Trump e a tentação autoritária

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s primeiros tempos de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos da América (EUA) têm levado diferentes autores a analisar os efeitos para a democracia das decisões e do estilo do novo presidente republicano. O périplo pelo Médio Oriente e pela Europa que Trump acaba de concluir poderia constituir um capítulo aparte nessa análise, tal foi a panóplia de gestos e mensagens que merecem reflexão e que nos mostram um homem profundamente focado nele próprio, condicionado pela sua limitada capacidade de compreender os outros e talvez ainda maior incapacidade de contribuir para soluções não conflituosas.

Antes desta viagem, três académicos norte-americanos, Robert Mickey, Steven Levitsky and Lucan Ahmad Way, perguntavam provocadoramente na Foreign Affairs se os Estados Unidos ainda eram um local seguro para a democracia. Segundo eles, o mundo, mas particularmente os EUA, anda a assistir ao desenvolvimento de um “autoritarismo competitivo”, um sistema no qual as instituições democráticas existem, mas não conseguem funcionar na sua plenitude, pois o governo abusa do seu poder para enfraquecer os seus opositores, com consequências muito negativas quer do ponto de vista político quer em termos de desigualdade social.

Este sistema autoritário é caracterizado por um número de traços que lembram práticas antigas de alguns líderes africanos, atentatórias do Estado de Direito, que foram sempre alvo da mais veemente condenação pelas organizações internacionais. Um dos primeiros enfraquecimentos da democracia passa pela politização dos órgãos do Estados com o objectivo de atacar a oposição. Pôr-se, por exemplo, os órgãos de justiça a investigar elementos da oposição. Mas todos, quer a procuradoria, quer a polícia criminal, quer os serviços secretos.

O controlo da administração pública é feito pela nomeação para lugares de chefia de pessoas próximas do partido no poder. (É pratica comum nalguns países – e aqui os Estados Unidos não são uma excepção – a mudança de cadeiras nas estruturas intermédias e superiores da função pública em sequência de um eleição. No contexto português há uma expressão, importada curiosamente do inglês, que resume esse belo momento pós-eleitoral: Jobs for the boys.) No caso dos Estados Unidos, o controlo que o Congresso faz dos diferentes departamentos do governo chega ao ponto de poder cortar salários. A Câmara de Representantes, maioritariamente republicana, repristinou em Janeiro uma norma de 1876, a Holman Rule, que permite ao Congresso reduzir o salário de qualquer funcionário da administração para 1 dólar norte-americano. Caso o funcionário não queira seguir a linha, imagina-se que recta, a demissão talvez seja a melhor solução…

Procura-se neutralizar a sociedade civil, através, por exemplo, de cortes de financiamento ou de subsídios (consoante o grau de alinhamento das organizações). É o que acontece, entre outros, com a comunicação social, os líderes religiosos ou grandes grupos empresariais. Há os favoritos. A comunicação social independente como que se torna numa ameaça à segurança do país (veja-se o tratamento especial que Donald Trump tem dado ao Washington Post ou ao New York Times). A polarização na comunicação social leva à existência de trincheiras, e o leitor médio é quem perde, pois deixa de acreditar no que lê.

Mas as práticas identificadas por estes autores não se aplicam apenas ao que se está a passar nos EUA. O que se escreveu nos parágrafos anteriores poderia ser um retrato do que está a ocorrer nas Filipinas. Ou na Turquia (país a que o cientista político português António Costa Pinto se refere como um caso de autoritarismo de partido dominante), cujas recentes alterações ao quadro jurídico-constitucional são outra das tácticas usadas pelos autocratas para se perpetuarem no poder. Prática que durante anos se repetiram em vários países no continente africano sem que a comunidade de democratas as conseguisse parar.

É evidente que as instituições dos Estados Unidos têm uma capacidade de resiliência muito grande. A nomeação de um procurador especial para analisar a relação de Trump com a Rússia é talvez o melhor exemplo. Mas a ameaça, tendo em conta a prática a que se assiste noutros países, é preocupante.

29 Mai 2017

Análise | Tensão entre Washington e Pyongyang em crescendo

À medida que a Península da Coreia é palco de uma autêntica parada militar, o regime de Kim Jong-un recusa inverter o caminho de aumento da capacidade nuclear e ameaça partir para a guerra. Do outro lado, Donald Trump prevê que possa estar no horizonte um grande conflito na região, enquanto Pequim procura pôr água na fervura

[dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap] descuidada provocação militar norte-americana está a empurrar a Península Coreana para uma situação de guerra nuclear”. As palavras são da KCNA, a agência noticiosa oficial da Coreia do Norte e representam mais um passo na escalada da retórica agressiva entre Pyongyang e Washington. Apesar do isolado regime ser pródigo em ameaças, desta feita enfrenta um panorama geopolítico diferente, com um presidente na Casa Branca que quer projectar força no xadrez internacional.

A situação tem vindo continuamente a aquecer, em particular depois de dois bombardeiros B-1B Lancer norte-americanos terem sobrevoado a Península da Coreia num exercício militar com forças da Coreia do Sul e do Japão na passada segunda-feira. Apesar disso, a Coreia do Norte manteve a firme resolução de continuar com os testes nucleares, contrariando as exigências das Nações Unidas e ignorando o belicismo inerente à nova Administração norte-americana.

Além disso, Pyongyang reagiu à presença na região do submarino com capacidade nuclear, USS Michigan, em tom intimidatório. “No momento em que o USS Michigan tentar algo estará votado a um destino miserável e tornar-se-á num fantasma subaquático que nunca voltará à superfície”, foi a mensagem veiculada pelo site de propaganda norte coreano Urminzokkiri.

Esta escalada de tom aconteceu apesar de Trump, em entrevista à agência Bloomberg, ter dito que seria uma “honra encontrar-se com Kim Jong-un”, caso estivessem reunidas condições para tal. Estas declarações foram contextualizadas pelo porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, que esclareceu que para tal encontro se realizar será preciso ver-se uma mudança de posição de Pyongyang mas, para já, “não estão reunidas as condições necessárias”. Entretanto, o porta-voz do ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Geng Shuang, reiterou que a única forma de travar a proliferação nuclear na Península da Coreia, e de manter a paz e a estabilidade, é através de diálogo. Pequim insiste na via diplomática como a única solução viável e insta ambas as partes a encetar negociações de paz com a maior brevidade possível.

Independentemente das recomendações de Pequim, Kim Jong-un parece preparar-se para mais um teste nuclear na base de Punggye-ri.

Resposta chinesa

Depois de Xi Jinping ter testemunhado a prontidão com que Donald Trump deu luz verde para o lançamento de mísseis contra uma base militar síria durante o encontro entre ambos, a dúvida é o que pode fazer Pequim para prevenir um confronto que parece inevitável. Neste domínio, é de realçar que não interessa à China que os Estados Unidos reforcem a presença militar às suas portas.   

Uma das espinhas encravadas na garganta de Xi Jinping é a instalação de um sistema antimísseis norte-americana na Coreia do Sul. Como tal, Geng Shuang, do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês exigiu a retirada imediata do sistema antimísseis que Washington anunciou estar pronto a funcionar para proteger o solo sul coreano de uma possível agressão do norte.

Porém, de acordo com um oficial de defesa ouvido pela agência France-Presse, o sistema antimísseis ainda está numa fase inicial da capacidade de intercepção de projécteis. O mesmo oficial indicou que será necessário ainda adicionar hardware para que esteja completamente funcional. Tal incremento deverá ser implementado no final deste ano, apesar da discordância chinesa.

Durante uma conferência de imprensa o representante chinês referiu que serão tomadas medidas para defender os interesses de Pequim, não especificando qual a resposta chinesa.

Não é segredo que a China considera a crescente presença americana na região como uma ameaça ao seu território, apesar de tanto Washington, como Seul, reiterarem que a instalação o sistema antimísseis é uma resposta preventiva face aos testes nucleares norte-coreanos.

Neste capítulo importa salientar que esta instalação foi decidida ainda durante a Administração Obama.

Num artigo publicado por um think tank americano a presidente do comité de assuntos internacionais do Congresso Nacional do Povo, Fu Ying, achou “irrealista a possibilidade do líder norte-coreano sucumbir perante a pressão de sanções internacionais”.

Fu Ying também considera pouco plausível a esperança norte-americana e sul coreana de que o regime de Kim Jong-un colapse com o estrangulamento das vias que financiam o país. Estas declarações vão ao encontro da posição oficial de Pequim, que apontam o regresso à mesa das negociações como a única solução para o diferendo.

A representante chinesa redobrou os pedidos da administração de Xi Jinping para uma “dupla suspensão”, o que parece o melhor de dois mundos. Por um lado, Fu Ying apela à suspensão dos testes nucleares e de mísseis por parte de Pyongyang, assim como ao cancelamento dos exercícios militares norte-americanos em parceria com a Coreia do Sul.   

Lu Chao, da Academia Liaoning de Ciências Sociais, disse ao South China Morning Post que a possibilidade aberta por Trump para se encontrar com Kim Jong-un representa uma saída positiva para a crise coreana. Lu reiterou que este é um problema que só poderá ser resolvido por ambas as partes, acrescentando ainda que não considera plausível que o líder norte coreano queira mesmo começar uma guerra com os Estados Unidos.

Réplica Internacional

Entretanto, Washington encontra-se em negociações com Pequim para uma resposta forte do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Normalmente, a organização tem condenado os testes nucleares de Pyongyang e imposto sanções mais pesadas a cada teste realizado. Porém, a posição da Casa Branca parece apontar numa direcção diferente da tradicional.

De acordo com um porta-voz da delegação americana citado pelo South China Morning Post, “estão a ser equacionadas opções de resposta às provocações” do regime de Kim Jong-un. Nesse aspecto, o Secretário de Estado, Rex Tillerson, disse na reunião das Nações Unidas que “as resoluções habituais não são uma opção”, compelindo o Conselho de Segurança a actuar antes que Pyongyang o faça.

Importa salientar que a Primavera é uma altura de recorrente escalada de tensão na região, uma vez que coincide com uma série de aniversários patrióticos que Pyongyang costuma celebrar com demonstrações de poderio bélico. Em contrapartida, também os Estados Unidos costumam realizar exercícios na zona em parceria com as autoridades de Seul. Porém, este ano, a nova Casa Branca aumentou os meios com o destacamento de um submarino equipado com um sistema de mísseis guiados e uma frota com porta-aviões. Além disso, a retórica de Washington parece apontar para uma mudança de posição para uma resposta mais musculada, à medida que crescem os receios de que a força militar norte coreana tenha capacidade para atingir território americano. Estes receios foram ventilados por algumas vozes do Partido Republicano, relembrando os discursos que anteciparam outras guerras, noutros quadrantes.   

Também Kim Jong-un parece mais indiferente do que o seu pai, e avô, em relação à posição de Pequim, o seu maior aliado no plano internacional.

Noutro quadrante, Vladimir Putin apelou à contenção de forma a reduzir os níveis de tensão.

Os próximos tempos poderão ser determinantes quanto ao futuro da Ásia. Apesar da região ser palco tradicional de tensões bélicas com foco na Coreia do Norte, os líderes que comandam actualmente Washington e Pyongyang têm-se mostrado actores algo imprevisíveis no contexto geoestratégico. Outro factor de risco parece ser a relativa perda de influência de Pequim, que tem agido como fiel de uma balança que ameaça partir-se.

4 Mai 2017

Coreia do Norte | China pede contenção aos Estados Unidos

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Presidente Xi Jinping apelou a “contenção” sobre a questão norte-coreana durante uma conversa ao telefone com o homólogo norte-americano, Donald Trump. A troca de impressões, mantida ontem de manhã, acontece numa altura em que um contingente de navios militares, liderado pelo porta-aviões Carl Vinson, anda em águas asiáticas.

O telefonema foi feito com uma preocupação crescente em mente: teme-se que Pyongyang leve a cabo outro ensaio nuclear ou um teste com mísseis para assinar o 85.o aniversário da fundação do Exército Popular Coreano. A efeméride assinala-se hoje.
A China “espera que as partes envolvidas possam manter a contenção e evitar acções que possam aumentar a tensão na Península Coreana”, disse Xi Jinping, citado por um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
“A única forma de concretizar a desnuclearização da Península Coreana e de resolver rapidamente o problema nuclear da Coreia do Norte é se cada parte envolvida cumprir totalmente os seus deveres”, continuou o Presidente chinês.
Foi a segunda conversa ao telefone entre os dois líderes desde o encontro no resort de luxo de Donald Trump, na Florida, no início deste mês. A conversa tinha sido previamente marcada e, dizem as agências internacionais de notícias, partiu da iniciativa do Presidente dos Estados Unidos.
O pedido de Pequim em relação à necessidade de moderação por parte de Washington surge depois de, no sábado passado, o vice-presidente norte-americano Mike Spence ter anunciado que o porta-aviões Carl Vinson iria chegar, “numa questão de dias”, ao Mar do Japão, perto da Península Coreana. No domingo, o Carl Vinson juntou-se a outros navios de guerra para exercícios militares conjuntos com o Japão, no Mar das Filipinas.
Mike Pence aproveitou ainda para reiterar os pedidos feitos a Pequim – o único grande aliado e o maior parceiro comercial de Pyongyang” – para que utilize a sua “posição única” para obrigar o regime de Kim Jong-un a ceder nas suas pretensões nucleares.
“São recebidos com muito agrado os passos que temos visto a China dar, passos sem precedentes em muitas formas, aumentando a pressão económica na Coreia do Norte”, afirmou ainda o vice-presidente. “Acreditamos que a China pode fazer mais”, acrescentou.
Em Fevereiro, a China anunciou que ia suspender todas as importações de carvão da Coreia do Norte – uma fonte de rendimentos essencial para Pyongyang – até ao final do ano. Pequim deixou ainda o aviso, já este mês, que um conflito com o regime de Kim Jong-un poderia rebentar “a qualquer momento”, numa altura em que Pyongyang ameaçava com uma resposta “sem misericórdia” a qualquer acção militar norte-americana.

Varrer com eles

A Coreia do Norte tem aumentado as ameaças nas últimas semanas, já depois do falhado teste de um míssil que coincidiu com o 105.o aniversário do nascimento do fundador do país, Kim Il-sung. Um recente artigo difundido pela agência oficial norte-coreana KCNA acusa Pequim de ceder às pressões de Washington, advertindo que a postura chinesa poderá ter “consequências catastróficas”.
Um site oficial norte-coreano advertiu os Estados Unidos de que serão “varridos da face da Terra” se desencadearem uma guerra na península.
Numa série de editoriais, o jornal Rodong Sinmun, porta-voz do partido único no poder, explica que as forças norte-coreanas não estão impressionadas com a chegada iminente do porta-aviões norte-americano, que constitui “uma chantagem militar sem disfarces”. As forças norte-coreanas estão prontas para “afundar o porta-aviões nuclear norte-americano com um único ataque”, escreveu o jornal.
O site de propaganda Uriminzokkiri considera que o envio do Carl Vinson é uma declaração de guerra. “É a prova de que uma invasão da Coreia do Norte fica mais próxima todos os dias”, referiu. Num editorial apresentado como tendo sido escrito por um oficial do exército, o site alerta Washington para não confundir a Coreia do Norte com a Síria, que não lançou um “contra-ataque imediato” após um ataque dos Estados Unidos a uma base aérea síria no início do mês.
Em caso de ataque à Coreia do Norte, “o mundo verá como os porta-aviões inconscientes de Washington são reduzidos a pedaços de aço e naufragam e como um país chamado América é varrido da face da Terra”, ameaça.
Mike Pence, que terminou uma viagem à região, declarou, como outros responsáveis norte-americanos, que face às ambições nucleares norte-coreanas “todas as opções estão sobre a mesa”, incluindo a militar.

Arigato a Trump

Antes da conversa com Xi Jinping, Donald Trump esteve ao telefone com o primeiro-ministro nipónico, Shinzo Abe. O tema da conversa foi o exercício militar conjunto em que participa o porta-aviões Carl Vinson e a Força Marítima de Auto-Defesa do Japão. “Disse-lhe que apreciamos muito as palavras e as acções dos Estados Unidos, que demonstram que todas as opções estão em cima da mesa”, disse o chefe de Governo aos jornalistas. “Concordamos totalmente com esta exigência de forte contenção por parte da Coreia do Norte que tem, reiteradamente, agido de forma provocatória e perigosa”, acrescentou Shinzo Abe. A demonstração da força naval nipónica reflecte a preocupação crescente de um ataque da Coreia do Norte. Alguns deputados do partido do poder em Tóquio pediram já ao primeiro-ministro que compre armamento capaz de lidar com os mísseis norte-coreanos, temendo um ataque iminente. A frota naval militar japonesa é a segunda maior da Ásia, logo a seguir à da China, mas é sobretudo constituída por contratorpedeiros. A imprensa japonesa tem dado conta de um receio da população em relação a um ataque nuclear da Coreia do Norte na região, que se tem traduzido na procura de abrigos nucleares e na compra de purificadores de ar capazes de bloquear as radiações.

Grupo de norte-coreanos em risco de repatriamento

Oito norte-coreanos que fugiram do país arriscam-se a serem repatriados depois de terem sido detidos, no mês passado, pela polícia chinesa. A denúncia foi feita ontem pelo grupo Human Rights Watch (HRW), que tem estado a ajudar os desertores.
A organização não-governamental explica que as autoridades da China detiveram os oito norte-coreanos em meados de Março, durante uma operação de rotina numa estrada do nordeste do país.
A detenção do grupo acontece numa altura em que o Presidente dos Estados Unidos tem estado a pressionar Pequim para que aja de forma mais activa em relação a Pyongyang, por entre um clima de tensão em torno das intenções nucleares norte-coreanas.
“Temos, neste momento, muitos relatos de sobreviventes que indicam que a administração de Kim Jong-un persegue aqueles que são obrigados a regressar à Coreia do Norte depois de terem partido ilegalmente. São sujeitos a tortura, violência sexual e trabalhos forçados – e ainda a pior”, afirmou em comunicado o vice-director para a Ásia da HRW. Phil Robertson pede à China que não repatrie os desertores.
As Nações Unidas já condenaram o facto de Pequim recambiar os norte-coreanos que são encontrados em território chinês, alertando para o facto de o Governo Central estar a cometer uma violação da legislação internacional.
A China contra-argumenta alegando que os desertores norte-coreanos são imigrantes ilegais que fugiram do país de origem por razões de natureza económica. Já a Coreia do Norte diz que se trata de criminosos e chama sequestradores a quem os ajuda a chegar à Coreia do Sul.

Apelo aos Presidentes

Os oito norte-coreanos em risco de repatriamento estavam na cidade de Shenyang, onde a polícia de trânsito os encontrou. Foram levados para a esquadra por não terem documentação válida.
Um pastor cristão que ajuda desertores da Coreia do Norte na China – e que pediu à Reuters para ser identificado pelo pseudónimo Stephan Kim – contou que os homens lhe enviaram um vídeo em que pedem ajuda ao Presidente norte-americano Donald Trump e ao homólogo chinês Xi Jinping. O vídeo mostra o grupo dentro de um veículo, à porta de uma esquadra da polícia chinesa.
São muitos os norte-coreanos que, todos os anos, tentam fugir do país natal. Porque a fronteira com o Sul é a mais protegida do mundo, a fuga faz-se, por norma, através da China, passando por outros países do Sudeste Asiático até chegar à Coreia do Sul. Cerca de 30 mil conseguiram chegar a Seul, muitos com a ajuda de grupos de direitos humanos sul-coreanos, de organizações religiosas e até de empresários.

25 Abr 2017

A tentação de ser Deus

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o bombardeamento da base aérea de Shayrat na Síria justificado por terem sido mortas crianças vítimas de um alegado ataque químico – aparentemente a substância utilizada teria sido o gás sarin –, Donald Trump cedeu à tentação de se fazer passar por Deus. O Deus justiceiro, omnipresente, que pune quando alguém não segue os mandamentos sagrados. A ideia de que Bashar Al-Assad passou uma linha inaceitável, uma linha de não retorno, seria a razão de ser da retaliação dos Estados Unidos da América. A retaliação estaria pois fundamentada. Na narrativa que acompanhou o ataque, repetida quer por Trump quer pela diplomacia norte-americana, estava aberta a porta para um envolvimento mais empenhado de Washington no afastamento de Assad do poder. Seria essa uma espécie de condição sine qua non para a paz. Cedeu à tentação, mas rapidamente lhe passou.

A banalização dos eventos e uma certa incapacidade de reagir complica particularmente a actividade de quem pretende executar a justiça, seja ela divina ou dos homens. Responder de uma forma justa a todas as situações injustas é um problema muito complexo a quem se atribui a si próprio as funções de Deus. Mas o problema de Deus Trump (ou de qualquer outro empenhado em vingar o Direito Natural é um problema de coerência. E de consciência, bem entendido. O Deus Trump (ou outro qualquer) não pode deixar de actuar em situações parecidas.

Mas, pouco mais de uma semana depois do alegado ataque com gás sarin em Khan Sheikhoun, em território controlado por rebeldes, terão morrido nos arredores de Aleppo, também na Síria, mais outras 126 pessoas, entre as quais estariam pelo menos 68 crianças. Segundo o relato da imprensa internacional, não terá sido utilizado nenhum componente químico contra a população civil. O atentado que levou Donald Trump a intervir terá provocado a morte a 89 pessoas, entre as quais 33 crianças. Num conflito em que as Nações Unidas deixaram de contar o número das vítimas mortais quando terá chegado às 400 mil pessoas – noutro exemplo claro de que a banalização dos acontecimentos leva à saturação de quem tem a obrigação de agir.

No entanto, a descrição deste novo atentado, nos arredores de Aleppo, a 15 de Abril, como que passou ao lado da grande imprensa. A narração do que se passou está em sítios como o da BBC, mas não obteve a visibilidade de outros eventos do conflito sírio. Num momento em que se estava a proceder à retirada de pessoas de bairros cercados por rebeldes, um outro autocarro, carregado de explosivos, avançou contra o comboio de deslocados. O facto de que esta facilitação da passagem de habitantes de diferentes bairros ter sido acordada directamente entre o governo e os rebeldes também não merece muitas linhas na imprensa internacional. O ataque não foi reclamado por nenhum dos vários grupos do complexo conflito sírio. E levou a que a evacuação destes bairros fosse interrompida por quase uma semana.

O verdadeiro problema destes filhos de um Deus nenhum em que se transformaram os sírios, abandonados à sorte de estarem vivos, é que já ninguém liga. Nem mesmo a chamada imprensa internacional, outra entidade que procura ser imparcial, justa e honesta. Isso é cada vez mais evidente.

A imprensa internacional tem dedicado grande atenção aos primeiros 100 dias de Donald Trump na Casa Branca, como que tentando caracterizar o que se pode esperar dos outros três anos e nove meses da sua presidência. Destes três meses iniciais e depois de um ataque massivo a uma base aérea na Síria, que, segundo a narrativa norte-americana, terá destruído 20 por cento da capacidade da força aérea de Assad, e do uso da mãe de todas as bombas no Afeganistão, o que se pode concluir é que Trump não parece ter a vontade de desempenhar o papel de Deus.

O discurso, a certeza, é que ele quer um papel cada vez menor para os Estados Unidos no mundo. Isto foi apenas uma distracção. A certeza de que Trump se enganou quando quis representar o papel de Deus veio pelo próprio Presidente norte-americano. O primeiro-ministro italiano foi a Washington sugerir um envolvimento maior dos Estados Unidos na Síria, para contribuir para o fim do conflito, e a resposta que levou foi um rotundo não, alegando que os EUA já desempenham demasiados papéis no mundo. O que estes primeiros meses demonstram é que a imprevisibilidade, a incerteza, a errância vão ser a marca de Donald Trump. Um Presidente mais preocupado em aparecer no prime time do que em definir políticas ou princípios que honrará nas relações internacionais.

24 Abr 2017

Ivanka Trump registou três marcas na China

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] empresa de Ivanka Trump, a filha mais velha do Presidente norte-americano, Donald Trump, obteve autorização das autoridades chinesas para registar três marcas na China, durante a visita do Presidente chinês, Xi Jinping, aos Estados Unidos.

Segundo a cadeia de televisão CNN, Ivanka foi autorizada a registar a sua linha de malas, jóias e um serviço de SPA na China, na mesma noite em que se sentou junto a Xi e à sua esposa num jantar no ‘resort’ de Trump na Florida.

A empresa da filha de Trump, que desde há algumas semanas trabalha como assistente do pai, tem já 16 marcas registadas no país asiático.

A advogada de Ivanka, Jamie Gorelick, argumentou que a filha do Presidente “não participou nas solicitações de registo da marca apresentadas pela sua empresa” ao Governo chinês, desde que renunciou à direcção da empresa.

Gorelick defendeu ainda que as normas étnicas não obrigam a sua cliente a abdicar das responsabilidades na Casa Branca, em questões de política externa, só porque a sua empresa solicitou o registo num determinado país.

O ministério dos Negócios Estrangeiros chinês qualificou ontem de “coscuvilhice” as informações de que Ivanka obteve autorização para registar novas marcas na China.

“Alguns órgãos de comunicação estão interessados em coscuvilhice e em tentar exagerar as coisas”, disse em conferência de imprensa o porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros Lu Kang.

A China “protege os interesses dos donos das marcas de forma igual”, acrescentou.

O porta-voz chinês lembrou que “este processo é desenvolvido de acordo com a lei e não deveria dar-se excessiva importância ao assunto”.

20 Abr 2017

O populismo étnico em marcha

“Populist leaders like Donald Trump, Marine Le Pen, Norbert Hoffer, Nigel Farage, and Geert Wilders are prominent today in many countries, altering established patterns of party competition in contemporary Western societies. Cas Mudde argues that the impact of populist parties has been exaggerated. But these parties have gained votes and seats in many countries, and entered government coalitions in eleven Western democracies, including in Austria, Italy and Switzerland. Across Europe, their average share of the vote in national and European parliamentary elections has more than doubled since the 1960s, from around 5.1% to 13.2%, at the expense of center parties. During the same era, their share of seats has tripled, from 3.8% to 12.8%. Even in countries without many elected populist representatives, these parties can still exert tremendous ‘blackmail’ pressure on mainstream parties, public discourse, and the policy agenda, as is illustrated by the UKIP’s role in catalyzing the British exit from the European Union, with massive consequences.”
“Trump, Brexit, and the Rise of Populism: Economic Have-Nots and Cultural Backlash” / Harvard Kennedy School – Ronald F. Inglehart and Pippa Norris

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] voto britânico para abandonar a União Europeia (UE) e a eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos deixou muitos surpreendidos no passado ano. O economista e comentarista irlandês, David McWilliams, denominou 2016, como “o ano do outsider”. As previsões apontam que 2017 não será diferente, com eleições importantes que irão ocorrer por toda a Europa e muitos viram as eleições holandesas de 15 de Março de 2017, como “o primeiro grande teste” do que está por vir.

O líder do Partido para a Liberdade (PVV, na sigla em língua holandesa) de extrema-direita Geert Wilders tinha proclamado uma “primavera patriótica” que podia aumentar as pressões sobre uma sitiada UE. O político holandês islamofóbico viveu sempre rodeado por fortes medidas de segurança, tendo por mais de uma década, passado a maior parte do tempo num refúgio desconhecido, ou em uma ala do Parlamento fortemente guardada. Este esquema de segurança, durante vinte e quatro horas, que raramente permitia a saída à rua, e para assistir a alguns eventos da campanha eleitoral, teve de deslocar-se em uma caravana de veículos blindados, devidos às constantes ameaças de morte, que recebe de extremistas enfurecidos pelas suas declarações contra o Islão, comparando o “Alcorão” ao livro “A Minha Luta” de Adolfo Hitler.

O grande tema é de questionar a ideia de que as eleições holandesas marcaram o início de uma “primavera patriótica”, ou seja, a de que o povo retomará o controlo da elite a nível nacional e europeu. Até agora, a Europa dificilmente desempenhou qualquer papel na campanha eleitoral holandesa. Mesmo Geert Wilders pareceu afastar-se da questão. O co-investigador Stijn van Kessel no “projecto 28+perspectivas sobre o Brexit: um guia para as negociações com múltiplos intervenientes” da Universidade de Loughborough elaborou os dados que mostravam que os holandeses não queriam um “Nexit”. Além disso, outras questões prevaleceram na campanha.

O tema mais dominante foi a economia holandesa e, em particular, a questão de saber que política prosseguir em tempos de superavit orçamental e baixa taxa desemprego. A economia é tipicamente, um tema que os políticos holandeses gostam de ligar à UE, acrescentados dos motes de “muita burocracia”, “somos pagadores líquidos” e “não mais dinheiro para a Grécia”. Mas, nesta campanha, os políticos ligaram-se à questão do que é importante para a sociedade holandesa, como o do dinheiro extra que deveria ter uma maior taxa de participação para a criação de mais empregos, reforma do sistema de saúde, investimento nas políticas de alterações climáticas e melhoria do sistema educacional.

O outro tema abrangente é o que constitui a identidade holandesa no modelo da globalização. Uma “primavera patriótica” pressupunha debates sobre a identidade nacional, ameaçada por elites cosmopolitas e pressões externas. No entanto, na actual campanha eleitoral, a discussão pareceu ter sido mais matizada, centrada na redefinição da identidade nacional, sem necessariamente rejeitar a imigração e a integração europeia. Por exemplo, o líder do Partido Democrata Cristão (CDA, na sigla em língua holandesa) enfatizou os símbolos nacionais, trazendo a ideia dos alunos cantarem o hino nacional nas escolas.

O líder do Partido de Esquerda Verde (GL, na sigla em língua holandesa), enfatizou uma cultura inclusiva de tolerância e diversidade. Além disso, é muito provável que Geert Wilders seja marginalizado após a derrota sofrida nas eleições. Primeiro, a maioria dos partidos declarou que não quer cooperar com o seu partido e pessoa. Em segundo lugar, uma semana antes das eleições, as últimas sondagens, também sugeriam que não iria ter o número elevado de votos que foi previsto algumas semanas antes, e que se veio a confirmar. Isso não significa que as suas ideias estejam a ser ignoradas, tal como aconteceu com frequência na história política holandesa, em que os partidos tradicionais já haviam adoptado alguns dos seus discursos populistas, e até mesmo nacionalistas sobre questões como a imigração e a integração europeia.

A título de exemplo, em termos de valor nominal, as suas ideias parecem ser menos dignas, apesar de a identidade ter sido uma questão fundamental durante a campanha eleitoral, e que lhe pode ser atribuída, curiosamente, na trilha da alegada “primavera patriótica”, um contra-movimento que parece estar a surgir. A ascensão da direita populista é muitas vezes vista como um processo linear, começado com o Brexit e a eleição de Donald Trump, e continuado durante as eleições no continente europeu. Mas confrontados com as ideias populistas de direita de Geert Wilders, são um conjunto de crenças que realçam a diversidade e a abertura para influências externas, sendo mais visivelmente ilustrado, pelo crescente apoio ao Partido Democratas 66 (D66, na sigla em língua holandesa), que é progressista, liberal-social e radical democrata e o GL.

A tendência semelhante na França e na Alemanha é notória, onde, respectivamente, o pro-europeu Emmanuel Macron e o ex-presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, estão a ter ganhos inesperados nas sondagens. Ambos, também sublinham as ideias de abertura e de tolerância, e a necessidade de cooperar a nível europeu. As urnas confirmaram a vitória do actual primeiro-ministro, o liberal de direita Mark Rutte, e revelaram que Geert Wilders, o candidato racista e antieuropeu que chegou a liderar as sondagens, não obteve tanto apoio como se esperava. Depois do Brexit e do êxito que representou a vitória de Donald Trump, o populismo xenófobo enfrenta, assim, a sua primeira derrota no Ocidente.

As eleições holandesas não conduziram ao início de uma “primavera patriótica” da extrema-direita populista europeia, mas sim a um reequilíbrio da política europeia. Todavia analisadas mais profundamente as eleições holandesas, vimos que ao entardecer do dia das eleições, os meios de comunicação social de todo o mundo, anteciparam uma vitória não apenas para o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD, na sigla em língua holandesa) liderado pelo actual primeiro-ministro Mark Rutte, mas uma vitória para a política racional, liberal, enquanto elogiavam a derrota esmagadora dos nacionalistas étnicos de Geert Wilders.

O líder do VVD, de uma forma mais sóbria, em um discurso proferido depois de aparentemente o seu partido ter ostensivamente triunfado, declarou que os holandeses disseram não ao tipo errado de populismo. Mas esta é uma interpretação equivocada. Neste ano de eleições, que indicará se a UE pode sobreviver num futuro próximo, a eleição holandesa recebeu uma atenção indevida da imprensa mundial. Na sequência do Brexit, da vitória de Donald Trump, um referendo holandês e a quase um ano da eleição presidencial austríaca e meses do referendo constitucional italiano, o foco dos meios de comunicação sobre a Holanda tem sido compreensível, mas também tem sido distorcido pelos eventos de 2016.

O Brexit, a vitória presidencial de Donald Trump e os referendos foram escolhas binárias do “Candidato A” versus “Candidato B”, ou simplesmente “Sim” versus “Não”, e conjuntamente com o crescente domínio anglo-americano dos meios de comunicação internacional, ou pelo menos dos meios de comunicação transatlânticos, no seguimento de Donald Trump e da caótica política do Reino Unido, isso resultou no facto da comunicação social estrangeira, examinar as eleições holandesas através de uma lente distorcida. A eleição holandesa não era binária, mas multipolar. A comunicação social na análise política e no sistema de dois partidos e dualismo de Sim/Não, enfatizaram a possibilidade do PVV vencer as eleições.

Os mesmos meios de comunicação, em segundo lugar, apresentaram a eleição como uma derrota para o PVV e o seu líder. No entanto, nada poderia estar mais longe da verdade. O líder do PVV não perdeu em um sistema binário, anglo-americano, antes ganhou em um sistema multipolar europeu. Os dois partidos governamentais da Holanda perderam. O VVD do primeiro-ministro, Mark Rutte, perdeu oito assentos, enquanto o Partido Trabalhista (PvdA, na sigla em língua holandesa) de Lodewijk Asscher, vice-primeiro-ministro, passou de 38 assentos para 9 assentos, perdendo de forma assombrosa 29 assentos. No rescaldo do tropeço do VVD e da derrota do PvdA, o partido que estava mais preeminente era o PVV.

Apenas onze anos após a sua criação, o PVV é o segundo maior partido na Holanda. Não voltou ao seu auge de 2010, mas o desafio para a VVD de outros partidos e a derrota do PvdA, levaram a menor margem eleitoral do PVV a uma posição muito mais evidente. A ascensão do GL desafia o apelo do PVV, especialmente entre os jovens eleitores urbanos que, na Holanda, país altamente urbanizado, formam uma parcela substancial do eleitorado. Mas, ao mesmo tempo, o GL suprimiu o suporte do VVD. Enquanto o PVV e o GL, conjuntamente com o D66, não poderiam ser mais distintos em termos de políticas, mas compartilham uma característica comum que preocupou o líder do VVD, pois eram evidências do mesmo fenómeno visto nos Estados Unidos e no Reino Unido, em que os eleitores se sentem desiludidos com os principais partidos formados no rescaldo da II Guerra Mundial, e voltam-se para os partidos mais novos, que oferecem uma lufada de ar fresco, em relação a uma ordem política, ideológica e económica estabelecida e aparentemente estagnada.

O motivo adicional de preocupação é que nas grandes áreas metropolitanas da Holanda o PVV apresenta-se como o partido que reunia as maiores preferências, ou o segundo partido a nível nacional, e de forma preocupante, próximo do VVD. O surgimento do PVV, como partido dominante em Roterdão, põe uma séria questão quanto à ilusão dos meios de comunicação social, nas cidades holandesas como bastiões do liberalismo racional. O político que ganhou mais em termos de derrota dos seus inimigos, foi Geert Wilders. A maior causa de preocupação, é os complexos mecanismos de formação de uma coligação.

O governo anterior VVD – PvdA viu apenas duas partes a lutar para apaziguar uma população holandesa que está cada vez mais cansada de austeridade e diminuição dos benefícios sociais. A nova coligação liderada pelo VVD deve ser formada por quatro, talvez até cinco, partidos, que até agora se uniram principalmente na sua oposição ao PVV, e tendo ganho, é apenas uma questão de tempo, antes de enfrentar as duras realidades que representam os entendimentos políticos e da aparente derrota do inimigo comum, que cria brechas entre os diferentes partidos.

O período da lua-de-mel terminará rápido. A formação e gestão de uma coligação multipartidária será um desafio significativo para o líder do VVD, e não é de forma alguma claro como um governo tão diferente em ideologia, prioridades políticas e opiniões de uma UE em apuros, seja capaz de reagir à economia, com uma potencial vitória da Front Nationale na França, uma possível mudança para a direita na Alemanha, em Agosto, ou outra crise da zona do euro ou crise migratória, após a ruptura das relações UE – Turquia, mais acentuada depois da vitória do “SIM” no referendo turco de 16 de Abril de 2017.

As crises cada vez mais parecem não só inevitáveis como iminentes.Enquanto a ténue coligação do líder do VVD luta para lidar com os problemas da Holanda e responder a forças económicas externas, Geert Wilders encontrar-se-á em uma posição política forte, e como nenhum outro partido trabalhará com o PVV terá um papel desprezível face à nova coligação, destacando toda a sua inépcia e disputas, enquanto se banha na imunidade das críticas inevitáveis do governo, ou seja, uma imunidade concedida pelo seu isolamento da formulação de políticas.

O líder do PVV, em uma ironia sombria, ainda que tenha perdido assentos, continua com uma base eleitoral sólida, que o torna mais seguro que o líder do VVD e os seus aliados de coligação, sendo capaz de defender uma insatisfação anti ordem estabelecida, enquanto se autentica mais na ordem estabelecida. Até ao final de 2017, é provável que vejamos o líder do VVD e os aliados de coligação a enfrentarem uma crescente hostilidade por parte de uma população holandesa decepcionada e frustrada por politiquices, enquanto Geert Wilders prega a mensagem repetitiva mas mediática dos eternamente marginalizados e de hipócrita mártir político. É certo que isso está longe de ser certo.

Os holandeses não vão entrar numa “primavera patriótica” e Geert Wilders cometeu sérios erros, especialmente na sua recusa em se envolver com os meios de comunicação de massa.Mas se aprender com esses erros, irá garantir uma enorme posição como figura popular de proa, canalizando a frustração e a decepção pública para uma coligação de rangedores.E porque é altamente provável que uma disputa em curso entre a Holanda a Turquia, caracterizada por invocações repetidas dos dias mais sombrios da “Nova Ordem”, só vai aumentar ainda mais, depois do referendo de 16 de Abril de 2017, e Geert Wilders terá mais condições de aproveitar o desapego e a desilusão holandesas. para atrair o esquecido, o desapontado, o contrariado e o temeroso com sua bandeira.

A eleição holandesa não representou a derrota do populismo étnico. Na melhor das hipóteses, é uma vitória pírrica para o último bastião da ordem estabelecida. Na pior das hipóteses, é um sinal de um eleitorado desencantado que expressou a sua infelicidade com o “status quo”. A esse respeito, as eleições holandesas não são diferentes do Brexit e das eleições americanas. Não são uma vitória para o liberalismo, nem uma vitória para o racismo, mas uma vitória para a frustração, raiva, ansiedade e ressentimento. É uma vitória que não merece um elogio, mas um lamento ao contrário do afirmado pelos líderes europeus, com o Presidente da Comissão Europeia, como porta-voz de tão peregrina ideia.

19 Abr 2017

Trump diz estar pronto para “resolver problema” norte-coreano sem a China

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente norte-americano, Donald Trump, reiterou ontem estar pronto para “resolver o problema” norte-coreano sem a ajuda da China, poucos dias depois de uma cimeira em solo americano com o seu homólogo chinês Xi Jinping.

“A Coreia do Norte está à procura de problemas. Se a China decidir ajudar, será óptimo. Se não, iremos resolver o problema sem eles!”, escreveu o chefe de Estado norte-americano na sua conta pessoal da rede social Twitter.

Em outra mensagem, Trump deixou um claro ultimato a Pequim: se a crise da Coreia do Norte não for resolvida, a China não conseguirá um melhor acordo comercial com os Estados Unidos.

“Expliquei ao Presidente da China que um acordo comercial com os Estados Unidos será muito melhor para eles se resolverem o problema da Coreia do Norte”, escreveu Donald Trump.

Na semana passada, Trump recebeu num ‘resort’ em Mar-a-Lago, na Florida, um dos destinos preferidos do Presidente norte-americano, o seu homólogo chinês Xi Jinping. A agenda da cimeira de dois dias – a primeira entre os dois líderes – ficou marcada pelo programa nuclear da Coreia do Norte e por questões do comércio bilateral.

“Realizamos progressos espectaculares na nossa relação com a China”, declarou então Donald Trump, no segundo dia da cimeira.

“Penso verdadeiramente que foram feitos progressos”, reafirmou na mesma altura o Presidente norte-americano, definindo como “espectacular” a relação Washington-Pequim.

No sábado passado, o comando do Pacífico norte-americano confirmou que mobilizou o porta-aviões de propulsão nuclear ‘Carl Vinson’ e o seu grupo de ataque para águas próximas da Coreia do Norte em resposta às mais recentes provocações do regime norte-coreano, que em 5 de Abril lançou um míssil de médio alcance para o mar.

12 Abr 2017

Análise | Cimeira entre Trump e Xi Jinping marcada por ataque a base síria

O encontro entre os líderes das duas maiores economias mundiais tinha inúmeros assuntos quentes para discutir. No entanto, foi marcado pelo ataque a uma base aérea síria, em plena cimeira. Uma jogada ousada que ameaça ser repetida na Coreia do Norte, depois de Trump ter enviado um porta-aviões e navios de guerra para a península coreana

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ra esperado um encontro protocolar, que pusesse água na fervura no plano geopolítico e foi isso que transpareceu cá para fora. Poses amistosas e um discurso padronizado sem grande conteúdo. Porém, antes do jantar do primeiro dia de cimeira, Donald Trump deu luz verde para o bombardeamento de uma base aérea síria, reforçando a aura de imprevisibilidade do recém eleito Presidente e a força da posição americana no xadrez geopolítico global.

A muito antecipada reunião vinha sendo vista como uma oportunidade para o Presidente chinês demonstrar força, maturidade diplomática e reforçar o seu lugar como um poderoso líder mundial. Depois de terem sido lançados 59 mísseis Tomahawk sobre Shayrat, os pratos da balança penderam para o lado de Washington, sem que Pequim tivesse reagido oficialmente. No entanto, o assunto passou ao lado dos discursos no fim das conversações.

Dois dias depois da reunião, Donald Trump enviou para as águas da península coreana um porta-aviões e uma frota de navios de guerra.

Porém, no rescaldo da cimeira, os assuntos bélicos não foram tocados. “Fizemos tremendos progressos na relação com a China.” Esta foi a forma como o Presidente norte-americano caracterizou a cimeira de dois dias com Xi Jinping. Em contrapartida, de acordo com um comunicado no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros chineses, Xi Jinping terá dito a Trump que “existem mil razões para melhorar as relações entre a China e os Estados Unidos e nenhuma razão para as estragar”. Este tom conciliatório, assim como as fotos de circunstância que rodearam o encontro na Florida, parece estar a milhas de distância do discurso inflamatório que prometia incendiar o plano internacional durante a corrida à Casa Branca.

Trump, repetidas vezes, apelidou os chineses de serem os “campeões de manipulação cambial” e de violarem os Estados Unidos em matéria de comércio externo. Além disso, estendeu a mão ao poder político de Taiwan, quebrando uma tradição diplomática com décadas, criticou a militarização do Mar do Sul da China, assim como a falta de pulso forte a lidar com o regime da Coreia de Norte.

Bombas à sobremesa

Donald Trump, durante a campanha, apelidou inúmeras vezes a política externa norte-americana de previsível, logo votada ao insucesso. Apesar do ataque às forças de Bashar al-Assad poder representar um desastre a todos os níveis, a imprevisibilidade da nova política externa norte-americana será um problema difícil de deslindar para Xi Jinping. Principalmente, depois das repetidas ameaças de acção militar para travar o desenvolvimento do programa nuclear norte-coreano. Esta posição de Washington é uma mudança de paradigma em termos de política externa. Tradicionalmente, a imprevisibilidade é uma arma usada pelos países mais fracos, que tem sido afastada das grandes potências desde a Guerra Fria.

Outro aspecto a reter foi o timming do ataque, tendo em conta que o líder chinês se aproximava mais da posição de Moscovo do que de Washington na questão síria. É de salientar que Pequim tem rejeitado, consecutivamente, as resoluções do Conselho de Segurança da ONU contra o regime sírio.

“O primeiro ataque norte-americano às forças de Assad deram credibilidade e poder negocial a Trump”, avançou ao The Guardian Paul Haenle, conselheiro das administrações Bush e Obama. A questão aqui é o que fazer com Kim Jong-un.

A China compra 90 por cento das exportações norte-coreanas, um factor que não agrada a Washington. Porém, Pequim tem usado esse ascendente comercial como um tampão que pretende prevenir uma vaga de refugiados norte-coreanos para o seu território e uma destabilização ainda maior de Pyongyang.

Nesse sentido, o Secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, lembrou que ambas as nações acordaram em refrear as ambições nucleares de Kim Jogn-un. Apesar de confirmar que “não houve nenhum pacote de medidas acordadas”, Tillerson adiantou que Washington pode agir sozinho, se a China se sentir constrangida a fazê-lo.

Do outro lado do tabuleiro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, diz que é necessário livrar a península coreana de material nuclear. Mas acrescentou ainda, à agência Xinhua, que se deve evitar intervenção militar contra Pyongyang.

Estas eram as posições até domingo, quando o presidente norte-americano enviou para as águas da península coreana um porta-aviões e uma frota de navios de guerra de forma a dar resposta à que considera ser a maior ameaça na região.

Guerra comercial

Durante a campanha Trump prometeu ser implacável com Pequim em termos comerciais. Sob o lema de trazer os empregos de volta a solo norte-americano, fez promessas de rotular, oficialmente, a China como manipuladores cambiais. No entanto, esta retórica parece ter acalmado para um tom mais reconciliador. Um dos indícios disso mesmo é a perda de força nos últimos tempos da ala mais isolacionista da Casa Branca, como o prova o afastamento de Stephen Bannon do Conselho de Segurança Nacional. Estas manobras parecem aproximar mais a administração Trump de uma posição mais tradicional republicana na abordagem ao comércio internacional. Daí podem advir boas notícias para Xi Jinping.

Numa altura em que Trump atravessa uma impopularidade histórica em termos estatísticos, terá de mostrar algo ao eleitoral operário, em particular do “Rust Belt” que lhe deu a eleição em bandeja enferrujada. Como tal, não é de estranhar que o líder chinês faça algumas concessões comerciais a Washington. Entre as ofertas discutidas estará o aumento de importação de gás natural líquido americano, produtos agrícolas e automóveis por parte de Pequim. Algo que não representará uma grande concessão por parte de Xi Jinping, enquanto Trump pode puxar dos galões perante o eleitorado norte-americano como exímio homem de negócios.

O líder chinês regressa a Pequim com a questão de Taiwan enterrada e algo para mostrar internamente no próximo Congresso do Partido Comunista Chinês de Outubro.   

No entanto, complexas questões comerciais não se resolvem em dois dias. “Normalmente, estas discussões, em especial entre os Estados Unidos da América e a China, desenrolam-se ao longo de múltiplos anos”, comentou o Secretário do Comércio norte-americano Wilbur Ross no final da cimeira. Nesse sentido, vão ser encetadas conversações multilaterais ao longo de 100 dias. Ross acrescentou que “é uma meta temporal ambiciosa, mas que representa uma enorme mudança nas relações entre a China e os Estados Unidos”. Para a administração Trump o grande objectivo será reduzir o superavit chinês na balança comercial.

Em declarações à agência Xinhua, Xi Jinping afirmou que “usará os novos canais de comunicação e cooperação estabelecidos para atingir objectivos concretos”. O Presidente chinês afirmou ainda que ficou a promessa de uma visita de Estado de Trump à China.

Questões territoriais

Taiwan parece ser um assunto arrumado nas relações sino-americanas, o que representa um bónus para Xi Jinping, depois de Trump voltar atrás e defender que não se opõe à política “Uma Só China”. Antes da cimeira e da demonstração de força da nova administração norte-americana, as mudanças de opinião de Trump em relação à Formosa tornaram-no num “tigre de papel” aos olhos de algumas facções das elites políticas chinesas.   

Uma questão que poderá ser mais difícil de contornar é a “alegada” militarização do Mar do Sul da China e os territórios em disputa com o Brunei, Filipinas, Malásia, Vietname e Taiwan, ou seja, uma autêntica embrulhada diplomática. Apesar de Pequim ter afastado a hipótese de fortificar as ilhas artificiais construídas nas concorridas águas territoriais, imagens de satélite mostraram sistemas antimísseis e baterias de armamento anti-aéreo.

Bonnie Glaser, directora do Projecto China Power, do Centro de Estratégia e Estudos Internacionais em Washington, considera que “a relutância de Barack Obama em agir em termos bélicos encorajou a China estabelecer-se militarmente nos territórios disputados”.

A analista do think-thank norte-americano considera que esta posição de relativa liberdade por parte de Pequim pode mudar com a administração Trump.

Esta é uma das muitas questões que ficaram por resolver, algo que não é de estranhar numa reunião introdutória. As relações bilaterais entre as duas maiores potenciais económicas vão prosseguir, enquanto ambos os líderes enfrentam importantes desafios internos. Apesar da dureza de algumas palavras, as relações entre a China e os Estados Unidos parecem ter estabilizado. Vejamos se nenhuma tempestade de tweets lança pelos ares o trabalho diplomático conseguido, ou se não há intervenção militar na península coreana. Para já, em termos de geopolítica, a incerteza parece ser a única constante.

10 Abr 2017

Donald Trump promete defender aliados contra Pyongyang

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente Donald Trump prometeu na quarta-feira ao primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, que os Estados Unidos vão defender os aliados “com toda a extensão das suas capacidades militares” contra a Coreia do Norte, informou a Casa Branca.

Numa chamada telefónica, Trump e Abe falaram sobre o novo lançamento de um míssil balístico de médio alcance que Pyongyang realizou esta terça-feira e que caiu no Mar do Japão.

Trump “deixou claro que os Estados Unidos vão continuar a fortalecer a sua capacidade para dissuadir [a Coreia do Norte] e a defender-se e aos aliados com toda a extensão das suas capacidades militares”, indicou a Casa Branca em comunicado.

O Presidente manifestou o seu total compromisso com o Japão e Coreia do Sul, perante a “grave ameaça que a Coreia do Norte continua a representar”.

O lançamento do míssil por parte da Coreia do Norte aconteceu em véspera da cimeira, ontem e hoje, entre Trump e o Presidente chinês, Xi Jinping, durante a qual vão discutir os desenvolvimentos do programa de armamento de Pyongyang.

Pequim pediu prudência a todas as partes e descartou que a acção tenha uma relação directa com a reunião que Trump e Xi vão ter na Florida (sudeste).

Um responsável da Casa Branca adiantou, esta semana, que, no encontro com Xi, Trump vai sublinhar que “se esgotou o tempo” para ter paciência com a Coreia do Norte, e que os Estados Unidos têm agora “todas as opções sobre a mesa” para pressionar Pyongyang, com ou sem o apoio de Pequim.

7 Abr 2017

Xi Jinping e Trump reúnem-se num clima de relações dúbias

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s Presidentes dos Estados Unidos e China, Donald Trump e Xi Jinping, respectivamente, reúnem-se entre quinta e sexta-feira, num período de incerteza quanto ao futuro das relações bilaterais e aparente inversão de papéis no cenário internacional.

A visita de Xi aos EUA era tida como pouco provável até há cerca de dois meses, quando Trump suscitou protestos em Pequim devido às suas afirmações de que poderia vir a deixar de reconhecer a política “Uma Só China”, vista pela República Popular como uma garantia de que Taiwan é parte do seu território.

Numa chamada telefónica realizada em meados de Fevereiro, porém, Trump voltou atrás e disse reconhecer aquele princípio, abrindo portas à visita, que decorrerá entre 6 e 7 de Abril, no resort de Trump em Mar-a-Lago, na Florida.

A imprevisibilidade demonstrada pelo líder norte-americano terá, contudo, deixado os chineses apreensivos.

“Os chineses temem que Trump crie uma situação embaraçosa para Xi Jinping. Temem a sua imprevisibilidade”, comentou um diplomata europeu em Pequim.

A cautela chinesa não é novidade, mas encontra no contexto atcual motivos reforçados.

Manobras de Xi

Xi Jinping imprimiu uma nova dinâmica na política externa chinesa, defendendo a globalização e o livre-comércio, em contraste com Trump.

Sob a sua liderança, a China lançou iniciativas como a nova Rota da Seda, um gigante plano de infra-estruturas que abrange a Ásia, África e Europa, e – sinal dos tempos – é comparado por alguns analistas ao norte-americano ‘Plano Marshall’, lançado a seguir à Segunda Guerra Mundial.

“Adoptar o proteccionismo é como uma pessoa fechar-se num quarto escuro. O vento e a chuva ficarão lá fora, mas o quarto escuro bloqueará também a luz e o ar”, afirmou, em Janeiro passado, numa inédita intervenção no Fórum Económico Mundial de Davos.

Aquele discurso foi feito poucos dias antes de Donald Trump tomar posse como Presidente dos EUA.

Fala Donald

No seu discurso inaugural, Trump avisou: “Um novo capítulo na grandeza americana está agora a começar”.

“Não irei permitir que os erros das recentes décadas definam o curso do nosso futuro. Por muito tempo, observámos a nossa classe média encolher, à medida que exportámos postos de trabalho e riqueza para outros países”, disse.

A redução do défice comercial que Washington tem com a China (347 mil milhões de dólares) é uma prioridade para o líder norte-americano, que culpa o país asiático pela destruição de emprego nos EUA.

Por outro lado, Pequim está a encetar uma transição no seu modelo económico, visando maior preponderância do consumo interno, em detrimento das exportações e do investimento público.

Uma alteração brusca na política do seu principal parceiro comercial – e Trump ameaçou já aumentar os impostos sobre as importações oriundas da China – levaria a uma subida do desemprego, que poderia afectar a estabilidade social no país asiático.

O primeiro encontro entre os dois chefes de Estado terá também a Coreia do Norte em pano de fundo.

Trump acusa a China de não fazer o suficiente para travar o controverso programa nuclear de Pyongyang, visto ser o mais importante aliado comercial e diplomático do regime liderado por Kim Jong Un.

Porém, a China afirma que a sua influência sobre o país vizinho é limitada.

A diplomacia chinesa já indicou que o encontro tem como objectivo permitir aos dois lideres conhecerem-se melhor, reservando questões sensíveis para reuniões posteriores.

Trump, por seu lado, prevê uma reunião “muito difícil”.

“A reunião na próxima semana com a China deve ser muito difícil. Não podemos continuar a ter enormes défices comerciais (…) e perdas de emprego. As empresas americanas devem procurar outras alternativas”, escreveu na sua conta na rede social Twitter.

Especialista espera “tom conciliatório” no encontro de Presidentes

O especialista norte-americano Andrew Nathan defendeu ontem que o Presidente dos EUA, Donald Trump, deverá adoptar um tom mais conciliatório no seu primeiro encontro com o Presidente da China, Xi Jinping.

Especialista em China da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, Andrew Nathan disse à Lusa que “é difícil saber” como vai decorrer o encontro, “porque Trump tem falta de ‘staff’ e de disciplina pessoal”, mas que espera “um tom mais conciliatório” por quatro razões.

“Trump está focado em problemas domésticos e não precisa de uma crise com a China; parece estar muito sob a influência de Jared Kushner, que favorece uma linha conciliatória; foi esse o tom que [Rex] Tillerson adoptou na sua recente viagem à China e, finalmente, o lado chinês é muito experiente em relações transaccionais, e acho que preparam Trump para esse tipo de negociação”, disse.

Os chineses, explica Andrew Nathan, “vão querer discutir Taiwan e procurar o apoio dos EUA para a política de uma China”, segundo a qual o Tibete, Hong Kong, Macau, Xinjiang e Taiwan são parte do seu território, e tentar “reduzir o apoio diplomático e venda de armas para Taiwan.”

O Presidente chinês deve pedir também uma redução da presença dos EUA no Mar do Sul da China, uma zona rica em recursos e uma importante rota de comércio sobre a qual o país reclama “soberania indiscutível”, bem como uma redução das restrições de produtos do seu país por empresas americanas.

Os americanos, por sua vez, devem pedir apoio para pressionar a Coreia do Norte, como de costume, mas Donald Trump não deve falar sobre violações de direitos humanos, algo que os Presidentes americanos fazem habitualmente.

“Os americanos normalmente levantariam a questão dos direitos humanos, mas Trump não o deve fazer. Os seus pontos principais estarão relacionados com a economia, como um maior acesso ao mercado chinês e procura de investimento chinês na infra-estrutura dos EUA”, explica o professor universitário.

Receios e fraquezas

Andrew Nathan, que já escreveu mais de uma dezena de livros sobre a China e é membro da Comissão Nacional EUA-China, espera “um posicionamento menos confrontante com a China do que aquele que houve durante [os mandatos de] Obama” e teme o que isso significa para o sistema internacional.

“Receio que, com o pouco entendimento que Trump tem da complexidade dos assuntos asiáticos, ele enfraqueça a posição estratégica dos EUA na Ásia em troca de concessões económicas que acabarão por beneficiar mais a China do que os EUA”, conclui o americano.

5 Abr 2017

Xi Jinping e Trump reúnem-se entre 6 e 7 de Abril

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente da China, Xi Jinping, vai-se encontrar com o homólogo norte-americano entre 6 e 7 de Abril, no resort que Donald Trump tem na Flórida, anunciou ontem um porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros.

O encontro surge após uma fase de incerteza nas relações bilaterais, devido às repetidas acusações de Trump contra as políticas comerciais da China e a postura de Pequim face à Coreia do Norte.

A reunião é vista como crucial para determinar o futuro das relações entre as duas maiores economias do mundo nos próximos anos.

O encontro era tido como pouco provável até há cerca de dois meses, quando Trump suscitou protestos em Pequim devido às suas afirmações de que poderia vir a deixar de reconhecer a política “Uma só China”.

Aquele princípio é visto por Pequim como uma garantia de que Taiwan é parte do seu território e não uma entidade política soberana e considerado a base para estabelecer relações diplomáticas com outro país.

Contudo, numa chamada telefónica realizada em meados de Fevereiro, Trump voltou atrás e disse reconhecer o princípio, criando condições para Pequim e Washington discutirem um encontro.

O telefonema foi seguido pelas visitas do conselheiro de Estado chinês, Yang Jiechi, a Washington, e do secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, a Pequim.

Sem tacos

Xi é o segundo chefe de Estado a visitar o resort de Trump em Mar-a-Lago, na Flórida, que Trump designa da “Casa Branca de Inverno”.

O Presidente do Japão, Shinzo Abe, visitou Donald Trump no mesmo resort em Fevereiro passado, tendo ambos jogado golfe, num ambiente propício à criação de laços pessoais que Trump considera serem importantes.

Xi não deverá, no entanto, alinhar em partidas de golfe.

O Partido Comunista Chinês considera a modalidade um desporto “burguês” e adoptou várias medidas para travar a sua expansão na China, parte de uma campanha anti-corrupção que puniu mais de um milhão de funcionários do Governo.

O carácter informal do resort de Mar-a-Lago permite a Trump receber o líder chinês sem as cerimónias habituais de uma visita de Estado.

Fontes diplomáticas em Pequim, citadas pela agência France-Presse, referem que os encontros irão ter como objectivo inicial permitir aos dois líderes conhecerem-se melhor, reservando questões sensíveis para reuniões posteriores.

31 Mar 2017

Empresa de genro de Trump cancela negociações com chineses 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] família de Jared Kushner, genro e assessor de Donald Trump, anunciou esta quarta-feira o cancelamento das conversações com o conglomerado chinês Anbang sobre uma das suas propriedades na Quinta Avenida, em Nova Iorque, que suscitaram críticas no Congresso.

“As Kushner Companies já não estão a negociar com o Anbang a possível remodelação do edifício 666 da Quinta Avenida. As nossas empresas decidiram, por comum acordo, acabar com as conversações relativas à propriedade”, conforme um comunicado da empresa.

O cancelamento das conversações entre as empresas de Kushner e a Anbang acontece depois de vários congressistas terem exprimido preocupação pelas relações da empresa chinesa com os dirigentes de Pequim, o que representaria um conflito de interesses por Jared Kushner ser genro e assessor do Presidente dos EUA.

Cinco congressistas tinham enviado uma carta a um advogado da Casa Branca para pedir informação sobre o que descreveram como uma “transacção muito preocupante” entre as Kushner Companies e a Anbang.

Os congressistas citaram informação segundo a qual as Kushner Companies obteriam um ganho de 400 milhões de dólares em ganhos com a operação imobiliária.

Adiantaram também que Kushner e o presidente da Anbang, Wu Xiaohui, se reuniram em Novembro, depois da vitória eleitoral de Trump, mas que a Casa Branca não divulgou informação sobre os resultados da mesma.

O genro de Trump parece estar em dificuldades para conseguir rentabilizar o 666 da Quinta Avenida, que tem 30% dos escritórios desocupados e uma dívida acumulada 1,2 mil milhões de dólares.

No comunicado de hoje, as Kushner Companies não deram qualquer explicação para o cancelamento das conversações com o conglomerado chinês, que tão pouco quis comentar o assunto.

O Anbang possui o conhecido hotel nova-iorquino Waldorf Astoria, que comprou em 2014 por 1,95 mil milhões de dólares.

Na segunda-feira, a Casa Branca anunciou que Kushner vai dirigir um novo serviço na estrutura governamental, designado Gabinete de Inovação, cuja tarefa vai ser a aplicação de ideias empresariais ao funcionamento do governo federal.

31 Mar 2017

Nuno Rogeiro, analista de política internacional: “Macau tem evoluído num caminho delicado”

Com um novo livro nas bancas, “O Pacto Donald”, sobre a ascensão do fenómeno Trump, Nuno Rogeiro regressa às publicações. Uma presença assídua na emissão da SIC há anos, assim como em colunas de muitos jornais, tem sido uma voz incontornável em matérias de política internacional. Deu uma volta ao mundo com o HM, sobre algumas das crises que têm marcado a actualidade

[dropcap]C[/dropcap]om a confusão permanente em Washington, acha que o “impeachment” de Donald Trump é uma realidade incontornável?
A impugnação do Presidente só se pode fazer por vontade do Congresso e com base em delitos praticados no exercício das funções presidenciais. Ainda não vimos a conjunção desses factores, mas é verdade que havia boatos de “impeachment” ainda antes de Trump tomar posse e, portanto, ainda antes de ser “impugnável”.

Escreveu um livro, “O Pacto Donald”, sobre a ascensão do fenómeno Trump. O que nos pode dizer sobre esta obra?
O livro foi um pesado fardo, mas tinha de ser feito. Trata-se de averiguar se o famoso “Novo Contrato com a América”, um programa de dezenas de pontos, anunciado por Donald Trump enquanto candidato, em Gettysburg, é mesmo um pacto de mudança, ou uma simples fraude. O livro começou a ser pensado em Janeiro de 2016, quando se desenhou a importância política de Trump no sistema americano, ganhasse ou perdesse as primárias e as nacionais. Foi, portanto, um trabalho intenso que se tornou ainda maior a partir de Setembro-Outubro de 2016 e, sobretudo, durante os meses de Dezembro e Janeiro. Em quase 500 páginas, o livro trata de muitos temas: o processo eleitoral de 2016, seus incidentes e consequências, o papel das sondagens, dos media e das minorias (com uma história pouco conhecida sobre a escravatura nos EUA, que surpreenderá muitos). Explica o federalismo eleitoral e as razões da sua não substituição por um sistema de sufrágio unitário nacional, a história do populismo, da demagogia e dos insultos nas campanhas, desde o século XVIII, a possibilidade de resistência ao trumpismo, possíveis líderes dessa revolta e formas da mesma, uma reflexão histórica sobre o papel da violência política na história dos Estados Unidos. Também faço uma análise das razões das perdas e ganhos de Clinton e Trump, contada através de dezenas de testemunhos dos seus planeadores e estrategos, uma análise sobre as promessas de Trump e uma parte, de cerca de 120 páginas, só sobre a nova equipa governativa e os seus planos de política externa, de segurança e defesa.

Quais as suas principais preocupações quanto ao efeito Trump no plano geopolítico mundial?
A preocupação de uma guerra comercial sem limites, com países como a China ou o México, o que parece algo afastado com as nomeações no Departamento de Estado, e a preocupação do afastamento ou desinteresse dos assuntos europeus e da NATO, o que parece também afastado, depois das declarações solenes do vice-Presidente Pence e do Secretário da Defesa James Mattis, na Conferência de Segurança de Munique. Mas há outras preocupações desligadas do “efeito Trump” e que se prendem com a gestão de crises herdadas: a Síria, as relações entre a Rússia e a Ucrânia e, sobretudo, o papel da Coreia do Norte na (in)segurança asiática.

Como vê o futuro da Aliança Atlântica com os Estados Unidos a assumirem uma postura isolacionista?
Como disse antes, o isolacionismo americano face à NATO, apesar de temido, tem sido desmentido em palavras e actos. Palavras, pelo que já disse, actos pelo envio, desde Janeiro, de muitos contingentes americanos para as repúblicas bálticas e Polónia, em exercícios militares mesmo em frente do território da federação russa. Por outro lado, Washington quer que os europeus contribuam mais para a NATO, e isto está a provocar dois fenómenos: o aumento dos orçamentos defesa, da Alemanha à Polónia, mas também o aumento de planos europeus para a construção de uma defesa autónoma, com meios estratégicos que até agora faltavam.

Passando agora para a Europa. As sondagens dizem que Le Pen não ganha na segunda volta, apesar de ter boas hipóteses de vencer a primeira. Como perspectiva este embate eleitoral?
Em França, a tragédia é a de poder ter na segunda volta candidatos com problemas judiciais. Ou seja, depois da política, a criminalização. Acho quase impossível Le Pen não passar à segunda volta, e quase impossível que ganhe a segunda volta. Macron ou Fillon serão, em circunstâncias normais, os vencedores finais. Mas França ainda não vive circunstâncias normais.

Qual o perigo do crescimento da Frente Nacional para a coesão da UE?
A FN é um dos rostos do populismo e o populismo é sinónimo de disfunção na representação política. Daí que todos os avanços populistas obriguem os representantes políticos “tradicionais” a mudar de vida e de discurso. Na Holanda, por exemplo, o primeiro-ministro Mark Rutte compreendeu o problema, e tomou, face ao desejo turco de campanha ministerial pelo referendo, uma posição “populista”. Aliás, Rutte disse, na noite eleitoral, que com o senhor Wilders tinha sido derrotado o “mau populismo”. O que quer dizer que há um “bom”.

Com vários movimentos populistas anti-integração europeia a ganhar protagonismo, e face à inacção institucional de Bruxelas, como perspectiva o futuro da União Europeia? Teme mais algum “exit”?
A União Europeia é uma construção permanente, uma promessa permanente e uma crise permanente. Por enquanto, consegue dar aos seus cidadãos paz, prosperidade e desenvolvimento. A questão é a de saber o que acontecerá, quando deixar de dar tudo isto. Nesse sentido, o problema da imigração é apenas mais um teste. Que não poder ser minimizado, mas que não é o único problema.

No plano chinês, todos os sinais indicam consolidação de poder e afastamento de possíveis vozes contrárias a Xi Jinping. Acha que o secretário-geral do Partido Comunista Chinês se manterá no poder?
Não se vê alternativa em Pequim a não ser a via institucional. Mas poderão crescer, dentro dessa via central, interpretações diferentes.

Como perspectiva a continuidade de uma veia militarista, que se tem fortalecido, em Pequim?
A China quer ter um poder militar que corresponda, ao menos em parte, às suas capacidades e responsabilidades globais. Mas não vejo que esse poder militar possa, num futuro próximo, ter verdadeiramente uma capacidade global. E, na sua esfera imediata, cresce ao mesmo tempo que se desenvolve um rearmamento defensivo do Japão.

O que acha que pode sair do futuro encontro entre Xi Jinping e Donald Trump que, provavelmente, acontecerá à margem da próxima cimeira do G20?
Prevejo a promessa de um novo diálogo, em bases mais realistas, em que o problema de Taiwan, que parecia enorme, fica minimizado.

Como vê o progressivo afastamento da Turquia em relação à União Europeia e ao Ocidente em geral?
Com extrema preocupação. A Turquia é o cartão-de-visita da Europa no Médio Oriente, e a porta que filtra todos os movimentos de estabilização e desestabilização dessa área. Há uma Turquia que vive fora da UE e outra que vive dentro, com largas massas de migrantes, geralmente bem integrados (na Alemanha, no Benelux, na França e Polónia, etc.). Portanto, a UE tem de desejar que a Turquia deixe de ser o “doente da Europa”, como se dizia na expressão novecentista, e passe a ser outra vez um parceiro saudável. Mas a Turquia tem de fazer por isso.

Entretanto, a Coreia do Norte aprofunda o isolacionismo internacional.
A morte do meio-irmão do líder norte-coreano preocupa-me, porque mostra a facilidade de trânsito internacional de matérias perigosas, preparadas em laboratórios militares, e destinadas a ataques cirúrgicos. Se o rasto do crime for até Pyongyang, e se ficar confirmado que se trata de uma tentativa norte-coreana de punir um alegado circuito de ajuda a dissidentes (o Grupo de Defesa Civil de Cheollima), entramos numa nova era de instabilidade regional, onde a China terá o grande ónus de intervenção correctiva. Exercê-lo-á?

E no plano da leitura, o que tem lido?
Estou a reler o “Silêncio”, do clássico Endo, e outras obras do mesmo sobre cristãos clandestinos. A história da adaptação de “Silêncio” ao ecrã, pelo Martin Scorsese, começa, claro, em Macau.

O que conhece da realidade política de Macau?
Como vou com alguma frequência a Macau, conheço o panorama político e a sua evolução desde o fim da administração portuguesa. Acho que a RAEM tem conseguido evoluir num caminho delicado entre autonomia política, económica e de organização social, manutenção de alguns laços com o mundo lusófono (a sede do Fórum CPLP-China em Macau não é um acaso, é um projecto estratégico relevantíssimo) e reconhecimento das evidências históricas e geográficas de relação com a China. Podia desejar-se mais dinamismo dos media, da sociedade civil e da classe política, por comparação com Hong Kong, mas é uma situação peculiar, diferente, que tem a sua própria lógica. Por outro lado, sempre que vou a Macau não cesso de me fascinar com o produto de contactos seculares entre dois mundos tão diferentes como o português e o chinês que, mesmo assim, conseguiram conviver sem se destruírem, apesar dos momentos de incompreensão, tensão e conflito aberto. Teve aqui grande importância a vontade, o talento e o bom senso de um punhado de portugueses e chineses que souberam conduzir de forma saudável um processo que, noutros cantos do mundo, teria redundado em desastre.

28 Mar 2017

A incontida gestão da raiva

“Donald Trump’s US election win is America’s Brexit – voted for by people angry with the status quo.”
Daily Mirror, 09 NOV 2016 – Jack Blanchard

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e tivermos de expressar em uma frase a grande característica da psicopolítica da actual situação mundial, deve soar como a da entrada em uma era com uma visão do mundo, sem sinais de gestão da ira. A raiva é a chave para compreender e descrever a psicologia política do mundo, após o fim do comunismo e da era bipolar. A partir da ira de Aquiles, o mundo nunca soube gerir a energia da raiva na história. O termo grego “thymos” significa a vontade, o desejo, luxúria e ira. O “thymos” é o motor das acções do herói homérico. Mais tarde, torna-se a sede da aspiração de reconhecimento, e a falta de reconhecimento desperta a raiva e com as religiões monoteístas o património é impelido na outra vida, onde vai realizar a justiça divina.

O ressentimento terreno será satisfeito no final dos tempos. A situação muda completamente com a Revolução Francesa. A possibilidade de igualdade mudou-se para um mundo futuro, que é a base da “thymotica” dos oprimidos. O líder do partido e da militância revolucionária marcou a acumulação da ira até ao colapso da União Soviética. O mundo actual é um sistema pós-histórico em que desapareceram os pontos tradicionais de gestão da ira e das energias “thymoticas”. Foi a raiva mal gerida que permitiu a vitória de Donald Trump e o sucesso dos movimentos populistas e de extrema-direita e dos seus líderes.

Os novos tempos exigem paciência aos cidadãos globais e humildade aos economistas. Ambas as qualidades são necessárias porque a incerteza que reina desde Setembro de 2008 acentuou-se, embora não tenha atingido os níveis críticos desse tempo. O presidente americano surpreendeu ao concentrar a sua enorme energia sobre a questão dos imigrantes, e em menor medida, na agenda de protecção às indústrias do país e a última das muitas das suas ameaças, foi a da aplicação de uma taxa alfandegária de 20 por cento às importações, especialmente as provenientes do México, bem como a suspensão por sessenta dias das importações de limões tucumanos, que o ex-presidente Obama, depois de mais de quinze anos de proibição, tinha aprovado e, finalmente, a acusação à Alemanha de manter o euro subvalorizado.

O presidente americano, surpreendentemente, acusou a Alemanha, que durante a presidência de Trichet no Banco Central Europeu, apoiou as políticas monetárias que levaram o euro ao recorde de 1,60 dólares americanos e, por outro lado, não mostrou qualquer contentamento com as políticas do actual presidente Mario Draghi, de emissão monetária e taxas de juro de zero por cento e inclusive negativas. Tudo evidencia que o presidente americano ignora as questões básicas da economia, mas mais preocupante é que da mesma doença padecem os seus principais colaboradores, sendo as suas intervenções marcadas pela ausência de políticas detalhadas, por outro lado, fazem referências às insistentes promessas eleitorais, entre elas, as de baixar impostos aos mais ricos e ambiciosos planos de infra-estruturas.

É muito cedo para prever qual dos cenários acabará por prevalecer na malfada política do presidente americano cuja ignorância pelos assuntos de Estado raia o absurdo e das suas tresloucadas decisões. Os três cenários perceptíveis continham uma tendência ao proteccionismo, o aumento do deficit fiscal e a consequente queda dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos. O primeiro cenário seria acompanhado por um rápido aumento nas taxas da Reserva Federal, valorização do dólar, maior crescimento, fuga de capitais dos países emergentes, um pouco mais de inflação e, por fim, uma queda nos preços das matérias-primas à excepção do ouro. Seria, mas não necessariamente, a perspectiva negativa e dramática para os países emergentes.

O segundo cenário é semelhante ao primeiro mas mais acentuado. O mundo viveu entre 1979 e 1981 um tempo delicado, quando a inflação nos Estados Unidos foi superior a 13 por cento, os rendimentos dos títulos chegaram a cair 16 por cento e a taxa da Reserva Federal foi de 20 por cento, tendo levado ao super dólar do presidente Donald Reagan, e que se traduziu numa década perdida para os países emergentes, sobretudo, na América do Sul com incumprimento financeiro de muitos países. Este cenário é de considerar como o menos provável.

O terceiro cenário é quase o oposto do primeiro e assemelha-se ao acontecido entre 2004 e a crise de 2008, com o dólar no seu mínimo histórico e as matérias-primas a preços recordes, apesar de uma subida sustentada das taxas da Reserva Federal até ao máximo de 5 por cento, com a consequente subida dos rendimentos dos títulos do Tesouro e uma inflação do índice de preços ao consumidor, que atingiu um máximo de 3,8 por cento em 2008. Este seria o melhor cenário para os países emergentes e parece ser o mais provável. Existem alguns sinais desde as eleições americanas.

Os mercados financeiros, em especial os bolsistas, são tanto ou mais optimistas que antes do triunfo do de Donald Trump, pois prevalece uma expectativa de crescimento da economia global, que se reflecte também na subida dos preços dos seus activos e das matérias-primas, e que não sofreu interferência até ao momento por uma moderada valorização do dólar, com excepção do peso mexicano que foi a moeda que mais se depreciou. Os indícios favoráveis ao primeiro cenário, prevaleceram nas semanas seguintes às eleições americanas, sobretudo pela subida dos rendimentos dos títulos do Tesouro, a valorização do dólar, um aumento do risco dos países emergentes e matérias-primas mais baratas, à excepção do cobre, devido ao suposto plano de infra-estruturas de Donald Trump e do petróleo pela OPEP.

As valorizações do dólar e os rendimentos dos títulos do Tesouro, em contraste, no último mês de Dezembro de 2016, retrocederam, tendo ganho as matérias-primas e as bolsas e diminuído o risco emergente, apresentando uma maior semelhança com o terceiro cenário, considerado como sendo sem margem para dúvidas, o melhor para os países emergentes. Isto deve-se também ao facto de se poder observar como mais factível uma economia americana com maior inflação, não esquecendo que o desemprego é de apenas 4.8 por cento, e os aumentos do deficit e da dívida pública.

O valor internacional do dólar dependerá em parte de um provável braço de ferro entre a Reserva Federal que quererá subir mais rapidamente as taxas e o presidente Trump que quer um dólar fraco. Pelo que se continuará a assistir a uma situação complexa, mas que não é de alto risco para os países emergentes. Assim se observa, por exemplo, a colocação bem sucedida de títulos da dívida pública, na solidez dos preços da soja e da tendência de recuperação do Brasil, incluindo a valorização do real.

O discurso do presidente Donald Trump no Congresso a 28 de Fevereiro de 2017, impressionou favoravelmente a quem o questionava pelo seu tom moderado e conciliador, mas desencantou os que esperavam detalhes sobre a anunciada reforma impositiva ou o grande plano de obras públicas que iria pôr em prática. Foi num tom muito contido e distinto do primeiro discurso no Congresso, pronunciado a 20 de Janeiro de 2017. Inclusivamente apelou à unidade política e assinalou a urgência de substituir com uma lei, o “Obamacare”, que tem grandes fissuras, e para os seus opositores foi gratificante ver a mudança de atitude, ainda que se mantenham preventivamente atentos, de que rapidamente aparecerá o Donald Trump de sempre.

Os seus seguidores aplaudiram-no como um estadista. O poder financeiro e económico do país que tinha grandes expectativas quanto à prometida orientação económica sentiram-se defraudados pela falta de anúncio de medidas reais. Foi um discurso civilizado, tranquilo, sem os usuais ataques brutais. Poderá mesmo existir a possibilidade de uma pequena mudança em algumas das matérias mais sensíveis, tendo sugerido que poderia existir um novo regime legal para os indocumentados, ao invés de os deportar a todos do país, sem vacilar.

Mas há que esperar para saber se é apenas uma simples artimanha ou uma verdadeira mudança. A nova atitude não é ainda o bastante para que seus opositores acreditem, em especial os milhões de pessoas que se sentem ameaçadas pelas políticas que se cansou de anunciar, durante a campanha eleitoral e nas primeiras semanas como inquilino da Casa Branca. Se analisarmos bem, o conteúdo do discurso foi o mesmo de sempre, revestido de cuidadas expressões para não soar como mais uma intimidação. Todavia é certo que houve uma aberta condenação do anti-semitismo e um chamado à unidade política. Este inesperado ramo de oliveira alcançou também os aliados e organizações que antes tinham sido colocados no pelourinho.

Acerca da NATO assegurou que esse pacto militar, que foi forjado com a guerra mundial e através da Guerra Fria, derrotou o comunismo, aclarando que os parceiros deste selecto grupo deveriam cumprir com as suas obrigações financeiras, quase abrindo um conflito diplomático com a Alemanha, ao exigir os pagamentos que esta deve aos Estados Unidos, pelas obrigações no quadro da Organização. Todavia, declarou que os Estados Unidos estavam dispostos a liderar novamente a Organização. Mas existiu uma ideia digna de realçar, que é facto de não querer liderar o mundo livre, como afirmavam os anteriores presidentes, pois afirmou que o seu trabalho, era apenas o de representar os Estados Unidos, o que ajudou a acalmar os ânimos nas fileiras republicanas, alarmadas pelo caótico movimento da Casa Branca, durante os primeiros quarenta dias de mandato.

A impressão que deixou nesse discurso é que Donald Trump amadureceu, e que a sua intervenção no Congresso, foi mais presidencial e menos recheada de manhas de um político difícil de classificar, como se a intenção fosse atrair para a sua órbita os sectores mais moderados. O discurso foi mais sóbrio, até surpreender, mas não houve revelações relevantes nem sequer insinuou intenções sobre o que realmente pensa fazer no futuro.

Tal como disse um senador democrata, chegou-se a um ponto, onde o discurso presidencial é um êxito, porque quem o pronuncia nada disse de embaraçoso ou abertamente ofensivo. O presidente Trump, em matéria de política externa não mencionou a China ou a Rússia, ainda que tenha ratificado as metas proteccionistas prometidas na sua campanha eleitoral.

28 Mar 2017

NATO | Alemanha responde a Trump: “Não há dívida nenhuma”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]penas um dia depois do encontro entre Angela Merkel e Donald Trump, os dois países já trocam acusações. O Presidente norte-americano escreveu já este domingo que a Alemanha “deve vastas somas de dinheiro” à NATO e aos EUA, e não ficou sem resposta. Poucas horas depois das declarações de Trump na rede social Twitter, a ministra alemã da Defesa, Ursula von der Leyen, disse que “não há nenhuma dívida à NATO”.

Além de negar a dívida apontada por Trump, Leyen explicou que o objectivo dos membros da Aliança Atlântica de gastar 2% do PIB até 2023 em defesa não se traduzia apenas nas contribuições para a NATO. “As despesas com defesa vão também para missões de paz da ONU, nas nossas missões europeias e na nossa contribuição na luta como o terrorismo”, disse em comunicado.

De acordo com a Reuters, a despesa da Alemanha com Defesa aumentará para os 38,5 mil milhões de euros em 2018, o que representa 1,26% do PIB. E Merkel, no encontro que teve com Donald Trump, prometeu aumentar a fatia para os 2% que estão apenas previstos serem atingidos pelos estados signatários do Tratado do Atlântico Norte em 2024.

Outros comentários

A ministra alemã não foi a única a “explicar” a Donald Trump como funciona a NATO. O antigo embaixador dos EUA na NATO, Ivo Daalder, expôs os erros de interpretação do Presidente numa série de tweets. O diplomata diz que “não é assim que as coisas funcionam”, explicando que cada país decide o que paga, sendo que está acordado que o objectivo é que contribuam com 2% do PIB.

Daalder acrescenta que a Alemanha não deve nada aos EUA, porque o financiamento à NATO não é um financiamento aos Estados Unidos e cada contribuição que os países fazem não é para a segurança própria, mas para o bem comum. “Combatemos duas Guerras Mundiais na Europa e uma Guerra Fria. Manter a Europa inteira, livre e em paz é vital para os interesses dos EUA”, escreveu.

20 Mar 2017

Concedida aprovação preliminar a 38 marcas do grupo Trump

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China concedeu aprovação preliminar a 38 marcas do grupo Trump, suscitando preocupações de que o Presidente norte-americano, Donald Trump, esteja a receber tratamento especial do Governo chinês, no que constituiria um conflito de interesses.

O registo daquelas marcas permite ao grupo Trump abrir spas, casas de massagens, clubes de golfe, hotéis e até serviços privados de segurança.

Os advogados de Trump na China solicitaram o registo da marca em Abril de 2016, enquanto o magnata atacava, em comícios políticos, o país asiático por manipulação da moeda e tirar postos de trabalho aos Estados Unidos.

Os críticos dizem que os interesses globais de propriedade intelectual de Trump poderão ser usados por países estrangeiros como forma de o influenciar.

Além disso, violam a cláusula da Constituição norte-americana que proíbe os funcionários públicos de aceitarem presentes de valor de governos estrangeiros, a não ser quando aprovado pelo Congresso.

Trump disse que não fará negócios com o exterior enquanto estiver na Casa Branca.

A Administração de Marcas da China publicou a aprovação provisória esta semana e, se não houver objecções, as marcas serão formalmente registadas ao fim de noventa dias.

Em Fevereiro passado, o país asiático concedeu ao Presidente dos Estados Unidos o uso comercial do seu próprio nome para serviços no sector da construção.

Custou mas foi

O registo estava pendente há mais de uma década e ocorreu após várias tentativas falhadas de assegurar os direitos sob o seu nome.

Na China, os tribunais estão subordinados ao poder político, que está concentrado no Partido Comunista, partido único no poder.

Alan Garten, director jurídico da Organização Trump, afirmou que o grupo tem vindo a reforçar os seus direitos de propriedade intelectual na China desde há mais de dez anos e que registou a sua marca para o sector imobiliário muito antes do magnata anunciar a sua candidatura.

“A conclusão recente do processo de registo é o resultado natural desses esforços constantes e empenhados”, disse.

“Qualquer sugestão contrária demonstra um completo desprezo pelos factos, assim como uma falta de entendimento sobre as leis internacionais de registo de marcas”, acrescentou, citado pela AP.

No entanto, Richard Painter, chefe da Casa Branca para questões de ética durante o mandato de George W. Bush, considera que o volume de novas aprovações pelas autoridades chinesas é motivo de alerta.

“O registo de uma patente, marca ou direitos de autor por um Governo estrangeiro não é, à partida, inconstitucional, mas com tantos registos a serem concedidos dentro de um período tão curto de tempo, a questão é se não existirá uma ingerência em pelo menos alguns deles”, afirmou.

10 Mar 2017

Perspectiva | Reunião entre Donald Trump e Xi Jinping à vista

Os avanços e recuos nas relações entre Estados Unidos e China vão conhecer um novo episódio: o encontro, frente-a-frente, entre os dois líderes. Desde as primárias republicanas, Trump tem abalado a estabilidade diplomática entre as duas potências. Os líderes devem encontrar-se em Julho, à margem da cimeira do G20 de Hamburgo

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]isualize este número: 1,12 biliões de dólares. Damos uma ajuda, são 12 zeros. Esta é a soma no pano de fundo das relações sino-americanas. Trata-se da dúvida soberana norte-americana que Pequim detém, isto depois de vender grande parte desses títulos de dívida para fortalecer o yuan em tempo de desaceleração do crescimento económico. Os dados são da Secretaria do Tesouro, demonstrando que a China já não é a maior detentora de dívida americana, tendo sido ultrapassada pelo Japão.

Esta pedra no sapato de Washington é um dos factores que deve ser tido em conta com a chegada de Donald Trump à Casa Branca. O homem que quer renegociar tudo, para que a América volte a ser grande, não tem parado de falar na China desde as primárias republicanas, quase sempre de forma pouco diplomática e descuidada. Pois bem, avista-se um encontro com Xi Jinping à margem da próxima cimeira do G20, a realizar-se em Hamburgo no próximo mês de Julho, de acordo com fontes citadas pelo South China Morning Post.

Ao longo dos anos, Pequim tem financiado Washington com somas exorbitantes de dinheiro, naquilo que poderá ser o maior elefante na sala do mundo da economia política mundial. Usando outra analogia elefantina, quando Donald Trump entra na loja de porcelana da geopolítica, começa a partir a loiça toda. Nomeadamente, pondo em causa a política “uma só China”, no que diz respeito a Taiwan, mas também acusando Pequim de manipulação de moeda. Aliás, há dias, o magnata nova-iorquino rotulou os chineses de “campeões mundiais de manipulação cambial”, em declarações prestadas à Reuters. Esta alegação surge depois da Administração norte-americana ter tentando apaziguar as relações entre as duas maiores potenciais económicas mundiais. Em mais uma demonstração de incoerência, é de salientar que, escassas horas antes, o novo Secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, afirmara que a Casa Branca não tinha planos para rotular a China como um país que manipula moeda.

Frente-a-frente

Também na questão de Taiwan, Trump voltou atrás na aproximação à histórica pedra no sapato da diplomacia chinesa. Depois de colocar em causa a política “uma só China” múltiplas vezes, numa chamada com Xi Jinping, o Presidente norte-americano inverteu marcha e garantiu continuar a política seguida por Washington na questão formosina. Na sequência da chamada, o Presidente chinês terá dito que “os dois países estão totalmente aptos a tornarem-se bons parceiros”, de acordo com a agência Xinhua.

A maior constância de Donald Trump tem sido a inconstância. Nesse aspecto, torna-se urgente uma reunião entre os dois líderes, sem tweets incendiários pelo meio. “Pequim tem mantido contactos com a equipa de Trump sobre a possibilidade de uma reunião bilateral e Washington tem expressado opiniões semelhantes”, revela fonte citada pelo South China Morning Post.

No entanto, a incerteza é um dos traços da administração Trump, que tem revelado grande cepticismo, mesmo algum desdém, em relação a reuniões multinacionais. O isolacionismo tem sido uma imagem de marca da permanente campanha da nova Administração, profundamente marcada pela presença próxima de Steve Bannon.

O vice-presidente do Instituto de Relações Internacionais Chinesas, Yuan Peng, afirmou ao South China Morning Post que um encontro entre os líderes é essencial para mudar o tom e o rumo da relação entre Pequim e Washington. O analista disse mesmo “tratar-se de uma urgência para que os países possam trabalhar no futuro próximo”.

Do outro lado do espectro, James Woolsey, antigo director da CIA e ex-conselheiro de Trump em matérias de segurança nacional, aponta o mesmo caminho, dando a ideia de que quanto mais cedo a reunião acontecer, melhor. “A chave é não deixar a retórica azedar as relações entre os dois países, para se começar a trabalhar de imediato”, comentou ao matutino de Hong Kong. É de salientar que Woolsey se demitiu por discordar das declarações do Presidente acerca dos serviços secretos norte-americanos.

Visita a Washington

Trump tem reiterado a ideia de que nos negócios é importante a relação pessoal, o confronto cara a cara. Tal como no reino animal, quando dois machos alfa se encontram o embate pode resultar em cooperação ou sangue. Nesse sentido, Gal Luft, director do americano Instituto de Análise à Segurança Global, uma organização norte-americana, afirma que é fundamental os líderes “estabelecerem ligações pessoais, conhecerem-se”. O analista acrescenta que a “química pessoal que emergirá, ou não, poderá ditar a relação entre os dois países”.

A coincidir com o 45.º aniversário da histórica visita de Richard Nixon à China, que marcou a normalização das relações diplomáticas entre os dois países, Pequim enviou o seu diplomata n.º 1, Yang Jiechi, a Washington.

O conselheiro de Estado chinês estará hoje em reuniões com as contrapartes norte-americanas, diz um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Xinhua. De acordo com uma fonte ligada ao Partido Comunista Chinês (PCC), citada pela agência oficial, o assunto no topo da agenda será a discussão da altura para a primeira reunião entre os dois presidentes. Outro dos pontos na ordem de trabalhos será a situação na Coreia do Norte. Neste aspecto, as dúvidas também se mantêm, uma vez que o Presidente norte-americano repetiu, várias vezes, que usaria a questão de Taiwan para renegociar a posição chinesa em relação a Pyongyang.

No caso de Donald Trump seguir a via do isolacionismo e não comparecer em Hamburgo, uma hipótese bem possível para o encontro com Xi Jinping é a próxima reunião da APEC, a cimeira de Cooperação Económica da Ásia-Pacífico, a realizar-se no Vietname. Também é possível que a visita de Yang Jiechi resulte num encontro fora de reuniões multinacionais.

Aperto de mão

Para Xi Jinping, uma reunião com Donald Trump em Julho reveste-se de um significado especial, uma vez que o líder chinês tem razões para sentir alguma ansiedade em estabilizar as relações entre as duas potências antes da reunião do congresso do PCC, em Outono. A normalização das relações com Washington é um trunfo que o actual líder chinês, por certo, gostaria de levar para o encontro em Pequim que definirá a liderança chinesa.

Entretanto, já se especula sobre o que dirá nas entrelinhas o primeiro aperto de mão entre Trump e Xi Jinping. Depois do excesso de análise do cumprimento do magnata nova-iorquino ao primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, e ao primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, já muito se especula sobre as conclusões a tirar na forma como Xi Jinping saudará Trump.

Apesar dos apertos de mão vigorosos do Presidente norte-americano, no plano geopolítico vingam as questões económicas, militares e diplomáticas. Neste capítulo, Pequim tem tido a tarefa ingrata de tentar chegar à comunicação com uma Administração que responde de forma inconsistente e errática em matérias demasiado sensíveis.

Para o vice-presidente do Instituto de Relações Internacionais Chinesas, Yuan Peng, a pior incerteza é não saber com quem contactar em Washington e como, atendendo a que Donald Trump tem demonstrado pouco interesse em usar os típicos canais diplomáticos. “E se acontece algo, uma urgência, quem contactamos?”, interroga-se Yuan Peng. A questão ganha outra dimensão com o uso descuidado de Donald Trump das redes sociais, onde não se coíbe de improvisar sobre matérias sensíveis sem qualquer apoio de consultores, nomeadamente, enquanto assiste a programas da Fox News.

Até a reunião se realizar, tudo pode acontecer, com o mundo em suspenso, aguardando as cenas dos próximos capítulos.

28 Fev 2017

Pequim concede a Trump registo da sua marca ao fim de dez anos

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China concedeu esta semana ao Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o uso comercial do seu próprio nome, ao permitir o registo da sua marca por um período de dez anos para serviços no sector da construção. O registo foi anunciado na terça-feira, através do ‘site’ da Administração de Marcas da China. Só no país asiático, Donald Trump tem 49 pedidos pendentes para registo de marcas e 77 que já estão registadas em seu nome, cuja maioria terá de ser renovada ainda durante o seu mandato.
Os críticos dizem que os interesses globais de propriedade intelectual de Trump poderão ser usados por países estrangeiros como forma de o influenciar. Além disso, violam a cláusula da Constituição norte-americana que proíbe os funcionários públicos de aceitar presentes de valor de governos estrangeiros, a não ser quando aprovado pelo Congresso.
Na China, os tribunais estão subordinados ao poder político, que está concentrado no Partido Comunista.

Uma questão de ética

O registo, concluído esta semana, estava pendente há mais de uma década, e ocorre após várias tentativas falhadas de assegurar os direitos sob o seu nome, até então detidos por um homem chamado Dong Wei.
Qualquer tratamento especial por parte da China significaria que Trump efectivamente aceitou presentes de Pequim, uma acção que viola a Constituição, afirmou Richard Painter, chefe da Casa Branca para questões de ética durante o mandato de George W. Bush, citado pela Associated Press.
“Talvez houvesse uma conclusão diferente se Trump tivesse sido tratado como qualquer outra pessoa, mas as evidências não apontam nesse sentido”.
Alan Garten, director jurídico da Organização Trump, afirmou que as operações de registo de marca de Trump são anteriores à sua eleição.
O magnata entregou a gestão da sua empresa aos filhos e a uma equipa de executivos, de forma a afastar-se dos seus negócios e do seu portefólio de marcas registadas, afirmou.

17 Fev 2017

China classifica como “muito boa” conversa entre Trump e Xi Jinping

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China classificou sexta-feira como “muito boa” a conversa entre o Presidente chinês, Xi Jinping, e o seu homólogo dos Estados Unidos, Donald Trump, agradecendo a decisão de Washington de se comprometer com a política “Uma só China”.

Em conferência de imprensa, o porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, Lu Kang, detalhou que ambos os mandatários falaram sobre comércio, investimento, infra-estruturas, ciência, tecnologia e cultura, sem avançar mais detalhes.

Após enviar na quinta-feira uma carta a Xi a desejar um bom Ano Novo Lunar, Trump falou por telefone com o líder chinês, tendo assegurado que respeitará a política “Uma só China”.

Aquele princípio é visto por Pequim como uma garantia de que Taiwan é parte do seu território e não uma entidade política soberana.

Depois de ser eleito, Donald Trump disse que iria reconsiderar aquele princípio, que Pequim impõe como a base nas relações diplomáticas com qualquer país, levando aos protestos da China.

O porta-voz chinês disse que os dois chefes de Estado esperam reunir-se “em breve”, sem detalhar a data desse encontro.

Antes de falar com o Presidente da China, Trump conversou com mais de dez líderes estrangeiros após tomar posse.

Lu Kang não precisou se Pequim pôs como condição que Trump reconhecesse o princípio “Uma só China” para que a chamada entre ambos se realizasse.

O porta-voz chinês rejeitou também confirmar se os dois líderes abordaram assuntos que motivam tensão entre ambos os países, como as disputas territoriais no Mar do Sul da China ou o sistema de mísseis THAAD, que os EUA vão instalar na Coreia do Sul.

“Os EUA estão plenamente conscientes da postura da China nesses assuntos”, afirmou Lu.

Outros detalhes

A agência oficial Xinhua difundiu mais detalhes do diálogo, destacando que Xi considerou que ambos os países “são totalmente capazes de se converterem em bons sócios”.

“A China reforçará a coordenação e a comunicação com os EUA em assuntos regionais e internacionais para salvaguardar conjuntamente a paz mundial e a estabilidade”, afirmou Xi, transmitindo a sua vontade de impulsionar uma cooperação “benéfica para ambas as partes”.

Segundo a Xinhua, Trump disse estar contente por poder falar com Xi por telefone e expressou a sua admiração pelo “histórico desenvolvimento” atingido pelo país asiático.

13 Fev 2017

Juiz do Supremo da China diz que Trump é “inimigo do primado da lei”

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m juiz da máxima instância judicial chinesa acusou o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de ser um “agressor” e um “inimigo do primado da lei”, depois de este ter atacado o sistema judicial norte-americano.

Trump referiu-se a James Robart como “alegado juiz”, após este ter suspendido o seu decreto que proibia temporariamente a entrada de refugiados e cidadãos de sete países muçulmanos nos EUA.

He Fan, do Tribunal Supremo da China, associou as críticas de Trump ao homicídio de um juiz na China no mês passado.

“O Presidente a criticar juízes e o bandido que mata juízes são ambos inimigos do primado da lei”, afirmou He, na sua página oficial no WeChat.

“Num país que se diz ser o mais democrático e respeitador do primado da lei, o Presidente liderar os ataques a um juiz faz dele nada mais do que um agressor sem dignidade”, afirmou.

Desde que Trump tomou posse no mês passado, a imprensa estatal chinesa tem criticado a “crise sistémica” das democracias ocidentais, realçando a superioridade do sistema autoritário de Pequim.

Princípios do sistema

Na China, o “papel dirigente” do Partido Comunista (PCC), que governa o país desde 1949, é um “princípio cardial”, estando o sistema judicial subordinado ao poder político.

Em Janeiro passado, o presidente do Supremo Tribunal Popular da China, Zhou Qiang, disse que os tribunais do país devem resistir à “ideologia errada” do ocidente, como a democracia constitucional, separação de poderes e independência do sistema judiciário.

Após ascender ao poder, em 2013, o Presidente chinês, Xi Jinping, anunciou uma reforma no sistema legal, visando garantir o primado da lei.

No entanto, o regime promoveu também uma campanha repressiva contra activistas pró-democracia e advogados que trabalham em casos considerados sensíveis para o Governo.

Os tribunais chineses têm uma taxa de condenação de 99,92%.

8 Fev 2017

Hipóteses | SCMP publica texto sobre possíveis ataques terroristas em Macau

 

O aviso é feito pelo South China Morning Post. O decreto de Donald Trump sobre pessoas oriundas de países islâmicos pode ter consequências para Macau. É que por cá há a combinação de interesses chineses, americanos e judeus. O jornal baseia-se nos receios de um consultor e num ataque de 2015

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] artigo tem como título “Porque é que a interdição de viagens de Trump coloca Macau e a Malásia na mira do Estado Islâmico” e assenta na teoria do regresso, ou seja, o jornal considera que militantes extremistas que estejam com as malas feitas para voltar a casa possam ser os autores de atentados mais perto do local de origem.

“A ordem executiva do Presidente dos Estados Unidos pode fazer com que os militantes islâmicos regressem aos seus países na Ásia, onde podem planear e tentar mais ataques”, escreve o South China Morning Post (SCMP), no seu suplemento sobre a Ásia.

A decisão de Donald Trump, muito contestada dentro e fora do país, visa cidadãos de sete países: Irão, Iraque, Síria, Iémen, Somália, Sudão e Líbia. “Existe a convicção generalizada de que a decisão de fechar as portas a estes cidadãos vai inflamar o sentimento antiamericano por todo o mundo”, aponta o diário de língua inglesa com maior expressão em Hong Kong.

A oposição ao político mais controverso a ocupar a Casa Branca alega que a interdição vai ter o efeito contrário e, em vez de tornar os norte-americanos mais seguros, “vai funcionar como um sargento de recruta para os grupos extremistas, como o Estado Islâmico e a al-Qaeda”.

Receios antigos

Apesar de o decreto de Trump não implicar cidadãos do Sudeste Asiático, o SCMP afirma que as autoridades regionais que pensam no contraterrorismo estão preocupadas com a possibilidade de o cerco feito ao Estado Islâmico resultar no alargamento da rede de terror a esta zona do mundo – bem como a outras –, com os militantes de grupos extremistas a regressarem a casa, à procura de um porto seguro.

No artigo citam-se declarações proferidas em Outubro do ano passado pelo representante do Gabinete das Nações Unidas para as Drogas e o Crime no Sudeste Asiático e Pacífico. Jeremy Douglas disse, então, em declarações ao This Week In Asia (um suplemento do SCMP), que a ameaça colocada por terroristas de regresso a casa era “real e iminente”. “A pressão militar crescente [no Estado Islâmico] na Síria e no Iraque deverá resultar num maior número de militantes a voltar, incluindo muitos que querem levar a cabo uma jihad violenta na região”, afirmou.

O gabinete liderado por Jeremy Doulgas estima que, na Síria e no Iraque, estejam a combater 516 indonésios, 100 filipinos, 100 malaios e dois cidadãos de Singapura. “Se apenas uma mão-cheia destes militantes regressar à terra natal, estes homens têm potencial para orquestrar ataques, tanto trabalhando em pequenas células, como agindo individualmente”, alerta o SCMP.

Sim, mas não

A este aviso seguiu-se outro, no mês passado: está a ser subestimada a hipótese de um ataque “espectacular” num alvo de relevo, o centro de jogo mais rico do mundo, Macau. O diário cita Steve Vickers, recordando que não foi a primeira vez que o consultor, a trabalhar a partir de Hong Kong, aventou a hipótese de haver terroristas a considerarem “um ataque espectacular a um alvo acessível como um centro comercial na Austrália ou um casino em Macau”.

Um relatório do mesmo consultor, publicado no ano passado, apontava que o sector do jogo de Macau “oferece um elo de interesses chineses, americanos e judeus que um grupo de terroristas pode considerar particularmente apelativo”. O jornal diz quem é quem: o magnata da Las Vegas Sands, Sheldon Adelson, e o dono da Wynn Resorts, Steve Wynn, são ambos judeus.

No relatório sobre os riscos de 2017, Steve Vickers reiterou as suas preocupações sobre Macau. “Um ameaça subestimada é o terrorismo. Macau representa uma aglomeração única de interesses chineses, americanos e judeus, com ligações às tríades, numa actividade que os islâmicos consideram pecaminosa. Pior, a cidade é vulnerável”, insistiu o consultor.

Fontes não identificadas do This Week in Asia disseram ao suplemento que, nos últimos meses, a segurança nas fronteiras de Macau foi reforçada em relação aos portadores de passaportes de países muçulmanos e aos visitantes que chegam das Filipinas.

Outra fonte indicou que o Aeroporto Internacional de Macau, que garante a ligação a vários pontos da região, é considerado “um elo fraco” no que toca à segurança do território.

É neste ponto que o jornal estabelece um paralelismo com um acontecimento em Singapura que data já de Agosto de 2015, e que considera tratar-se de “um aviso”. As autoridades da Indonésia detiveram seis homens suspeitos de estarem a preparar um ataque terrorista ao Marina Bay, onde está o resort integrado da Las Vegas Sands. Na altura, a polícia indicou que o grupo pretendia disparar rockets a partir de Batam, uma ilha indonésia do outro lado do Estreito de Singapura.

Os homens foram detidos depois de uma série de raides em vários locais, incluindo a um sítio onde foi encontrado o armamento. Faziam parte do grupo terrorista KGR@Katibah, que terá ajuda de um indonésio que foi para a Síria juntar-se ao Estado Islâmico. O suspeito terá estado envolvido no ataque que fez oito mortos no mês passado em Jacarta.

Regressando a Steve Vickers, para uma ressalva que o jornal só faz no final do texto: o consultor diz que as previsões de um ataque num alvo “espectacular” como Macau, na sequência do decreto de Donald Trump, podem ser “demasiado perigosas”.

O consultor, que trabalhou nos serviços secretos de Hong Kong, mantém as previsões que fez no mês passado, para dizer que “os terroristas atacam com frequência quando sentem que estão a ser ignorados”. Os acontecimentos recentes nos Estados Unidos “podem ser um impulso à máquina de relações públicas” dos terroristas.

7 Fev 2017

Reedições lamentáveis

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 31 de Janeiro o website “www.miamiherald.com” anunciava que “A interdição de Trump choca o mundo e dá origem a uma batalha legal”. Avançava ainda, “durante a campanha muitos dos eleitores que elegeram Trump apoiaram entusiasticamente o anúncio do cancelamento temporário da entrada em território americano de cidadãos oriundos de países muçulmanos, até implementação de um controlo de segurança das fronteiras mais rigoroso. Estes apoiantes afirmam que Trump provou ser um homem de palavra.”

Na sequência desta promessa Trump assinou uma ordem executiva a 27 de Janeiro, onde se afirmava, “… a suspensão do Programa de Admissão de Refugiados durante 120 dias e a interdição de entrada nos Estados Unidos de cidadãos oriundos de sete países predominantemente muçulmanos criou ondas de choque em todo o mundo, provocou reacções políticas internas e desencadeou manobras legais ao mais alto nível.

A interdição temporária de entrada nos EUA aplica-se a cidadãos do Iraque, Síria, Irão, Sudão, Líbia, Somália e Iémen. A ordem também determina a proibição por tempo indeterminado da entrada de refugiados sírios.

A súbita implementação desta ordem executiva trouxe perturbações tremendas a imensas pessoas em trânsito. Viajantes de todos os tipos, turistas, estudantes, imigrantes e residentes regressados de férias, ficaram retidos nos aeroportos à chegada aos Estados Unidos.”

A 30 de Janeiro, a mais alta representante do sistema jurídico americano, a Procuradora-Geral interina Sally Yates, apontada para o cargo pela Presidência Democrata, deu instruções ao Departamento de Justiça para que não se cumprisse a ordem executiva. Em carta dirigida a este Departamento, afirmava:

“Pelo que sei até agora, não estou convencida de que o apoio a esta ordem executiva seja compatível com as minhas responsabilidades e tenho dúvidas sobre a sua legalidade.”

Trump destituiu Yates e nomeou para o cargo um procurador federal, o veterano Dana J. Boente. Boente é o Procurador Geral do Distrito Leste da Virgínia. No próprio dia em que Yates tinha travado a ordem de Trump, 30 de Janeiro, Boente deu ordens ao Departamento de Justiça para a sua execução. Boente ocupará o cargo de Procurador Geral interinamente até à tomada de posse do Senador do Alabama, Jeff Sessions.

Os media apresentaram versões diferentes de Yates e da sua destituição.

“Ms. Yates, como muitos outros detentores de cargos oficiais, foi apanhada de surpresa pela ordem executiva e passou um fim de semana angustiado a tentar encontrar resposta adequada à situação, afirmaram dois membros do Departamento de Justiça. Ms. Yates considerou demitir-se, mas não quis deixar para o colega que lhe sucedesse a resolução deste dilema.”

“A ordem de Ms. Yates representou uma crítica significativa do representante de um dos mais altos cargos oficiais ao Presidente em funções e é, de certa forma, uma reedição do famoso caso que ficou conhecido como o “Massacre de sábado à noite”. Aconteceu em 1973, quando o Presidente Richard M. Nixon destituiu o Procurador Geral por este se ter recusado a despedir o advogado de acusação do caso Watergate.”

Enquanto Presidente, Trump tem poder absoluto para designar e destituir quem entender. Mas neste caso a destituição parece ser muito problemática.

No dia 31 de Janeiro Trump escreveu no Twitter:

“Os Democratas estão a retardar as designações para o meu Gabinete apenas por razões políticas. Não fazem mais nada senão obstruir. Queriam um Procurador Geral pró-Obama.”

E qual foi a reacção dos media americanos a estas declarações? Criticam sobretudo as novas políticas de imigração criadas por esta ordem executiva, a demissão de Yates é tratada como uma questão secundária. Se Trump tiver fortes razões para convencer a opinião pública de que agiu correctamente, no que diz respeito à emissão da ordem executiva e à demissão de Yates, então o caso fica encerrado. Mas como as novas políticas de imigração são questionáveis, então a ordem executiva e a destituição de Yates também o são. Até ao final de Janeiro Trump não tinha apresentado nenhum argumento válido, capaz de impedir muitos americanos de continuarem a contestar estas medidas.

Do ponto de vista duma relação laboral os patrões devem ter poder absoluto para despedir os empregados. Mas Yates alega que reagiu a uma ordem inconstitucional e ilegal que recebeu do “patrão”, o Presidente dos Estados Unidos. Não dar seguimento a uma ordem ilegal parece ser uma boa razão para não acatar as decisões dos patrões. Trump resolveu o conflito com a demissão de Yates e a sua substituição por Boente e a coisa parece ter funcionado porque não teve de prestar contas à opinião pública. Mas aqui não estamos só a falar de uma relação laboral, a demissão de um Procurador Geral dos Estados Unidos é obviamente uma questão política. A demissão termina o exercício da função, mas não acaba com o problema político. Esta é a grande diferença entre gerir uma empresa e gerir um País.   

Este assunto vai subir para análise do Supremo Tribunal e ficamos à espera da sua decisão quanto à legalidade da ordem executiva. Quando a resposta vier saberemos se Yates tinha ou não tinha razão para ter procedido como procedeu.

“Os peritos afirmam que a interdição gira em torno de questões fundamentais como a autoridade do Presidente no controlo de fronteiras e no facto de haver descriminação contra os muçulmanos. A Lei Federal confere ao Presidente o poder de impedir a entrada “de quaisquer estrangeiros” que “possam prejudicar os interesses dos Estados Unidos.” Mas a mesma lei proíbe a descriminação de imigrantes com base na nacionalidade ou no local de nascimento.”

A reacção de Yates deve merecer admiração. Não teve medo de perder a sua posição e defendeu a Lei, e este é precisamente o espírito que um Procurador Geral deve ter. A natureza da Lei não é o uso da força, mas sim o uso da verdade e da lógica para persuadir o Tribunal a tomar a decisão justa. É a forma de resolver uma disputa pacificamente. Se o Procurador Geral se deixar amedrontar todos os cidadãos americanos serão prejudicados.

Segundo os media, Yates não quis deixar a resolução do dilema ao seu sucessor. Yates demonstrou a sua lealdade ao povo americano. Os jornais já se referem a este caso como “O Massacre de sábado à noite II”, o que é positivo para Yates. A Procuradora demonstrou ter todas as qualidades que alguém na sua posição deve ter.   

Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

7 Fev 2017

Washington e Minnesota interpõem recurso contra ordem de Trump

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s advogados de dois estados norte-americanos defenderam ontem, perante o tribunal de apelo federal, que restaurar a proibição à entrada de refugiados e viajantes do Presidente Donald Trump vai “desencadear o caos novamente”.

A moção foi entregue junto do tribunal de recurso do nono distrito, com sede em São Francisco (costa oeste), depois de a Casa Branca ter anunciado esperar que os tribunais federais restaurassem a medida que impede a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países de maioria muçulmana (Iraque, Irão, Líbia, Síria, Somália, Sudão e Iémen).

As rápidas manobras legais do estado de Washington e do Minnesota foram acompanhadas por relatórios da indústria tecnológica, nos quais argumentam que a proibição pode prejudicar as empresas ao tornar mais difícil recrutar funcionários.

Gigantes tecnológicos como a Apple e a Google, tal como a Uber (empresa de transporte privado urbano), entregaram os seus argumentos ao tribunal no domingo à noite (ver caixa).

A ordem executiva de Trump invoca a defesa da segurança nacional, mas os advogados dos dois estados disseram ao tribunal de apelo que a medida da administração prejudica residentes, empresários e universidades, e é inconstitucional.

A próxima oportunidade da administração Trump para defender a sua medida vai ser a resposta a este recurso dos estados de Washington e do Minnesota.

O tribunal ordenou ao Departamento de Justiça norte-americano para apresentar a sua argumentação até às 18:00 EST de hoje.

Alarmismo presidencial

O tribunal já tinha chumbado um pedido da Justiça de revogação da decisão de um juiz de Seattle, que suspendeu a ordem executiva de Trump temporariamente em todo o território norte-americano.

Esta decisão levou Trump a manifestar-se, na sexta-feira, na rede social Twitter. Na mensagem, Trump considerou “ridícula” a decisão de um “alegado juiz”, numa referência ao juiz James Robart.

No domingo, Trump voltou a atacar Robart, no Twitter.

“Não posso simplesmente acreditar que um juiz tenha posto o nosso país em tanto perigo. Se algo acontecer, a culpa será sua e do sistema judicial. As pessoas estão a entrar no país. Mal!”, escreveu Trump.

Na mensagem seguinte, o Presidente norte-americano afirmou ter dado “ordens à Agência de Segurança Nacional [NSA] para examinar muito cuidadosamente as pessoas que chegam ao país. Os tribunais estão a tornar este trabalho muito difícil”.

Também no domingo, o vice-Presidente, Mike Pence, afirmou que os juízes não são nomeados para “decidir a política externa ou para tomar decisões sobre segurança nacional”.

Na sua decisão, Robart afirma não ser da competência do tribunal “decidir políticas ou julgar a sabedoria de uma medida específica tomada pelos dois outros ramos” do governo, mas cabe-lhe garantir que qualquer acção do governo “é compatível com as leis” dos Estados Unidos.

Na semana passada, o Departamento de Estado informou que cerca de 60 mil estrangeiros, oriundos daqueles sete países, ficaram sem visto e foram impedidos de entrar.

Depois da decisão de Robart, o departamento afirmou que podem viajar para os Estados Unidos se tiverem um visto válido.

As negas de Silicon Valley

As principais empresas tecnológicas norte-americanas, como a Apple, Facebook, Google e Microsoft, apresentaram um documento legal no qual se opõem ao decreto anti-imigração do Presidente Donald Trump, foi ontem noticiado.

O documento, assinado por 97 empresas, foi apresentado no domingo à noite no tribunal de recurso do nono distrito, em São Francisco (Califórnia), indicou o jornal The Washington Post, na página electrónica. Esta é uma acção pouco frequente dos grandes grupos tecnológicos e demonstra “a profundidade da animosidade em relação à proibição de Trump” em Silicon Valley, centro das empresas tecnológicas, acrescentou o diário.

As empresas, entre as quais também se encontram a Netflix, Twitter e Uber, apresentaram o documento na mesma sede judicial que, horas antes, tinha negado restaurar, de forma imediata, o decreto que permanece bloqueado desde sexta-feira à noite. O documento de Silicom Valley, um eixo de inovação onde a imigração é considerada um elemento central da identidade das empresas tecnológicas, surge depois de uma semana de protestos, em todo o país, contra o decreto de Trump.

7 Fev 2017

Hong Kong | Empregadas domésticas protestam contra Trump

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]erca de 200 pessoas convocadas pela Aliança Internacional dos Migrantes de Hong Kong voltaram domingo a protestar contra a ordem do Presidente Donald Trump para vetar a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países muçulmanos e refugiados.

Sob o lema “Abaixo o veto!” e “Parem a tirania de Trump!”, os manifestantes percorreram várias ruas de Hong Kong, deslocando-se até ao Consulado dos Estados Unidos para protestarem contra a medida do Presidente norte-americano que foi entretanto revogada por um juiz mas pode voltar a entrar em vigor.

A maioria dos participantes no protesto foram mulheres de origem indonésia, que residem na cidade com um visto especial para trabalharem como empregadas domésticas e que usaram a sua única folga semanal para estar na manifestação.

Hong Kong tem uma comunidade de cerca de 340 mil trabalhadores domésticos, a maioria mulheres, quase metade da Indonésia e cujas condições de trabalho têm sido duramente criticadas por sindicatos, já que têm um salário mínimo de 500 dólares norte-americanos mensais e são obrigados a viver em casa das famílias que os contratam, sendo que o seu visto não lhes permite obter residência permanente.

Em comunicado, a activista, representante do grupo e organizadora do protesto Eni Lestari qualificou a ordem de “racista, anti-imigrante e anti-refugiados”.

“Com as suas políticas e ordens, a presidência de Trump representa uma ameaça à solidariedade, ao entendimento racial e à justiça que muitos de nós defendemos e promovemos. Não permitiremos que isso aconteça”, afirmou Lestari.

“Os muçulmanos não são terroristas” e “Contra a islamofobia” eram algumas das mensagens que se podiam ler nos cartazes dos manifestantes, que gritavam “Não ao veto, não ao muro”, em referência à intenção da administração Trump de erguer um muro na fronteira com o México.

À espera de asilo

Trata-se do segundo protesto que acontece em Hong Kong contra a política migratória de Trump desde que este tomou posse no passado dia 20 de Janeiro.

A marcha anterior aconteceu na passada quarta-feira, 1 de Fevereiro, e atraiu uma centena de pessoas, incluindo políticos, activistas e representantes de grupos religiosos de Hong Kong.

A ex-colónica britânica acolhe cerca de 11 mil requerentes de asilo, segundo dados oficiais de Setembro de 2016, dos quais meio milhar são menores e a maioria vem do Vietname, Índia e Paquistão.

A situação destes requerentes de asilo tem sido debatida publicamente nos últimos meses, dado que a sua condição não permite que trabalhem em Hong Kong e o processo para obterem o estatuto de refugiado pode durar anos.

Enquanto esperam recebem subsídios sociais no valor de 400 dólares norte-americanos mensais.

6 Fev 2017