04/2015) conseguirão uma interpretação do artigo 25.º da Lei Básica que salve tamanha iniquidade que afecta o grosso dos cidadãos, aliás candidamente confirmada pelo próprio médico dos SSM quando me apresentei a uma consulta, conseguida in extremis, para obter uma receita que me permitisse levar a cabo o tratamento prescrito. Eu não quero que os SSM acabem com a prescrição do medicamento e que todos fiquem impedidos de a ele aceder. E até posso admitir que uma mentalidade canhestra consiga perceber as razões para que exista um tratamento – ilegal e intolerável, sublinhe-se – tão discriminatório entre funcionários públicos e equiparados titulares do cartão verde, por um lado, e a generalidade dos cidadãos, pelo outro lado, que como cidadãos têm direito ao mesmo acesso à saúde, aos meios de diagnóstico e à assistência medicamentosa que os seus impostos ajudam a pagar. Mas o que não aceito, nem ninguém de boa consciência pode aceitar, é que sejam os próprios SSM a violarem de forma tão flagrante o princípio da igualdade, introduzindo um sistema de tal forma discriminatório e distorcido que até quem pode arcar com o custo dos medicamentos está impedido de a estes aceder – para proteger quem? – pagando o respectivo custo. [quote_box_left]“Fiquei a saber que há um sistema de saúde pública, um sistema de saúde privada, e um terceiro sistema que é o “salve-se quem puder”[/quote_box_left] Não sei se as luminárias que pensaram e permitiram que tamanha discriminação entre cidadãos fosse levada à prática em matéria de medicamentos terão a noção da gravidade do que está em causa. Nem se Alexis Tam já se apercebeu da dimensão da tragédia a que se chegou em matéria de assistência médica e medicamentosa na RAEM. Desconheço em nome de que princípio se pode permitir tamanho entorse a um princípio estruturante da RPC, da própria RAEM e de qualquer nação civilizada. Seria o mesmo que ter medicamentos só para brancos ou só para nazis, deixando negros e judeus de fora. Todos os cidadãos contribuem em igual medida para o PIB de Macau, sejam funcionários públicos ou a gente sem eira nem beira que dorme nas camaratas urbanas da Nova City, e que é vergonhosamente explorada de sol a sol para acarretar calhaus nas obras dos casinos que irão encher os cofres da RAEM. Não vejo por que razão os funcionários públicos hão-de ser de tal forma privilegiados que seja necessário impedir o acesso a determinados medicamentos aos médicos que estejam na actividade privada e à maioria dos cidadãos o direito à cura das suas maleitas com os medicamentos prescritos. A discriminação no acesso à saúde e aos medicamentos entre cidadãos nunca deveria ter acontecido. E não pode continuar. Ela constitui uma infâmia, uma aberração em pleno século XXI, uma afronta aos cidadãos de Macau, uma vergonha para qualquer Estado de direito, e representa algo que a velha administração portuguesa, com todos os seus defeitos, jamais permitiu que acontecesse. Não acredito que uma situação desta gravidade possa ser tolerada em Beijing. A forma como a liderança do Partido Comunista Chinês tem combatido a corrupção, o nepotismo e a existência de privilégios de casta, seja de que casta for, não me permite pensar de outra forma, tanto mais que o Politburo, na reunião de 26 de Junho pp., até introduziu um sistema para premiar os bons dirigentes e punir os maus (SCMP, 27/06/2015, p.3), não sendo necessário dar-lhes sucessivas oportunidades para mostrarem a sua inaptidão no tratamento dos interesses públicos. Se a situação não for rápida e prontamente corrigida, começando-se pela área do medicamento e devolvendo-se às farmácias a sua função social – que é a de vender medicamentos a qualquer cidadão, e não a de dizerem que “esse não há” e serem mais um supermercado para os “mainlanders” irem arrastar as chinelas e comprar leite em pó – não auguro nada de bom para a prometida “nova era da saúde”. E se está em marcha uma revolução no sistema de saúde da RAEM, então o melhor é começar já por aqui, pela política do medicamento, repondo a igualdade e a justiça entre todos os cidadãos. De outro modo, a distribuição de vouchers e de cheques ao domicílio não passará de uma forma de aligeirar o peso da incompetência e de aliviar consciências.
André Ritchie Sorrindo SempreUma Macaense Uyghur [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]xiste um ditado chinês que, em tradução livre, diz: “não se receie uma vida mal destinada; receie-se antes um nome mal escolhido”. (*) Pretende este ditado sublinhar a importância que a escolha do nome tem para os chineses, tratando-se de um processo meticuloso e profundo em que são analisados os significados de cada caracter, bem como o sentido, a sonoridade e o número de traços do conjunto todo. É uma operação que reflecte perfeitamente a riqueza da cultura milenar chinesa. Todavia, é comum por estas bandas a adopção de um nome em inglês para facilitar a interacção diária, já que no nosso ambiente multicultural essa é frequentemente a língua veicular utilizada. Neste contexto, o que até hoje ainda não consegui perceber é por que razão o mesmo cuidado não é tido na escolha desses nomes adoptivos em inglês. Por cá existem indivíduos com nomes ingleses fantasticamente surreais. Se o caríssimo leitor desconhece esse fenómeno, tenho então a seguinte proposta a fazer: vá ao McDonald’s mais próximo de si e veja os nomes que os funcionários ao balcão trazem no peito. Já vi Zombie, Milk e até Wasabi. Falo, naturalmente, de forma generalizada. Há também casos interessantes em que o nome em inglês é coerentemente escolhido em função da sonoridade do nome em chinês. Por exemplo, conheço uma rapariga chamada Mak Hoi Lan (para quem não sabe: Mak é apelido e Hoi Lan é nome) que se chama Helen Mak em inglês. O resultado parece-me bastante feliz. Delicio-me com essas coisas que são para mim de grande interesse pois evidenciam a cultura híbrida a que estamos expostos aqui nesta parte do mundo. Feita essa introdução, vou agora falar das caricatas situações que enfrento por causa do meu nome. Não o faço por egocentrismo, quando muito para expor o que nós, macaenses, temos de aturar dada a nossa natureza mestiça. O meu nome – André – foi sempre uma dificuldade para os chineses. Fui criado por várias empregadas chinesas e nenhuma foi capaz de pronunciar o meu nome correctamente. O melhor que se conseguiu foi An-Te-Lé. Sendo André um nome difícil para os chineses, toda a gente me trata por Ritchie, muito mais fácil por ser inglês (**). Como tal, sempre que qualquer chinês me pergunta pelo nome, digo “Ritchie”. E aqui começa a confusão, pois assumem que Ritchie é um nome de adopção, semelhante a Zombie ou Wasabi. Para complicar as coisas, na comunicação social em língua chinesa fiquei conhecido pelo nome Lei On Tak, concebido em 2003 quando regressei a Macau. Assim, tudo somado, frequentemente sou identificado como o Mr. Ritchie Lei. O problema é o trabalho que dá fazer as rectificações quando necessárias, pois tipicamente ficam a olhar para mim com um ar incrédulo. Até já fui contrariado: uma rapariga que, apontando para a face em chinês do meu cartão de visita, insistiu que o meu nome não era como eu dizia que era. Haja paciência. Entretanto, sou diariamente confrontado com um outro problema que já todos conhecem: a famosa vírgula do BIR. De um momento para o outro, em Macau passei a chamar-me “Xavier Sales Ritchie, André Duarte”. Aborrece-me o facto de, mesmo depois de séculos de presença portuguesa em Macau, a malta ser incapaz de perceber que nos nossos nomes o apelido principal é o último nome, e não o primeiro. Passei a ser Mr. Xavier. E o facto de Xavier ser um nome muito difícil para os chineses também não ajuda em nada. “Zeivier”, “Sáfiar”, “Ex-Eivier”, já me chamaram esses nomes todos. No outro dia recebi a chamada de um desconhecido que iniciou a conversa da pior forma, em inglês: “Hello! Is it Mr. Zei… Errr… Saf… Ahm…”. Tive de o acudir, mas fi-lo em cantonense e com um tom propositadamente seco: “Ouça, eu sou o Mr. Ritchie. Falo chinês. Vamos falar em chinês?” Pobre coitado… Ora, como poderia ele adivinhar que, com um nome tão complicado, do outro lado da linha encontrava-se afinal um sujeito fisicamente oriental e perfeito falante de cantonense? Contudo, os meus dramas não se limitam a Macau. Também sofro em Portugal: quantas vezes não me fizeram elogios despropositados, do género “Oh, mas o senhor fala tão bem português, fala português como um português!” Normalmente ignoro. Mas às vezes não me controlo e respondo torto: “Muito obrigado. O senhor também fala muito bem português. Onde aprendeu a falar tão bem?”. É antipático, eu sei. E as pessoas não têm culpa. Só que a paciência tem limites. Entretanto, como Ritchie não é um apelido português, em Portugal nem sempre é pronunciado correctamente: já me chamaram de Ricky, Rí-xe ou Rís-ti. Aliás, quantas vezes não tive de soletrar o meu apelido em serviços públicos, bancos ou simples reservas de mesa? Um dia armei-me em esperto e, ao telefone com um funcionário da Telepizza, identifiquei-me como “André Sales”, sendo este o meu apelido que vem antes do Ritchie. Reacção do outro: “Sales é com um L ou com dois L’s?”. Apeteceu-me dizer um palavrão. Felizmente, nem tudo no meu nome está mal: pelo menos não tenho nenhuma preposição. A minha mulher, por exemplo, tem o apelido “de Jesus” e é vítima de uma situação espectacularmente pitoresca: por causa da tal vírgula do BIR, em Macau passou a ser Ms. De! E como De (leia-se “dí”) soa a compatriota do interior da China, com as feições que tem devem pensar que é Uyghur! Isto tudo tem muita piada, mas também não tem: um conterrâneo meu esteve perto de perder um voo porque nos altifalantes fartavam-se de chamar pelo Mr. De e ele, naturalmente, não se apercebeu que era o destinatário da mensagem. Portanto, se o caríssimo leitor tem como apelido “dos Santos” ou “da Silva”, esteja atento e não diga que não avisei: passou a ser Mr. Dos ou Mr. Da. Enfim… Conheço inúmeras histórias semelhantes, mas fico por aqui e vou fechar o artigo regressando àquele ditado chinês para dizer o seguinte: (1) a minha vida está bem destinada, muito obrigado; e (2) não, apesar de tudo, não acho que o meu nome tenha sido mal escolhido. Quando muito acho que nós, macaenses, somos uma grande contradição. Frequentemente os nossos nomes não batem certo com as nossas feições que, por sua vez, não batem certo com a nossa forma de ser e de estar na vida. Em qualquer parte do mundo, até mesmo em Macau, ninguém consegue compreender que laia de gente somos nós. De resto, acho que nem nós próprios nos compreendemos. [quote_box_right]Quando muito acho que nós, macaenses, somos uma grande contradição. Frequentemente os nossos nomes não batem certo com as nossas feições que, por sua vez, não batem certo com a nossa forma de ser e de estar na vida[/quote_box_right] Sorrindo Sempre No ginásio que frequento há um tirano que tem a mania que tudo o que lá está foi feito para o uso exclusivo dele. No seu universo os outros utentes não existem. Entra na sauna e, sem o consentimento dos presentes, deita água em grande quantidade para cima das pedras. Mas depois não se aguenta nem um minuto: abandona o recinto, deixando os outros lá dentro a ferver com as altas temperaturas. Eu fervo a dobrar: de calor e de raiva. Sorrindo sempre, é verdade. Mas no outro dia coloquei um travão: enquanto corria na minha máquina preferida, que tem uma televisão à frente, o dito chega, instala-se na máquina ao lado e decide mudar de canal sem me dizer nada. Quer dizer, estava eu muito bem a assistir a passagens de modelos do Fashion TV com umas mulheres bestiais e, de repente, tenho pela frente um crocodilo do National Geographic a comer um animal vivo, com sangue a jorrar por todo o lado? Com muita calma, paro a máquina de corrida, saco o comando da televisão e mudo novamente para o Fashion TV. Mais: tiro as pilhas do comando e meto-as no bolso. Isso tudo sem dirigir um único olhar ou palavra ao tirano. Chupâ ovo. Retomo tranquilamente o meu exercício. Quando acabo, recoloco as pilhas no comando e, como o tirano ainda corria, mudo para o National Geographic. O crocodilo estava morto e todo aberto, a ser analisado em laboratório. Ele acenou e sorriu para mim (o tirano, não o crocodilo). Às vezes, viver em Macau é também assim. O conceito da multi-secular amizade abarca essas situações. Não se trata apenas de nos entendermos bem com o próximo. Acima de tudo, temos é de nos desentender bem. E foi assim durante séculos. Sorrindo sempre. (*) 唔怕生壞命,最怕改壞名 (ng pa sáng wai meng, choi pa koi wai méng). (**) Na verdade, não é inglês porque Ritchie deriva de Ricci: o meu antepassado era italiano e veio de Palermo no séc. XIX
Hoje Macau SociedadeTurismo | Crença no aumento de taxa de ocupação hoteleira Helena de Senna Fernandes [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] directora da Direcção dos Serviços de Turismo, Helena de Senna Fernandes, acredita que a taxa de ocupação hoteleira do território vai aumentar nos próximos meses. De acordo com notícia avançada pela Rádio Macau, a directora está confiante no aumento, que justifica com o crescimento progressivo dos números de turistas desde Março a Maio deste ano. “Os números de Março e de Abril, sobretudo de Março, não são muito bons para o turismo, mas (…) em Abril os números melhoraram e as notícias que temos da parte do sector privado são de que está a aumentar [a ocupação hoteleira]. O mês de Maio está, ligeiramente, melhor do que os anteriores”, disse a responsável ao canal. Além disso, Helena de Senna Fernandes lembra que a abertura de novos hotéis indica um descréscimo dos preços, uma vez que a competividade aumenta. De acordo com a directora da DST, o Turismo quer agora investir na atracção de turistas provenientes do território vizinho. “Hong Kong pode ser uma fonte muito importante de turistas, que possam ficar a pernoitar nos hotéis de Macau. Há uma série de acções que vamos levar a cabo daqui para a frente, em mercados internacionais e também nos mercados de Hong Kong e Taiwan”, revelou Helena de Senna Fernandes. As declarações foram feitas à margem da cerimónia de assinatura de um contrato entre a DST e o Turismo de Shaoguan, da província de Guangdong. Este pretende reforçar a cooperação turística entre as duas zonas e um dos objectivos é atrair mais turistas de Shaoguan a Macau e “apoiar o desenvolvimento e actividades das atracções turísticas nos dois lados”, refere a DST em comunicado.
Sérgio Fonseca DesportoPilotos do WTCC interessados em voltar à Corrida da Guia [dropcap style=’circle’]T[/dropcap]iago Monteiro, Rob Huff, Tom Coronel e Yvan Muller são alguns dos nomes que nos habituamos a ouvir nas notícias no mês de Novembro. Por dez anos consecutivos, o Campeonato do Mundo FIA de Carros de Turismo (WTCC) visitou Macau e alguns destes senhores, todos eles conceituados pilotos de carros de turismo, fizeram parte do quotidiano da semana do Grande Prémio. Contudo, o WTCC despediu-se no final de 2014 do Circuito da Guia e este ano a principal corrida de turismo, cujos regulamentos abrem a porta ao novo conceito de carros de turismo TCR, terá outros intervenientes. A boa notícia é que o WTCC viu-se obrigado a mudar de data da sua última corrida no Qatar, que coincidia com o Grande Prémio do território, permitindo agora aos pilotos do mundial de carros de turismo participarem na “Corrida da Guia de Macau 2.0T – Suncity Grupo”. E o interesse existe. “Mesmo que o WTCC não volte, não quer dizer que eu não venha cá! Tenho de arranjar alguma coisa para vir a Macau. Há muitas corridas por aí…”, disse Tiago Monteiro ao HM no passado mês de Novembro, enquanto acrescentava que esta decisão vai depender da Honda. “Só tenho 38 anos e vencer em Macau é sempre uma esperança”, relembrou o português. Monteiro é piloto oficial da Honda no WTCC e foi a sua equipa, a italiana JAS Motorsport, quem construiu e é responsável pelo desenvolvimento dos Honda Civic do novo campeonato TCR International Series. Ambição de vencer Esta semana, ao saber das alterações do calendário do WTCC, também Rob Huff mostrou interesse em regressar à RAEM. “Sou o piloto de carros de turismo com mais vitórias [no Circuito da Guia] e gostaria de tentar estender esse recorde” disse Huff ao portal TouringCarTimes.com. O vencedor de sete corridas do WTCC no Circuito da Guia lembra que há “obviamente mais oportunidades” de voltar agora em carros de turismo e disse acreditar nesta hipótese para regressar à sua “pista favorita”. O piloto britânico está confiante que terá ofertas para voltar à prova, porém terá ainda que ter a autorização do construtor automóvel russo Lada, com quem tem contrato no WTCC e que não está envolvido no TCR. O regulamento da “Corrida da Guia de Macau 2.0T – Suncity Grupo” ainda não está acessível, no entanto, de acordo com Chong Coc Veng, Coordenador da Subcomissão Desportiva da Comissão do Grande Prémio de Macau, este ano, “a Corrida da Guia será realizada sob os regulamentos de carros 2.0T. Muitas marcas e modelos estarão aptas a competir, incluindo as que participam no TCR”. O responsável acredita que se pode esperar “esperar uma competição acérrima, o que já é habitual na Corrida da Guia”.
Hoje Macau Política“Nada Tenho de Meu” – #01 “Nada Tenho de Meu, um Diário de Viagem no Extremo Oriente” Autoria: Miguel Gonçalves Mendes, Tatiana Salem Levy, João Paulo Cuenca Montagem: Pedro Sousa Narrador: Siung Chong Desenho de Som: 1927 Audio Tema Original: Pedro Gonçalves Produção: JumpCut
Filipa Araújo Entrevista Manchete SociedadeEntrevista | André Ritchie, arquitecto e ex-coordenador do GIT A sua saída do cargo político que ocupava, o metro e o património são alguns dos assuntos em cima da mesa com o ex-coordenador do GIT. Com algumas reticências, André Ritchie fala de alguns assuntos mais polémicos, mas defende que não é altura para tudo ser revelado [dropcap type=”circle”]E[/dropcap]steve à frente do gabinete que coordena o metro ligeiro. É realmente necessária esta construção em Macau? Não existem alternativas mais económicas? Acho que Macau precisa acima de tudo de ser uma cidade mais “user friendly”. Neste território, a distância não pode ser medida pela distância em si, mas pelo tempo que demoramos nas nossas deslocações. Macau está a tornar-se uma cidade muito desconfortável. Há distâncias curtas, que a pé são pouco confortáveis devido aos passeios e ao número de pessoas. É preciso, por isso, um sistema integrado de transportes e isso implica o metro, autocarros, táxis e circulação pedonal. Em Hong Kong, por exemplo, o sistema pedonal funciona bem. Em Macau, devido à sua marca portuguesa de zona alta e baixa da cidade, é preciso compreender o que é possível neste espaço e este sistema pode funcionar muito bem aqui. É inaceitável demorar-se tanto tempo nas deslocações e, por isso, acho que o metro faz sentido. Mas a construção do metro vai resolver este problema? Não. O metro em si não vai resolver este problema das deslocações. Mas claro, tem que ser visto como uma das soluções do puzzle. O Governo tem que apostar mais na circulação pedonal, porque em Macau as pessoas habituaram-se muito ao carro, a um meio de transporte para deslocações curtas, o que não acontece em Hong Kong. Em Macau as pessoas são preguiçosas, é verdade. Mas a pessoa de Macau quando vai à região vizinha anda muito. Porquê? Porque tem conforto, seja no sistema pedonal ou no metro. Quando há conforto as deslocações tornam-se mais fáceis e rápidas. Quando é que acha que esta obra estará concluída? Prefiro não responder a essa pergunta. Há muitas perguntas sem resposta. Porquê esta decisão de nunca comentar, nunca falar em assuntos considerados sensíveis? Nunca falo porque é uma atitude que decidi ter e colocar em prática. Não quero dar a ideia de que bati com a porta e saí aborrecido e agora disparo contra [o Governo]. Olho para trás e acho que tive muita sorte, vim [para Macau] com a economia de rastos, mas depois assistiu-se ao crescimento. Aprendi muito, tivemos imensos projectos, foi estimulante para um novato como eu estar ali na linha da frente. E por isso mesmo não falo por respeito à casa. Naturalmente o Governo também comete erros, eu também cometi erros. Agora não quero aprofundar esses assuntos porque não quero meter o dedo na ferida. Mas a verdade tem que ser dita, é direito da sociedade ter conhecimento dos erros… Sim, acho que sim. Mas não é por mim, mas posso adiantar um aprendizado meu. O meu chefe de Portugal tinha muitas histórias para contar, muitos erros, devido às obras em que estava envolvido e sempre me passou o testemunho que não podia contar e mandar para a sociedade aquelas verdades. Disse-me um dia que iria escrever um livro com o título “As Memórias de um Burro” com essas verdades. O André vai seguir o exemplo? Um dia. As memórias de um burro escrito por mim com essas histórias. Porque é que saiu do Governo? Bem, foram 12 anos no Governo. Nunca foi intenção minha estar eternamente no Governo, há essa tendência geral das pessoas verem os cargos públicos como âncoras para o futuro, mas nunca aconteceu comigo. Há uma postura errada do acomodar-se ao cargo. Há um ditado chinês que diz que fazer ou não fazer é a mesma coisa e isto é errado. Profissionalmente, é super desmotivador e castrante. Ao longo dos anos que trabalhei fui sempre recebendo algumas propostas mas recusei, até que, chega-se a um ponto da nossa motivação em que temos que mudar. Não escondo que comecei a ficar desmotivado. Porquê? Enfim, porque o Governo tem o seu ambiente e modo de trabalho, do ponto de vista legal, jurídico, a nível de procedimentos que eu já conhecia bem. Estava a precisar de algo novo. Foram 12 anos a trabalhar com os mesmos mecanismos, mesmos procedimentos, mesmo método. Tinha que mudar. Disse que aprendeu muito, boas e más experiências. Podemos ter como exemplo a condenação de Ao Man Long? Sim, essa foi uma das situações que foi uma grande lição para mim. Fui testemunha e todo o processo foi intenso. Aprendi muito, porque aprendemos sempre com os bons e os maus momentos. Ao Man Long foi o bode expiatório para uma situação que envolvia muita gente? As pessoas têm essa tendência de generalizar. Por exemplo, agora no caso recente da FIFA alguns deles são suspeitos, o que faz com que as pessoas acusem o presidente [Joseph] Battler imediatamente. Neste caso, não sei, não estou dentro do assunto. Mas acredito que há de facto tendência para culpabilizarmos o outro. Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, afirmou que ia mexer em alguns serviços e gabinetes organizando-os, fundindo-os ou até eliminando-os. Concorda com esta espécie de arrumar da casa? Vejo esta decisão mais como algo global do que só desta pasta específica. Acho que isto está acontecer transversalmente, não é só na pasta dirigida pelo Secretário Raimundo. Parece-me bem, porque defendo que a reforma administrativa é sempre necessária e contínua. A cidade vai-se transformando, portanto o Governo tem sempre necessidade de criar serviços para dar resposta a algumas lacunas ou desafios e isso acontece com várias tutelas. Ao longo dos últimos anos foram criados vários serviços na pasta das Obras Públicas, para dar resposta. Mas claro, é sempre oportuno perceber se esses serviços são necessários ou se é possível fundir alguns deles para se conseguir um melhor desempenho. Não sei se a casa está desarrumada, pelo menos não quero assumir isso, vejo a reforma administrativa como algo necessário. Quando se faz este [trabalho] de extinção ou união é preciso perceber porque é que esses serviços foram criados, perceber a sua natureza, cultura e orgânica. É preciso perceber se são úteis ou não. FOTO: Gonçalo Lobo Pinheiro O Gabinete para o Desenvolvimento das Infra-Estruturas (GDI) é útil? Foi renovada por mais dois anos a sua existência. O GDI foi muito útil desde a criação da RAEM devido a três grandes construções: a fronteiras das Portas do Cerco, a ponte Sai Van, que é essencial para o acesso ao Cotai, e depois o próprio Cotai. Quando vim em 2003 e comecei a trabalhar no GDI o Cotai não existia, foi o gabinete que o construiu e isso foi muito importante para que os investidores pudessem investir. O GDI foi muito útil nessa altura e agora no último Governo foi responsável pela habitação pública. Quer se goste ou não, existe e está construída e foi este gabinete que a executou, assim como a nova Universidade de Macau, que é uma grande obra. Este serviço é um gabinete de intervenção rápida, tem uma agilidade que muitos serviços não têm e acho que qualquer Governo deve ter este tipo de serviço, sem departamentos, de respostas rápidas. Em Portugal trabalhou na obra do metro do Porto, projecto de grande dimensão. Porque decidiu voltar para Macau? Acabei o curso de Arquitectura no Porto em 2001 e mal acabei o curso comecei a trabalhar lá. Foi sorte, tinha acabado de defender a minha tese sobre o plano inicial sobre os NAPE e cruzei-me com um professor meu, no próprio bar da universidade, que logo ali me fez o convite para a obra do metro do Porto. Nunca pensei em regressar a Macau, confesso, pensei sempre que o meu futuro era na Europa, mas a verdade é que o salário, com os impostos, assustaram-me um bocado. Com o primeiro salário pensei: então é só isto? Quando o António Guterres abandona o cargo e entrou o Durão Barroso com o discurso do ‘país de tanga’ pensei que Portugal não estava a entrar num bom caminho. Precisava de alternativas, a experiência de trabalho estava a deixar-me infeliz e mexi-me aqui em Macau. Pronto, voltei. O Regime de Acreditação de Arquitectos e Engenheiros em Macau entra em vigor agora no início de Julho. Concorda com este regime? Não conheço muito bem a lei, mas acho que é um bom princípio. É importante porque tem que existir um controlo de qualidade. Faz sentido ter este regime. Portugal recentemente também passou por isso, até se criou a ordem dos arquitectos, portanto acho que sim. Caso contrário qualquer pessoa que tenha um curso inscreve-se nas Obras Públicas e está apto a assinar projectos, não pode ser assim. Este regime é importantíssimo do ponto de vista técnico e profissional. Mas Macau tem capacidade para formar arquitectos? De facto existe um curso de Arquitectura em Macau, na Universidade de São José, mas tenho algumas dúvidas. Conheço as pessoas que estão à frente do curso e posso dizer que são pessoas competentes, são bons, não há dúvidas. Mas o plano de curso em si deixa-me com muitas dúvidas. É preciso começar em algum lado, é uma universidade nova e ninguém lhe tira o mérito, mas não sei que referências tem. Por outro lado, pode ser chato dizer isto, mas não compreendo porque é que este curso não é dirigido pela “prata da casa”. Temos aqui em Macau excelentes profissionais, tais como o Carlos Couto, Carlos Marreiros, Luís Sá Machado, Isabel Bragança… Macau tem bons arquitectos e aparentemente estes profissionais não estão directamente ligados a este curso. O Rui Leão, um bom profissional, já esteve, mas já não está. Não percebo. Acho que é preciso este apadrinhamento. FOTO: Gonçalo Lobo Pinheiro Mas apenas o curso não é suficiente. Não, de facto. Até pode não fazer sentido para alguns, mas para mim uma pessoa que nasça aqui, viva aqui e estude Arquitectura aqui não sei que cultura arquitectónica assumiu. A vivência no exterior, essa experiência como ser humano e profissional, seja em que área for, é muito importante. A bagagem cultural é muito importante, ganhar motivações de desenho, ver como se vive nas outras culturas, perceber o verdadeiro significado da área, não é só desenhar umas coisas bonitas. Neste lado do mundo há muito esta ideia do design, do moderno ou clássico. Não é nada disto, é muito mais profundo que isso. Digo sempre às pessoas que da necessidade, a motivação de desenho, nasce uma moda e não o contrário. Sobre o Património de Macau, como vê o que foi até ao momento classificado pela UNESCO e o que poderá ser? O que já foi classificado devia ter mais alma. Não pode ser só fachada. Olhamos para o Largo do Senado, é um sítio bonito e rico, mas o que se passa com os edifícios? Temos fachadas bem cuidadas mas completamente desrespeitadas a nível de rés-do-chão pelo comércio, não há o mínimo de disciplina a nível de desenho de lojas, cada um faz o que quer. É vergonhoso, vivemos de fachada. Acho que é preciso disciplina e dar vida. Por exemplo o Largo do Lilau tinha mais vida antigamente do que agora, que é considerado património. Na altura tinha um café, uma tasca chinesa, moravam pessoas nas casas em volta, tinha muita vida e nem sequer era considerado património. E o novo? Bem, espero que da lista não saiam só edifícios antigos com arcos. Espero sinceramente que haja arquitectura moderna porque em Macau fez-se muita interessante, como é o caso da Escola Portuguesa. Há muitas obras de arquitectura moderna que deviam ser preservados. Estamos a entrar numa fase triste para arquitectura porque maioritariamente o que se constrói na cidade é habitação. Antigamente, os arquitectos desenhavam edifícios para habitação muito interessantes, agora perdeu-se isto, por força do mercado e das imobiliárias. Só se constrói edifícios de catálogo. E o Hotel Estoril? É um edifício muito interessante, mas é preciso que a sociedade perceba que é necessário manter-lhe a alma. Entenderem que o património não são só arcos e o antigo, o que é novo é também património. O que se faz hoje é património. Não é só o Clube Militar, o Senado, não é só isso. Existe planeamento urbanístico em Macau? Sempre existiu. O que as pessoas têm que compreender é que o planeamento urbanístico é gestão de interesses, económicos e públicos. É preciso haver este equilíbrio. Sempre existiu, mas fala-se muito em planeamento urbanístico porque as pessoas confundem o planeamento com o zonamento, que é organização por zonas. O planeamento não é isto e a população tem que perceber isto. O planeamento pretende equilibrar e criar ferramentas legais e jurídicas para o ordenamento do território. Como vê Macau daqui a 20 anos? Quando era miúdo, o meu pai, como não havia pontes de ligação a Coloane, combinava excursões com os amigos ao fim-de-semana. No meu tempo, com a ponte, ir à Taipa era uma aventura, pagávamos a portagem e íamos fazer os trabalhos da escola, voltar para casa era outra aventura. Era tudo diferente. Agora em dez minutos estamos em Coloane. Macau expandiu. Para a minha avó ainda existe a ideia dos piratas de Coloane. A expansão vai continuar, vamos crescer e crescer. As fronteira vão estar muito mais premiáveis, vai abarcar Zhuhai e a zona de Cantão, a circulação de bens e pessoas será cada vez maior. Inevitavelmente o nosso estilo de vida vai mudar. Para mim agora ir a Zhuhai é cansativo, tenho que passar a fronteira e aquilo tudo, para o meu filho possivelmente vai ser como ir à Taipa. Ir a Cantão vai ser já ali. [button color=”” size=”” type=”3d” target=”blank” link=”https://hojemacau.com.mo/category/opiniao/sorrindo-sempre/”]LEIA TAMBÉM AS CRÓNICAS DE ANDRÉ RITCHIE NO HOJE MACAU[/button]
Tânia dos Santos SexanáliseDe sexo a sexo [dropcap style=”circle”]O[/dropcap] sexo caracteriza-se pela versatilidade inusitada a que se propõe, na sua semântica ou na morfologia da sua actividade, este alicerça a vida de muito boa gente que se entrega ao complicado universo de relações humanas. O sexo encontra-se no entendimento de género, no desejo e no afecto, no marketing e no consumo. Sob o véu que o tabu (ainda) carrega, a sexualidade mostra-se nas mais inocentes formas de agir e nos mais ingénuos dos entendimentos. Teria escrito uma carta de agradecimento a Freud pelo seu esforço e contributo à fornicação, ademais, pela fantástica capacidade de se incluir na cultura popular pós-moderna com os mistérios que a sexualidade se envolve. Se o sexo (e o desejo) é popular, ao seu mistério agradecemos. Tenho dificuldade em ir em conversas onde o sexo, na sua complexidade conhecida, é reduzido a um instinto. Sim, é verdade que há a necessidade de uma legitimidade biológica para fugir de concepções sexuais de uma absurdidade metafísica sem igual. Contudo, a vantagem de aplicar um modelo inserido na dinâmica de relações e actos de comunicação a que o mundo se rege, insiste no glamour que o sexo merece e que dele nos entusiasma. Afinal o que seria do sexo do séc. XXI sem pornografia, comédias românticas, revistas femininas ou viagra? A verdade é que não sabemos e nunca havemos de descobrir. O sexo contemporâneo vive na imaginação individual e colectiva, nos paradigmas intelectuais a que se insistem e, consequentemente, na sua tão excitante discussão ideológica. O sexo presenteia, satisfaz, magoa e ofende. A sede que nos leva a beber um copo de água dificilmente chega a ter tão confusas proporções. Um professor e amigo sugere que a sexologia dificilmente deveria ser abordada como uma terapêutica de cariz individual mas inserida nas problemáticas conjugais (porque se temos sex problems, temos marital problems). A inserção do sexo na problemática relacional tem de ser melhor considerada, especialmente porque transpõe os limites de uma cama conjugal, para as extras- e para todas as outras relações, sugestões e pressões sociais que põem em desconforto aquilo que a actividade deveria ser: saudável e confortável, para todos os envolvidos. Fantasiar sexualmente é um exercício adorável. Um manifesto à criatividade sexual e íntima urge em ser escrito e declamado entre mulheres e homens conjuntamente. Strap-ons, ménage à trois, aquilo das 50 sombras de qualquer coisa, clareamento anal caseiro. De Olhos Bem Fechados do Kubrick. Lovely jubbly. Pano para muitas mangas. [quote_box_right]E é isto: na sede pela competição quantitativa e qualitativa pela performance, o sexo salpica-se de uma crueldade movida pelo desejo de ser o melhor. Surpresa! Parece que não há grande consenso sobre o significado de ser bom na cama (ou fora dela). O pessoal faz como pode[/quote_box_right] O problema (como tantos outros) é que as representações do sexo estão muito longe de ser unânimes. Ainda bem e ainda pior, é que a sua diversidade leva a um desentendimento por vezes interessante, por vezes problemático, mas que poucas pessoas têm consciência da sua natureza. E não, os homens não são de Marte e nem as mulheres são de Vénus (literatura encontrada em bibliotecas masculinas que em nada lhes poderá ter ajudado a um relacionamento heterossexual feliz). Homens e mulheres são o que se fazem deles, na tentação irresistível de fazer generalizações. Já se sabe que os homens medem o seu Júnior na esperança de atingir um heroísmo sexual isento de esforço, e as mulheres discutem os seus tamanhos no café, espalhando a fama dos detentores de um tal objecto fálico que facilmente se compra numa sex shop, em muito melhores condições. E é isto: na sede pela competição quantitativa e qualitativa pela performance, o sexo salpica-se de uma crueldade movida pelo desejo de ser o melhor. Surpresa! Parece que não há grande consenso sobre o significado de ser bom na cama (ou fora dela). O pessoal faz como pode. A proposta é simples: um tema daqueles que precisam de ser discutidos, por cada conjunto de palavras que teimam em ser escritas. Uma tentativa de integrar as ideias e as experiências do sexo na sua pluralidade, ou, pelo menos, pensar nelas. Ideias carregadas na bagagem de quem salta por aqui, ali, por Macau e por acolá. Exercícios de semi-associação livre do tal tema do sexo.
Fernando Eloy VozesMudança de paradigma [dropcap type=”2″]É[/dropcap]vulgo dizer-se que uma imagem vale por mil palavras, mas é vulgar porque assim é como julgo ser o caso desta. Por isso mesmo, hoje poupo palavras e coloco o foco neste instantâneo captado no passado domingo de manhã a caminho de Zhuhai. Mas como qualquer pessoa que não passe a vida enclausurado no ar condicionado dos gabinetes ou dos automóveis vegetando em realidades alternativas, podia ter sido em outro dia qualquer… Para quem há pouco tempo cá está ela pouco dirá, mas para quem cá nasceu ou pelo menos aqui vive há meia dúzia de anos, sabe perfeitamente que uma foto destas há não muito tempo atrás teria de ser captada no sentido Zhuhai – Macau. Mas o paradigma mudou: a realidade de hoje é que, apesar dos sustos constantes com a segurança alimentar e produtos de consumo na China, muitos cidadãos de Macau não vêem outra alternativa senão atravessarem diariamente a fronteira com os cestos vazios. São cada vez mais e cada vez mais apressados, mesmo quando a Pataca já não vale mais do que o Reiminbi como em dias que já lá vão. A propósito, lembro-me de Shakespeare quando um dia escreveu que “Algo está podre no reino da Dinamarca” ou então estou completamente enganado, esta imagem é uma ficção e a realidade é que vivemos numa cidade virada para os seus habitantes e com eles preocupada. Se assim for, lamento a interpretação deturpada. Música da Semana Naturalmente, “Os Vampiros” de Zeca Afonso. Tenha uma boa semana caro leitor. (…) “São os mordomos do universo todo Senhores à força mandadores sem lei Enchem as tulhas bebem vinho novo Dançam a ronda no pinhal do rei Eles comem tudo eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada” (…)
Andreia Sofia Silva Entrevista h | Artes, Letras e Ideias MancheteKonstantin Bessemertny: “O dinheiro não nos faz ter mais consciência cultural” Um dos maiores artistas de Macau e da Ásia tem optado por trabalhar na sombra, aparecendo pontualmente com alguns trabalhos. Konstantin Bessemertny defende que para Macau é suficiente uma exposição a cada cinco anos, condenando os governantes que não consomem cultura. Para o artista, a política do território, no que diz respeito à arte, arquitectura e espaços públicos, deveria ser decidida por um órgão totalmente independente [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]ez a última exposição individual em Macau em 2012. Porquê este tempo todo sem uma mostra individual em Macau? O mundo artístico está a mudar quanto à democratização da criatividade. E não só em Macau, em todo o mundo. Agora qualquer pessoa é artista, e o problema dos artistas contemporâneos é mostrarem-se e produzirem demasiado. Há tanta arte disponível nos dias de hoje! Então a maneira mais lógica é tornarmo-nos como monges que ficam no seu mosteiro, e é isso que estou a fazer. Apareço raramente, em ocasiões específicas. Mudei o meu pensamento em relação a alguns eventos, como feiras de arte, porque penso que são apenas plataformas, como os media, o Instagram. São plataformas para uma arte algo imatura, na sua forma de expressão. Mas não tem nenhum projecto para expor em Macau? Não disse isso. Primeiro, temos de nos limitar a nós próprios, para um certo número de exposições, por um certo período de tempo. Penso que Macau é um bom sítio para uma exposição a cada cinco anos. Consegue imaginar uma exposição todos os anos? Tenho vindo a trabalhar em alguns quadros, sim, mas comecei a gastar mais tempo em cada trabalho, em vez de produzir sob pressão. Estou a tentar adaptar-me à nova realidade. De que forma? Estou a tentar focar-me, também devido a essa questão da excessiva produção artística. Há tanta arte destruída. Numa bienal, 95% da arte que lá está exposta vai para contentores. Tudo o que vai para o lixo não é arte, então estou a tentar focar-me em sítios que possam ter algo interessante, ou em coisas que as pessoas me pedem. É difícil, porque temos de convencer pessoas, instituições, mudar as mentalidades de certos meios, quando as pessoas pensam actualmente nas tendências a curto prazo. A arte acaba por ir para o caminho da “cultura da celebridade”. [quote_box_left]“Mudei o meu pensamento em relação a alguns eventos, como as feiras de arte, porque penso que são apenas plataformas, como os media, o Instagram. São plataformas para uma arte algo imatura, na sua forma de expressão”[/quote_box_left] Em que os artistas são como estrelas pop. Sim. Claro que isso começou nos anos 60, com o Andy Wharol e o movimento pop-art. Mas acho que isso não é arte, é design. Então essa arte pode ir para museus, mas quem disse que ia lá ficar para sempre? Mas respondendo à sua questão, tenho vindo a trabalhar em coisas específicas. Continuo a trabalhar em Macau, com algumas pessoas, em galerias. As galerias de arte estão a morrer, porque já chegaram a um ponto de exaustão. Em todo o mundo. Não estou apenas a falar da pequenina Macau. Aqui tudo acontece em pequena escala, mas as questões (do mundo artístico) são iguais às dos restantes países do mundo. Os problemas são os mesmos, a questão é que em Macau as coisas são mais visíveis e podemos tirar conclusões mais rápidas. Mas de cada vez que há algum tipo de iniciativa em Macau, eu tento contribuir. Tive agora dois trabalhos meus no Armazém do Boi, depois dei um trabalho a uma galeria junto às Ruínas de São Paulo, o que já é bastante (risos). Mas se me pedirem “por favor, faça uma grande exposição”. Direi que não. Mas vive em Macau há 23 anos, como olha para a arte que tem vindo a ser produzida neste pequeno território? Não há arte. A arte é a procura, e qual é a procura aqui? Pela Hello Kitty? Há mau gosto. Para compreender o que é a arte, temos de ser educados, ter a nossa própria motivação, sermos curiosos. Infelizmente o público aqui não é assim. Para qualquer coisa que se produza em Macau não há procura, mas não é uma questão de preço. Porque é que as pessoas de Macau não compram as obras de arte locais? Porque preferem ter posters na parede, coisas criativas que compram em Bali. Tem tudo a ver com questões de gosto, educacionais, de cultura. É como aquela máxima de “nós somos o que comemos”, e somos também os livros que temos na estante e os quadros que temos na parede. É um pouco perturbador. [quote_box_right]“A arte é a procura, e qual é a procura aqui? Pela Hello Kitty? Há mau gosto. Para compreender o que é a arte, temos de ser educados, ter a nossa própria motivação, sermos curiosos. Infelizmente o público aqui não é assim”[/quote_box_right] Em relação aos museus, galerias ou entidades públicas. Pensa que o Governo poderia investir na criação de mais espaços como estes? Esse é um conceito socialista. Ajudar os artistas? O problema é que, se as pessoas não tiverem experiência no meio, não souberem a melhor forma de se tornarem artistas, isso é um erro. Temos esse problema com as políticas públicas. A arte transforma-se numa coisa preguiçosa, que não é desafiante. Quando ajudamos os artistas não criamos qualidade. Recentemente falei com várias pessoas do meio cultural de Macau e disse que a melhor forma é abrir concursos ou comissões para espaços públicos, em que uma vez por ano qualquer artista poderia concorrer para um apoio. Temos muitas construções aqui, mas podemos ver o quão tudo é horrível. E não estou apenas a falar da arte, mas a arquitectura também é muito má. Está a referir-se ao Cotai? A todo o lado. E porquê? Porque não queremos saber. Chega aqui alguém e deixamo-lo construir um projecto, e não dizemos “não faça esta imitação da escultura” ou “não revista isto de plástico”. O conceito é muito pobre. Recentemente estive em Singapura no Marina Bay Sands. O casino pode não estar a ter muitos lucros, mas é um edifício bonito. Ao menos podem orgulhar-se daquele esforço. Se há 15 anos me dissessem que iríamos ter uma Torre Eifeel em Macau…é horrível. Não é apenas o facto de não envolver os artistas locais, mas tudo deveria ser feito por concurso e aprovado pelas instituições e pessoas de Macau. Porque é que Macau deixa que essas coisas feias sejam aqui construídas? Pensa então que deveria haver um novo modelo para o Cotai? Um espaço que poderia servir para promover os artistas locais? A questão dos artistas locais é similar a um jardim de infância, “acabei o meu curso, dêem-me um espaço para poder mostrar o meu trabalho”. O que poderíamos fazer agora? Criar um órgão independente, composto por artistas ou arquitectos, que não esteja envolvido com o sector do imobiliário, do Jogo ou da construção. Esse órgão deveria decidir o que é bom ou mau para Macau. Tudo deveria ser aprovado por este órgão. Em Guangzhou, o Governo deu responsabilidades a um grupo deste género para fazer uma cidade bonita. Estas pessoas não têm interesses no dinheiro, porque são professores, artistas… simplesmente ditam o que é bom ou mau para a cidade. Então vemos que a arquitectura e os espaços são bonitos, existe bom gosto. O problema aqui é que os lucros não trazem o bom gosto, o dinheiro não nos faz ter mais consciência cultural. Em Macau parece que o Governo tem de estar em todo o lado, concedendo subsídios. Pensa então que deveria ser criado um novo modelo de apoio? Quando cheguei a Macau, fiquei impressionado. Porque antes era melhor do que agora. Macau era melhor do que Hong Kong. E porquê? Porque no Governo, todos os secretários adjuntos, tinham interesse por arte. Construíam casas em Portugal, gostavam do design chinês, da mobília, visitavam galerias e estúdios de arte. Estes governantes ajudavam mais o mercado da arte do que qualquer outra pessoa. As pessoas que temos actualmente no Governo podem apoiar a cultura e a arte, mas individualmente não vão a concertos, nunca foram a uma galeria, e falo de Hong Kong também. Este é um problema. As pessoas que querem ajudar os artistas são apenas funcionários públicos ignorantes que tentam ser uma espécie de pais destes alunos de arte que acabam os seus cursos, para que sejam felizes. [quote_box_left]“Se há 15 anos me dissessem que iríamos ter uma Torre Eifeel em Macau…é horrível. Não é apenas o facto de não envolver os artistas locais, mas tudo deveria ser feito por concurso e aprovado pelas instituições e pessoas de Macau”[/quote_box_left] Mas acredita que o Governo de Macau, em concreto, está a seguir esse caminho? Não estou a criticar apenas aqui, porque na verdade o nosso Instituto Cultural (IC) ou o museu funcionam muito melhor do que poderíamos pensar. Claro que ainda há melhorias a fazer. Mas as pessoas deveriam ser nomeadas não porque falam cantonense, se são locais ou não, mas sim por mérito e conhecimento. Para cada projecto deveria haver uma selecção, e se for o melhor, mesmo que não fale cantonense, não deve constituir um problema. Macau poderia ser um modelo para a multi-culturalidade. Tudo deveria ser feito por pessoas com coragem e conhecimento para melhorar as coisas. Ajudou a criar a AFA – Art for All Society. Como olha para a entidade nos dias de hoje? Que desafios encontram? A AFA foi uma solução encontrada para se fazer e promover a arte. Mas diminuí a minha participação há cerca de dois ou três anos. Vamos mantendo o contacto, mas percebi que ficar lá mais tempo não iria ser benéfico para mim, porque sou uma pessoa ocupada, viajo muito. E não quero fazer esse tipo de trabalho de pedir patrocínios. A minha ideia inicial era de que a AFA não era apenas para os artistas locais, mas seria uma plataforma para as pessoas produzirem e consumirem arte, e seria a primeira do género em Macau. Mas há leis e regras que temos de seguir, então tornou-se uma entidade muito virada para Macau. Percebi que o que fazemos é algo anti-marca, porque um artista faz um trabalho, o Governo apoia-o, muito bem. Mas dou-lhes apoio sempre que é necessário. Qual o caminho que Macau está a tomar, com os casinos e as réplicas? Penso que já não é apenas o Jogo que domina, mas podemos atrair as famílias, com as crianças, e temos de pensar como dar-lhes o divertimento e fazer com que isso seja lucrativo, com eventos ou apostar na área da restauração. Penso que nesse sentido Macau está a ir no caminho certo. Há algumas questões, como o facto do Governo querer acabar com o fumo nos casinos. Não sou fumador, mas um turista vem a Macau para jogar, fumar e comer. Concordo em não fumar em restaurantes, ao pé de crianças…mas nos casinos? Estas pessoas jogam, bebem e fumam. Eles vêm cá para se divertir, então onde está o divertimento? [quote_box_right]“O que poderíamos fazer agora? Criar um órgão independente, composto por artistas ou arquitectos, que não esteja envolvido com o sector do imobiliário, do Jogo ou da construção. Esse órgão deveria decidir o que é bom ou mau para Macau”[/quote_box_right] O Governo já mostrou a vontade de criar mais museus. Qual deveria ser o modelo a implementar? Macau já foi o primeiro território na Ásia a ter uma bienal, no tempo dos portugueses, e ninguém fala disso. Macau poderia transformar-se num centro de arte na Ásia e dizer que desde os anos 90 (que promove esse tipo de eventos). Hong Kong era um deserto cultural, Pequim e Xangai não tinham arte, de todo. E Macau já tinha uma bienal de arte. Então deveríamos promover isso sem fazer esse corte entre a Administração portuguesa e o Governo chinês. Macau sempre foi Macau e deve ter orgulho desses pequenos detalhes, para além das diferenças. Nessa altura Macau não tinha nada, tirando um ou outro problema com um Governador, mas era um lugar engraçado e interessante. Para si, ainda é assim? Vejo este lugar como uma continuação da cultura da Europa, e que ainda mistura outras formas, como essas coisas americanas que agora existem. Penso que é uma boa plataforma para a arte e cultura, e Macau poderia ser de novo um centro de arte. Temos dois modelos: a feira de Singapura, apoiada pelo Governo, ou a Art Basel em Hong Kong, totalmente privada. Poderíamos fazer uma mistura, com um pouco de apoio do Executivo. Os casinos também poderiam participar, mas a questão é que eles só promovem os artistas de topo, as grandes marcas. Macau deveria ditar um pouco as regras, criando esse órgão, com 30% de artistas locais, e mais um grupo de artistas convidados, para decidir quais seriam os projectos certos.
André Ritchie Sorrindo SempreA menina que tinha um olho na nuca [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]ra eu um teenager quando um dia, na zona de fumadores do Liceu, encontro um chonto di gente à volta de uma revista, discutindo um assunto com grande entusiasmo. Tratava-se de uma revista de fofoquices de Hong Kong (*), daquelas que folheamos quando estamos no cabeleireiro. Trazia um artigo impressionante: uma menina que tinha um olho na nuca. Perfeito, simétrico, bem no meio do cabelo. As fotos eram convincentes. E assustadoras. A malta comentava com grande excitação esse incrível fenómeno. E enquanto uns apontavam as vantagens que essa rapariga teria nos exames escritos por poder copiar o colega de trás, outros contavam histórias de freak shows que tiveram a oportunidade de assistir na Tailândia, cujos pormenores não vou aqui descrever por não ser adequado, e ainda outras histórias incríveis que conheciam, contadas por um amigo. E esse amigo, claro, é sempre um indivíduo que ninguém conhece e ninguém sabe ao certo quem é. Os meus conhecimentos limitados do corpo humano aliados ao bom senso foram suficientes para me levarem a concluir, prontamente, que aquele artigo não devia ser levado a sério. Um olho na nuca? Naquela revista? I mean, come on… No entanto, fui imediatamente confrontado pelos presentes que me exigiram, sem demora, argumentos concretos que sustentassem a minha posição. Ora, tinha mais que fazer. Afastei-me e fui à minha vida. Fast forward para a actual era das redes sociais e o cenário repete-se. Li algures que, no futuro, havemos de registar os tempos actuais como “antes do Facebook” e “depois do Facebook”. Não sei se será necessariamente assim. Contudo, não deixa de ser um facto que o Facebook, em conjunto com as outras redes sociais, alterou profundamente a forma como vivemos as nossas vidas. E, sobretudo, a forma como a informação – seja ela útil ou inútil, mas sobretudo a inútil – é partilhada e divulgada. O Facebook regista actualmente mais de 1.44 mil milhões de utilizadores. O news feed do Facebook é um espaço em constante actualização, a todo o segundo, com todo o tipo de informação, desde a estrondosa notícia do Jorge Jesus no Sporting aos inconsequentes selfies do não-sei-quem na praia com os seus cãezinhos. Deixemos de lado os selfies do não-sei-quem. Não me incomodam nada e confesso até que me relaxam ao fim do dia quando estou cansado e desligo o cérebro. O que me preocupa mesmo é as notícias bombásticas que são imediatamente partilhadas e espalhadas pelo mundo fora, pois frequentemente carecem de rigor informativo e, como tal, têm um poder deformativo enorme. Os comentários que conseguem gerar nas redes sociais e os impactos que têm na formação da opinião pública é um fenómeno que não pode ser ignorado. Por alguma razão as agências noticiosas, também elas presentes nas redes sociais, e logo a seguir os cibernautas, têm a ânsia de divulgar as notícias sem antes verificar a sua veracidade, a credibilidade da fonte, apurar os factos ou simplesmente parar para reflectir um pouco sobre o assunto. Dessa atitude resultam notícias que são verdadeiramente hilariantes. O jornal satírico World News Daily Report, por exemplo, publicou um artigo sobre uma suposta entrevista que Ringo Starr deu a um jornal afirmando que o verdadeiro Paul McCartney morreu em 1966. O actual Paul McCartney é um sósia chamado Billy Shears, o qual entretanto se veio a revelar um excelente músico. Apanhei essa notícia no The Mirror, jornal que, achava eu, devia ser mais maduro e ajuizado. Por sua vez, a cadeia americana KTVU, subsidiária da Fox News, anunciou em primeira mão os nomes dos quatro pilotos do malogrado voo da Asiana Airlines que se despenhou na aterragem em São Francisco: Sum Ting Wong, Wi Tu Lo, Ho Lee Fuk, Bang Ding Ow. Explicação para quem não entendeu a absurdidade da coisa: “Something’s wrong! We’re too low! Holy f***! Bang, ding, ow!” Anda tudo louco? Naturalmente, esses são casos extremos em que só se deixa levar pela notícia quem, de facto, é muito obtuso e não tem cura. Por isso, deixemos estar. Analisemos agora outro tipo de notícia, menos surreal e com potencial para produzir efeitos mais abrasivos. Um exemplo que apanhei agora mesmo em circulação no news feed, vindo da Rede de Informação Universal (RIUS): “Brasil vendeu o jogo para a Alemanha num esquema de corrupção que envolveu milhões”. Essa captou a minha atenção pois veio na altura certa, coerente com o recente escândalo de corrupção da FIFA. Não sei o que é a RIUS, mas não interessa: tal como aquele nosso amigo que ninguém sabe ao certo quem é e que conta histórias mirabolantes, é irrelevante. E como nas redes sociais tudo funciona à velocidade da luz, em menos de 24 horas essa notícia já gerou 930 chilreanços no Tweeter, 247 mil likes e shares no Facebook e outros tantos milhares de comentários pelo ciberespaço fora. Nessas ondas de comentários tudo é válido e, por alguma razão, a discussão tende a escorregar para o campo da irrazoabilidade, onde falsas verdades são ditas com convicção e disparates que, sinceramente, não lembram nem sequer ao palhaço, são abundantes. Agora vejam: se com a notícia inicial alguém se sentiu lesado e pretende, através de um segundo post, colocar algum rigor à coisa e repôr a verdade, desejo-lhe então muita sorte pois terá pela sua frente uma tarefa árdua e ingrata. Porque entretanto já ninguém quer saber do conteúdo desse segundo post uma vez que, na sequência do primeiro post em que a notícia foi lançada bombasticamente, milhões de cibernautas já partilharam, comentaram, formaram uma opinião e tomaram uma posição sobre o assunto em discussão. E tudo com base em disparates e falsas verdades que por vezes são até maleficamente e habilmente semeadas no momento certo. [quote_box_right]Voltando então à história da menina que tinha um olho na nuca: mal sabia eu na altura que, afinal, tinha acabado de viver um cenário que se havia de repetir, persistentemente, ao longo de uma fase particular da minha vida profissional.[/quote_box_right] E agora o busílis da questão: é apenas assim no ciberespaço? Não. Na realidade, trata-se de um comportamento que não se limita apenas às redes sociais, não fossem os cibernautas (também) pessoas reais de carne e osso. No nosso pequeno e queridíssimo Macau, assiste-se a essa atitude em todo o lado, nomeadamente no programa da manhã da rádio chinesa, no fórum semanal no Jardim da Areia Preta, nos debates e sessões de consulta pública, ou mesmo naquele órgão oficial onde representantes do Governo são convocados para prestar esclarecimentos a um grupo de distintas personalidades, entre elas um ilustre que interpreta a violência doméstica como modo de aproximação conjugal. É assim que se forma a opinião pública. E, posto isso, estamos a chegar ao fim do artigo. É momento de revelar ao caríssimo leitor a verdadeira raison d’être do tema de hoje o qual, mesmo não sendo uma especialidade minha, nem nada que se pareça, insisti em desenvolver: o que acabou de ler foi um desabafo. Sim. Porque no passado, em diversas ocasiões, o autor desta coluna foi incumbido da tarefa de, em conjunto com a sua equipa de trabalho, dar a cara para o dito segundo post – o tal que todos ignoram pois a discussão na sequência do primeiro post ganhou ímpeto e tomou já um rumo próprio. Não é nada fácil desviar um rio com uma corrente forte. E cito aqui as sábias palavras de Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler: “uma mentira repetida 1000 vezes torna-se verdade”. Voltando então à história da menina que tinha um olho na nuca: mal sabia eu na altura que, afinal, tinha acabado de viver um cenário que se havia de repetir, persistentemente, ao longo de uma fase particular da minha vida profissional. O final foi o mesmo: a dada altura afastei-me e fui à minha vida. Sorrindo Sempre Quem teve a pachorra de ler o Sorrindo Sempre anterior (edição de 29 de Maio) lembra-se com certeza da bengalada que dei a um funcionário do Fundo de Pensões (FP) a quem atribuí o título de ignóbil e pedi para deixar de pensar com o traseiro. Para a minha agradável surpresa, no dia em que a coluna foi publicada recebi uma chamada da Presidente do FP, que foi muito simpática comigo e me pediu desculpa pelo sucedido. Explicou-me também por que motivo o FP dá especial atenção ao endereço e ao nome do contribuinte, merecendo por isso um esclarecimento: 1. O FP mantém uma base de dados dos contribuintes e o endereço é uma referência importante na eventualidade de futuras notificações. 2. Rigor no registo do nome do contribuinte é fundamental para evitar que o cheque com o dinheiro do Fundo de Previdência seja emitido com gralhas. As explicações da senhora Presidente pareceram-me legítimas, ainda que não justifiquem o que para mim continua a ser uma falta do seu funcionário: o facto de ter sido incapaz de levantar aquelas (falsas) questões na minha presença. No entanto, seria muito mesquinho da minha parte insistir no assunto. E, no fim, até pedi desculpa à Presidente do FP, pois a senhora tem coisas muito mais importantes com que se preocupar no exercício das suas funções do que aturar as tretas que o André Ritchie escreve na sua coluna. Senti-me bastante mal pelo tempo que desperdiçou ao telefone comigo. Muito ng hou yi si. O Sorrindo Sempre é o meu espaço de desabafo para denunciar com cinismo e alguma maldade as absurdidades do meu dia-a-dia. Não quero, no entanto, transmitir a ideia de que sou uma prima donna que barafusta por tudo e por nada. Assim sendo, o Sorrindo Sempre desta semana termina então com este esclarecimento e sem uma história bombástica. Hoje mou ah. Paciência. A vida é assim. Sorrindo Sempre. (*) Vulgarmente conhecidas por “pat gwa chap chi”.
Andreia Sofia Silva SociedadeO “mapping” sem barreiras A associação Arquitectos sem Fronteiras quer criar no próximo ano um mapa das necessidades de Macau em termos de acessos aos portadores de deficiência e apresentar uma proposta ao Governo. “Este pode ser um bom começo”, considera Dominic Choi [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s Arquitectos sem Fronteiras de Macau querem criar um plano geral que identifique os principais problemas sentidos pelos portadores de deficiência nos acessos em todo o território. O projecto, de cariz comunitário, deverá ser desenvolvido ao longo do próximo ano e deverá culminar com uma proposta formal entregue ao Executivo. “Queremos realizar uma série de workshops para que em conjunto possamos identificar os problemas e propormos quais poderiam ser as melhores soluções, ou então saber as preocupações do público quanto a esta matéria. Falando com estudantes e com o público em geral poderíamos identificar os problemas e as áreas com maiores necessidades. Com as respostas podemos fazer um planeamento e apresentarmos uma proposta ao Governo para que se possam fazer alterações. Este pode ser um bom começo”, disse o arquitecto Dominic Choi, presidente da entidade, ao HM. Para Dominic Choi, ainda existe alguma superficialidade na forma como são encaradas as infra-estruturas para deficientes. “Essas infra-estruturas existem, mas quando falamos com as pessoas, elas dizem que não há uma ligação entre elas. Todo o planeamento, em forma sistemática, pode ser melhorado. Acredito que o Governo tem boas intenções, mas talvez haja um problema de recursos”, disse ainda. Restauro e conservação [pull_quote_right]Essas infra-estruturas existem, mas quando falamos com as pessoas, elas dizem que não há uma ligação entre elas. Todo o planeamento, em forma sistemática, pode ser melhorado[/pull_quote_right] Outro projecto dos Arquitectos sem Fronteiras está ligado ao património, com uma vertente tecnológica. “Identificamos a importância de algumas ferramentas na área do restauro e conservação que têm vindo a perder-se. As técnicas estão a diminuir porque não são usadas e temos de as identificar. Isso poderia ser importante para alunos do secundário, profissionais ou trabalhadores da construção locais, que podem ser treinados. Estamos a trabalhar com o Instituto Cultural (IC) que está a ajudar a promover os workshops”, apontou Dominic Choi. Em agenda para este ano está ainda um projecto de apoio ao Nepal, depois dos fortes sismos ocorridos terem destruído grande parte do país. Tratando-se da primeira organização do género na China e a segunda da Ásia, os Arquitectos sem Fronteiras fazem parte de uma organização internacional, nascida em França, que alberga 28 grupos em todo o mundo. No caso de Macau, o grupo, criado há três anos, ainda está na fase de recolha de apoios e membros, estando agendado para este sábado um evento na Creative Macau, das 16h00 às 20h00. “Ainda estamos na fase de captar membros para aumentarmos a nossa capacidade de trabalho. Não queremos fazer os projectos a curto prazo e queremos ter uma continuidade. Queremos apoios das escolas e do Governo”, rematou Dominic Choi.
Filipa Araújo SociedadeContas feitas, saldo positivo [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] sucursal de Macau do Banco Comercial Português (BCP) acredita que o arrefecimento da economia de Macau não se vai reflectir no sector bancário do território. No balanço do ano passado, ontem publicado em Boletim Oficial, a entidade admite que o ano 2015 é marcado por uma “incógnita em redor dos impactos na economia da RAEM” e que estes são resultantes “quer do abrandamento da economia chinesa”, quer de “algumas medidas adoptadas por Pequim” de controlo dos fluxos financeiros. Mas, acredita a entidade, esta política do Governo Central “não irá reflectir-se no sector bancário”. Em análise, o BCP acredita até “que poderão surgir melhorias económicas”. “Julgamos que o abrandamento da actividade económica da RAEM se reflectirá sobretudo nos níveis de excedente de liquidez sem afectar de forma significativa o desempenho do sector bancário”, pode ler-se no relatório anual da entidade bancária. Rendas a arrefecer O BCP acredita ainda que o arrefecimento das expectativas expansionistas dos agentes económicos, sentidas no 4º trimestre do ano, poderá solucionar problemas como o alto preço das rendas. “A economia de Macau apresentou em 2014 um comportamento dualista caracterizado por expansão no 1.º semestre e contracção no 2º. Semestre, resultante das medidas adoptadas na China e que se reflectiram no desempenho do sector do Jogo, Turismo e Entretenimento (…). Embora tenha permanecido a pressão sobre o nível geral de preços e o sobreaquecimento do mercado de trabalho, foi possível detectar no 4º trimestre alguns sinais de arrefecimento das expectativas expansionistas dos agentes económicos, o que poderá vir a contribuir para solucionar, ainda que parcialmente, alguns dos problemas da economia da RAEM – a inflação, preço e arrendamento de imóveis”, pode ler-se no relatório do BCP. Feitas as contas, em 2014, a sucursal de Macau do BCP obteve um lucro de cerca de 207 milhões de patacas, em que a carteira de depósitos atingiu cerca de 11,5 milhões de patacas e a carteira de crédito os 8,5 milhões. O sector bancário continua, assim, “globalmente positivo” e irá manter a sua estratégia de modernização da plataforma tecnológica, que permite alargar a oferta de serviços.
Carlos Morais José EditorialAs lições do passado [dropcap style=’circle’]J[/dropcap]untar “comunidade portuguesas” ao dia de Portugal e de Camões (bem como tirar-lhe a Raça) foi uma excelente decisão. Afinal, o nosso vate também foi um exilado, um homem basicamente expulso do país, um território onde para ele não havia lugar e onde haveria, no regresso, de definhar à míngua, mesmo depois de reconhecida a sua genialidade. Portugal de modo nenhum se reduz ao pequeno rectângulo. É muito maior, muito mais vasto e mais onírico do que isso. Os portugueses não pertencem a uma etnia, fazem parte de um povo que inclui todo o tipo de gente, com as mais diversas origens étnicas. Tal teve a ver com o facto de termos saído, mas também com a realidade geográfica do país. Sendo o último da Europa para Oeste, foi durante vários séculos uma espécie de fim do mundo, onde vinha parar todo o tipo de gente. Dali não podiam passar, a não ser em sonhos. E talvez tenham sido esses sonhos que nos lançaram numa das aventuras mais ousadas que Humanidade experimentou. Os portugueses foram os autores da primeira globalização, quando mostraram que era possível o contacto entre todos os povos do planeta. A segunda globalização veio tornar esse contacto imediato. Bem sabemos da importância das novas tecnologias, mas alguém se lembra da importância de mudar os hábitos alimentares de toda a gente com o transporte de plantas alimentícias como fizeram os nossos navegadores? Pouco importa o passado, dizem-nos. Glórias de antanho não nos resolvem os problemas que hoje defrontamos, afirmam. Será que não? Será que não existem lições a tirar da História que sejam úteis na interpretação do presente? Parece-nos que sim. Parece-nos, aliás, que existem tantas lições que nós hoje temos medo de olhar para elas e corar no confronto com a audácia e a inteligência dos nossos antepassados.
Flora Fong PolíticaTransparência na renovação urbana [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] recentemente anunciada Comissão Especializada para a Renovação Urbana entrará em vigor assim que o Governo terminar o regulamento que a vai criar. De acordo com a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) o Executivo está neste momento a elaborar o regulamento que cria esta Comissão e que irá permitir esclarecer o conceito da renovação urbana e ao que se destina. Numa interpelação escrita, o deputado Si Ka Lon queria ver respondidas algumas questões, como em que situação se encontra o processo e o conceito de renovação urbana – algo que veio substituir o de reordenamento dos bairros antigos. Em resposta, o director da DSSOPT, Li Canfeng, referiu que o conceito de renovação urbana envolve vários aspectos, sendo necessário integrar opiniões do sector, mas assegura que este estará explicado neste regulamento. “Através da discussão e trocas na Comissão, pretende-se esclarecer o conceito e ao que se destina esta renovação, elaborando assim um conteúdo de execução, permitindo a criação da lei visando a renovação urbana”, esclareceu.