Quem foi, foi

[dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]uem foi outrora um amante e o deixou de o ser, junta-se à colecção daqueles que deixámos para trás, mas que, ainda assim, preenchem histórias e as memórias românticas/sexuais de uma vida. As separações e os divórcios vão acumulando um manancial de pessoas popularmente conhecidas por ‘ex’. Pessoas com quem partilhámos grandes momentos de intimidade, sem roupa, com gemidos, outros sorrisos e às vezes choros. E agora já não se partilha: é a morte do conjunto, da sinergia. O fim de relacionamentos românticos traz a dor de perda e a necessidade de um processo de luto, com a excepção que ninguém morreu, só o relacionamento. Morrem relacionamentos, partem-se corações, fala-se de dor e chora-se (bastante) por ela, perdemo-nos em ataques de ansiedade e em negativismo. A vida nunca será a mesma. E com corações partidos criam-se mundos de vidas, de músicas, literatura e arte. Não só pela necessidade de ventilação pelo criador, mas pela partilha que poderá levar a tantos outros corações a se sentirem entendidos. Há sempre corações a precisarem de cura.
Independentemente da duração do relacionamento, cada um de nós desenvolve-se e cresce em função desta ligação que apareceu com a mais bela história de amor e de sexo e que, por várias razões, pode torna-se num thriller de ansiedade e tristeza. Acabar com um relacionamento traz dificuldades emocionais, por mais psicologicamente apto que uma pessoa se possa sentir. A nossa identidade é moldada e incorporada na coisa que se cria. A coisa que se cria é uma vida a dois que, ao terminar, obriga a um renascimento individual. Torna-se num período de negociação de identidade, e o luto não é só do desaparecimento do outro, mas do desaparecimento de si próprio com o outro.
Não admira, portanto, que mesmo com relacionamentos que estejam com os pés para a cova e a morte esteja mais do que anunciada, que a tristeza persista. Para os não-pessimistas a cisão permite mudança e oferece-nos liberdade para fazermos aquilo que nos dá na gana. Mas o desconhecido não deixa de ser o desconhecido, nem deixa de ser assustador para muitos.
O que deixámos no passado são pessoas que muito provavelmente nos tocaram nus e com quem fodemos continuamente. Por isso, para além de um coração partido temos um sexo destroçado. Os órgãos nunca mais se tocarão, os corpos nunca mais se enrolarão nos lençóis que trocaram em conjunto. Porque se há um coração em sofrimento e uma cabeça num constante diálogo interno de raiva, insatisfação e de auto-comiseração, o sexo demorará a encontrar uma nova via de expressão. Depois de um hábito sexual, por mais excitante que seja diferença, o sexo sente-se arrancado do conforto que é estar com alguém de quem se gosta e de quem se conhece as manhas (sexuais).
Os popularmente conhecidos como ‘rebound’ são aqueles engates de pouca ligação emocional: uma ligação estritamente sexual na esperança que o acto faça esquecer o anterior amante e amor. O problema, e muitos esquecem-se disso, é que não se trata de uma forma de resolução eficaz, bom sexo não vai cuidar uma ferida emocional da mesma forma que um sentimento de satisfação pessoal vai em muito influenciar sexo potencialmente espectacular, ou seja, alta auto-estima resulta em sexo fantástico, mas sexo fantástico não vai necessariamente contribuir para um aumento de auto-estima, especialmente quando nos sentimos emocionalmente debilitados por uma separação.
Se há dicas para emocionalmente ultrapassar separações, com alguma certeza afirmo que não há dicas para o luto sexual por aí. O pénis e a vagina precisam de ser ouvidos e entendidos, de alguma forma. No remoinho maniaco-depressivo onde o coração e o cérebro se encontram em permanente conflito, quanto espaço o sexo precisa?

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