Tânia dos Santos Sexanálise VozesFazer filmes [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]iz a sabedoria popular: se estás a fazer um filme estás a fazer um drama. Fazer filmes na vida real (como profissionais) estende-se para além de um género cinematográfico e expressa-se pela panóplia de emoções humanas que gostamos de exercitar. Se a vida imita a arte ou se a arte imita a vida, parece-me uma discussão desnecessária porque procurar a unidireccionalidade dos factos não me faz muito sentido. Um sistema bidireccional é-me mais simpático. Mas talvez seja porque vejo demasiados filmes, e é uma tão confortável forma de passar tempo, que é inevitável não nos sentirmos num. Até agora não conheci ninguém que não tivesse uma fantasia romântica baseada num filme (ou livro, para os mais tradicionais), ou não tivesse um ideal de homem ou de mulher que já não tivesse sido retratada por uma personagem cinematográfica, carregada fisicamente por um actor ou actriz lindos de morrer. Para as idiossincrasias dos relacionamentos amorosos e do sexo, não há ninguém como o Woody Allen. Ele diverte-nos com um neuroticismo que roça o adorável e o irritante. Com tantos filmes realizados, é claro que ele cai em fórmulas repetidas, mas que têm entretido gerações de homens e mulheres pelo mundo fora. Sobre sexo, amor, paixão, relacionamentos e tesão. Pessoalmente, tenho constantes momentos de clarividência com o Woody, não sei como é que é com o resto do mundo: eu sinto-me compreendida nas suas particularidades e generalizações. Nos últimos filmes a estereotopia tem-me chateado um pouco, à excepção do Blue Jasmine que se demarca pela depressão genialmente representada e de uma forte presença feminina, que se caracteriza pela profundidade psicológica da personagem, algo raramente visto nos seus filmes. Poucas são as personagens do Woody que se tornam memoráveis, exceptuando talvez a Annie Hall e o Alvy Singer. O Woody é sobre os encontros, desencontros, compreensão, desentendimentos e homens e mulheres à luz da psicanálise. Retratos amorosos nova-iorquinos e de uma ou outra capital europeia. A beleza da sua cinematografia vem dos momentos dialógicos. Reflectindo no trabalho realizado pela Cate Blanchett a dar vida a Jasmine encontrei-me a divagar sobre as mulheres no cinema. Essa forma artística que tenta imitar a vida com o twist das especiarias cinematográficas, tenho que cair no meu discurso bélico pela igualdade de géneros! E para isso apoia-me o teste que mede o machismo cinematográfico. Uma cartoonista decidiu por graça criar uma cena entre duas mulheres que discutem os filmes que querem ver, uma afirma: ‘Só vejo filmes onde haja mulheres a ter uma conversa entre elas que não seja sobre homens’. O teste estabeleceu-se e popularizou-se como o teste Bechdel-Wallace. Claro que não foi redigido por uma equipa de investigadores e não detém validade científica no verdadeiro sentido do termo. Mas a verdade é que são poucos os filmes que encaixam neste critério, e por isso extrapolaremos que o retrato generalizado é de mulheres que só falam de homens e não são capazes de ter uma conversa sobre assuntos mais socialmente relevantes. Jean-Luc Godard, por exemplo, de quem gosto mas com laivos de irritação, é um realizador que fez parte do desenvolvimento da nouvelle vague francesa, movimento artístico caracterizado pela reintepretação das convencionais técnicas cinematográficas para a altura. Um ultraje pela caracterização feminina! Digo eu, que vi alguns filmes onde as mulheres eram lindas, sonsas, ingénuas e com tiradas literárias de quem fez doutoramento em estudos clássicos. Pelo menos não falam muito de homens, mas raramente as vemos a interagir com o sexo que não seja o masculino (chumba no teste Bechdel-Wallace!). Ou seja, sinto-me na posição de me queixar da objectificação feminina Godardiana e de outras, porque apesar de fantasticamente misteriosas e literárias, não conseguem transpor a realidade feminina. Estes são alguns (muito poucos) apontamentos de algum descontentamento da minha parte na visualização de filmes. É que esta tendência cinematográfica tem como resultado a surpresa sempre que uma caracterização feminina é de significância, porque infelizmente trata-se de uma raridade. A sério, não estou a fazer filmes quando digo que, nos episódios IV, V e VI da Guerra das Estrelas, as intervenções femininas não duram muito mais do que um minuto (exceptuando as da Princesa Leia). E mais: em toda a saga, não há uma única conversa entre duas mulheres (outro que chumba no teste Bechdel-Wallace!). Esperemos que o The Force Awakens venha mudar isso. E já agora, que a indústria cinematográfica também.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAbstinência [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]iz o dicionário que abstinência é a nossa deliberada decisão de não nos envolvermos numa actividade ao mesmo tempo que temos um desejo tremendo de praticá-la, tipo comer uma fatia de bolo de 2000 calorias. Abstinência sexual não é diferente, apesar de ser muitas vezes confundida com virgindade. Há um episódio genial do Seinfeld (essa grande série sobre o nada) que explora as potencialidades de duas personagens por não se envolverem na actividade sexual durante um longo período de tempo. De uma forma caricaturizada e brincando com os estereótipos de género, o homem torna-se num génio intelectual, porque finalmente se viu livre da distracção que o sexo trazia para a sua vida, e a mulher estupidificou por completo, porque usava o sexo como clareador da mente. Um exagero de descrição que traz a curiosidade de perceber qual é o mal e/ou bem da abstinência sexual. Abstinência sexual faz-me lembrar o uso de cuecas de ferro trancadas por uma fechadura. Mas de uma forma mais simples, pratica-se abstinência com um simples ‘não quero’ envolver-me com os órgãos sexuais de outrem. Pode ser uma abstinência deliberada ou uma abstinência imposta (como eu gosto de chamar). Porque a ausência sexual nem sempre é uma decisão, mas um acumular de circunstâncias que torna o não-envolvimento sexual inevitável, em certos momentos das nossas vidas. Até que ponto o sexo é uma obrigatoriedade humana é uma pergunta difícil de responder. Bem, para quem quer ter filhos, convém. Quando se está numa relação amorosa/sexual onde normalmente sexo faz parte do ‘pacote’ relacional, também convém. Freud diria de peito aberto que quem não tem orgasmos vai desenvolver sérios problemas psicológicos, e por isso todo o imaginário psicoanalítico, que já é tão parte da cultura popular, vem trazer a ideia de repressão e violência quando não vemos as nossas necessidades sexuais satisfeitas. Há mesmo uma preocupação genuína, principalmente entre os homens, que o não uso do seu órgão sexual irá atrofiar os testículos, os fazedores de esperma. Por isso, no espectro das decisões sexuais no mundo ocidental temos de tudo, desde os que se recusam aos que acreditam ser absolutamente necessário. Não nos envolvermos em sexo não é condenável, nem uma ideia ridícula. Se pensarmos no admirável mundo do sexo como um todo, com os seus preconceitos e doenças/infecções sexualmente transmissíveis, cedo se percebe que não praticá-lo com quem não se conhece muito bem não é uma ideia absurda. Mas a abstinência sexual é o que afinal? Será que se refere somente a sexo vaginal? Ou aos outros sexos incluídos? E a masturbação? É de longa ou curta duração? Em casos de celibato religioso encontramos obviamente uma doutrina para o seu significado. Em contextos contraceptivos fala-se em abstinência relacionada com a penetração vaginal, principalmente entre as camadas mais jovens, porque há uma preocupação acrescida de gravidez na adolescência. Mas tentar explicar estas malhas da abstinência sexual é expor a vida social que o sexo desenvolve na esfera pública, quase como se tivesse vida própria de pressupostos já definidos. A abstinência que não seja praticada porque se considera a melhor forma de prevenir o que quer que seja, porque há formas alternativas diversas. Ou por outra, que seja utilizada pelo pessoal que está informado sobre tudo o que é possível de ser utilizado no mercado vigente. É totalmente OK, foder se tivermos toda a informação necessária e é totalmente OK não querer foder, quando se tem toda a informação necessária. Pior são aqueles que são levados a uma abstinência motivada pela falta de parceiro. O sexo, por isso, não possui as características de um direito biológico como comer ou beber porque depende da outra pessoa querer também e é óbvio que não se pode obrigar ninguém. A actividade sexual exige um louco exercício social em tempos que se prega individualismo puro. Os eremitas não são grandes candidatos para o sexo, por exemplo. Por isso a abstinência talvez faça mais sentido a quem tenha desdém pelo sentido social da humanidade. Para todos os outros, que o sexo seja compreendido como é: de uma difícil percepção social mas de um livre arbítrio inerente. Desenvolve-se a experiência individual com ou sem sexo, como se queira.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDa China II [dropcap style=’circle’]C[/dropcap]hama-se a Revolução Sexual Chinesa e nasceu das especificidades da revolução cultural, da política do filho único, da aberta do país ao mundo e da internet. Durante a revolução cultural, Mao foi o impulsionador de uma ideologia em que homens e mulheres seriam acima de tudo camaradas, vestidos de igual, com o mesmo corte de cabelo, com as mesmas atitudes e contribuições ao regime. Sexo era uma prática feudal depravada que deveria ser suprimida. Assim foi: mas já não o é. Pelo menos para quem acaba de chegar à China e tenta perceber em que moldes a sexualidade se forma, cedo percebe que não é no total conservadorismo que se vive. Pequim neste momento tem mais sex-shops do que Nova Iorque, homens e mulheres igualmente, tentam adornar-se e embelezar-se com os milhares de tratamentos disponíveis, há espaços para saídas nocturnas de loucura e já se começam a ver gestos de afecto em praça pública. Tudo isto, muito provavelmente, faria Mao corar de vergonha, ou arder de raiva. Como não seria de surpreender, a política do filho único teve consequências para a sexualidade chinesa. Ter-se-ia pensado que o sexo seria visto como um objecto de controlo do governo e, por isso, estivesse mais reprimido ou fosse ignorado mas, pelo contrário, as mulheres rapidamente perceberam que não eram, única e exclusivamente, máquinas parideiras. Assim o sexo redescobriu a sua potencialidade recreativa, que fez com que muitas vozes se expressassem na sua curiosidade por uma sexualidade ainda divertida. Foram as mulheres em especial que começaram esta revolução, que com a ajuda dos meios de comunicação que já conhecemos, puseram dúvidas, contaram as suas histórias e procuraram uma nova identidade sexual. A mais conhecida de todas é uma de pseudónimo Mu Zimei (木子美) que começou um blog onde partilhava as suas aventuras sexuais, com detalhes tórridos das suas posições favoritas e avaliações quantitativas da performance do parceiro. [quote_box_left]Como alguém dizia, são tempos extremamente divertidos na China. (…) Em 2009 tentaram criar um parque temático sobre o sexo em Chongqing mas foi ordenada a sua demolição antes de sequer abrir. A ‘Love Land’. Já se passaram seis anos, porque não tentar a sua abertura outra vez?[/quote_box_left] Mas se a política do filho único trouxe vantagens ao sexo em si, trouxe o que já sabemos sobre a actual morfologia da população chinesa. A preferência por um filho homem criou uma grande impossibilidade da totalidade da presente geração de homens encontrar uma parceira e constituir família. E porque a concorrência é muita, os homens vêem-se agora obrigados a preencher requisitos financeiros como, por exemplo, possuir o ninho para viver o amor pós-conjugal, i.e. ter casa própria (normalmente comprada pelos pais do noivo). Percebe-se agora que ter uma filha até nem é mau de todo. Isto empoderou muitíssimo as mulheres da forma como se vêem no mercado do trabalho e em outras áreas das suas vidas, e que agora lutam pelas suas carreiras, pela sua liberdade e pela sua sexualidade. As que fazem uso deste empoderamento são muitas vezes referidas de ‘Sheng Nv’ (剩女), ‘as mulheres deixadas de lado’. Normalmente são mulheres com mais de vinte e sete anos e que ainda não se casaram e que são erroneamente referidas como ‘as rejeitadas’. Quando, na verdade, trata-se de pessoas com uma educação superior, inteligência, ambição e grande potencialidade para o progresso a que a China deveria aspirar. Como se havia de esperar, os homens deixados para trás não possuem tão óbvia alcunha, nem ninguém os chateia muito com isso. Tal “escassez de mulheres” que têm sido a desculpa para a ‘legitimidade’ do desenvolvimento da indústria sexual, mais especificamente, na proliferação de bordéis e de consultórios de massagens com ‘final feliz’. Lugares ilegais e operados em grande secretismo que têm contribuído para a contaminação crescente de jovens mulheres e homens com o HIV. A China tem tido pouco cuidado com isso. A revolução sexual chinesa foi e é inevitável. Há forças de muitos lados que puxam para um explodir da sexualidade que se viu reprimida. A abertura, apesar de imperfeita, tem sido incrível, mas falta-lhe muito na divulgação e na informação bem cuidada em prol da saúde de toda a população, mental, física e sexual. No entanto, têm havido passos nessa direcção, com a criação de uma associação de sexologia chinesa ou na organização de exposições sobre sexo ( a que já assisti pessoalmente, com barraquinhas com os mais variados produtos sexuais, com desfiles de roupa kinky e com muitas palestras sobre os mais variados temas). Como alguém dizia, são tempos extremamente divertidos na China, é uma redescoberta sexual, claro, com restrições políticas, mas que parecem ter alguma flexibilidade na forma como são vividas. Em 2009 tentaram criar um parque temático sobre o sexo em Chongqing mas foi ordenada a sua demolição antes de sequer abrir. A ‘Love Land’. Já se passaram seis anos, porque não tentar a sua abertura outra vez?
Tânia dos Santos Sexanálise VozesTao-Confúcio [dropcap style=’circle’]R[/dropcap]ecentemente tenho ciberneticamente explorado sobre a sexologia taoísta que levou a uma pertinente preocupação das influências para o sexo que se faz na China. Se no mundo ocidental temos a igreja e as revistas cor-de-rosa a insistir em certos entendimentos sexuais, muitos deles que se caracterizam pela sua castração e repressão; da China histórica, encontramos muito provavelmente as influências do Taoismo e do Confucionismo (e por enquando ficar-me-ei por estas duas correntes, mas mais reflexões sobre a sexualidade oriental/chinesa estará por vir). Taoismo: Além das referências ao yin e o yang (阴阳), a importancia do qi (气) e ainda do jing (精), o taoísmo sexual, não surpreendentemente, foi descrito muito centrado na perspectiva masculina. Sexo em si era uma prática de potencial espiritual onde ‘se une a energia’ (合气) com vantagens grandiosíssimas para o homem, que se acreditava desenvolver muito boa saúde pela prática e, com muita dedicação, atingir a imortalidade. Acreditava-se que o sexo estabelecia o tão desejado equilíbrio que se procurava na natureza e que o yin e o yang ilustrava, sugerindo uma possível abordagem naturalista que nunca se popularizou. A verdade é que acreditava-se que o sémen continha altos teores de jing (精) e que a sua perda teria consequências para a sua saúde. Por isso: sexo sim, mas sem ejaculação. As práticas desenvolvidas trouxeram, por isso, dicas úteis para não perder o seu sémen e jing (精) em sexo que era necessário, mas não o pacote total. As mulheres eram vistas como um receptáculo sexual, um ‘caldeirão’ necessário para o desenvolvimento fetal e por isso até certo ponto eram respeitadas e deveriam ser estimuladas e agradadas porque só assim é que a energia gerada seria benéfica para o homem e para o seu desejo de imortalidade. Contudo, apesar de se sentir como uma obrigação médica agradar o yin (o lado feminino) para a sua energia ser terapeuticamente aproveitada, as mulheres continuavam a ser usadas como objectos. Confucionismo: Provavelmente a corrente filosófica mais influente na China, pouco ou nada disse sobre sexo. Confúcio não se debruçou por aí além pelo tema e tudo indicava que usaria pessoalmente a actividade sexual heterossexual de forma muito prática, desde que, contudo, não interferisse na sua vida social. O pior veio depois, quando Neo-Confucionistas, a partir da dinastia Sung, trouxeram uma reinterpretação dos ensinamentos do sábio e sugeriram uma teoria repressiva do sexo, que teóricos acreditam ser a base para o entendimento sexual na China dos últimos 1000 anos. Antes da intervenção dos neo-confucionistas, historiadores acreditam que as relações sexuais eram vistas com maior liberalismo e naturalidade porque as descrições de vidas amorosas, casamentos, divórcios, e tipos de relacionamentos heterossexuais e homossexuais não mostravam desaprovação nem condenação. Se esta visão continuou na base da vida privada chinesa, temos pouca certeza, porque os discursos pós-Sung mostram uma contínua repressão que poderiam ter mais forma em certas classes sociais e/ou nos documentos históricos a que temos acesso hoje. O que vale são as descrições literárias, as representações artísticas que ainda mostravam alguma criatividade sexual e que nos fica no imaginário de tantas taradices que julgamos chinesas. As descrições da antiga sexualidade chinesa, especialmente a Taoista, têm sido alvo de bastante análise pelos grupos que desejam elevar a sua sexualidade a uma experiência espiritual (tal como era descrita, na união das energias) e por isso tem aumentado de popularidade em círculos ocidentais interessados em Tantra. A filosofia sexual chinesa tem sido por isso reinterpretada à luz de uma maior igualdade de géneros e na possibilidade de estender a actividade sexual ao máximo, com tantos exercícios de controlo ejaculatório que existem. Consigo imaginar que não é da mesma forma que se influencia a sexualidade chinesa actual. Certas crenças ainda se perpetuam sobre como não é saudável desperdiçar o suco sexual, insistida pela medicina tradicional chinesa. Afectando, por exemplo, a forma como a masturbação é vivida na China. Se é herança dos neo-confucionistas ou não, também se denota a ditadura do silêncio sobre as coisas do sexo e alguma relutância em retirá-las da privacidade do quarto. Como em muitos outros contextos é simplesmente pouco falada. Mas e a globalização, o socialismo de características chinesas ou a agora política do filho ‘duplo’? NOTAS 1. Usei caracteres simplificados para ilustrar variados conceitos porque foi assim que aprendi, teria escolhido os tradicionais pela minha ligação a Macau, mas não seria fiel ao meu conhecimento da língua chinesa. 2. Muitas das informações aqui apresentadas basearam-se em Ng, M. L. & Lau, M. P. (1990) Sexual Attitudes in the Chinese. Archives of Sexual Behavior, 19 (4), 373-388 que oferece uma maior reflexão das práticas e das suas influências e que será do interesse de quem deseja aprofundar o tema.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexo, Perspectivas e Coca-cola [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]sexo gera vida, cria pessoas, adiciona números à contagem populacional. Não há ninguém neste planeta que tenha aparecido sem uma prévia noite de paixão pelos seus progenitores. Nós existimos porque há sexo e porque é praticado. Sim, tudo o que escrevo não consegue ultrapassar as franjas do óbvio, mas tento enaltecer o facto do sexo ser a raiz de tudo. Se sexo é a raiz de tudo, é por isso a raiz de todo o bem e de todo o mal que existe no planeta. Sexo permite o surgimento de pessoas que se desenvolvem das mais variadas formas. Não sei se nós humanos somos inerentemente bons ou maus e parece-me que tem sido extremamente difícil esclarecer essa dúvida, apesar de muitos filósofos, sociólogos, antropólogos e psicólogos se terem debruçado sobre o caso. Nascemos com alguma predisposição genética para certas tendências cognitivas e comportamentais, informação genética essa oferecida pelos gâmetas do pai e da mãe. E depois… a vida molda-nos da forma que nos é oferecida. Recebemos, reproduzimos e reconstruímos visões do mundo que dada a diversidade que existe neste planeta, a diversidade é felizmente mantida. Na diversidade cabe tudo, as diferenças físicas e culturais que por vezes são partilhadas por grupos, e as diferenças individuais, porque ninguém é igual a ninguém (e olhem que a maioria dos estudos para entender o desenvolvimento humano usa gémeos verdadeiros como objecto de estudo, ou seja, duas pessoas com exactamente a mesma carga genética, e facilmente se percebe que a diferença continua a existir). Há tantas pessoas diferentes que as práticas sexuais, que na sua essência partilham alguma universalidade (excitação, orgão sexual, orgasmo), podem ser diferentes. As diferentes ideologias e consequentemente as diferentes práticas podem-se complementar ou entrar em conflito. Primeiro começa com a conversa que os nossos pais têm connosco sobre como se fazem bebés. E aí somos introduzidos ao sexo. Depois é a puberdade que traz um mar de inseguranças acompanhada de alterações drásticas no corpo (alterações que nos preparam fisicamente para procriar) e o bombardeamento de informação vinda de todos os lados sobre o sexo, quando ainda é desconhecido, e depois da primeira vez, que apesar de mais familiar ainda permanecerá envolto em muito mistério e tabu. As redes de informação que contribuem para a ideologia sexual colectiva e individual são de uma complexidade assustadora. São namorados, namoradas, amigos, pais, médicos, religião, pornografia, internet, livros, televisão, jornais, opiniões, discórdias, e tantas outras coisas mais que nos ajudam a perceber o que é que achamos do sexo e de que forma o queremos vivê-lo. Ora dada a complexidade, a primeira dificuldade que reconheço é saber separar o trigo do joio. Porque se há pessoas que conseguem sair desta confusão com uma sexualidade saudável e prazerosa para todos, há outras que se metem em concepções menos amigáveis ao nosso bem-estar. Os mitos e os rumores são uma coisa gira de se observar: ‘A coca-cola é um poderoso espermicida’. Houve quem de facto acreditasse que um banho pós-coito com a famosa bebida americana constituísse um eficaz contraceptivo. Por isso cientistas fizeram questão de falsificar a teoria através de estudos. Resultado é que Coca-cola Light (em comparação com as outras Coca-colas) tem alguma influência na mobilidade dos pequenos espermatozóides, tornando-os menos energéticos e mais lentos a chegar ao destino. Se isso constitui um método contraceptivo, muito dificilmente. Parece-me a mim que só se tornaria mais numa barreira que o esperma teria que enfrentar (isso e a selvajaria que o interior vaginal é) mas não incapacitador de trazer vida ao mundo. O que quero dizer é que a nossa sexualidade encontra-se num constante processo de manutenção e desenvolvimento pelo o que somos neste momento e pelo que nos é sugerido e apresentado no mundo. Se nos dizem que a Coca-cola é um espermicida, porque não confirmar com outras fontes ou outras opiniões? Senão teremos todo o mundo a tomar banho em Coca-cola enquanto lhes saltam bebés incessantemente. Porque de bem verdade que a Coca-cola é muito mais barata do que qualquer outro método contraceptivo. Por isso haja bom senso. Bom senso para perceber que há histórias e estórias, zonas cinzentas e outras explicações. A vida faz-se destas complexas narrativas individuais e colectivas onde cada um de nós se vê na complicada situação de dar sentido às coisas, mesmo que as coisas não façam sentido nenhum.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesE o amor? [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]amor, que já se tentou explicar na voz da literatura, da música, da arte e da ciência, gosta de se manter envolto em mistério. Por alguma razão que o conceito, talvez da mesma forma que o sexo, é um tópico de conversa desejado. Se não é amor no seu estado puro, fala-se bastante de relações humanas em geral. De como nos ligamos e desligamos dos outros, como nos mantemos ou como nos queremos alienar ou como podemos viver num mundo tão cheio de pessoas, que ao mesmo tempo é inundado pela nossa individualidade. Perder-me em definições de amor talvez seja um processo sem sentido, porque, como qualquer outra emoção humana, há quem o viva de formas distintas em momentos distintos e em contextos culturais que moldam estas coisas românticas da nossa vida, de forma distinta. Acho que já faz parte do bom senso dos demais que existem vários tipos de amor. Focar-me-ei, portanto, no amor que interessará a esta sexanálise: o amor romântico. O amor romântico é aquele que sentimos por alguém estranho a nós. O amor aproxima quem outrora foi um desconhecido mas que gradualmente se envolve nas malhas emotivas que nos tornam humanos. Esta forma de gostar de alguém, para além de pressupor companheirismo, amizade e compromisso, envolve sexo. A perspectiva moderna-naturalista trouxe (e ainda bem) uma visão alternativa do sexo, percebendo-o separado de tudo resto, como uma necessidade biológica, tal como comer e dormir (daí terem começado a surgir os tão convenientes amigos coloridos). Mas e o amor? Porque é que o acto de procriação está tão ligado a este sentimento, que uns sentem e outros dizem que não, mas que nos é impossível ficar indiferentes às suas insistentes formas sociais, discursivas e relacionais? Apesar de existirem momentos onde o sexo e o amor são entendidos como mutuamente exclusivos, uma outra visão insiste na bidireccionalidade dos mesmos, e no seu constante sistema de alimentação, ou seja, sexo melhora o amor, e o amor melhora o sexo. Apesar de ser um sistema mediado por outras possíveis variáveis (nada no mundo é de tão directo efeito), os estudos mostram que, de facto, maior satisfação sexual, maior satisfação conjugal/relacional, e que das muitas fórmulas que tentam perceber como nos apaixonamos, o sexo está entre as prescrições para atingir o pico de sensação romântica. Não me parece totalmente descabido se pensarmos que sexo proporciona momentos de alto teor íntimo. Pessoas nuas, e por isso num estado de vulnerabilidade maior do que o normal, pessoas a quererem prazer e a oferecê-lo também. Se existe quem consiga ser especialmente egoísta no acto do sexo, o mais comum dos humanos tem uma missão altruísta, uma dedicação ao outro e do que o outro poderá sentir. Por isso o sexo, por mais preverso que possa ser percebido por camadas sociais mais púdicas, pode ser entendido como um acto de cuidado e de carinho que queremos oferecer a outra pessoa. Não é completamente à toa que são beijos, abraços e carícias que preparam a majestosa escadaria do orgasmo. Para além de que o ‘orgasmar’ em companhia, provavelmente, constitui um importante momento de revelação para si e para o outro. Mostram-se as manias, as caras esquisitas, os ruídos estranhos, todas aquelas coisas que acontecem quando se é atacado pela sensação de prazer e se perde o controlo sobre as coisas. O amor e o sexo são amigos de longa data e disso a sociedade humana já entendeu. Se as representações de sexo já são complicadas de desconstruir pela negatividade que lhes é assumida, sejam pelos vocábulos que se utilizam ou pela simplicidade que lhe é negada, a discussão do amor encontra dificuldades muito diferentes. Se um é excessivamente negativo, o outro pode ser excessivamente positivo, ou vice-versa, porque há todo um mundo de perspectivas. Por isso misturá-los não é tarefa fácil, pelo menos dentro da dita diversidade. Porque no nosso íntimo, na nossa privacidade emotiva, há ideias de uma clareza tremenda. E isto há-de saber quem se apaixonou e teve o melhor sexo da sua vida. O sexo é um acto de amor. Corrijo-me: o sexo pode ser um acto de amor (porque pode ser muita coisa, como tenho vindo a declamar ao longo de semanas). O sexo é um acto altamente social de possibilidade romântica porque constitui uma partilha e uma troca: de fluidos e de momentos. O meu lado hippie está neste momento a gritar pela uniformização e inclusão do amor no sexo. Óbvio que não se ama tudo o que se fode, mas, pelo menos, cuida-se e mima-se, nem que seja por umas horas somente. Se o amor está ausente, há um gostar simples e singelo. Se o amor atacou os corpos em contacto, bem-vindos ao momento mais espectacularmente belo e aterrador das vossas vidas.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCasual [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] sexo casual define-se pela inexistência de sentimentos românticos pelo parceiro, que pode ser de curto ou de longo-prazo. Quando é de curto-prazo, i.e., uma única noite de loucura com alguém que acabámos de conhecer, é mais vulgarmente e internacionalmente conhecido como ‘one night stand’. O sexo casual de longo-prazo, refere-se a um relacionamento que pressupõem encontros sexuais regulares mas que não pressupõem qualquer actividade romântica, ou amor entre os envolvidos. O sexo casual parece ser uma prática comum no século em que vivemos, com alguns fervorosos adeptos e outros menos. Diz a Psicologia Evolutiva que os homens têm mais queda para estas coisas casuais, especialmente as de uma noite, porque, assim, podem plantar a sua semente por um maior número de corpos, ou seja, aumentar a sua possibilidade de transmissão genética. As mulheres, por seu turno, irão preferir estratégias de acasalamento de longo prazo porque, pronto, se de facto quiserem deixar parte da sua carga genética ao mundo, implica um investimento de pelo menos 9 meses e não é um decisão que se tome de ânimo leve. Por isso, de uma forma muito geral, isto vem justificar as nossas escolhas relativamente à natureza dos encontros sexuais que pretendemos com base no nosso passado animalesco que era, de facto, muito orientado para a procriação. Diria eu que agora, a dinâmica não segue tão estrita explicação porque, bem, acho que não víamos sexo a acontecer de todo. Há homens que escolhem ter mais encontros casuais porque há mulheres que os querem, e vice-versa. Diz a minha ingenuidade que há de haver gostos para tudo, entre homens e mulheres, para satisfazer a diversidade sexual de cada um. Sócio-sexualidade é o conceito desenvolvido na comunidade científica para descrever uma maior queda para sexo casual regular. Não sei o porquê da escolha de vocábulo, talvez porque é preciso ser-se sociável, um ser extrovertido, para o sexo. Por isso, o sexo casual é para quem é socialmente aberto, e diga-se que é preciso muita lábia e técnica de engate para conseguir chegar à loucura que uma noite pode proporcionar. Percebemos, por isso, que sexo casual de curto-prazo é o resultado de uma atracção estritamente física que se quer ver satisfeita – na hora.[quote_box_right]“O cliché avisa-nos, contudo, que relações que duram no tempo e que se descrevem como exclusivamente sexuais são impossíveis de ser alcançáveis. Acabarão quando um dos dois se apaixonar”[/quote_box_right] Entende-se de forma diferente os amigos coloridos, amigos com benefícios ou os ‘fuck buddies’, neste caso tratam-se de encontros entre dois conhecidos, amigos ou não, com o único propósito aliviar as gónadas, desenferrujar as dobradiças, lubrificar a máquina sexual. Trata-se de não só satisfazer desejo mas de manter a sexualidade aberta em actividade. Esta é a visão puramente instrumental do sexo, i.e., eu quero, tu queres e por isso devemos aliviarmo-nos juntos. Sem complicações e sem o problemático amor envolvido, sexo parece ser muito simples de ser solucionado. As complicações que aparecem são de outra natureza, caem nos mal-afamados estereótipos e expectativas que põem os homens numa categoria de reis e as mulheres em categorias várias (mas que não são de rainha). O cliché avisa-nos, contudo, que relações que duram no tempo e que se descrevem como exclusivamente sexuais são impossíveis de ser alcançáveis. Acabarão quando um dos dois se apaixonar. Alcançando, assim, o prólogo que eu pretendia com a reflexão que se impõe: como é que o amor se relaciona com sexo ou de que forma podem ser tratadas como exclusivas ou emparelhadas? A casualidade, muitas vezes entendida como aleatória, oferece ao imaginário sexual uma novidade, uma excitação que depende do desconhecido e do desejo em alcançar mares nunca dantes navegados (apelando ao português que há em nós). Numa noite explora-se o que se pode, em encontros que se repetem no tempo talvez se explore um pouquinho mais, até porque o gradual à vontade vai permitir formas de comunicação sexuais cada vez mais sofisticadas.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO reflexo de Vénus (Ou como Afrodite começou com aulas de kickboxing e tirou doutoramento em Física) [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]er mulher não é tarefa fácil. Quem já se perdeu em reflexões do género sobre o género há de ter percebido que nascer com uma vagina não é tarefa fácil. Não ter um pénis não deveria definir uma ausência. Não tendo um pénis tem-se uma vagina e isso faz-se pela diferença, pura e simplesmente. Isto são afirmações muito óbvias, poderão pensar. Estas vêm, contudo, responder o eco que se alastra (ou que se alastrou) da bela descrição de Freud de que as mulheres invejam um pénis e que se sentem revoltadas por terem sido castradas. Pois que não, não nos falta nada. Não há nada de biologicamente errado nas mulheres que possa limitar a sua experiência humana. Em contrapartida, há algo de místico, mitológico, científico, social e consequentemente pessoal que molda a existência feminina de formas menos justas, menos libertadoras e que não ajudam a atingir tudo o que se quer e merece. Estaremos nós activamente a reduzir vivências a caixinhas que dizem ‘homem’ ou ‘mulher’? Provavelmente sim, e de igual forma para os dois lados. Dos homens esperam-se certas características e das mulheres outras, até porque quem caia na zona cinzenta poderá ter alguma dificuldade em expressar-se (até semanticamente, quando somos forçados a usar um ou outro género a abordar alguém). Para mentes abertas não será um problema, para mentes não abertas poderá sê-lo. Tem tudo que ver com os limites mais ou menos flexíveis que estas caixinhas têm na cabeça de cada um. Dessa flexibilidade se vive o desenvolvimento social e, espera-se, algum awareness pela diversidade e a sua legitimidade no mundo. Por isso, tanto os homens como as mulheres vivem numa prisão do que é expectável, aceite e praticado em relação ao órgão sexual com que nasceram. Se expectativas de feminilidade e masculinidade afectam e contribuem para quem nós somos, e nos limitam de igual modo, como explicamos a desigualdade de género? E porque é que ainda é um problema no mundo ocidental? Porque a percepção de poder é totalmente diferente, entre um grupo e o outro. O poder é uma dimensão difícil de ser explicada e é muitas vezes esquecida na interpretação de fenómenos sociais, mas que na verdade são alicerces às práticas, crenças e vivências de comunidades ao longo de muitos anos. ‘Se as mulheres querem X, que o façam!’ Sim, certo, faz sentido. Há uma liberdade e poder inerente aos valores ocidentais que nos permite fazer tudo o que quisermos. O poder, contudo, entra na equação nas suas formas e práticas subtis, que são muitas vezes invisíveis, mas eficazes. Não se fazem as coisas só porque sim, vivemos em relação com outros seres humanos e o nosso livre arbítrio resulta da combinação do que queremos e do que somos, como nos vemos e em relação ao mundo em que vivemos. Conheci uma investigadora que num estudo neurológico estabeleceu diferenças entre cérebros masculinos e femininos. De facto, existem diferenças no cérebro dos homens e das mulheres – cérebros masculinos mostram uma maior aptidão para os números e os femininos mostram maior aptidão para as letras. Mas como explicar estas diferenças? Ouve um qualquer jornal que se chegou à frente e erradamente assumiu que estes resultados se devem a diferenças biológicas e inatas: inalteráveis. Assustador, não é? Se as diferenças de género chegam às capacidades cognitivas, não há nada a fazer em relação a isso. Temos que esperar uma mutação genética para esbater estas diferenças que o sexo trás. Errado. O cérebro é maleável que no seu pico de desenvolvimento (quando somos crianças) se influencia pelas nossa experiências, i.e., brincadeiras. Pensem lá nos brinquedos que os rapazes ganham e nos brinquedos que as meninas ganham. Pois. Ser mulher não é tarefa fácil. Tem que parir, manter a beleza perpétua, fazer depilação aos sovacos, ser bem sucedida e lutar pelo merecido empowerment. Ser homem também não é fácil, por tantas outras razões. A desigualdade ainda existe e as formas de contestação social que a abala: também.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAmor e Dedinhos de Pés [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]romance de Senna Fernandes muito pouco tem que ver com o tópico que tenciono desenvolver. O título, curiosamente, tem bastante. Em continuação do artigo anterior sobre parafilias e a sua potencial normalidade, gostaria de desenvolver um pouco mais a ideia de fetiches. Fetiches, que se incluem na categoria de comportamento sexual desviante, definem-se por uma especial atracção sexual por objectos inanimados, ou partes do corpo. A sua epidemologia é desconhecida, mas a melhor explicação talvez seja baseada no cãozinho de Pavlov: condicionamento clássico. Ou seja, uma excitação sexual que tenha ocorrido mais do que uma vez em concomitância com outro objecto ou situação, passadas suficientes experiências começa-se a atribuir a reacção fisiológica ao objecto que outrora nada tinha que ver com sexo ou a sexualidade do indivíduo. Fetiches, existem muitos, de todos os tipos, sobre todas as coisas. As evidências, contudo, mostram que o fetiche de pés é o mais comum. Por isso a minha mente mal-informada achava que Amor e Dedinhos de pés fossem sobre isso mesmo. Estava enganada. O que é que este fetiche de pés implica: normalmente são mais expressados por homens (pouco registo de mulheres) que veneram e se excitam sexualmente pelo simples vislumbre de um pé, ou dos dois. A interacção sexual pode não passar por mais do que isso mesmo, a de uma mulher com uns pés bonitos e um homem que só está interessado neles. Por isso não há sexo, penetração vaginal, necessariamente. Uma sessão de pés, para os profissionais e mais experienciados, pode ser um fim em si só. Para casais mais arrojados poderá fazer parte de um interessante momento de preliminares. O que envolve esta sessão, como poderão imaginar, é muita veneração de pés, muitos beijos, muitas lambidelas e trincadelas. Poderá incluir uma caminhada sobre o venerador que de muito bom grado servirá de tapete. [quote_box_left]Há algo de lírico, talvez, se pensarmos que o fascínio pelos pés também é o fascínio pela combinação de ossos e carne que nos liga à Terra, ou que nos mantém ligado a ela[/quote_box_left] Quem são estes adoradores de pés, é uma boa pergunta. Visto que se trata do fetiche mais comum, os seus praticantes têm estado por todo lado, há séculos. Há quem desconfie que Goethe, Dostoyevsky, Joyce e até Elvis Presley tenham sido adoradores de pés. Quando e onde é que a moda começou, não se sabe muito bem. Sinólogos dizem que já no tempo da Dinastia Sung, quando o ‘foot binding’ começou a ser uma prática comum, a erotização do pé de lótus (como era chamado) estava bem estabelecida. Os homens que tinham mais queda para estes pés deformados, incluíam nos seus preliminares as práticas que exigiam um protagonismo especial destes membros que nos sustêm. Muitas vezes estes pés eram tingidos de vermelho, para aumentar a sua atractividade. Pés deformados e para além disso, pintados de vermelho. Que bonito. Estes pés eram de tal forma tabu que nos primórdios da pornografia chinesa eram a única zona do corpo que não ficava descoberta, para manter o mistério. Porque já sabemos que sexo faz-se de mistério, mesmo através de práticas atrozes em nome destes ideais de beleza e erotismo femininos que mudam com a mesma frequência que uma pessoa muda de cuecas. O fetiche de pés de hoje em dia já não passa por isso. Querem-se pés bonitos e bem tratadinhos. Isto é, sem calos, com uma pedicure bem feita, macios. Mas como podem calcular, há gostos para tudo. Talvez seja mais fácil se se deleitarem com uma ilustração do que pés bonitos realmente são. Sugiro, por isso, que consultem o mais contemporâneo, arrojado e assumido praticante de amor aos pés: Quentin Tarantino. Nas suas obras cinematográficas há um gostinho especial em enaltecer os pés das actrizes com que trabalha, erotizando, assim, esta extremidade humana que se julgava ser útil só para nos pormos de pé e usar umas sandálias giras. Amantes de pés, há muitos, de facto. E se homens gostam de um pezinho de mulher, outros homens preferem pezinhos de homem. Há algo de lírico, talvez, se pensarmos que o fascínio pelos pés também é o fascínio pela combinação de ossos e carne que nos liga à Terra, ou que nos mantém ligado a ela. Qual quê, ultrapassaremos o lugar comum de erotização de umas mamas, um rabo ou umas ancas. Os pés é o que mais sofrem, no dia-a-dia frenético que nos obriga a movimento constante, que sejam mimados como cada qual assim o permitir.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPara-sexual [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]uma biografia não oficial, David Cameron foi acusado de ter metido o pénis na cabeça de um porco morto. Necrofilia para uns, zoofilia para outros. O que pensar de alguém que coagido ou não, durante a sua juventude, tenha enfiado o seu órgão sexual numa carcaça animal? Perdão, tenha simulado um falaccio com a decapitada cabeça de um porco? Se era ou não a real fantasia do primeiro ministro britânico, nunca o saberemos. Nem se o evento de facto aconteceu, não é o tipo de coisas que se confessem ao mundo. Lembro-me da primeira vez que entrei numa sex shop e de ter visto em destaque filmes pornográficos com cavalos Lusitanos. Reparem: não eram uns cavalos quaisquer, eram cavalos Lusitanos. A fantasia vai tão longe quanto à raça de cavalo. Lembro-me também quando fui ao museu erótico em Paris, e que atenta aos filmes pornográficos dos anos 30 (filmes mudos!) aparece um cão a participar na actividade. Zoofilia soa-me a uma coisa estranha. Poderia tentar entender momentos de desespero, puros e ocasionais, para justificar o acto. Contudo, de acordo com o Kinsey, 40 a 50% dos rapazes que cresceram em quintas experimentou sexo com um animal pelo menos uma vez. Mas há quem se auto-denomine de zoófilo, e nesses casos a atracção é recorrente e o acto regularmente praticado. Pelas mais variadas razões: porque a atracção sexual é forte, porque querem expressar o seu amor e afecto pelo animal ou porque os animais são mais fáceis de satisfazer. E há diferenças entre a forma como sexualmente te relacionas com o animal. As classes de zoofilia começam com o role-play (quando pedes que o teu parceiro se mascare de um animal qualquer para uma noite kinky) e vai até à exclusiva relação sexual com animais, e mais ninguém (humano). Há até diferença entre sexo com um animal com ou sem afecto, a última mais comummente designada por bestialismo, o acto onde se esturpa o animal, pura e simplesmente. A zoofilia é só uma de muitas parafilias que por aí andam, nome generalizado que se dá ao comportamento sexual desviante. À necrofilia e à zoofilia juntam-se muitas mais. Muitas, mesmo. Cyprinuscarpiofilia descreve uma especial excitação sexual por… carpas. Sim, carpas. O porquê vai para além da minha compreensão. Temos ainda galaxiafilia que descreve a atracção sexual pelo aspecto leitoso da via láctea. Talvez uma tendência natural para os amantes de ficção científica? Para mais parafilias surpreendentes, sugiro a pesquisa. Não se vão arrepender. Para regulamentar estes desvios no comportamento sexual temos um livrinho chamado DSM, manual de auxílio a psiquiatras e psicólogos no diagnóstico de psicopatologias, que entre distúrbios da mente, tenta definir os distúrbios do sexo. A definição tem estado em constante desenvolvimento porque tem-se percebido que umas preferências sexuais estranhas não são necessariamente patológicas. Será considerada patologia se a tal preferência levar o indivíduo a seriamente magoar-se a si próprio e ao outro, física e psicologicamente. Mas há contudo, preferências sexuais que consensuais entre o casal são desenvolvidas na esperança de contribuir à satisfação plena. Por exemplo, práticas leves de sadomasoquismo ou os mais variados fetiches. Todos felizes. Sim, é preciso que fiquem todos felizes. Urofilia é o prazer sexual em urinar para cima do outro ou receber urina do outro. Sem consenso seria de uma violência (surpresa!) extrema. Não é para todos. A lição a ser tirada é que preferências estranhas não são anormais, são só diferentes. E cada vez mais, culturalmente, se aceitam extravagâncias que com sentido crítico se incluem no mundo da possibilidades sexuais. Só reflecte a necessidade criativa sexual. Filmes, música, literatura, moda, arte, cada vez mais exploram o enfraquecimento de fronteiras, outrora rígidas, mas agora flexíveis do que uma sexualidade normal poderá envolver. Salvaguardando, contudo, que existem práticas condenáveis que clinicamente se definem como distúrbios, de consequências médico-legais. O trabalho de casa para esta semana é esse mesmo. Descobre a saudável parafilia que há em ti.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesEm Trabalhos [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]sexo pode ser muita coisa, um trabalho também. O sexo dá trabalho, claro, não fosse uma actividade física de alto rendimento calórico. Mas o sexo é trabalho para muita gente. A indústria do sexo gera uma quantia generosa por ano porque há quem goste de consumir, e muito. Na minha limitação de conceitos de economia, consigo bem entender a lei da procura e da oferta: se há quem quer, há quem faça. Mas quem são estas pessoas que o fazem? De onde vêm, como se vêem, como as entendemos? Os mais atentos devem-se ter deparado com a notícia que recentemente correu sobre uma professora de música do ensino secundário nos Estados Unidos da América a quem a vida na pornografia foi desvendada e consequentemente, viu-se obrigada a desistir do seu emprego diurno. Nas mais variadas descrições do sucedido houve uma especial preocupação em incluir uma linha como ‘os adolescentes com quem a professora trabalhava, estão livres de perigo’ ou qualquer coisa como ‘estão seguros’. Outro exemplo controverso nos Estados Unidos da América foi o da Belle Knox, uma aluna de direito na Universidade que achou por bem seguir um part-time na pornografia para pagar os seus estudos. Porque vejamos, render-lhe-ia muito mais do que trabalhar como empregada de mesa num qualquer restaurante perto do campus universitário. Quando descoberta, por outro qualquer aluno consumidor de pornografia, foi alvo de ameaças bastante violentas e, assim, ostracizada por todos em redor. Parece que há uma tendência natural em lidar com as pessoas que dão a cara à indústria como se de presidiários se tratassem. Pessoas de uma má influência brutal e, por isso, dignas de ser evitadas e privadas da vida que cada um de nós leva. Estas pessoas são socialmente pressionadas a levar uma vida à parte, num mundo à parte. O mundo do sexo que existe por aí, mas não sabemos bem como. [quote_box_left]”Na minha limitação de conceitos de economia, consigo bem entender a lei da procura e da oferta: se há quem quer, há quem faça. Mas quem são estas pessoas que o fazem? De onde vêm, como se vêem, como as entendemos?”[/quote_box_left] Se já divaguei o suficiente sobre os prós os contras da pornografia anteriormente, tenho a acrescentar esta pequena reflexão acerca de quem para ela trabalha. E, julgo eu, enaltecer o facto de que se tratam de pessoas que não têm como principal objectivo de vida depravar todos aqueles que os rodeiam, ou seja, levar para esta vida pornográfica todos os amigos, colegas de trabalho ou alunos. São pessoas que estão lá porque há outras que gostam de ver pornografia, que até em quantidades saudáveis dão uma outra pimenta saudável ao sexo. São pessoas, espero eu, que fazem o que fazem porque gostam de fazê-lo. E não porque a vida depravada os levou a fazê-lo. Mas eu entendo, não é a carreira de sonho que gostaríamos que uma filha ou filho tivessem. However, people gotta do what people gotta do. Por exemplo, vem-me à cabeça o Lars von Trier que nos últimos filmes, sem pudor nenhum, tem mostrado uma tendência erótico-pornográfica que não é necessariamente má. Má no mesmo sentido com que a pornografia é vista, e de quem a faz. Controversa, sem dúvida, mas não é por isso que pomos os pobres actores à margem da sociedade e a carregar a cruz da taradice. Isto para dizer que trabalho é trabalho com a dedicação que lhe queremos dar, por isso façam o favor de deixar os actores pornográficos em paz e deixem-se de conservadorismo. Estou a pensar na pornografia que dentro das suas especificidades e pressupostos leva a uma discussão diferente do que se pensarmos nos outros produtos e trabalhadores da indústria. Se nos estendermos ao negócio dos brinquedos sexuais, por exemplo, já existe uma tentativa de tornar normal a forma como potencialmente se inclui no nosso rotineiro dia-a-dia. Estou a pensar nas reuniões à lá ‘reuniões tupperware’ com uma demonstração divertida e moderna de criatividade sexual (com acessórios) às mulheres mais interessadas. Uma forma mais discreta para adquirir os produtos mais desejados sem ter que entrar em lojas de montras negras onde temos a sensação que só os sofredores de parafilias entram. Lá está o estigma a atacar as alminhas que tentam apimentar a sua relação romântica ou só mesmo sexual. Claro que se começarmos a procurar sofisticação, sofisticação na indústria, em geral, aparecerá. Porque se há uma tendência para a ver como degradante, para quem consome e para quem a faz, talvez seja interessante desenvolver repostas em tom de contestação. Na esperança de aparecer pornografia de melhor qualidade, feita pelos melhores a ser dada aos melhores. Sem remorsos, sem as nuvens negras da desonra, sem a marca penitenciária do sexo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPrecocemente [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]egundo Freud, a ejaculação precoce é uma tentativa sádica, exclusivamente masculina, de não permitir prazer à mulher (ou seja, planta a semente, mas ela fica a ver navios, orgasmo-wise). Consigo imaginar mais de que um método para expressar este sadismo inconsciente, mas de facto, o ejacular precoce não faz muito sucesso pelo público e tão pouco se encaixa no BDSM praticado actualmente. Mentes mais masculinas até que poderão interpretar esta precocidade como um forte sinal de virilidade. Espero que não sejam muitos. De acordo com o que estive a ler por aí, a ejaculação precoce é tendencialmente vista como problemática. Não sou muito a favor da problematização do que quer que seja, porque daí se desenvolvem certas situações pessoais, emocionais e relacionais. Consigo imaginar a ânsia, os nervos, a expectativa e até a insatisfação com o próprio e com o outro. A ejaculação precoce pode ser um problema, mas não o é, necessariamente. E isso provam as Coreanas, que num estudo mostram que mesmo com namorados que sofrem de ejaculação precoce, o nível de satisfação na relação, de acordo com elas, é bastante alto. Perceber que isto é algo que acontece a uns e a outros, numa ou outra altura da vida, mais ou menos regularmente, é provavelmente a forma mais saudável de ver a coisa. As causas são raramente orgânicas, não é uma infecção ou uma disfunção biológica que irá causar tal pressa no clímax masculino. Normalmente, os causadores, são de natureza psicológica, e não há nada de mais assustador do que pensar que isto não fica curado com uns simples comprimidos. Há que ter uma mente aberta para aceitar que é preciso experimentar umas coisinhas menos usuais, e que provavelmente há trabalhos de casa para fazer. As tácticas retardadoras do processo ejaculatório talvez sejam pensar no futebol, no IRS, na lista de supermercado, nas pernas peludas da sogra ou nas legislativas. Ou o que normalmente funciona, para os corpos simplesmente mais desabituados a sexo, é uma masturbação pré-coito, para acalmar os ânimos. Se o orgasmo masculino precoce é algo um pouco mais recorrente, muito provavelmente estas técnicas não funcionam. Porque é a comunicação entre o corpo e a mente, o pénis e o cérebro, que não entende aquele momento de ‘quase, quase’ lá, para o poder atrasar uns preciosos momentos mais. Por isso, se for qualquer coisa dita de mais problemática há quem tenha desenvolvido terapêuticas. Masters e Johnson sugerem ‘o aperto’ e Kaplan sugere o ‘pára-começa’. Passo a explicar: tanto um e outro são exercícios para serem vistos como tal, e se praticados com o parceiro com regularidade, produzem efeitos a longo prazo. O aperto é qualquer coisa como apertar com o polegar a uretra com a cabeça do pénis entre dois dedos. Isto deverá ser feito assim que o indivíduo se sentir mais próximo do derradeiro momento, o mais próximo que conseguir. Depois de acalmar a ânsia, mas não perder a erecção, retomar o processo. O ‘pára-começa’, acho que conseguem imaginar do que se trata. Para não desanimar as almas sexualizadas, e para clarear a nuvem problematizadora que a ejaculação precoce às vezes carrega, sugiro, então, a reflexão das coisas boas que pode trazer, porque nem tudo é assim tão terrível. 1. Faz sentir uma mulher sexy. Imaginem uma ejaculação descontrolada pelo simples vislumbre de um mamilo, ou de todo um corpo giro. ‘Sou tão boa que ele nem aguentou’. Parece-vos estranho, mas prometo que não é incomum. 2. É fácil, rápido e dá milhões. Para os casais de ambos membros especialmente orgásmicos que desejam uma vida sexual saudável mas que tem pouco tempo para estas coisas. Pessoas ocupadas, que querem dormir a horas e trabalhar no dia seguinte depois da satisfação mútua de se terem por uns bons minutos. 3. Perceber que o sexo não deveria terminar só porque ele se vem. Vejamos, há toda uma selecção de actividades eróticas para prolongar o momento. Diria até que apela à criatividade de cada um. 4. Obriga a comunicação. O que a ejaculação precoce traz de melhor é provavelmente a possibilidade da expectativa sexual, ou até o descontentamento, ser discutido e resolvido. Ejaculação precoce não é de todo o fim do mundo, já se viu que é uma coisa que pode ser muito bem trabalhada. Agora o que se precisa é: pessoas disponíveis para tal. Um apelo pela criativa dissolução do que a ejaculação precoce representa de mau. Assim, na pequena estória da semana passada, imaginem o mesmo desenrolar, e da surpresa e embaraço de ele se vir assim, de repente, vem… tudo o resto que ficou por acontecer.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesEra uma vez [dropcap style=’circle’]E[/drocap]ra uma vez um Adão e uma Eva que perdidos no pecado que uma maçã pecaminosa traria, se perderam na fornicação eterna e criaram a humanidade com base em duas fontes de informação genética. Os filhos, fornicadores por igual, povoaram todo o planeta com ainda mais fornicadores e sodomizadores. E assim conseguimos chegar à população que temos hoje. Esta é a estória de dois desses indivíduos: homem e mulher. Imagino ela, uma boémia parisiense do início do século XX, mas na contemporaneidade dos tempos, que o Miller tão bem sabe descrever e que raramente se encontram fora de livros. Ele não é muito diferente, transpirando sexo de todas as maneiras e feitios, envolve-se no gozo e na abstracção que o foder lhe dá. Conheceram-se numa noite de copos, numa saída à discoteca, eram amigos do amigo do amigo. Ela nem queria sair de todo porque acordou cheia de jeitos indomáveis no cabelo, potencialmente ridículos. Ele normalmente estava sempre pronto para sair à noite, nem que fosse pelo entusiasmo de encontrar uma nova aventura sexual, na perspectiva de agitar a tão necessitada e desejada adrenalina. [quote_box_left]A escolha, o comportamento, nunca é devidamente justificado. São coisas que acontecem que se poderiam explicar pelo esoterismo, a razão ou o inevitável. Não interessa, o sexo iria acontecer[/quote_box_left] De uma química duvidosamente automática, corpos embriagados envolvem-se na esperança de encontrar algo de muito seu, mas de muito universal ao mesmo tempo. O desejo sexual, a libido, que tão vulgarmente se mostra nestes lugares escuros com a ocasional luz intermitente e ofuscante em combinação com um sangue embriagado, oferece um entorpecimento dos sentidos inevitável. A decisão é feita com o olhar, com o cheiro de um perfume barato, o dela, e um perfume caro, o dele. Todos os sentidos confusos de ter um novo corpo por perto, tão perto. Poderia ter começado com um toque de mãos mas nesta narrativa começou com um beijo, no canto da boca que facilmente se deslocou para um intermitente toque de língua. Ambos com um hálito terrível, de quem passou a noite a comer snacks com especiarias especialmente fortes, e muito álcool. Ela fuma, por isso com um sabor a cinzeiro à mistura. Uma troca de saliva poderosa, ensopando a boca de cada um, ensopando o sexo de cada um. O toque e o cheiro e todo o apalpanço que é feito também contribuem para este molhar. O toque das barrigas com camadas de roupa e as mãos na cintura que descem para o rabo se a pouca vergonha pública assim o permitir. Os heróis desta estória já estão encostados a uma parede para restabelecer o equilíbrio. A respiração ofegante de sinais de um tesão descontrolado. Ela já o sente. Ele a sentiria se não fossem as calças de ganga a ocultar a lubrificação e a sua forma assimétrica, com os lábios maiores de tamanho distinto. Por mais que o sangue estivesse a alimentar a tensão nas zonas erógenas do corpo e o desejo crescesse cada vez mais, estavam em público, no meio de estranhos. Diria a convenção que não se podiam despir nem de se sentirem totalmente, ali. Os movimentos de anca já faziam adivinhar o desfecho daquela noite, uma noite como outra qualquer. A escolha, o comportamento, nunca é devidamente justificado. São coisas que acontecem que se poderiam explicar pelo esoterismo, a razão ou o inevitável. Não interessa, o sexo iria acontecer. Chega o momento que têm que decidir: onde? Onde vão foder, fazer amor, a nomenclatura que preferirem. Poderia ser ali mesmo, na escuridão que um canto de discoteca proporciona, ou irem para casa de um dos dois. Mas como raio iriam quebrar toda a tensão desenvolvida até então, para apanharem um táxi, encontrarem um quarto e começarem o crescendo todo de novo? São as vicissitudes da vida. Com muito custo e de uma praticabilidade feroz saíram do transe e puseram-se a andar. Foram para casa dela. Chegaram e restabeleceram a química, agora a custo, porque as luzes fluorescentes desvendavam as caras cansadas de uma noite de copos e do avanço da madrugada. O melhor seria acender um candeeiro para ajudar a criar aquele ambiente íntimo, mais romântico. Mas ela não tinha nenhum. Começam a despir-se a restabelecer a ânsia anterior. A nudez, o cheiro e o desejo. Uma dança de corpos entrelaçados e de sexos molhados e preparados para a primeira penetração. Ela em êxtase puro e ele igualmente hipnotizado pelo desejo de entrar. O momento que se aproxima, cada vez mais próximos e… ejaculação, muito precoce.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesFixação Oral [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]a fixação oral chega a reflexão sobre o sexo oral. O termo, bastante auto-explicativo, sugere sexo com a boca. Há quem acredite (e isto aconteceu-me mesmo) que se trata de falar sobre sexo, ou mesmo, falar sobre o amor. Visões mais ingénuas e românticas à parte, sexo oral é daquelas práticas que já se tornaram comuns, aceites. A minha fantasia me dirá que em tempos antigos sexo oral, feminino ou masculino, não seria tão facilmente encontrado. Mas posso estar errada. Projectos futuros seriam de discutir sexo com a terceira idade, se o meu à vontade o permitisse. Esta oralidade amorosa (genital), no decorrer das descobertas sexuais, poderá constituir uma preocupação, um nervosismo especial entre as camadas mais jovens. Já é choque suficiente ter que se consciencializar pela exposição do orgão sexual ao outro, pior ainda será pensar que se tem que aproximar com uma intimidade tal e natural para chupar e lamber. Convenhamos que até então aquela área estava destinada ao regular xixi e à masturbação, ter que aproximar a boca, o nariz, os olhos ao órgão sexual do outro poderá ser potencialmente intimidador para ambos. Tanto quanto sei de broches, os homens (rapazes) não se acanham em pedi-los, que põe a menina numa posição difícil. Não que sejam obrigadas, mas sentem-se obrigadas. E isso tira todo e qualquer prazer que pudesse suscitar. Aliás, o prazer de presentear com sexo oral no rapaz provavelmente só virá quando este o deixar de pedir: são estes os depoimentos que me têm dado. Um estudo que se debruçou especialmente na temática do sexo oral entre os jovens adultos, veio também clarificar que sexo oral nas meninas vem em troca do sexo oral nos meninos, ou seja, faz-se um broche para receber um minete, com alguma sorte. A esperança é a aquela de que o sexo oral não seja necessariamente um castigo, ou uma troca de fretes alternadas. Claro que não. Adultos de sexualidade desenvolvida e desinibida já o incluem nas suas práticas sem pedir nada em troca. Um bom broche ou um bom minete é o apogeu do altruísmo sexual. Um sinal de dedicação ao outro, tanto que um outro estudo diz que sexo oral é mais comum em relacionamentos duradouros. Talvez essa história do falar ‘do amor’ não seja tão despropositada quanto isso. Agora, sexo oral é uma arte a ser desenvolvida e muito praticada. Porque se numa dança penetrativa pode-se ajeitar o que cada um gosta mais e lhes dá mais prazer, andar a explorar lá em baixo com a boca talvez seja mais desafiante. São muitos os mistérios que envolvem o caminho para o clímax oral. Nos homens talvez haja alguma facilidade, nas mulheres pode ser um pouquinho mais difícil. Não são missões impossíveis mas são missões que exigem dedicação e atenção. Atenção às necessidades, aos sinais, aos gemidos do outro. Até porque há toda uma coreografia de anca quando se aproxima da hora H. Até lá é um jogo de profundidade, de saliva e de algum jogo de mãos. A oferecer aos homens ainda há o adicional ‘teabag’ que a cultura popular televisiva ensinou ser uma sofisticada técnica de prazer oral aos testículos. Deixo à vossa imaginação. Sobre o orgasmo, a pornografia expõe as situações e as práticas que inquietam mentes: engolir ou não engolir. Não é das conversas mais comuns enquanto as amigas tomam o seu chazinho. No fundo não se percebe o que é normal ou facilmente aceite. És da vanguarda, da badalhoquice, da taradice, és prática. Ou simplesmente é muito amor para engolir tal quantidade calórica cromossómica. Como nem eu própria entendi a conotação que existe, pelo menos entre mulheres, com toda a segurança garanto que não é importante engolir ou não. Porque em boa verdade nenhum homem se sentiria em grande coragem de fazê-lo ele próprio, leia-se, engolir o seu próprio esperma. Para homens pode ser uma prova de amor ou uma prova de uma sensualidade pornográfica que virá em diversos níveis de insistência. Às mulheres insisto eu: se não há qualquer obrigatoriedade para o sexo, engolir está longe de ser um pré-requisito sexual. Faz-se o que se quer. Pornografismos à parte. Para os que têm dificuldades com altruísmo há sempre o número de uma perfeita harmonia e simetria. Sexo oral a rodos e para todos, ao mesmo tempo, sem discussões ou conflitos. Sessenta e nove de uma logística mais ou menos complicada, com resultados possíveis, democráticos.
Tânia dos Santos SexanálisePré-acto [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]reparativos são mais ou menos necessários dependendo da personalidade de quem os pratica. Há quem queira ser espontâneo ou há quem tente preparar ao ínfimo pormenor tudo o que vai acontecer. Isto sou eu a pensar na generalidade, para quem gosta de viajar, organizar um jantar ou nas nossas rotineiras vivências. O que se faz com preparativos para sexo? Preparações logísticas, mentais e físicas contribuem para a performance e à sua optimização. Poderia pensar em lingerie da mais alta qualidade, uns acessórios excitantes daquelas lojas que não têm direito a montra. Há diferentes níveis de criatividade que mostram todo o potencial apimentador do sexo, que vai de organização kinky até a uma lubrificação bem feita, para a coisa correr bem. Para mulheres se prepararem para sexo, convém existir alguma dica de que a coisa vai acontecer. Para as mais preocupadas, depilação e lingerie são questões importantes a serem consideradas. Para as menos preocupadas, talvez não seja necessário, mas sei lá, convém haver um preservativo à mão. Pois que a ânsia para o sexo faz o tico e o teco aumentarem a sua actividade fantasiosa. Pois que de fantasias se vive o prazer, e a lubrificação também agradece. Sexo não é penetração vaginal, única e exclusivamente. Se a sua definição é vista como tal, talvez que daí se justifique o uso do sexo anal para evitar a sua tão assustadora e possível disrupção (talvez nunca entenderam que ‘sexo’ está em sexo anal…). Se se concentrarem em fantasias, naquelas imagens mentais que nos assolam dia e noite em dias mais sexualmente necessitados, o que se vê: corpos, toques, apertos e entradas e saídas (digitais, orais, genitais). Um saudável salpicar de tudo. Chegamos então à fantástica conclusão que sexo na sua definição redutora não satisfaz os apetites de todos quando tentamos teórica e empiricamente percebê-la. Que isto tem que ver com preparativos e, em especial, preliminares? Pois que os preliminares deveriam ser menos pre, tornando-se parte do processo, do acto, da concepção. Sem este q.b. de preparação mental e física, o pinar pouco se via. Os preliminares são popularmente entendidos como aquele tempo necessário antes de sexo que se estende por mais tempo por vontade das mulheres e por menos tempo por vontade dos homens, com a importante função biológica de lubrificação. Há um estudo que vem mostrar que, na verdade, o tempo que se deseja para os tais preliminares é o mesmo, tanto para homens como para mulheres (tenho que agradecer a referência académica ao blog da Leonor – prontoadespir.me – com textos sobre sexo de uma audácia e descomplicação sem igual). Escandaloso pensar que há mulheres que cortam os seus preliminares porque acham que ele não quer, e homens que são levados no embalo do que acreditam ser vontade dela, e não reclamam por mais! Mais preliminares para estas mesas, por favor! O estudo também mostra que as expectativas são entendidas através de estereótipos sexuais que temos do parceiro, que têm pouca consideração das necessidades individuais, e mais – das do casal e da sua dinâmica. Não querendo cair em clichés, vou cair: senhores e senhoras, é preciso comunicar. Comunicar verbal ou não verbalmente se querem continuar no amasso, se o querem apressar. Whatever. Claramente que existem situações onde longos preliminares (não estou a gostar nada desta palavra, é do sufixo, mas à falta de melhor…) não fazem sentido. Pensem naquela rapidinha antes de ir trabalhar, por exemplo. Enaltecendo a funcionalidade dos liminares (não resulta) que pode ser mais ou menos propositada, o foreplay (gosto mais) traz não só o desenrolar de um desejo inusitado e descontrolado, mas faz uso da imaginação do prazer. Vai do uso da pele (referido anteriormente) à criatividade dos jogos genitais e zonas erógenas que com classe e eficácia são estimuladas. Reparem que me referi a classe, porque destes automatismos esperam-se a ausência… de classe. Usar os mamilos como sintonizadores de rádio à espera de um interruptor de vontade sexual, não impressiona. Nada contra estimular mamilos per se, mas há que não ficar por aí. Há desespero por encontrar uma fórmula milagrosa de excitação que por vezes é confundida com o estimular um mamilo, ora o direito, ora o esquerdo e dedilhar o clitóris, à vez – no sentido dos ponteiros do relógio. A ocasional lambidela no pescoço, o afogar orelhas em saliva, já lhes conhecemos as manhas. De interesse o prazer e uma optimização lubrificadora (de ambas as partes), uma fórmula infalível talvez seja uma procura desnecessária. Mas que não vá desencorajar o explorar, as explorações sexuais.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAo léu [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] finais de Agosto fica a saudade de um Verão de aroma costeiro-rural ou a frustração de quem não pôde ficar de papo para o ar. Sofrendo de uma ou de outra, neste hemisfério norte é impossível não ficar indiferente à quantidade de pele em exposição, seja na praia ou no calor urbano, as indumentárias são as que favorecem o pessoal. Ainda para mais Verão rima com tesão. Há qualquer coisa no ar, nas peles bronzeadas que já passaram pelos pólens da primavera, manchas de sal e o cheiro a protector solar que suscita toda uma outra percepção do corpo e eventualmente, do sexo. Há uma liberdade hippie que se apodera dos mamilos mais tímidos e das pernas de todos os feitios. O entendimento do corpo nu, que é tendencialmente sexual, da exposição e do voyeurismo se alimenta nesta estação tão sexy. Contudo, estes nichos de libertação corporal são raramente a norma, porque da exposição à afronta não vai muito. Disto sabem as mulheres que viajam um pouquinho (ou muito). O corpo da mulher, de beleza mais do que reconhecida, transporta a política que a pele à mostra exige, até às formas que as sustêm. Ninguém fica indiferente às ditaduras do corpo e às culturas (paranóias) individuais e colectivas de ideais inatingíveis. Que seja um rabo gigantesco ou umas pernas palito, pele moreníssima ou de brancura leitosa, mamas grandes ou para quem prefira pequenas. A diversidade que deveria ser tomada como um parque de diversões – a descoberta do corpo novo! – tem o peso e a preocupação das normas de beleza em vigor. Experimentem passar uns três minutos (mais do que isso é tortura) a olhar para as capas de revistas ditas ‘femininas’ que tentam auxiliar as mulheres por esse mundo fora na sua prática de identidade de género. Do ridículo ao castrador se sentem as sugestões que perpetuam pura estupidez que muita revolta provoca. ‘O que os homens gostam’. Puff. Com os homens, as inseguranças são outras. Queria encontrar paranóias anedóticas das inseguranças do corpo, mas com pouco sucesso. Parece que a preocupação se deita na performance sexual e no medo de ficar nu só com meias. Não acho absolutamente terrível tal imagem mental, mas para os que se preocupam: é tirar as meias assim que se tirar as calças. Garantias de não ficar preso no ‘sock gap’. Mas no Verão talvez não seja tão problemático, talvez usem chinelos e sandálias mais regularmente. Sabemos também que os homens são percebidos como mais visuais que as mulheres, ou seja, dependem mais do estímulo visual para pô-lo para cima e as mulheres menos, para ficarem molhadas. A evolução explica o fenómeno pela necessidade das mulheres copularem, não com genes bonitos, mas com os indivíduos mais capazes de assegurar a protecção no complicado processo que é criar filhos (no tempo em que o sexo era só para isso). Os homens, por seu lado, na futilidade evolutiva, procuram meninas de carga genética invejável, para ter a certeza que a linhagem continua. Se hoje isto faz sentido, deixo ao vosso critério. Mas que não é fácil viver com o fantasma da futilidade e superficialidade quando se quer ter uma relação sexual saudável, não é. A praia para estes lados ocidentais, de uma forma terapêutica, corta com qualquer pudor que os corpos que menos se assemelham a cartazes publicitários possam ter. Há um orgulho especial entre homens e mulheres de todas as idades, na celulite, no peito mais ou menos caído, numas barrigas mais ou menos cheias de cerveja. De uma beleza natural, de um desenvolvimento natural, torna-se num alívio saber que HÁ diferenças, lindas de morrer. Todo o orgulho transportado neste veículo potenciador de orgasmos influencia toda a e qualquer actividade sexual. Porque o sexo precisa de uma entrega total, da sensualidade feminina ao vigor masculino, pela sua dinâmica e comunicação. Nesta minha reflexão semanal, onde todos e todas exibiam tudo o que de melhor tinham, pensei no sexo, no seu corpo, e nas suas limitações físicas, mas que de pouca realidade são encaradas. Pensa-se no pénis e no clitóris – sim, partes extremamente importantes – mas que se possa estender para todo e qualquer pormenor do corpo, com mais ou menos interesse. Pés, pulsos, joelhos, cocuruto, de homens e mulheres. Pensem nos vossos corpos como templos eternos de prazer onde esse órgão enorme, a pele, se aproveita de toda e qualquer carícia que haja para oferecer. Sim, os homens têm um tecido adiposo mais grosso e talvez não se arrepiem tanto como as mulheres o fazem. Mas também gostam de festinhas. Festinhas, lambidelas, apalpões. Com os nervos da performance do casal igualmente, pessoas atacam única e exclusivamente as zonas erógenas nesse momento tão crucial pré-coito – os preliminares. Não totalmente errado, mas aborrecido. Aproveitem o calor e desfrutem (quiçá com umas rapidinhas ou lentinhas ao ar livre). Mais preliminares em breve.
Tânia dos Santos SexanáliseAnaltecendo [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]creditem ou não quando pensei no nome ‘Sexanálise’ para uma rubrica sobre sexo, tinha em mente o trocadilho freudiano para clarificar que o meu objectivo era o de dissecar ao tutano alguns aspectos da sexualidade humana. A reacção alheia era, no entanto, a surpresa e a jocosa expressão de quem tivesse visto em luzes neon as palavras SEXO ANAL. Sexanálise, sexo anal. Estou agora bastante ciente da semelhança. O momento chegou para todo um artigo sobre o tema. Sexo anal, uma prática de todo não exclusiva a casais homossexuais, é um tema surpreendentemente complexo. Chamar-lhe-ia polémico se não fosse a forma politizada do vocábulo que de uma forma exagerada nos leva à violência do que é ser enrabado social, política e sexualmente. Fico-me pelo enranbanço sexual-literário de quem se debruça (debruçar – linda escolha de palavra) pelo tema. Vi-me obrigada a falar sobre a referida actividade quando num romance do Jorge Amado há uma referência a sexo ‘por trás’. Uma aula de literatura numa Universidade chinesa levou a toda uma conversa que em muitas semelhanças teve com uma aula de educação sexual. ‘Há vários tipos de sexo’… etc, etc. Que não haja surpresa que, no romance, sexo anal era usado como o método de preservação de uma muito afamada ditadura da virgindade. Prática ainda comum para as que temem o coito pré-conjugal ou para quem prefere jogar pelo seguro, gravidez-wise. Para outros, o olho do cu é de uma santidade imaculada. Nas minhas informais observações, o mundo tendencialmente divide-se entre um puritanismo exagerado ou uma instrumentalidade do acto, ou seja, ou és essencialmente contra ou és a favor porque convém, pelas razões supracitadas. Existe, contudo, toda uma terceira categoria que nas formas sociais se dá menos a mostrar. Sexo anal, como parte de uma sexualidade normal e prazerosa por todos os envolvidos, é mais difícil de encontrar. Aliás, é daquelas perguntas clássicas naqueles jogos parvos de objectivo a humilhação ou vanglória, tipo verdade ou consequência. ‘Gostas de levar no cu?’ Acho que conseguem sentir o peso das palavras a ecoar no universo do embaraço. Culpo o desenvolvimento semântico e morfológico da sodomia de toda a apreensão acerca do ânus. Em geral, há toda uma reacção visceral quando se pensa no corpo humano, qualquer parte que seja. O sexo ajudou a amenizar toda a feiura do corpo para algo digno de ser louvável e venerado, se mudou a nossa representação da nossa parte de trás, talvez não. James Joyce nas suas cartas de amor a Nora, de uma grande natureza erótica, até que é bem gráfico e honesto nas suas fantasias anais: ‘glorying in the very stink and sweat that rises from your arse’. Nem me atrevo a traduzir para português, só para não perder a sua genialidade. Mas isto do sexo anal anda a tornar-se cada vez mais mainstream, e graças às novas vozes de uma geração de um empoderamento sexual feminino, há dicas e discussões que se vêm à tona. Para quem tiver curiosidade, a Beatriz Gosta, o novo fenómeno no youtube, no seu último sketch da primeira temporada faz um ABC esclarecedor ao sexo anal, para todos os interessados em desenvolver a prática, bem informados. Até porque branqueamento anal já é uma preocupação em certos círculos, normalmente pornográficos, mas que demonstra toda uma nova consciência pela parte traseira que vai para além de umas bochechas jeitosas. A temática torna-se ameaçadora, até, se falarmos de sexo anal em homens heterossexuais. Para além de uns comentários parvos, o sexo anal não é falado de todo. Obviamente que mulheres não estão fisicamente preparadas para tal actividade, mas damos todos graças pela existência de sex shops e brinquedos que possam satisfazer qualquer fantasia. Os homens que poderiam achar alguma graça a tal ideia são muito poucos, sem surpresa. E agora perdoem-me porque vou me perder em raciocínios mais abstractos. Gosto de reflectir sobre simbolismos de todo o tipo de práticas e não consigo abstrair me do facto que a perseverança da virgindade anal heterossexual tenha mais do que se lhe diga. Para uma mente inocente como a minha que se prende pela tão pratica essência das coisas, anatomicamente falando, homens deveriam estar mais do que satisfeitos com uma proposta assim. Mas não estão. Rejeitam e repudiam. O porquê seria muito interessante de perceber. A resposta mais simples seria de uma inerente homofobia ou a descoberta de uma escondida homo-simpatia. Ou será um medo de perda de controlo que relações heterossexuais normalmente preconizam? Medo porque julgar-se-á frágil e indefeso. Numa posição de vulnerabilidade nunca antes vista ou sentida. Senhores, talvez uns exercícios de disrupção e contestação psicossocial façam bem à humanidade. Analtecendo o que o sexo tem de melhor.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesGrafismos [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão sou do tempo em que as descobertas sexuais envolvessem uma VHS roubada do irmão mais velho onde um conjunto de jovens se deliciava (se assustava) com cenas de sexo. As sortudas minorias assim consideradas em outras décadas, de minoria têm agora muito pouco. A pornografia é agora de fácil acesso – leia-se – de muito fácil acesso. Até a minha avó, na sua santa inocência, se depara com a sexualidade gráfica que a internet acidentalmente oferece quando vai cuscar as redes sociais de família afastada (avós modernas). Há uns 5 anos atrás vivi em Budapeste, para quem não sabe, a capital da pornografia europeia. Nunca a razão principal para a minha visita, salienta-se, mas a vivência era obrigatóriamente feita com sex shops a cada esquina e a ocasional proposta para fazer de figurante em filmes adultos. Escusado será dizer que poucos foram aqueles que recusaram a oportunidade de experiênciar a indústria. Ver pornografia ao vivo ao mesmo tempo que davam a cara ao comum mortal a encher a multidão que o enredo obrigava, sei lá, num autocarro? Só os loucos o recusariam. Até porque interacções menores eram bem possíveis, com alguma sorte havia permissão para dar uma ou outra palmadinha na actriz. Degradante ou não, a verdade é que a pornografia veio para ficar. O que se sabe sobre esta exposição fácil e por vezes excessiva é espectacularmente reduzida. Para todos os estudos realizados sobre os efeitos da pornografia houve dificuldades em criar um grupo de controlo, ou seja, um grupo de pessoas que não use pornografia de todo (só assim saberemos que o efeito se deve à variável estudada ou não). Mas não há ninguém. Se há homens que nunca sequer uma cena de pornografia viu, acusem-se porque ciência precisa de vocês. A tendência para julgar de tarado o ser humano que perde umas horas da sua vida com pornografia, já é, felizmente, considerada um exagero. Estes vídeos XXX até que contribuem positivamente para umas coisas (negativamente para outras, não se esqueçam). Fazem parte de uma sexualidade saudável e até divertida, sozinho ou acompanhado. Diz a cultura popular que as mulheres passam-se quando descobrem que os seus parceiros se divertem a olhar para os gemidos de meninas especialmente mamalhudas. Haja sensatez que entenda que pornografia é um auxílio, uma ferramenta, e não um fim em si mesmo. Porque vejamos, a pornografia assemelha-se ao sexo tal como contos de fada assemelham-se ao amor. Não têm nada que ver com a realidade. Parece impossível acreditar, mas há quem se firmemente convença de que sexo é tudo aquilo que a indústria perpetua. Mulheres obcecadas por pénis gigantes, violência a roçar o kinky, uns estalos para aqui e umas palmadas para lá. Orgasmos muito fáceis de atingir (maior parte das vezes por trás), penetrações duplas (muitas!), mulheres bissexuais (todas!), e muita falta de pêlos púbicos. Todas estas filmagens são normalmente feitas por homens e para homens e por isso, se há falta de um público feminino a isso se deve, nada contra a pornografia em si. [quote_box_left]Haja sensatez que entenda que pornografia é um auxílio, uma ferramenta, e não um fim em si mesmo. Porque vejamos, a pornografia assemelha-se ao sexo tal como contos de fada assemelham-se ao amor. Não têm nada que ver com a realidade[/quote_box_left] Se existe vício, existe. Uma sexualidade essencialmente pornográfica vem do conforto da masturbação e de um computador sempre à mão. Acho que estamos todos de acordo que o coito com um ser humano é muitíssimo melhor que uma mão, ou um vibrador, ao som de gemidos exagerados. Só que sexo corre mal, mais regularmente do que gostaríamos. A pornografia? Sempre pronta, perfeita e airosa. De corpos para todos os gostos e fantasias ainda mais diversificadas. Trata-se de preguiça e da possibilidade de fo*** à grande (em todos os sentidos da palavra) que num cocktail hormonal fabuloso cria o vício de consequências sexualmente perturbadoras, entre elas, a impotência. Cruel, não é? Uma dedicação tão profunda ao sexo que resulta na impossibilidade do mesmo. Há quem tenha feito estudos neurológicos na tentativa de entender estes caminhos do prazer e do desprazer, porque toda esta exposição leva à indiferença, não só para sexo, mas para tudo. Da sociologia da pornografia, não me vou estender sobre a falta de uma perspectiva femininista na prática pornográfica, acho que a maioria da população está ciente do retrato que é perpetuado à mulher e ao seu papel na relação sexual. Sei de muitas histórias de homens que só atingem o clímax nas posições mais impessoais, na cara de uma mulher ou não ejaculam de todo. Mas quem fala de retratos femininos, fala de outros exemplos. O mais interessante que ouvi recentemente é o de um estudante de direito Americano-Asiático que se apercebeu como os homens asiáticos estão mal representados no mundo da pornografia. Tanto quanto sei, pôs o seu curso em pausa e agora dedica-se ao Asianschlong.com onde procura outros asiáticos que queiram seguir uma carreira na pornografia e desenvolver uma nova tendência. Acima de tudo, a pornografia tem que ser consumida… com moderação.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO sexo e a cultura [dropcap style=’circle’]V[/dropcap]iva a globalização e intercâmbio sexo-cultural que sempre existiu mas agora mais comum se tornou! Pois viva. Precisaria de dois pares de mãos (ou talvez mais) para contar todos aqueles que perto de mim tiveram um romance de idiossincrasias culturais. O exotismo de fenótipos de uma pluralidade sem igual, e concepções mais ou menos taradas com correspondência ao país de passaporte. Estereótipos há muitos seus palermas! E parece que sexo na sua essência não difere por aí além. Todos assim concordaram, quando na minha informalidade lhes perguntava detalhes mais tórridos de experiências potencialmente anedóticas. Contudo, presa em meditações semânticas, se mal entendidos existissem, teriam que ver com um vocabulário inexistente ou inconsistente. Acho que se pensarmos bem não é de todo o tipo de aulas que nos são dadas aquando aprendemos um novo idioma. E vá lá que palavrões nos são fornecidos aqui e ali, que já é meio caminho andado. Sobre sexo – sexo – há uma carência formal que, de qualquer modo, facilmente será colmatada no acto em si. Na formalidade, faz-se o que as convenções nos permitem, e olhem que já estiquei a corda para os que se interessavam. Ao ‘Amor é Fodido’ de Miguel Esteves Cardoso eu agradeço por tão esclarecedoras explicações e pelas tão profundas discussões que incentivou entre os meus alunos de língua Portuguesa. Nunca houve nada mais curioso que explorar estes tabus na timidez que os meus alunos mostravam. Na minha contínua pesquisa, as histórias mais hilariantes ficam-se no meio do Atlântico, na confusão que a incoerência entre o Português do Brasil e o de Portugal cria. Amigos brasileiros em Portugal bem avisam que ‘vir-se na cara’ soa a uma oferta de porrada. Há que anotar: vir-se = gozar. E muitas outras às quais não faço qualquer intenção de destruir o prazer da descoberta. Um incentivo ao empirismo. Porque até as técnicas de sedução se mostram fonte de discussões culturais. Há formalidades que terão que ser respeitadas na farra, diz me um amigo que em Cabo Verde danças três vezes com a mesma menina/menino e uma noite divertida é garantida. Na Polónia sei eu que o dançar de movimentos altamente sexuais são o menos que se relaciona com uma noite de loucura, é a norma que me confundiu de como a sedução de facto funciona. No Brasil os rapazes andam à caça agressiva enquanto as moças (no Brasil não se diz rapariga!) se decidem pela amostra presente. Em países nórdicos dizem os rumores que a frontalidade reina. E de facto aconteceu-me: ‘Tenho um quarto lá em cima, queres vir comigo e foder?’ ‘Não, mas obrigada’, respondi eu com surpresa do surgimento de qualquer interesse sexual quando as únicas palavras trocadas foram somente a perguntar se conhecia uma tal banda Norueguesa. Os desafios mostram-se ainda mais complexos quando analisados relacionamentos de longo-prazo. Como podem calcular casais biculturais têm o potencial de se mostrarem confusos, mas que contudo esta diferença está a favor da intimidade. Há estudos que mostram que a satisfação conjugal em casais biculturais é alta porque os desafios, sejam linguísticas, familiares e etc., são ultrapassados. Assim, há um sentimento de conquista que em casais monoculturais talvez seja menos óbvia – existem mais metas a serem ultrapassadas e mais satisfação sentida quando bem sucedidas. Uma delas provavelmente será reconstruir o sexo na sua vida a dois. Porque se já sabemos que há palavras diferentes para as coisas, também há concepções diferentes para as coisas (e.g. sexo anal: uma raridade vs uma banalidade). Há todo um reportório de expectativas que potencialmente incentivam o desejo destes envolvimentos que a globalização disponibilizou. Pensem no Vicky Cristina Barcelona e nas histórias de loucura com Javier Bardem e toda a fantasia ibérico-latina. É na procura do desconhecido, por mares nunca dantes navegados, que se encontram novidades sensuais e a excitação, muita excitação. Os Portugueses nas suas vagas migratórias bem o sabem e bem o sentem. De Portugal à China temos Macau na sua encruzilhada amorosa e sexual, de casais de todos os formatos e feitios que trazem muitos mais do que um mero charme Macaense. E para encher o peito do povo lusitano, teimo em acrescentar que nunca encontrei uma tradução fiel à palavra ‘minete’, calão usado como substantivo de sexo oral feminino. Há substantivação de verbos, há expressões idiomáticas, mas nada que se compare ao da bela língua Portuguesa. Se há fama portuguesa a ser estereotipada, sugiro que seja esta.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDevaneios fálicos [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]espedidas de solteira convidam a um exagero fálico, quer queiramos ou não. Tivemos a sorte de a meio da organização de uma despedida de solteira de referências sci-fi a pedido da noiva, caírem do céu uns bilhetes para um espectáculo musical com homens nus. Muito apropriado. Lá fomos ver e ouvir as danças e canções de um grupo de homens que orgulhosamente exibiam os seus pénis. Provavelmente foi esta a primeira oportunidade de ficar a admirar assim de certa distância pénis na sua pluralidade e diferença. Timidamente (a corar!) ficámos a calcular proporções entre alturas e tamanhos quando estrategicamente alinhados estes homens nus ficavam cantarolando versos contra o preconceito do nu masculino. Tenho ideia que é generalizado que o pénis é objectivamente feio (note-se: a vulva também). Não erecto então, é ainda mais aborrecido, sem graça e sem jeito definido. Houve quem então se focasse nos rabinhos, outras nas barrigas semi-tonificadas ou tonificadas de todo. Um festival para os olhos, passe a expressão inglesa. E dançavam bastante, abanavam-se bastante. Enfim, foi tema de conversa para este grupo de mulheres todo um fim-de-semana. Devaneios fálicos na sua mais pura forma de partilhas e confissões que não o seriam de outra forma, se não tivessem um contexto tão óbvio. Desde pénis com formas de lápis invertido, virado para a esquerda ou para a direita, em todas as tonalidades de cor-de-rosa. Há de tudo. [quote_box_right]Entenda-se que há mulheres para toda uma diversidade de critérios, por isso, e por razões óbvias, não há uma fórmula universal para uma masculinidade atraente, e é o que nos salva, porque senão andávamos sempre atrás dos mesmos espécimes[/quote_box_right] Claro que estas conversas tiveram que passar pelas múltiplas definições de masculinidade e atracção. A conclusão a que chego é que nós (o nosso grupinho de mulheres) não precisamos de provas empíricas de um pénis lustroso e gigantesco para uma masculinidade assumida. O Paul Newman em “Cool Hand Luke”, parece que assume uma masculinidade normalmente entendida e suportada por homens, da qual eu pouco entendo. Quem conhece o filme há-de saber. O que há de heróico em comer muitos ovos de uma só vez? Não sei, digam-me vocês. Pelo Paul Newman derreto-me totalmente, mas pela sensibilidade e o sentido artístico que um actor de tamanhas proporções e tamanha beleza podem esperar. Mas esta sensibilidade artística a roçar o romântica já faz parte das expectativas de muitas mulheres, com mais ou menos legitimidade. Ou seja, se cruzarmos as expectativas de engate entre homens e mulheres muito provavelmente encontramos discrepâncias. Entenda-se que há mulheres para toda uma diversidade de critérios, por isso, e por razões óbvias, não há uma fórmula universal para uma masculinidade atraente, e é o que nos salva, porque senão andávamos sempre atrás dos mesmos espécimes. Recentemente à conversa com uma conhecida numa festa qualquer, vim a descobrir que ela participava num fórum de ajuda aos homens. Nada de patológico ou especialmente grave, mas é qualquer coisa como uma plataforma onde homens expressam as suas dúvidas e pedem conselhos na busca de coragem – para abordar aquela gaja toda boa, com classe e confiança. Baixos, gordinhos, carecas, o que quer que seja. O objectivo é explicar ao sexo masculino sobre a atracção na mais óbvia das concepções, i.e., segurança e auto-estima. De bem verdade que há concepções masculinas sobre a masculinidade na minha opinião deveras preocupantes, e.g., os homens que se ficam na fundamental estupidez quando pensam que conseguem comprar alguém no séc. XXI no mundo ocidental. Talvez em países de percepção mais tradicional de género como, por exemplo, na China, onde se acredita que os homens mais ricos presenteiam orgasmos muito mais potentes – dizem os estudos “científicos” – nunca confessados na minha estadia na China continental. Uma apropriação evolutiva, quem sabe. E assim vos deixo com o Hallelujah na versão mangalho: Maaan-galho, maaaaan-galho, man-galho, man-galho, man-ga-lho-o!.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesApetites Sexuais [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]xistem expectativas (talvez demasiadas) para a intensidade do desejo sexual de acordo com género, orientação sexual e faixa etária. Estamos habituados a pensar na sexualidade dos jovens adultos como o vibrante tempo de um apogeu sexual sem igual, que mais tarde entra em declínio. Por razões de cariz biológico e social, há quem se veja menos inclinado à dita actividade quando rugas e momentos de impotência atacam. Compreensível. Nas minhas viagens já comuns e tempos de lazer obrigatórios à frente de um ecrã cheio de possibilidades cinematográficas, vi-me especialmente interessada nestas representações de amor e de sexo na terceira idade quando surgiu a oportunidade de rever os meus queridos Shirley Maclaine e Christopher Plummer num romance-drama septuagenário. Uma apaixonada por cinema de algumas décadas atrás como sou e conhecedora das suas carreiras no seus tempos áureos, ver dois grandes actores nos seus corpos actuais, que lembram o da minha avó (por razões óbvias), foi estranho, mas ainda assim, agradável de se ver. Surpreendeu-me especialmente a tentativa de recriação da famosa cena na Fonte de Trevi do filme La Dolce Vita de Federico Fellini, enquanto viajavam em Roma, no seu momento de loucura ‘carpe diem’. Com uma sexualidade assumida e um decote de dimensões invejáveis, Maclaine e Plummer vibram com a possibilidade de um final feliz, para todo o sempre e além. Com aquele brilhozinho nos olhos que persiste há décadas. Apesar de diversas fontes de entretenimento terem-se debruçado sobre esta temática da sexualidade dos mais velhos (vários filmes e séries ultimamente), muitos ainda atribuem o rótulo de tarados a quem se considera que a vontade para sexo já deveria ter caído em desuso. Está mal, porque a fornicação não é coisa dos mais novos. Até mesmo aqueles com distúrbios na aprendizagem, a sexualidade e o desejo existem e não são fáceis de explicar nem eles próprios do entenderem. Muitos são os técnicos que trabalham com esta população e que tentam incutir a uma sociedade superficial e dada à juventude que todos eles têm certas vontades. Parece que a taradice também fica para quem não se enquadra nas expectativas do indivíduo ‘funcional’ (seja lá o que isso for). Em Londres trabalha uma amiga onde se estabelecem programas de educação sexual para pais de jovens com dificuldades mentais, também sugerindo o recurso a profissionais do sexo, ademais a formação destes prestadores de serviços para lidar com os desafios das pessoas diferentes, com concepções sexuais diferentes, mas deveras com o mesma vontade de sexar como qualquer um de nós. Isto das expectativas lixam-nos a vida, sem dúvida. Vai dos homens serem ‘uber’ sexuais e estarem sempre prontos, a mulheres serem recatadas e constantemente com dores de cabeça. E se o contrário acontecer é porque os homens são impotentes e as mulheres uma safadas. Por mais críticos que sejamos relativamente à sexualidade em geral, parece impossível não nos deixarmos infectar com estes macaquinhos na cabeça. Quantas (quantas!) vezes não ouvi das minhas queridas amigas discursos que os perpetuam? Eu incluída. Há um sentimento de surpresa e confusão se um homem está sem vontade. Proveniente de muitas coisas, muitas vidas. Mas confusão porque nos põe num papel de pro-actividade que nos torna nas taradas da relação. Se mentes tradicionais vêem promiscuidade, eu vejo empowerment. Porque se há injustiça neste mundo, são destas mesmas mulheres que se vêem numa encruzilhada moral por quererem mais sexo e não se sentirem na posição de incitar. Um empowerment sexual genuíno de consequências, às vezes, frustrantes, mas possíveis de serem solucionadas. A forma mais original li de alguns terapeutas sexuais que sugerem dar de comer um ao outro (literalmente, dar comida à boca) para a restabelecer o apetite sexual no casal. A ligação que não me foi muito clara, mas de apetite em apetite alguma coisa se arranja.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPara além do arco-íris [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]sta semana vou fugir do que já tinha planeado abordar pela minha necessidade de celebrar o mais recente acontecimento que em muito contribui para a compreensão do sexo pelo mundo. Refiro-me aos arco-íris que têm sido orgulhosamente partilhados no que se julga ser um importante passo para a normalização do que durante muito tempo, e que infelizmente ainda por vezes, se julgava anormal ou anti-natural. A homossexualidade nas suas formas de activismo político e sexual adicionam uma constante procura de bem-estar pessoal e de contestação. E ainda bem, porque tenho a certeza que a sexualidade e o seu desenvolvimento não ficarão por aqui. O meu filme de análise será o Rocky Horror Picture Show. Filme musical de culto dos anos 70 que explora o género e a sexualidade nas suas ambiguidades como também nas suas concepções pré-estabelecidas. Para quem não conhece, imaginem pura liberdade e criatividade sexual, com criaturas extra-terrestres de um tal planeta longínquo chamado Transilvânia que usam saltos altos e cantam canções, em interacção com um casal de jovem adultos, ainda virgem (mas não por muito tempo). De absurdo tem tanto quanto de divertimento… um divertimento muito sexy. Temos a jovem e muito sensual Susan Sarandon que passa a maioria do tempo em roupa interior e o Tim Curry que usa saltos altos com uma confiança que muitas mulheres matariam por ter. Num espectacular acto final com todos os envolvidos de corpete e cinto de ligas, cantam refrões de incentivo ao prazer infindável numa orgásmica procura pela luxúria. O mais excitante (de cariz sexual ou não) é toda a confusão que persiste no género e orientação sexual durante todo o filme. Aqui, o espectro de orientação sexual proposta por Kinsley parece-me relevante para entender alguns enigmas do desejo. Kinsley, em busca de padrões sexuais comuns, encontrou grandes disparidades nos vários depoimentos de homens e/ou mulheres chegando, por isso, à conclusão que há quem possa ser mais ou menos heterossexual ou homossexual. A adicionar e para complicar, estudos antropológicos de género também mostram a possibilidade sermos mais ou menos homens ou mulheres, ou seja, existem felizmente estas ‘gray areas’ que desenvolvem um mar de possibilidades para quem queremos ser, na pura das honestidades. A categorização, processo psicológico que facilita o nosso entendimento do mundo, é sentida demasiadas vezes de forma estática que reduz as possibilidades de contestação a percepções de todo o tipo, neste caso, de como o sexo é sentido. Assim, a inclusão da homossexualidade nos direitos formais legislativos, que progressivamente se alastra no mundo, não é só um triunfo de uma minoria, mas da maioria. A normalização de formas de relacionamento outrora consideradas estranhas contribui para fluidez sexual de todos nós, e para as nossas fantasias hetero, bi ou homo que por vezes são expressas com vergonha ou confusão. Este desejo de fluidez de espectro, e este artigo, dedico a todos os amigos e amigas que sempre me confidenciam dilemas, conflitos interiores, e, em muitas conversas sobre sexo, com quem muito aprendi. Para todos aqueles que julgam que casamento entre pessoas do mesmo sexo trará catastróficos desequilíbrios na natureza, não faz mal, porque pelo menos será por amor e pelo acto glorioso que é a fornicação.
Tânia dos Santos Manchete SexanáliseExtâse Hedy Lamarr tinha 18 anos quando protagonizou o filme Ecstasy em 1933 [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]edy Lamarr protagoniza em 1933 o primeiro orgasmo feminino no grande ecrã, e, numa ousadia não-pornográfica, cenas de nudez a correr atrás de um cavalo. Trata-se do filme Ecstasy, filme mudo de uma natureza progressiva surpreendente que leva a jovem actriz de 18 anos a representar a complicada realidade da necessidade sexual e romântica, quando se vê casada com um senhor muito simpático, mas impotente. Pessoalmente, na expectativa pela grandiosidade do momento dito orgásmico, tive que timidamente rebobinar a fita para confirmar se esse era mesmo de um orgasmo que se tratava. Orgasmo discreto. Li algures pelo mundo cibernético que nossa querida Hedy Kiesler (Lamarr, só em Hollywood, para fugir do estigma do seu filme europeu de natureza erótica) sofreu de umas picadas no rabinho provocadas por alfinetes de dama, para atingir a expressão de clímax satisfatória ao realizador. O que nos diz sobre o orgasmo feminino? Nada que não saibamos: uma possível expressão de sofrimento (de expressão somente) parte do imaginário erótico e romântico desde há muito tempo. Apesar do seu já mediatismo em 1933, continua a ser tratado com as suas suposições cliché, com alguma complicação e desconhecimento. Para os homens mais altruístas tratado como uma meta cumulativa, a prova de que o seu envolvimento na actividade sexual satisfaz, para as mulheres, por vezes tratado da mesma forma. Ora isto obriga-me a fazer uma afirmação um tanto ou quanto óbvia: sexo não é orgasmo. É-me incrivelmente difícil não remeter a outras realidades cinematográficas neste tema tão pertinente, e.g., orgasmatron. E ainda mais difícil será não falar do orgasmo masculino, mas desse gostaria de dedicar toda uma outra secção, e ao Woody Allen também. Lá está, se pensarmos no sexo que a evolução nos ensina, talvez nos vejamos presos à ideia de que o orgasmo masculino é o culminar: esperma, bebés, etc., etc. e por isso deixa-nos a questão muito pertinente: para que serve o orgasmo feminino? Teoricamente se desenvolveram algumas ideias sobre o assunto, como a teoria da fidelidade, i.e., quando mais satisfeita com o tal parceiro orgásmico, menor a probabilidade de desenvolver relacionamentos extra-conjugais… Entre outras introspecções teóricas das quais o meu feminismo se queixou um pouco. Mais complicado nas entranhas do mistério feminino ainda é a diferenciação de Freud entre orgasmo vaginal e clitoriano, ainda desenvolvendo umas ideias das quais me dou autorização de julgar loucas, a mais surpreendente sendo que a inexistência de orgasmos vaginais poderá trazer consequências psíquicas graves, como a tão famosa histeria. Mais controverso e contemporâneo ainda, não é só a ideia do orgasmo vaginal mas a da existência de um ponto G e ademais uma ejaculação vaginal aquando encontrado. É claro que toda esta informação anda à deriva entre o pensamento socio-psicológico científico do século XIX, revistas cor-de-rosa ou cor-de-azul-bebé e da comunidade científica actual. Eu que gosto de pregar o sexo de um entendimento social, considero o orgasmo feminino o resultado directo do constante opinanço entre todos os actores de nível mais ou menos especializado. [quote_box_right]Se pensarmos no sexo que a evolução nos ensina, talvez nos vejamos presos à ideia de que o orgasmo masculino é o culminar: esperma, bebés, etc., etc. e por isso deixa-nos a questão muito pertinente: para que serve o orgasmo feminino?[/quote_box_right] Parece que é consensual o entendimento do orgasmo clitoriano, o vaginal, nem por isso. Se há quem defenda que não existe, outros usam a expressão com alguma facilidade e legitimidade e com pouco conhecimento sobre o assunto. Na comunidade científica bem que podia existir uma preocupação especial em defini-lo. São muitos os estudos que se baseiam em auto-relatos onde, por isso, a única evidência para a existência do orgasmo de tipo vaginal é a dita participante dizer que os tem. Certo. Sexo com penetração com alguma sorte nos traz um orgasmo, se a causa é de facto uma zona especial no interior das paredes da vagina, o mais provável é que não seja: é o clitóris a fazer o seu trabalho de novo, resultado de uns bons movimentos de anca e as coreografias que a actividade de fazer o amor incita. Há evidência em algumas mulheres (poucas) acerca da existência de uma possível estrutura nervosa dentro das paredes da vagina que de alguma forma se conecta com… o clitóris. Por isso querida Humanidade: no orgasmo feminino a chave está no clitóris, no clitóris e no clitóris. O interruptor de prazer infindável também conhecido como ponto G, esse já vi referido como o UFO ginecológico. Foram muitas as pessoas que perderam tempo em autópsias para perceber se há uma condição fisiológica para a crença dos tempos modernos. Não há. E agora sinto-me numa daquelas posições estranhas, a destruir fantasias, o irmão mais velho que diz que o Pai Natal não existe. Na verdade nem sei até que ponto as pessoas já sabem disto ou não, mas que a internet está cheia da ideia errada, está. De qualquer forma, não quero de maneira nenhuma menosprezar todo o acto sexual a uma massagem no clitóris, nada disso. Há que atentar a um holismo do sexo, desde preliminares até aos ocasionais mimos pós-coito. O segredo do orgasmo feminino não está tanto na posição geográfica mas de toda a retroalimentação da hormona oxitocina que se exalta das mais variadas maneiras e feitios, de acordo com os desejos de cada um. Existem estudos sobre diferentes tipos de orgasmo que baseiam a sua taxonomia na sensação e intensidade e que variam de acordo com coisas tão simples como ouvir a voz do seu amado, umas fantasias criativas ou outra qualquer taradice, enfim, you name it. Para o lado que o apetite vos virar.
Tânia dos Santos SexanáliseDe sexo a sexo [dropcap style=”circle”]O[/dropcap] sexo caracteriza-se pela versatilidade inusitada a que se propõe, na sua semântica ou na morfologia da sua actividade, este alicerça a vida de muito boa gente que se entrega ao complicado universo de relações humanas. O sexo encontra-se no entendimento de género, no desejo e no afecto, no marketing e no consumo. Sob o véu que o tabu (ainda) carrega, a sexualidade mostra-se nas mais inocentes formas de agir e nos mais ingénuos dos entendimentos. Teria escrito uma carta de agradecimento a Freud pelo seu esforço e contributo à fornicação, ademais, pela fantástica capacidade de se incluir na cultura popular pós-moderna com os mistérios que a sexualidade se envolve. Se o sexo (e o desejo) é popular, ao seu mistério agradecemos. Tenho dificuldade em ir em conversas onde o sexo, na sua complexidade conhecida, é reduzido a um instinto. Sim, é verdade que há a necessidade de uma legitimidade biológica para fugir de concepções sexuais de uma absurdidade metafísica sem igual. Contudo, a vantagem de aplicar um modelo inserido na dinâmica de relações e actos de comunicação a que o mundo se rege, insiste no glamour que o sexo merece e que dele nos entusiasma. Afinal o que seria do sexo do séc. XXI sem pornografia, comédias românticas, revistas femininas ou viagra? A verdade é que não sabemos e nunca havemos de descobrir. O sexo contemporâneo vive na imaginação individual e colectiva, nos paradigmas intelectuais a que se insistem e, consequentemente, na sua tão excitante discussão ideológica. O sexo presenteia, satisfaz, magoa e ofende. A sede que nos leva a beber um copo de água dificilmente chega a ter tão confusas proporções. Um professor e amigo sugere que a sexologia dificilmente deveria ser abordada como uma terapêutica de cariz individual mas inserida nas problemáticas conjugais (porque se temos sex problems, temos marital problems). A inserção do sexo na problemática relacional tem de ser melhor considerada, especialmente porque transpõe os limites de uma cama conjugal, para as extras- e para todas as outras relações, sugestões e pressões sociais que põem em desconforto aquilo que a actividade deveria ser: saudável e confortável, para todos os envolvidos. Fantasiar sexualmente é um exercício adorável. Um manifesto à criatividade sexual e íntima urge em ser escrito e declamado entre mulheres e homens conjuntamente. Strap-ons, ménage à trois, aquilo das 50 sombras de qualquer coisa, clareamento anal caseiro. De Olhos Bem Fechados do Kubrick. Lovely jubbly. Pano para muitas mangas. [quote_box_right]E é isto: na sede pela competição quantitativa e qualitativa pela performance, o sexo salpica-se de uma crueldade movida pelo desejo de ser o melhor. Surpresa! Parece que não há grande consenso sobre o significado de ser bom na cama (ou fora dela). O pessoal faz como pode[/quote_box_right] O problema (como tantos outros) é que as representações do sexo estão muito longe de ser unânimes. Ainda bem e ainda pior, é que a sua diversidade leva a um desentendimento por vezes interessante, por vezes problemático, mas que poucas pessoas têm consciência da sua natureza. E não, os homens não são de Marte e nem as mulheres são de Vénus (literatura encontrada em bibliotecas masculinas que em nada lhes poderá ter ajudado a um relacionamento heterossexual feliz). Homens e mulheres são o que se fazem deles, na tentação irresistível de fazer generalizações. Já se sabe que os homens medem o seu Júnior na esperança de atingir um heroísmo sexual isento de esforço, e as mulheres discutem os seus tamanhos no café, espalhando a fama dos detentores de um tal objecto fálico que facilmente se compra numa sex shop, em muito melhores condições. E é isto: na sede pela competição quantitativa e qualitativa pela performance, o sexo salpica-se de uma crueldade movida pelo desejo de ser o melhor. Surpresa! Parece que não há grande consenso sobre o significado de ser bom na cama (ou fora dela). O pessoal faz como pode. A proposta é simples: um tema daqueles que precisam de ser discutidos, por cada conjunto de palavras que teimam em ser escritas. Uma tentativa de integrar as ideias e as experiências do sexo na sua pluralidade, ou, pelo menos, pensar nelas. Ideias carregadas na bagagem de quem salta por aqui, ali, por Macau e por acolá. Exercícios de semi-associação livre do tal tema do sexo.